A Hegemonia Holandesa

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A Hegemonia Holandesa na Economia-MundoImmanuel Wallerstein. In: O sistema Mundial Moderno II: O Mercantilismo e a consolidao da economia-Mundo Europeia, 1600-1750 do mesmo autor. Porto: Edies Afrontamento, 1974. Captulo 2 pp. 43-77.Notas Prvias:- Unidade de Produo de Informao do Servio de Apoio ao Estudante com Deficincia da Universidade do Porto- Organizao da Paginao: Rodap- As notas encontram-se no fim do documento.A HEGEMONIA HOLANDESA NA ECONOMIA-MUNDOFig. 3: Jan Uytenbogaert, Recebedor-Geral, de Rembrandt van Rijn. Esta gua-forte de 1639 mais conhecida popularmente como O Pesador de Ouro. O estilo de solenidade opulenta, quase de santidade; compare-se este quadro com os retratos de cambistas pintados por artistas do sculo XVI, que os retratavam de nariz adunco e expresso severa. No Norte, um fenmeno como Rubens (...) era impensvel Pieter GeylwPor volta de 1610 o centro da economia-mundo europeia estava firmemente assente no Noroeste da Europa, ou seja, na Holanda e na Zelndia; em Londres, nos Home Counties e no East Anglia; e no Norte e Oeste da Frana (Nota 2). As unidades polticas onde estas zonas do centro se situavam eram bastante diferentes quanto ao tamanho, forma e poltica, e sofreram alteraes significativas no sculo e meio seguinte; porm, do ponto de vista econmico, apresentavam mais semelhanas que diferenas. Como vimos no captulo anterior, o perodo de 1600 a 1750 foi um perodo de consolidao, com abrandamento da taxa de desenvolvimento da economia-mundo. Isto foi verdade em termos gerais; mas a marca distintiva de um sistema econmico capitalista que a tendncia geral a resultante de tendncias notavelmente diferentes dos sectores componentes. O abrandamento e a consolidao impem decises econmicas difceis e da ocorrem convulses polticas (e culturais). Em parte alguma isto foi mais verdadeiro do que nos pases do centro no sculo XVII, entre cujos estratos empresariais se processou uma aguda concorrncia pela sobrevivncia, em que alguns tinham de ser eliminados para deixar lucro suficiente para os outros.Os livros de Histria chamam ao perodo de 1600 a 1750 a poca do mercantilismo. No vou passar em revista os mltiplos significados dados a este termo ou as definies que constituem a sua essncia (Nota 3). A discusso sobre o mercantilismo diz em grande parte respeito ao valor dos argumentos avanados por tericos do sculo XVII. bvio que os temas desses tericos refletiam de certo modo a realidade e que tambm de certo modo, foram concebidos para agir sobre a realidade. Isto verdade para todas as teorias. Mas, no presente contexto, interessam-nos as prticas reais dos Estados da poca, independentemente das suas justificaes ideolgicas. Essas prticas no so exclusivas da poca, foram utilizadas por alguns Estados em quase todos os momentos da histria da economia-mundo capitalista, embora as justificaes ideolgicas tenham variado. No emaranhado de explicaes do mercantilismo, do sculo XVII h dois aspetos deste conceito que virtualmente ningum contesta. O mercantilismo implicava uma poltica estatal de nacionalismo econmico e girava em torno de uma preocupao com a circulao de mercadorias, quer em termos do movimento de metais preciosos quer em termos da criao de equilbrios comerciais (bilaterais ou multilaterais). Quais foram os factos a respeito da verdadeira relao entre lucro e poder a matria do debate tanto entre os homens da poca como entre os especialistas de hoje.Defender que o nacionalismo econmico a poltica estatal do mais fraco contra o mais forte e dos concorrentes uns contra os outros simplesmente aceitar uma ortodoxia. O que neste livro talvez seja um tanto diferente a afirmao de que o xito na concorrncia mercantilista era, em primeiro lugar, funo da eficincia produtiva e que o objetivo de mdio prazo de todas as polticas estatais mercantilistas era o aumento da eficincia global na esfera da produo. A histria tem de comear pelas Provncias Unidas porque, pelo menos durante parte do sculo XVII, este pntano de lama e areia, abandonado desde a Idade do Gelo (Nota 4), com um aparelho de Estado mal construdo e aparentemente ineficaz, foi a potncia hegemnica da economia-mundo capitalista. As Provncias Unidas (ou deveramos dizer a Holanda?) foram a primeira potncia hegemnica depois do fracasso da tentativa de Carlos V para converter a economia-mundo num imprio-mundo. A hegemonia uma condio rara; at hoje, s a Holanda, a Gr-Bretanha e os Estados Unidos foram potncias hegemnicas na economia-mundo capitalista, e cada uma delas manteve-se nessa posio durante um perodo relativamente curto, e a Holanda foi-o menos plausivelmente porque no era, de modo algum, o gigante militar da sua poca.A hegemonia supe mais do que a posio de centro. Pode definir-se como uma situao em que os produtos de um dado Estado do centro so produzidos com tanta eficincia que, so, em todos os aspetos, competitivos mesmo noutros Estados do centro, e, portanto, esse tal dado Estado do centro o principal beneficirio de um mercado mundial inteiramente livre. Obviamente, para tirar vantagem desta superioridade produtiva um tal Estado tem de ser suficientemente forte para impedir ou minimizar as barreiras polticas internas e externas que se queiram opor livre circulao dos fatores de produo; e para preservarem a sua vantagem, uma vez ela assegurada, s foras econmicas dominantes til encorajar certas correntes, movimentos e ideologias intelectuais e culturais. O problema com a hegemonia, como veremos, que ela passageira. Logo que um Estado se torna verdadeiramente hegemnico, comea a decair; pois um Estado deixa de ser hegemnico no porque perca fora (pelo menos nunca antes de decorrido um longo perodo de tempo), mas porque os outros a ganham. Estar no topo termos a certeza de que o futuro no nos pertence, por mais que muito do presente seja nosso; mas, apesar disso, uma sensao doce. O modelo da hegemonia parece maravilhosamente simples. Uma superioridade marcada na eficincia produtiva agro-industrial conduz ao domnio das esferas da distribuio comercial do mercado mundial, com os correspondentes lucros resultantes de se ser o entreposto de boa parte da economia mundial e de se controlar os invisveis os transportes, as comunicaes e os seguros.A primazia comercial conduz por sua vez ao controlo dos sectores financeiros da banca (cmbios, depsitos e crditos) e do investimento (direto e em carteira).Estas superioridades so sucessivas, mas sobrepem-se no tempo. Analogamente, a perda de vantagens parece seguir a mesma ordem (de produtiva a comercial e desta a financeira), e ser tambm sucessiva. Depreende-se daqui, provavelmente, que h s um curto perodo de tempo no qual uma dada potncia do centro pode manifestar simultaneamente uma superioridade produtiva, comercial e financeira sobre todas as outras potncias do centro. Este apogeu momentneo o que chamamos hegemonia. No caso da Holanda, ou das Provncias Unidas, esse momento aconteceu provavelmente entre 1625 e 1675. A eficincia produtiva holandesa consumou-se primeiramente sob a forma historicamente mais antiga da produo de alimentos, neste caso a captura de peixe, especialmente (mas no s) arenque: salgado, a Mina de Ouro Holandesa (Nota 5). As origens desta eficincia encontram-se na inveno, s por volta de 1400, do haringbuis (Nota 6), um barco de pesca cuja razo comprimento/largura oferecia maior capacidade de manobra, maior navegabilidade e maior velocidade sem grandes perdas em espao de carga (Nota 7). As duas grandes vantagens do buis eram que a sua conceo tomava possvel o uso de uma rede de arrasto maior para a pesca do arenque, assinalada pela primeira vez em Hoorn, na Frsia Ocidental, em 1516(Nota 8), e as suas cobertas mais amplas tornavam possvel a cura do pescado a bordo. A nova tecnologia da cura, de extirpar e salgar o peixe imediatamente, desse modo assegurando a sua conservao, tinha sido iniciada no sculo XIII (Nota 9). A criao deste barco-fbrica (Nota 10) tornava possvel o afastamento dos barcos em relao s costas holandesas, permanecendo longe de seis a oito semanas. Os buis transferiam a sua carga para os ventjagers, ou caadores-de-vendas, barcos rpidos que regressavam costa com o produto.Os holandeses no s dominaram realmente a pesca do arenque no Mar do Norte, a chamada Grande Pesca (Nota 12), como se impuseram tambm na pesca do bacalhau na Islndia, bem como na caa baleia em Spitzbergen (Nota 13). As baleias no eram procuradas, de facto, como alimento, mas como produto industrial. Elas forneciam leo de baleia, utilizado para fazer sabo e combustvel para lamparinas, e os ossos, utilizados em ligao com o vesturio (Nota 14). A indstria pesqueira era importante no s por esses vnculos com o futuro mas tambm pelas ligaes ao passado, como seja a confeo de redes, criando uma situao nica na Europa pela proporo da populao relacionada com a pesca, pelo menos tangencialmente (Nota15) No sculo XVII, era irritante (Nota 16) para os ingleses que os holandeses pudessem pescar ao largo da costa inglesa e vender peixe concorrencialmente nos portos ingleses e, sobre esta vantagem, construssem o seu comrcio-me no Bltico. E na poca os ingleses estavam bem conscientes disto. Sir George Downing escrevia a Clarendon em 8 de Julho de 1661: O comrcio do arenque [dos holandeses] a causa do comrcio do sal, e o comrcio do arenque e do sal so as causas de este pas ter, de certo modo, monopolizado totalmente o comrcio do Mar Bltico, j que tm estas volumosas mercadorias para carregarem os seus barcos (Nota 17). Sendo o controlo do comrcio do Bltico precisamente um dos factores que contribuam para a eficincia da construo naval holandesa, os holandeses viram-se por algum tempo na feliz situao do efeito de espiral: o reforo circular da vantagem inicial.Apesar da afirmao de Sir George Downing, o arenque no explica tudo. Os holandeses