A gestão em vigilancia sanitaria - regulacao

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    A gesto em Vigilncia Sanitria

    Marismary Horsth De Seta Escola Nacional de Sade Pblica/FIOCRUZ

    Jos Agenor lvares da Silva Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria/MS

    A Constituio Federal de 1988 consagrou as diretrizes de universalizao,integralidade das aes e participao da comunidade, e os princpios organizativos dedescentralizao, hierarquizao e comando nico por nvel de governo. No que serefere Vigilncia Sanitria (Visa), esses princpios e diretrizes no integraram aagenda de prioridades e ela permaneceu margem do processo poltico de negociao e

    pactuao no mbito do setor sade.

    Integrando o Sistema nico de Sade no plano institucional e legal, a Visapermaneceu, na prtica, como um espao restrito e resguardado, pouco permevel participao da comunidade, consolidando uma atuao na esfera federal, que sepautava pela fragmentao das aes e pela prioridade atribuda ao campo da vigilncia

    de produtos e, em menor grau, rea de portos, aeroportos e fronteiras. Nesse sentido, aVisa pouco contribuiu para a (re)estruturao dos sistemas e dos servios de sade,demanda expressiva dos setores mais organizados da sociedade brasileira.

    A descentralizao, princpio fundamental para viabilizar os demais, e osmecanismos de financiamento e de repasses que vm sendo implementados reforam anecessidade de aumento da capacidade de gesto dos rgos de Visa para a construode um Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria mais efetivo, eficaz e eficiente, para oalcance de seus objetivos de promover e proteger a sade da populao, construindo acidadania.

    Mas, a gesto no setor pblico da sade complexa, em parte, porque elerepresenta uma arena de interesses conflitantes: gestores pblicos compromissados

    pretendem reduzir gastos, ampliar a cobertura e incrementar a integralidade;fornecedores, fabricantes e prestadores de servios pretendem maximizar seus lucros;cidados pleiteiam ou deveriam pleitear mais acesso e melhores produtos e servios; amaioria dos governos pretende investir menos e obter maiores benefcios, sobretudo

    polticos.

    Mesmo com tantos conflitos, a gesto1 pblica da sade consiste, ainda, ematividade pouco profissionalizada. A indicao para os cargos se d mediante critrios

    poltico-partidrios, demonstrao de competncia tcnica na sua rea especfica detrabalho, ou por critrios menos explcitos, principalmente na nossa sociedade, cujas

    prticas de clientelismo e corporativismo so freqentes.No contexto das reformas administrativas, implementadas por recomendao de

    organismos internacionais, conhecimentos, mtodos e tcnicas gerenciais, gerados nosetor produtivo da economia, vm sendo transpostos para o campo da gesto pblica dasade, de forma mecnica. A nfase tem sido colocada apenas na eficincia, perdendo-

    Agradecimentos a Lynn Dee Silver e Maria da Conceio Riccio pelas suas contribuies ao debate, quealimentou a produo desse texto. A William Waissman pela carinhosa leitura crtica.1 Uma das formas de definir gesto abord-la como capacidade de ao, de tomar decises, de obterresultados. Neste texto adotamos a concepo de Paulo Roberto Motta, que considera os termos gesto,

    gerncia e administrao como sinnimos. Ressaltamos que a gesto no se constitui em um fim em simesmo, e sim, em uma atividade estratgica e indispensvel para a transformao do modelo de ateno sade e para o estabelecimento de prticas mais efetivas visando a sade da populao.

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    se de vista a obrigao de prestar servio e a obrigao de prestar contas sociedade, que caracterizam a atividade no setor pblico.

    No caso da Vigilncia Sanitria, alm da complexidade que cerca a gesto emsade, algumas caractersticas lhe conferem dificuldades adicionais. Existe uma baixademanda social por aes de promoo e preveno aliada a um grau potencialmentemaior de conflitos, visto que cerca de 25% do PIB brasileiro est sujeito Visa. Adespeito dos saberes acumulados pelos dirigentes dos rgos de Vigilncia Sanitria,no h uma tradio de exerccio da funo gerencial. Em decorrncia, at a

    preocupao com a eficincia ainda rudimentar. Sendo uma atividade tpica do Estado,os controles burocrticos que caracterizam a administrao pblica brasileira e oexcessivo grau de formalismo (existncia de muitas leis, regras e normas nocumpridas) so componentes que, embora no privativos da Vigilncia Sanitria, nelaassumem grande vulto. Por outro lado, as aes de proteo e de promoo quecaracterizam a Visa implicam em atuao dentro e fora do setor sade, em um contextode competncias compartilhadas entre as trs esferas de governo federal, estadual emunicipal - e entre diferentes rgos de uma mesma esfera de governo.

