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1 A GUERRA MUNDIAL, A CISÃO SOCIALISTA E AS ORIGENS DA INTERNACIONAL COMUNISTA Osvaldo Coggiola No início do século XX, a guerra anglo - bóer, a guerra russo-japonesa e a revolução russa de 1905, foram o sinal de que a era do desenvolvimento pacífico do capitalismo estava chegando ao fim, e que se fazia necessário preparar o proletariado militante para novos tempos – que exigiam uma nova política. A maioria dos socialistas não conseguiu compreender isto. Começou nesse momento a se constituir uma ala esquerda da Internacional Socialista (ou II Internacional), que seria encabeçada pelos bolcheviques e pela esquerda da social democracia alemã, dirigida por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. A iminência de conflito armado era denunciada até por correntes da burguesia, mas coube às organizações operárias a insistência sobre o perigo provocado pela instabilidade militar européia. A partir do início do século XX multiplicaram-se conflitos regionais, que traduziam interesses das grandes nações capitalistas: a questão de Tanger, a questão dos Bálcãs, as questões coloniais na África e na Ásia. Os congressos socialistas internacionais denunciaram a expansão imperialista. Para Rosa Luxemburgo, por exemplo, “as guerras entre Estados capitalistas são em geral conseqüências de sua concorrência sobre o mercado mundial, pois cada Estado não tende unicamente a assegurar mercados, mas a adquirir novos, principalmente pela servidão dos povos estrangeiros e a conquista de suas terras. As guerras são favorecidas pelos preconceitos nacionalistas que se cultivam sistematicamente no interesse das classes dominantes, a fim de afastar a massa proletária de seus deveres de solidariedade internacional. Elas são, pois, da essência do capitalismo, e não cessarão senão pela supressão do sistema capitalista”. Em agosto de 1907, reuniu-se o congresso socialista de Stuttgart no qual a frágil maioria anti-reformista da Internacional começou a se desfazer. O problema da guerra iminente começava a tomar o centro da agenda internacional. No mesmo ano, a Conferência de Paz de Haia, dos governos europeus, havia fracassado por completo. O governo imperial alemão havia recusado as propostas de limitação da produção de armamentos feitas pela “democrática” Inglaterra. O imperialismo inglês, dominante no mundo, defendia o statu quo ante: o “pacifismo” burguês era a arma dos exploradores do mundo para manter sua dominação. O fracasso de Haia desatou furiosas campanhas na Inglaterra, em favor da construção de navios de guerra, que não tardou em ser implementada. Rússia, depois de sua derrota para o Japão em 1905, estava fora de combate, mas França e Inglaterra apoiaram Rússia, com meios financeiros, para facilitar o programa de reformas econômicas do ministro Stolypin. Isso parecía configurar uma antecipação dos futuros blocos da Tríplice Aliança e da Entente. No mesmo Congresso Socialista de Stuttgart o debate sobre a questão colonial foi revelador. Um setor da socialdemocracia alemã (Vollmar e David) não vacilou em autoqualificarse de “social-imperialista”: o dirigente socialista holandês Van Kol

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A GUERRA MUNDIAL, A CISÃO SOCIALISTA E AS ORIGENS DA INTERNACIONAL COMUNISTA

Osvaldo Coggiola

No início do século XX, a guerra anglo - bóer, a guerra russo-japonesa e a revolução russa de 1905, foram o sinal de que a era do desenvolvimento pacífico do capitalismo estava chegando ao fim, e que se fazia necessário preparar o proletariado militante para novos tempos – que exigiam uma nova política. A maioria dos socialistas não conseguiu compreender isto. Começou nesse momento a se constituir uma ala esquerda da Internacional Socialista (ou II Internacional), que seria encabeçada pelos bolcheviques e pela esquerda da social democracia alemã, dirigida por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. A iminência de conflito armado era denunciada até por correntes da burguesia, mas coube às organizações operárias a insistência sobre o perigo provocado pela instabilidade militar européia. A partir do início do século XX multiplicaram-se conflitos regionais, que traduziam interesses das grandes nações capitalistas: a questão de Tanger, a questão dos Bálcãs, as questões coloniais na África e na Ásia. Os congressos socialistas internacionais denunciaram a expansão imperialista. Para Rosa Luxemburgo, por exemplo, “as guerras entre Estados capitalistas são em geral conseqüências de sua concorrência sobre o mercado mundial, pois cada Estado não tende unicamente a assegurar mercados, mas a adquirir novos, principalmente pela servidão dos povos estrangeiros e a conquista de suas terras. As guerras são favorecidas pelos preconceitos nacionalistas que se cultivam sistematicamente no interesse das classes dominantes, a fim de afastar a massa proletária de seus deveres de solidariedade internacional. Elas são, pois, da essência do capitalismo, e não cessarão senão pela supressão do sistema capitalista”. Em agosto de 1907, reuniu-se o congresso socialista de Stuttgart no qual a frágil maioria anti-reformista da Internacional começou a se desfazer. O problema da guerra iminente começava a tomar o centro da agenda internacional. No mesmo ano, a Conferência de Paz de Haia, dos governos europeus, havia fracassado por completo. O governo imperial alemão havia recusado as propostas de limitação da produção de armamentos feitas pela “democrática” Inglaterra. O imperialismo inglês, dominante no mundo, defendia o statu quo ante: o “pacifismo” burguês era a arma dos exploradores do mundo para manter sua dominação. O fracasso de Haia desatou furiosas campanhas na Inglaterra, em favor da construção de navios de guerra, que não tardou em ser implementada. Rússia, depois de sua derrota para o Japão em 1905, estava fora de combate, mas França e Inglaterra apoiaram Rússia, com meios financeiros, para facilitar o programa de reformas econômicas do ministro Stolypin. Isso parecía configurar uma antecipação dos futuros blocos da Tríplice Aliança e da Entente. No mesmo Congresso Socialista de Stuttgart o debate sobre a questão colonial foi revelador. Um setor da socialdemocracia alemã (Vollmar e David) não vacilou em autoqualificarse de “social-imperialista”: o dirigente socialista holandês Van Kol

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afirmou que o anticolonialismo dos congressos socialistas precedentes não havia servido para nada, e que os socialdemocratas deviam reconhecer a existência indiscutível dos impérios coloniais, e apresentar propostas concretas para melhorar o tratamento dos indígenas, o desenvolvimento dos recursos naturais e o aproveitamento destes em benefício de toda a raça humana. Perguntou aos opositores ao colonialismo se estavam realmente preparados para prescindir dos recursos das colônias, tendo em conta a situação real. Recordou que Bebel havia dito que nada era mau no desenvolvimento colonial como tal e se referiu aos sucesos dos holandeses ao conseguirem melhoras nas condições dos indígenas. A Comissão do Congresso encarregada da “questão colonial” manifestou-se assim: “O Congresso não rechaça por princípio em toda ocasião uma política colonial, que sob um regime socialista possa oferecer uma influência civilizadora”. Lênin qualificou de “monstruosa” a posição e, com Rosa Luxemburgo, apresentou uma moção anti-colonialista. O resultado da votação foi uma amostra da divisão existente entre os socialistas: a posição colonialista foi rejeitada por 128 votos contra 108. Vejamos uma reflexão posterior de Lênin sobre este Congresso: "Neste caso marcou-se a presença de traço negativo do movimiento operário europeu, traço que pode ocasionar não poucos danos à causa do proletariado. A vasta política colonial levou, em parte, ao proletariado europeu a uma situação pela qual não é seu trabalho o que mantém toda a sociedade, senão o trabalho dos indígenas quase totalmente subjugados das colônias. A burguesia inglesa, por exemplo, obtém mais ingresso de centenas de milhões de habitantes da Índia e de outras colônias suas, do que de operários ingleses. Tais condições criam em certos paises uma base material, uma base econômica, para contaminar o chauvinismo colonial ao proletariado destes países”. As divergências faziam parte dos motivos que levariam quase todos os partidos da Segunda Internacional a adotar uma posição social-patriótica (proimperialista) em 1914. Na verdade, as divergências sobre a questão colonial eram um aspecto do desacordo mais geral sobre a atitude que deveria adotar-se perante uma guerra entre as potências. Segundo o historiador trabalhista inglês G. D. H. Cole: “A guerra, quando estalasse, devia ser utilizada como uma oportunidade para a destruição total do capitalismo por meio da revolução mundial. Esta insistência correspondia ao que se havia estabelecido no conhe cido parágrafo final da resolução de Stuttgart adotada em 1907 pela Segunda Internacional, ante a insistência de Lênin e Rosa Luxemburgo, e contra a oposição inicial dos socialdemocratas alemães, que somente a haviam aceito sob pressão. Mas a política aceita alí nominalmente nunca havia sido realmente a política dos partidos constituintes da Internacional, e o deslanche da Internacional em 1914 lhe pusera fim, efetivamente, no que se referia às maiorias dos principais partidos dos países beligerantes”. Com a guerra mundial, a hora da verdade também se apresentou para o único partido socialista latino-americano presente no Congresso de Stuttgart, o Partido Socialista Argentino. O delegado do PSA, Manuel Ugarte, votou na moção anticolonialista de Lênin, mas poucos anos depois foi expulso do Partido, sob acusação de nacionalismo. O comentário que a resolução anticolonialista de Stuttgart mereceu da parte do principal dirigente do PSA, Juan B. Justo foi: “As declaraçôes socialistas internacionais

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sobre as colônias, salvo algumas frases sobre a sorte dos nativos, se limitaram a negações insinceras e estéreis. Não mencionam sequer a liberdade de comércio, que teria sido a melhor garantia para os nativos, e reduzido a questão colonial ao que devia ser”. O PSA, cuja reivindicação central era o livre-câmbio contra toda barreira protecionista (sob pretexto de que tal medida tornaria mais baratas as mercadorias, beneficiando os operários) concluiria como aliado direto do imperialismo, na Argentina. O congresso de Stuttgart deu prioridade às questões práticas da ação socialista para evitar a guerra, mais do que a querela teórica (sobre o “revisionismo”) suscitada por Bernstein e Kautsky. O congresso celebrou-se em território alemão, suscitando receios entre os socialistas, pelo caráter repressivo do governo imperial alemão. Ficou a impressão de que, em caso de guerra, as classes operárias de França e Rússia perturbariam mais seus governos, do que o proletariado alemão “seu” governo imperial. Se manifestaram no congresso quatro posições políticas sobre a guerra, defendidas por Vaillant e Jaurès, pela maioria do Partido Socialista Francês; Jules Guesde pela minoria do mesmo partido; Bebel pelo partido socialdemocrata alemão, e Gustave Hervé pela extrema esquerda do socialismo francês. VaiIlant e Jaurès defenderam o recurso à greve geral, e incluso a resistência armada, em caso de guerra, mas também manifestaram a legitimidade da defesa de um país em caso de agressão por outro. Guesde se opunha a qualquer tipo de campanha anti-militarista que afastasse à classe operária de seu objetivo fundamental: apoderar-se do poder político para expropriar os capitalistas e socializar a propriedade dos meios de produção. Guesde já tinha se proclamado neutral no recente affaire Dreyfus. Bebel, depois de uma declaração teórica sobre as raízes da guerra, considerou que era dever dos trabalhadores e de seus representantes parlamentares lutar contra o armamentismo, e lhe negar apóio financeiro. Se declarou, porém, também em favor de uma organização democrática do sistema de defesa nacional. Diante da ameaça de guerra se devia fazer o possível para evitá-la, usando os meios mais eficazes e, em caso de conflito em andamento, lutar para lhe dar o fim mais rápido. Mas não disse como. Significativamente, Bebel disse que o governo alemão não desejava a guerra, e que todo apelo à deserção deflagraria, da parte do governo, uma repressão que provocaria o fim do partido socialdemocrata. A ambigüidade, portanto, pairava sobre os principais posicionamentos dos socialistas. A resolução sobre a guerra teve como base a moção apresentada por August Bebel, e afirmava que “as guerras eram próprias da essência do capitalismo e só cessariam com o seu fim” e que “os trabalhadores era as principais vítimas do conflito, portanto seus inimigos naturais”. A resolução contra a guerra, proposta por Lênin, Rosa Luxemburgo e o menchevique de esquerda Martov, afirmava: "Se a guerra eclodir, os socialistas têm o dever de intervir para sustá-la prontamente e de utilizar a crise econômica com todas suas forças, assim como a política gerada pela guerra, para agitar os estratos populares mais profundos e precipitar a queda do capitalismo". Naquele congresso, esse texto passou como um compromisso entre as posições irredutíveis dos delegados franceses, que propunham a greve geral como meio concreto de luta contra a guerra, e os

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delegados alemães, que se opunham a essa proposta. Mas, segundo Lênin, presente no congresso, as resoluções “não continham qualquer indicação concreta sobre quais deveriam ser as tarefas da luta do proletariado”. Já se podia sentir que eram poucos os que estavam realmente dispostos a levar até as últimas conseqüências a resolução. Segundo Arthur Rosenberg, “os partidos socialistas só falavam, nesse período, de paz e fraternidade entre os povos e se alinhavam contra qualquer política de potência nacional, o que os isolou nitidamente dos estratos populares restantes. A infeliz contraposição entre a minoria socialista e a chamada maioria "burguesa" da nação adquiriu um significado particular pelo fato de que os socialistas eram "antinacionalistas", enquanto que os burgueses eram "nacionalistas". E na medida em que o sentimento nacional é, no momento correto, uma arma inacreditavelmente poderosa na luta política, os socialistas se viram relegados ao terreno no qual teriam que sofrer as derrotas mais sérias. De fato, o movimento nacional arrasta consigo, no momento crítico, não só as classes médias, mas também a maioria dos trabalhadores. O pacifismo abstrato não tem qualquer força de resistência quando está verdadeiramente em jogo a vida da nação. A democracia revolucionária do período de 1848 pôde utilizar o sentimento nacional. A II Internacional, ao contrário, deixou-se dominar, em quase todos os países, por um isolamento no qual a ideologia profissional dos operários e o pacifismo constituíam posições destinadas a serem derrotadas. A eclosão da guerra mundial e, posteriormente, a vitória do fascismo nos grandes países europeus, logo mostraram claramente essa situação. O congresso da Internacional, realizado em Copenhague em 1910, manifestou-se com indignação contra os socialistas tchecos, alinhados então a favor da política de defesa de sua nacionalidade. Porém, a história deu razão aos separatistas tchecos”. A Internacional Socialista parecia estar de acordo com a democracia liberal burguesa em relação aos grandes problemas internacionais. Ambas eram favoráveis à paz européia, ao livre comércio, ao sufrágio universal, às instituições parlamentares, à política social e a tutela dos trabalhadores, e contrárias ao capital monopolista e aos trustes. Haveria algo mais fácil do que uma aliança entre os democratas liberais e os socialistas contra o imperialismo? Formou-se até no interior do movimento operário socialista uma corrente que dizia estar de acordo com tal iniciativa: a dos revisionistas. Estes pediam à Internacional Socialista que abandonasse os slogans revolucionários vazios e que se colocasse no terreno das realidades factuais, que buscasse resultados práticos no terreno da democracia burguesa e da política social e que aceitasse de bom grado a colaboração de qualquer aliado que estivesse disposto a percorrer o mesmo caminho. No congresso seguinte ao de Stuttgart, realizado em Copenhague (1910), reforçaram-se ainda mais as posições reformistas e o problema da manutenção da paz ficou quase reduzido às pressões parlamentares, em detrimento da mobilização das massas e da preparação da luta revolucionária. O começo da década de 1910 viu agravada a situação internacional, alimentada pelas contradições inter-imperialistas através da crise marroquina (1911), que quase levou a uma guerra entre França e Alemanha, da guerra ítalo-turca (1911), da guerra balcânica (1912). Estas eram prenúncios da guerra mundial que se aproximava e que acabaria por varrer a Europa nos anos seguintes. No

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congresso, a questão da greve geral foi recolocada em pauta, com uma moção do francês Vaillant, associado ao inglês Keir-Hardie: “Entre os meios para evitar e impedir a guerra, este Congresso considera particularmente eficaz a greve geral operária”. Decidiu-se adiar a decisão e continuar a discussão no próximo congresso em Viena, previsto para 1913. Jean Jaurès apresentou uma emenda preconizando “a greve geral organizada simultaneamente e internacionalmente”. Em 1912, em meio ao clima de guerra iminente, reuniu-se um congresso socialista extraordinário na Basiléia, que tomou o caráter de uma manifestação anti-bélica. Os discursos contra os preparativos da guerra foram tão eloqüentes quanto vazios de propostas. Falava-se da utilização de “todos os meios apropriados” para a conjuração do conflito, e do pretenso “medo das classes governantes da revolução proletária, pois qualquer guerra pode tornar-se perigosa para elas. Que elas se lembrem que a guerra franco-prussiana provocou a explosão revolucionária da Comuna”. O homem-forte do movimento socialista europeu passou a ser Jean Jaurès, desde a morte de August Bebel em 1913. Preservar a paz, que Jaurès sabia ameaçada pelas rivalidades inter-capitalistas, já era há anos sua maior preocupação. Na Câmara dos Deputados da França, Jaurès tinha pronunciado um célebre discurso, com uma frase que correu o mundo: “O capitalismo traz em si a guerra, como as nuvens silenciosas trazem a tempestade”. Jaurès tinha a convicção de que a união do proletariado internacional seria capaz de afastar “esse horrível pesadelo”. Dois dias antes de seu assassinato, em 29 de julho de 1914, no ato internacional contra a guerra realizado no Cirque Royal de Bruxelas, declarou: “Sabem o que é o proletariado? São massas de homens que têm, coletivamente, amor à paz e horror à guerra”. No dia 28 de junho de 1914 foi assassinado o arquiduque Francisco Fernando, príncipe herdeiro do trono austro-húngaro, em Sarajevo. Seus assassinos eram dois nacionalistas sérvios. A Áustria declarou guerra a Sérvia a 28 de julho. Neste mesmo dia a Rússia entrou no conflito em defesa da Sérvia ameaçada. Em seguida foi a vez da França se colocar em favor da Rússia, e da Alemanha se posicionar ao lado da Áustria-Hungria. No dia 4 de agosto a Inglaterra entrou no conflito declarando guerra à Alemanha e à Áustria-Hungria. Era o início do maior conflito bélico que a humanidade havia visto até então. Em 29 de julho, reuniu-se extraordinariamente o Comitê Executivo da Internacional. Nele o representante alemão ratificou as posições anteriores, de oposição à intervenção alemã, e que o partido não votaria a favor dos créditos para a guerra. Ainda a 1º de agosto, no congresso do Partido Socialista Francês, o representante alemão ratificou suas posições anti-bélicas. A realidade, porém, era bem outra. As massas operárias e o partido socialista vinham sendo, pouco a pouco, dominados pelo espírito chauvinista. No dia seguinte ao atentado de Sarajevo, o SPD alemão reuniu-se para analisar as conseqüências que poderia ter para o congresso da Internacional que devia se realizar a 23 de agosto de 1914. Decidiu solicitar que se reunisse o Bureau Socialista Internacional (BSI). Os socialdemocratas austríacos responderam que não era necessário, que a situação não era alarmante, e que as preocupações dos socialistas alemães eram infundadas...

