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A Herdeira de Persefone

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 A herdeira de Persefone

A  herdeira de 

Jen Bastian

P erséfone

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A herdeira de

Jen Bastian

P erséfone

Passo Fundo

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Capítulo umDaniel

O sol brilhava intensamente naquela tardede domingo. As pessoas da Rua das Hortênciassentavam-se à sombra das árvores em frente às suascasas numa tentativa, frustrada, de se refrescaremcom a escassa brisa do dia. Defronte à casa denúmero 15, porém, não havia ninguém além de umvira-latas deitado sob os galhos de uma primavera.Mas apesar do desaparente movimento da casa,qualquer um que se aproximasse teria os ouvidosimediatamente inundados pelo som ritmado deum baixo elétrico, tocado por uma das moradoras,Julianne Manzo.

Juli, como era conhecida, tinha uma bandade rock e por isso sempre tocava aquele instrumen-to; gostava de saber qualquer coisa que lhe pedis-

sem em um show, desde que estivesse dentro dorepertório. Dona de um ânimo invejável, acreditavaque devia extrair o máximo de emoção da vida;viver o presente. Tinha muitos amigos e adoravafazer festas. Toda vez que havia uma em que podiair, lá estava ela.

O som do instrumento parou. Juli vericou orelógio no pulso e percebeu que era hora de ensaio.Vestiu-se rapidamente num estilo punk, guardou obaixo na capa e saiu. Desceu a escada acarpeta-da de marrom e parou diante da porta de acesso

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ao pátio frontal. – TCHAU PRA VOCÊS! – Berrou ela para o apa-

rente vazio que a cercava. – TCHAU QUERIDA, BOM ENSAIO! – Uma vozfeminina respondeu.

 – ARRASE LÁ! – Uma voz masculina manifestou-se.

Julianne sorriu e saiu.Os ensaios da sua banda “Vortex” aconte-

ciam na casa da guitarrista, porque foi o melhor 

lugar encontrado, o único onde os vizinhos nãoreclamavam.

A casa de Ana Paula, a guitarrista, tinha doisandares e um belo jardim. Quando Juli chegou lá,as garotas já a esperavam na garagem, sentadascom folhas na mão.

 – Que bom que chegou, Juli!– Ana Paula dis-

se enquanto lhe entregava uma folha. – É a novamúsica da banda. Foi a Deise que fez! Aprendapra gente poder tocar agora.

 – Ok. – Disse Juli.Tão logo Julianne aprendera a partitura da

música, a banda começou a tocar.Tok, tok!Batidas na porta zeram-se ouvir num intervalo

entre uma e outra música. – Entre! – Gritou Ana Paula.A porta foi aberta e um garoto de cabelos

castanhos entrou, inclinando-se para não bater acabeça na porta semiaberta da garagem.

  – Daniel! – Ana sorriu radiante e correu aoencontro do garoto. – Nossa! Quanto tempo!

 – Pois é! Eu tava passando por aqui e decidifazer uma visitinha. Não tô atrapalhando, tô? – Per-guntou dirigindo-se às demais garotas.

 – Não. – As meninas responderam em coro.

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 – Puxa uma cadeira e senta. Assiste o ensaio.Depois a gente vê o que faz. – Sugeriu Ana.

 – Ei! – Bradou Deise. – Você não vai nos apre-sentar seu amigo não? – Eu ia fazer isso exatamente agora: Daniel,

estas são minhas amigas! – Apontou Deise, umagarota de quinze anos e cabelos vermelhos mecha-dos de roxo; Verônica, jovem de cabelos louros ecurtos, vestindo uma regata vermelha e segurandoum par de baquetas, e apontou Juli, a baixista. – 

Fez uma breve pausa em que olhou do rapaz paraas garotas:

 – Este é meu primo, Daniel Goularth.O rapaz cumprimentou-as com um sorriso

que parecia saído de uma propaganda de cremedental.

Feitas as apresentações, o ensaio recomeçou.

Por algum motivo Julianne se sentiu envergo-nhada por ter aquele rapaz lhe observando. Con-tudo, entre conversas e músicas, o ensaio acabousendo divertido.

 – O que vocês acham da gente sair agora? – Perguntou Ana depois de todos os instrumentosterem sido guardados. – Podemos tomar sorvete oucomer alguma coisa.

 – Beleza! – Foi rápido Daniel. – Tá, pode ser. – Deise e Verônica concorda-

ram.Julianne, animada como sempre, prontamen-

te, dispôs-se a participar. E saíram, todos no carro deDaniel, rumo a uma sorveteria no centro da cidade.

Lá predominava o aroma natural de vários

sorvetes, sem contar que o lugar era bacana ebem decorado. Juli não podia negar seu víciodesde pequena: sorvetes. Nem imaginava quantodinheiro sua mãe gastara com vacas-pretas, cole-

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giais, sundays...Acomodados à mesa, eles conversaram ani-

madamente e Juli estava adorando a companhiadaquele rapaz. – ... E quando eu vi, ele tinha arremessado a

guitarra longe! O cara parecia louco! – FinalizouDaniel e todos riram.

  – E o que aconteceu com ele? – Verônicaperguntou com interesse.

 – Não tive escolha. Expulsei-o da banda! Ou

você acha que eu ia deixar uma coisa daquelasse repetir?

 – E se vocês tivessem conversado com ele etentado saber o que estava acontecendo?

 – Tentamos fazer isso no primeiro ensaio emque ele teve o mesmo chilique. – Replicou Daniel.

 – Nada cou claro. Ele não quis que soubéssemos

se tinha alguma coisa errada. O pior é que a nossabanda só ganhou o festival por causa daquelaatitude que os punks julgaram radical. O coitadodeve ter se aborrecido ao ver a entrevista no jornal.

 – Pensei que eles avaliassem a banda comoum todo nesses festivais. – Falou Deise.

 – E é mesmo assim. O fato é que o pessoal,quero dizer, os jurados pareciam ter medo dos

punks. Acho que todos sabem o quanto algunspodem se tornar violentos.

 – E o que vocês zeram? Anal a música eradele, não? – Perguntou Ana Paula.

Daniel assentiu com a cabeça. – Pedimos pra ele voltar, mas não quis. Não

sei o porquê. Talvez pela falta da guitarra. Sei lá.

 – Nossa! Que história! – Disse Deise com a bocacheia de sorvete de morango.Assim, o tempo foi passando, entre conversas

e risos, e Juli parecia mais calada do que o normal.

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 – Onde você mora? – Daniel perguntou a Juli,  já nas despedidas, antes de ela sair do carro em

frente à casa de Ana Paula. – A três quadras daqui. – Ela respondeu e olhoupara as amigas defronte à porta da garagem. Sen-tiu que estavam imaginando coisas.

 – Se quiser, te dou uma carona.Juli aceitou imediatamente. Era uma oportu-

nidade de não carregar seu equipamento de voltapara casa.

 – Depois você me conta tudo. – Disse Ana emvoz baixa para que o primo não escutasse.

 – Ah, vai dormir Ana. – E entrou rindo no carrodo rapaz.

 – Você toca muito bem, sabia? – Falou Daniel.  – Valeu. – Disse Julianne, sentindo seu rosto

esquentar. Deu uma olhadela para o rapaz e com-

pletou meio tímida: – Anos de treino.Daniel tinha vinte anos, cabelos pretos e cur-tos. Seus olhos verdes reetiam a luz dos postes queentrava, alternadamente, pelos vidros do carro.

Com as mãos xas na capa do baixo, Juliannecomeçou a tamborilar os dedos. Normalmente nãose sentia intimidada diante de rapazes, mas aqueletinha feito alguma coisa mudar em seu interior.

 – O que aconteceu? – Perguntou Daniel aoperceber a mudança na expressão facial dela.

 – Quê? – Juli sobressaltou-se no banco. – Nada.Não foi nada, por quê?

 – Ah, sei lá. Você parece pouco à vontade. – É ali. – Juli apontou para uma casa de dois

andares. – Minha casa é aquela.