    No seu papel de proteger e promover a sade, cabe Visa assegurar a qualidadee a segurana sanitria de produtos e servios que impliquem em risco para a sade da

    populao. Conceder (ou no) autorizaes, licenas e registros; aplicar penalidades;divulgar e esclarecer os profissionais e a populao quanto aos possveis riscos a queesto expostos, so algumas das atividades inerentes Visa. As primeiras significam ainterveno direta em interesses econmico-financeiros e ao acesso a bens, produtos eservios por parte da populao. As aes de divulgao, comunicao e educao paraa sade so menos implementadas pela Vigilncia Sanitria e, quando o so, tm menorvisibilidade.

    O texto est organizado da seguinte forma: na primeira parte, enfocamos asabordagens gerenciais, utilizando-as para proceder a uma sucinta anlise dos rgos deVigilncia Sanitria. Na segunda parte, abordamos a descentralizao das aes. Aseguir, aspectos referentes ao financiamento e aos repasses financeiros e, por ltimo,tecemos consideraes e propomos algumas estratgias a serem discutidas pelosDelegados I Conferncia Nacional de Vigilncia Sanitria.

    As abordagens gerenciais e as caractersticas dos rgos de Visa

    Apesar da precariedade das informaes disponveis, tentaremos tratar a gestona rea da vigilncia sanitria a partir das contribuies tericas do campo da

    administrao, situando-as frente realidade atual dos rgos de vigilncia sanitria.Essas contribuies tm sido agrupadas em torno de perspectivas ou dimenses:racional, poltica e natural e mltipla2 (Lima, 2001).

    A perspectiva racional da gesto enfatiza o estabelecimento de objetivos para aorganizao; o desdobramento desses em objetivos especficos possibilitando aatividade de avaliao; a adequada diviso e coordenao do trabalho que leve estruturao da organizao para dar conta dos seus objetivos. E, ainda, os processos detrabalho devem ser analisados, divididos e simplificados para possibilitar a

    padronizao. A coordenao do trabalho ocorre principalmente mediante a hierarquia eos canais formais de comunicao vertical que ela estabelece. Os principais

    2 A perspectiva mltipla, uma abordagem de sntese em relao s outras trs, no ser aqui abordada,devido ao objetivo mais analtico pretendido no texto.

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    instrumentos da dimenso racional so o planejamento, a programao oramentria ede atividades, a avaliao sistemtica dos resultados com base em informaes e aseleo e capacitao da fora de trabalho.

    Na rea da Vigilncia Sanitria os rgos das esferas federal, estadual emunicipal organizam-se (so estruturados) com base em uma multiplicidade de formas.

    No nvel federal, h a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), uma autarquiaespecial que goza de autonomia administrativa e financeira. Seus dirigentes detmmandato de durao definida, so indicados pelo Executivo e submetem-se argio

    pelo Legislativo. Sua relao com o Ministrio da Sade, ao qual se subordina, regulada mediante um contrato de gesto3. O pequeno tempo de existncia da Agncia,dois anos, dificulta uma anlise mais aprofundada dos resultados obtidos. Apesar da

    polmica que cercou, e ainda cerca, a constituio da Anvisa, so inegveis os avanos,principalmente se comparados estrutura anterior, em que eram mnimas aspossibilidades de controle gerencial dos escassos recursos e freqentes as injunespolticas que levavam descontinuidade poltico-administrativa e rotatividade noscargos.

    A diviso interna do trabalho na Agncia obedecia, inicialmente, a uma lgicaque se traduzia nas suas cinco diretorias: de Medicamentos; de Alimentos eToxicologia; de Servios de Sade e Correlatos; de Portos, Aeroportos, Fronteiras eRelaes Internacionais, e de Administrao. No entanto, desde a sua criao a estruturada Agncia sofreu sucessivas modificaes por meio de Medidas Provisrias, tornando-se os antigos diretores de reas em diretores responsveis (supervisores) por umdeterminado nmero de unidades organizacionais, sobre as quais eles exercem umasuperviso direta. A apreciao do organograma disponvel no site da Anvisa leva shipteses de acentuada especializao do trabalho e de dificuldade de integrao dasestruturas internas (gerncias gerais). Isso repercute no imaginrio das demais

    organizaes do sistema de sade como a existncia de diversas agncias dentro deuma s.

