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- necessárias, mas já não serão sufi- cientes para, isoladamente, fazer a diferença. Será na combinação delas com uma ambiciosa agen- da de conhecimento com inter- nacionalização da economia que residirão as melhores chances do Brasil se integrar pela porta da frente na globalização. Fusão e aquisição de empresas estrangei- ras de alto conteúdo inovativo e tecnológico e aquisição de start-ups promissoras são exem- plos de atalhos ao conhecimento e a ativos intangíveis valiosos. Infelizmente, as condições da economia e da governança glo- bal já não são tão flexíveis como as de antes e há, compreensivel- mente, uma clara tensão para o Brasil entre aceitar a globaliza- ção-como ela é e buscar alternati- vas para o nosso crescimento. Mas, a esta altura, é preciso se re- conhecer que as estratégias de integração internacional que perseguimos por anos foram frustrantes e nos mantiveram à margem da economia global, no- tadamente por equívocos de ava- liação e de implementação. Os desafios da integração do país ao resto do mundo, que já eram imensos, aumentarão ain- da mais, o que requer, apesar da crise doméstica em que estamos metidos, senso de urgência, inco- mum capacidade de elaboração e de implementação de política, muito foco no uso dos recursos escassos e coragem para se tomar decisões. Aglobalízação eo . I B ras il Quarta-feira 21 de outubro de 2015 I valor I A: I ( \ Jorge Arbache ! A economia brasileira parece estar perdendo . relevância em nível global. De fato, ran-· kings de competitividade inter- nacional, de tamanho da econo- mia, de densidade industrial e de complexidade econômica e indi- cadores de participação em ca- deias globais de valor e de parti- cipação no comércio internacio- nal, todos sugerem que a in- fluência econômica do Brasil está diminuindo e que estamos fican- do relativamente isolados. O problema é que, na era da globalização, em que a interde- pendência entre as economias vi- rou norma e só faz crescer, esta; isolado tornou-se condição terri- velrnente comprometedora para a promoção do crescimento sus- tentado. . Mas, se a participação na eco- nomia global já se mostrou tare- fa difícil para nós, a tarefa prova- velmente se tomará ainda mais desafiadorá no futuro próximo. Isto porque a globalização está entrando numa nova etapa, mui- to mais complexa. Essa nova eta- pa pode ser caracterizada por pe- \ 10 menos cinco tendências. . Uma primeira está associada à mudança do caráter dos acordos amplos de comércio e investi- mentos, que deixarão de ser mul- tilaterais para serem fundamen- talmente plurilaterais. O re- cém-concluído Acordo de Parce- ria Transpacífica (TPP)jáprenun -. cia essas alterações> para muito além de buscar comercializar mais bens, o foco dos acordos se- rá o de estabelecer regras e pa- drões em nível global em áreas tão variadas como a de serviços, e-comrnerce, propriedade inte- lectual, uso de tecnologias digi- tais, meio ambiente, normas tra- balhistas, empresas estatais e compras governamentais. Como adiantou o chefe da Autoridade de Comêrcio americana, Michael Froman, "viveremos no mundo do TPP". Ao TPP se seguirão ou- tros acordos amplos, como a Par- ceria Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP), e seto- . riais, como o Acordo em Comér- cio de Serviços (TISA). Uma segunda' tendência se re- fere à perda da relevância dos bens industriais e agrícolas. na . agenda comercial. Seus lugares serão ocupados pelo comércio de serviços e pela propriedade intelectual. Quando medido em valor adicionado, os serviços já representam 54% do comércio global, sendo que a maior parte são serviços embarcados em bens. Até 2025, os serviços cor- responderão a nada menos que 75%do comércio. Uma terceira tendência indica que arbitragem de custos de pro- dução está perdendo importân- cia para determinar competitivi- dade e atrair Investimentos, Em seu lugar, assumirão a combina- ção entre produtividade sistêmi- ca e novas tecnologias de produ- ção: de um lado, alta densidade industrial e disponibilidade de serviços e fornecedores sofistica- dos, mão de obra. qualificada, universidades e centros de pes- quisa; de outro, robôs, internet das coisas, impressoras 3D e no- vas energias. Juntos, esses fatores estão criando um ambiente alta- mente produtivo evibrante e que ajuda a explicar a racionalidade do retomo para os Estados Uni- dos de fábricas americanas antes instaladas na China. Fusãoeaquisição de empresas são exemplos de atalhos ao conhecimento eaativos intangíveis valiosos Uma quarta tendência está as- sociada à natureza dos investi- . mentos, Embora fundamentais, investimentos em capitais físicos estã.o perdendo preponderância para investimentos em capitais intangíveis. Tratam-se de. P&D, patentes, copyrights, marcas, de- sign, participação em cadeias de valor e em redes de pesquisa, acesso a fornecedores, distribui- dores e clientes, marketing, know-how organizacional, co- nhecimento tâcito setorial e ou- tras capacidades e competências críticas para a geração de valor. E quinto, cadeias globais de valor perderã.o dominância para cadeias regionais de valor, Estas se beneficiarão das novas tecno- , logias de produção, do aumento da participação dos serviços no valor final dos bens, do encurta- mento dos ciclos de vida dos pro- dutos, da tendência de customi- zação do consumo, do aumento nos custos de coordenação de ca- deias de produção e do aumento dos custos de transporte e da pe- gada ambiental. Escala seguirá sendo elemento importante, mas para segmentos específicos. Essas tendências sugerem que a participação em cadeias glo- bais de valor pelas vias da redu- ção dos custos de produção e da oferta de incentivos para a atra- ção de investimentos não garan- tirão a integração econômica de países em desenvolvimento nem upgrade tecnológico. O que im- portará, e cada vez,mais, não será o participar, mas o como partici- par da economia global. E não importará ter indústria, mas sim a indústria que 'se tem. No século XXI,importará o que e o como fa- zernos as coisas, a capacidade de criar, de aprender, de fazer me- lhor, de agregar valor e de apre- sentar soluções novas e eficientes para problemas novos e antigos. . A.oBrasil, que chegou atrasado na atual etapa da globalização, será necessário, a esta altura, bus- car atalhos e queimar etapas, se quiser se integrar e se beneficiar da economia global. Agendas co- mo a do chamado "Custo Brasil" e mesmo a de promoção do am- biente de negócios são mais que Jorge Arbache é professor de economia da UnB.jarbache@gmaiLcom