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O congresso da Internacional Socialista foi adiado para 28-29 de agosto de 1914, e nunca se realizou: em 31 de julho, Jaurès foi assassinado; em 3 de agosto estourou a guerra. No dia 4 de agosto, para surpresa de muitos revolucionários, inclusive Lênin, os deputados socialistas alemães do Reichstag votaram (com exceção de Karl Liebknecht,[1] e Otto Rühle) a favor da liberação dos créditos de guerra. A maioria dos socialistas alemães punha uma pedra sobre o seu passado revolucionário e internacionalista. Em 1914, a socialdemocracia alemã era poderosa. Com um orçamento de dois milhões de marcos, contava com mais de um milhão de filiados, mesmo tendo sofrido forte repressão no regime imperial alemão. Era a vitória do pragmatismo de direita, do oportunismo:[2] “Desde 4 de agosto - afirmou Rosa Luxemburgo - a social democracia alemã é um cadáver putrefato”. Os socialistas franceses, por sua vez, uniram-se à burguesia francesa “em defesa da pátria ameaçada”. O mesmo fizeram os austro-húngaros, os belgas, os ingleses. Até Plekhanov, pai do marxismo russo, aderiu às teses social-patrióticas. Em diversos países os socialistas formaram alianças políticas e blocos governamentais com suas respectivas burguesias imperialistas. A guerra revelou os limites das antigas direções: “A II Internacional está morta, vencida pelos oportunistas”, afirmou Lênin, dirigente da fração revolucionária do socialismo russo e da Internacional. Não apenas não foi desencadeada a greve geral, mas a classe operária, petrificada e desguarnecida, viu os seus dirigentes se alinharem à política de guerra da burguesia e propugnarem a “união sagrada”. Na França, o principal fundador do socialismo marxista, Jules Guesde, tornou-se membro do governo, e Leon Jouhaux, dirigente do movimento sindical, da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), anunciou sua adesão à guerra, renegando suas posições anteriores, no seu discurso no enterro de Jaurès, à beira do túmulo ainda aberto do grande inimigo da guerra... Juntava-se assim aos deputados socialdemocratas alemães que votaram no parlamento os créditos de guerra, alinhando-se com a política belicista de Guilherme II. Só uma pequena minoria não se curvou e manteve erguida, apesar da repressão, a bandeira do internacionalismo: na França, um punhado de militantes em torno de Alfred Rosmer, amigo de Leon Trotsky; uns poucos na Alemanha, com o deputado Karl Liebknecht, defendendo a palavra de ordem: “o inimigo está dentro do nosso país”. A submissão de cada partido ao governo de sua própria burguesia acarretou o desaparecimento da Internacional. Lênin procurou entender as razões de sua falência, e a partir dessa análise precisar as posições dos marxistas sobre a guerra:[3]— O capitalismo entrou, nos primeiros anos do século XX, num longo período histórico; sua evolução para o imperialismo abrira “a época das guerras e revoluções”; — Retomando a conclusão do Manifesto do Partido Comunista: “Os proletários não têm pátria”, Lênin constatou que a guerra não dizia respeito à classe operária; ela não tinha nenhum interesse em comum com a burguesia; — Fez um alerta para combater a confiança, que poderia se desenvolver, na possibilidade de evitar os conflitos graças a arbitragens internacionais; — Só a eliminação das causas profundas da guerra poderia conduzir à paz, e essas causas eram conhecidas: a própria existência do capitalismo.

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Nesta época, em que já se desenhava um dos termos da alternativa barbárie ou socialismo, só a revolução podia ser posta em oposição à guerra. Em 1915, na prisão real da Prússia onde estava presa por suas atividades anti-militaristas, Rosa Luxemburgo também estigmatizou a capitulação do socialismo alemão ao votar os créditos de guerra, e defendeu uma posição semelhante à de Lênin, em seu panfleto A Crise da Social Democracia: "Os interesses nacionais não passam de uma mistificação que tem por objetivo colocar as massas populares trabalhadoras a serviço de seu inimigo mortal: o imperialismo. A paz mundial não pode ser preservada por planos utópicos ou francamente reacionários, tais como tribunais internacionais de diplomatas capitalistas, por convenções diplomáticas sobre “desarmamento”, “liberdade marítima”, supressão do direito de captura marítima, por “alianças políticas européias”, por “uniões aduaneiras na Europa Central”, por Estados-tampões nacionais, etc. O proletariado socialista não pode renunciar à luta de classe e à solidariedade internacional, nem em tempos de paz, nem em tempos de guerra: isso equivaleria a um suicídio. (...) O objetivo final do socialismo só será atingido pelo proletariado internacional se este enfrentar em toda a linha o imperialismo e fizer da palavra de ordem “guerra à guerra” a regra de conduta de sua prática política, empenhando aí toda a sua energia e toda a sua coragem". No entanto, o movimento operário poderia estar atrasado em relação aos prazos históricos, e ficar na situação de não conseguir impedir a eclosão da guerra. Nesse, que era justamente o caso, Lênin, retomando o grito de Karl Liebknecht - “o inimigo está dentro do nosso país” - pronunciou-se pela derrota do próprio governo na guerra imperialista, explicando que a fraqueza da burguesia nacional vencida oferecia, para o proletariado, melhores possibilidades de tomar o poder. Nessas condições, a palavra de ordem de “paz” podia se tornar revolucionária; é essa estratégia que recebeu o nome de “derrotismo revolucionário”. A tese de Rosa Luxemburgo, “guerra à guerra”, tomou forma mais precisa e aguda em Lênin e tornou-se: “a transformação da guerra imperialista em guerra civil contra sua própria burguesia”. A orientação dos dirigentes da Internacional Socialista, nos Congressos realizados a partir de 1907, era que os trabalhadores tentassem ao máximo, em seus países, evitar a deflagração do conflito. Caso isso não fosse possível, deveriam aproveitar o momento para precipitar a queda do capitalismo. Entretanto, quando em 1914 teve início a Primeira Guerra Mundial, os principais partidos filiados à II Internacional apoiaram seus respectivos governos e, em nome do nacionalismo, apoiaram a ofensiva bélica de cada país, provocando o colapso da Internacional Socialista. Somente os partidos russo, sérvio e húngaro, além do Partido Socialista Italiano – junto com pequenos grupos dentro de outros partidos – permaneceram fiéis aos princípios antigamente enaltecidos pela Internacional. Lênin taxou os socialdemocratas de “reformistas” e “revisionistas”, anunciou a “falência da Internacional” e conclamou os revolucionários a se reunirem numa nova Internacional. Os povos, até então supostamente unidos no mesmo ideal, se chacinavam mutuamente nos campos de batalha. A linha divisória até ali estabelecida, baseada na luta de classes, foi deslocada e posta à mercê dos interesses dos imperialismos em

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luta. Ao receber tal choque, a Segunda Internacional desmoronou. Na verdade, ela nem sequer tentou lutar. O nacionalismo e o revisionismo ligaram-na intimamente ao regime existente, atrelaram-na ao carro do capitalismo com o qual ela foi arrastada para a guerra. A capitulação da Internacional Socialista teve lugar em condições nas quais o suposto "realismo" de seus dirigentes escondía uma cegueira quase voluntária frente à realidade da crise capitalista, ou seja, a pior das fantasias. Segundo Georges Haupt, a reunião do Bureau Socialista Internacional de 29 a 30 de julho de 1914 (véspera inmediata da guerra) revelou que os dirigentes estavam convictos de que a guerra era impossível, e que a crise teria uma saída pacífica. Nas semanas seguintes, já declarada a guerra, os dirigentes socialdemocratas elaboraram um comunicado dizendo ter feito o possível para evitá-la, sem sucesso, e fechando o guichê “socialista” por tempo indefinido. Era o naufrágio de quatro décadas de ação política, e de um quarto de século de existência da Internacional Socialista. Era a porta aberta para a carnificina imperialista, ora com benção “socialista”. Era a frustração histórica, não de uma, mas de varias gerações de operários, intelectuais, lutadores. Nos anos vindouros, toda uma geração de socialistas, marxistas ou não, consumiu-se no esforço de destrinchar suas causas sociais, políticas, filosóficas e até culturais, esforço no qual configurou-se o pensamento socialista e o marxismo contemporáneos. E também no esforço de superar praticamente essa “catástrofe” ou “traição”, em todos os planos mencionados. Contra o prognóstico do dirigente reformista mais combativo, Jean Jaurès — "a guerra será o ponto de partida da revolução internacional" —, se confirmou a caracterização de Otto Bauer:[4] "A revolução proletária não é nunca menos possível do que no início de uma guerra, quando a força concentrada do poder estatal e toda a potência das paixões nacionais desencadeadas se opõem a ela". Ou, como disse Trotsky no começo da guerra: "Logo depois de anunciada a mobilização militar, a socialdemocracia encontrou-se diante da força de um poder concentrado, baseado em um poderoso aparato militar pronto para derrubar, com ajuda de todos os partidos e instituições burguesas, todos os obstáculos que aparecessem em seu caminho". Em 1916, no seu opúsculo sobre o imperialismo, Lênin tentou chegar a uma conclusão em relação à conduta da Internacional, analisando as bases sociais do fenômeno do “social-imperialismo”: “O imperialismo tem a tendência de formar categorías privilegiadas também entre os operários, e de divorciá-las da grande massa do proletariado. A ideología imperialista penetra inclusive na clase operária, que não está separada das outras clases sociais por uma muralha chinesa. Os chefes do partido socialdemocrata atual da Alemanha foram com justiça qualificados de social-imperialistas, isto é, socialistas de palabra e imperialistas de fato”. Mas a reação dentro da Internacional não se fez esperar… A guerra e a evidência da capitulação socialdemocrata provocaram uma reação internacional nos partidos operários e socialistas, provocando cisões políticas em diversos países. Parte da Internacional Socialista resistiu à onda patriótica desencadeada com as declarações de guerra, desde o primeiro momento, mesmo na Alemanha, onde houve uma gigantesca mobilização popular guerreira pela vitória, tida

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como certa e próxima. E, a partir de 1917, quando os sacrifícios da guerra começaram a pesar, a resistência à sua continuação começou a crescer rapidamente. Internacionalmente, a reação contra a guerra se expressou inicialmente no CRRI (Comité pela Retomada das Relações Internacionais) formado por um conjunto heterogéneo de grupos e militantes da Segunda Internacional. Os socialistas revolucionários estavam obrigados a intervir neste movimento majoritariamente "social-pacifista", na medida em que suscitava um interesse político na vanguarda operária (e, potencialmente, nas amplas massas): sua intervenção foi vitoriosa, por ter sido a única força que, apesar de muito minoritária, atuou nesse movimento como partido organizado (o bolchevismo). É importante notar que a base do movimiento não era circunstancial nem improvisada, pois se apoiava na antiga esquerda da Internacional Socialista. Escrevendo em 1916 para Vorbote (Precursor) Lênin afirmou que “a luta das duas tendências fundamentais do movimiento operário, socialismo revolucionário e socialismo oportunista, preenche a época que vai de 1889 até 1914”. Parte da Bélgica havia sido ocupada pelos exércitos alemães no mês de agosto de 1914 e, por isso, o Bureau Socialista Internacional não podia continuar em Bruxelas. Seu secretário, Huysmans, partiu para Haia e lá reorganizou o Bureau com os membros dirigentes do Partido Socialista Holandês. Os primeiros sintomas da cisão no campo socialista internacional foram as Conferências de Zimmerwald e de Kienthal. Em setembro de 1915, os socialistas revolucionários russos (Lênin, Trotsky, Zinoviev, Radek), alemães (Ledebour, Hoffmann), franceses (Blanc, Brizon, Loriot), italiano (Modigliani), romenos como Christian Rakovsky, assim como os representantes do movimento socialista de alguns países neutros, reuniram-se em Zimmerwald, na Suíça, denunciaram energicamente o caráter imperialista da guerra mundial, a traição dos “socialistas de guerra”, e exigiram a aplicação prática das decisões dos congressos internacionais. Eram 38 delegados de 12 países, incluídos os das nações beligerantes. Uma Conferência análoga reuniu-se em Kienthal (Suíça), no mês de abril de 1916. Esta Conferência lançou um apelo aos trabalhadores dos países beligerantes, convidando-os a lutar para pôr termo à guerra. Os delegados ingleses não compareceram a nenhuma dessas duas Conferências, porque o governo inglês lhes recusou os passaportes. Segundo uma de suas animadoras (Agnès Blandorf), o "movimento de Zimmerwald" (nome da cidade suíça em que se reuniu inicialmente) tinha por objetivo "reviver a IIª Internacional sob os velhos princípios do marxismo socialista de antes da guerra", seu objetivo era "mais a restauração do que a transformação ", o que não impediu que "concebido para criar um fundamento para a unidade socialista, la conferência de Zimmerwald, ao contrário, abriu a porta para uma cisão cujas conseqüências dominariam a paisagem política do século XX". Nessa conferência, "Lênin teve sucesso em reunir uma pequena fração para dar um passo adiante como líder de uma alternativa internacional". Marcel Martinet, intelectual revolucionário francês, podia escrever: “Depois de Zimmerwald, sabemos que sob as cinzas o fogo continua vivo”. O bolchevique Grigorii Zinoviev escreveu alguns anos mais tarde: “Foi para nós uma grande satisfação moral receber, na primeira conferência de Zimmerwald, uma carta de Karl Liebknecht que terminava assim: ‘a guerra civil e não a paz civil, esta é a nossa palavra-de-ordem’”.

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O socialismo russo foi o fer de lance da luta contra a guerra, e pela revolução, nas condições criadas pela própria guerra. Dentro da emigração russa havia múltiplas posições, entre o defensismo de Plekhanov e o derrotismo de Lênin. Tanto Martov como outros mencheviques se negavam a admitir que a vitória dos Habsburgos ou dos Hohenzollern constituisse um fator favorável para a causa do socialismo no seu país. Denunciaram então o caráter imperialista da guerra, o séqüito de atrozes sofrimentos que significava para os trabalhadores de todos os países, e afirmaram que os socialistas deviam acabar com a guerra mediante a luta por uma paz democrática e sem anexações; sobre esta base se podia reconstruir a unidade dos socialistas de todos os países, cuja condição prévia seria a negativa a apoiar os créditos de guerra nos países beligerantes. Trotsky, que era próximo de Martov, em 1914 começou a atacar violentamente os socialdemocratas alemães e franceses, em um folheto chamado A Internacional e a Guerra: “Nas atuais condições históricas, o proletariado não tem interesse algum em defender uma pátria nacional anacrônica que se converteu no principal obstáculo ao desenvolvimento econômico. Ao contrario, deseja criar uma nova pátria mais poderosa e estável, os Estados Unidos republicanos da Europa, como base dos Estados Unidos do mundo. Na prática, ao beco sem saída imperialista do capitalismo, o proletariado só pode opor, como programa, a organização socialista da economia mundial”. Os mencheviques internacionalistas de Martov e os amigos de Trotsky se uniram, junto com alguns antigos bolcheviques, em Nashe Slovo, jornal russo que se editava em Paris sob a direção de Antónov-Ovseenko. As posturas se definiram através das polêmicas. Desde novembro de 1914, Trotsky afirmava: “O socialismo reformista não tem nenhum futuro porque se converteu em parte integrante da antiga ordem e no cúmplice de seus crimes. Aqueles que esperam reconstruir a antiga Internacional, supondo que seus dirigentes poderão fazer esquecer sua traição ao internacionalismo com uma mútua anistia, estão obstaculizando de fato o ressurgimento do movimento operário”. Em sua opinião, a tarefa imediata era “reunir as forças da III Internacional”. Rosa Luxemburgo adotou uma postura análoga. Martov não acreditava que a nova Internacional pudesse aspirar a um papel que não o de seita impotente. Em fevereiro de 1915, Trotsky externou, em Nashe Slovo, seus desacordos com os mencheviques. Nashe Slovo se converteu no núcleo do internacionalismo socialista, situado na encruzilhada de todas as correntes internacionalistas russas: antigos bolcheviques como Manuilsky, antigos conciliadores como Sokólnikov, ex mencheviques como Chicherin e Alexandra Kollontai, Abraham Ioffe, internacionalistas como o búlgaro-romeno Christian Rakovsky, Sobelsön, chamado Karl Rádek, oriundo da Galizia, meio polaco, meio alemão, e também a italo-russa Angélica Balabanova. Trotsky pressionava Martov para que rompesse com os “social-chauvinistas”. Lênin acusava Trotsky de querer preservar os vínculos que o uniam a eles. Trotsky escreveu então que os bolcheviques constituiam o núcleo do internacionalismo russo. Martov rompeu então com ele. Na reunião de Zimmerwald, Lênin defendeu a tese derrotista: a transformação da guerra imperialista em guerra civil, e a constituição de uma nova

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Internacional. A maioria do movimento, que era mais pacifista que revolucionária, não o acompanhou; se adotou, por unanimidade, o Manifesto redigido por Trotsky, em que se chamava a todos os trabalhadores para por fim à guerra. Em 1915, quando os deputados bolcheviques russos se encontravam encarcerados, os mencheviques aceitaram apoiar a Entente, ou seja, participar na Santa Aliança em torno do governo do Czar; o líder menchevique Chjeidze retratou-se dos acordos tomados em Zimmerwald. Vera Zasulich e Potrésov, os velhos chefes mencheviques, apoiaram essa política, comandada por Plekhanov. Trotsky seguia titubeando e se perguntava, em maio de 1916, se os revolucionários “que não contam com o apoio das massas” não se viam, por isso, “obrigados a constituir durante um certo período a ala esquerda de sua Internacional”. Lênin e Trotsky continuaram polemizando em torno do “derrotismo”, que Trotsky não aceitava; também discutiam a propósito dos “Estados Unidos da Europa”, palavra de ordem que Lênin considerava contemporizadora, e que corria o risco de frear a luta revolucionária que se levava a cabo em cada país, ao implicar, aparentemente, que a revolução não podia triunfar mais que simultaneamente em todos os países da Europa. O diário russo de Nova York, Novy Mir, em que, junto com Trotsky, colaboravam a ex-menchevique Kollontaï, o bolchevique Nikolai Bukharin e o revolucionário russo-americano Volodarsky, era, a princípios de 1917, um expoente da fusão de todos os internacionalistas russos – incluídos os bolcheviques –,que Bukharin, em oposição a Lênin, queria transformar na primeira pedra para a edificação de uma nova Internacional O Manifesto de Zimmerwald dirigiu-se aos “Trabalhadores da Europa”, nos termos que seguem: A guerra já dura mais de um ano. Há milhares de corpos sobre os campos de batalha; milhares de homens mutilados para toda a vida. A Europa tornou-se um gigantesco matadouro humano. Toda a ciência, o trabalho de várias gerações, está voltada para a destruição. A barbárie mais selvagem está celebrando o seu triunfo sobre tudo que era anteriormente o orgulho da humanidade. Seja qual for a verdade sobre a responsabilidade imediata pelo início da guerra, uma coisa é certa: a guerra que ocasionou este caos é resultado do imperialismo, dos feitos das classes capitalistas de toda nação para satisfazer sua sede de lucro através da exploração do trabalho humano e dos tesouros da natureza. As nações economicamente atrasadas ou politicamente fracas são ameaçadas e subjugadas pelas grandes potências, que com ferro e fogo tentam mudar o mapa do mundo de acordo com os seus interesses de exploração. Países e povos inteiros, como Bélgica, Polônia, os Estados balcânicos, Armênia, estão sob a ameaça de serem anexados como espólio de guerra na barganha por compensações. À medida que a guerra avança, suas verdadeiras forças motrizes se revelam em toda a sua baixeza. Está caindo, peça por peça, o véu que escondia o sentido desta catástrofe mundial da compreensão dos povos. Os capitalistas de todos os países, que extraem os lucros da guerra do sangue do povo, estão declarando que a guerra é pela defesa nacional, democracia, e libertação das nacionalidades oprimidas. ELES MENTEM.