    O quadro de pessoal da Anvisa constitudo por servidores do Ministrio daSade e da Fundao Nacional de Sade, lotados na extinta Secretaria de VigilnciaSanitria e que foram redistribudos para a Agncia. O quadro permanente da Anvisaseria formado mediante concurso pblico. At a realizao do concurso, a lei de criaoda Agncia previa a contratao temporria, o que ocorreu com base em seleo

    pblica. O concurso, que supriria tambm as demais Agncias (ANA, ANATEL, ANPetc. ), encontra-sesub judice4.

    Os rgos estaduais e distrital de Vigilncia Sanitria organizam-se de forma

    diferenciada, compreendendo desde estruturas com maior autonomia administrativa efinanceira (por exemplo, Bahia e Cear e, em grau um pouco menor, So Paulo e MinasGerais), at a extrema dependncia administrativa do nvel central da SecretariaEstadual. A maior parte destes rgos integra a administrao direta. Tm eles reduzida

    3 Contrato de gesto a denominao utilizada no Plano Diretor da Reforma do Estado para oinstrumento que expressa compromissos pactuados entre o gestor central e uma organizao durante umcerto perodo de vigncia. O contrato de gesto representa uma tentativa de vincular recursos financeirosao cumprimento de metas. Ele pretende viabilizar a prestao de contas e estabelecer incentivos positivose negativos (punies) relativos ao cumprimento das metas.4 A Lei 9.986, de 18/07/2000 dispe sobre a gesto dos recursos humanos das Agncias Reguladoras.

    Essa Lei determina que o regime de contratao ser regido pela Consolidao das Leis Trabalhistas(CLT). Isto foi contestado juridicamente com base na argumentao de inconstitucionalidade, por se tratarde atividade tpica de Estado.

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    autonomia para gerir os recursos oramentrio-financeiros e, geralmente, ocorre baixaarticulao com os demais rgos da estrutura das Secretarias Estaduais. Muitos Estadosno dispem de regionais de sade ou instncias similares, cabendo diretamente aorgo central de Visa do Estado a execuo das aes que lhes so prprias, bem comoas que no so desenvolvidas pelos municpios.

    Alguns estados (por exemplo: o Rio de Janeiro) realizaram concurso pblicorecentemente. No entanto, com a limitao do percentual de gastos com folha de

    pessoal, decorrente da Lei de Responsabilidade Fiscal, tendem a ser mais raras essasiniciativas. Vm sendo empreendidos esforos para a capacitao do pessoal jcontratado, o que consiste em ponto importante dos Termos de Ajustes e Metas 5

    assinados com a Agncia. Esses Termos representam a verso possvel de um contratode gesto entre esferas de governo que so autnomas, de acordo com os preceitosconstitucionais brasileiros.

    Os rgos municipais de vigilncia sanitria encontram-se em situao deestruturao ainda mais heterognea que a dos Estados. Isto reflexo da

    heterogeneidade de nossos mais de cinco mil municpios brasileiros, dos quais boa partetem menos de dez mil habitantes. H municpios grandes e mdios com estruturas deVigilncia Sanitria. Todavia, a maior parte dos pequenos municpios tem dificuldadede implementar aes de Visa. Sua reduzida capacidade de arrecadao resulta emdependncia dos repasses financeiros federais para o funcionamento dos seus sistemaslocais de sade, resultando em dificuldades para dispor e fixar recursos humanos em seuterritrio. As alternativas propostas para aumentar a cobertura das aes de Visa so aabsoro de algumas das atividades pela equipe de sade e a formao de consrciosintermunicipais.

    Podemos preliminarmente concluir que a dimenso racional da gesto,

    reconhecida como pouco valorizada nas organizaes de sade, no caso da vigilnciasanitria, vem sendo implementada, seja na esfera federal, seja na estadual. No entanto,essa implementao dificultada pela diferena de graus de autonomia e de controle derecursos (governabilidade) existente entre a esfera federal e as esferas estadual emunicipal.

    A perspectiva poltica da gesto enfatiza a explicitao dos diversos interessesexistentes para possibilitar o estabelecimento de consensos mnimos para a aoorganizacional e o tratamento dos conflitos. Outra categoria central da abordagem

    poltica da gesto o poder. Este no considerado um atributo pessoal, mas fruto dasrelaes entre pessoas e entre instituies. So fontes de poder o controle de recursosfinanceiros, de informao, conhecimento tcnico, a autoridade formal (hierarquia) e a

    formao de alianas e coalizes.O poder na Vigilncia Sanitria encontra-se compartido e desigualmente

    distribudo entre os rgos das trs esferas de governo. A Anvisa tem uma considervelcapacidade financeira, principalmente se comparada estrutura federal anterior,conforme veremos adiante, quando tratarmos do financiamento. Mas, para cumprir seus5 Diferentemente da relao convenial, tanto no Contrato de Gesto quanto nos Termos de Ajuste eMetas, so enfatizados os resultados finais e no as atividades intermedirias, isoladamente. Os Termosde Ajuste e Metas resultam de processos de negociao nas instncias do SUS. As metas pactuadasconsideram os riscos e os problemas sanitrios mais relevantes. Compreendem, tambm, questes queenvolvem parcerias entre os entes federados para o desenvolvimento institucional da Vigilncia