A Globalização e o Brasil

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Artigo acadêmico que versa sobre a globalização

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necessárias, mas já não serão sufi-cientes para, isoladamente, fazera diferença. Será na combinaçãodelas com uma ambiciosa agen-da de conhecimento com inter-nacionalização da economia queresidirão as melhores chances doBrasil se integrar pela porta dafrente na globalização. Fusão eaquisição de empresas estrangei-ras de alto conteúdo inovativo etecnológico e aquisição destart-ups promissoras são exem-plos de atalhos ao conhecimentoe a ativos intangíveis valiosos.

Infelizmente, as condições daeconomia e da governança glo-bal já não são tão flexíveis comoas de antes e há, compreensivel-mente, uma clara tensão para oBrasil entre aceitar a globaliza-ção-como ela é e buscar alternati-vas para o nosso crescimento.Mas, a esta altura, é preciso se re-conhecer que as estratégias deintegração internacional queperseguimos por anos foramfrustrantes e nos mantiveram àmargem da economia global, no-tadamente por equívocos de ava-liação e de implementação.

Os desafios da integração dopaís ao resto do mundo, que jáeram imensos, aumentarão ain-da mais, o que requer, apesar dacrise doméstica em que estamosmetidos, senso de urgência, inco-mum capacidade de elaboraçãoe de implementação de política,muito foco no uso dos recursosescassos e coragem para se tomardecisões.

Aglobalízação e o. IBras il Quarta-feira 21 de outubro de 2015 I valor I A:

I(

\

Jorge Arbache

! A economia brasileiraparece estar perdendo .relevância em nívelglobal. De fato, ran-·

kings de competitividade inter-nacional, de tamanho da econo-mia, de densidade industrial e decomplexidade econômica e indi-cadores de participação em ca-deias globais de valor e de parti-cipação no comércio internacio-nal, todos sugerem que a in-fluência econômica do Brasil estádiminuindo e que estamos fican-do relativamente isolados.

O problema é que, na era daglobalização, em que a interde-pendência entre as economias vi-rou norma e só faz crescer, esta;isolado tornou-se condição terri-velrnente comprometedora paraa promoção do crescimento sus-tentado. .