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Na realidade, eles estão enterrando nos campos da devastação as liberdades dos seus próprios povos, junto com a independência de outras nações. Novos sofrimentos, novas correntes, novas cargas estão sendo criadas, e os trabalhadores de todos os países, dos vencedores assim como dos vencidos, terão de portá-las. O objetivo anunciado ao início da guerra era elevar a civilização a um nível mais alto: miséria e privação, desemprego e carência, fome e doenças são os verdadeiros resultados. Os custos da guerra irão, por décadas e décadas, consumir as energias dos povos, ameaçar o trabalho pela reforma social e esmagar cada passo no caminho do progresso. O desolamento moral e intelectual, o desastre econômico, a reação política - tais são as bênçãos desta batalha horrenda entre as nações. Assim, a guerra revela a crueza do capitalismo moderno, que se tornou irreconciliável não apenas com os interesses das massas trabalhadoras, não apenas com as circunstâncias do desenvolvimento histórico, mas inclusive com as condições básicas da existência humana comunitária. As forças reinantes da sociedade capitalista, em cujas mãos se encontra o destino das nações, os governos monárquicos e republicanos, a diplomacia secreta, grandes organizações patronais, partidos da classe média, a imprensa capitalista, a Igreja - todas estas forças devem arcar com todo o peso da responsabilidade por esta guerra, produzida pela ordem social que os alimenta e os protege e que está sendo conduzida de acordo com os seus interesses. Trabalhadores! Explorados, privados de seus direitos, desprezados - vocês eram irmãos e companheiros no início da guerra, antes de serem recrutados para marchar para a morte. Agora, depois que o militarismo os mutilou, dilacerou, degradou, e destruiu, os governantes lhes exigem o abandono de seus interesses, objetivos, e ideais - em uma palavra, a submissão completa ao "jugo nacional". Vocês não podem expressar os seus pontos de vista, seus sentimentos, sua dor; vocês não podem avançar suas demandas e lutar por elas. A imprensa está calada, são pisoteados os direitos políticos e liberdades -esta é a ditadura militar que hoje reina com mão de ferro. Não podemos, não nos atrevemos, a permanecer inativos diante de um estado de coisas que ameaça o futuro de toda a Europa e a humanidade. A classe operária socialista conduziu a luta contra o militarismo por várias décadas. Com ansiedade crescente, os seus representantes nas conferências nacionais e internacionais se devotaram à ameaça de guerra, o resultado de um imperialismo que se tornava cada vez mais ameaçador. Em Stuttgart, Copenhague e Basiléia, o Congresso Socialista Internacional indicou o caminho que os trabalhadores deveriam seguir. Mas desde o início da guerra os partidos socialistas e organizações da classe operária que tomamos parte na determinação deste passo, nos esquecemos das obrigações que dele derivavam. Os seus representantes chamaram pela suspensão da luta de classe, o único meio possível e eficaz para a emancipação da classe operária, e votaram os créditos de guerra para a classe governante. Colocaram-se à disposição de seus governantes para os mais diversos serviços. Através da sua imprensa e representantes, tentaram conquistar o apoio dos setores neutros para a política governamental de seus respectivos países. Entregaram os ministros socialistas aos seus respectivos governos, como reféns no cumprimento do jugo nacional, assumindo assim a responsabilidade por esta guerra, seus objetivos, seus métodos. Os partidos socialistas falharam separadamente, assim como falhou o maior representante e responsável dos socialistas de todos os países, o Bureau Socialista Internacional. Estes fatos constituem um dos motivos pelos quais o movimento operário internacional, falhou, inclusive ali onde suas seções não sucumbiram ao pânico nacional do primeiro período da guerra ou onde se ergueram acima dele, e mesmo agora durante o segundo ano do massacre das nações, a se erguer simultaneamente em todos os países numa luta ativa pela paz.

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Nos reunimos agora nesta situação intolerável, nós representantes de partidos socialistas e sindicatos, ou minorias deles, nós alemães, franceses, italianos, russos, poloneses, letões, romenos, búlgaros, suecos, noruegueses, holandeses e suíços, nós que pisamos o terreno não da solidariedade nacional com a classe exploradora, mas da solidariedade internacional da luta dos trabalhadores e da classe operária. Nos reunimos para reatar os laços rompidos das relações internacionais e convocar a classe operária para se reorganizar e começar a luta pela paz. Esta luta também é pela liberdade, pela irmandade das nações, pelo socialismo. A tarefa é empreender esta luta pela paz, por uma paz sem anexações ou compensações de guerra. Esta paz só é possível se for condenada toda violação dos direitos e liberdades das nações. Não deve haver anexação forçada de territórios ocupados parcial ou totalmente. Sem anexações abertas ou acobertadas, sem uniões econômicas forçadas, tornadas ainda mais intoleráveis pela supressão de direitos políticos. O direito das nações de selecionar os seus próprios governos deve ser o princípio fundamental inalterável das relações internacionais. Trabalhadores, Organizem-se! Desde o início da guerra vocês entregaram suas energias, coragem e determinação ao serviço da classe governante. Agora a tarefa é ingressar nas listas por sua própria causa, pelos objetivos sagrados do socialismo, pela salvação das nações oprimidas e classes escravizadas, através da inconciliável luta de classes. É tarefa e dever dos socialistas dos países beligerantes começar esta luta com todo o seu poder. É tarefa e dever dos socialistas dos países neutros apoiar seus irmãos através de todos os meios concretos possíveis nesta luta contra a barbárie sangrenta. Nunca na história do mundo houve tarefa mais urgente, mais nobre e mais sublime, por cujo cumprimento devemos trabalhar em conjunto. Nenhum sacrifício é grande demais, nenhuma carga é pesada demais para atingir este fim: o estabelecimento da paz entre as nações. Homens e mulheres trabalhadoras! Mães e pais! Viúvas e órfãos! Feridos e mutilados! Para todos que sofrem por conseqüência direta ou indireta da guerra, gritamos sobre as fronteiras, sobre os campos de batalha arrasados, sobre as cidades e vilarejos devastados: Uni-vos trabalhadores do mundo!

Assinavam, em nome da Conferência Socialista Internacional: George Ledebour e Adolph Hoffman (Alemanha); A. Merrheim e Bourderon (França); G. E. Modigliani e Constantino Lazzari (Itália); N. Lenin, Pavel Axelrod e M. Bobrov (Rússia); St. Lapinski, A Warski e Jacob Hanecki (Polônia); C. Rakovsky (Romênia); Vasil Kolaro (Bulgária); Z. Hogiund e Ture Nerman (Noruega); H. Roland-Host (Holanda); Robert Grimm (Suécia). Na mesma reunião, em setembro de 1915, foram feitas duas declarações sobre o Manifesto de Zimmerwald. Na primeira lia-se: “O manifesto adotado pela conferência não nos satisfaz plenamente. Ele não faz menção nem ao oportunismo aberto, nem ao oportunismo que se esconde por trás do palavreado radical, oportunismo este que não apenas é a principal causa do colapso da Internacional, mas que procura perpetuar o seu colapso. O manifesto não contém nenhum pronunciamento claro sobre os métodos para lutar contra esta guerra. Continuaremos, como fizemos até o momento, a defender, na imprensa socialista e nas reuniões da Internacional, a posição marxista em relação às tarefas postas ao proletariado pela época do imperialismo. Votamos a favor do manifesto na medida em que o vemos como um chamado para a luta, e nesta luta estamos ansiosos para marchar lado a lado com as outras seções da Internacional. Requeremos que a presente declaração seja incluída nas atas oficiais”. Assinavam:

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Lênin, Zinoviev, Radek, Nerman, Hogiund, Winter, isto é, a fração bolchevique internacional. A outra declaração, assinada pelo grupo que introduziu a resolução, além de Roland Host e Trotsky, afirmava: "Na medida em que a adoção da nossa emenda (ao manifesto) exigindo o voto contra as apropriações de guerra pode de alguma forma colocar em perigo o sucesso da conferência retiramos, sob protesto, nossa emenda e aceitamos a declaração de Ledebour na comissão, na medida em que o manifesto contém tudo o que implica a nossa proposição". Deve-se dizer que Ledebour lançou um ultimato exigindo a rejeição da emenda. Caso contrário se recusaria a assinar o manifesto. No meio da guerra, livrou-se uma batalha política dentro dos partidos da falida II Internacional. Lênin descrevia assim a situação: “Vejamos dez Estados europeos: Alemanha, Inglaterra, Rússia, Itália, Holanda, Suécia, Bulgária, Suíça, Bélgica e França. Nos oito primeiros países a divisão entre tendência oportunista e tendência revolucionária coincide com a divisão entre social-chauvinistas e internacionalistas. Na Alemanha, os pontos de apóio do social-chauvinismo são os Sozialistische Monatshefte e Legien e companhia;[5] na Inglaterra, os fabianos e o Partido Trabalhista (o ILP, Partido Trabalhista Independiente sempre formou bloco com eles, mas sendo sempre, neste bloco, mais fraco que os social-chauvinistas, enquanto no BSP, Partido Socialista Britânico, os internacionalistas constituem 3/7 partes); na Rússia representam essa corrente [social-patriota] Nasha Zãria (agora Nashe Dielo), o Comitê de Organização e a minoria da Duma sob a direção Chjeídze; na Itália, os reformistas com Bissolati na cabeça; na Holanda, o partido de Troelstra; na Suécia, a maioria do partido, dirigida por Branting; na Bulgária, o partido dos "amplos",[6] e na Suíça, Greülich e companhia. Em todos estes países já se deixaram ouvir protestos mais ou menos consequentes contra o social-chauvimsmo, procedentes do campo oposto, o campo radical. Na França e na Bélgica, o internacionalismo é ainda muito débil”. As Sete Teses sobre a Guerra, de Lênin, podem ser sintetizadas nos conceitos seguintes: a guerra tem um caráter burguês, imperialista, reacionário e dinástico; a postura patriótica da Internacional Socialista é uma traição ao socialismo, que marca o colapso político e ideológico da Internacional; a luta contra a autocracia czarista continua sendo o primeiro dever do socialista russo; todos os autênticos socialistas devem romper com o oportunismo pequeno burguês da Internacional Socialista, e desenvolver um trabalho entre as massas para acabar com a guerra através da revolução. A partir de novembro de 1914, Lênin declarou que, com essa plataforma, devia se lutar por uma Terceira Internacional, a Internacional Comunista. O bolchevismo teve um papel dirigente na fração do "movimento" chamada "Esquerda de Zimmerwald", que sería a base, depois da Revolução de Outubro, da Internacional Comunista, apesar de suas sérias divergências com outros componentes dessa fração (os mencheviques internacionalistas, Radek, Rosa Luxemburgo, Trotsky). O vértice político das divergencias entre os leninistas e os outros internacionalistas se situava na palabra de orden bolchevique de "transformar a guerra imperialista em guerra civil", e sua conseqüência lógica, o "derrotismo revolucionário", considerada como uma

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"provocação" pela ala "moderada" de Zimmerwald (que incluía alguns futuros ministros burgueses). E também na questão da necessidade da IIIª Internacional, defendida só pelos bolcheviques. Lênin dizia, já em abril de 1917, antes da tomada do poder pelo bolchevismo: “Estamos obrigados, nós (os bolcheviques) precisamente, e agora mesmo, sem perda de tempo, a fundar uma nova Internacional, revolucionária, proletária... A situação do nosso partido frente a todos os partidos operários do mundo inteiro é hoje tal que temos o dever de fundar imediatamente a III Internacional. Fora nós, ninguém poderá fazê-lo agora, e os adiamentos são prejudiciais”. Em março de 1917, quando a revolução russa de fevereiro estalou, Huysmans convidou a Segunda Internacional a se reunir em uma conferência na cidade de Estocolmo. Mas, como os governos franceses e ingleses não quiseram fornecer passaportes aos delegados, a conferência não se realizou. Nesse ínterim, as correntes oposicionistas reforçavam-se cada vez mais nos países beligerantes. Na Alemanha, Karl Liebknecht e Otto Rühle tinham sido, como vimos, os primeiros a se pronunciarem contra a “União Sagrada” (em dezembro de 1914) e a se erguerem contra a política guerreira do Partido Socialdemocrata. Eram apoiados por Rosa Luxemburgo, Leo Jogiches e Franz Mehring, que, em março de 1915 fundaram a revista A Internacional e, pouco depois, a Liga Espártaco (Spartakusbund). Um ano decorrido, o Partido Socialdemocrata alemão cindiu-se. Dezoito deputados da fração parlamentar, dirigidos por Haase, fundaram a Comunidade de Trabalho Socialista, que em abril de 1917 deu origem ao Partido Socialista Independente (USPD). Este, em colaboração com a Liga Espártaco, trabalhou para mobilizar as massas contra a política de guerra do velho partido. Entretanto, o líder da Internacional Socialista Émile Vandervelde entrava no governo belga. A conferência socialista se reuniu finalmente em Copenhague, a ela só compareceram representantes dos países neutros. A Conferência dirigiu aos países beligerantes um apelo em favor da paz. Mas em outubro de 1917, um acontecimento mudou a história da guerra e do socialismo internacional: a tomada do poder pelos soviets russos, e a configuração de um governo revolucionário com ampla maioria bolchevique. A Revolução de Outubro foi precedida pela revolução de fevereiro de 1917, que foi algo mais que um simples prólogo à Revolução de Outubro: ela foi a sua pré-condição histórica e política. A Revolução Russa foi uma conseqüência da crise mundial do capitalismo, que teve a sua expressão clara (e trágica) na I Guerra Mundial. Segundo Edward H. Carr: “Ela constituiu o primeiro desafio claro ao sistema capitalista, que atingira seu ponto culminante na Europa em fins do século XIX. Sua ocorrência no auge da I Guerra Mundial, e em parte em conseqüência dela, foi mais do que uma coincidência. A guerra desfechara um golpe mortal na ordem capitalista internacional, tal como existia antes de 1914, e revelara sua instabilidade inerente. A revolução pode ser considerada, ao mesmo tempo, como uma conseqüência e uma causa do declínio do capitalismo”.

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Na Europa, 1917 foi chamado pelo presidente francês Poincaré “o ano terrível”, o terceiro ano da guerra, depois de um inverno espantoso. Para milhões de homens, foi o fim das ilusões patrióticas de 1914, esmagadas pela realidade: massacres de combatentes em “ofensivas” que custavam centenas de milhares de vidas; dificuldades de abastecimento, com aumentos de preço não compensados pelos salários, o que atingia moralmente o operariado; a política de “paz civil” defendida por sindicatos e partidos operários dos países beligerantes, resultou em um questionamento de todas as conquistas do movimento operário (ritmos de produção, horários, condições de trabalho, direitos reivindicativos); o desgaste do material, das máquinas, do próprio aparelho econômico provocam uma crise generalizada. Nos sindicatos e partidos europeus, a pequena minoria internacionalista, isolada em 1914, começava a ser ouvida com atenção, e vários dirigentes operários partidários da “união sagrada”, naquele ano, se viram pressionados pela base para adotar posições revolucionárias ou, ao menos, pacifistas. Depois da Revolução de Outubro, os bolcheviques enfatizavam a significação internacional do poder soviético e dos fundamentos da teoria e da tática bolcheviques. Os comunistas dos outros países, como o italiano Gramsci, viam no soviet russo “um exemplo de valor universal”. A primeira expansão internacional da revolução foi militar, provocada pela guerra civil no ex Império Russo. Trotsky, líder militar da revolução, não conseguiu evitar o que seria o pior erro do Exército Vermelho: a ofensiva sobre Varsóvia em 1920, na expectativa de que o proletariado polonês se levantaria com a chegada dos “vermelhos”. Nada disso aconteceu, e a revolução teve que suportar a contra-ofensiva do regime nacionalista de Pilsudski, que chegou a tomar Kiev e parte da Ucrânia para estender as fronteiras da Polônia. Os comunistas poloneses eram contrários à ofensiva. A Rússia soviética foi então obrigada a assinar o Tratado de Riga, que levou as fronteiras polonesas para 150 km além das suas “linhas étnicas”. O “erro polonês” teve conseqüências históricas: “A Polônia de Pilsudski saiu da guerra inesperadamente fortalecida. Um golpe terrível foi dado à revolução polonesa. A fronteira estabelecida pelo Tratado de Riga separou à República Soviética [a futura USSS] da Alemanha, o que teve depois uma importância excepcional na vida dos dois países”, disse posteriormente Trotsky. Simultaneamente, os bolcheviques se esforçaram em por em pé a nova Internacional. Quando os bolcheviques tomaram o poder, o movimento de Zimmerwald perdeu qualquer importância que se esforçasse em reter. No entanto, sem a sua existencia, e sem a participação bolchevique, sem a atividade internacionalista do partido de Lênin, este não teria tido chances de ser vitorioso em escala nacional, de tomar o poder à cabeça da revolução proletária como conseqüência da crise russa de 1917. Os bolcheviques se consideravam na vanguarda da revolução mundial devido às circunstâncias históricas, devendo resistir nesse posto até a chegada de reforços. Para Lênin: “Não foi nossa vontade, mas as circunstâncias históricas, a herança do regime czarista e a fraqueza da burguesia russa, que fizeram que o nosso destacamento se encontrasse na frente dos outros setores do proletariado internacional. Nós não o

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desejamos assim, isto nos foi imposto. E devemos permanecer em nosso posto de luta até a chegada de nosso aliado, o proletariado internacional”. Os bolcheviques se esforçaram por estabelecer relações internacionais, com sucesso limitado, salvo na Rússia, onde recrutaram e organizaram em “seções estrangeiras” do partido numerosos prisioneiros da I Guerra (o húngaro Béla Kún, o croata Josip Broz “Tito”, entre outros). A nova Internacional seria finalmente fundada em 1919, em Moscou, como Internacional Comunista (IC).[7] Em dezembro de 1918 tomou-se a decisão de convocar uma “conferência socialista internacional” para janeiro seguinte. A conferência internacional reuniu-se finalmente em março de 1919 em Moscou: apesar de sua escassa representatividade, ela foi proclamada I Congresso da Internacional Comunista. Este teve lugar em Petrogrado, entre 2 de março e 6 de março de 1919, com o pano de fundo da guerra civil na Rússia, com o regime soviético sendo submetido ao bloqueio das potências européias, razão para o número relativamente pequeno de participantes e para o caráter improvisado do evento e da própria organização: estiveram presentes 52 delegados, representando 34 partidos. Foi criado um Comitê Executivo, composto de representantes das seções mais importantes, que elegeu um birô para cuidar dos assuntos de rotina administrativa e de casos urgentes entre os congressos: Zinoviev, Secretário do Comitê Executivo; Angélica Balabanova, Secretária da Internacional; o ex-anarquista russo-belga (e escritor de expressão francesa) Victor L. Kibaltchitch, conhecido como Victor Serge; e Victor Ossipovitch Mazin. No verão de 1920, a IC reuniu seu II Congresso, já com representantes do SPD Independente (a cisão de esquerda do partido socialista alemão), da SFIO (partido socialista) francesa, dos shop stewards (delegados fabris) da Inglaterra, da anarco-sindicalista CNT da Espanha, no total 210 delegados, de 41 países, além da Rússia. O II Congresso Mundial, reunido em Moscou, entre 19 de julho e o 7 de agosto de 1920, insistiu na necessidade de propagar o sistema de soviets, e devido à existência de numerosas organizações social-democratas que solicitavam entrada na IC, para evitar a diluição do programa comunista, foram estabelecidas 21 condições para a adesão, entre estas a disposição a realizar trabalho político tanto de forma legal quanto clandestina, e aprovados seus primeiros estatutos.[8] O manifesto central do Congresso (O Mundo Capitalista e a Internacional Comunista) foi assinado pelos representantes dos partidos: Rússia: V. I. Lênin, G. Zinoviev, N. Bukharin, L. Trotsky; Alemanha: P. Levi, E. Meyer, Y. Walcher, R. Wolfstein; França: Alfred Rosmer, Jacques Sadoul, Henri Guilbeaux; Inglaterra: Tom Quelch, Gallacher, Silvya Pankhurst, Mac Laine; América (EUA): Fleen, A. Frayna, A. Bilan, J. Reed; Itália: D.M. Serrati, N. Bombacci, Graziadei, A. Bordiga; Noruega: Frys, Shaefflo, A. Madsen; Suécia: K. Dalstroem, Samuelson, Winberg; Dinamarca: O. Jorgenson, M. Nilsen; Holanda: Wijncup, Jansen, Van Leuve; Bélgica: Van Overstreten; Espanha: Angel Pestana; Suíça: Herzog, Jules Humbert-Droz; Hungria: Ch. Rakoczy, A. Rudniansky, E. Varga; Galízia: Levitsky; Polônia: J. Marchlevsky; Látvia: Stoutchka; Lituânia: Mitzkévitch-Kapsukas; Tchecoslováquia: Vanek, Gula, Zapototsky; Estônia: R. Wakman, G. Poegelman; Finlândia: I. Rakhia, Letonmiaky, K. Manner; Bulgária: Kabaktchiev, Maximov, Chabline; Iugoslávia: Milkitch; Geórgia: M. Tsakiah; Armênia: Nazaritian; Turquia: Nichad; Pérsia:

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Sultan-Zadé; Índia: Atcharia, Sheffik; Índias Holandesas: Maring; China: Laou-Siou-Tchéou; Coréia: Pak Djinchoun, Him Houlin. Em relação à Internacional Socialista, o deslocamento geopolítico da Internacional para o “Leste” era evidente. A resolução sobre as “21 Condições” fundamentava-se assim: “O primeiro Congresso (constituinte) da Internacional Comunista não elaborou as condições precisas de admissão dos Partidos na Internacional. No momento em que aconteceu seu primeiro Congresso, na maioria dos países havia apenas tendências e grupos comunistas. O segundo Congresso da Internacional Comunista se reuniu em outras condições. Na maioria dos países havia, então, em vez de tendências e grupos, partidos e organizações comunistas. Cada vez mais, os partidos e grupos que até recentemente pertenciam à II Internacional desejam agora aderir à Internacional Comunista e se dirigem a ela, sem por isso serem verdadeiramente comunistas. A II Internacional está irremediavelmente desfeita. Os partidos intermediários e os grupos do "centro", vendo sua situação desesperadora, se esforçam para se apoiarem sobre a Internacional Comunista, cada dia mais forte, esperando conservar, enquanto isso, uma "autonomia" que lhes permita prosseguir em sua antiga política oportunista ou "centrista". A Internacional Comunista, de certa forma, está na moda”. A simpatia do operariado europeu pela revolução russa levou os dirigentes de organizações tão heterogêneas a aceitar as “21 condições”,[9] que procuravam disciplinar os aderentes ao bolchevismo, afastando os dirigentes oportunistas.[10] Na Rússia e fora dela não se distinguia o interesse do Estado revolucionário da revolução mundial. Para os comunistas do período da guerra civil, o internacionalismo era menos servidor do estado soviético do que o estado soviético servidor do internacionalismo. Segundo Edgar Carone, as 21 condições representavam mais do que aparentavam, pois constituíam um programa que transformava os partidos socialistas de tendências múltiplas, contraditórias, em órgãos revolucionários unificados, prontos para conduzir as massas para a tomada de poder. Na resolução específica, lia-se: “A Internacional Comunista exige imperativamente e sem discussão esta ruptura [com os reformistas], que deve ser consumada dentro do mais breve prazo. A Internacional Comunista não pode admitir que reconhecidos reformistas como Turati, Kautsky, Hilferding, Longuet, Macdonald, Modigliani e outros, tenham o direito de se considerarem membros da III Internacional, e que nela estejam representados”. A ditadura do proletariado continuava na ordem do dia, internacionalmente. Para a IC, “a ditadura do proletariado é a realização mais completa da dominação de todos os explorados, oprimidos, embrutecidos, amedrontados, dispersos, enganados pela classe capitalista, mas conduzidos pela única classe social preparada para esta missão dirigente por toda a história do capitalismo. Por isso, a preparação da ditadura do proletariado deve ser iniciada imediatamente e em todos os lugares, entre outros pelos meios que seguem: em todas as organizações sem exceção - sindicatos, uniões, etc. -, proletários primeiro e depois não-proletários, das massas trabalhadoras exploradas (políticas, sindicais, militares, cooperativas, escolares, esportivas etc.), grupos ou núcleos comunistas devem ser formados, de preferência abertamente, mas, se for necessário, clandestinamente - o que se torna obrigatório todas as vezes que sejam colocados fora da lei e seus membros ameaçados de prisão; esses grupos,

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unidos entre si e unidos ao centro do Partido, trocam experiências, ocupando-se da agitação, propaganda e organização, adaptando-se a todos os domínios da vida social, a todos os aspectos e a todas as categorias da massa laboriosa, devem proceder por seu trabalho múltiplo a sua própria educação, a do Partido, da classe operária e da massa”. No entanto, o II Congresso teve que se opor também a uma nascente tendência ultra-esquerdista do comunismo, que se manifestaria com mais força nos anos sucessivos: "O Segundo Congresso da IIIª Internacional considera não adequadas as concepções sobre as relações do partido com a classe operária e com as massas a respeito da participação facultativa dos partidos comunistas na ação parlamentar e na ação nos sindicatos reacionários, que têm sido amplamente refutados nas resoluções especiais do presente Congresso, depois de ter sido defendidas sobre tudo, pelo Partido Comunista Operário alemão (KAPD), por membros do Partido Comunista suíço, pelo órgão do birô vienense da IC para a Europa Oriental, Kommunismus, por alguns camaradas holandeses, por certas organizações comunistas da Inglaterra, pela Federação Operária Socialista, etc, assim como pelas IWW dos Estados Unidos e pelos Shop Stewards Committees da Inglaterra". Uma discussão central foi sobre os sindicatos dirigidos pela burocracia. As repetidas traições dos reformistas provocaram uma enorme indignação em alguns dos setores mais avançados do proletariado e algumas organizações, como o IWW dos EUA, passaram a defender o abandono dos sindicatos reformistas e a fundação de sindicatos paralelos. A quase totalidade do congresso de fundação da Internacional Sindical Vermelha (ISV) se pronunciou contra esse ponto de vista. Aparentemente revolucionária, essa tática divisionista encobria a impotência e o medo frente às dificuldades da luta. Decidiu-se pelo dever dos comunistas de atuarem, de maneira geral, no interior dos sindicatos reformistas para denunciar as traições dos seus dirigentes e ganhar a confiança dos trabalhadores. Esta questão fez surgir no interior da ISV duas correntes opostas. A da maioria dos sindicatos russos defendia a unidade a qualquer custo. A outra, durante um período representada por Alexandre Losovsky, secretário-geral da ISV, defendia a ruptura como linha geral, ainda quando as condições fossem pouco favoráveis. A resolução do II Congresso da Internacional Comunista (“O movimento sindical, os comitês de fábrica e as usinas”) adotou uma posição sobre o tema, reafirmando a orientação de manter o trabalho nos sindicatos reformistas, mas afirma que “a unidade não poderá significar o abandono do trabalho revolucionário”. E alertava: “Se uma cisão se impor como uma necessidade absoluta, os comunistas não deverão temê-la. (...) No caso de uma cisão se tornar inevitável, os comunistas deverão prestar atenção para que essa cisão não os isole da massa operária”. Entretanto, a 17 de fevereiro de 1918, os socialistas dos países "aliados" haviam realizado urna conferência em Londres, exigindo a continuação da guerra. Os bolcheviques e os mencheviques russos não participaram. Nos dias 12 e 13 de abril do mesmo ano, os socialistas alemães e austríacos reuniram-se, por sua vez, na Conferência de Viena. A Internacional Socialista renascia das suas cinzas, para erguer-

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se contra a Revolução Russa, o que, nas condições revolucionárias criadas no fim da I Guerra Mundial, lhe dava um novo valor aos olhos da burguesia européia. Uma nova etapa da existência da II Internacional se iniciava. Em França, formou-se também uma oposição socialista, sob a direção de Jean Longuet. Durante muito tempo, essa oposição lutou contra a maioria, até que a minoria tornou-se maioria no Congresso de Paris (18 de outubro de 1918). O desfecho da crise desencadeada pela guerra de 1914-1918 assumiu contornos revolucionários na Europa. Não só as mobilizações pela paz e as votações massivas na esquerda indicavam isso. O número de greves era assustador para qualquer homem de negócios confortavelmente situado na classe média. Na Inglaterra o número de homens-dia perdidos foi 27 milhões em 1920, e 86 milhões em 1921. Onde os trabalhadores viviam sob regimes políticos muito mais restritivos e violadores das liberdades democráticas, a tendência foi também para a radicalização. Isto também ocorreu onde parcela grande da classe operária estava destituída legalmente de quaisquer direitos por ser estrangeira, como em algumas cidades dos EUA. Na América do Sul foi o caso de São Paulo, onde se concentrava uma classe operária majoritariamente italiana, portuguesa, espanhola: a influência do anarquismo foi predominante. Mesmo na Suíça surgiu em 1919 um partido comunista de tendência antiparlamentar bem próximo do anarco-sindicalismo: foi em Genebra que ocorreu uma greve geral, um ano antes. Esta cidade era marcada pela presença de uma numerosa população estrangeira: 70 mil numa população total de 170 mil no ano de 1913. Na Hungria a crise revolucionária se precipitou de modo fulminante: o governo do príncipe Karolyi cedeu lugar, em 1919, a um “governo dos conselhos operários”: foram os “100 dias” do governo comunista, que caiu em virtude da resistência interna (camponesa) e externa, e da própria política desastrada do PC húngaro. A IC afirmou: “Nenhum comunista deve esquecer as lições da República dos Soviets húngara. A união dos comunistas húngaros com os reformistas custou caro ao proletariado húngaro”. Foi então empossado o almirante Horthy, que deflagrou o terror contra o operariado húngaro. Na Baviera, ao mesmo tempo, depois do assassinato do presidente Eisner, proclamou-se uma “república dos conselhos” comunista-anarquista: numa breve “guerra civil”, os Corpos Francos levaram a melhor em Munique. A onda revolucionária se generalizava. Em maio, as greves na Itália foram seguidas de insurreições: apareceram também os “conselhos”, a confraternização com as tropas, algumas cidades passaram a ser dirigidas pelas Câmaras do Trabalho. Para Gramsci, a Itália era comparável à Rússia de Kerensky. Mas, na Itália, já se mostrava também a força do movimento nacionalista, em especial do partido fascista de Benito Mussolini (ex-diretor do Avanti!, jornal socialista) que chegaria ao poder em 1923. Mobilizações revolucionárias também aconteceram na Inglaterra, com motins de soldados e marinheiros. Para quebrar a greve geral de janeiro de 1919 na Escócia (pelas 40 horas semanais), o governo, que já condenara o dirigente comunista Mac Lean a cinco anos de trabalhos forçados, aliou-se à direção

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reformista dos sindicatos ingleses. Na França, o governo concedeu a semana de 40 horas depois de uma onda de greves e da revolta da frota do Mar Negro, chefiada pelos comunistas André Marty e Charles Tillon. Na Espanha, começou o chamado “triênio bolchevique”. Na Polônia apareceram, desde novembro de 1918, conselhos operários. A Revolução Russa espalhou a idéia dos conselhos, no interior das fábricas ou com funções especificamente políticas. Na Alemanha, durante a revolução que se iniciou em fins de 1918, houve cerca de dez mil conselhos, na sua maioria influenciados pelo Partido Socialdemocrata, cuja direção abandonou qualquer perspectiva revolucionária, para compor-se abertamente com o capital. O movimento de ocupação de fábricas em Turim (1919-1920) teve tamanha amplitude que em outubro de 1919 chegou a organizar 50 mil operários, mas poucos meses depois o número já havia saltado para 150 mil. Este movimento encontrou na revista L’Ordine Nuovo sua tradução teórica. A publicação tinha em sua direção Antonio Gramsci,[11] dentre outros. Amadeo Bordiga, por sua vez, era animador de um jornal que levava o nome de Il Soviet. Diante da timidez política do Partido Socialista Italiano e dos sindicatos, Gramsci se convenceu da necessidade de superar as estruturas tradicionais do sindicato e do partido, através de instrumentos de autogoverno operário, inspirados numa visão idealizada do soviet russo. Essa revolta contra estruturas cristalizadas também se dirigia à leitura fatalista do marxismo da II Internacional, e era compartilhada por muitos intelectuais do período. Para Gramsci: “A força do conselho consiste no fato de que está estreitamente unido à própria consciência da massa operária que quer emancipar-se com autonomia, que quer afirmar sua liberdade de iniciativa na criação da história: toda massa participa na criação do conselho e sente que é alguma coisa graças a esta atividade”. Gramsci não se contrapunha à CGIL e aos sindicatos com a proposta de um sindicalismo revolucionário. Nem mesmo opunha sindicatos e conselhos. Reconhecendo o papel do sindicato e seus limites, Gramsci pensava num “organismo que se baseia numa relação diferente com a experiência de fábrica, sobre um sistema democrático de consenso e de representação direta das oficinas, que superem os limites tradicionais do sindicato”. O próprio Gramsci aprofundou a crítica do sindicato ao dizer: “O sindicato não pode ser um instrumento radical de renovação da sociedade: pode oferecer ao proletariado uma burocracia experimentada, técnicos especializados em questões industriais de âmbito geral, mas não poderá ser a base do poder proletário”. A crítica aos limites do sindicalismo dirigia-se à própria instituição sindical, e não apenas a uma suposta direção reformista. Os incessantes esforços de uma oposição sindical apenas provocavam uma mudança de dirigentes, mas não uma reorientação ou redefinição do papel do sindicato. Isso ocorria, na visão do comunista Anton Pannekoek, porque formara-se, nos sindicatos, “uma classe de funcionários, uma burocracia, que dispõe de todos os meios de poder e organização: dinheiro, imprensa, nomeação dos funcionários subalternos”. O modelo de uma sociedade comunista deveria ser fornecido pelo conselho operário, porque nele não haveria lugar para os dirigentes profissionais. O conselho seria o próprio modelo do estado proletário porque, segundo Gramsci, concentraria o comando das atividades técnicas,

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administrativas, produtivas, culturais e a preparação política e militar dos trabalhadores. A experiência conselhista refluiu a partir dos anos vinte na Europa. A ação operária restringiu-se a servir de ponto de apoio para a agitação política dos partidos operários: socialdemocratas, socialistas, trabalhistas e comunistas. Também a um pequeno movimento cooperativista, pacífico e integrado na concorrência intercapitalista. O Partido Socialista Francês (SFIO, Section Française de l´Internationale Ouvrière) realizou um congresso em janeiro de 1920 e, durante as suas sessões, uma das correntes, já com a intenção de abandonar a II Internacional, decidiu enviar representantes a Moscou, com a “missão de avaliar a situação da revolução russa e ver de perto o que representa esta nova Internacional Comunista, que pretende ocupar o lugar da antiga”. Os delegados escolhidos foram Cachin e Frossard. Os acontecimentos na Alemanha foram o centro da onda revolucionária européia de pós-guerra. Em novembro de 1918, o motim dos marinheiros de Kiel coincidiu com a decisão do Estado Maior do Kaiser de pedir o armistício. Em poucos dias, a Alemanha ficou coberta de conselhos de operários e soldados: o novo chanceler do Reich, o socialista Friedrich Ebert, foi nomeado também presidente do “Conselho dos Comissários do Povo”, no qual estavam representados os dois partidos socialistas: o “oficial” (SPD) e o “independente” (USPD), mais à esquerda. O Káiser alemão foi derrubado pela revolução dos räte, tradução do termo russo soviet (conselhos) em 1918. Embora o poder não tivesse permanecido nas mãos dos trabalhadores alemães, a partir desse momento (novembro 1918), ficou rompido o isolamento da revolução russa. Abriu-se um período de convulsão social. A Liga Espártaco, de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, fazia parte do USPD: só se tornaria partido comunista (KPD) em dezembro desse ano. O SPD, majoritário nos conselhos e sustentado pela Entente e a burguesia alemã, estava vinculado em segredo à chefia das forças armadas. Fazendo concessões econômicas (jornada de trabalho de 8 horas) o governo “socialista”, de Ebert,[12] afastou o “perigo” do armamento do proletariado, e conseguiu isolar os espartacistas. Convocada uma Assembléia Constituinte, ela foi denunciada pelos comunistas como uma tentativa de desviar a revolução: o USPD se afastou então do governo. Em janeiro de 1919, a revogação do prefeito, da USPD, de Berlim provocou grandes manifestações: Karl Liebknecht chamou nesse momento a formar um governo revolucionário. O ministro de guerra do governo do SPD, o socialdemocrata Noske,[13] convocou a Berlim os Corpos Francos, treinados no combate de rua, que restabeleceram a “ordem” e assassinaram Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, cabeças visíveis da revolução proletária alemã. Berlim encontrava-se em estado de sítio no dia 9 de janeiro de 1919. Rosa e Liebknecht, perseguidos, sabiam que já não havia mais para onde fugir. Mudavam constantemente de esconderijo; empresários de extrema-direita ofereciam recompensas a quem os denunciasse. A 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck - dirigentes do Partido Comunista da Alemanha - foram presos e levados para interrogatório no Adlon Hotel em Berlim. No mesmo dia, os paramilitares alemães do Freikorps, que mais tarde iriam apoiar os