    Sanitrias, tal como sistema de informaes e desenvolvimento de recursos humanos. As metasfinalsticas ancoram-se na inspeo sanitria.

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    objetivos, o rgo federal no pode prescindir da atuao da esfera estadual e esta, damunicipal, caracterizando uma situao de interdependncia, em que o elo mais frgil

    politicamente representado pelo municpio.

    Como instncias deliberativas no SUS temos os Conselhos Nacional (CNS),Estadual e Municipal de Sade, que congregam representantes do governo, prestadoresde servios, profissionais de sade e usurios. Com carter permanente e deliberativo osConselhos tm atribuies que vo da formulao de polticas fiscalizao damovimentao financeira dos recursos destinados sade. Devido alta prioridadesocial atribuda s questes relacionadas assistncia e a outras aes preventivas, aVigilncia Sanitria tem ocupado pouco a agenda dos Conselhos. Exemplo disso ainexistncia de informaes sobre o funcionamento (ou no) da Comisso Permanentede Vigilncia Sanitria e Farmacoepidemiologia, subordinada ao CNS.

    Na rea especfica da Vigilncia Sanitria existem o Conselho Consultivo daAgncia e a Cmara Tcnica de Vigilncia Sanitria do Conselho Nacional deSecretrios Estaduais de Sade (CONASS). O primeiro integrado por representantes

    da Unio, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municpios, dos produtores, doscomerciantes e da comunidade cientfica. Suas competncias, formalmente definidas,so: propor diretrizes e recomendaes tcnicas Diretoria Colegiada da Anvisa; opinarsobre as propostas de polticas governamentais na rea de Vigilncia; apreciar e opinarsobre os relatrios anuais da Agncia; requerer informaes e fazer proposies sobreos bens, produtos e servios submetidos vigilncia sanitria.

    A Cmara Tcnica de Vigilncia Sanitria um rgo assessor do CONASS.Sua finalidade a promoo de estudos, de intercmbio de experincias e de

    proposies de normas, com a finalidade de subsidiar a formulao de polticas e deestratgias especficas (art. 45, do Estatuto do CONASS). integrada pelos

    coordenadores estaduais dos respectivos rgos. Na prtica, tem representado o loccusde explicitao de interesses da esfera estadual de vigilncia, sendo o interlocutorprivilegiado, da Anvisa, nas questes a serem negociadas e pactuadas. No entanto, aCmara Tcnica de Vigilncia Sanitria no representa uma instncia formal deexplicitao de interesses e de pactuao para a rea de Vigilncia Sanitria, porcongregar apenas a esfera estadual.

    Podemos, preliminarmente, concluir que a perspectiva poltica, no caso da Visa,requer maior ateno. A instncia que mais se aproxima do papel de representao deinteresses o Conselho Consultivo da Agncia, que conta com um espectro amplo,abrangendo, inclusive, o setor regulado. A Cmara Tcnica de Vigilncia Sanitria doCONASS vem desempenhado um papel poltico importante, mas h uma lacuna na

    representao de interesses da esfera municipal que, paradoxalmente, a executorapreferencial das aes de sade.

    Segundo a perspectiva natural, as organizaes so como organismos vivos queinteragem e dependem do ambiente externo no qual se inserem. Essa perspectivaenfatiza a importncia da satisfao das pessoas que realizam o trabalho e a necessidadede seu envolvimento para o alcance dos objetivos da organizao. Os principaisinstrumentos so: o monitoramento e a anlise do ambiente, e o desenvolvimento do

    pessoal. As caractersticas do ambiente (simples ou complexo, estvel ou instvel) e doseu processo de trabalho ou das tecnologias de que se utiliza, implicam em formas maisrgidas ou mais flexveis de estruturao da organizao.

