A Gestão Democrática Das Cidades Do Brasil - Sturza e Coitinho

7952

A GESTO DEMOCRTICA DAS CIDADES NO BRASIL: CONSTRUINDO UMA SOCIEDADE PARTICIPATIVA*

THE DEMOCRATIC MANAGEMENT OF THE CITIES IN BRAZIL: CONSTRUCTING A SOCIETY PARTICIPATIVA

Janaina Machado Sturza Viviane Teixeira Dotto Coitinho

RESUMO

A participao ativa dos atores sociais na gesto democrtica da cidade surge como instrumento basilar na consecuo da poltica urbana. Assim, planejar o princpio bsico da atividade estatal, pois quem impulsiona e exerce essa ao de ordenao precisa ter conscincia do que seja desejvel para o local sob o qual exerce a administrao, mas tambm do que razoavelmente pode lograr com os meios de que dispe. Assim, a espantosa urbanizao ocorrida nos ltimos anos nas cidades criou inmeras demandas sociais e urbanas, visto que, muitas destas cidades possuem seu territrio ocupado em desacordo com a legislao urbanstica, no disponibilizando de infra-estrutura e servios urbanos bsicos. Diante disso, verifica-se atualmente a existncia de inmeros princpios tendentes a regular a participao direta da sociedade na produo e gesto democrtica das polticas pblicas, ampliando-se, sobretudo, os instrumentos destinados administrao municipal para sua implantao em mbito local. Portanto, a gesto democrtica das cidades tem como escopo principal a promoo de polticas pblicas que visem primordialmente o desenvolvimento e o planejamento urbanstico das cidades brasileiras.

PALAVRAS-CHAVES: GESTO DEMOCRTICA. SOCIEDADE PARTICIPATIVA. ESTATUTO DAS CIDADES

ABSTRACT

The active participation of social actors in the democratic management of the city emerges as basic instrument in achieving urban policy. So, planning is the basic principle of state activity, because who drives and performs this action needs to be aware of what is desirable for the place where it is practiced the administration, but also of what can reasonably achieve with the available means. Thus, the astonishing urbanization that occurred in recent years in the cities has created numerous urban and social demands, due to the fact that many of these cities have been occupied, in disagreement with the planning legislation, not providing infrastructure and basic urban services. Considering this, it is verified the existence of several principles designed to regulate the direct participation of society in the production and democratic management of public policies, extending, mainly, the instruments destined to the

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em So Paulo SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

7953

municipal administration to its implementation locally. Therefore, the democratic management of cities has as main purpose the promotion of public policies which aims primarily the urban planning and development of cities.

KEYWORDS: DEMOCRATIC MANAGEMENT. PARTICIPATIVE SOCIETY. CITIES STATUTE.

CONSIDERAES INICIAIS

O processo de gesto uma funo orgnica bsica da administrao, consubstanciando-se nos mais diversos processos com o intuito de estabelecer quais as aes de gesto so desejveis e como as mesmas sero elaboradas. O conceito de gesto, analisado sob a tica da administrao, relaciona-se com o conjunto de recursos e atividades destinadas ao ato de gerir. Nas palavras de Tavares[1], gesto fazer administrao nas organizaes e, para tanto, procura reunir planejamento estratgico e administrao em um nico processo.

O ato de governar, portanto, se torna um processo interativo, tendo em vista que nenhum agente social possui, isoladamente, conhecimento e recursos para resolver estes problemas, havendo, portanto, a criao de redes e de parcerias pblicas-privadas, que nada mais so do que processos polticos, cada dia mais dominantes no novo mundo urbano fragmentado e essencial dentro deste agir governamental.

Desta forma, a gesto urbana tambm pode ser entendida como uma atividade intervencionista da administrao sobre o urbano[2], apresentando, nesse sentido, um novo conceito em gesto pblica e poltica, no qual se conjugam os conceitos tradicionais do princpio da autoridade estatal, juntamente com novas tendncias de uma gesto compartilhada e interinstitucional que envolve o Poder Pblico, a sociedade e a iniciativa privada. Caracteriza-se, portanto, como o conjunto de recursos e instrumentos para serem aplicados na cidade como um todo, visando a qualificar a infra-estrutura e os servios urbanos, propiciando melhores condies de vida e aproximando os cidados nas decises e aes do poder pblico e utilizando-se para isso de recursos da tecnologia, da informao e da comunicao, como forma de efetivao de uma democracia participativa.[3]

Nesta conjuntura, planejar o princpio bsico da atividade estatal, seja na rea poltica, financeira, social ou urbana, pois quem impulsiona e exerce essa ao de ordenao

7954

precisa ter conscincia do que seja desejvel para o local sob o qual exerce a administrao, mas tambm do que razoavelmente pode lograr com os meios de que dispe, ou seja, utilizar-se adequadamente dos instrumentos na consecuo das suas aes.[4]

Assim, a espantosa urbanizao ocorrida nos ltimos anos nas cidades criou inmeras demandas sociais e urbanas, visto que, muitas destas cidades possuem seu territrio ocupado de forma irregular, ou seja, em desacordo com a legislao urbanstica, no disponibilizando de infra-estrutura e servios urbanos bsicos. Diante disso, verifica-se atualmente a existncia de inmeros princpios tendentes a regular a participao direta da sociedade na produo e gesto democrtica das polticas pblicas, ampliando-se, sobretudo, os instrumentos destinados administrao municipal para sua implantao em mbito local.

Diante disto, o sentido da palavra gesto surge com uma grande amplitude de responsabilidade de coordenao e planejamento, implicando a gesto democrtica das cidades, a participao dos seus cidados e habitantes nas funes de direo, planejamento, controle e avaliao das polticas pblicas urbanas.[5] O desafio est, pois, em identificar os complexos problemas e as diversas demandas que compe o caos urbano no Brasil e buscar, a partir do equilbrio dos recursos e dos meios disponveis, planejar e gerir os processos e instrumentos de desenvolvimento e produo tanto do espao urbano, quanto do social.

Em matria de desenvolvimento, organizao e planejamento urbanstico, nossa Carta Constitucional foi inovadora, definindo o plano diretor como instrumento bsico da poltica urbana e da consecuo da funo social da propriedade urbana e da cidade, bem como estabelecendo ao poder pblico municipal a responsabilidade pela sua execuo, podendo, para tanto, contar com a cooperao da iniciativa privada e dos demais setores da sociedade.