mostraram igual superioridade na agricultura, a atividade produtiva mais essencial da poca; e esta foi uma realizao prodigiosa, tanto pela amplitude das consequncias (Nota 18) como pela profundidade do esforo, pois do ponto de vista geolgico os Pases Baixos de modo algum so prprios para a cultura de cereais (Nota 19) nem para muitas outras formas de agricultura. Contudo, a fraqueza transformou-se em fora, de duas maneiras. Em primeiro lugar, o processo de extrair gua do campo tendo em vista obter novas terras (os polders) conduziu inveno dos moinhos-de-vento e ao florescimento da engenharia, de modo que em muitos aspectos a Holanda se tornou o centro da era das mquinas de madeira (Nota 20). A construo de polders recuava a 1250, mas o seu ponto alto situou-se entre 1625 e 1675 (Nota 21). Da a ironia infeliz de Andrew Marvell em Character of Holland: Assim, aquele que drena reina entre os afogados. O segundo resultado das difceis condies naturais foi talvez ainda mais importante. A necessidade impeliu os holandeses para uma agricultura intensiva, primeiro por volta de 1300, quando os primeiros tempos duros e os preos baixos agudizaram a inventiva, e mais tarde entre 1620 e 1750, quando se produziu uma maior expanso da agricultura intensiva (Nota 22).Uma vez que o solo era particularmente mau para a agricultura de lavradio (Nota 23), o mais fcil para aumentar a produo foi dedicarem-se ao cultivo de plantas industriais como o linho, o cnhamo, o lpulo, a horticultura, as rvores de fruta, e importantssima produo de corantes vegetais, dos quais, nos sculos XVI e XVII, eram os cultivadores mais avanados do mundo, pouca concorrncia enfrentando (Nota 24). A par da horticultura e das culturas de lavradio deu-se uma expanso considervel da criao de gado (Nota 25), O que tornou possvel esta concentrao nas culturas industriais foi em parte a enorme importao de cereais, o que no era uma questo marginal. De Vries calcula que em meados do sculo XVII metade dos habitantes das provncias da Holanda, Utreque, Frsia e Groningen se alimentavam de cereais importados (Nota 26). O outro fator foi o progresso das tcnicas agrcolas o desaparecimento do pousio (Nota 27), a cultura de forragens com ele relacionada, a plantao em regos e canteiros, a utilizao de ferramentas simples e baratas e os altos rendimentos conseguidos atravs de uma maior utilizao de fertilizantes e de um trabalho cuidadoso em pequenas reas (Nota 28). A sementeira de pastos e o uso sistemtico de fertilizantes permitiram tambm aumentar o nmero de cabeas de gado e a produo de leite (Nota 29). Toda esta agricultura intensiva permitia uma crescente urbanizao e industrializao, e ao mesmo tempo era encorajada por elas. Em meados do sculo XVII, na maior parte das cidades havia homens com licena para recolher detritos industriais [cinzas] e vend-los aos lavradores (Nota 30). No admira que Romano chame ao perodo que vai de 1590 a 1670 o sculo agrcola holands, em comparao com o sculo XVI, o sculo agrcola europeu (Nota 31). A distncia aumentou medida que os holandeses se tornaram cada vez mais eficientes e o resto da Europa permaneceu relativamente estagnado quanto a tcnicas agrcolas.As Provncias Unidas no eram s o principal produtor agrcola da poca; eram ao mesmo tempo o principal produtor industrial. Gastou-se tanta tinta para explicar por que razo a Holanda se no industrializou que tendemos a esquecer o facto de que realmente ela o fez. Charles Wilson insistiu consistentemente neste ponto, o que s o honra, em toda a sua extensa obra sobre os Pases Baixos (Nota 32). O progresso industrial observa-se, em primeiro lugar, nos txteis, o principal sector tradicional. Os Pases Baixos do Norte comearam a beneficiar, a partir da dcada de 1560, com a afluncia de refugiados motivada pela Revoluo Holandesa. A produo txtil tinha o seu centro em Leiden (Nota 33), onde se comearam a fabricar os novos tecidos (sarjas, baetas, chamalotas, fustes, etc.) com que se tornou famosa a Inglaterra. Durante um perodo de cem anos, a produo industrial foi de vento em popa e atingiu um mximo na dcada de 1660. (O ndice calculado para 1664 545, sendo a base 100 referida a 1584 e 108 o valor de 1795) (Nota 34). A produo no s se expandiu quantitativamente como, at dcada de 1660, o principal rival industrial txtil de Leiden, os novos tecidos do East Anglia, tiveram que travar uma batalha muito dura (Nota 35). strm, ao analisar a fonte da supremacia holandesa no comrcio do Bltico no sculo XVII, aponta a eficincia da produo txtil como primeira explicao e o facto de os holandeses serem intermedirios no comrcio de tecidos ingleses (e do sal da Europa do Sul) como segunda (Nota 36) vantagem produtiva a primeira e vantagem comercial a segunda, consequncia da primeira e por ela facilitada.Esta vantagem fica bem demonstrada na histria do projecto do vereador Cockayne, com o qual a Inglaterra procurou dar a volta a uma situao em que os tecidos ingleses eram enviados para a Holanda para serem tingidos e acabados. Em 1614, Jaime I proibiu a exportao de tecidos em cru, e os holandeses, em represlia, proibiram a importao de produtos acabados; ao que Jaime I retorquiu proibindo, mais uma vez, a exportao de l. Foi, como diz Supple, uma partida de gigantes (Nota 37), que fracassou estrondosamente. Ao fim de trs anos, as exportaes inglesas tinham diminudo um tero, e o projeto morreu em 1617. A parada foi muito alta. Wilson calculou que 47% do valor acrescentado estava no processo de tingimento, e este era feito na Holanda (Nota 38). A razo pela qual a Inglaterra no podia ganhar esta aposta salta vista, pois j assinalmos a enorme vantagem de que a Holanda gozava nesta altura na produo de tintos e portanto no custo do tingimento. Na primeira metade do sculo XVII a concorrncia inglesa com as Provncias Unidas no comrcio de tecidos, assim como nas pescas, refletia, por conseguinte, esperanas mercantilistas no satisfeitas (Nota 39).A segunda grande indstria do incio dos tempos modernos era a construo naval, e tambm aqui a primazia das Provncias Unidas conhecida (Nota 40). Menos conhecido, mas essencial para uma anlise clara, o facto de a indstria da construo naval holandesa ser de dimenses modernas, inclinando-se fortemente para mtodos estandardizados e repetitivos (Nota 41). Era altamente mecanizada e utilizava muitos dispositivos para poupar mo-de-obra engenhos de serrar movidos a vento, alimentadores mecnicos para as serras, moites para grandes pesos, grandes gruas para elevar toros pesados que aumentavam a produtividade (Nota 42). As ligaes com um complexo industrial e comercial so evidentes. Havia uma srie de indstrias auxiliares em Amesterdo cordoarias, fbricas de bolachas, fbricas de apetrechos navais, construo de instrumentos nuticos e cartas martimas (Nota 43). Para se construir os barcos era necessria madeira muita madeira. Calculou-se que um navio de guerra gastava 2000 carvalhos que precisavam de um sculo de maturao para que a madeira no rachasse demasiado facilmente; e 2000 carvalhos ocupavam, nessa altura, 50 acres de floresta (Nota 44). Uma fonte importante desta madeira era o Bltico e uma das principais razes pelas quais os holandeses monopolizaram este comrcio foi a sua eficincia na produo txtil. A consequncia disto, evidentemente, era a eficincia na construo naval, a qual, como veremos, foi em grande parte a razo pela qual os holandeses puderam dominar o comrcio mundial. Alm disso, uma vez que as outras indstrias holandesas alm da construo naval eram totalmente dependentes das matrias-primas trazidas por via martima, os barcos tm de ser considerados como um autntico fator de produo (Nota 45). Da que a construo- naval fosse a produo dos meios de produo.Os txteis e a construo naval no foram as nicas indstrias de importncia. A Holanda foi um dos principais centros de refinao de acar, pelo menos at 1660 (Nota 46). Houve uma grande prosperidade nas destilarias, a comear pouco depois de 1600 e prolongando-se por todo o sculo. Outras indstrias eram a do papel, a serrao de madeiras, a produo de livros, uma indstria de tijolos e cal, que iniciou a sua expanso cerca de 1500 e era ainda razoavelmente prspera no sculo XVIII, loua de barro, fbricas de tabaco e de cachimbos, tanoarias de grandes dimenses orientadas para a exportao, especialmente no sculo XVII, cervejarias, que alcanaram o seu ponto culminante em finais do sculo XVII, a produo de leo e sabo, cuja mxima prosperidade ocorreu a meio do sculo XVII, evidentemente uma indstria qumica, cuja primeira funo era produzir tintos (Nota 47), e h que no omitir a indstria de munies. Estimulada pela Guerra dos Oitenta Anos e pela Guerra dos Trinta Anos, a importao de material blico era encorajada pelo governo, e a indstria expandiu-se continuamente. Em finais do sculo XVI existia um vasto comrcio de exportao; por volta de 1600, a estrutura da produo tinha passado das corporaes de artesos para a manufatura e para o sistema de trabalho a domiclio (Nota 48).No que nos cem anos entre 1575 e1675 as Provncias Unidas tenham sobressado em todos os campos industriais ou no tenham tido concorrentes altura; mas se se afirma, como o fazem North e Thomas, que os Pases Baixos foram o primeiro pas a alcanar um crescimento auto-sustentado m, isso deve-se em primeiro lugar ao facto de nenhum outro pas mostrar um complexo de produo agro-industrial to coerente, to coeso e to integrado e isto apesar das complicaes econmicas decorrentes de uma guerra pela independncia que durou oitenta anos (Nota 50). No houve observadores mais cuidadosos da cena holandesa do sculo XVII do que os ingleses. Em 1673, Sir William Temple, o embaixador ingls, publicou as suas Observations upon the United Provinces, nas quais dizia:Creio que a verdadeira origem e base do comrcio so as grandes multides de pessoas apinhadas numa pequena extenso de terra, pelo que encarecem todas as coisas necessrias