    O ambiente no qual a Visa opera complexo porque, alm dos conflitos hinterferncias polticas. Parte dessas interferncias polticas decorre do fato de ser setor

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    pblico, portanto com autoridade delegada6. Outra parte decorre dos interessescontrariados ou a contrariar pela atuao efetiva da Visa. D-se uma elevadainterdependncia entre os rgos de Visa, conforme vimos anteriormente. Concorre,tambm, para a complexidade do ambiente a definio de competncias e atribuiesentre as Visa das trs esferas de governo e, tambm, outras questes que dizem respeito

    Vigilncia Sanitria, mas que permaneceram fora do campo de abrangncia da Anvisa,tal como a Sade do Trabalhador.

    Em resumo, segundo a perspectiva natural, os rgos de Vigilncia Sanitria seapresentam com nuanas, segundo a esfera de governo a que pertencem. Mas existemalgumas caractersticas comuns: turbulncia tcnica, tecnolgica e poltica do ambienteem que operam; dificuldade em analisar esse ambiente (sistemas de informaes quegeralmente consistem em cadastros nem sempre informatizados e, muitas vezes,estanques); inexistncia de perspectiva de planos de carreira para os nveis estadual emunicipal, aliada tendncia, centralizao e coordenao do trabalho, mediante ahierarquia. Ou seja, quase todos so fatores que concorrem para uma insatisfao dosrecursos humanos.

    Gerenciando a descentralizao das aes e buscando pactuar compromissos.

    O processo de descentralizao da sade no Brasil tem contempladoprioritariamente a assistncia, rea que concentra a maioria dos recursos financeirosalocados para o setor, alm de expressiva demanda em todos os segmentos de ateno.As sucessivas edies de Normas Operacionais Bsicas NOB, ao regulamentar asatividades da assistncia reforaram este entendimento.

    Uma peculiaridade do processo de descentralizao em curso na VigilnciaSanitria que a descentralizao vem se dando para os Estados, e destes para osmunicpios. Para os municpios, a descentralizao das aes de vigilncia sanitria 7 sed mediante pactuao na Comisso Intergestores Bipartite (CIB que congrega Estadoe Municpios). Uma causa de dificuldades no mbito da CIB a tentativa de vinculaoda responsabilidade de execuo das aes de Visa a serem descentralizadas, segundosua hierarquia, s modalidades de gesto. Outra, que nem sempre h correspondnciaentre a capacidade de execuo das aes de Visa e a modalidade de gesto na qual omunicpio se encontra habilitado pelas Normas Operacionais.

    Ao mesmo tempo em que se procede descentralizao pactuada das aes deVisa, a estrutura federal, ainda em fase de organizao, requer consolidao. Estes

    processos precisam se constituir em estratgias para aperfeioar os mecanismos de ao

    no mbito do Sistema nico de Sade SUS, na busca da integralidade das aes desade e na construo de um sistema descentralizado, hierarquizado e integrado.

    Para que a descentralizao das aes de vigilncia sanitria resulte em maiorimpacto para a proteo da sade da populao, as responsabilidades entre os gestoresdo SUS quanto vigilncia sanitria devem ser claramente definidas. Isto quer dizer queessas responsabilidades precisam ultrapassar o campo das intenes normativas, muitasvezes cerceadoras da criatividade dos agentes locais, e migrar para o estabelecimento de

    6 Dentre as caractersticas dos servios pblicos, Gilles Dussault ressalta a maior dependncia doambiente scio-poltico e a autoridade delegada, que significa que os dirigentes so responsveis

    perante uma autoridade externa, a quem tm que prestar contas.7 As aes de Vigilncia Sanitria so hierarquizadas em trs nveis: baixa, mdia e alta complexidade(Portaria SAS/MS n. 18 de 21/01/99). Esta classificao vem sendo crescentemente questionada.

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    metas de cobertura e definio de indicadores de desempenho, cujo alcance deve serpermanentemente avaliado por processos que viabilizem o controle social, envolvendo,alm das instncias gestoras do SUS, os Conselhos Nacional, Estadual e Municipal deSade.

    Financiamento: repasses financeiros e contrapartida

    No Ministrio da Sade, historicamente, a Vigilncia Sanitria foi marcada pelopequeno volume de recursos oramentrios destinados ao seu custeio. Mesmo assim, ofechamento do exerccio financeiro anual, geralmente, apresentava saldos que eramtransferidos para outras atividades do Ministrio. No mbito dos estados e municpiosesta situao se reproduzia, salvo raras excees. Esse baixo desempenho de gasto anualdeterminava a alocao de menos recursos nos anos subseqentes. Ainda hoje h anecessidade de se incrementar a capacidade de gesto dos rgos de Vigilncia Sanitriados Estados e Municpios para que eles tenham melhores condies de gerir os recursosrepassados, cujo percentual de execuo, com poucas excees, tem sido muito baixo.