Necessrio se fez, para os governos municipais executarem as polticas urbanas, a regulamentao do texto constitucional, fato que logrou xito a partir da Lei n 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada de Estatuto da Cidade, o qual ingressou no mundo jurdico portando um arsenal de novidades de direito urbanstico. E entre suas importantssimas disposies incluiu normas que buscam democratizar o processo de gesto das cidades brasileiras.

Diante do desenvolvimento das cidades, a efetiva participao popular na gesto democrtica da cidade surge como importante instrumento na consecuo da poltica urbana, sobretudo atravs do Estatuto da Cidade, onde certamente suas disposies

7955

surpreenderam muitos, especialmente os que encaram a democratizao como um processo que pressupe condies e requisitos, que invariavelmente nunca esto devidamente preenchidos pela sociedade brasileira. A estes fica, desde j, oposta a constatao de que, se fosse possvel a consolidao de um regime democrtico sem a prtica democrtica, nossa nao seria exemplo universal de democracia.

O Estatuto da Cidade, portanto, inova o ordenamento jurdico ptrio em vrios aspectos. Traz inovaes ansiosamente aguardadas, permitindo a aplicao de diversos dispositivos constitucionais igualmente inovadores, a utilizao de instrumentos urbansticos modernos, enfim traz um ferramental absolutamente fundamental para que tenhamos, em nossos diversos Municpios, uma poltica urbana, haja visto que atingir os objetivos fundamentais desta poltica, estabelecidos pelo artigo 182 da Constituio Federal - ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes - est diretamente condicionado pela gesto democrtica das cidades, a qual caracteriza-se como a razo da prpria existncia do Estatuto da Cidade.

Fundamentos constitucionais da gesto democrtica das cidades

Uma democracia participativa, no planejamento e na gesto urbana, ser alcanada atravs dos elementos normativo-regulatrios de gesto democrtica das cidades. Para isso, iniciamos pelos fundamentos constitucionais a respeito desta temtica, onde teremos a base do ordenamento jurdico de um Estado no que se refere maneira como se relacionam os poderes constitudos e a sociedade.

a Constituio que, ao definir as caractersticas do Estado, estabelecendo seus objetivos fundamentais, j define tambm os traos fundamentais dos instrumentos, meios e modos de atuao de seu ramo executivo, especialmente no relacionamento com os cidados.[6]

Todavia, antes mesmo da fundamentao constitucional e posterior regulamentao pelo Estatuto da Cidade, a Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, considerava a participao poltica um direito fundamental de todas as pessoas, asseverando no seu artigo XXI que [...] todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu pas diretamente ou por intermdio de representantes livremente escolhidos [...] e, ainda, que [...] a vontade do povo ser a base da autoridade do Governo [...].[7]

7956

Na condio essencial para a gesto democrtica das questes urbanas, a participao popular no foi expressamente prevista no captulo da Carta Constitucional referente poltica urbana. Entretanto, ao iniciarmos uma anlise pelo prembulo e pelo artigo 1 e seu pargrafo nico, verifica-se que o constituinte autodenomina-se representante do povo brasileiro, de onde afirma emanar todo o poder poltico do Estado Democrtico de Direito que proclama institudo, sob a forma republicana. A democracia, ento, o resultado da delegao de poder do povo aos seus representantes eleitos e pode expressar-se tambm por meio da participao popular direta e de instrumentos de prticas democrticas.[8]

Estas proclamaes, portanto, no constituem apenas declaraes polticas vagas e imprecisas, mas sim verdadeiros princpios constitucionais, que [...] ocupam o lugar mais alto e nobre na hierarquia dos ordenamentos jurdicos [...][9] e norteiam a interpretao e aplicao tanto das prprias regras constitucionais, como de toda a legislao infraconstitucional, inclusive, das normas sobre gesto participativa na cidade veiculadas pelo Estatuto da Cidade. Assim, quanto relevncia dos princpios constitucionais, pode-se afirmar que:

Os princpios constitucionais so importantes vetores para a realizao de transformaes qualitativas nos espaos urbanos, para a melhoria da qualidade de vida de grande contingentes populacionais, para a proteo e salvaguarda do meio ambiente, para a consecuo de espaos urbanos dignos habitao, recreao, circulao e trabalho. [10]

O princpio da soberania popular, da democracia e da repblica so os princpios constitucionais que refletem importantes conseqncias, sobretudo quanto legitimao do povo para o exerccio de uma participao direta na conduo da coisa pblica:

A legitimao popular, sem dvida, decorre lgica e diretamente da forma de governo (Repblica), do tipo de Estado (Democrtico de Direito) eleito pelo constituinte, alm claro da titularidade do poder que lhe foi conferida. Mas no s disso. A cidadania, parece-nos, o grande fator de legitimao do povo, permitindo que haja em defesa das instituies democrticas.[11]

Desta forma, um dos princpios de maior importncia para o desenvolvimento de polticas urbanas o da soberania popular, expresso da democracia, sistema de governo que, no caso brasileiro, reflete a consecuo da participao direta e indireta dos cidados, em iguais condies polticas, na administrao e gesto da coisa pblica, sendo elemento indispensvel para a escolha e o direcionamento de opes e aes das polticas estatais.[12]

7957

Assim, a democracia vista pelos juristas, como verdadeiro princpio jurdico-constitucional, igualmente fundamenta a exigncia de participao popular ao propugnar a chamada identidade democrtica:

Logo, a primeira conseqncia do princpio democrtico ser, realmente, a necessidade de tornar, tanto quanto possvel, efetiva, real essa identificao entre governantes e governados, vale dizer, tornar mais ampla possvel a participao do povo no governo.[13]

Seguindo esta abordagem, a opo do constituinte de 1988 foi pela adoo de um sistema democrtico semidireto ou participativo, em que, pela anlise sistemtica dos princpios e normas constitucionais que se referem ao tema, apontam para um sistema que se aparta da representatividade tradicional,[14] sobretudo com a modificao de redao experimentada pelo artigo 1, pargrafo 1 da Carta Constitucional, que revela uma modificao substancial na forma de exerccio do poder poltico, deixando de lado o tradicional "Todo poder emana do povo e em seu nome ser exercido" para, mantendo-se a soberania popular, alterar-se a forma de exerccio do poder que passa a ser exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente.