vida, e todos os homens que tm posses so induzidos parcimnia; mas aqueles que no tm nada de seu so forados indstria e ao trabalho. Os corpos que so vigorosos dedicam-se ao trabalho; os que o no so suprem tal falta com algum tipo de inventiva e gnio. Estes costumes nascem em primeiro lugar da necessidade e crescem com o tempo at se tornarem habituais num pas (Nota 51.)Sir Williams desejava que outro tanto se pudesse dizer dos ingleses. A confirmao desta vitalidade pode ser encontrada nos nmeros do movimento demogrfico e da urbanizao. Sabe-se perfeitamente que houve uma importante migrao, especialmente de artesos e burgueses, do Sul para o Norte dos Pases Baixos, e sobretudo de Anturpia (Nota 52) para Amesterdo e Leiden (Nota 53), em finais do sculo XVI. Em 1622, 60% da populao das Provncias Unidas eram citadinos; e destes, trs quartos habitavam cidades com mais de 10.000 habitantes (Nota 54). A populao de Amesterdo quadruplicou de 50.000 em 1600 para 200.000 em 1650 (Nota 55), e servia de verdadeiro melting pot, transformando flamengos, vales, alemes, judeus portugueses e alemes e huguenotes franceses em verdadeiros holandeses (Nota 56). A maior parte dos escritores concentra-se nos estratos mercantil e arteso dos emigrantes; pelo menos igualmente importante observar o crescimento, especialmente mas no s em Leiden, de uma massa de proletrios urbanos que viviam em tugrios, sendo muitos dos trabalhadores mulheres e crianas. Como diz to adequadamente Jeannin, as tenses e os conflitos tm uma ressonncia moderna (Nota 57). claro que tm, pois que estamos na presena do capitalismo industrial. Em resumo, pode dizer-se que em finais do sculo XVI os Pases Baixos do Norte tinham enveredado firmemente pela via de uma eficincia produtiva que permitiria s Provncias Unidas converterem-se, por volta de 1600, no principal (embora, evidentemente, no o nico) centro de produo da economia-mundo europeia. No sector agrcola, elas especializaram-se em produtos que exigiam uma grande habilidade tcnica e davam lucros elevados (Nota 58), e no sector industrial a Holanda liderava nos txteis e na construo naval, as duas principais indstrias da poca, e desempenhava um papel importante, dominante por vezes, tambm noutras indstrias. Foi na base desta eficincia produtiva que as Provncias Unidas foram capazes de construir a sua rede comercial e estabelecer-se como armazm do mundo (Nota 59). para esta histria bastante mais familiar que nos voltamos agora.A marinha holandesa dominou os transportes comerciais mundiais no sculo XVII, De 1500 a 1700 a sua importncia decuplicou. Em 1670, os holandeses possuam trs vezes a tonelagem dos ingleses e mais do que a tonelagem da Inglaterra, Frana, Portugal, Espanha e Alemanha juntos. A percentagem dos navios construdos por holandeses era ainda maior. A marinha holandesa atingiu o seu ponto culminante, de facto, s na segunda metade do sculo XVII, tendo-se os holandeses aproveitado da guerra civil inglesa para estabelecer um ascendente indiscutvel no sector dos transportes mundiais. Enquanto os navios holandeses transportavam todos os txteis holandeses, os navios ingleses, apesar dos monoplios e das companhias privilegiadas, tinham de partilhai- com os navios holandeses o transporte de txteis ingleses, e na verdade a sua parte em tal atividade era menor (Nota 60). Ainda em 1728 Daniel Defoe se referia aos holandeses como os transportadores do mundo, os intermedirios no comrcio, os agentes e corretores da Europa (Nota 61). O que impressiona nos holandeses do sculo XVII que eles se espalharam por toda a parte (Nota 62) pelas ndias Orientais, Mediterrneo, frica e Carabas, ao mesmo tempo que continuavam a dominar o comrcio do Bltico (Oriental) e aumentavam a sua parte do comrcio na Europa do Noroeste e se apoderavam do comrcio fluvial para o interior do continente.A histria do comrcio das ndias Orientais evidentemente a histria da Vereenigde Oost-Indische Compagnie (VOC). Esta era um modelo de companhia internacional capitalista, em parte empresa especulativa, em parte promotora de investimento a longo prazo, em parte colonizadora (Nota 63). Teve sbios directores em Amesterdo, De Heeren Zeventien, os dezassete senhores, e pr-cnsules difceis de controlar na Batvia, entre os quais se destacou Jan Pieterszoon Coen (Nota 64). Em certa medida os holandeses apoiaram-se no comrcio das ndias Orientais. Quando Anturpia caiu no poder dos espanhis em 1585, o mercado europeu das especiarias transferiu-se para Amesterdo. Mas uma vez que a Espanha tinha anexado Portugal em 1580 e Lisboa era o porto de entrada das especiarias, os holandeses trataram de ultrapassar os espanhis (Nota 65). Por isso, Cornelis de Houtman foi enviado em misso s ndias em 1592, fazendo-se ao mar em 1598 as primeiras frotas comerciais, e por volta de 1602 os Estados Gerais deram carta de privilgio VOC, em parte para conter uma concorrncia ruinosa entre os holandeses, em parte para proporcionar uma sada estvel aos pequenos investidores, em parte para criar uma arma econmica e poltica contra a Espanha, e em parte simplesmente para conseguir mais especiarias do que as que estavam ento disponveis na Europa m.De facto esse era um bom momento para um envolvimento no comrcio martimo das especiarias; o bloqueio mais importante do comrcio por terra atravs do Levante no aconteceu como se diz entre 1450 e 1500, mas antes entre 1590 e 1630 (Nota 67). Era, por conseguinte, uma grande oportunidade, e os holandeses aproveitaram-na. As principais vias de navegao do Oceano ndico mudaram da sua metade Norte (o Mar Vermelho e o Golfo Prsico) para a metade Sul (a rota do Cabo). Os holandeses foram capazes de explorar esta oportunidade porque possuam a tecnologia para isso necessria. Como diz Parry, a vela quadrada imps-se vela latina, o vento do comrcio mono (Nota 68); mas logo que os holandeses se meteram neste comrcio depararam com o problema bsico de todo o comrcio com uma arena exterior. Porque se tratava de um comrcio de artigos de luxo e no de produtos de primeira necessidade, os lucros eram elevados e a concorrncia forte; mas por ser um comrcio de artigos de luxo e no de artigos de primeira necessidade, o mercado era intrinsecamente pequeno e a sua saturao uma possibilidade muito sria Cila e Caribdes (Nota 69). Havia apenas duas maneiras de resolver o dilema. Ou se transformava a natureza do comrcio incorporando as ndias como zona perifrica da economia-mundo capitalista, ou se recorria a um comrcio administrado maneira tradicional do comrcio a longa distncia entre dois imprios mundiais. Que via seguir foi, de facto, o tema da discusso entre Coen e De Heeren Zeventien. Coen, partidrio de uma poltica dura na sia (Nota 70), era pela primeira opo; os seus superiores em Amesterdo pela segunda.Coen dizia que a periferizao das ndias Orientais exigiria uma poltica de colonizao em dois sentidos: estabelecimento de um controlo poltico a fim de refrear potentados asiticos relativamente fortes e reorganizar o sistema de produo, e exportao de uma classe de colonos brancos, tanto para supervisionar a produo agrcola orientada para o mercado como para proporcionar um mercado inicial seguro para outras exportaes europeias que no metais preciosos. Afirmava ele que uma tal poltica era incompatvel com o comrcio administrado e exigia a aplicao de um princpio de mercado. A terminologia em que se discutiu isto muitas vezes referida, um tanto enganosamente, como livre-cmbio contra monoplio (Nota 71); mas na realidade Coen no se opunha monopolizao do mercado pela VOC (mesmo tom um judicioso recurso fora bruta de vez em quando), nem os Heeren Zeventien ignoravam os limites da sua capacidade de restringir o acesso ao seu comrcio administrado em to grandes distncias (Nota 72). A questo era o que fazia mais sentido no curto prazo para os empresrios capitalistas os lucros da explorao ou os lucros da especulao. No imediato, os que eram a favor da especulao ganharam (Nota 73); mas a longo prazo, como mostrmos atrs (Nota 74), os lucros da explorao produtiva so a nica base slida que permite manter a primeira posio na economia-mundo capitalista. No sculo XVIII, as potncias do centro (no apenas os Pases Baixos mas tambm a Gr-Bretanha e a Frana) empreenderam a periferizao da arena do Oceano ndico, que realmente se consolidou depois de 1750 (Nota 75).Seria a poltica da VOC no sculo XVII de vistas curtas (Nota 76), como afirma Masselmann? Penso que no, pois h que ter em ateno as alternativas. Haveria lucros maiores a explorar noutros stios, especialmente numa poca de relativa estagnao global da economia-mundo? A resposta seguramente afirmativa no comrcio com o Leste, na prpria Europa do Noroeste, nas Amricas, e mais ao p da porta. Porqu ento incomodar-se com as ndias Orientais? Perguntamo-nos se o balano global negativo da VOC durante todo sculo no encobrir um processo interno gigantesco de transferncia de rendimentos e de concentrao do capital, nas Provncias Unidas, dos pequenos para os grandes investidores (Nota 77). Se foi isto que aconteceu, pode dizer-se da VOC que funcionou como uma espcie de bolsa, muito til para os que tinham um acesso superior informao, tais como os prprios Heeren Zeventien; mas ento a histria da VOC, pelo menos at finais do sculo XVIII, corresponde mais propriamente ao vetor financeiro da histria do que ao vector comercial e de distribuio. No obstante, a histria da VOC ilustra bem como o domnio numa rea est ligado ao domnio na outra.O comrcio das ndias Orientais ter sido o ramo mais dramtico e mesmo o mais espetacular da expanso comercial holandesa no sculo XVII, mas no o mais importante nem explica por si s a hegemonia holandesa. Foi quando comeavam a ter um papel no Mediterrneo que os comerciantes holandeses apareceram no Oceano ndico. O ponto de viragem parece ter sido pouco depois da trgua hispano-holandesa.de. 1609 (Nota 78). Havia que distinguir