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nazistas, levaram-nos do hotel. Pieck conseguiu fugir, mas Rosa e Liebknecht receberam coronhadas na cabeça e foram colocados dentro de um carro. Durante o percurso, os dois foram baleados na cabeça, o corpo de Rosa foi atirado no Canal do Exército Territorial (Landwehrkanal). A imprensa, incluindo o Vorwärts do SPD, informou que Liebknecht havia sido morto ao tentar escapar e que Rosa Luxemburgo havia sido linchada pela multidão quando saía do hotel onde estava presa. A social-democracia havia percorrido todo o caminho em direção à contra-revolução: o comandante Pabst admitiu ter dado as ordens de execução, mas insistiu até o fim que não se tratou de assassinatos, mas de execuções de acordo com a lei marcial, e que os Freikorps agiam com apoio total de Noske. Franz Mehring sobreviveu apenas algumas semanas, e Leo Jogiches foi também assassinado em março de 1919. As eleições para a assembléia constituinte foram realizadas a 19 de janeiro. O governo dos "comissários do povo" da socialdemocracia foi a ponta de lança da "coalizão de Weimar", que recebeu 76% dos votos: o SPD 37,9%, e os partidos dos representantes diretos do grande capital, o partido do centro e o partido democrata, 19,7% e 18,5%, respectivamente. A social-democracia havia se tornado o eixo em torno do qual girava a frente única de toda a burguesia, incluindo o partido nacional-alemão, anti-republicano e anti-semita. Entre os comunistas alemães, passou a reinar a confusão. Os comunistas alemães de "esquerda" (no seu Manifesto ao Proletariado Alemão de 14 de abril de 1920, assinado pelo Partido Operário Comunista Alemão, KAPD) declararam que "o Partido deve, também ele, se adaptar mais e mais à idéia sovietista e se proletarizar". Para Internacional Comunista, isto era “apenas uma expressão insinuante da idéia de que o Partido Comunista deve se fundir nos soviets e que os soviets podem substituí-lo. Esta idéia é profundamente errônea e reacionária. A história da revolução russa nos mostra em certo momento os soviets indo contra o partido proletário e sustentando os agentes da burguesia. Pôde-se observar a mesma coisa na Alemanha. E isto é possível também em outros países”. A socialdemocracia internacional tinha passado definitivamente para a ordem burguesa ao tornar-se cúmplice da primeira guerra inter-imperialista. No pós-guerra, foi bóia de salvação do Estado burguês (papel que pode cumprir graças ao apoio que vastos setores operários lhe davam, sobretudo na Alemanha e na Europa ocidental), defensora da pax americana (os 14 pontos do presidente norte-americano Woodrow Wilson) e assassina (ou cúmplice do assassinato) dos revolucionários. Mas, para cumprir esse papel, devia retomar a tarefa de restabelecer as organizações operárias internacionais, sob controle de uma burocracia: criou-se, com Jouhaux, Gompers, Legien, um "Bureau de Trabalho" próximo da Liga das Nações impulsionada pelos EUA, que tentou conter em todos os países o movimento grevista, fazendo decretar a arbitragem obrigatória dos representantes do Estado capitalista.[14] Para a estabilização capitalista na Europa, o novo papel da socialdemocracia européia foi um fator político central. No plano econômico, o fator fundamental foi o novo papel mundial dos EUA. Em 1917, a entrada dos EUA na guerra mundial foi, junto com a revolução russa, o fator fundamental de mudança das relações econômicas e políticas mundiais. Não diretamente implicados no conflito, divididos em função da origem nacional da sua população, impedidos de comerciar com os impérios centrais

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devido ao bloqueio britânico, os EUA no entanto triplicaram seu comércio exterior de 1914 a 1917, como abastecedores não só de alimentos, mas também de manufaturas, armas e munição aos futuros aliados (a banca americana tinha sido autorizada a realizar empréstimos à Entente desde outubro de 1914: em 1917 a dívida com os EUA já atingia 2,7 bilhões de dólares, cifra enorme para a época). A guerra submarina alemã, que ameaçava os fornecedores dos EUA, decidiu a intervenção destes na Primeira Guerra Mundial. A intervenção norte-americana foi decisiva, pois o primeiro resultado da intervenção dos EUA foi a realização (atuando sobre as nações neutras) do bloqueio da Alemanha, que a partir desse momento viu-se condenada à asfixia econômica. A vitória da Entente passou então a ser um fato previsível, mas também o era a transformação dos EUA em principal potência do planeta: entre 1914 e 1918, o PIB dos EUA aumentou 15%, a produção mineira 30%, a produção industrial em geral 35%. Para atingir esses resultados, os EUA perderam “só” 50 mil soldados (28 vezes menos que a França). Para Fritz Sternberg a intervenção americana na guerra foi “uma empresa colonial em grande escala levada adiante em território estrangeiro”. A guerra forneceu também o álibi que as classes dominantes ianques esperavam para “limpar” o movimento operário, com dois alvos fundamentais: o cada vez mais influente Partido Socialista e o IWW, que foram objeto de severa repressão por parte da “democracia americana”. O chauvinismo foi o grande pretexto: um senador democrata chamou os IWW de “Imperial Wilhelm’s Warriors” (“Guerreiros do Imperador Guilherme [da Alemanha]”). Leis “contra a espionagem” foram aprovadas e usadas em larga escala contra os ativistas operários estrangeiros. Os IWW, porém, não organizaram movimentos contra a guerra: a green corn rebellion de Oklahoma (em agosto de 1917), por exemplo, não foi obra deles. Em setembro, no entanto, 165 dirigentes dos IWW foram inculpados por “conspiração para a insubordinação militar”: em 1918, 15 deles foram condenados a 20 anos de prisão e 30 mil dólares de multa (Bill Haywood, entre outros), 33 a dez anos, 35 a cinco anos. Paralelamente, aconteceram linchamentos e assassinatos de dirigentes socialistas e operários, como os de Frank Little e Joe Hill. O declínio dos wobblies (os membros do IWW) deveu-se basicamente à repressão de que foram objeto. O Partido Socialista Americano (SPA), diferentemente dos IWW, fez campanha contra a guerra, e obteve bons sucessos eleitorais graças a isso (nada menos que 21% dos votos em Nova York, e 34% em Chicago): os raids da direita militante destroçaram 1500 das suas 5000 sedes, o boicote oficial e o fim das franquias postais asfixiaram seus jornais, seu dirigente Eugene Debs (candidato presidencial em 1912),[15] foi condenado em setembro de 1918 a dez anos de prisão. O presidente Woodrow Wilson, reeleito em novembro de 1916, formulou seus “14 pontos para a paz”, decisivos para a política mundial posterior: fim da diplomacia secreta, liberdade de navegação, fim das barreiras comerciais, desarmamento geral, autonomia para as nacionalidades do Império Austro-Húngaro, entre outros. A guerra mundial, na sua ótica, era uma guerra “pela democracia” e “contra a guerra”, por uma “paz sem vitória”. Ao redor dos “14 pontos” se reagrupou, na Europa, a socialdemocracia, depois da falência da II Internacional de agosto de 1914: o

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“wilsonismo” marcou o início de uma aliança estratégica entre os dirigentes políticos do establishment norte-americano, apoiados pelo sindicalismo conservador (em especial a AFL de Samuel Gompers) e a socialdemocracia européia. O “wilsonismo” se transformou assim, como notou Arno Mayer, na grande arma “democrática” para evitar a expansão da revolução soviética, a primeira experiência de utilização de uma política “democratizante” a escala mundial para conter a “revolução comunista”.[16] A Liga das Nações foi criada em 1922 sob o influxo da politica wilsoniana para resolver de vez a questão nacional na Europa (que teria sido, para Wilson e o establishment norte-americano, a causa da I Guerra Mundial), no mesmo ano em que, como conseqüência da Revolução de Outubro, fora criada a URSS e, na verdade, como uma resposta ao nascimento dessa entidade “não nacional”, cujo próprio nome (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) era o projeto da revolução socialista mundial, ou seja, da autonomia e auto-determinação de todos os povos no marco da república internacional dos conselhos operários. As frases acerca da “paz e liberdade universais” com que se cobriu a Liga das Nações não enganaram Lênin, que definiu a neo-nata entidade como um “covil de bandidos”: “A guerra imperialista de 1914-1918 colocou em evidência diante de todas as nações e todas as classes oprimidas do mundo a falsidade dos fraseados democráticos e burgueses - o tratado de Versalhes, ditado pelas famosas democracias ocidentais, sancionou, em relação ás nações fracas, as violências mais covardes e mais cínicas... A Liga das Nações e a política da Entente em seu conjunto apenas confirmam este fato e põem em andamento a ação revolucionária do proletariado dos países avançados e das massas laboriosas dos países coloniais ou dominados, levando assim à bancarrota as ilusões nacionais da pequena burguesia quanto à possibilidade de uma vizinhança pacífica, de uma igualdade verdadeira das nações sob o regime capitalista”. Na Espanha, a CNT obteve aumentos salariais e a jornada de 8 horas. Mas a greve geral impulsionada pelos anarquistas fracassou: o governo retomou a iniciativa e impôs a lei marcial. Na Polônia, a repressão contra a insurgência operária, em Lublin, e contra a efêmera “república vermelha de Dombrowa” no sul do país, concluiu numa feroz repressão de um exército reequipado com ajuda externa. Em toda a Europa, a finais de 1919, a revolução parecia contida, às vezes ao custo de uma inédita repressão social. Confiante, em 1920, a extrema-direita alemã, chefiada por Kapp e apoiada nos Corpos Francos (Freikorps), deflagrou um golpe de estado, derrotado pela greve geral operária: os “conselhos operários” reapareceram em diversas regiões alemãs. O USPD decidiu então aderir à Internacional Comunista: nascia um partido comunista (KPD) de massas na Alemanha que, em 1921, achou-se forte o suficiente como para lançar uma insurreição própria (a “ação de março”), cujo fracasso não impediu o início de uma espécie de guerrilha urbana. O KPD pagou com cisões o fracasso que presidiu seu nascimento. Em agosto-setembro de 1920, também, se produziu a greve com ocupações de fábrica de Torino, na Itália, inspirada pelos comunistas de L’Ordine Nuovo, com Gramsci, Togliatti, Tasca e Bordiga: o governo Giolitti só conteve o movimento aceitando o “controle operário” e aliando-se aos dirigentes sindicais moderados. Para a Internacional Comunista, “o germanófilo Giolitti se apoderou da direção do Estado italiano na qualidade de chefe comum dos intervencionistas, dos

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neutralistas, dos clericalistas, dos mazzinistas; ele está pronto para navegar nas questões secundárias da política interna e externa para repelir com força cada vez maior a ofensiva dos proletários revolucionários nas pequenas e nas grandes cidades. O governo de Giolitti se considera, com razão, como o último trunfo da burguesia italiana”. Na verdade, o último trunfo se encontrava nesse momento atarefado com a organização de um partido chamado de “fascista”... Em dezembro de 1920, também, se realizou o Congresso de Tours, do Partido Socialista Francês (SFIO). Na votação final, a maioria dos representantes distritais votaram a favor da adesão à Internacional Comunista, enquanto a minoria se mostrou contrária. Estes últimos foram Marcel Sembat, Jean Longuet, Léon Blum, Lebas, que deram continuidade à socialdemocracia francesa. Na corrente que entrou na IC encontramos Marcel Cachin, Charles Rappoport, Paul Vaillant-Couturier, Frossard. O resultado final da votação deu vitória por grande margem à tendência de Cachin–Frossard. Nascia o Partido Comunista Francês (PCF). O Partido de Unidade Socialista de Jules Guesde tentou juntar forças para reconstruir a socialdemocracia francesa. A divisão entre socialistas, e entre socialistas e comunistas, atravessou o Atlântico. Na Argentina, o Partido Socialista aparecia, já durante a segunda década do século XX, com uma direção enferrujada, concentrada em mãos de um grupo parlamentar, especialmente em Juan B. Justo e seus discípulos. A ortodoxia reformista da direção, sua despreocupação relativa quanto à presença articulada na vida sindical em benefício de uma atividade mais dinâmica no terreno eleitoral, um pragmatismo que incluía uma boa dose de oportunismo político, gerou cíclicas crises internas. Entre 1915 e 1921 se separaram do partido três frações diferentes. De uma delas, chamada de Partido Socialista Internacional (chefiada por José F. Penelón),[17] surgiu o Partido Comunista argentino (PCA), reconhecido como seção da Terceira Internacional em inícios de 1921. As tentativas feitas durante a guerra mundial, particularmente por partidos de países neutros, para reviver a Segunda Internacional, desaguaram em 1919 numa conferência em Berna, em que foi reconstituída uma pálida versão da antiga Internacional (a “Internacional de Berna”), que realizou seu primeiro congresso em Genebra, no ano seguinte, contando com a representação de 17 países. A vitalidade da socialdemocracia internacional, a despeito de seu naufrágio de 1914, tinha bases profundas. Graças à socialdemocracia, os trabalhadores europeus tinham conseguido ascender de uma condição servil ou semi-servil à de cidadãos com direitos políticos, além de se tornarem consumidores não só de alimentos e tecidos baratos. Por outro lado, a confusão nos primeiros passos da Terceira Internacional, junto com a movimentação dos antigos reformistas para reviver a Segunda Internacional, deram lugar a tentativas políticas situadas entre ambas. Segundo Albert Lindemann, a rápida admissão do Partido Socialista Italiano (com a ala reformista de Turati incluída)[18] na Terceira Internacional, em 1919, contribuiu para a confusão e a incerteza sobre a nova Internacional. As coisas ficaram mais confusas com a atividade, no verão de 1919, de outro importante partido do movimento de Zimmerwald, o Partido Socialista suíço, “que ofereceu à USPD e à SFIO (Partido Socialista francês) uma via de saída para suas

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incertezas sobre a Komintern”. No seu congresso de agosto de 1919 em Basiléa, os socialistas suíços votaram com ampla maioria sua saída da Segunda lnternacional, e sua adesão à Terceira Internacional. Mas a corrente interna de Graber-Huggler notou que a “Internacional de Moscou” era uma organização demasiadamente “oriental” para ser uma verdadeira Internacional. Foi adotada a decisão de submeter a filiação à Komintern a um referendum geral do partido, que rejeitou por maioria a filiação à Internacional Comunista. Os socialistas suíços se encontravam na estranha situação de terem votado sua auto-exclusão de ambas Internacionais (a II e a III). Com isso, forneceram as bases políticas da “Internacional II ½”. Os ensaios para revivificar a antiga Internacional Socialista se desenvolveram em meio a agudas crises, condicionadas pelo naufrágio de agosto de 1914, e também pela Revolução do Outubro na Rússia. Apoiados pelos centristas, as esquerdas socialistas se opuseram a uma renovação da «naufragada (Segunda) Internacional», como a chamava o austriaco Friedrich Adler. As divergências se evidenciaram na Conferência de Berna, de fevereiro de 1919, assim como na de Lucerna, de agosto do mesmo ano. Havia controvérsias fundamentais sobre dois pontos: a Paz de Versalhes, isto é, a manutenção do statu quo, e a Revolução de Outubro na Rússia. A maioria dos socialistas era condescendente com a política de seus respectivos governos (porque participava da responsabilidade governamental), e buscou definir o conceito de «democracia» como absoluta contraposição à ditadura do proletariado, se por «ditadura do proletariado» se entendía a prática dos bolcheviques. A minoria socialista denunciou o caráter imperialista da Paz de Versalhes, da intromissão das grandes potências nos assuntos internos dos Estados soberanos, e defendeu o direito de autodeterminação nacional. A maior parte dos representantes da minoria não participou do Congresso de Ginebra, que em princípio tinha sido convocado para inícios de fevereiro de 1920, mas só começou em 31 de julho de 1920. O Congresso decidiu o translado do Secretariado Internacional para Londres, e fixou o próximo Congresso em Bruxelas para 1922. O Congresso nunca foi realizado: a “Internacional de Ginebra” foi só uma fração solitária. A minoria, composta pelo Independent Labour Party, o Partido Socialdemocrata Alemão Independiente, o Partido Socialdemocrata Suíço e os “austro-marxistas”, um total de dez partidos, tentava «promover uma Internacional que abarcasse todo o proletariado revolucionário»: os partidos socialistas da Comissão Operária Internacional, ou Internacional II ½, ou «de Viena» (devido à sua Conferência constituinte ter sido realizada em Viena, a 22 de fevereiro de 1921) não aceitavam a divisão do socialismo. Defenderam a necessidade de formar uma frente única socialista internacional, que compreendesse desde os reformistas britânicos até os comunistas russos, sublinhando a “multiplicidade de caminhos para a realização do socialismo”, e rejeitando todo “modelo rígido, uniforme”. A iniciativa dessa Internacional estava principalmente no austro-marxismo. Otto Bauer e Max Adler elaboraram os principios da Internacional de Viena, sendo Friedrich Adler seu secretário. Em uma longa declaração, se explicou, na Conferência de Viena, que a ditadura do proletariado, de acordo com as características de cada país, podía adotar formas muito diferentes; desde um governo parlamentar até um sistema de conselhos.

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Os esforços pela reunificação feitos pela Internacional de Viena conduziram à Conferência de Berlim dos Comitês Executivos das três Internacionais, celebrada de 2 a 5 de abril de 1922. Mas o sucesso esperado da unificação não aconteceu. A ruptura era definitiva: a Internacional de Viena não viu outra saída que aderir novamente à II Internacional. A fussão das Internacionais “socialistas” (isto é, não comunistas) teve lugar no Congresso de Hamburgo, de 21 a 25 de maio de 1923. A “nova” Internacional recebeu o nome de Internacional Operária e Socialista; seu secretario geral foi Friedrich Adler, até 1939. A Internacional Operária e Socialista reivindicou ser a continuidade da II Internacional, declarando-se adversária tanto da Liga das Nações como da Internacional Comunista. Um aspecto importante, em si mesmo e pela sua projeção ulterior, foi a admissão na “renascida” Internacional Socialista do Poalei Zion, partido socialista sionista, que seria a origen do Partido Trabalhista israelense, base política principal, por sua vez, da posterior criação do Estado de Israel.[19] O Poalei Zion era membro do Congresso Sionista Internacional, cuja posição objetiva na política mundial mudara com a declaração do Foreign Office británico (“Declaração Balfour”), reconhecendo e encorajando a criação de um “lar nacional judeu” na Palestina. A admissão do Poalei Zion numa Internacional históricamente oposta ao sionismo era uma virada política, num contexto mundial herdeiro das disputas entre as grandes potencias pelo mundo colonial e semicolonial. Ao finalizar a Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano, o “gigante doente da Europa”, derrotado, foi desmembrado. A França ocupou a Síria em 1920; em 1926 o Iraque foi submetido a mandato britânico. A balcanização do Próximo e Médio Oriente se concretizou nos acordos secretos franco-britânicos de 1916 (acordos Sykes-Picot, concluídos em conformidade com a Rússia czarista). Esses acordos secretos foram feitos públicos pelos bolcheviques em 1917, após a queda do antigo regime czarista. O aguçamento das contradições inter-imperialistas determinou a feição definitiva do sionismo. A eclosão da I Guerra Mundial transferiu o centro de gravidade do movimento sionista do continente europeu para Inglaterra e os Estados Unidos. As figuras decisivas passaram a ser Hayyim (Chaim) Weiszman, profesor russo da Universidade de Manchester e, nos EUA, o advogado Louis D. Brandeis, próximo ao presidente Woodrow Wilson. O Comitê Britânico para a Palestina, inspirado por Weiszman, publicava um jornal com a legenda “Para restabelecer as antigas glórias da nação judaica na liberdade de um novo domínio britânico na Palestina”.[20] Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, a rebelião árabe, incitada pelos britânicos contra o Império Otomano, deixou de dirigir-se aos turcos, para apontar contra os novos colonizadores. Em todos os territórios situados sob o mandato britânico ou francês, a repressão foi brutal. A resposta palestina aos colonizadores sionistas, pelo contrario, foi tolerante: não havia nenhum ódio organizado contra os judeus, ninguém organizava massacres como os do czar ou dos anti-semitas polacos. O objetivo sionista era minoritário entre as massas judias da Europa que, em grande parte, se encontravam dentro de organizações socialistas, sem falar nas perspectivas de emancipação e na enorme influência que sobre as massas judias exerceu a Revolução