Assim, seguem-se outros mandamentos constitucionais que visam agregar esta caracterstica de democracia participativa, como o artigo 14 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil que estabelece, em rol exemplificativo, outras formas de exerccio direto da soberania popular, concorrentemente ao sufrgio universal. Nesta ceara, o direito de participao popular expressamente referido em diversas outras passagens, como na exigncia de participao das associaes representativas no planejamento municipal (artigo 29, XII), no gerenciamento da seguridade social (art. 194, pargrafo nico, VII), da sade (art. 198, III), da assistncia social (artigo 204, II) e da educao (artigo 206, VI), entre outros inmeros dispositivos que se ligam, direta ou indiretamente, ao tema.

Portanto, o texto constitucional estabelece um sistema de exerccio do poder poltico, onde a tradicional representao e a interveno direta do povo conjugam-se no sentido de os "particulares, os cidados e os destinatrios finais das aes estatais paulatinamente esto deixando de ser considerados como intrusos nas atividades administrativas, especialmente nos processos de tomada de decises".[15]

A participao popular, alm de ser uma forma de exerccio do poder poltico no Estado, ou de um mecanismo de correo das atividades estatais, mecanismo que

7958

garante a eficcia social da Constituio, cuja inaplicabilidade acaba perpetuando o estado de desigualdade presente no somente no espao urbano territorial, mas dentro da sociedade. Nos termos como est concebida, ela dever ter lugar em todos os nveis de exerccio do poder poltico, sendo, porm, o nvel local, por excelncia, seu habitat natural

A proximidade entre o povo e os governantes, principalmente nas comunidades menores, constitudas pela grande maioria dos municpios, elemento incentivador e facilitador da participao:

Como clula poltica da organizao nacional, no Municpio que se apresentam as condies propcias participao popular, no s pela existncia de uma relativa homogeneidade na composio de cada comunidade local como pela maior possibilidade de identificao dos interesses comuns e dos meios a serem utilizados para a sua realizao.[16]

Desta forma, pode-se afirmar que o fortalecimento do poder local, atravs do municpio, como condio de existncia da democracia, assume grande relevncia ao demonstrar a importncia das regras sobre gesto democrtica das cidades para a efetividade da democracia participativa, estabelecida pela nossa Constituio Federal.

Fundamentos especficos da gesto democrtica das cidades

No somente os princpios constitucionais embasam o redimensionamento da gesto urbana para uma base mais democrtica, mas tambm normas especiais dentro do ordenamento jurdico seguem neste sentido. Assim, com o ingresso no mundo jurdico do Estatuto da Cidade, Lei n 10.257, de 10 de julho de 2001, que temos a incluso de normas especficas que buscam, alm de instituir diretrizes e instrumentos urbansticos, democratizar o processo de gesto das cidades brasileiras.[17]

O objetivo proposto no Captulo IV acaba vindo ao encontro de importantes postulados constitucionais como o da soberania popular, do Estado Democrtico de Direito, da representao e da participao popular e de encontro com aqueles que encaram a democratizao como um processo que pressupem condies e requisitos, nem sempre possveis de serem preenchidos pela sociedade brasileira.[18] Assim:

Uma viso elitista antepe diversos tipos de pressupostos que julga necessrios existncia e realizao da democracia. [...] A contradio evidente, pois supe que o

7959

povo deve obter tais requisitos para o exerccio da democracia dentro de um regime no democrtico; que as elites devem conduzi-lo a uma situao que justamente se ope aos interesses delas e as elimina. Teremos, enfim, a singularidade de aprender a fazer a democracia em um laboratrio no democrtico. [...] A democracia no precisa de pressupostos especiais. Basta a existncia de uma sociedade. Se seu governo emana do povo, democrtica; se no, no o .[19]

As normas referentes gesto democrtica das cidades, dispostas no Estatuto da Cidade esto diretamente relacionadas com a democracia participativa acolhida no texto da nossa Constituio vigente. Neste sentido, o texto constitucional deve funcionar no somente como simples fundamento poltico, mas como verdadeiro norteador tanto do processo interpretativo do Estatuto da Cidade, quanto da legislao que lhe venha complementar.[20]

A utilizao efetiva dos instrumentos criados pela Constituio Federal e que foram regulamentados pelo Estatuto da Cidade, principalmente daqueles que se referem gesto democrtica participativa, que um smbolo de democracia e proporciona um certo grau de fiscalizao da mquina pblica e divide as responsabilidades dualmente, entre o setor pblico e privado, e juntamente com uma partilha eqitativa dos recursos tributrios reservados s cidades, implicaro na transformao das diretrizes e dos instrumentos do Estatuto da Cidade em verdadeira filosofia, com sua devida aplicao.[21]

A gesto democrtica da cidade vem especificamente tratada no Captulo IV e alcana a formulao e execuo dos seus instrumentos pelo artigo 43, a participao no oramento pelo artigo 44 e a participao nos organismos gestores das regies metropolitanas e aglomeraes urbanas, segundo o artigo 45 do Estatuto da Cidade, extraindo-se a idia de legitimao da gesto pblica atravs do procedimento. Nesse sentido:

Pelo processo administrativo supera-se a idia de imperatividade da Administrao. O cidado deixa de ser visto sdito para ser colaborador, inclusive, o vocbulo administrado vem sendo evitado por indicar estado de sujeio. Afinal, o cidado deve ser considerado como titular do poder, pois na democracia o poder pertence ao povo. esse reconhecimento que promove a legitimao do poder.[22]

A criao de instrumentos pblico-privados para a consecuo da gesto democrtica da cidade no processo de ordenao e planejamento do espao urbano , atualmente, de grande valia. Destacaremos, a seguir, os principais aspectos que formam cada um destes instrumentos, inclusive a sua importncia para a implementao de polticas pblicas urbanas de desenvolvimento e planejamento nas cidades brasileiras.