Mas, se a participação na eco-nomia global já se mostrou tare-fa difícil para nós, a tarefa prova-velmente se tomará ainda maisdesafiadorá no futuro próximo.Isto porque a globalização estáentrando numa nova etapa, mui-to mais complexa. Essa nova eta-pa pode ser caracterizada por pe-

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10menos cinco tendências.. Uma primeira está associada àmudança do caráter dos acordosamplos de comércio e investi-mentos, que deixarão de ser mul-tilaterais para serem fundamen-talmente plurilaterais. O re-cém-concluído Acordo de Parce-ria Transpacífica (TPP)j á prenun -.cia essas alterações> para muitoalém de buscar comercializarmais bens, o foco dos acordos se-rá o de estabelecer regras e pa-drões em nível global em áreastão variadas como a de serviços,e-comrnerce, propriedade inte-lectual, uso de tecnologias digi-tais, meio ambiente, normas tra-balhistas, empresas estatais ecompras governamentais. Comoadiantou o chefe da Autoridadede Comêrcio americana, MichaelFroman, "viveremos no mundodo TPP". Ao TPP se seguirão ou-tros acordos amplos, como a Par-ceria Transatlântica de Comércioe Investimentos (TTIP), e seto-

. riais, como o Acordo em Comér-cio de Serviços (TISA).

Uma segunda' tendência se re-fere à perda da relevância dosbens industriais e agrícolas. na

. agenda comercial. Seus lugaresserão ocupados pelo comérciode serviços e pela propriedadeintelectual. Quando medido emvalor adicionado, os serviços járepresentam 54% do comércioglobal, sendo que a maior partesão serviços embarcados embens. Até 2025, os serviços cor-responderão a nada menos que75%do comércio.

Uma terceira tendência indicaque arbitragem de custos de pro-

dução está perdendo importân-cia para determinar competitivi-dade e atrair Investimentos, Emseu lugar, assumirão a combina-ção entre produtividade sistêmi-ca e novas tecnologias de produ-ção: de um lado, alta densidadeindustrial e disponibilidade deserviços e fornecedores sofistica-dos, mão de obra. qualificada,universidades e centros de pes-quisa; de outro, robôs, internetdas coisas, impressoras 3D e no-vas energias. Juntos, esses fatoresestão criando um ambiente alta-mente produtivo e vibrante e queajuda a explicar a racionalidadedo retomo para os Estados Uni-dos de fábricas americanas antesinstaladas na China.

Fusão e aquisição deempresas são exemplosde atalhos aoconhecimento e a ativosintangíveis valiosos

Uma quarta tendência está as-sociada à natureza dos investi-

. mentos, Embora fundamentais,investimentos em capitais físicosestã.o perdendo preponderânciapara investimentos em capitaisintangíveis. Tratam-se de. P&D,patentes, copyrights, marcas, de-sign, participação em cadeias devalor e em redes de pesquisa,acesso a fornecedores, distribui-dores e clientes, marketing,know-how organizacional, co-nhecimento tâcito setorial e ou-tras capacidades e competênciascríticas para a geração de valor.

E quinto, cadeias globais devalor perderã.o dominância paracadeias regionais de valor, Estasse beneficiarão das novas tecno-

, logias de produção, do aumentoda participação dos serviços novalor final dos bens, do encurta-mento dos ciclos de vida dos pro-dutos, da tendência de customi-zação do consumo, do aumentonos custos de coordenação de ca-deias de produção e do aumentodos custos de transporte e da pe-gada ambiental. Escala seguirásendo elemento importante,mas para segmentos específicos.

Essas tendências sugerem quea participação em cadeias glo-bais de valor pelas vias da redu-ção dos custos de produção e daoferta de incentivos para a atra-ção de investimentos não garan-tirão a integração econômica depaíses em desenvolvimento nemupgrade tecnológico. O que im-portará, e cada vez,mais, não seráo participar, mas o como partici-par da economia global. E nãoimportará ter indústria, mas sima indústria que 'se tem. No séculoXXI,importará o que e o como fa-zernos as coisas, a capacidade decriar, de aprender, de fazer me-lhor, de agregar valor e de apre-sentar soluções novas e eficientespara problemas novos e antigos.. A.oBrasil, que chegou atrasado

na atual etapa da globalização,será necessário, a esta altura, bus-car atalhos e queimar etapas, sequiser se integrar e se beneficiarda economia global. Agendas co-mo a do chamado "Custo Brasil" emesmo a de promoção do am-biente de negócios são mais que

Jorge Arbache é professor de economiada UnB.jarbache@gmaiLcom