todavia duas reas de comrcio. Em primeiro lugar estava o comrcio com o Mediterrneo cristo em geral e com o Norte da Itlia em particular, no qual se tratava de fornecer cereais, uma necessidade crnica mas ento mais escassos ainda na Itlia devido a ms colheitas, epidemias e s ruturas polticas com o Levante, enquanto que ao mesmo tempo a indstria do Norte da Itlia se via minada pela exportao de tecidos para esta antiga zona exportadora de txteis e a marinha veneziana era afastada (Nota 79). Em fins do sculo XVI e princpios do sculo XVII tanto holandeses como ingleses, franceses e hanseticos disputavam entre si o comrcio mediterrnico; mas os holandeses vieram a ficar com a fatia maior, em primeiro lugar devido sua superioridade nas questes tcnicas da conceo naval e da organizao comercial(Nota 80), que lhes davam a dupla vantagem de serem capazes de transportar cereais (e outros produtos) do Norte da Europa para o Mediterrneo e serem os primeiros a garantir os cereais no comrcio com o Leste.Depois de obterem a maior parte do comrcio com o Norte de Itlia, os holandeses estavam em posio de se apoderar tambm de uma grande parte de [uma segunda rea de comrcio, a das] mercadorias caras, acompanhando o seu comrcio com atos de violncia to eficientes como impiedosos (Nota 81). Uma coisa seguia-se outra, pois o comrcio das mercadorias caras no era novo no Mediterrneo. No essencial, os holandeses estavam a assenhorear-se do papel tradicional dos venezianos no comrcio com o Levante. Nesta poca, o Levante estava pronto a importar mais mercadorias autnticas (distintas tanto dos metais preciosos como dos artigos de luxo) do Noroeste da Europa do que as ndias Orientais, mas exportou provavelmente mais artigos de luxo durante o perodo 1600-1750 do que a zona do Oceano ndico, na qual, ao longo desse perodo, houve um aumento das exportaes de ch, caf, tecidos de algodo e outros artigos, que acabaram por se tornar mais artigos de consumo corrente do que artigos de luxo. Faria ento o Levante ainda parte da arena exterior? difcil dizer; a transio para um status perifrico estava a comear, embora tivesse de esperar talvez pelo fim do sculo XVIII para se realizar plenamente.O comrcio atlntico - para o Hemisfrio Ocidental e para a frica Ocidental, seu apndice - aproxima-nos ainda mais do corao da rede comercial holandesa. Muito se falou da diferena entre as duas grandes companhias holandesas, a VOC e a muito mais tardia e menos bem sucedida Companhia das ndias Ocidentais (Nota 82). Por uma razo, a base social de apoio de cada uma era diferente. A VOC (a Companhia das ndias Orientais) era controlada por mercadores de Amesterdo que eram remonstrantes e partidrios da paz (Nota 83). Mas a Companhia das ndias Ocidentais era em grande parte fruto dos esforos dos seus opositores o partido dos orangistas, calvinistas, zelandeses e emigrantes do Sul dos Pases Baixos fixados no Norte , que eram gomaristas, colonizadores e partidrios da guerra (Nota 84). Quando foi fundada, em 3 de Junho de 1621, poucas semanas depois do fim das trguas, entraram na Companhia tambm capitais de Amesterdo; e a ideia de uma empresa missionria-colonizadora viu-se transformada numa instituio corsria (Nota 85). A luta entre os diferentes interesses teve lugar no interior da Companhia das ndias Ocidentais, em grande parte entre os zelandeses, economicamente mais fracos, que contavam com o monoplio da Companhia no corso, e os mercadores de Amesterdo, dispostos a desligar-se dos empresrios de corso holandeses (Nota 86).A Companhia das ndias Ocidentais era pois uma mistura beligerante de comrcio e religio e consequentemente -nos dito uma triste histria de negcios sujos e quase bancarrota (Nota 87). No h dvida que assim ; mas este esforo pretensamente poltico lanou realmente as bases de um pilar central do comrcio capitalista nos sculos XVII e XVIII: o chamado comrcio triangular, que abastecia a Europa com o algodo, o tabaco e o acar, todos eles cultivados, evidentemente, com mo-de-obra escrava africana, mais a prata que a Europa utilizava para obter as especiarias e o ch das ndias Orientais (Nota 88). Os holandeses foram os pioneiros na utilizao desta estrutura, e se os lucros iam em grande parte para os ingleses e os franceses isso devia-se, em primeiro lugar, ao facto de o investimento social inicial ser pesado e precisar de tempo e, em termos contabilsticos, ter sido suportado pelos holandeses, estando os lucros maduros apenas no fim da hegemonia holandesa, na dcada de 1670, altura em que seriam colhidos pelos ingleses (e em certa medida pelos franceses), mais eficientes.O que aconteceu foi simplesmente que aps a fundao da Companhia das ndias Ocidentais, em 1621, os holandeses procuraram expandir-se no Atlntico durante o quartel seguinte. Fundaram Nova Amesterdo, conquistaram o Nordeste do Brasil tomando-o aos portugueses (espanhis), e numa segunda tentativa capturaram Elmina, na frica Ocidental, e depois Luanda, em Angola. Contudo, na primeira guerra anglo-holandesa (1652-1654), os portugueses (agora novamente independentes dos espanhis) reconquistaram o Brasil; e na segunda guerra anglo-holandesa os holandeses perderam Nova Amesterdo e alguns fortes na frica Ocidental. O que foi ento realizado durante este breve perodo correspondente hegemonia mundial holandesa? Em primeiro lugar, os holandeses mantiveram os espanhis ao largo nas Amricas, fornecendo a cortina naval (Nota 89) por detrs da qual os ingleses (mais os escoceses) e os franceses estabeleceram colnias de povoamento. Em segundo lugar, foi lanada a cultura do acar nas Amricas, no Brasil, que, depois da expulso dos holandeses, foi transferida para os Barbados, a primeira grande colnia de plantao inglesa nas Carabas. Em terceiro lugar, os holandeses levaram a cabo o primeiro trfico de escravos a srio, tendo em vista fornecer a fora de trabalho necessria para as plantaes de acar; quando perderam as plantaes, tentaram manter-se em campo como traficantes de escravos, mas por volta de 1675 a primazia holandesa acabou, cedendo o lugar recm-fundada Companhia Real de frica dos ingleses (Nota 90).A poca atlntica dos holandeses deu indubitavelmente uma grande contribuio ao crescimento da economia-mundo europeia; mas que fez ela pelos holandeses? Certamente que no fez tanto como o comrcio do Bltico, que fora j o comrcio-base no sculo XVI, quando os navios holandeses transportavam cerca de 60% do total. No sculo XVII, pelo menos at 1660, os holandeses continuaram a manter o mesmo domnio (Nota91), apesar dos srios esforos dos ingleses para penetrarem no mercado holands. Eis aqui, pois, a prova da supremacia comercial holandesa. Numa arena-chave, onde tanto ingleses como holandeses e na verdade mesmo os franceses (para no falar dos pases do Norte) consideravam o controlo da navegao importante e lucrativo, foram apenas os holandeses que ficaram com a parte de leo (Nota 92). Analisando mais de perto o impacto da estagnao emergente da economia-mundo sobre a concorrncia anglo-holandesa no Bltico, tanto Supple como Hinton explicam a vantagem dos holandeses pelos mesmos dois factores: fretes baratos e controlo de uma oferta suficiente de prata para exportao (Nota 93). Morineau atribui a vantagem dos holandeses tambm sua disponibilidade de comprar mais cereais do que a Companhia do Leste (Nota 94). Talvez a sua capacidade de vender peixe a um preo to baixo que quase constitua dumping tenha tambm desempenhado um papel nesta questo (Nota 95).Ter prata para exportar era uma vantagem conseguida atravs da eficincia produtiva na navegao e nos txteis, que permitia obter prata dos espanhis e de outros. Por que razo era uma vantagem ter prata no comrcio do Bltico? Porque a contrao econmica, juntamente com a Guerra dos Trinta Anos, teve como resultado o que os ingleses designaram por empolamento das moedas (e os alemes por Kipper-und Wipperzeit), que implicava um desvalorizao das moedas fracas em relao prata. O rixdollar, uma moeda de prata transportvel cujo teor de metal se manteve constante, valia 37 groschen em 1600 e 90 por volta de 1630; o seu maior salto, de 45 para 75, ocorreu entre 1618 e 1621. Estas alteraes resultavam de se ter reduzido o teor de prata do groschen ao mesmo tempo que se anunciava uma alterao do seu valor em termos do rixdollar (Nota 96) A questo saber-se porque que este facto teve um efeito sobre os holandeses diferente do que teve sobre os ingleses. Provavelmente tanto uns como outros podiam obter agora no Bltico produtos por um preo menor em prata; mas, para isso, tinha de haver moeda disponvel para exportar, que os holandeses tinham e os ingleses no. Alm disso, quando se produzia uma depresso no comrcio em geral, era menos importante ter importaes baratas do que ter importaes mais baratas.O problema fundamental dos ingleses era que os mercadores holandeses podiam vender mercadorias do Bltico em Inglaterra mais baratas do que os mercadores ingleses (Nota 97). Os mercadores do Leste em Inglaterra pensavam que a soluo poderia ser conseguirem autorizao para reexportarem os cereais do Bltico para o Mediterrneo, como faziam os holandeses; mas tropearam com a enrgica oposio dos mercadores de trigo ingleses, que conseguiram manter a proibio da exportao de cereais sempre que o preo fosse superior a um dado mnimo, com medo de que os cereais ingleses no fossem suficientemente competitivos internacionalmente (Nota 98). Em resultado disso, os ingleses no conseguiam obter no Mediterrneo a prata que poderiam ter utilizado para tirar vantagem dos preos baixos do Bltico, que, por sua vez, lhes teriam permitido obter os produtos com que conseguiriam mais prata, e assim sucessivamente. A desvalorizao no Bltico era, pois, mais lucrativa para os holandeses do que para os ingleses em termos do domnio do comrcio do Bltico e, por conseguinte, do comrcio mediterrnico; e ela permitiu tambm aos holandeses comearem