Daniel parou e desceu para abrir o porta-malas e lhe alcançar a caixa de som. – Obrigada pela carona.No momento em apanhou a caixa, sua mão

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tocou na dele e ela sentiu seu rosto queimar instan-taneamente, com a certeza de que estava verme-

lha como um tomate maduro. Daniel percebeu esorriu discretamente. – Qual é o problema? Eu não mordo. – Disse

num tom debochado que fez com que Juli se sen-tisse bem idiota.

 – Eu sei que não. Claro que não, é que... não...bem.... – Julianne gaguejava. – O que estava acon-tecendo com ela? Por que aquele rapaz estava lhe

deixando tão nervosa?Por algum motivo, encarar a ponta do tênis

all star parecia ser a melhor coisa a fazer. Ela per-cebeu que Daniel dera um passo à frente e tratoude recuar.

 – Não fuja. Eu só vou morder se você quiser...Percebi seus olhares e todo esse nervosismo... Rela-

 xa! – Disse o garoto. – E, além disso, você tambémdeve ter notado alguma coisa em mim, quer dizer,não acho que seja burra e eu... eu não fui nenhumpouco discreto. Fiquei do seu lado na sorveteria,deixei que se sentasse ao meu lado no carro etrouxe você para casa! Isso deve signicar algumacoisa, não acha?

 – Podia ter feito isso por qualquer uma. – Disse

Juli. Ela não sabia exatamente como agir, mas que-ria adiar o momento seguinte. Sentiu seu coraçãoacelerar.

Daniel a encarou. – Deve ou pelo menos deveria ter notado que

eu queria car sozinho com você.Bam!

Aquilo fez Julianne explodir por dentro.Daniel se aproximou um pouco mais. – Olha, é melhor não... você é primo da Ana

e eu n...

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Julianne não conseguiu terminar aquela frase.Agora estava tão próxima de Daniel que podia ver 

até as manchinhas na sua pele. Os lábios dele to-cando lentamente nos dela. Uma ação tão comumque fez Julianne pegar fogo por dentro e o pior detudo é que ela estava gostando. Nunca tinha sen-tido aquilo antes, pra dizer a verdade, nunca haviacado com alguém.

O rosto de Daniel afastou-se do dela e ele es-tava sorrindo. Em sua face, um misto de deboche

e realização, mas, de repente caiu desacordadoaos pés de Juli, que se desesperou e correu paradentro de casa. Chamou os pais e os três voltaramrapidamente ao local onde estava o garoto desa-cordado.

 – O que aconteceu? – Perguntou o pai de Juli. – Eu não sei. Estávamos conversando e...

  – E quem é ele? – Perguntou o homem, jáagachado ao lado do corpo do rapaz. – É primo de Ana Paula.  – Sandra ajude-me a levá-lo pra dentro e

você, Juli, ligue para o hospital e peça para man-darem uma ambulância depressa.

A garota assentiu e foi imediatamente fazer oque o pai lhe pedira.

***

 – Eles já vão mandar alguém. – Disse ela as-sim que pôs o fone no gancho. – O que será queaconteceu com ele? Quer dizer, estava bem háum segundo!

  – Isso só saberemos quando examinarem orapaz. – Disse o pai.Julianne sentou-se no sofá oposto àquele

onde estava o garoto desacordado. Olhou-o com

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ternura, pois fora o dono de seu primeiro beijo. De-sejou que não fosse nada grave.

A ambulância chegou. – Juli, você dá um jeito de avisar a família dasua amiga. Eu vou com ele ao hospital. – Disse o sr.Manzo e adentrou a parte traseira do veículo, ondehaviam posto o rapaz.

Julianne observou a ambulância se afastar e, em seguida, saiu correndo para a casa de Ana.Aquelas três quadras nunca pareceram tão longas.

 – Oi Juli. Entra aí. – Disse Ana quando abriu aporta e a enxergou.

Ofegante, Julianne entrou e, tão logo recu-perou o fôlego, contou o que tinha acontecidocom o rapaz.

 – Meu pai está com ele no hospital agora. – 

Disse por m. – Nossa, que estranho, como pode ser? – Anaestava chocada. – Vou avisar a mãe dele. Ela vaicar preocupada, pois é o único lho dela.

No outro dia, depois da noite mal dormida,Juli foi ao hospital para saber como Daniel estava.Logo na recepção sentiu-se desconfortável pelaquantia de pessoas moribundas. A atendente lhe

informou que o jovem estava no quarto 118 e ela,logo, dirigiu-se para lá. Bateu levemente na portae foi atendida por uma mulher de cabelos pretose curtos com expressão cansada.

 – Pode entrar. Daniel parece meio distante,mas acho que vai gostar de vê-la se é amiga dele.

É claro que Juli não se atreveu a contar que o

garoto estava com ela quando cou daquele jeito.Temia que lhe zesse alguma pergunta para a qualnão soubesse dar uma resposta.

O rapaz encontrava-se recostado nos tra-

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Capítulo doisO sonho

Julianne não sabia o que tinha acontecidoa Daniel, assim como Ana Paula, que imaginavamil doenças para o primo. Ela dissera palavras deânimo para Juli, mas esta não se sentia animável.Pensou até que teria algum tipo de repelente derapazes, pois o garoto revelou tanto interesse por ela e de repente... nem queria mais vê-la? Teriasido fácil de mais?

A vida de Julianne mudou. Ela não se sentiamais a mesma, tornando-se sempre indisposta parafazer qualquer coisa, e o pessoal de sua bandapercebeu isso. As batidas de Juli no baixo, agora,saíam sem sentimento. Apenas técnica.

 – Ouça Juli. – Começou Ana Paula, após umensaio, quando as demais meninas tinham ido em-bora. – Não foi sua culpa. Não tem como ser. Meuprimo é que um mané.

  – Tá. – Disse Julianne, mas não acreditavanaquilo.

Quando estivera no hospital e observara osolhos de Daniel enquanto gritava a esmo, sentiuque tinha alguma coisa muito diferente com ele.Era como se não fosse a mesma pessoa.

 – Você não sabe o que os médicos disseramsobre o estado de saúde do seu primo? – Juli per-guntou com interesse.

 – Não sei muito, mas escutei minha tia falar 

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que ele tá com algum transtorno mental. – O quê? Como assim? Ele tava muito bem

antes de desmaiar. – Vai saber o que aconteceu naquela cabeçalouca ao cair no chão.

 – Bem, eu já vou indo. Quero fazer umas coisasem casa.

Dito isso, Julianne apanhou o baixo e a caixae saiu sem pressa.

A noite estava agradável lá fora. Estrelas pra-

teadas pontilhavam o escuro do céu, grilos faziamseus “cri cris” e as cigarras acompanhavam. Tudotranqüilo. Andando sem ânimo, Juli lamentava-sepor seu azar. Por que quando nalmente tinha seinteressado por um rapaz, este tinha que ser pan-cada da cabeça? Olhou para trás rapidamente,pois teve a impressão de ter sentido alguém, mas

não havia nada, nem mesmo um cachorro.A brisa noturna se fez notar mais intensa. Roça-va a pele do rosto de Julianne como uma mão queacaricia a pele carente. Novamente a sensaçãode que estava sendo seguida. Apressou o passo.

Em casa, dirigiu-se ao seu quarto. Era o melhor lugar da casa, na sua opinião. Simples, mas acon-chegante com todos os pôsteres nas paredes, as

roupas jogadas descuidadamente sobre um sofávelho, o armário com portas presas por elásticos,porque não se mantinham fechadas sozinhas, e asroupas de cama bagunçadas, da maneira que ti-nha deixado de manhã. Escorou o baixo na paredepróxima do guarda-roupa e jogou-se, desanimada,na cama. Sentia, no fundo de sua alma, que deve-

ria haver uma explicação para o que aconteceracom Daniel. Não entendia nada de medicina,mas imaginava que as coisas não acontecessemdaquela maneira.