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de Outubro, durante seus primeiros anos. Durante décadas o sionismo foi um movimento de intelectuais askenazes (judeus da Europa oriental) laicos, sem base popular. A Declaração Balfour, de 1917, era originalmente um compromisso que a Grã-Bretanha assumia com a Federação Sionista. Mas ela recebeu o aval das potências aliadas e foi incorporada no Mandato para a Palestina, aprovado pela Liga das Nações em 1922. Graças ao Mandato, o patrocínio do projeto sionista, que era um elemento da política britânica, tornou-se política oficial da Liga das Nações, que deu ao projeto sionista uma caução internacional e forneceu-lhe, também, os meios para a sua realização. Do seu lado, as organizações sionistas aproveitaram a infra-estrutura administrativa e econômica que o Mandato pôs à sua disposição para acelerar a realização do projeto de criação do Estado judeu na Palestina.[21] Para a Internacional Comunista, a reunião dos antigos figurões da Internacional Socialista na década de 1920 não fazia senão completar a falência de 1914: “A traição do liberalismo e a derrota da democracia burguesa são episódios insignificantes em comparação com a traição monstruosa dos partidos socialistas. O papel da Igreja, esta estação elétrica central do conservadorismo, como definiu Lloyd George, empalidece diante do papel anti-socialista da II Internacional. A socialdemocracia quis justificar sua traição da revolução durante a guerra pela fórmula da defesa nacional. Ela cobre sua política contra-revolucionária, depois da conclusão da paz, com a fórmula da democracia. Defesa nacional e democracia, eis as fórmulas solenes da capitulação do proletariado diante da vontade da burguesia. Mas o fracasso não para aí. Continuando sua política de defesa do regime capitalista, a socialdemocracia está obrigada, a reboque da burguesia, a pisotear a "defesa nacional" e a "democracia". Scheidemann e Ebert baixam as mãos do imperialismo francês ao qual reclamam o apoio contra a revolução soviética. Noske encarna o terror branco e a contra-revolução burguesa”. A lista de traidores continuava: “Albert Thomas se transforma em empregadinho da Liga das Nações, esta vergonhosa agência do imperialismo. Vandervele, eloqüente imagem da fragilidade da II Internacional da qual era chefe, se torna ministro do rei, colega do carola Delacroix, defensor dos padres católicos belgas e advogado das atrocidades capitalistas cometidas contra os negros do Congo. Henderson arremeda os grandes homens da burguesia, figura no papel de ministro do rei e representante da oposição operária de Sua Majestade; Tom Shaw reclama do governo soviético provas irrefutáveis de que o governo de Londres está composto de escroques, de bandidos e de perjuros. Que são todos esses senhores, senão inimigos jurados da classe operária? Renner e Seitz, Niemets e Tousar, Troeltra e Branting, Daszinsky e Tchkeidze, cada um deles traduz, na língua de sua pequena burguesia desonesta, a falência da II Internacional. Karl Kautsky enfim, ex-teórico da II Internacional e ex-marxista, torna-se o conselheiro gaguejante nas manchetes da imprensa amarela de todos os países. Sob o impulso das massas, os elementos mais elásticos do velho socialismo, sem por isso mudar de natureza, mudam de aspecto e de corrompem ou se apressam a romper com a II Internacional, batendo em retirada, como sempre, diante de toda ação de massa revolucionária e mesmo diante de todo prelúdio sério de ação. Para caracterizar e, ao mesmo tempo, para confundir os atores desta chanchada, é suficiente dizer que o partido socialista polonês, que tem por chefe Daszinsky e por patrão Pilsudsky, o

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partido do cinismo burguês e do fanatismo chauvinista, declara que se retira da II Internacional”. Na Europa, surgiam novas formas políticas de contenção da revolução, ditaduras bonapartistas, com participação do exército, e os primeiros regimes fascistas, dos quais o italiano de Mussolini (1923) seria o modelo, com sua exaltação da “nação proletária”, e do combate à “plutocracia” e ao parlamentarismo. Tratava-se de um novo tipo de reação política, combinando temas nacionalistas e “socializantes”, que os marxistas teriam dificuldades em analisar e caracterizar. A outra arma decisiva do fascismo, os “grupos de combate” contra o movimento operário e a esquerda, contava com a cumplicidade do Estado, em especial do alto mando militar: bem sucedida na Itália, ela também foi usada em larga escala na Bulgária (onde em 1923 se instaurou um regime proto-fascista com o czar Boris III e o professor Çankov) e na Espanha, com o surgimento de milícias privadas e o assassinato do anarco-sindicalista Salvador Segui em 1923. Os governos “de esquerda”, por sua vez, faziam concessões sociais (salário mínimo, nacionalizações, impostos sobre o capital) com o objetivo de isolar a “subversão” e o “comunismo”. O fascismo italiano nasceu e foi vitorioso pelo fracasso da insurreição do proletariado italiano, traída pelos reformistas. Desde o fim da guerra, o movimento revolucionário na Itália ia sempre crescendo, e resultara na ocupação das fábricas pelos operários nos principais centros industriais. A ditadura do proletariado tornava-se um fato, sendo necessário tirar todas as suas conseqüências. A socialdemocracia italiana sentiu literalmente medo, e recuou. Depois de esforços audaciosos e heróicos, o proletariado se viu diante do vácuo. Em Turim, centro do movimento operário italiano, quatro estudantes que tinham se conhecido na universidade dessa cidade (Antonio Gramsci, Palmiro Togliatti, Angelo Tasca, Umberto Elia Terracini), socialistas, foram testemunhas dos fatos, e fundaram o jornal L´Ordine Nuovo, que seria a base para o Partido Comunista de Itália (PCI). O esboroamento do movimento revolucionário italiano foi a premissa mais importante para o crescimento do fascismo. Em setembro de 1919, a ofensiva revolucionária do proletariado foi interrompida; já em novembro se verificou a primeira manifestação importante dos fascistas (a tomada de Bolonha). O proletariado foi capaz de lutas defensivas mesmo depois da catástrofe de setembro. Mas a socialdemocracia só se preocupava com uma coisa: retirar da linha de fogo os operários, ao preço de concessões ininterruptas. Os socialdemocratas italianos esperavam que a atitude dócil dos operários erguesse a opinião pública da burguesia contra os fascistas, e até contavam mesmo com o eventual auxilio do rei Vittorio Emmanuele. Até o último minuto, refrearam os operários na luta contra os bandos de Mussolini. Mas foi em vão. Depois das altas esferas da burguesia, a coroa também se colocou do lado do fascismo. Em outubro de 1922, no congresso do partido socialista celebrado em Roma, os reformistas foram expulsos do PSI. Sob o comando de Prampolini e Turati, fundaram o «Partido Socialista Unitario» (PSU). Mas a divisão entre reformistas e revolucionários chegava tarde; no mesmo mês de outubro de 1922, depois da «marcha sobre Roma» dos fascistas, o capo fascista, o ex socialista Benito Mussolini, foi encarregado pelo rei de formar novo governo. Com a

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chegada ao governo dos fascistas, estes mantiveram o parlamento, mas em junho de 1924 assassinaram o deputado socialista Giacomo Matteotti. Os oposicionistas a Mussolini abandonaram o Parlamento, e se constituíram corno o «Bloco do Aventino». Só então chegaram a conclusão de que os discursos parlamentares não bastavam para impedir que o fascismo destruísse toda democracia e instaurasse uma ditadura totalitária. Convencidos, no último momento, de que não se podia combater o fascismo pela docilidade, os socialdemocratas chamaram os operários para uma greve geral, mas esta foi um fiasco. No balanço de Trotsky, “os reformistas tinham molhado por tanto tempo a pólvora, temendo que explodisse, que quando enfim lhe aproximaram o fósforo com mão trêmula, a pólvora não explodiu”. Na Espanha, no entanto, continuava o “triênio bolchevique” (com greves dos mineiros de Rio Tinto e Peñarroya, dos metalúrgicos de Barcelona, e a aproximação entre a anarquista CNT e a socialista UGT); na França, duas greves ferroviárias prepararam uma “greve geral” para impor o “programa de nacionalização” da CGT: os dirigentes sindicais, porém, com Leon Jouhaux, adiaram a greve geral, e os ferroviários concluíram derrotados. Houve greves mineiras também na Inglaterra, greves gerais na Tcheco-eslováquia e na Iugoslávia. No início da década de 1920, toda a política européia girava em torno da insurgência social. Na Inglaterra, o governo Lib-Lab (os trabalhistas passaram de 69 deputados em 1918, para 142 em 1922) de Ramsay MacDonald chegou a reconhecer diplomaticamente à URSS. Na França, o “Cartel das Esquerdas”, promovido pela SFIO com os radicais, fez concessões sociais (laicidade escolar, jornada de 8 horas), e também uma campanha “anti-vermelha” (provocação contra o PC a partir de uma falsa “carta de Zinoviev”, dirigente da IC, que supostamente propunha um plano insurrecional para a França). Mas foi na Alemanha de 1923 onde o destino da extensão da revolução russa se jogou. Os governos belga e francês ocuparam a região mineira do Rühr (devido ao não-pagamento das reparações de guerra), a mais rica do país em recursos naturais, e humilharam os vencidos de 1914-18: o governo alemão proclamou a “resistência passiva”, e a direita lançou ações de guerrilha (por exemplo, a operação suicida do jovem nacionalista Schlageter). Surgiu a hiper-inflação, a primeira do gênero na história: 162.500 % em poucos meses. Isto, combinado com a crise do capitalismo alemão, levou ao colapso monetário do país. A cotação do marco era de um bilhão para cada libra. Uma crise revolucionária amadurecia na Alemanha. Com a classe média reduzida à quase mendicância, e os operários empobrecidos, houve o crescimento simultâneo do PC (KPD), dos conselhos de fábrica e do... nazismo. Referindo-se à Alemanha de 1923, disse Trotsky: “A história nunca criou e dificilmente criará condições mais favoráveis para a revolução proletária e a tomada de poder. Se se pedisse aos pesquisadores marxistas imaginar uma situação mais favorável à tomada do poder pelo proletariado, não conseguiriam”. Até agosto de 1923, houve uma política prudente do KPD e da Internacional Comunista (lecionadas pelo fracasso de 1921, ambos chamavam a “conquistar as massas”), mas uma greve geral espontânea derrubou o governo Cüno. Os dirigentes do KPD, em Moscou, discutiram então com Zinoviev e Trotsky, e marcaram a insurreição para outubro, no sexto

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aniversário da revolução russa. As “centúrias proletárias” se armaram, a insurreição foi planejada para partir dos governos socialistas - comunistas de Saxônia e Turíngia. Em poucos dias, porém, a história balançou: a conferência operária de Chemnitz, dominada pelos socialistas saxões, devia lançar a greve geral. Não o fez, e os comunistas adiaram então a insurreição. Em 1924, Trotsky escreveria: “O PC não foi suficientemente firme, clarividente, resoluto e combativo para garantir a intervenção e a vitória no momento necessário”. Só os comunistas de Hamburgo cumpriram a ordem insurrecional (forma isolados e esmagados pela repressão). A burguesia alemã encontrou, então, um novo eixo de estabilidade: o abandono da “resistência passiva”, a prisão para os comunistas e também para os nazistas (Hitler, preso pelo Reichswëhr, aproveitaria o tempo na prisão para redigir ou ditar seu libelo Mein Kampf). O capital internacional colaborou com o novo governo alemão de Stressemann através do Plano Dawes (um empréstimo de 800 milhões de dólares): até 1930, a Alemanha tomaria emprestados 30 bilhões de marcos, 70% dos bancos americanos. O Doktor Helmuth Schacht, ministro da economia (que, uma década depois, seria o “mágico financeiro” de Hitler) criou então o “marco forte”. Uma nova etapa se abriu nesse momento na Europa, caracterizada pelo isolamento da URSS, o “neo-reformismo” governamental e a momentânea prosperidade econômica, comandada pelos EUA. A Europa, dólar-dependente, tendia também a se subordinar politicamente. No início da década de 1920 as divergências na IC tinham seu centro na questão da participação dos partidos comunistas nas eleições burguesas e nos sindicatos reacionários. A tendência “esquerdista” (com os holandeses Gorter e Pannekoek, apoiados pelo KAPD alemão e por boa parte dos jovens partidos comunistas) defendia o boicote eleitoral, a saída dos sindicatos reformistas, e a criação de uniões sindicalistas revolucionárias, a recusa toda ação comum com os socialdemocratas. Isso mostra estado de espírito que levou em 1918-19 os espartacistas alemães a acelerar a evolução das massas pela intervenção de “minorias ativas”, os putschs comunistas, o abandono de posições sindicais na Inglaterra e na Alemanha, o boicote às eleições (na Alemanha, Áustria e Itália). Lênin definiu essas políticas como uma tendência pequeno-burguesa, que tomava seus desejos pela realidade, e renunciava à paciente conquista das massas. Os comunistas deveriam aproveitar todas as oportunidades, sindicais ou eleitorais, para estender a sua influência. Alguns meses depois, defendeu a entrada dos comunistas ingleses no Partido Trabalhista (Labour Party). Em 1921, a polêmica se centrava em torno da “ação de março” na Alemanha, tentativa golpista do PC alemão, fracassada. No III Congresso Mundial da Internacional Comunista, celebrado entre 22 de junho e 12 de julho de 1921em Moscou, foram combatidas as posturas ultra-esquerdistas, e reconhecendo que a situação mundial havia mudado,[22] resolveu-se que os comunistas deveriam propor a unidade de ação aos partidos socialdemocratas nas chamadas "frentes únicas".[23] A defesa da Frente Única repousava numa orientação de defesa de ações unitárias contra o fascismo e contra o capital, mas que não podia levar à diluição do papel e dos objetivos dos

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comunistas, nem estes podiam renunciar «ao trabalho próprio e independente de educação comunista, de organização e mobilização das massas». Lênin e Trotsky formaram um bloco, em favor dessa política, que obteve uma escassa maioria contra os “novos esquerdistas” da Internacional: o húngaro Béla Kún, o alemão Thaelmann, o italiano Terracini. O Congresso apoiou finalmente os líderes russos, admitindo una “estabilização relativa do capitalismo”, que tornava necessária a conquista das massas. Em dezembro desse ano, a Executiva da IC adotava a política da “Frente Única Operária”, que colocava como principal tarefa dos jovens partidos comunistas a luta pela unidade de ação do operariado. A questão da Frente Única ocupou um lugar central na luta da IC pela estruturação da classe operária do mundo inteiro. Os novos partidos comunistas assimilavam com dificuldades a experiência do bolchevismo: vira-se o principal deles (o PC alemão) lançar-se a uma “insurreição” quando ainda não contava com o apoio majoritário do operariado (em março de 1921). Nas Táticas da Frente Única, escritas por Trotsky, se lia: “A tarefa do partido comunista é dirigir a revolução proletária. No intuito de orientar o proletariado até a conquista direta do poder, o PC deve basear-se na maioria predominante da classe trabalhadora. Enquanto o partido não contar com esta maioria, deve lutar para consegui-la”. A discussão no movimento sindical revolucionário concretizou esse debate. Os anarco-sindicalistas e sindicalistas revolucionários de diversos países pressionaram em favor da “independência” do movimento sindical, de tal forma que o Conselho Central da ISV (faziam parte dela os sindicatos sob orientação dos partidos comunistas e uma parte daqueles sob a direção dos anarco-sindicalistas e sindicalistas revolucionários), reunido em 22 de fevereiro de 1922, teve que esclarecer: “Considerando que a ISV representa a união de todas as forças revolucionárias do movimento sindical internacional e agrupa em suas fileiras sob uma mesma bandeira os operários sindicalistas, comunistas, e sem partido (...) o Conselho Central da ISV declara que a resolução formulada não implica a subordinação dos sindicatos aos partidos comunistas ou da ISV à III Internacional, senão que persegue exclusivamente como fim a colaboração de todas as forças organizadas da classe operária na luta pela derrubada do regime capitalista.” As discussões, porém, não cessaram. A delegação dos sindicalistas revolucionários franceses, dirigida por Monmousseau, defendeu no II Congresso da ISV (1922) a resolução do Congresso da Confederação Geral do Trabalho Unitária (CGTU) de aderir à ISV sob a condição de supressão do artigo 11 do estatuto que tratava do tema, exigindo a completa independência do movimento sindical. A delegação soviética fez uma concessão e concordou com a supressão. O IV Congresso Mundial da Internacional Comunista teve lugar em Moscou, entre 30 de novembro e 5 de dezembro de 1922, ocupando-se novamente da tática da "frente única", e tratando também da situação dos negros, das mulheres, assim como do trabalho dos comunistas nos sindicatos. Também se abordou-se a situação dos comunistas na Ásia e no Pacífico. Os países “atrasados” - coloniais e semi-coloniais -

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ingressavam com força no movimento revolucionário mundial. Os países asiáticos, com a China à frente, os latino-americanos com a revolução mexicana, entravam na luta pela democracia que os países europeus e os Estados Unidos tinham conquistado nos séculos anteriores. A IC elaborou uma tática de Frente Única específica para os países atrasados: “Nos países ocidentais foi lançada a palavra de ordem de frente única proletária; nas colônias orientais é indispensável agora lançar a palavra de ordem de Frente Única Anti-imperialista... Da mesma forma que a palavra de ordem de frente única proletária contribui no ocidente para desmascarar a traição dos social-democratas aos interesses do proletariado, a palavra de ordem de frente única anti-imperialista contribuirá para desmascarar as vacilações e incertezas dos diversos grupos do nacionalismo burguês”. A luta anti-imperialista não adiava nem atenuava a luta pela revolução operária: “A classe operária deve entender firmemente que só a extensão e intensificação da luta contra o jugo imperialista das metrópoles pode lhe dar um papel dirigente na revolução, e que só a organização econômica e política e a educação política da classe operária e dos elementos semi-proletários pode aumentar a amplitude revolucionária contra o imperialismo”.[24] Diversos autores distinguiram entre o caráter “oriental” da experiência bolchevique, não adaptada às condições “ocidentais”. No entanto, no período que se seguiu à revolução russa, os conselhos operários surgiram também em outros países, tanto avançados (Alemanha e Itália) quanto atrasados e/ou agrários (Hungria e China). Para a vitória da revolução, contudo, era preciso que os conselhos tivessem uma direção revolucionária. Isto não estava garantido de antemão: os chefes reformistas valiam-se da demagogia para anular a tendência dos soviets para a tomada do poder (foi o que ocorreu na Alemanha, no período de 1918-1923). Em certas ocasiões, uma direção podia até valer-se de soviets fantasmas para uma política aventureira: em janeiro de 1919, em Berlim, o movimento revolucionário detinha o poder de fato, mas permitiu que ele lhe fosse arrebatado, uma vez que não soube sair da dualidade de poderes e destruir o Estado burguês. Na situação revolucionária da Alemanha de 1923, as vacilações de Zinoviev (principal dirigente da IC) foram um fator decisivo na derrota. Mas elas tinham origem clara nas pressões de Stalin (“é necessário frear os alemães, não empurrá-los”). As vacilações da liderança do Partido Comunista, permitiram que uma grande oportunidade revolucionária se perdesse. A derrota da revolução alemã em 1923 reforçou a reação na Rússia, combinada com a terríveis condições econômicas das massas. A troika de Zinoviev, Kamenev e Stalin conquistou a liderança do já chamado Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e iniciou a sua luta contra o “trotskismo”. Na realidade, tratava-se de uma luta contra as idéias básicas de Lênin e da própria revolução. A derrota alemã condenou à revolução russa a um período indefinido de isolamento: a oposição interna de Trotsky, já organizada, seria, no entanto, condenada na XII Conferência do PC da URSS, em janeiro de 1924. Depois dos fracassos da revolução na Hungria e, sobretudo, na Itália e na Alemanha, somente em 1922 a burguesia européia conseguiu reequilibrar-se parcialmente sobre