7960

Inicialmente, a redao do artigo 43 acaba arrolando nos seus incisos, os instrumentos que devero ser utilizados para garantir a gesto democrtica das cidades, sendo que se trata de um rol meramente exemplificativo, diante do uso da expresso entre outros, em seu caput. Historicamente, a inexistncia da interlocuo popular produziu planos e leis urbansticas, cujos padres e parmetros refletem apenas a maneira como as elites se instalam na cidade. Alguns instrumentos contidos no Estatuto da Cidade so especificamente desenhados para incluir os diversos setores da sociedade no debate da poltica urbana, previstos pelo Estatuto da Cidade em todos os mbitos de governos.[23]

Como primeiro instrumento apresentam-se os rgos colegiados de poltica urbana, nos nveis nacional, estadual e municipal, os quais o prprio legislador no definiu sua caracterizao, porm, baseados nas experincias em matria de gesto democrtica, j ocorridas no pas, pode-se extrair dois modelos bsicos: aqueles com participao exclusiva da sociedade civil, denominados de Conselhos Populares e aqueles compostos por representantes do Poder Pblico e da sociedade civil, em composio paritria (representantes da sociedade e do governo) ou tripartite (representantes do governo, da sociedade civil organizada e de representantes escolhidos pela populao).[24]

A composio do rgo deve garantir a participao de todos os segmentos sociais relevantes no municpio, o que, inclusive, pode ser pleiteado atravs de aes judiciais patrocinadas pelos prprios interessados. Desta forma, a liberdade para a instituio de tais rgos colegiados grande, e cada municpio poder adotar a estrutura quelhe for conveniente. Nesse sentido:

O princpio da participao popular tem como elemento, para identificar o seu cumprimento, o exerccio do direito igualdade, pois no pode haver excluso de qualquer segmento da sociedade nos processos de tomada de decises de interesse da coletividade. Portanto, qualquer pessoa e em especial os grupos sociais marginalizados tm o direito de participar do processo de planejamento municipal, ou seja, do processo do plano diretor.[25]

Todavia, deve ficar consignado que alguns requisitos mnimos devem ser observados, tais como os que so extrados da interpretao sistemtica e teleolgica do Estatuto e de suas bases constitucionais. Assim, a prerrogativa de indicar os membros de tais rgos deve ser atribuda ou s sociedades civis que nele tm assento, ou populao, no caso da composio tripartite acima mencionada. No cabvel a atribuio de tal poder ao Chefe do Executivo ou a qualquer rgo governamental, pois isso desvirtuaria o carter de colegiado democrtico que a legislao objetivou imprimir a tais conselhos.[26]

7961

O Estatuto da Cidade, no inciso II do artigo 43, impe que sejam realizados, no processo de elaborao, acompanhamento e controle da poltica urbana, debates, audincias e consultas pblicas, que possuem o objetivo de atingir a fase de gestao dos atos de governo, diante da premissa de que, na ausncia da participao popular, o resultado das deliberaes ser invlido. Nestes casos, as hipteses de obrigatoriedade da realizao de audincias, debates e consultas sero previstas no Plano Diretor e na prpria legislao administrativa disciplinadora de sua elaborao, sendo que o prprio Estatuto da Cidade, segundo disposto no artigo 2, XIII, j prev o caso de audincia obrigatria, que a torna imprescindvel nos processos de instalao de empreendimento ou atividades com efeitos potencialmente danosos, seja para o meio ambiente, como para a segurana da populao[27], bem como na elaborao do plano plurianual, da lei de diretrizes oramentrias e da lei oramentria anual, o chamado oramento participativo.[28]

Com base no preceito constitucional do planejamento participativo, por meio da cooperao das associaes representativas no planejamento municipal (artigo 29, inciso XII), as audincias pblicas se tornam obrigatrias no Legislativo Municipal para a aprovao dos instrumentos de planejamento municipal que so o plano plurianual, a lei de diretrizes oramentrias, oramento anual e o Plano Diretor. As audincias pblicas cumprem o papel de tornar transparente o processo de tomada de deciso, ao promover a publicidade dos objetivos e de medidas previstas nesses instrumentos, assegurando o direito dos cidados informao.

J o inciso III do referido artigo 43 trata das conferncias sobre assuntos de interesse urbano, sendo, para Bucci, "[...] foros para a formao de uma cultura de participao popular e consulta democrtica na formulao de polticas, do que propriamente como um expediente legal vinculante".[29] Ainda, devem ser realizadas no mbito nacional, estadual e municipal.

Este instrumento colocado disposio da gesto democrtica das cidades visa a assegurar um processo amplo e democrtico de participao da sociedade na elaborao e avaliao de uma poltica pblica, possuindo como objetivo a mobilizao do Governo e da sociedade civil para a discusso, a avaliao e a formulao das diretrizes e instrumentos de gesto das polticas pblicas, definindo um planejamento para a consecuo das prioridades da cidade.[30] Desta forma configura-se como um espao pblico privilegiado para estabelecer parcerias e legitimar as aes e medidas referentes poltica urbana, alm de ser um instrumento de participao popular que pode possibilitar um processo democrtico nas cidades.[31]

7962

A iniciativa popular de projeto de lei, planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano vem prevista no inciso IV. Neste ltimo, a norma inova ao diferenciar a iniciativa de projetos de lei daquela referente a planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, sem, entanto desvincular as polticas pblicas da estrita legalidade, visto que, no Brasil, todo plano urbanstico h de ser aprovado por lei.[32] Mas nos parece que o legislador instituiu uma verdadeira iniciativa da gestao de polticas pblicas, a ser manifestada perante o executivo. Atravs dela, portanto, a populao desencadearia um processo de planejamento urbano, dentro da Administrao.