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 – Isso não pode ter acontecido do nada. – Dis-se para si mesma. – Bem, talvez ele já tivesse alguma

coisa mesmo. Mas por que justamente naquelemomento, depois de eu tê-lo beijado?Aquele pensamento não saía de sua mente.

Torturava-a. Fechava os olhos para dormir, mas osono não ajudava. Debatia-se de um lado para ooutro uma porção de vezes.

 Andava por uma estradinha de terra ladeada

por mato ralo e poucas árvores secas cujos galhostinham aspecto monstruoso. O céu estava nubladoe havia poucas pombas voando em círculo. Ela nãoconhecia aquele lugar. Nunca estivera ali antes.

 Avistou um pequeno cemitério próximo a uma igre- jinha de madeira branca com apenas uma torre.

 Adentrou pelo pequeno portão de madeira

do cemitério e começou a andar por entre os pou-cos túmulos. Apenas seis ou sete. Seus pés estavamdescalços e cobertos por aquilo que parecia abarra de um vestido branco e desado. Passou a

mão numa lápide e olhou a fotograa oval preta

e branca de um homem de bigode e cabelo re-partido ao meio. Sentiu a aspereza do concreto,enquanto sua mão deslizava por ele. Aproximou-sede outro túmulo, onde observou a fotograa, tam-bém oval, de uma mulher, cuja roupa apresentavagola bufada. Os cabelos eram claros e com franja.Observou a escritura sob a foto: Rosalva Ferreira de

 Manzo 1901-1932 “Que Deus possa recebê-la a seu

lado e livrá-la dos demônios recebidos na Terra”

Arf, arf, arfJulianne sentou-se abruptamente na cama.

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Ofegante e suada. Que sonho estranho! Pensou. Medonho! Ainda meio aturdida, deitou-se e tentou

dormir. Outra vez não conseguia. Remexeu-se nacama várias vezes até que o cansaço a venceu.Na manhã seguinte acordou lembrando do

sonho. Nem se percebeu fazendo a higiene e to-mando café.

 – Querida, se não se apressar vai se atrasar para o trabalho. – A voz da sra. Manzo a fez voltar à realidade.

 – Ih, verdade! – Disse a garota e levantou-serapidamente. – Nem vi que já era tão tarde!

Julianne saiu apressada e entrou no primei-ro ônibus que passou. Tão distraída que estava,quase esqueceu a parada onde desembarcava.Sentindo-se anormalmente cansada, caminhoucom pressa até o escritório onde trabalhava.

 – Bom dia. – Disse aos colegas quando aden-trou no lugar. – Dia. – Eles responderam em coro e sem des-

viar seus olhares dos computadores.Julianne logo deu início às suas tarefas de

contabilidade. – Sim, ela cursava a faculdade decontabilidade na universidade local, mas, apenasporque era a única que pai podia pagar e a que

considerava digna para lhe garantir o futuro. Con-tudo, Juli não gostava do negócio. Sentia que havianascido para fazer música. Essa era a sua paixão!

Por mais que tentasse se concentrar nas tare-fas rotineiras, a única coisa que Julianne conseguiaescrever nos papéis era o nome “Rosalva Ferreira deManzo”. O último sobrenome era igual ao seu, será

que teriam alguma ligação? Poderia essa Rosalvaser uma parente distante? – Os relatórios estão prontos, Julianne? – A voz

de uma mulher se fez ouvir.

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A garota mexeu-se agitadamente na cadeiraalmofadada.

 – Quase. – Respondeu.A mulher elegante de cabelos louros que, ago-ra, estava parada diante da garota era Helena, amanda chuva do lugar. Por algum motivo, os olhosdela bateram nos papéis sobre a mesa de Juli.

 – Quem é? – Perguntou. – A pessoa do nome. – Explicou ao perceber que Julianne parecia nãoter entendido.

 – Não sei. – Respondeu a garota sinceramen-te. – Vi esse nome num sonho, escrito numa lápidede concreto.

 – Uau! – Balbuciou a mulher e aproximou-se,ainda, mais da mesa da garota, inclinando-se so-bre ela e lhe ofertando um pequeno cartão. – Nãoconte a ninguém o que vou lhe dizer, mas acho que

deveria procurar o Centro. Quando alguém sonhacom gente morta, pode signicar alguma coisa. – A senhora acha mesmo? Pode ter sido só

um sonho. – Juli. Juli... Juli... minha cara, se fosse simples-

mente um sonho, os papéis desta mesa não esta-riam cheios do nome dessa mulher.

Julianne pensou por um segundo. O que a

chefe lhe dissera fazia sentido. Nunca, antes, vira-setão envolvida por um sonho.

 – Termine os relatórios, sim? – Disse Helena. – Epense no que eu lhe disse – virou-se e se afastou.

Durante todo o caminho de volta para casa,Julianne pensou no que a chefe dissera. Deveriamesmo ir até esse Centro? O que poderia alguém

que ela não conhece ter para lhe dizer a respeitode um sonho particular? E como saber se o ditotinha algum fundo de verdade?

Julianne chegou em casa e, depois de um

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breve e silencioso jantar, foi se deitar. Continuoucom aqueles pensamentos na cabeça. Parecia que

nada mais interessava. Enquanto o sono não vinha,analisava aquele pequeno cartão que a chefe lhedera. Allkardie era o que estava escrito com letrasdouradas Av. Mascarenha, sem número. Deveriamesmo procurar aquele lugar?

O sono não demorou a alcançar Juli e nova-mente ela se viu andando por aquele cemitério.Olhou os dois túmulos e aproximou-se da igrejinha

cuja porta estava entreaberta e entrou cautelo-  samente. Oito bancos de madeira organizadosem duas leiras, um pequeno altar sem qualquer imagem e um caixão com o corpo de uma mulher.Receosa, Julianne foi até lá. Queria saber quem eraa mulher. Olhou-a. Tinha cabelos claros, o que possi-bilitou à garota reconhecê-la. Tratava-se da mulher 

da foto no túmulo lá fora e que, agora, seguravauma cruz, aparentemente prateada, sobre o peito.Uma brisa soprou e a escuridão inundou o interior da igrejinha. Julianne agora estava envolvida peloque parecia ser um grande nada.

 – Hahahahahahaha! – Uma risada alta e es-trondosa se fez ouvir às costas da garota.

 Julianne virou-se rapidamente. – Quem está aí? – Perguntou. A escuridão dissipou-se e Juli estava deitada

no caixão ao lado do da mulher. – Hahahahaha! – A gargalhada se fez ouvir 

outra vez. Juli tentou se mexer, mas não conseguiu. Co-

meçou a se desesperar, pessoas surgiram e lacra-

 ram o caixão. O ar começou a faltar-lhe e...

Abriu os olhos, levantando-se rápido. Por instin-to, apanhou os óculos que estavam sobre o criado

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mudo. Olhou para todos os lados e reconheceu queestava em seu quarto. Uma luz fraca, vinda da rua,

entrava pelo vidro da janela, formando sombras nosoalho. Sentiu-se mais tranquila e tornou a tirar osóculos. Fora um sonho apenas...

 

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 – Bom.Julianne jantou rapidamente, indo, em segui-

da, para o quarto. Guardou o baixo e jogou-se nacama. Acho que tô cando paranóica com essahistória toda. Pensou enquanto lembrava-se do quesentira momentos antes.

 – Abgailll.... Abgailll...Julianne escutou claramente uma voz femini-

na suave e arrastada. – Abgailll....

A voz parecia próxima de seus ouvidos. Elalevantou-se e espiou pela janela. Contudo, para oaumento de seu desespero, não havia movimentona rua.

 – Abgail!Juli sentiu o coração disparar, mas esforçou-se

para se controlar. Não havia motivos para que ela

se preocupasse, já que não se chamava Abgail.A noite não foi boa. O chamado prolongou-sedurante horas, impedindo que a garota dormisse.Então, na manhã seguinte, ela decidiu-se em pro-curar o centro indicado por sua chefe.