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seus próprios pés. Mas, na Alemanha, 1923 foi o ano da “hiper-inflação”, que lançou às massas numa situação desesperante. Nesse país, e na Bulgária, os partidos comunistas tinham tomado claramente (e, no caso da Bulgária, completamente) a dianteira, com relação aos socialdemocratas, sobretudo entre os setores mais pobres da população. No entanto, o PC sofreu duas penosas derrotas na Bulgária: primeiro, por considerações doutrinárias fatalistas, deixou escapar um momento excepcionalmente favorável a uma ação revolucionária (o levantamento dos camponeses depois do golpe de força do governo de Çankof, em junho de 1923); a seguir, esforçando-se por reparar o erro, lançou-se na insurreição de setembro sem ter preparado as suas premissas políticas e organizativas. A revolução búlgara devia ter sido uma introdução à revolução alemã. Mas essa “introdução” desastrada teve, como vimos, um desenvolvimento ainda pior na própria Alemanha. A burguesia alemã encontrou, então, um novo eixo de estabilidade: o abandono da “resistência passiva” (à França), a prisão dos comunistas e também dos nazistas. A derrota, ou pelo menos o adiamento sine die da revolução alemã, condenou à revolução russa a um período indefinido de isolamento: a oposição de Trotsky na Rússia soviética, já organizada, seria, no entanto, condenada na XII Conferência do PC da URSS, em janeiro de 1924.[25] Trotsky, atento aos novos desenvolvimentos, escreveu em 1924: “O programa americano de tutela do mundo inteiro não é um programa pacifista, mas grávido de guerras e crises. Os EUA afirmam poder fabricar barcos de guerra como pãezinhos: eis a perspectiva da próxima guerra mundial, que terá por teatro o Atlântico tanto quanto o Pacífico. Os conflitos militares são inevitáveis. A ‘era americana’ que parece abrir-se não é mais do que a preparação de novas guerras monstruosas”. Embora clarividente, Trotsky era, no entanto, a essa altura, uma voz isolada. O V Congresso Mundial da Internacional Comunista foi celebrado em Moscou entre junho e julho de 1924, marcado pelo fracasso da revolução na Alemanha, e pela ascensão de Stalin ao poder na União Soviética. Expondo a nova teoria do "socialismo em um só país",[26] Stalin afirmou que “o proletariado pode e deve construir a sociedade socialista em um país,” dando a garantia de que isso constituía a “teoria leninista de revolução proletária”. Essa revisão abrupta e grosseira de perspectiva refletia o crescimento do peso social da burocracia e seu despertar consciente em relação aos seus próprios e específicos interesses sociais, os quais a burocracia viu como associados com o desenvolvimento firme de uma economia nacional. A Internacional Comunista adotou novos estatutos, com os quais começou a chamada "bolchevização" da Internacional e dos seus partidos membros. A Internacional virava instrumento da política externa da nascente burocracia dirigente da URSS. A lógica inevitável dessa mudança era a transformação das seções da Internacional Comunista em guardiãs de fronteira, em instrumentos de uma política externa soviética voltada para a segurança da URSS, e conduzida através de meios diplomáticos que preveniam o ataque imperialista enquanto esta preservava o statu quo global. Durante apenas uma década (1914-1924) a história da Europa e, parcialmente, a do mundo, balançou violentamente de esquerda à direita, e vice-versa, como nunca no

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passado, e talvez no futuro. Milhões de trabalhadores deixaram suas vidas nas ilusões nacionalistas e bélicas, nos campos de batalha da guerra mundial, nas mobilizações revolucionárias, na repressão contra-revolucionária. Foi posta à prova a experiência revolucionária acumulada em dois séculos. A Internacional Comunista, proposta já em 1914, nascida de um combate feroz no interior da Internacional Socialista, e começada a ser transformada em fator conservador já em 1924, foi a máxima expressão histórica da convergência entre o programa e a organização revolucionária, e a mobilização de milhões de trabalhadores industriais e agrários, já atingida. A história dessa década decisiva continua sendo, até o presente, a maior fonte de lições e conclusões acerca da possibilidade de enfrentamento contra o mundo do capital, e da vitória revolucionária nesse conflito da classe trabalhadora.

Notas [1] Karl Liebknecht (1871-1919) foi um político e dirigente socialista alemão, filho de Wilhelm Liebknecht, companheiro de lutas de Marx e Engels. Karl Liebknecht estudou direito nas Universidades de Leipzig e Berlim, concluindo seu doutorado na Universidade de Würzburg, em 1897. Abriu um escritório de advocacia e passou a defender causas trabalhistas. Em 1900 aderiu ao Partido Socialdemocrata da Alemanha. Passou a ter intensa militância política e fundou em 1915, juntamente com Rosa Luxemburgo e outros, a Liga Spartacus, sendo expulso do SPD em 1916. Karl Liebknecht, juntamente com a Liga Spartacus, acabou fundando o Partido Comunista da Alemanha. Em 15 de janeiro de 1919, após o governo socialdemocrata alemão ter colocado as cabeças dos “extremistas da esquerda” a prêmio, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram assassinados em Berlim. A 13 de janeiro de 2008, uma passeata com 70 mil pessoas dirigiu-se ao cemitério de Friedrichsfelde, em Berlim, somando-se a outras milhares de pessoas que foram ao cemitério durante todo o dia para homenagear Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo. [2] Numa resolução posterior da Internacional Comunista, lembrou-se que “no começo da guerra imperialista de 1914, os partidos socialistas de todos os países, sustentando suas respectivas burguesias, não esqueceram de justificar sua conduta invocando a vontade da classe operária. Fazendo isso, eles esqueceram que a tarefa do partido proletário deveria ser reagir contra a mentalidade operária geral e defender, apesar disso, os interesses históricos do proletariado”. [3] Lênin, Vladímir Ilitch Uliânov (1870 - 1924) foi o principal revolucionário russo, líder da Revolução de Outubro de 1917, líder do Partido Comunista, e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da Rússia Soviética. Foi, para o historiador Eric Hobsbawm, o personagem histórico mais influente do século XX. O seu codinome de Lênin provém de seu exílio para uma terra das margens do Rio Lena. Seu pai Ilya Uliánov foi um funcionário liberal, apolítico. Era inspector das escolas da província de Simbirsk, e um homem extremamente religioso, que apoiava as reformas de Alexandre II e que aconselhava os jovens a não cairem no radicalismo. Maria Alexandrovna, a mãe de Lênin, era a filha de Alexánder Blank, um judeu converso, que se fez médico e dono de terras em Kazan. Alexánder era filho de Moiche Blank, um comerciante judeu de Volhinia, que casou com uma sueca chamada Anna Ostedt. O irmão mais velho de Lênin, Alexandre Uliánov, ainda com 21 anos, um estudante em São Petersburgo, envolveu-se no grupo terrorista Pervomartovtsi e foi um dos participantes numa das muitas tentativas de assassinar o Czar Alexandre III da Rússia. Foi condenado à morte em 1887, e executado. Isto teria grandes consequências para o irmão, muito afetado por essa morte. Em 1887, Lênin, com 17 anos de idade, foi estudar direito em Kazan, onde tomou contacto com um grupo de revolucionários social democratas. Ainda nesse ano, foi preso, juntamente com outros, numa manifestação de estudantes movida por reivindicações de cunho estritamente acadêmico. Como consequência, foi-lhe proibida a continuação dos estudos. Em 1890 foi readmitido na Universidade, porém apenas como estudante "externo" autorizado a prestar exames anuais, mas não a freqüentar a universidade. Foi nestes anos que Lênin se tornou um marxista. Sua primeira grande paixão intelectual-revolucionária, no entanto, foi Tchernichevski e em particular sua obra Que Fazer? Em Lênin, nos seus primeiros anos de marxista, existia a convicção de que o desenvolvimento capitalista da Rússia seria uma pré-condição necessária do

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socialismo, na medida em que apenas a modernização industrial da Rússia, o desenvolvimento da disciplina associada à generalização do trabalho industrial assalariado, seria capaz de elevar a consciência política do povo russo a níveis tais que tornassem possível a derrubada da autocracia czarista e a constituição de uma república democrática - contrariamente às teses dos populistas, que consideravam que o socialismo russo se desenvolveria nos quadros da comuna camponesa tradicional. Esta associação da modernidade ao capitalismo industrial, no entanto, já se encontrava nas obras do fundador do marxismo russo, Plekhanov, ao qual ele se associaria no seu primeiro exílio, no início do século XX, como redator do jornal da emigração marxista (socialdemocrata) russa no exílio, o Iskra. Líder da socialdemocracia russa (POSDR) e da sua fração bolchevique, o restante da sua vida, como líder da Revolução de Outubro, até sua morte em janeiro de 1924, já pertence à história. [4] Otto Bauer (1882-1938) foi um dos dirigentes da social-democracía austríaca e da II Internacional, um dos ideólogos do “austro-marxismo”, autor da teoria da «autonomia cultural nacional»; em 1918-1919, foi ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Áustria. Seu livro A Questão das Nacionalidades e a Socialdemocracia, de 1907, foi um dos textos mais influentes no debate sobre a questão nacional desenvolvido na Segunda Internacional. Definia a nação como o produto nunca consumado de um processo histórico constantemente em curso, rejeitando a fetichização do “fato nacional”, e os mitos reacionários da “nação eterna”. O seu programa de autonomia nacional e cultural levava, porém, a um beco sem saída sobre o direito democrático de cada nação a se separar e constituir um Estado independente. [5] Karl Legien (1861-1920), de origem operária, foi líder sindical e socialdemocrata na Alemanha, chefe histórico da “direita” do SPD, chegando a se alinhar com os revisionistas na crise interna do partido na década de 1890. Entre 1893 e 1920, de modo quase ininterrupto, foi deputado no Reichstag. Símbolo internacional da ala social-patriota da Segunda Internacional na guerra de 1914-1918. [6] Os socialistas “amplos” da Bulgária (obsfedeletsi) eram uma corrente na socialdemocracia desse país. Em 1903 passaram a editar a revista Obshte Delo (Causa Comum). Com a cisão da socialdemocracia búlgara em 1903, no seu X Congresso, formaram o “partido dos socialistas amplos”. Social-patriotas em 1914, a eles se opunham os tesnjaki (literalmente “estreitos”, mas seria melhor traduzir para “estritos” ou “rigorosos”), que conquistaram ampla maioria no movimento operário búlgaro, e que seriam, depois da Revolução de Outubro, a base do Partido Comunista da Bulgária. [7] Também conhecida como Terceira Internacional, assim como por sua abreviação em russo, Komintern (Коминтерн, abreviatura de Коммунистичекий Интернационал, "Internacional Comunista") ou Comintern (abreviatura do inglês Communist International). [8] Os órgãos da Internacional Comunista, segundo seus primeiros estatutos, eram: o Congresso Mundial, órgão que detinha a autoridade máxima da Internacional Comunista, que devia reunir-se uma vez ao ano e tinha a exclusividade para a modificação do Programa e os Estatutos; o Comitê Executivo, órgão que tinha a autoridade máxima nos períodos entre congressos, e que era eleito pelo Congresso Mundial (sua sede era decidida em cada congresso). Mais tarde se criaria um órgão adicional, o Presidium, que tinha a máxima autoridade entre as plenárias do comitê executivo. Sob a tutela da Internacional Comunista, criaram-se uma série de organizações internacionais: a Internacional Sindical Vermelha (Profintern); a Internacional da Juventude Comunista; o Socorro Vermelho Internacional (MOPR); a Internacional Camponesa (Krestintern); a Internacional Desportiva Vermelha (Sportintern). [9] Pelas “21 condições”: 1) toda propaganda e agitação cotidiana devem ter caráter efetivamente comunista e dirigida por comunistas; 2) toda organização desejosa de aderir à IC deve afastar de suas posições os dirigentes comprometidos com o reformismo; 3) em quase todos os países da Europa e da América, a luta de classes se mantém no período de guerra civil. Os comunistas não podem, nessas condições, se fiar na legalidade burguesa. É de seu dever criar, em todo lugar, paralelamente à organização legal, um organismo clandestino; 4) o dever de propagar as idéias comunistas implica a necessidade absoluta de conduzir uma propaganda e uma agitação sistemática e perseverante entre as tropas; 5) uma agitação racional e sistemática no campo é necessária; 6) todo partido desejoso de pertencer à IC tem por dever não só o de denunciar o social-patriotismo como o seu social-pacifismo, hipócrita e falso; 7) todos os partidos desejosos de pertencer à IC devem romper completamente com o

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reformismo e a política do centro. A IC exige, imperativamente e sem discussão, essa ruptura, que deve ser feita no mais breve de tempo; 8) nas colônias, os partidos devem ter uma linha de conduta particularmente clara e nítida; 9) todo partido desejoso de pertencer à IC deve realizar uma propaganda perseverante e sistemática nos sindicatos, cooperativas e outras organizações das massas operárias; 10) todo partido pertencente à IC tem o dever de combater com energia e tenacidade a Internacional do sindicatos amarelos de Amsterdã; 11) todos os partidos desejosos de pertencer à IC devem rever a composição de suas frações parlamentares; 12) os partidos pertencentes à IC devem ser construídos com base no princípio do centralismo democrático; 13) os partidos comunistas, onde são legais, devem ser depurados periodicamente para afastar os elementos pequeno-burgueses; 14) os partidos desejosos de entrar na IC devem sustentar, sem reservas, todas as repúblicas soviéticas nas suas lutas com a contra-revolução; os partidos que ainda conservam os antigos programas socialdemocratas têm o dever de revê-los e, sem demora, elaborar um novo programa comunista adaptado às condições especiais de seu país e no espírito da IC; 16) todas as decisões do Congresso da IC e de seu Comitê Executivo são obrigatórias para todos os partidos filiados à IC; 17) todos os partidos aderentes à IC devem modificar o nome e se intitular “Partido Comunista”. A mudança não é simples formalidade e, sim, de uma importância política considerável, para distingui-los dos partidos socialdemocratas ou socialistas, que venderam a bandeira da classe operária; 18) todos os órgãos dirigentes e da imprensa do partido são disciplinados ao Comitê Executivo da IC; 19) todos os partidos pertencentes à IC são obrigados a se reunir, quatro meses após o II congresso da IC, para opinar sobre essas 21 condições; 20) os partidos que quiserem aderir, mas que não mudaram radicalmente a sua antiga tática, devem preliminarmente cuidar para que 2/3 dos membros de seu comitê central e das instituições centrais sejam compostos de camaradas que, antes do II Congresso, tenham se pronunciado pela adesão do partido à IC; 21) os aderentes partidários que rejeitam as condições e as teses da IC devem ser excluídos do partido. O mesmo deve se dar com os delegados ao Congresso Extraordinário. [10] Lembremos que a terceira das “21 Condições” era a exigência de que os partidos comunistas criassem “um aparato paralelo e ilegal que, no momento decisivo, deveria realizar sua tarefa pelo partido e assistir a revolução de todas as maneiras possíveis”. A décima quarta condição previa: “O partido interessado em filiar-se à Internacional Comunista será obrigado a prestar toda assistência possível às repúblicas soviéticas em sua luta contra as forças contra-revolucionárias. Os partidos comunistas devem implementar uma propaganda precisa e definida, visando induzir os trabalhadores a se recusarem a transportar qualquer tipo de equipamento militar destinado à luta contra as repúblicas soviéticas e devem também, por meios legais ou ilegais, fazer propaganda entre as tropas enviadas contra os trabalhadores, repúblicas, etc”. [11] Antonio Gramsci (1891-1937) socialista, e depois comunista, italiano, era nascido na ilha mediterrânea da Sardenha, quarto dos sete filhos de Francesco Gramsci.Tendo sido um estudante brilhante, Gramsci venceu um prêmio que lhe permitiu estudar literatura na Universidade de Turim, que passava por um rápido processo de industrialização, com as fábricas da Fiat e Lancia recrutando trabalhadores de várias regiões pobres da Itália. Os sindicatos se estabeleceram, Gramsci envolveu-se diretamente com estes acontecimentos, frequentando círculos socialistas bem como organizando emigrantes sardos, e filiando-se ao Partido Socialista Italiano. Tornou-se um notável jornalista, no Avanti (órgão oficial do Partido Socialista). Depois da I Guerra Mundial fundou, juntamente com Palmiro Togliatti, em 1919, L'Ordine Nuovo, e contribuiu para La Città Futura. O grupo que se reuniu em torno de L'Ordine Nuovo aliou-se com Amedeo Bordiga e a fracção comunista do Partido Socialista, sendo uma das bases da organização do Partido Comunista Italiano (PCI) em 21 de janeiro de 1921. Gramsci viria a ser um dos seus líderes desde sua fundação, subordinado a Bordiga até que este perdeu a liderança em 1924. Em 1922 Gramsci foi à Rússia representando o partido, e lá conheceu sua esposa, Giulia Schucht, uma jovem violinista com a qual teve dois filhos. A sua estada na Rússia coincidiu com o advento do fascismo na Itália; Gramsci retornou propondo a política da frente única operária, adotada pela Internacional Comunista, em cuja direção Gramsci participara. Em 1924, Gramsci foi eleito deputado pelo Veneto, dirigindo o jornal oficial do partido, L'Unità, e vivendo em Roma enquanto sua família permanecia em Moscou. A proposta de Frente Única encontrou resistências entre os comunistas, temerosos de que ela colocasse o PCI numa posição subordinada ao PSI, do qual havia-se desligado. As teses de Gramsci, no entanto, foram adotadas pelo PCI no congresso que o partido realizou em 1926.