a disputar aos mercadores ingleses o comrcio na prpria Inglaterra (Nota 99).O elemento final deste quadro o comrcio fluvial interior, que pertencera a Anturpia at Revolta dos Pases Baixos. Quando os holandeses fecharam o rio Escalda, o comrcio passou para Amesterdo, depois do que havia duas maneiras pelas quais poderia ter regressado uma vez mais a Anturpia: pela extenso das Provncias Unidas de modo a incluir Anturpia ou pela paz e pelo livre-cmbio. A primeira nunca aconteceu. Smit suspeita que, apesar dos proclamados objetivos das Provncias Unidas (e das verdadeiras intenes dos orangistas e dos calvinistas), o fracasso se deveu falta de esforos nesse sentido: A Holanda no queria uma restituio das provncias do Sul, com o risco inerente de o comrcio poder fugir outra vez para uma Anturpia livre(Nota 100). Quando finalmente se fez a paz em 1648, incluram-se no tratado impostos elevadssimos sobre todo o comrcio que passasse os esturios do Escalda em direco a Anturpia (Nota 101). Tanto esforo poltico era consequncia da importncia do comrcio de entreposto em geral; poder-se-ia pensar que em 1648 Amesterdo se teria sentido segura contra um ressurgimento de Anturpia, mas havia um artigo essencial, necessrio produo, com o qual no se podiam correr quaisquer riscos: a turfa. Extrada originariamente para Anturpia e para o mercado do Brabante, tinha sido reorientada depois da dcada de 1570 para a rea ente os rios Ij e Mosa, na provncia da Holanda. A utilizao da turfa foi fundamental para a eficincia das indstrias urbanas da Holanda e teve um impacto na economia comparvel ao do carvo na Europa do sculo XIX (Nota 102). Alm disso, o comrcio fluvial transportava detritos urbanos na outra direco, o que ajudou a assegurar os rendimentos extremamente elevados da agricultura cerealfera holandesa (Nota 103).A partir da dcada de 1580, uma rede de servios regulares num sistema de canais aperfeioado unia entre si as cidades da Holanda bem como estas com o hinterland das outras provncias e o Brabante com centro na Holanda. Iniciado em 1632, produziu-se um novo progresso tecnolgico com a construo do primeiro trekvaart, um canal rectilneo com uma estrada lateral, para rebocar, sirga, os barcos de passageiros, o que exigia muito capital (Nota 104).Os construtores navais holandeses criaram embarcaes que eram capazes de distribuir e reunir cargas ao longo de rios e lagos em pouco tempo (Nota 105). E o resultado foi a mais eficiente rede de transportes internos da Europa, que atingiu o mximo de trfego na dcada de 1660. Se reunirmos todas as peas, podemos concluir que as rotas comerciais mais longnquas as ndias Orientais, o Levante, e mesmo o Mediterrneo cristo e o comrcio atlntico foram certamente importantes; mas eram secundrias. A chave da hegemonia comercial holandesa na economia-mundo europeia desde a dcada de 1620 (talvez j desde a de 1590) at dcada de 1660 continuou a ser o antigo comrcio entre a Europa Setentrional e Ocidental (Nota 106); e a razo pela qual os holandeses puderam alcanar a supremacia comercial teve a ver com a sua anterior eficincia agro-industrial. Esta converteu-se em eficincia comercial principalmente com os preos dos fretes, os custos dos seguros e os gastos gerais.Por que razo eram to baratos os fretes holandeses? O principal factor era o baixo custo da construo naval. Parry enumera seis vantagens no que respeita a custos: habilidade dos mestres construtores holandeses, economia na utilizao de materiais, aparelhos que, poupavam mo-de-obra, produo estandardizada em grande escala, compra de materiais em grande escala, transporte barato dos materiais de construo em barcos holandeses (Nota 107). O resultado era um custo global de produo que ainda em meados do sculo XVII era 40-50% mais baixo do que na Inglaterra, o seu mais prximo concorrente (Nota 108). Destas vantagens, as trs primeiras podem ser vistas como o avano tecnolgico dos holandeses, e as trs seguintes como a vantagem cumulativa de estar frente nas outras trs. Alm de serem construdos mais economicamente, os barcos holandeses eram construdos de modo a exigirem uma tripulao menor normalmente 18 homens, em vez dos 26-30 utilizados nos barcos de outros pases (Nota 109). Isto permitia que os holandeses alimentassem bem as suas tripulaes, talvez melhor do que quaisquer outros (Nota 110), com o que de presumir obtinham uma produtividade mais alta a troco de um dispndio salarial mais baixo. A produtividade mais alta era visvel tanto no porto como no mar alto. A maior durabilidade e maior velocidade dos navios holandeses devia-se tanto manuteno regular (Nota 111) como ao seu desenho. Alm disso, o facto de os navios holandeses serem mais limpos, mais baratos e mais seguros (Nota 112) tinha um efeito em espiral: fretes mais baratos levavam ao controlo do comrcio do Bltico, que por sua vez significava madeira mais barata, que conduzia a custos mais baixos na construo naval, que por sua vez permitia fretes mais baratos. Os navios mais limpos, mais baratos e mais seguros significavam tambm um aumento do total de viagens, o que tornava possvel ter seguros mais baratos em parte em funo da escala, em parte resultado de uma estrutura financeira mais eficiente (Nota 113), que analisaremos resumidamente. Os custos mais baixos dos seguros so tambm cumulativos; conduzem a fretes mais baixos, que conduzem a aumentos da escala e da capacidade de realizao de transaces, que levam a custos mais baixos dos seguros.Se a base do comrcio [holands] era a navegao (Nota 114), os maiores lucros eram conseguidos atravs da comercializao e do armazenamento (Nota 115) no grande entreposto que era Amesterdo, cuja prosperidade se devia superioridade da organizao comercial holandesa. Heckscher diz que a maior peculiaridade dos Pases Baixos no sculo XVII era a sua capacidade (...) de avanar com organizaes comerciais mais reduzidas e mais simples em comparao com as de outras naes (Nota 116). Mas que significava isto? Em primeiro lugar, significava a colectivizao das poupanas por meio do sistema das sociedades comerciais (Nota 117), que, evidentemente, no foram uma criao dos holandeses; mas estes alargaram-no at incluir, juntamente com uma reduzida aristocracia comercial, um vasto nmero de mercadores mais pequenos (Nota 118). Em segundo lugar, significava a criao de um sistema de stocks que reduzia consideravelmente os riscos do mercador, especialmente dada a sua organizao monopolstica, e que reduzia tambm a dependncia do mercado de matrias-primas da flutuao da oferta (e dos custos), no impedindo que ao mesmo tempo os comerciantes realizassem lucros especulativos sobre as vendas (Nota 119). Em terceiro lugar significava uma rede de agentes comissionistas que encontravam clientes para o produtor, obtendo mercadorias consignao e recebendo uma comisso sobre a factura paga pelo comprador (Nota 120). Deste modo se desenvolveu o comrcio de entreposto holands ao ritmo da navegao holandesa, produto tambm da sua eficincia industrial (Nota 121). Mais uma vez deparamos com o efeito de espiral: a fora do comrcio de entreposto holands tendia a arruinar a navegao inglesa. E, evidentemente, o entreposto criava um grande volume de postos de trabalho estveis (Nota 122), que, especialmente no sculo XVII, mantiveram a procura interna de produtos holandeses.Mostrmos j que as vantagens dos holandeses na economia-mundo foram, por esta ordem, a produtiva, a distributiva, a financeira. Se o primeiro termo da sequncia controverso, o segundo um lugar-comum; mas apresentado frequentemente como um tanto vergonhoso, como a transformao do nobre, asctico empresrio (comercial) num usurrio ignbil, amante do luxo, a traio da tica protestante na prpria Sio, a explicao da razo pela qual a Holanda foi expulsa do Paraso. Nos ltimos anos tem havido uma saudvel reaco contra tal disparate, mas eu desejo ir mais longe. O pendor para a finana no um sinal de declnio e muito menos de decadncia; o facto de a Bolsa de Amesterdo poder ser considerada a Wall Street do sculo XVII (Nota 123) , na realidade, um sinal de fora capitalista. Donde dimanava tal fora? Ela era o resultado de trs passos sucessivos: um, a fora produtiva e comercial na economia-mundo criou a base para umas finanas pblicas slidas. Dois, slidas finanas pblicas, combinadas com uma rede comercial escala mundial, permitiram a Amesterdo tornar-se o centro do sistema de pagamentos e do mercado de divisas internacional, especialmente dada a recesso da economia-mundo e, portanto, a instabilidade monetria. Trs, a fora produtiva e comercial, combinada com o controlo do mercado monetrio internacional, permitiram a exportao do capital holands, fonte das remessas que permitiam aos holandeses viverem de um excedente produtivo muito superior ao que eles prprios criavam, e at muito tempo depois da poca dos seus prprios grandes contributos produtivos.Numa economia-mundo cuja expanso abrandara, o facto de as Provncias Unidas serem sempre solventes (Nota 124) e a principal excepo, no sculo XVII, triste sucesso de faltas de pagamento (Nota 125) tanto causa como efeito de uma hegemonia econmica global. efeito na medida em que as vantagens comerciais nos fretes e nos seguros martimos bastavam para criar um superavit na balana de pagamentos (Nota 126; e causa porque a reputao de ter umas finanas slidas permitia ao governo holands obter emprstimos mais baratos (Nota 127), pois a excelncia do crdito do Estado holands explicava uma boa parte dos [seus] xitos militares (Nota 128) e porque este facto podia, por conseguinte, atrair, como local de depsito seguro, os fluxos financeiros suficientes para permitir que as Provncias Unidas tivessem uma moeda sobrevalorizada. Esta ltima vantagem significava que as Provncias Unidas podiam compensar um dfice das contas correntes com os afluxos financeiros (Nota 129). Finanas slidas so todavia apenas um dos requisitos prvios do nvel de