Como Juli não trabalhava aos sábados, saiulogo após o almoço. Chegando ao endereço in-dicado no pequeno cartão, deparou-se com um

prédio de dois andares. Estudou-o por um momento:paredes ocre e aberturas marrons, no térreo haviauma grande porta central e duas janelas quadri-culadas, uma de cada lado. No andar superior,nenhuma abertura aparente. Será que devo entrar? Pensou receosa, mas como viera até ali... começoua andar rumo ao grande portal.

O interior do prédio não era impressionante.Havia apenas um extenso balcão, algumas cadei-ras próximas e poucos quadros de belas paisagensdispostos nas paredes.

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onde devem ir. Uma vez que saem dessa esfera nãopodem retornar sem autorização dos responsáveis

pela manutenção da mesma. Se car mais fácilpode pensar que é onde cam os fantasmas.As dúvidas não paravam de nascer dentro

da cabeça de Juli. Ia começar a perguntar, masfoi interrompida.

 – Me chamo Carlos Magno. – Julianne Manzo. – Certo, Julianne. Se você veio até aqui, é por 

que deve ter algum problema relacionado comespíritos.

Uma mulher de cabelos pretos, usando umvestido verde até os tornozelos, apareceu à portaao fundo do corredor.

 – Álvaro Soares. – Ela chamou.Juli não saberia dizer o que aconteceu depois

disso, mas imaginou que um dos fantasmas foi atéa mulher e acompanhou-a através da porta.Percebendo o interesse da garota, Carlos lhe

explicou: – Quando uma pessoa morre, o espírito dela se

desliga do corpo, da carne. Só que esse espírito, namaioria das vezes, não sabe que rumo deve tomar.

 – Se vai pro Céu ou pro Inferno? – Perguntou

Juli. Ela tinha crescido escutando aquela históriaclássica de que quando as pessoas morrem, Deusas julga, decidindo se vão para o Céu ou para o In-ferno, de acordo com o peso de seus atos na Terra.

 – De modo algum. – Disse o homem. – Isso émuito extremista. Como Deus poderia deixar umde seus espíritos viver a eternidade num lugar de

onde, por mais que se arrependesse de seus pe-cados, não pudesse sair? Todos os espíritos vêm àTerra para evoluir. Essa é a verdade. O peso de seusatos conta bastante, mas se não forem dominados

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pela maldade, o lugar para onde irão se parecemuito com o em que já estavam. – Ele olhou mais

seriamente para a garota. – Os espíritos que estãoaqui querem apenas saber o lugar para onde vão.Sabe? Centros ou associações onde médiuns intera-gem com espíritos têm, entre outros, esse propósito.

 – Então são vocês que dizem pra onde elesvão? Mas como sabem? Como podem garantir que indicarão o lugar errado?

Carlos Magno escorou-se no balcão.

 – Isso é muito complicado para eu lhe explicar agora, mas entenda que temos acesso a certos ar-quivos, os quais nos fornecem o material necessáriopara tanto.

Novamente a porta se abriu. Outra mulher apareceu.

 – César Thitoth. – Ela chamou e sorriu para o

nada antes de tornar a fechar a porta. – Mas me diga minha jovem, por que veio atéaqui?

Julianne fechou sua boca, que até entãoestava entreaberta pela admiração.

 – Na verdade não tenho certeza de que pos-sam me ajudar, mas... O fato é que há algum tempotenho tido sonhos com gente morta e ontem à noite

escutei vozes... uma voz apenas. – Hum. – Fez o homem num sinal de entendi-

mento. – Pra mim, sonhos não passam disso, mas quei

assustada com a voz. Ela não chamava o meunome, mas pude sentir que estava perto de mim.

 – Muito bem, Julianne. Acompanhe-me para

que possamos conversar mais tranquilamente. Por ali. – Disse o homem e indicou a porta pela qual asmulheres apareciam.

Adentrando, Julianne sentiu seu coração

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acelerar, mas ao mesmo tempo, sentiu-se excitadadiante da possibilidade de descobrir mais alguma

coisa.Os dois andaram por um corredor estreito, la-deado por portas sobre as quais havia uma plaque-ta. A jovem Manzo tentou ler o que diziam, mas nãofoi capaz, pois seu antrião andava muito rápido eela não queria parecer bisbilhoteira.

  – Aqui. – Magno abriu a porta no nal docorredor.

Uma escrivaninha de mogno com cadeiras earmários combinando decoravam o lugar.

 – Sente-se. – O que o senhor acha que foi essa voz, que

ouvi ontem? – Perguntou Julianne objetivamente. – Só pro senhor saber, não havia ninguém nos arre-dores da minha casa.

 – Não há necessidade se justicar para mim,minha jovem. – Disse o homem e sentou-se na ca-deira atrás da escrivaninha. – Estou acostumadoa lidar com casos de médiuns de todos os tipos.Audientes, videntes, enm.

 – Que quer dizer com isso?Magno esticou a mão para um pequeno ar-

mário e apanhou alguns livros. – Vou emprestar a você, se tiver interesse pelo

assunto. Muitas coisas que pode querer saber sobremédiuns e espíritos, pode encontrar aqui.

Julianne pegou os livros e leu os títulos, um aum: O livro dos espíritos, O livro dos médiuns, A gêne-

 se... Todos de um homem chamado “Allan Kardec”.

 – Seria bom que você os lesse, pois, pelo quepercebi, sua mediunidade está começando a semanifestar.

A jovem Manzo sentiu seu rosto esquentar. O

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pânico a dominou. Que papo era aquele de me-diunidade se manifestando nela?

 – O que eu tenho que fazer se isso for verdade?Vou car vendo e ouvindo coisas o tempo todo?Magno levantou-se e caminhou lentamente

pela sala. – Os espíritos têm sua própria vida, pelo menos

os mais evoluídos, não se comunicam com os vivossem necessidade.

 – Mas e a secretária? Ela é um espírito, não

é? E comunica-se com vocês o tempo todo, não? – Observação perspicaz minha jovem, – Disse o

homem e encarou-a – Contudo, espíritos de pessoasmortas há muito tempo, algumas vezes, conseguemautorização para retornar à Esfera Conjunta. Masisso apenas é permitido aos espíritos que estão livresde quaisquer inuências terrestres ou, em casos pio-

res, umbralinas. A sra. Rupert conseguiu o direito devir trabalhar aqui, assim como alguns conseguemo de rever seus familiares e outros, ainda, de setornarem protetores...

 – Mas todos os espíritos vêm pra cá no mo-mento em que o corpo morre?

 – Não. Quem dera fosse assim. Em alguns ca-sos eles são levados para outro lugar; noutros cam

vagando por aí. Isso é muito complicado. – Que outro lugar? – Perguntou Juli interessada.Carlos Magno contraiu os lábios.

 – Para o Umbral, o domínio das trevas. Lugar de espíritos agonizantes... Horrível. Realmente hor-rível!

 – E por que eles vão pra lá se é tão ruim?

 – Bem, é que às vezes, quando a pessoa morre,está dominada pela maldade. Quando isso acon-tece, assim que o espírito sai do corpo, os espíritosdas trevas vêm buscá-lo para levá-lo até lá. Outras

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que quer. Isso pode ajudar muito.Ela assentiu.

 – Farei o possível, mas não garanto que con-seguirei, pois co muito assustada. – É compreensível. – Disse o homem.Como um ash, Juli lembrou-se do sonho que

a perturbava todas as noites. – O que o senhor pode dizer sobre o sonho?

 – Perguntou.Carlos sentou-se.

 – Com o que tem sonhado?A jovem contou-lhe todos os detalhes de que

se lembrava. – Você se vê no caixão? – Sim. Sempre acordo quando asxio. – Bem, Julianne. – Começou Magno. – Quando

ler os livros que vou lhe emprestar, compreenderá

melhor alguns processos como o da reencarnação.A garota franziu a testa, mas o homem con-tinuou:

  – Um espírito vive várias vezes, não com omesmo corpo. Você, certamente não é a primeiravez que está vivendo e, possivelmente, o sonho sejauma lembrança de outra vida.