Desconsiderando os posicionamentos doutrinrios que insistem em valorizar o princpio representativo, nosso texto constitucional bem claro ao adotar a democracia participativa como princpio fundamental, reflexo direto da soberania popular, portanto, a iniciativa popular cabvel ainda que a matria do projeto seja de iniciativa privativa do Chefe do Executivo.[33]

Neste sentido, a democracia participativa tem como pressuposto o direito de participao do cidado no campo das polticas pblicas, o que significa o direito de apresentar propostas de lei, de programas, planos, projetos de interesse pblico e social, como aqueles destinados implantao de equipamentos, infra-estruturas e servios nos espaos urbanos que demandam uma gesto e um planejamento adequado, com o objetivo de solucionar os problemas causados pelo caos urbanstico.[34]

O plebiscito e o referendo deveriam fazer parte do artigo 43 do Estatuto da Cidade em seu inciso V, como instrumentos de gesto democrtica, no entanto, foram vetados. A razo principal do veto a existncia da Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998, que j regula tais institutos.[35] Apesar do veto, tais instrumentos continuam arrolados no artigo 4 do Estatuto, como instrumentos de poltica urbana, e devero ser objeto de legislao municipal que delimitar os "temas que podem ser objeto de referendo e plebiscito e as matrias referentes fase de solicitao e da aprovao destes pela Cmara Municipal".[36] Os Municpios, com base na competncia constitucional de legislar sobre assuntos de interesse local, e de suplementar a legislao federal no que couber (artigo 30, I e II), podem legislar sobre o referendo e o plebiscito.

No artigo 44, o Estatuto da Cidade estabelece o que vem sendo chamado de gesto oramentria participativa. A realizao de audincias pblicas, debates e consultas sobre as propostas das trs leis oramentrias, alada ao nvel de verdadeira condio de procedibilidade do oramento. Sem a realizao de tais providncias democratizantes, no poder haver a aprovao das leis do oramento pelo Legislativo.

7963

Em verdade, a participao popular no oramento, por exemplo, passa a ser obrigatria, o que leva concluso de que, em sua ausncia, o processo de elaborao do oramento viciado, podendo ensejar disputa judicial. Imagine-se que no tenha havido qualquer audincia pblica, no pode o juiz entender inexistente o oramento ou ser ele nulo? Poder, em ao civil pblica, conceder liminar a fim de o prefeito ou a Cmara proceder nos termos da lei, ouvindo a comunidade? Ser que isso no ingerncia de um poder no outro? Parece-nos que a lei erigiu a participao popular (por qualquer forma que se a entenda) como condio obrigatria para aprovao do oramento e, pois, requisito de validade, o que admite o controle judicial, uma vez que se cuida de legalidade do ato que venha a ser emanado.[37]

O Estatuto da Cidade, portanto, erigiu a participao popular como condio obrigatria para aprovao do oramento, como requisito de validade, o que admite o controle judicial, uma vez que se cuida da legalidade do ato que venha a ser emanado. O fundamento para a instituio deste instrumento de controle das finanas pblicas no mbito da Unio, Estados e Municpios so os princpios constitucionais da participao popular e da democracia direta, preconizados no pargrafo nico do artigo 1 da Constituio Federal de 1988. Ainda, na seo referente fiscalizao contbil, financeira e oramentria, a Constituio Federal de 1988, pelo 2 do artigo 74, confere legitimidade para qualquer cidado, partido poltico, associao ou sindicato na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da Unio.[38]

Portanto, para o cidado exercer o seu direito de fiscalizao das finanas pblicas, especialmente da execuo dos oramentos pblicos, requisito essencial o direito participao na elaborao e execuo dos oramentos, o que significa direito obteno das informaes sobre as finanas pblicas, bem como participao nas definies das prioridades da utilizao dos recursos pblicos e na execuo das polticas pblicas.[39]

J em seu artigo 45, o Estatuto da Cidade dispe que os Estados Federados, a quem cabe, em conformidade com o 3 do artigo 25 da Constituio Federal, instituir, mediante lei complementar, regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies, que os organismos gestores tenham significativa participao popular e de associaes civis nas deliberaes e no acompanhamento de suas determinaes, ou seja, que tambm dever haver a participao da populao na elaborao dos planos urbansticos metropolitanos ou regionais, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exerccio da cidadania.[40]

Os conceitos de regio metropolitana, aglomerao urbana e microrregio no so pacficos na doutrina e na legislao, constituindo-se em agrupamentos de municpios limtrofes que passam a integrar a organizao, o planejamento e a execuo de funes

7964

pblicas de interesse comum.[41] Somente nelas, pois, ter lugar o organismo gestor referido no artigo 45 do Estatuto, o que explica a falta de referncia s microrregies. Cabendo aos Estados que tm a competncia para legislar e organizar as regies metropolitanas, disporem sobre os mecanismos de participao popular nesse mbito, como por exemplo, os conselhos metropolitanos, comits de bacias hidrogrficas, conselhos metropolitanos de saneamento, transporte e habitao.

O controle direto das atividades, objetivado no final do artigo, relaciona-se ao controle social, referido no artigo 4, 3, do Estatuto da Cidade e soma-se ao controle externo sobre as atividades de cada um dos Poderes, exercido pelo Poder Legislativo, com auxlio dos Tribunais de Contas (artigos 70 e 71 da Constituio Federal), e ao controle interno, exercido pelos Poderes Pblicos sobre suas prprias atividades (artigos 70 e 74).[42]

A idia de pleno exerccio da cidadania remete, entre outras, noo de controle judicial dos atos emanados dos organismos gestores, sendo que uma das manifestaes nesse sentido a proposio de ao popular, hoje prevista no artigo 5, LXXIII, da Constituio Federal, sem falar nas reclamaes sobre servios pblicos, no acesso informaes, no direito de representao (artigo 37, 3 da Constituio Federal) e no controle da improbidade administrativa (artigo 37, 4 da Constituio Federal), bem como em todas as formas legais de controle dos atos administrativos e de governo, de iniciativa de cidados ou entidades representativas da sociedade civil.[43]

Fundamentos esparsos da gesto democrtica das cidades

As normas referentes gesto democrtica das cidades no se encontram somente no Captulo IV do Estatuto da Cidade, h, todavia, diversas normas esparsas que se afinam com a forma compartilhada de gesto municipal. No artigo 2, incisos II, III e XIII encontram-se as primeiras referncias gesto democrtica em consonncia com as suas diretrizes gerais, afirmando que a gesto democrtica, a cooperao entre governo, iniciativa privada e populao no processo de urbanizao e a obrigatoriedade de audincia do poder pblico municipal e da populao interessada para a implantao de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construdo, o conforto ou a segurana da populao so, na realidade, princpios jurdicos, vetores para a interpretao do Estatuto e da legislao que lhe d complemento.[44]