confiana capitalista: necessria a um fluxo real de operaes financeiras. Finanas slidas permitem operaes de crdito de grandes dimenses a juros baixos e tornam possveis lucros globais elevados a partir de pequenos rditos por cada operao financeira.Em 1609, o ano das trguas, foi fundado o Wisselbank van Amsterdam, que rapidamente se tornou o grande centro de depsito e cmbio europeu, pois proporcionava uma segurana e uma comodidade raras nos anais da banca do sculo XVII. Ao longo do sculo os depsitos subiram de menos de 1 milho a mais de 16 milhes de florins (Nota 130), e ele tornar-se-ia o local de retiro para os proprietrios de capitais que temiam pela segurana da sua riqueza (Nota 131). Uma vez depositados metais preciosos e moeda suficientes, Amesterdo detinha a chave, por assim dizer, do sistema de pagamentos internacionais da Europa (Nota 132). Com os seus cofres bem cheios, Amesterdo desenvolveu um sistema de letras de cmbio que permitiu a expanso dos pagamentos multilaterais. Levou tempo, evidentemente, a desenvolver a confiana e os fluxos; mas em 1660, o mais tardar, Amesterdo desempenhava um papel indiscutido como centro de um sistema de pagamentos multilateral, e continuaria a desempenh-lo at: 1710, pelo menos (Nota 133). No que diz respeito s restries exportao de metais preciosos, as Provncias Unidas foram a grande excepo entre os Estados na era do mercantilismo: os metais preciosos podiam sair das Provncias Unidas quase com a mesma facilidade com que entravam. E precisamente esta a razo pela qual entravam em to grande quantidade (Nota 134) e, claro, uma tal poltica s era possvel quando os metais preciosos realmente afluam. O fenmeno, como tantos outros, produziu-se em espiral, cada acto contribuindo para tornar mais possvel o seguinte, at se atingir, por fim, um mximo.A solidez dos depsitos e dos cmbios tornou possvel uma funo creditcia que, no caso do Wisselbank, comeou em 1683. Primeiro fizeram-se adiantamentos aos depositantes e mais tarde crditos de aceitao, operaes no vinculadas j s funes de entreposto de Amesterdo e, essencialmente, de crdito a operaes em centros distantes (Nota 135). Os holandeses desenvolveram um crdito baseado em depsitos especficos que era singularmente estvel porque os custos da substituio de um carregamento de metais preciosos por letras de cmbio em qualquer moeda desejada eram muito reduzidos (Nota 136), uma vez que o Wisselbank era precisamente o armazm de tais metais preciosos. Finalmente, a estabilidade da moeda holandesa fez com que as suas moedas comerciais (negotiepenningen), tanto de prata como de ouro, fossem de uma tal qualidade garantida que se tornaram a unidade preferida no comrcio mundial, fazendo mossa mesmo aos reales de ocho espanhis (Nota 137). Os fluxos financeiros, por sua vez, criaram e mantiveram taxas de juro baixas, o que atraiu novos fluxos. Na Holanda, a taxa de juro decaiu para menos de metade ao longo do sculo XVII, forando a baixa das taxas na Inglaterra, na Frana e mesmo na Sucia; mas estas ltimas nunca baixaram o suficiente para concorrerem eficazmente (Nota 138). Baixas taxas de juro, por sua vez, conduzem-nos ao tema dos investimentos, a outra fonte de lucros financeiros. Sendo simultaneamente o principal mercado monetrio e o entreposto comercial principal da Europa, Amesterdo estava em condies de baixar significativamente os custos d explorao, negociao e aplicao do capital emprestado e fomentar desse modo o investimento em geral (Nota 139). Sendo a sociedade tecnologicamente mais avanada da poca, as Provncias Unidas podiam tambm exportar as suas tecnologias, outra fonte que assegurava a entrada de fluxos financeiros (Nota 140).A expanso do investimento no pas e no estrangeiro foi rentvel para os capitalistas holandeses e favoreceu a balana de pagamentos do Estado; mas ter favorecido a economia global do Estado? Nos ltimos anos tem-se desenrolado um curioso debate, com ressonncias mercantilistas, sugerindo que o declnio dos holandeses se deveu de algum modo colocao de investimentos fora das Provncias Unidas, especialmente na Inglaterra. Isto negligenciar o facto de que a preocupao do investidor maximizar os lucros, no apoiar o Estado (Nota 141). Voltaremos a falar disto ao discutirmos o desenvolvimento das finanas inglesas. De momento, contentemo-nos em lembrar, com Van Dillen, que a criao de capital era de grande importncia (...) para a posio econmica e poltica da Repblica. Baste-nos pensar na aquisio de aliados por meio de subsdios (Nota 142), uma forma de investimento do Estado que reforava o dos particulares. Na verdade, no podemos concluir esta histria da hegemonia: holandesa sem olharmos directamente para o papel do Estado. As Provncias Unidas parecem: ter sido a grande excepo predominncia da ideologia mercantilista no sculo XVII. Deste facto muitos tiram a curiosa concluso de que o Estado holands era fraco. Parece-me que o contrrio que verdadeiro: no sculo XVII, o Estado holands foi o nico Estado da Europa com fora interna e externa suficiente para reduzir ao mnimo a sua necessidade de utilizar polticas mercantilistas.Passemos em revista, rapidamente, a natureza da-ideologia e das prticas para considerarmos em seguida essa fora interna e externa das Provncias Unidas. Em momentos anteriores da sua histria, Amesterdo seguira, evidentemente, uma linha vigorosamente protecionista (Nota 143), que, ao nvel das cidades, no desapareceu completamente mesmo no sculo XVII(Nota 144). Alm disso, eram muitos os que levantavam objeces falta de proteccionismo ao nvel da federao. Com o decorrer do sculo, os sectores agro-industriais perderam a sua vantagem e clamaram por tarifas aduaneiras, embora com xito limitado (Nota 145). Os Estados Gerais tambm no mostraram estar acima da retaliao aduaneira nas suas lutas com os ingleses e os franceses (Nota 146). O papel do Estado era claro em assuntos que no a proteco; ele criava as condies para o xito da iniciativa privada. Logo que nos Pases Baixos houve um governo autnomo, as pescas passaram a ser a principal preocupao do governo (Nota 147). A fim de controlar a qualidade, Guilherme de Orange convocou em 1575 os representantes de cinco portos pesqueiros e atravs de uma srie de leis, de 1580 a 1582, criou uma organizao colegial para controlar a indstria do arenque (Nota 148). Ainda mais importante foi a criao da Companhia Holandesa das ndias Orientais, que foi em grande parte uma resposta anarquia do mercado livre mundial de produtos coloniais e ao dumping que se seguiu. Stols afirmou que a sua importncia foi a interveno do Estado no comrcio e nas economias e que a criao das duas Companhias quase podia chamar-se uma nacionalizao avant la lettre, uma forma de procurar unir um mercado at ento internacional num nico monoplio nacional (Nota 149).O Estado holands defendia os interesses dos seus empresrios e pouco se importava com a consistncia ideolgica dessa atitude. A ideologia da hegemonia holandesa era a do mare libe rum, muito convincentemente expressa por Grotius no seu livro publicado em 1609, o ano das trguas. No entanto, como Sir George Downing escrevia amargamente a Lord Clarendon em 20 de Novembro de 1663: mare liberum nos mares britnicos mas mare clausum na costa de frica e nas ndias Orientais (Nota 150). Nisto nada h de surpreendente (Nota 151). As Provncias Unidas eram a potncia dominante e o liberalismo acomoda-se bem com as economias dominantes (Nota 152); mas sempre que o liberalismo choca com a possibilidade de uma dominncia continuada, o mais provvel no durar. Esta a razo pela qual a estrutura descentralizada liberal do Estado holands pode ser tomada como um indicador de fora e no de riqueza. No que as estruturas descentralizadas sejam sempre um sinal de fora. Numa zona perifrica como a Polnia, a ascenso das dietas locais e dos reizinhos era um sinal de periferizao. Na potncia hegemnica, contudo, uma tal estrutura sinal de fora em relao a outras potncias centrais, que tm de aumentar precisamente a sua centralizao administrativa para tentarem superai- a vantagem econmica da potncia hegemnica.Qual era a estrutura das Provncias Unidas? Os pormenores mudaram desde o tempo da Unio de Utreque em 1579 at ao tempo da queda do Estado descentralizado com a criao da Repblica da Batvia em 1795; mas a realidade de cada uma das variaes sucessivas, no era muito diferente. J em 1576, sete Estados (ou provncias) Gelderland; Holanda, Zelndia, Utreque, Frsia, Overijssel e Groningen tinham concordado em enviar delegados aos Estados Gerais. Nestes, cada Estado tinha um voto e as decises tinham que ser unnimes. Havia, alm disso, um rgo executivo bastante fraco chamado Conselhojie Estado. A marinha, que era a instituio militar chave, estava sob a direco din de cinco - colgios do Almirantado. O Estado mais importante, a Holanda, tinha tambm uma complicada estrutura governamental; o seu principal corpo legislativo, os Estados da Holanda, era composto por 18 representantes das vrias cidades e por um representante de toda a nobreza. No existia monarca nas Provncias Unidas. O seu equivalente mais prximo era o Stadholder, um funcionrio provincial. Os prncipes de Orange eram, por costume, os Stadholders de vrias provncias (mas no de todas) simultaneamente, excepto, evidentemente, nos dois perodos sem Stadholder. Seria difcil conceber uma estrutura aparentemente menos capaz de funcionar eficientemente ou simplesmente mesmo de funcionar de todo.Na realidade funcionava bastante bem, embora no sem frices e violncias. (A nvel individual, poucos acontecimentos dessa poca se comparam com o linchamento de Johan de Witt, em Haia, em 1672, ano conhecido na histria holandesa como o ano do desastre). Contudo, Se compararmos as dissenses internas das Provncias Unidas com as da Inglaterra e da Frana, nenhum analista razovel pode deixar de ver que os Pases Baixos foram menos turbulentos que os outros dois; as