 – Que quer dizer?

 – Se você se vê num caixão, ainda, viva; semorre dentro dele, deve ser porque isso realmenteaconteceu numa outra existência.

Julianne não entendia como aquele homempodia falar daquelas coisas tão naturalmente. Elase sentia toda arrepiada.

Uma olhada breve no relógio, e Juli constatou

o quanto era tarde. Se não se apressasse se atrasa-ria para o ensaio. Levantou-se. – Preciso ir agora. – Disse. – Qualquer coisa, pode nos procurar. Temos

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plantão vinte e quatro horas.Julianne assentiu e saiu acompanhada pelo

homem até a porta de acesso principal.

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ao contrário do que se pode imaginar, foi muitodivertida. Havia punks e rockers de todos os estilos.

Alguns tinham até cabelo moicano com mechascoloridas, uma inuência clara do movimento dosanos 70, e outros, quase não conseguiam car empé, tamanho era o nível de álcool no sangue. Umhomenzinho importunava os adolescentes na ten-tativa de vender seus chicletes. Mas, nalmente, asquatro garotas pagaram a entrada e, depois deserem revistadas, entraram.

A pista estava vazia e ao redor dela haviaalgumas mesas e cadeiras. Umas poucas pessoasestavam sentadas próximas do bar e alguém arru-mava alguma coisa no palco. Era a primeira vezque Juli entrava naquele lugar. Encantou-se coma decoração. Muitos quadros de bandas de rock, punk e hard como Beatles, Ramones, Sex Pistols,Guns‘n’Roses...

 – Isso é muito legal! – Comentou ela com asamigas.

A banda da amiga das meninas só subiu aopalco depois da meia noite. Quatro garotas devisual punk, roupas de couro pretas, acessóriosmetálicos e botas de cano longo.

O show começou e Juli percebeu o quantoteria se arrependido se não tivesse ido. É claro queela não conseguia chegar perto do palco, pois aroda punk acontecia desgovernadamente na pista,bem como a bebida, que também rolava solta.

Lá pelas tantas da manhã, Juli percebeu quesuas parceiras de banda eram amassadas por caras

que, provavelmente, nem se lembrariam no outrodia. Sentiu-se deslocada.

 – OI! – Uma voz gritada chegou ao seu ouvido.Ela virou-se para ver quem era. Um rapaz de

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cabelos pretos e curtos vestindo jeans dos pés acabeça.

 – OI! – Ela retribuiu o cumprimento, mas nãoo reconheceu. – VOCÊ NÃO É A BAIXISTA DA VORTEX?Julianne animou-se e assentiu com a cabeça.O cara falou mais uma porção de coisas que

ela não entendeu por causa do barulho. – JULI! – A voz esganiçada de Verônica che-

gou a ela.

Julianne percebeu que as amigas se aproxi-mavam acompanhadas por seus acompanhantesda noite.

 – JULI! – Verônica soluçou desagradavelmen-te – EU E AS MENINAS ESTAMOS INDO PARA UMAFESTINHA MAIS RESERVADA. QUER IR? NÃO! AH EUJÁ SABIA MESMO. ENTÃO Ó, TCHAU PRA TI.

Julianne observou suas amigas se afastarem,para sabe-se lá onde com aqueles garotos cheiosde malícia. Sentiu-se, ainda, mais deslocada. Comoiria pra casa agora? Não poderia simplesmente ligar para o pai de Ana, como antes haviam combina-do. O que diria? Sr. Gomes a sua lha saiu com umgaroto estranho, mas será que dava para o senhor vir me buscar? – Aquilo soou mesmo muito idiota.

  – ALGUM PROBLEMA? – Julianne escutou orapaz com quem estivera conversando perguntar.

 – ERAM AS SUAS AMIGAS? – ERAM SIM. – Respondeu ela. – E MINHA CA-

RONA PRA CASA TAMBÉM. – ENTÃO TÁ RESOLVIDO, EU LEVO VOCÊ.A garota pensou por um minuto. Era como se

a história estivesse se repetindo, bem como acon-tecera com Daniel: “eu te dou uma carona e vocême beija, depois caio estatelado no chão”.

 – ACHO QUE NÃO. – Respondeu por m.

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 – POR QUÊ? JÁ TEM OUTRA CARONA? – NÃO.

 – ENTÃO ACEITE!Julianne quase foi derrubada por um casalbêbado que retornava para a mesa atrás de ondeela estava.

 – CERTO ENTÃO. – Ela viu-se na obrigação deconcordar, pois não teria outra opção além deesperar pelo primeiro ônibus da manhã.

Agora a banda tocava um repertório mais cal-

mo, fato que fez com que a maioria dos punks dei- xasse o local. Especicamente executavam, comperfeição, a música “Entre sem bater” da Rita Lee.

 – QUANDO VOCÊ QUISER IR ME DIZ, TAH?A jovem assentiu com a cabeça. Finalmente

conseguira chegar a pista sem ser jogada de umlado para o outro.

Por alguns momentos, o garoto com que Ju-lianne conversava há algum tempo, Márcio, olhou-a como se esperasse algo. Durante todo o tempoem que estavam próximos, ele apenas conseguiratocar as mãos da garota sobre as luvas de couro – Sim, pois Julianne gostava de se caracterizar bempara um show – na certa ele queria mais do queum simples toque.

A garota estava se divertindo muito e não ti-nha nenhum interesse em outras coisas. Ela adoravaouvir bandas ao vivo, desde que estas, tocassem

 rock, pois cava prestando atenção na técnicados membros.

Finalmente, a banda tocou a última música“Have you ever seen the rain” do Creedence Cle-

arwater Revival. Já era quase de manhã. – Acho que agora já podemos ir, se não seimporta. – Disse Juli. Apesar do som ter parado, elapouco ouvia sua própria voz. Sentia ainda o efeito

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do som auto. – Tá. Vambora então.

Julianne saiu com o rapaz.Márcio tinha um uno verde escuro. – Pode entrar. – Disse ele ao abrir a porta pra

ela.Ela entrou. Seu acompanhante em seguida.

Ele ligou o rádio e deu a partida no veículo aosom do bom e velho rock and roll: “Don’t” de ElvisPreslay.

 – Obrigada por me levar pra casa. – Falou Juli. – Normalmente minhas amigas não agem daquelamaneira. Acho que o álcool subiu à cabeça.

 – Tá tranquilo. – Me admira até, com o perdão porque mal te

conheço, que tu não teja caindo de tão bêbado.Normalmente os homens gostam de exagerar.

O rapaz olhou para Juli e em seguida para aestrada à frente. – Não tenho o hábito de beber exagerada-

mente quando saio. Gosto da minha vida. Não que-ro acabar em pedaços por aí, se é que entende.

 – Faz bem. – Disse Juli notavelmente admirada.

***

O trajeto para a casa de Julianne foi extrema-mente agradável. Ela já não pensava em Daniel esentia-se disposta a permitir-se uma nova tentativade envolvimento com rapazes. Se Márcio tentassealguma coisa, dependendo do que fosse, ia deixar rolar.

  – Pronto. Chegamos. Está entregue. – Disseele ao parar o carro diante da casa que a garotaindicara.

Julianne sentiu seu coração disparar. Será que

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ele não ia tentar nada? Que cansara de esperar algo a mais dela? Ela preparou-se para abrir a porta

do veículo. Já tinha se conformado com a ideiade ir para casa sem nada mais emocionante paracontar às amigas quando as visse. Sim, pois, certa-mente, elas teriam muitas coisas para lhe contar,quando e se lembrassem.

 – Julianne...A garota virou-se e, por um momento assustou-

se com a proximidade do rosto dele. Contudo, logo,

deixou-se envolver.O rosto de Márcio afastou-se do dela.