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[12] Friedrich Ebert (1871-1925), um dos principais dirigentes socialdemocartas da Alemanha, se envolveu em política, ainda jovem, como sindicalista, e se tornou Secretário Geral do Partido Social Democrata (SPD) em 1905. Depois da I Guerra Mundial e da queda do Káiser, ocupou os cargos de Reichskanzler (Chanceler do Império Alemão) de 9 de novembro de 1918 até 11 de fevereiro de 1919, e de Reichspräsident (Presidente da Alemanha) de fevereiro de 1919 até fevereiro de 1925. Foi um dos líderes da chamada República de Weimar. No dia 4 de março de 1925, o Partido Social Democrata da Alemanha criou a Fundação Friedrich Ebert, batizada com o nome do presidente alemão falecido poucos dias antes. Seu objetivo seria “promover a consciência democrática e o entendimento entre os povos”. Desde 2000, sua sede está em Berlim. A fundação conta com parceiros em 76 países, e é uma grande plataforma de cooptação política. O recente chefe de governo alemão, o socialdemocrata Gerhard Schröder, orgulha-se de ter sido bolsista da Fundação Friedrich Ebert. [13] Gustav Noske (1868-1946) foi um dos dirigentes do Partido Socialdemocrata da Alemanha, social-chauvinista durante a Primeira Guerra Mundial. Entre fevereiro de 1919 e março de 1920 foi ministro da Guerra. Organizador do assassinato dos fundadores do Partido Comunista da Alemanha, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, em janeiro de 1919, e um dos principais organizadores do terror branco em janeiro-março de 1919, chamado a “Era de Noske”. Num jornal do SPD da época, lia-se: “faz-se o seguinte apelo: «Cidadão, trabalhador! A pátria está à beira do caos. Salvemo-la! A ameaça não vem do exterior mas do interior, do grupo do Spartacus! Mata o seu dirigente! Mata Liebknecht!»”. A 13 de janeiro de 1919 escrevia Artur Zickler no jornal do SPD, Vorwärts: «Centenas de mortos numa fila... mas Karl, Rosa e Radek não se encontram lá». Dois dias depois, a 15 de janeiro, os dois comunistas eram assassinados por soldados comandados por Waldemar Pabst. Pabst, falecido em 1970, que se tornou ideólogo do nazismo e negociante de armas com Formosa e a Espanha franquista, escreveu nas suas memórias: «É evidente que para me proteger a mim e aos meus soldados nunca poderia ter conduzido a ação sem o consentimento de Noske. Só muito poucas pessoas se aperceberam porque é que nunca fui interrogado nem acusado. Eu retribui o comportamento do SPD a meu respeito como um cavalheiro, com cinqüenta anos de silêncio». Noske, antes de morrer em 1946, ainda escreveu: «naquela altura limpei e varri com a rapidez que me foi possível». A 25 de janeiro de 1919 foi enterrado no cemitério Friederichsfelde, também conhecido como “cemitério socialista de Berlim”, Karl Liebknecht, juntamente com mais 31 revolucionários assassinados pela soldadesca do ministro social-democrata. O túmulo destinado a Rosa Luxemburgo ficou aberto porque as fortas policiais tinham feito desaparecer o seu corpo. Nos anos seguintes muitas outras vítimas da repressão foram ali sepultadas, como Leo Jogiches, também fundador do KPD, e mais 42 vítimas do terror policial de 1919-1920. [14] A Internacional Comunista denunciou que “a Internacional Sindical de Amsterdã é a substituta da falida IIª Internacional de Bruxelas”. Para a Internacional Sindical Vermelha, “a associação sindical de Amsterdã é uma organização onde se encontram e se dão as mãos as Internacionais dois e dois e meio. Esta organização é considerada com esperança e solicitude por toda a burguesia mundial. A grande idéia da Internacional Sindical de Amsterdã é no momento a neutralidade dos sindicatos. Não é por acaso que essa divisa serve à burguesia e seus criados socialdemocratas ou sindicalistas de direita como meio para tentar reunir novamente as massas operárias do Ocidente e da América, Enquanto a Segunda Internacional, passando abertamente para o lado da burguesia, praticamente falida, a Internacional de Amsterdã, tentando novamente defender a idéia da neutralidade, tem ainda algum sucesso. Sob a bandeira da "neutralidade", a Internacional Sindical de Amsterdã assume os encargos mais difíceis e mais sujos da burguesia: estrangular a greve dos mineiros na Inglaterra (como aceitou fazê-lo J.H. Thomas que é ao mesmo tempo o presidente da II Internacional e um dos líderes em maior evidência da Internacional Sindical Amarela de Amsterdã), rebaixar os salários, organizar a pilhagem sistemática dos operários alemães para os pecados de Guilherme e da burguesia imperialista alemã. Leipart e Grassmann, Wissel e Bauer, Robert Schmidt e J. H. Thomas, Albert Thomas e Jouhaux, Daszynski e Zulavski - repartem seus papéis: uns, antigos chefes sindicais, participam hoje dos governos burgueses na qualidade de ministros, de comissários governamentais ou de funcionários, enquanto os outros, inteiramente solidários com os primeiros, ficam à testa da Internacional Sindical de Amsterdã para pregar aos operários a neutralidade política. A Internacional Sindical de Amsterdã é atualmente o principal apoio do capital mundial”. [15] Eugene Debs nascera em Terre Haute, Índiana. Foi cinco vezes candidato a presidente dos EUA pelo Socialist Party of America (SPA), chegando a obter 900 mil votos, 6% do total, em 1912. Em um discurso

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de campanha, disse: "As long as there is a lower class, I am in it. As long as there is a criminal element, I am of it. As long as there is a soul in prison, I am not free". Em outro discurso de campanha, deixou claro: “"É melhor votar pelo que quer e não conseguir do que votar pelo que não quer e conseguir. A terra é para todo o mundo. Essa é a exigência. A propriedade e o controle coletivo da indústria e sua gestão democrática para o interesse de todo o povo. Essa é a exigência. O fim da luta de classes e da dominação de classe, do amo e do escravo, da pobreza e da vergonha - o nascimento da liberdade, o amanhecer da fraternidade, essa é a exigência". Num discurso durante Primeira Guerra Mundial, que o levou à prisão, disse: "A classe dos amos sempre começou as guerras. A classe trabalhadora sempre lutou nas guerras". Debs morreu em 1926. [16] A Internacional Comunista, nas Teses sobre a Questão Nacional e Colonial, denunciou que “a posição abstrata e formal da questão da igualdade - a igualdade das nacionalidades inclui-se aí - é própria da democracia burguesa sob a forma da igualdade das pessoas em geral; a democracia burguesa proclama a igualdade formal ou jurídica do proletário, do explorador e do explorado, induzindo assim as classes oprimidas ao mais profundo erro. A idéia da igualdade, que não é outra coisa que o reflexo das relações criadas pela produção para o comércio, torna-se, nas mãos da burguesia, uma arma contra a abolição das classes em nome da igualdade absoluta das pessoas humanas. Quanto à significação verdadeira da reivindicação igualitária, ela reside apenas na vontade de abolir as classes”. [17] José Fernando Penelón (1890-1963), argentino, foi trabalhador tipográfico sendo já membro da direção da Federação Grâfica aos 21 anos. Militante sindical, fundou o “Comitê de Propaganda Gremial’, que ajudou na criação de 18 sindicatos. Membro do Partido Socialista, e de sua ala esquerda (que combatia a direção de Juan B. Justo), se opôs à política de “união sagrada” da Internacional durante a primeira Guerra Mundial, e chefiou o núcleo que impulsionou a criação do Partido Socialista Internacional, base do futuro Partido Comunista Argentino, em 1917-1918, junto a outro dirigente da esquerda socialista, Juan Ferlini. Em 1919 dirigiu a greve tipográfica (Buenos Aires) de seis meses, conquistando quase todas as reivindicações propostas. Foi representante gráfico na FORA (Federação Operária da Região Argentina), sendo eleito para a vice-presidência dessa central sindical anarco-sindicalista. Também em 1919 teve um lugar destacado durante os acontecimentos da Semana Trágica, greve insurrecional que comoveu Buenos Aires, sendo quase assassinado durante a repressão policial e os pogroms direitistas que lhe deram fim, através de um verdadeiro massacre. Foi um dos primeiros dirigentes do Partido Comunista da Argentina, junto com o chileno Recabarren, tendo viajado duas vezes à URSS, onde chegou a ser o primeiro latino-americano membro da Executiva (EKKI) da Internacional Comunista. Foi designado, por Lênin, Coronel de Honra do Exército Vermelho, sendo o primeiro secretário da Internacional Comunista para América do Sul. Foi sendo marginalizado no interior do PCA, na década de 1920 pelo núcleo de Vittorio Codovilla, eleito para o Comité Central em 1921, que, junto com Rodolfo Ghioldi, constituiria a ala do PCA que se alinharia com Stalin e a GPU. Em 1928 abandonou o PCA e fundou o PCRA (Partido Comunista da Região Argentina), de breve existência e orientação mais anarco-sindicalista que marxista, mas onde germinaria o primeiro núcleo trotskista da Argentina e da América Latina. Na década de 1930 fundou o partido Concentración Obrera, com um programa sindicalista, representando o partido quase de modo ininterrupto, durante 30 anos, no Concejo Deliberante de la Capital Federal (Buenos Aires). Interveio em problemas como a habitação, a infraestrutura dos bairros operários, e na defesa dos trabalhadores em conflito sindical, até o final da sua vida. [18] Filipo Turati (1857-1932) foi um dos principais dirigentes do socialismo italiano (PSI). Reformista, levou adiante uma política de colaboração de classes. Sua inspiração teórica não era o marxismo, mas o positivismo, doutrina que tinha destaque no movimento operário internacional, sobretudo no âmbito da socialdemocracia. Segundo Michael Löwy, na época da Segunda Internacional, "pode-se observar a presença ideológica das diferentes variantes do positivismo, não somente nas correntes chamadas revisionistas, mas também no seio do próprio marxismo ortodoxo". Entre os socialistas neopositivistas, se destacaram os italianos Enrico Ferri e Filipo Turati. Turati escreveu em 1884 que se alegrava pelo fato de o socialismo tomar uma característica "mais e mais científica, mais e mais positiva". Durante a primeira guerra mundial (1914-1918) adotou uma posição centrista (entre o patriotismo e o derrotismo); seu partido foi um dos poucos do socialismo europeu que recusou a “União Sagrada”.

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[19] O Poalei Zion (operários de Sião, partido sionista-socialista) tinha sido inspirado pelas idéias e ação de Ber Borochov. Nascido na Ucrânia, Dov Ber Borochov foi educado em uma escola superior russa. Foi atraido pelas idéias socialistas. Como a maioria dos judeus graduados no ensino superior, lhe foi negada a chance de estudar em uma universidade. Em 1901, fundou o Poalei Zion. Ativa na autodefesa judaica, a organização era criticada pelo POSDR, pelo Bund, e também por alguns líderes sionistas, que desaprovavam a combinação de sionismo com socialismo. Durante controvérsias sobre a possibilidade de colonização judaica em Uganda, Borochov juntou-se com Menahem Ussishkin em sua oposição a qualquer outro território que não Eretz Yisrael, situado na Palestina histórica. No 7º Congresso Sionista (1905), Borochov liderou a facção dos delegados do Poalei Zion que se opôs à proposta de Uganda. No 8º Congresso, dois anos depois, ele foi peça-chave na retirada do Poalei Zion russo da Organização Sionista. Até o começo da Primeira Guerra Mundial, divulgou os objetivos do Poalei Zion na Europa Central e Oriental. Em 1914, Ber Borochov chegou aos Estados Unidos, onde foi o porta-voz do Poalei Zion americano e dos movimentos do Congresso Judaico Mundial e Americano. Quando a revolução russa começou, em fevereiro de 1917, retornou à Rússia e ajudou a formular as demandas do povo judeu para a nova ordem social. Em agosto de 1917, encabeçou a Conferência do Poalei Zion russo, conclamando-os para a colonização socialista em Eretz Yisrael. Tempo depois, contraiu pneumonia e morreu em Kiev. Em 1963, seus restos mortais foram reenterrados no cemitério do Kibutz Kineret, junto a outros fundadores do sionismo socialista. A contribuição de Borochov, em especial seu trabalho Nossa Plataforma, foi qualificada como “a síntese das estruturas de classes e do nacionalismo, em um tempo em que a teoria marxista rejeitava todo nacionalismo”. É claro que a idéia de tal “rejeição” marxista não tem pé nem cabeça. Borochov teorizou que a civilização, na sua história, comportava dois tipos de divisões: horizontalmente (em nações) e verticalmente (em classes sociais), e que o socialismo só tinha prestado atenção, até o momento, para a segunda. Visualizou a imigração massiva dos judeus como inevitável dentro do movimento interno do proletariado judeu para resolver os problemas criados pela Diáspora. Argumentou que somente os esforços pioneiros em Eretz Yisrael poderiam prevenir a continuação da Diáspora. O “problema judeu”, segundo ele, provinha do fato do povo judeu estar divorciado de sua terra natal. Borochov não viu o anti-semitismo como uma das bases ou motivações para o sionismo. Via a Diáspora como uma aberração na qual a inferioridade econômica e política judaica seria eterna. [20] Durante séculos a “redenção de Israel” não transbordou do âmbito religioso, que foi sua matriz. Deu origem a peregrinações e a imigrações individuais ou de pequenos grupos, que não modificaram o estatuto político da Palestina, nem sua composição étnica. A situação começou a mudar no século XIX. O sionismo surgiu no contexto do triunfo das ideologias nacionalistas, como um movimento nacionalista secular cujo objetivo era a criação de um Estado judeu, sendo este considerado como o único meio de assegurar a identidade e a sobrevivência da “nação” judaica, assim como de lhe garantir um lugar ao sol entre as demais nações. [21] O socialismo foi a inspiração ideológica dos “pioneiros” judeus, que em vagas sucessivas foram colonizando o território palestino antes da criação do Estado sionista. Durante a administração do Império Otomano, entre 1881 e 1917, de uma emigração total dos judeus da Europa de 3.177.000 pessoas, só 60 mil foram à Palestina. Já na época de controle britânico, depois da Primeira Guerra Mundial, no período de 1919 até a criação de Israel, em 1948, de uma emigração total de 1.751.000 judeus, 487 mil foram para a região. Somente após as perseguições nazistas a emigração judaica para o Oriente Médio aumentou significativamente. Em 1931, de uma população palestina de 1.036.000 habitantes, só 175 mil eram judeus. [22] Numa resolução específica, o Congresso perguntava: “A Internacional Comunista coloca para si e para a classe operária as seguintes questões: em que medida as novas relações entre a burguesia e o proletariado correspondem realmente às relações mais profundas de suas respectivas forças? A burguesia tem condições de restabelecer o equilíbrio social destruído pela guerra? Existem razões para supor que após uma época de comoção política e lutas de classes venha unia época prolongada de restabelecimento e crescimento do capitalismo? Não decorre disso a necessidade de revisar o programa ou a tática da Internacional Comunista?”. O Congresso esclarecia que, embora real, a “estabilização capitalista” era temporária e frágil.

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[23] O Congresso também determinou que os comunistas criassem uma frente de visibilidade pública, pois “na ausência de qualquer contato com as massas, ele se debilitaria, tornando-se uma seita de propaganda, e perderia a vitalidade. A organização, na ilegalidade, deve não apenas constituir a base para a coleta e cristalização de forças comunistas ativas, mas tentar todos os caminhos e meios para sair dessa condição não legalizada e vir à tona entre as grandes massas; e deve também encontrar meios e formas de unir essas massas politicamente, através de atividade pública, na luta contra o capitalismo”. Essa resolução foi assinada por Lênin, Trotsky, Zinoviev, Bukharin, Radek e Kamenev. O Congresso também aprovou que os partidos criassem um “Departamento de Inteligência”, devendo ter cada um deles “um setor especial em sua administração para esse trabalho em particular. O Serviço de Inteligência Militar requer prática, treinamento e conhecimentos especiais. O mesmo pode ser dito da tarefa do Serviço Secreto direcionada contra a polícia política. É somente através de longa prática que se pode criar um Departamento de Serviço Secreto satisfatório”. [24] Num Apelo aos “Operários e camponeses da América do Sul”, o primeiro referido especificamente ao continente, o IV Congresso da IC afirmava: “O imperialismo capitalista introduz em vossos países os antagonismos mundiais que levaram os povos da Europa à guerra mais sangrenta e a mais formidável reação. É já tempo de unir as forças revolucionárias do proletariado, pois que os capitalistas de toda a América se unem contra a classe operária. Camaradas, os operários e camponeses da América do Sul não possuem ainda organizações de luta de classe disciplinadas e a unidade de ação necessárias. Vossa classe governante se apóia sobre a potência formidável dos Estados Unidos no intuito de esmagar vossos esforços, abafar vossas ações libertadoras e impedir toda tentativa revolucionária de vossas massas oprimidas. Operários e camponeses! A Internacional Comunista apela para vós! Não vos esqueçais de que nos Estados Unidos há comunistas prontos a vos ajudar na luta revolucionária. A luta comum dos proletários de todos os Estados da América contra todos os capitalistas americanos solidários constitui uma necessidade vital para a classe explorada. Ela se impõe como o único caminho para vossa salvação. O exemplo heróico da Revolução Russa, sustentando a luta mais encarniçada contra o capitalismo internacional, vos fará compreender a sorte que vos espera se permaneceis indiferentes, quando a classe possuidora agrava a exploração capitalista. Em vossos países, os antagonismos entre a alta finança e a indústria aumentam, e os conflitos imperialistas mundiais ameaçam arrastar-vos, também a vós, aos massacres. Camaradas, à ofensiva burguesa é necessário opor a unidade proletária. Organizai-vos, pois, ligai vossa ação revolucionária à ação da classe operária e camponesa de toda a América e de todos os países do globo. Lutai contra vossa própria burguesia e lutareis contra o imperialismo ianque, que é a encarnação mais alta da reação capitalista. Uni-vos em torno da bandeira da Revolução Russa, que criou as bases da revolução proletária mundial. Como a Revolução Russa, preparai-vos a transformar toda tentativa de guerra em luta aberta da classe operária contra a burguesia. Como a Revolução Russa, empreendereis a ação contra o imperialismo preparando a ditadura proletária que destruirá em toda a América a ditadura burguesa. Se permaneceis divididos e desorganizados, a burguesia americana vos estrangulará, esmagará vossas ações e aumentará a exploração capitalista arrancando-vos as conquistas já antes obtidas por vós. A luta contra vossa própria burguesia redundará cada vez mais na luta contra o imperialismo mundial e se tornará uma batalha de todos os explorados contra todos os exploradores. Camaradas! Organizai-vos! Fortificai vossos partidos comunistas e criai-os onde eles não existem ainda. Ligai vossa ação à ação de todos os comunistas da América. Organizai o proletariado revolucionário, que luta, com a Internacional Sindical Vermelha e trabalhai afim de que em toda a América existam seções da Internacional Comunista e da Internacional Sindical Vermelha!”. [25] Em sua autobiografia, Minha Vida, Trotsky explicou a psicologia política do que ele descreveu como “o ataque totalmente filisteu, ignorante e simplesmente estúpido contra a teoria da revolução permanente”: “Tagarelando ao lado de uma garrafa de vinho ou retornando do balé um burocrata presunçoso diz ao outro: ‘Aquele tem sempre só a revolução permanente na cabeça’. Conectadas cerradamente com esse humor específico eram acrescentadas as acusações de insociabilidade, de individualismo, de aristocratismo. O sentimento de ‘Não tudo e sempre pela revolução, a gente deve pensar também em si próprio’ foi traduzido como ‘Abaixo a revolução permanente’. A revolta contra as reivindicações teoricamente exatas do marxismo e contra as reivindicações políticas rigorosas da revolução gradualmente assumiram, aos olhos desses indivíduos, a forma de luta contra o ‘trotskismo’. Sob esta bandeira procedeu-se a liberação do ignorante no interior do bolchevique”.

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[26] A tentativa de desenvolver uma economia “socialista” auto-suficiente baseada nos recursos da Rússia atrasada estava condenada, não meramente pelo atraso da Rússia, mas porque isso representava uma regressão em relação à economia mundial já criada pelo capitalismo. Em sua introdução à A Revolução Permanente, Trotsky escreveu: “O marxismo toma o seu ponto de partida da economia mundial, não como uma soma das partes, mas como uma realidade poderosa e independente que foi criada pela divisão internacional do trabalho e pelo mercado mundial, que na nossa época domina de forma imperiosa os mercados nacionais. As forças produtivas da sociedade capitalista há bom tempo têm crescido além das fronteiras nacionais. A guerra imperialista (de 1914-1918) foi uma das expressões deste fato. Nesse sentido, a técnica produtiva da sociedade socialista deve representar um estágio mais alto do que aquele atingido pelo capitalismo. Visar construir uma sociedade socialista isolada nacionalmente significa, apesar de todos os êxitos ocorridos, impulsionar as forças produtivas para trás mesmo em relação ao capitalismo. Independentemente, das condições geográficas, culturais e históricas de desenvolvimento do país, que constitui uma parte da unidade mundial, tentar realizar um encerramento de todos os ramos da economia no interior de uma estrutura nacional, significa perseguir uma utopia reacionária”.