divises internas dos estratos superiores no dilaceraram tanto a sociedade e as camadas inferiores eram menos rebeldes. Para o explicar devemos ter em ateno antes do mais que a estrutura formal do governo ocultava (ainda que s ligeiramente) outra estrutura real. Financeiramente, a Holanda pagava quase 60% dos gastos do governo e Amesterdo metade dessa quantia. O principal funcionrio administrativo a nvel provincial era o Advogado do Pas. O cargo foi rebaptizado com o nome de Pensionrio do Conselho (e chamado Grande Pensionrio pelos estrangeiros), e este funcionrio passou a ser praticamente o primeiro-ministro das Provncias Unidas como um todo e agia como presidente nos perodos sem Stadholder (Nota 153).O poder deste funcionrio derivava do facto de os Estados Gerais e os Estados da Holanda se reunirem no mesmo edifcio de Haia, da continuidade proporcionada pela prtica excepcional de o Grande Pensionrio ter assento nos Estados Gerais anos seguidos, do facto de a Holanda ser o corao econmico e cultural de toda a actividade holandesa e do controlo por Amesterdo das importaes de cereais, que alimentavam quase metade da populao (Nota 154). Se havia alguma dvida quanto proeminncia de Amesterdo no incio do sculo XVII, ela desapareceria completamente no primeiro perodo sem Stadholder de 1650-1672: quando o ascendente da Holanda se tornou o cimento que aglutinou o Estado e quando a poltica externa foi subordinada aos interesses do comrcio (Nota 155), como corresponde a uma potncia hegemnica. Amesterdo pagou a factura, e especialmente neste perodo ela sentiu-se autorizada a dar o tom (Nota 156). Porque haveria ento de se preocupar em centralizar o Estado se tinha o que queria sem isso? Aquilo a que Renier, e depois dele Wilson, chamou a ditadura social da classe mdia alta (Nota 157) foi sem dvida aproveitado ocasionalmente pelos seus adversrios internos Contra-Remonstrantes versus Remonstrantes, Orangistas versus Loevesteiners; e talvez tenha sido minada por um lento processo de aristocratizao (Nota 158), embora os interesses do estrato dirigente nunca tenham sido realmente ameaados pelos seus pares socialmente mais conservadores. Como assinala correctamente Kossmann: Os prncipes de Orange raramente estiveram dispostos a impor-se plutocracia holandesa e nunca foram capazes de o fazer (Nota159).Esse estrato tambm no foi nunca realmente ameaado por baixo; os seus membros pagavam o preo da paz social. O bem-estar social holands, e o de Amesterdo em particular, suscitava a admirao sem reservas dos visitantes estrangeiros, que talvez no se apercebessem de que uma boa parte do dinheiro provinha das propriedades confiscadas Igreja Catlica Romana (Nota 160). No importa. Outros pases tambm confiscaram propriedades Igreja nos sculos XVII e XVIII sem terem protegido to amplamente os pobres (Nota 161). No deveramos iludir-nos com a realidade social do Estado de bem-estar holands. Os lucros globais do capitalismo holands mal beneficiaram a maioria do povo. Os salrios reais, que quando muito subiram ligeiramente no incio, decaram com o decorrer do sculo (Nota 162); a prosperidade nacional andou de mos dadas com a maior pobreza entre muitos grupos de trabalhadores, e cerca de metade da populao de Amesterdo vivia em ptios traseiros, caves e socos imundos (Nota 163).Como era possvel que apesar de tudo houvesse uma relativa paz social? Um importante factor foi que para algumas pessoas a diminuio dos rendimentos reais era contrabalanada pelas prestaes sociais, que eram mais altas que em qualquer outro dos Estados do centro (Nota 164). Um segundo factor foi que a reputao de Amesterdo pelos seus benefcios fez desta cidade a estrela polar dos desempregados e subempregados dos pases vizinhos. Este segredo seria redescoberto em poca posterior por Nova Iorque. Uma vez generalizada a crena de que as ruas de Amesterdo estavam calcetadas a ouro (Nota 165), os trabalhadores emigravam de todos os lados o que bastava para piorar a situao laboral dos trabalhadores residentes na cidade da luz, fazendo-com que os que tinham mais migalhas que os outros se apegassem a elas e que cada emigrante se concentrasse nas possibilidades de promoo individual. Tudo quanto era preciso era poder, prosperidade, uma pequena dose de liberalidade e um soupon de mobilidade social em resumo, a poltica social tpica de uma potncia hegemnica.A fora dentro do pas era confrontada com a fora no exterior. Na primeira metade do sculo XVII a frota holandesa dominava os mares na medida em que possvel uma frota dominar os mares (Nota 166). A Espanha, evidentemente, tinha sido a potncia naval dominante anterior. Os holandeses tinham ajudado os ingleses a pr fim invencibilidade da Espanha em 1588; contudo, em 1600, o poder naval espanhol continuava a ser mais forte do que o de ingleses e holandeses juntos (Nota 167). Vitrias navais sucessivas mudaram tudo. A cortina naval das Carabas, atrs mencionada, recolheu ao porto em 1634, quando os holandeses tomaram Curaao. Em 1645, a frota holandesa ganhou o controlo do estreito de Sunda pela primeira vez (Nota 168). Assim, tal como o grande terico do poder naval Almirante Mahan escreveu, as Provncias Unidas deviam o seu poder e considerao sua riqueza e s suas frotas (Nota 169). Este poder foi sem dvida disputado no perodo entre 1651 e 1678, no auge da hegemonia holandesa; e aquando das guerras de finais do sculo XVII a Holanda tinha-se tornado uma potncia militar de segunda ordem em comparao com a Frana e a Inglaterra. Mas esta foi precisamente a consequncia da hegemonia econmica holandesa. Em meados do sculo XVII chegou-se a uma situao em que as vantagens econmicas acumuladas pareciam to impossveis de ser superadas que tanto a Inglaterra como a Frana decidiram que os holandeses tm de ser corridos fora deste campo (Nota 170). claro que, mesmo em termos puramente econmicos, a hegemonia no pode durar muito num sistema capitalista; mas no se pode censurar os ingleses e os franceses por se sentirem irritados. Afirmamos, ento, que o Estado foi um instrumento essencial utilizado pela burguesia holandesa para consolidar uma hegemonia econmica que tinha ganho originariamente na esfera da produo e depois alargara ao comrcio e finana. Os Estados das potncias concorrentes do centro e da semiperiferia seriam igualmente instrumentos essenciais no processo de destruio ulterior dessa hegemonia.E quanto esfera cultural? No havia lugar para as ideias, os valores, a cincia, a arte, a religio, a linguagem, a paixo e a cor? Claro que havia, pois as culturas so a forma com que as pessoas vestem os seus interesses e impulsos econmico-polticos a fim de os expressar, esconder, alargar no espao e no tempo e preservar a sua memria. As nossas culturas so as nossas vidas, o nosso foro mais ntimo mas tambm o nosso foro mais exterior, as nossas individualidades pessoais e colectivas. Como poderia no haver uma expresso cultural da hegemonia? Tal expresso no seria em todos os casos uma dominncia cultural. As potncias do centro dominam frequentemente as reas perifricas impondo s pessoas um sentido de inferioridade em relao sua prpria cultura; inverosmil contudo que uma potncia hegemnica pudesse ser capaz de fazer o mesmo com outras potncias centrais. Quando muito, no ltimo caso, a cultura de uma potncia hegemnica pode servir de modelo (Nota 171), especialmente de modelo tecnolgico; mas as culturas so precisamente arenas onde h resistncia hegemonia, onde se fazem apelos aos valores histricos das civilizaes estabelecidas contra as superioridades temporrias do mercado. Isto verdade hoje e no era menos verdade no sculo XVII.Por outro lado, as potncias hegemnicas tendem a brilhar culturalmente e os seus crticos muitas vezes mais no fazem do que dizer que as uvas esto verdes. Acima de tudo elas tm a necessidade material e os meios materiais para serem cientificamente produtivas, e tal produtividade reflecte-se nas artes. Em segundo lugar, a poltica do liberalismo, alimentadora de uma exploso cultural, e tanto mais quanto a poltica de portas abertas resultante conduz frequentemente afluncia de personalidades culturais de todo o lado. Em terceiro lugar, a riqueza engendra o luxo, que se alimenta de artefactos culturais mesmo quando debilita a base material da prpria riqueza. bvio que a cincia aplicada tinha uma importncia central para a Holanda. Os progressos tecnolgicos dos sculos anteriores foram precisamente um dos factores-chave da eficincia agro-industrial holandesa. Na verdade, no sculo XVII os holandeses estiveram ocupados em exportar tecnologia, e j mencionmos esta transferncia como fonte de afluxos financeiros. Ela era tambm, evidentemente, um sinal de impacto cultural. Em todo o mundo europeu, na Inglaterra, na Frana, na Itlia, na Dinamarca, na Prssia, na Polnia, havia holanderias, aldeias de emigrantes holandeses a trabalhar em diques e trabalhos de irrigao (Nota 172). Como exportavam as suas tcnicas agrcolas, os holandeses investiram muita energia no aperfeioamento da sua tecnologia naval procurando reduzir os custos, especialmente com o aperfeioamento das tcnicas de navegao (Nota 173).Ao descrever como os soberanos ingleses encorajavam artesos especializados holandeses a imigrar para a Inglaterra entre 1669 e 1750, Clark diz que uma razo por que os holandeses vieram foi a de que no seu pas eles enfrentavam uma feroz concorrncia dos seus pares, dificilmente comparvel com as oportunidades mais fceis de um pas atrasado como a Inglaterra. Pois se dava o caso, no sculo XVII, de que por mais obscuro que seja o emprego, se exige engenho (...) no nos surpreende encontrarmos nele um holands (Nota 174). Nem to-pouco nos surpreende, se pensarmos nisso, que existissem ligaes especiais com a Esccia. Os vnculos comerciais eram reforados pelas afinidades religiosas, tendo como resultado que geraes de escoceses iam receber educao nas universidades dos Pases