 – Boa n-noite. – Disse ela e sorriu, desejandoque seu sorriso fosse discreto.

 – Boa noite. – O rapaz respondeu.Juli andou alguns poucos passos na direção

de sua casa e girou nos calcanhares para dar uma

última olhada em Márcio. Percebeu, na mesmahora, que havia alguma coisa errada. A porta doveículo continuava aberta e o garoto parecia estar dormindo. Um mau pressentimento apossou-se dela.A lembrança do que acontecera na noite em quedera o primeiro beijo voltara a sua mente tão rápidocomo uma bala saída de uma pistola.

Rapidamente, ela aproximou-se do rapaz e

constatou, para seu desespero, que estava, exa-tamente, como Daniel. O que ela ia fazer? Agoracara muito claro, dentro da cabeça dela, que aculpa era sua, de alguma maneira que ela nãosabia, mas decididamente era sua; pegou o celular e ligou para o hospital. Tomou o cuidado de nãoligar para o mesmo do outro dia para que eles, as-

sim como ela, não zessem algum tipo de ligação.Quando a ambulância estacionou diante dacasa, os pais de Julianne foram acordados, bemcomo alguns dos vizinhos mais próximos. Que nal

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de festa ela tivera anal! Novamente seu parceiroestava inconsciente.

***

 – O que aconteceu Juli? – Perguntou o sr. Man-zo, assim que, junto da mulher e da lha, adentroua casa.

Julianne explicou e o pai também fez a liga-ção.

 – Desse jeito você não vai poder se relacionar com rapazes. Se cada vez que beija um deles, eleacaba no hospital! É claro que isso não seria tãoruim, pois me evitaria maiores problemas.

 – Pai! – Disse Juli num tom choroso e baixouo olhar para a ponta dos tênis. – Não sei qual é oproblema comigo. Aposto como as minhas amigas

não tiveram nenhum problema pra passar a noitecom uns caras que sequer conheciam. E eu, por umbeijo apenas, tenho que passar por isso!

 – Querido, o que vamos fazer? – Perguntou asra. Manzo. – Não podemos, simplesmente, levá-laao médico e contar o que aconteceu. Isso não énormal!

Julianne entendia melhor do que ninguém o

quanto sua mãe estava certa. Sabia que se alguémsoubesse daquilo, provavelmente, ela seria alvoda ciência. Talvez passasse o resto da vida comocobaia de estudos em pró da descoberta da curapara uma possível nova doença.

 – Seja como for – começou o pai de Juli – achoque podemos falar sobre isso depois. – E girou nos

calcanhares. – Vamos dormir agora.Mãe e lha concordaram. O que Juli maisqueria naquele momento, era deitar em sua cama.Dormir, não tinha certeza de que conseguiria, mas

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precisava descansar o corpo.Deitada, no conforto do seu edredom, Juli

tentou encontrar uma resposta. Alguma coisa queexplicasse o que tinha ocorrido pela segunda vez.Desse jeito ela caria sozinha o resto da vida. Sozi-nha, sem amor... sem sexo...

 – Abigail... não...Aquela voz feminina que Julianne escutara

certa vez se fez ouvir e ela sentou-se abruptamentena cama, apanhando os óculos sobre o criado-

mudo.

Não havia ninguém no quarto e tampouconas proximidades da casa. Sentindo um misto depânico e excitação, ela lembrou do que CarlosMagno lhe dissera na tarde de sábado. “Tente secomunicar com ele. Descubra o que ele quer”.

  – Quem é você? – Ela perguntou ao nadaaparente.A voz não respondeu.

 – Escuta, seja lá quem você for, quero que medeixe em paz. Vá encontrar seu caminho.

 – Abgail, minha pequena Abgail...E essa voz continuou falando durante todo o

tempo em que Juli permaneceu acordada. O que

não foi muito, porque estava realmente cansada.

Estava agora em pé dentro do que lhe parecia ser uma igreja, caprichosamente decorada comores e tas brancas. Muitas pessoas bem vestidas

 sentadas nos bancos e um homem de terno escuro,bigode e cabelo repartido ao meio, esperava por 

alguém próximo do altar. Julianne viu-se ser atravessada por casal decrianças que jogavam pétalas de rosa sobre um

 simplório tapete vermelho. Reconheceu nalmente

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que presenciava um casamento, mas de quem? A resposta veio em seguida... A noiva, toda

de branco e radiante, num vestido escorrido, masmuito bonito.Tudo escureceu e Julianne viu novamente os

detalhes do sonho que costumava ter. Acordousobressaltada com a asxia no caixão. Ofegante,pegou os óculos e mirou o relógio. Duas horas datarde. Espreguiçou-se e levantou-se.

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Capítulo cincoRosalva, a traidora

Julianne desceu para o térreo da casa e per-cebeu que não havia ninguém. Apanhou ovos nageladeira e quebrou-os dentro de uma frigideiracom pouco óleo. Enquanto eles fritavam, ela pen-sava nos últimos acontecimentos. Com o cotovelosobre a mesa e a cara amassada de gente recém-acordada, concluiu que devia ser uma espécie demutante. Não poderia haver outra explicação. Ela

era como a Vampira, do X-men. Não podia tocar nas nos homens. Mas por que só nos homens?

Fritos os ovos, Juli andou até a geladeira deonde pegou uma embalagem de leite longa vida.Serviu-se. Seu pensamento foi parar no dito espíritoque, supostamente, queria se comunicar com ela.Agora, acreditava que o que ele queria nada mais

era do que perturbá-la, pois do contrário teria res-pondido aos seus apelos. Sobretudo, o que ela iafazer? E o sonho com aquele casamento esquisitoteria algum signicado?

Sentindo-se fraca, foi assistir televisão. O pro-grama do Faustão estava interessante, mas ela nãoresistiu e acabou dormindo outra vez. Desta, porém,viu-se diante de uma casa de aparência antiga,

mais ou menos no estilo colonial. Adentrou-a pelaporta principal e deparou-se com uma bonita salacom móveis antigos e cheios de detalhes. Combi-navam perfeitamente com o lugar. Uma mulher de

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  – Não está mesmo brincando? Mas comopode ser? O que é você?

 – Pra dizer a verdade eu já não sei mais o queou quem eu sou.Um silêncio pesado se formou. Os sinos de

vento no lado de fora da casa balançaram coma brisa, produzindo ruídos místicos.

 – Ainda somos amigas? – Juli perguntou.Ana assentiu com a cabeça. Entretanto,

Julianne podia perceber a confusão e, de certa

forma, o medo da garota. – Não vai acontecer nada contigo. Só funcio-

na com homens. Não sei por que. Prometa que nãovai contar a ninguém.

 – Mesmo que eu contasse não iam acreditar.Isso é muita loucura!

Juli sabia exatamente como a amiga estava

se sentindo. Ela mesma se sentia daquele jeito,mas, de fato, parecia que o peso do mundo saírade seus ombros.

Finalmente recuperada do choque de saber sobre tudo aquilo, Ana perguntou:

 – O que vai fazer? – Ainda não sei. – E Juli contou sobre sua ida ao

centro espírita. Ocultou alguns detalhes que julgou

que a amiga não estava pronta para saber. – Ofato é que estou perdida. O cara de lá disse pratentar me comunicar com o tal espírito, mas, aoque parece, ele não quer se comunicar.

 – Mas me diz uma coisa: – começou Ana jámunida de sua segurança habitual. – Como eramesmo o nome da mulher com quem você sonhou?

Julianne olhou para o teto com ar pensativo. – Rosalva Ferreira de Manzo. – Manzo! Esse é o seu sobrenome, não é?Juli assentiu com a cabeça.

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 – Pois é isso! É através disso que você podedescobrir mais sobre ela. Alguém da sua família

deve conhecê-la. – Pode ser, mas 1901 foi há muito tempo. Talvezninguém tenha escutado falar dela recentemente.

 – É, mas não vai saber se não tentar.