Nos dispositivos referentes aos chamados instrumentos de poltica urbana, o Estatuto traz regramentos relacionados gesto democrtica: a gesto oramentria participativa (artigo 4, II, "f", esmiuada no artigo 44); o plebiscito e o referendo (artigo 4, II, "s") e

7965

os estudos prvios de impacto de vizinhana EIV, e de impacto ambiental - EIA (artigo 4, VI). Ainda, o pargrafo 3 do artigo 4 tambm estabelece o controle social do dispndio de recursos, no qual exigida a participao da comunidade no controle da utilizao dos instrumentos de poltica urbana que demandem o dispndio de recursos pblicos.[45]

O artigo 33, VII, exige que a lei especfica que aprove a constituio de uma operao urbana consorciada preveja controle compartilhado da operao com a sociedade civil. O artigo 37, pargrafo nico, exige a publicidade dos documentos integrantes do Estudo de Impacto de Vizinhana. A mesma exigncia de publicidade repetida com relao ao Plano Diretor, no artigo 40, 4 da lei sob comento.[46]

O acesso s informaes elemento primordial para a democratizao da gesto da cidade, que dever ser utilizado por qualquer cidado e no apenas pelos rgos da administrao municipal, permitindo eliminar a apropriao indevida do conhecimento sobre a cidade por pequenos grupos de tcnicos e servidores da mquina estatal, que atendem apenas os interesses da minoria privilegiada que sempre teve acesso s instncias do poder municipal.[47]

O processo de elaborao do Plano Diretor tambm objeto das preocupaes democrticas do Estatuto, estabelecendo o artigo 40, 4, obrigaes que atingem tanto o Poder Executivo como o Poder Legislativo, sendo, portanto, obrigatria a realizao de audincias e debates no mbito de ambos os poderes. Com efeito, a lei estabeleceu verdadeiro requisito de validade do Plano Diretor, em estreita vinculao com o estabelecido no artigo 29, XII, da Constituio Federal.[48]

Ora, o 4 do art. 40 obtm sua legitimidade no prprio texto constitucional, mais precisamente no art. 1 e seu 1 da C.F., no inciso XII, do art. 29, da C.F e no direito de petio inscrito no art. 5, incisos XXXIII e XXXIV, da C.F. Portanto, a lei que instituir o plano diretor, sem levar em conta os direitos da cidadania, previstos no 4 do art. 40 do Estatuto ser inconstitucional e, como tal, nula de pleno direito. Portanto o veto foi absolutamente incuo.[49]

Diante das normas especficas sobre a gesto democrtica da cidade, bem como dos instrumentos colocados disposio pelo Estatuto da Cidade para sua consecuo, importante ciatr os principais aspectos do processo de democratizao da gesto urbana. Neste sentido, o Estatuto da Cidade inova o ordenamento jurdico ptrio em vrios aspectos, principalmente quando sua funo, de ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes est diretamente condicionada pela gesto municipal democrtica. Portanto:[50]

7966

A constituio de um sistema de gesto democrtica da cidade no Municpio, condio essencial para os objetivos da poltica urbana serem atingidos, atravs da aplicao do plano diretor, uma vez que o processo de formulao e execuo das polticas pblicas, o planejamento municipal e o modelo de gesto da cidade so matrias vinculantes para a execuo do plano diretor.[51]

A gesto democrtica remete idia de um novo pacto territorial, em que o Direito no se distancie da justia, mas garanta que a cidade seja espao de convivncia de todos os seus habitantes, onde cada um possa desenvolver plenamente suas potencialidades, caracterizando-se numa frmula que seja portadora da mxima no apenas do governo pelo povo, mas tambm do governo da cidade para o povo, ampliando cada direito que se relaciona com a vida urbana.[52] No mesmo sentido afirma-se a importncia da gesto democrtica dentro do Estatuto:

A realizao do processo democrtico na gesto das cidades a razo da prpria existncia do Estatuto da Cidade, que resulta, ele prprio, de uma longe histria de participao popular, iniciada na dcada de 80, e que teve grande influncia na redao do captulo da poltica urbana da Constituio Federal (art. 182-183).

[...]

A plena realizao da gesto democrtica , na verdade, a nica garantia de que os instrumentos de poltica urbana introduzidos, regulamentados ou sistematizados pelo Estatuto da Cidade (tais como o direito de preempo, o direito de construir, as operaes consorciadas etc.) no sero meras ferramentas a servio de concepes tecnocrticas, mas ao contrrio, verdadeiros instrumentos de promoo do direito cidade para todos, sem excluses.[53]

Portanto, vlido salientar que a participao popular instrumento de legitimidade para a consolidao de polticas urbanas bem como se perfaz em canal de legitimao de interesses e direitos no realizados ou implementados pelo poder estatal. , pois, por meio do dilogo Estado-Sociedade, que se torna possvel uma nova viso e interpretao do direito, mais aberta, justa e consciente dos problemas scio-urbanos, motivo por que a participao popular essencial para uma nova leitura e aplicao dos instrumentos jurdicos para a justia social.[54]

CONSIDERAES FINAIS

7967

Para a consecuo de polticas urbanas, a participao popular requisito indispensvel para a validao e eficcia dos atos do Poder Pblico, sendo que somente o povo pode apontar as necessidades e urgncias para uma vida com maior qualidade nos espaos urbanos. Os planejamentos, programas e regras devem ser determinados pelas necessidades do povo, e estas s podero ser reveladas pelo contato com os cidados, por meio de uma abertura poltica que viabilize a gesto urbana com a participao de todos os atores sociais, e conseqentemente, com a democratizao do processo decisrio e do poder.[55]

Dentro deste contexto, as premissas da nova forma de gesto urbana devem incluir o ordenamento do desenvolvimento do espao urbano sem a destruio do meio ambiente, a implementao de equipamentos, infra-estrutura e servios urbanos compatveis com as necessidades de cada local, o fortalecimento da democracia e a gesto integrada e participativa entre o Poder Pblico e a sociedade. Ademais, o conhecimento e a informao sobre a gesto do espao urbano, sobretudo do processo de implementao das polticas pblicas urbanas, aumentam a conscincia da populao urbana, qualificando-a para participar, cada vez mais ativamente, dos processos decisrios.