    A responsabilidade maior pelo financiamento da sade atributo da Unio. Istono exclui outras instncias de governo de compartilhar seu custeio. Nesse sentido, faz-se necessrio que os demais gestores ao elaborarem seus oramentos, garantam um

    patamar de recursos que se some aos alocados pela instncia federal.

    A NOB/SUS/01/96, inovou ao criar dois incentivos financeiros para a VigilnciaSanitria. Um destinado aos estados, denominado de ndice de Valorizao do Impactoem Vigilncia Sanitria IVISA. E um segundo, destinado aos municpios, oPAB/VISA. Somente o PAB/VISA8 foi regulamentado e implantado com um valor percapita destinado a financiar as aes bsicas de Vigilncia Sanitria previstas noSistema de Informao Ambulatorial SIA/SUS, no valor de R$0,25/hab/ano erepassados fundo a fundo.

    A no regulamentao do IVISA criou uma situao de desequilbrio, ao deixarsem forma de financiamento as aes denominadas como de mdia e alta complexidade,executadas pelos Estados, Distrito Federal e Municpios. A Portaria n. 145/GM, de31/01/2001, veio suprir essa lacuna, regulamentando a transferncia de recursos fundo afundo para a mdia e alta complexidade. Estabelece critrios para essa transferncia. OsEstados e Municpios devem estar habilitados em algum tipo de gesto prevista na

    NOB/SUS/01/96. importante salientar que esse tipo de financiamento das aes demdia e alta complexidade busca reverter a lgica do pagamento por produo, com

    base em tabelas, que tm valores fixados. Geralmente, esses valores no representam oscustos reais das aes executadas. Alm disso, para a Vigilncia Sanitria no interessa

    a viso parcial de uma operao individual vinculada a um procedimento tabelado.Interessa, isto sim, o custo operacional de uma ao coletiva associada ao universo decobertura capaz de garantir o controle de riscos sanitrios inerentes ao objeto de ao.

    Os recursos financeiros, segundo a Portaria 145/GM de 31/01/2001, destinados acada unidade federada sero definidos pelo somatrio das seguintes parcelas:

    8 O PAB composto de uma parte fixa destinada assistncia bsica e de uma parte varivel relativa aosincentivos para o fortalecimento e desenvolvimento de aes estratgicas da prpria ateno bsica. Oincentivo s aes bsicas de Vigilncia Sanitria, parte varivel, consiste num montante de recursos

    financeiros destinados ao incentivo de aes bsicas de inspeo e controle sanitrio em produtos eservios e ambientes, sujeitos Vigilncia Sanitria, bem como para atividades de educao sanitria. Aregulamentao do PAB/VISA se deu por intermdio da Portaria n. 1885/GM, de 18/12/97.

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    (I) valor per capita de R$0,15 (quinze centavos)/hab/ano, multiplicado pela populaode cada unidade federada e,

    (II) valor proporcional arrecadao das Taxas de Fiscalizao de Vigilncia Sanitria TFVS9 por ao da vigilncia que gera receita (fato gerador).

    Foi estabelecido, tambm, nessa Portaria, o Piso Estadual de Vigilncia Sanitria PEVISA, no valor de R$ 420.000,00/ano para aqueles estados cujos recursos obtidospela parcela do per capita no alcanassem esse valor. O objetivo do PEVISA apoiaros estados com menor densidade demogrfica. O valor correspondente ao fato gerador

    para repasse ser estabelecido por Portaria conjunta da Secretaria Executiva doMinistrio da Sade e da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria10.

    Para obteno do valor nominal referente segunda parcela (II), os Estados soclassificadas segundo o nmero dos estabelecimentos sujeitos Vigilncia Sanitria, emsua rea geogrfica, agrupados por macro setor de atuao (medicamentos, alimentos etecnologia em sade) e relacionados com a magnitude dos recursos captados com asTaxas de Fiscalizao em Vigilncia Sanitria.

    Esses macro-setores, vistos no seu conjunto, so indicativos para definio deprioridade na alocao de recursos. Eles tm peso especfico, diferentes entre si, no quese refere ao valor das taxas recolhidas, importncia estratgica para o setor sade e aosfatores de risco inerentes a cada um deles, individualmente. A ponderao dadistribuio quantitativa dos estabelecimentos sujeitos Vigilncia Sanitria porunidade federada em relao aos macro-setores e procedncia das taxas recolhidas,determina o valor que cada unidade federada ir receber.