***

Nos dias que se seguiram, Juli questionou vários

membros de sua família, mas nenhum deles conhe-cia a tal Rosalva. Então, fez a única coisa que podiafazer: foi até a cidade natal de seu bisavô, que era oúnico a possuir alguma coisa sobre a genealogia dafamília Manzo. Ele morrera há três anos, mas deixaraa casa para uma senhora, a segunda esposa dele,com quem, por sorte, Julianne sempre se deu bem.

A casa era antiga e em seu interior os mó-veis também eram. Alguns inclusive marcados por cupins. Julianne achava que fariam sucesso emalgum museu. Havia pinturas em todas as paredesda sala de estar. Todas retratando alguma paisa-gem da cidade, mas foi sobre a lareira que Julianneenxergou o que lhe interessava: um grande quadroonde constava toda a genealogia da família Man-zo, ou pelo menos, sua representação mais el.

Ao se aproximar, percebeu que havia peque-nos rostos ao lado de cada nome. Desenho precárioem preto e branco.

 – São as pessoas do quadro? – Ela perguntoupara a mulher sentada no sofá às suas costas.

 – Damião gostava muito de desenhar e faziaisso tão bem quanto pintava. – Disse a velha senhora

com uma expressão saudosa no rosto. – Hum. – Fez a garota e esperou que a dita lhe

dissesse mais alguma coisa, como não disse, tornoua examinar o quadro.

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 – Eu não sei. – Respondeu a mulher. – Damiãoia deixar tudo para Frederico, mas infelizmente ele

morreu antes do pai.  – Sinto muito. – Disse Juli quando percebeuque tocara num ponto sensível.

 – Tudo bem querida. Faz muito tempo.  – Quer dizer então que tudo lhe pertence

agora? Será que eu poderia car com o quadroda família pelo menos? Sim? Que ótimo!

Depois de saber que poderia levar aquela ve-

lharia, Juli sentiu-se mais animada. Anal, não forauma total perda de tempo ir àquele lugar.

  – As fotos estão aqui dentro. Pode levá-lastambém.

 – Obrigada Isa.A mulher abriu a pequena caixa e apanhou

uma das fotos.

 – Todas têm o nome atrás. Damião não queriaque nada se perdesse. Escrevia no verso das fotostudo o que sabia.

Juli agradeceu e despediu-se da mulher. – Prometo que venho lhe visitar qualquer hora

com mais tempo Isa.

De volta à sua casa, Juli sentia-se ansiosa para

examinar todo o material familiar que conseguira.Anal, a curta viagem fora produtiva.

 – O que é tudo isso? – Perguntou a sra. Manzoquando viu a lha adentrar a casa com um quadroe uma caixa.

 – Coisas que consegui com a Isa, mãe. – Res-pondeu a garota e largou os objetos sobre a mesa

da cozinha para que sua mãe pudesse examiná-losmelhor.  – A genealogia da família do seu pai! Não

pensei que fosse possível encontrar isso hoje.

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  – Não trouxe só isso. Tenho fotos também.Muitas!

 – Querida, achei estranho quando começoua perguntar a todos sobre uma tal Rosalva, masagora, vendo o quanto está correndo atrás paradescobrir coisas sobre ela, co, ainda, mais intriga-da. Por que está fazendo isso?

Julianne encarou a mãe. Não podia simples-mente lhe contar a verdade. Seria um choque para

ela saber que talvez sua lha fosse uma médium eque, possivelmente, algum espírito queria se comu-nicar com ela através de um sonho.

 – Só estou curiosa pela genealogia da família. – Respondeu. – Damião, o avô do papai, tambémse interessava. Viu as preciosidades que consegui?

Se a sra. Manzo desconava de mais alguma,

fez questão de guardar para si. Julianne apanhouseus tesouros antigos e foi para seu quarto decididaa examiná-los com atenção.

Sentada à escrivaninha onde cava o compu-tador, ela tornou a olhar as fotos sem muita anima-ção. De repente, uma chamou sua atenção. Era afotograa de um casarão antigo. Julianne jurava játer visto aquele lugar. Mas onde? Um ash iluminou

sua cabeça, fazendo-a lembrar imediatamenteonde vira aquela casa. Fora no sonho! Então erareal! Mas onde se localizava?

Munida de excitação por nalmente ter des-coberto alguma coisa, Juli olhou o verso da foto,pois lembrou-se de que Isa lhe dissera que todas asfotograas tinham nome ou dados.

 A primeira casa da Família Manzo.  – Só isso? – Julianne perguntou-se decepcio-nada. – Não tem nem o endereço?

A garota continuou examinando, entretanto,

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a foto do casarão foi o que achou de mais interes-sante para seu propósito. Agora, tinha certeza de

que o espírito da tal Rosalva queria lhe dizer algumacoisa. Primeiro, mostrara-se morta e depois a própriaJuli apareceu morta a seu lado; em seguida mostrouum casamento e por último um casarão. O que sig-nicava tudo isso? O que Rosalva queria lhe dizer?

O que Juli sabia sobre essa mulher, era quetinha sido acusada de traição pelo tal César; queo casarão era real, mas era apenas isso. Como

encontraria a antiga casa da família Manzo? Oque Rosalva queria que ela visse lá? E a voz, quepor vezes escutava, seria de Rosalva? Se fosse, por que não lhe dizia coisas precisas?

Naquela noite Julianne quase não conseguiudormir. Ficou pensando no pouco que sabia e noque queria descobrir. Esquecera-se daquele queseria, talvez, o seu maior problema, o de não poder tocar em homens.

O sonho com o casarão se repetiu e na manhãdo dia seguinte, quando acordou, lembrou-se deum detalhe: o caderno. Provavelmente era isso queRosalva queria que ela encontrasse. Mas para quê?

***

 – Você não tem um parente mais antigo queessa sua bisavó? – Perguntou Ana Paula para Ju-lianne depois do ensaio da sexta-feira. – Alguémque possa lhe fornecer o endereço desse lugar?

Juli pensou, mas na sua cabeça, a pessoamais velha que conhecia era a bisa.

  – O que devo fazer? Acredito que só tereipaz novamente quando zer o que esse espíritoquer e acho que seu desejo é que eu encontre otal caderno.

 – É amiga, o caso tá realmente complicado.

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Capítulo seisO diário de Rosalva

Embora tentasse inúmeras vezes encontrar uma resposta para suas dúvidas, Juli encontrava-se, na verdade, perdida no meio de tudo aquilo.Os sonhos continuavam e, por vezes, a voz torna-va a chamar Abgail. No trabalho, Julianne estavaa um passo da demissão, pois com tantas coisasestranhas em que pensar, não se concentrava nacontabilidade.

Uma semana depois da visita de Juli à bisavó,

sua família recebeu a notícia do falecimento dadita e, como a velhota só tinha uma lha, a qualera solteirona e, portanto, solitária, eles resolveramir até a casa dela para oferecer ajuda.

  – Oh, pobrezinha. – Balbuciou a sra. Manzoquando entrou na casa da velhota e foi recebidapela lha. – Nós realmente sentimos muito e estamosà sua disposição para o que precisar.

 – Eu agradeço. – Disse a mulher.Julianne encarou-a brevemente. Reparou emseus traços severos, mas, sobretudo, percebeu as lá-grimas escorrendo pelo seu rosto. Com certeza atéa pessoa mais severa sentia dor ao perder a mãe.

 – Já que estão sendo tão gentis, eu gostaria,se não fosse muito incômodo, que alguém pudesseorganizar o sótão. Como vocês sabem a casa só

pertencia à minha mãe até ela morrer e... então...creio que passará a novos donos.

 – É claro que não é incômodo. – Disse a sra.Manzo. – Não é Juli?

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Rosalva. Anal, se ela traíra mesmo o marido, issoteria gerado um escândalo para a época.

Os jornais pareciam não acabar. Julianne já olhara, sem exagero, uns cento e cinquenta ecomeçava a car frustrada pela falta de notíciasinteressantes.