Baixos. Este outro elo da cadeia que explica o Iluminismo escocs de finais do sculo XVIII, ele mesmo um factor decisivo no arranque industrial britnico. O progresso cientfico no est dependente da liberdade intelectual; mas esta certamente um modo de o alimentar, e um modo inerente s potncias hegemnicas. Um paradoxo curioso, no entanto, que o liberalismo intelectual tem sempre um lado perigoso, e muito especialmente a nvel interno. A sua lgica pode no respeitar compromissos polticos entre faces dos estratos dirigentes; as suas divisas podem encorajar os estratos inferiores rebelio. Assim que as potncias hegemnicas encorajam a cultura da liberdade ao mesmo tempo que a restringem, indicando os seus limites (especialmente a nvel interno), ao erigirem barreiras ideolgicas intransponveis, tendo em vista colher as vantagens econmicas e polticas dos interesses dominantes sem suportar as consequncias.Vejamos o que isto significou para as Provncias Unidas. Por um lado, a Holanda era um refgio para os filsofos (Nota 176) incluindo Descartes, Espinosa e Locke, as trs grandes luminrias do pensamento do sculo XVII. Descartes encontrou na Holanda uma tranquilidade e segurana que lhe tinham faltado em Frana. Espinosa foi empurrado, por excomunho, do Jodenbreestraat, o bairro dos judeus sefarditas, para os bairros mais amistosos dos burgueses holandeses. Locke procurou refgio contra a ira de Jaime II at poca feliz em que um holands se sentou no trono da Inglaterra. Com certeza que houve muitos mais intelectuais perseguidos, como Comenius, Jurieu e Bayle, que abenoaram a existncia de Amesterdo e Roterdo (Nota 177). Foi sem dvida uma terra de exlio para os huguenotes franceses; mas os holandeses eram liberais e acolhiam bem tanto huguenotes como jansenistas, puritanos, realistas e whigs, e mesmo socinianos polacos. Todos beneficiavam do axioma comercial holands: Proibir o menos possvel, aceitar contributos de todo o lado (Nota 178). Esta atitude no representa por parte dos holandeses simplesmente um apreo gratuito pela alta cultura; ela era um bom negcio, e para todos os envolvidos. Por um lado, a Holanda atraa intelectuais com as suas elevadas remuneraes e boas condies de trabalho (Nota 179) a fuga de crebros no uma inveno recente (Nota 180). Por outro lado, a liberdade das mltiplas oposies nacionais da economia-mundo europeia para imprimirem quanto quisessem na Holanda (Nota 181) significava que os governantes se aproveitavam das vantagens econmicas derivadas da venda de livros e panfletos (Nota 182); assim, o meio alternativo e providencial de expresso (Nota 183) de uns era o ganho comercial de outros.Havia contudo tambm a outra face desta moeda. Em 1592, precisamente quando a transio das Provncias Unidas para a condio de potncia mundial comeou, estalou a primeira controvrsia arminiana. Nos gloriosos dias da teologia protestante, quando tudo era graa e salvao, Jacobus Arminhas quis arrancar o ramo mais espinhoso da lgica calvinista, a paralogia (Nota 184) ou psicologia da predestinao, a doutrina da reprovao positiva. Arminius rejeitava a tese de que a graa salvao, tese defendida pelo seu principal opositor, Franois Gomar. Em alternativa propunha que a graa o requisito prvio indispensvel salvao, o necessrio instrumento da salvao. Isto pode parecer, aos olhos ofuscados do sculo XX, uma distino mesquinha, mas conduziu maior discusso teolgica do sculo XVII na Holanda e provavelmente na Europa crist (Nota 185). Apesar do forte apoio que os arminianos pareciam ter ao princpio em crculos econmicos e polticos da Holanda, foi um debate que perderam no curto prazo quando, no Snodo de Dordrecht, em 1619, os contra-remonstrantes (gomaristas) levaram a melhor sobre os remonstrantes (arminianos) e conseguiram que estes fossem expulsos do Estado. Os arminianos no perderam realmente no longo prazo, evidentemente. a que reside o mago da questo.Que estava ento em jogo? Segundo o historiador holands G. J. Renier, a formulao arminiana significava que um indivduo podia opor-se graa ou perd-la, e assim um fragmento da liberdade e da dignidade humana era preservado pelos remonstrantes. Eles eram os verdadeiros filhos do humanismo. Talvez, mas quem defendia o humanismo (Nota 186)? Os arminianos eram nitidamente uma minoria social, embora poderosa, porque a sua base poltica era produto das suas ligaes sociais com os mercadores-patrcios (Nota 187). Do outro lado estavam os predikants puritanos ortodoxos, de extraco social modesta e apoiados pela pequena burguesia nos consistrios e pelas multides excitadas nas cidades, com o apoio do prncipe Maurcio e do campo orangista (Nota 188). Os gomaristas acusavam os amiinianos de serem brandos com o catolicismo, e isto talvez tenha trazido aos arminianos um certo apoio tcito dos catlicos; ms os catlicos eram oprimidos, e como pertenciam aos estratos mais baixos da sociedade (Nota 189) pouco podiam oferecer, quanto a fora poltica.Esta localizao dos grupos sociais nos dois campos um tanto grosseira, mas no inexacta. O que nos diz ela acerca do significado da discusso? Em primeiro lugar temos que ver por que razo a discusso se voltou contra os arminianos. A segunda controvrsia arminiana comeou em 1602 e atingiu o auge em 1608. A segunda discusso causou muito mais alvoroo do que a primeira, embora tanto os protagonistas como os pontos teolgicos de frico fossem idnticos. O que mudara fora a situao poltica. Entre o campo, partidrio da continuao da guerra e o campo partidrio do armistcio estava ento em discusso o que viria ser a trgua de 1609. O primeiro campo englobava os orangistas, que desejavam reforar mais o htii-Stadholder e rodear-se de glria; os proselitistas protestantes, que esperavam ainda incorporar o Sul dos Pases Baixos e extirpar o catolicismo; alguns mercadores, cujos lucros provinham do corso; e segmentos das camadas populares, atrados por oportunismo e xenofobia. O campo das trguas era liderado pelo Advogado da Holanda, Johan van Oldenbarneveit, que falava por todos os que tinham conscincia das possibilidades de hegemonia. O ponto de vista destes seria resumido mais tarde no mesmo sculo por William Bareel, que escreveu ao sucessor moral de Oldenbarneveit, Jacob de Witt, em 18 de Dezembro de 1654: A melhor mxima e o melhor desejo possveis para a Repblica soberana parecem-me ser Paz nos nossos dias e Paz em todo o mundo, j que o nosso comrcio a todo o mundo se estende (Nota 190).A 30 de Outubro de 1608, quando a discusso poltica sobre as trguas estava no seu ponto mais quente (Nota 191), Arminius tornou pblica a sua Declarao de Sentimentos. As duas discusses tornaram-se inextricavelmente ligadas. Oldenbarneveit conseguiu as suas trguas mas Gomaras iria conseguir o seu Snodo de Dordrecht. Eram umas o preo do outro? seguramente verdade, como sugere Boxer, que a classe governante foi capaz de impedir que os zelotas calvinistas sacrificassem o ganho devoo. Dado que a sua atitude para com a tolerncia religiosa era essencialmente militarista e interesseira (Nota 192), uns quantos arminianos lanados oportunamente s feras poderiam parecer um preo razovel se no para Oldenbarneveit (executado em 1619, o ano do Snodo de Dordrecht), pelo menos para outros da sua classe social (Nota 193). Esta conjura particularmente dramtica um cenrio familiar do sistema mundial moderno. A tolerncia cultural tinha os seus limites, e particularmente os seus limites internos. No se lhe podia permitir que espalhasse a subverso. Nem sequer se lhe podia permitir que criasse uma diviso profunda entre os estratos dominantes. Descartes e Locke foram bem-vindos, mas Grotius foi condenado a priso perptua. As principais obras de Espinosa foram proibidas e o prprio Espinosa foi sujeito a um exlio interno, embora lhe fosse concedido viver e escrever; e quando morreu, o seu funeral foi acompanhado por seis carruagens e um grande nmero de pessoas abastadas (Nota 194). Isto no simples liberalismo, mas antes liberalidade.Em 1618 um veneziano observava que Amesterdo era a imagem ao espelho dos antigos dias de Veneza (Nota 195). Por volta de 1672 tinha decorrido o tempo de uma vida. O fruto da hegemonia o declnio, mas o processo no to doloroso como se poderia pensar porque s muito depois do seu apogeu que pode ser apreendido. Nos sculos posteriores, podemos discutir sobre o momento em que se iniciou a decadncia. Na altura, contudo, tanto os ingleses como os franceses e tambm os holandeses viam a Holanda como a vanguarda, e pelo menos at 1763, se no at Revoluo Francesa, era muito satisfatrio materialmente, e sem dvida tambm moralmente, ser-se um burgus holands. A decadncia s como ascenso pode ser analisada, ascenso de outros no quadro da eficincia e dos lucros. Para levar mais longe a nossa anlise dos limites da hegemonia, devemos deixar esta exposio holandocntrica e passar discusso dos desenvolvimentos e das inter-relaes paralelos entre as Provncias Unidas, a Inglaterra e a Frana.A situao comeou a mudar em meados do sculo. A Guerra dos Trinta Anos acabou; a Guerra dos Oitenta Anos acabou. As Provncias Unidas comearam finalmente a sentir as pontadas da contraco econmica, que os outros Estados tinham estado a sentir desde h 30 ou 50 anos. A Guerra Civil Inglesa tinha acabado ainda no se extinguira mas j no ardia. O longo sculo de lutas intestinas em Frana tinha, precisamente, acabado. As batalhas entre reformadores e contra-reformadores, entre a verso puritana e a verso proto-liberal (ou tolerante) do cristianismo, foram publicamente refreadas e em boa parte privatizadas. Os Estados voltavam a respirar, e a administrao pblica podia comear a ser a preocupao central dos governantes (Nota 196).Em certo sentido, passamos de uma poca em que as clivagens eram primordialmente mfra-estatais, a interiorizao das guerras e da poltica europeias depois de Cateau-Cambrsis, para uma poca em que as clivagens voltam a ser principalmente n