    Do valor que cada unidade federada receber, no mnimo R$0,06/hab/ano devemser utilizados como incentivo municipalizao das Aes de Vigilncia Sanitria. Deacordo com a complexidade das aes a serem pactuadas, esse valor poder seraumentado e at extrapolar o per capita estabelecido, conquanto tenha cobertura nomontante de recursos recebidos pela unidade federada e seja aprovado pela CIB. Paraserem habilitados, os municpios devem cumprir os seguintes requisitos11: estarhabilitado em uma das condies de gesto estabelecidas na NOB/SUS/01/96;comprovar capacidade tcnica de execuo das aes por nvel de complexidade;

    possuir equipe tcnica cuja composio corresponda s necessidades de cobertura local;comprovar existncia de estrutura administrativa responsvel pelas aes de VigilnciaSanitria; comprovar abertura de conta especfica, vinculada ao Fundo Municipal deSade.

    A Portaria n.145/GM traz, ainda, trs mecanismos de salvaguarda para

    eventuais dificuldades que possam surgir na pactuao a ser feita na CIB. O primeirodiz respeito interrupo do repasse dos recursos para as unidades federadas. Nessecaso, o municpio ficar com valor integral correspondente sua populao. Segundo,no caso do municpio no se manifestar na CIB pela pactuao, ele no ter direitosobre o piso municipal de incentivo. Terceiro, nas unidades federadas onde a Lei quecriou o Fundo Estadual de Sade no prev o repasse direto para os fundos municipais e

    9 Taxas estabelecidas pela Lei n 9.782 que criou a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria ANVISAcom valores financeiros fixados segundo as classes dos fatos geradores.10 A portaria referente ao ano de 2001 foi publicada em setembro do corrente ano e os repasses esto

    previstos para comear em outubro do mesmo11

    Estes requisitos foram definidos por grupo de trabalho composto por representantes na ANVISA,CONASS e CONASEMS em: Descentralizao das Aes de Vigilncia Sanitria Mecanismos depactuao entre os trs nveis de Governo Braslia/2000.

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    por resoluo da CIB, o Fundo Nacional de Sade, transferir diretamente ao FundoMunicipal os recursos pactuados, como incentivos descentralizao.

    Com relao s contrapartidas, no so fixados valores nominais para sesomarem aos recursos repassados pela ANVISA. No entanto, necessrio que noocorra diminuio dos valores gastos com Vigilncia Sanitria nos anos anteriores aosrepasses, para garantir o mesmo patamar de recursos em termos percentuais, com osacrscimos determinados pela Emenda Constitucional EC n. 29/200012.

    Consideraes Finais

    Considerando a baixa demanda social por aes coletivas de promoo eproteo da sade e o espao restrito e resguardado em que se constituiu a VigilnciaSanitria ao longo de sua histria, um dos principais desafios inseri-la entre as

    prioridades polticas do SUS nas trs esferas de governo, promovendo maior articulaocom os Conselhos de Sade. Essa articulao diz respeito, tambm, incorporao pela

    Visa, resguardadas as especificidades de seu campo de atuao, das prioridades polticasdefinidas na agenda da sade. Uma estratgia que julgamos importante para aarticulao com o Conselho Nacional de Sade a instalao da Comisso Permanentede Vigilncia Sanitria e Farmacoepidemiologia, cuja constituio se encontra previstana Lei 8.080/90 e no Regimento do Conselho. Isto se destina a contribuir para um maiorcontrole social, promovendo o exerccio da cidadania.

    Quanto aos aportes das perspectivas racional, poltica e natural, abordadas nestetrabalho, fazem-se necessrios o seu aprofundamento e aplicao no cotidiano dotrabalho de gerir a Vigilncia Sanitria. Reiteramos que a perspectiva racional, dentre astrs a que vem sendo implementada em maior grau. Ela necessria. Porm,isoladamente insuficiente para superao das dificuldades de engajamento de atoresque, historicamente, mantiveram-se margem do contexto da organizao dos servios.Superar essas dificuldades o desafio atual para que se possa avanar nodesenvolvimento de estratgias polticas que implementem a Vigilncia Sanitria nombito do Sistema nico de Sade, e apontem o que fazer e como fazer paraconsolidar um sistema integrado e hierarquizado, que seja capaz de gerar aes maisefetivas (em quantidade e qualidade) para a proteo e promoo da sade da

    populao.