A participao democrtica significa o envolvimento do cidado na gesto pblica, podendo ocorrer em todos os nveis de governo (local, regional, estadual e nacional) e de forma passiva ou ativa. A definio do nvel de participao dos cidados na formulao das polticas pblicas depender do tipo de liderana escolhida pelos governos. Eles podero optar por uma liderana que ignore as preocupaes e as contribuies diretas dos cidados ou inserir maior legitimidade s suas aes, atravs de uma participao ativa da comunidade, criando uma liderana equilibrada entre comando e entendimento. Esta escolha est entre os pontos importantes para a busca do desenvolvimento de uma gesto democrtica em nossas cidades.

necessrio que, no espao municipal, o Poder Pblico possa viabilizar a participao democrtica nas cidades como forma de construir, gradualmente, uma nova cidadania, em que os cidados possam administrar os interesses municipais juntamente com o Poder Pblico local, bem como participar tambm do processo legislativo de criao das leis para o desenvolvimento urbano municipal, onde a ampliao da soberania popular o ponto de confluncia que uma constituio democrtica deve manter para assegurar o seu prprio desenvolvimento. Em contrapartida, a vontade geral do respectivo povo sempre deve ser mediatizada, dividida e temporalizada.[56]

Desta forma, o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) surgiu como um instrumento que instituiu processos de gesto democrtica e participativa nas cidades, possibilitando aos cidados participarem na formulao, execuo e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Do mesmo modo, trata da gesto oramentria participativa, com a realizao de debates, audincias e consultas pblicas

7968

como condio obrigatria para aprovao das propostas das peas oramentrias municipais.

Hoje, verifica-se no Brasil que a gesto democrtica das cidades, com a conseqente participao dos habitantes das cidades, representa ao Poder Pblico municipal, em parceria com os diversos setores da iniciativa privada, subsidiado pelo Estatuto da Cidade e pelo Plano Diretor, um importante instrumento urbanstico, mpar e altamente estruturado para a consecuo de polticas pblicas de desenvolvimento e planejamento urbanstico nas cidades brasileiras, sobretudo visando a reconstruo e reordenao do espao urbano.

Portanto, a gesto democrtica das cidades tem como escopo principal a promoo de polticas pblicas que visem primordialmente o desenvolvimento e o planejamento urbanstico das cidades brasileiras, objetivando alcanar, nos espaos urbanos existentes, a consecuo das transformaes urbansticas necessrias em termos de infra-estrutura, melhorias sociais e a valorizao ambiental, surgindo neste processo como um importante instrumento de justia social.

REFERNCIAS

AMARAL, Roberto. A democracia representativa est morta; viva a democracia participativa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, So Paulo: Malheiros Editores, 2003.

BECKER, Evandro Luis. A implementao dos instrumentos de gesto democrtica da cidade como forma de consecuo de polticas pblicas para a soluo do caos urbanstico nas cidades brasileiras. Monografia de Especializao. Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, 2006.

BERGER, Maria Luiza Dias de Almeida. A democracia participativa e o papel dos atores sociais. Sociais e Humanas, v. 5, dez./1990, Santa Maria.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Gesto Democrtica da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Srgio (coord.). Estatuto da cidade. So Paulo: Malheiros, 2002.

7969

BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementao pelos municpios e cidados. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da poltica urbana. Braslia: Cmara dos Deputados, Coordenao de Publicaes, 2001.

CARVALHO, Paulo Cesar Pires; OLIVEIRA, Alusio Pires de. Estatuto da cidade: anotaes Lei 10.257, de 10.07.2001. Curitiba: Juru, 2002.

COMPARATO, Fbio Konder. A organizao constitucional da funo planejadora. In: CAMARGO, Ricardo Antnio Lucas. Desenvolvimento econmico e interveno do Estado na ordem constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995.

DALLARI, Adilson Abreu. Os poderes administrativos e as relaes jurdico-administrativas. In: Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, ano 36, n. 141, jan./mar., 1999.

DIAS, Daniella S. Desenvolvimento urbano: princpios constitucionais. Curitiba: Juru, 2002.

DIAS, Luiz Cludio Portinho. A democracia participativa brasileira. In: Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 27, dez. 1998, Disponvel em: . Acesso em: 29 dez. 2005.

FLORES, Patrcia Teixeira Rezende; SANTOS, Bernadete Schleder dos. Comentrios ao estatuto da cidade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2002.

FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da cidade comentado. So Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.

MATTOS, Liana Portilho. Da Gesto Democrtica da Cidade. In: MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

7970

MOURO, Las de Almeida (coord). Gesto municipal democrtica. So Paulo: FUNDAO PREFEITO FARIA LIMA CEPAM. Unidade de Produo de Pareceres e Informaes Jurdicas UPPIJ, 2001.

MLLER, Friederich. Quem o povo? A questo fundamental da democracia. So Paulo: Max Limonad, 2000.

MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro. 2. ed., rev. atual. e amp., So Paulo: Dialtica, 2002.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentrios ao Estatuto da Cidade. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

PETRUCCI, Jivago. Gesto democrtica da cidade: delineamento constitucional e legal. Jus Vigilantibus, Vitria, 23 jun. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 27 nov. 2007.

SANTOS, Marlia Lourido dos. Noes gerais acerca do processo administrativo e da Lei n 9.784/99. In: Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, ano 38, n. 149, jan./mar., 2001.

SAULE JNIOR, Nelson. Do Plano Diretor. In MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

______. Direito cidade: trilhas legais para o direito s cidades sustentveis. So Paulo: Max Limonad, 1999.

______. Novas perspectivas do Direito Urbanstico Brasileiro: ordenamento constitucional da poltica urbana. Aplicao e eficcia do plano diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.

7971

SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros Editores, 2001.

TEIXEIRA, Jos Horcio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. rev. e atual. por Maria Garcia, Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1991.

[1] TAVARES, Mauro Calixta. Gesto estratgica. So Paulo: Atlas, 2000, p. 156.