    Reconhecendo que vm sendo obtidos avanos importantes no processo dedescentralizao das aes e de pactuao entre as esferas de governo, com participaodas Comisses Intergestores, restam questes a serem enfrentadas, tais como: a

    classificao das aes de Visa em baixa, mdia e alta complexidade; a discusso sobreque aes bsicas de Vigilncia Sanitria poderiam ser desenvolvidas pela equipe localde sade, por exemplo, na integrao com o PSF; as estratgias para o desenvolvimentoda capacidade de gesto e para o aumento da governabilidade das esferas estadual emunicipal de Visa.

    Para enfrentar essas questes e para aumentar a coordenao do trabalho entre osrgos de Visa, das trs esferas de governos, sem o qu o Sistema Nacional deVigilncia Sanitria no conseguir atingir os objetivos a que se destina, propomos a

    12 A EC n. 29/2000 estabelece a vinculao de recursos oramentrios dos diversos nveis de governo (

    Unio, Estados e Municpios) para a sade. Para a Unio os recursos sero corrigidos pela variaonominal do Produto Interno Bruto PIB. Para os Estados e Municpios, os percentuais de vinculao sode 12% e 15% respectivamente, a serem atingidos at o ano de 2004.

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    constituio de um frum para representao dos interesses das trs esferas de governono que tange Visa. Este Frum, que pode ser temporrio, se somaria s instncias jexistentes no mbito do SUS, com o objetivo de construir um consenso mnimo para aao da Vigilncia Sanitria. Ressaltamos que ao mesmo tempo se busque maiorarticulao das Vigilncias Sanitrias estaduais e municipais com os demais rgos de

    suas Secretarias, bem como sejam respeitadas as peculiaridades e autonomia locais.Para a Vigilncia Sanitria, no exerccio de atividade de controle sanitrio dos

    ambientes nos quais se do os processos de produo e de prestao de servios, torna-se impossvel desconsiderar as questes relativas sade do trabalhador. E, ainda,muitos rgos estaduais desenvolveram programas de vigilncia da sade dotrabalhador ligados ao rgo de Visa. Mesmo considerando que, em relao Sade doTrabalhador e ao controle do ambiente, existem outros rgos governamentaisenvolvidos, isto no nos parece justificativa para a sua excluso dentre as atribuies dorgos federal, at porque h tambm uma certa repartio de competncias quanto aocontrole sanitrio dos alimentos.

    Por fim, reconhecemos que restaram aspectos inexplorados na discusso sobre aGesto em Vigilncia Sanitria. Como exemplo, a Vigilncia em Sade, enquantoproposta de integrao entre Vigilncia Sanitria, Epidemiolgica e Sade doTrabalhador. E toda a polmica que a cerca, o debate de autores e atores sociais quedivergem (ou no) quanto sua aplicabilidade ao mbito federal e estadual. Mas,tambm, o crescente consenso quanto sua pertinncia para a esfera municipal degoverno. Esperamos que distintos pontos de vista venham se somar ou se contraportanto aos aspectos explorados no texto quanto s omisses. Ao remeter este texto paradiscusso, esperamos ao menos que tenhamos conseguido deixar claro que a efetivaodo Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria passa pelo fortalecimento dos rgos devigilncia sanitria, do aumento de sua coordenao para a ao e do reforo de sua

    capacidade de gesto, reduzindo-se as assimetrias de organizao e de poder eaprofundando a articulao com os Conselhos de Sade. E que, efetivar este Sistemacom controle social, de acordo com os preceitos do SUS, parte do esforo de

    promover e proteger a sade, contribuindo para a construo da cidadania.

    Referncias Bibliogrficas:

    Motta, Paulo Roberto. Gesto Contempornea: a cincia e a arte de ser dirigente.Reccord, 1991.Dussault, Gilles. A Gesto dos Servios Pblicos de Sade: caractersticas e exigncias.

    Rio de Janeiro: FGV, RAP, 26(2):8-19, abril/jun. 1992.Lima, S. M. L. Gerenciando organizaes de sade (parte I). Texto do Curso deEspecializao em Autogesto, ENSP, EAD, 2000Siqueira, Jlio C. Gesto em Vigilncia Sanitria. In: Cadernos de Sade n. 4 Vigilncia Sanitria . NESCON/UFMG/2001Oliveira, M. O Financiamento das Aes de Vigilncia Sanitria no Sistema nico deSade. In: Cadernos de Sade n.4 Vigilncia Sanitria. NESCOM/UFMG, 2001.ANVISA/CONASS/CONASSEMS. Descentralizao das Aes de VigilnciaSanitria: Mecanismos de Pactuao entre os trs nveis de Governo, Braslia, 2000.ANVISA/Gerncia Geral de Descentralizao. Vigilncia Sanitria: Responsabilidadescompartilhadas entre nveis de governo e financiamento, 1999.

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