[2] CARVALHO, Paulo Cesar Pires; OLIVEIRA, Alusio Pires de. Estatuto da cidade: anotaes Lei 10.257, de 10.07.2001. Curitiba: Juru, 2002, p. 91.

[3] BECKER, Evandro Luis. A implementao dos instrumentos de gesto democrtica da cidade como forma de consecuo de polticas pblicas para a soluo do caos urbanstico nas cidades brasileiras. Monografia de Especializao. Santa Cruz do Sul: Universidade de Santa Cruz do Sul, 2006.

[4] SILVA, Jos Afonso da. Direito urbanstico brasileiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 16.

[5] BUCCI, Maria Paula Dallari. Gesto Democrtica da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Srgio (coord.). Estatuto da cidade. 1. ed., So Paulo: Malheiros, 2002, p. 323.

[6] DALLARI, Adilson Abreu. Os poderes administrativos e as relaes jurdico-administrativas. In: Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, ano 36, n. 141, jan./mar., 1999. p. 79.

[7] MATTOS, Liana Portilho. Da Gesto Democrtica da Cidade. In: MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 295.

[8] DIAS, Daniella S. Desenvolvimento urbano: princpios constitucionais. Curitiba: Juru, 2002, p. 161.

[9] BUCCI, Maria Paula Dallari. Gesto Democrtica da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Srgio (coord.). Estatuto da cidade. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 301.

[10] DIAS, Daniella S. Desenvolvimento urbano: princpios constitucionais. Curitiba: Juru, 2002, p. 161.

7972

[11] DIAS, Luiz Cludio Portinho. A democracia participativa brasileira. In: Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 27, dez. 1998, p. 04. Disponvel em: . Acesso em: 29 dez. 2005.

[12] DIAS, op. cit., p. 160.

[13] TEIXEIRA, Jos Horcio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. rev. e atual. por Maria Garcia, Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1991, p. 462.

[14] AMARAL, Roberto. A democracia representativa est morta; viva a democracia participativa. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional - estudos em homenagem a Paulo Bonavides. 1. ed., 2. tiragem, So Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 51.

[15] DALLARI, Adilson Abreu. Os poderes administrativos e as relaes jurdico-administrativas. In: Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, ano 36, n. 141, jan./mar., 1999, p. 82.

[16] MOURO, Las de Almeida (coord). Gesto municipal democrtica. So Paulo: FUNDAO PREFEITO FARIA LIMA CEPAM. Unidade de Produo de Pareceres e Informaes Jurdicas UPPIJ, 2001, p. 17.



[19] SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19 ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 130-132.

[20] PETRUCCI, Jivago. Gesto democrtica da cidade: delineamento constitucional e legal. Jus Vigilantibus, Vitria, 23 jun. 2004. Disponvel em: . Acesso em: 27 nov. 2007.

[21] BECKER, op. cit.

[22] SANTOS, Marlia Lourido dos. Noes gerais acerca do processo administrativo e da Lei n 9.784/99. In: Revista de Informao Legislativa. Braslia: Senado Federal, ano 38, n. 149, jan./mar., 2001, p. 250.

[23] BRASIL. Estatuto da cidade: guia para implementao pelos municpios e cidados. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece diretrizes gerais da poltica urbana. Braslia: Cmara dos Deputados, Coordenao de Publicaes, 2001, p. 193.

7973


[25] SAULE JNIOR, Nelson. Do Plano Diretor. In MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 271.

[26] PETRUCCI, op. cit.


[28] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da cidade comentado. So Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 266.

[29] BUCCI, op. cit., p. 336.



[32] SILVA, Jos Afonso da. Direito Urbanstico brasileiro. 2. ed., rev. e atual. So Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 85.



[35] Razes do veto: "Tais instrumentos de exerccio da soberania popular esto disciplinados na Lei no 9.709, de 18 de novembro de 1998, que, em seu art. 6o, admite a sua convocao por parte de Estados e Municpios, na forma determinada pela Constituio Estadual ou Lei Orgnica Municipal. H, portanto, no ordenamento jurdico ptrio, permissivo legal para a utilizao destes mecanismos por parte dos Municpios, desde que observados os ditames da Lei Orgnica Municipal, instrumento constitucionalmente habilitado a regular o processo poltico em mbito local. Instituir novo permissivo, especificamente para a determinao da poltica urbana municipal, no observaria a boa tcnica legislativa, visto que a Lei no 9.709/98 j autoriza a utilizao de plebiscito e referendo popular em todas as questes de competncia dos Municpios."

7974

[36] SAULE JNIOR, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanstico Brasileiro: ordenamento constitucional da poltica urbana. Aplicao e eficcia do plano diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 257.

[37] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentrios ao Estatuto da Cidade. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 23.


[39] Ibidem.

[40] FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da cidade comentado. So Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, p. 273.

[41] FLORES, Patrcia Teixeira Rezende; SANTOS, Bernadete Schleder dos. Comentrios ao estatuto da cidade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2002, p. 124.


[43] Ibidem.

[44] MATTOS, Liana Portilho. Diretrizes Gerais. In MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 95.


[46] Ibidem.

[47] SAULE JNIOR, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanstico Brasileiro: ordenamento constitucional da poltica urbana. Aplicao e eficcia do plano diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 275.


[49] MUKAI, Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro. 2. ed., rev. atual. e amp., So Paulo: Dialtica, 2002, p. 255.


7975

[51] SAULE JNIOR, Nelson. Direito cidade: trilhas legais para o direito s cidades sustentveis. So Paulo: Max Limonad, 1999, p. 118.


[53] BUCCI, Maria Paula Dallari. Gesto Democrtica da Cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Srgio (coord.). Estatuto da cidade. So Paulo: Malheiros, 2002, p. 323-324.

[54] COMPARATO, Fbio Konder. A organizao constitucional da funo planejadora. In: CAMARGO, Ricardo Antnio Lucas. Desenvolvimento econmico e interveno do Estado na ordem constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 87.

[55] BERGER, Maria Luiza Dias de Almeida. A democracia participativa e o papel dos atores sociais. Sociais e Humanas, v. 5, dez./1990, Santa Maria, p. 25.

[56] MLLER, Friederich. Quem o povo? A questo fundamental da democracia. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 41.

Documents

A Gestão Democrática Das Cidades Do Brasil - Sturza e Coitinho