Tok tok Batidas no andar de baixo zeram a garota

sobressaltar. – Falta muito ainda? – Era a voz da sra. Manzo.

  – Um pouco. Estou olhando algumas coisasaqui.

Julianne escutou o barulho da mãe descendoa escada e saindo do cômodo abaixo. Retomou àpesquisa. Ficou toda a tarde procurando, até quenalmente, na edição de n. 500 de um jornal local,encontrou algo que lhe era interessante. A foto

do primeiro casarão dos Manzo cuja a legendaapresentava a localização. Em m ela descobririaalguma coisa e recuperaria sua paz de espírito.

 – O que vai fazer com todos aqueles jornais? – Perguntou Juli para a lha de Isa, assim que foi paraà sala depois da limpeza.

 – Acho que vou doar à biblioteca. Os jornaissão bem antigos e, talvez, possam ser útil para al-

guém, algum pesquisador.Julianne assentiu com a cabeça.

 – Mas será que eu posso car com um deles?  – Pode. Você merece pelo esforço que fez

em organizar tudo.No dia seguinte, a garota correu para contar 

à amiga suas novidades. Mostrou-lhe a página com

a foto do casarão. – Você não sabe onde ca esse lugar? – Não sei. – Respondeu Ana com sinceridade.

 – Mas, acho que você devia começar perguntando

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quarenta graus! – É aqui. Essa é a rua! – Julianne, que estava

tão exausta quanto a amiga, sentiu seu ânimo vol-tar. – Só falta a casa agora.Cerca de vinte minutos mais tarde elas en-

contraram o endereço em questão. A casa esta-va, inacreditavelmente, igual à da foto. Juliannesentiu-se, ainda, mais animada. Aproximaram-seo suciente para ler uma placa acima da porta.

 Museu Histórico.

 – Uau! Que sorte a gente deu. – ComentouAna.

 – Vem, vamos entrar.O interior da casa estava diferente do conhe-

cido. Apesar de, ainda, haverem alguns móveisreconhecidos pela garota.

 – Vem comigo. Apesar de isso estar mudado,

acho que ainda sei onde é. – Disse Julianne. – Ei Juli – começou Ana após dar uma olha-dela para os lados. – Não acha errado entrar desse

 jeito? – Claro que não. Isso aqui é um museu. Vem.Juli seguiu os passos de Rosalva no sonho. Ana

em seu encalço, olhando para os lados como seesperasse que alguém fosse aparecer para barrar 

a entrada delas. – É aqui. – Disse Juli e abriu uma porta escura

no segundo andar.Entrou por ela e deparou-se com o quarto

que vira no sonho e, para sua sorte, nada haviasido mexido.

 – Me alcança aquele banco, Ana.

A garota encaminhou-se para um banquinhotão escuro quanto à porta.Julianne subiu e pôs as mãos no teto acima

da cabeça.

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 – Não quer abrir... – Talvez não tenha o que abrir aí!

Ana estava muito nervosa. Não deixava decuidar a porta e andava de um lado para o outrofreneticamente.

Mesmo percebendo o medo da amiga, Julinão lhe dava ouvidos. Sua única meta era encon-trar um jeito de abrir aquela maldita portinhola.

 – Já sei! – Disse de repente e desceu do banco.Saiu do quarto, ignorando os chamados da amiga,

e voltou minutos depois com uma carabina nasmãos. – Isso vai servir.

 – Onde achou? O que vai fazer?Com a carabina, Juli empurrou a parte do

teto que, supostamente, deveria se soltar, o quede fato aconteceu.

 – Eu sabia! – Disse Juli e tornou a subir no ban-

co. Colocou as mãos no teto e empurrou para olado a parte solta. Depois, começou a tatear embusca do tal caderno. Ela nem queria saber quetipo de bichos havia ali em cima. Mas suas mãosconstatavam as teias de aranha.

 – Está aqui! – O coração da garota disparou.Finalmente encontraria a verdade e sua paz deespírito.

De posse do pequeno caderno, Juli saltou dobanco e sentou-se na cama que, muito possivel-mente, pertencera a Rosalva. Soprou o excesso depó que cobria a capa e limpou o resto com a mão.Pôde ver claramente a palavra Rosalva escrita nele.

Passos se zeram ouvir no corredor e antes queJulianne ou a amiga pudessem fazer alguma coisa,

um homem meteu a cara na porta. O primeiro im-pulso de Juli foi esconder o caderno as suas costas. – Quem são vocês e por que estão sentadas

na propriedade do museu?

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O homem magro e albino soltou uma espéciede gemido quando enxergou a carabina fora de

seu lugar habitual. – O que ela está fazendo aqui? – Ele correupara pegá-la. – É bom que não haja um só arranhãonela. É uma peça insubstituível!

Pelo jeito como o homem falava, Julianne tevea nítida impressão de que era gay.

 – Olha senhor, foi mal, mas não havia ninguémna recepção e nós tínhamos quer ver... – Juli lançou

um olhar para a amiga em busca de apoio. – Ver o....

 – Ver este quarto. – Interpôs Ana com segu-rança. – É que esta casa pertenceu a um ancestralde minha amiga. É. Foi isso.

O homem olhou desconado. – Como se chama essa sua amiga?Julianne tomou a dianteira e apresentou-se.

  – Manzo? Manzo, você disse? – O homemperguntou com admiração.

Juli assentiu com a cabeça. – Então você é mesmo parente do major César 

de Manzo?Por algum motivo, o homem diante dela esta-

va impressionado. Era como se aquele parentesco

signicasse algo de relevante importância.  – Bem. Já que descende do homem, voudeixar que saia e não vou dizer nada à direção domuseu.

 – Oh, obrigada. – Disse Ana, parecendo ali-viada.

 – Você conhece bem o major César? – Julian-ne perguntou, decidida a arrancar o máximo deinformação que aquele homem pudesse lhe dar.

  – Li sobre ele. Foi um membro atuante naRevolução de 1930. Cada um escolhe como ho-

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vam rumo ao ponto de ônibus.– Vou ler. Ver o que tem de interessante. Anal,

deve ter algo aqui, que a tal da Rosalva quer queeu saiba, não acha?Ana assentiu com a cabeça.Em casa, Julianne nem jantou. Foi logo come-

çar a leitura do caderno. No quarto, sentou-se nacadeira defronte à escrivaninha e começou:

Passo Fundo, 15 de abril de 1929.

... Apesar do clima tenso que paira nacidade por inumeráveis motivos, meu

 soldado e eu temos encontrado tempopara nosso romance. Ele é tão perfeito!Carinhoso, atencioso, educado e hones-to... Fico me perguntando quando vai

pedir a minha mão para papai.

Depois dessa breve leitura, cou claro paraJulianne que o caderno nada mais era do que umdiário. Mas por que Rosalva queria que ela, umaestranha, conhecesse seus segredos mais íntimos?

Juli folheou algumas páginas e tornou a ler:

Passo Fundo 10 de maio de 1929.

Hoje, César e eu nos encontramos denovo e ele me confidenciou toda apressão que estava sofrendo por causados ideais políticos. Parecia tão abatido,o coitado. Papai disse a ele que deve

apoiar os ideais do PL...

Bla, bla, blas, era só o que Julianne lia naquelediário. Não parecia ter nada de muito interessante.

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Por que alguém gastaria tempo escrevendo sobrepolítica no seu diário pessoal?

Julianne leu várias passagens. Nem percebeuquando adormeceu com o diário em mãos.Viu-se no meio de uma multidão vestida a ri-

gor. Homens de fraque e mulheres de glamourososvestidos longos. Uma orquestra de cordas tocavauma bonita melodia, mas que Juli desconhecia. Aspessoas conversavam animadamente. Julianne deuuma olhada mais detalhada no lugar e percebeu

a presença de alguns militares. Um deles chamou sua atenção. Estava com uma mulher de cabelosclaros ao seu lado. Os dois pareciam imensamentefelizes enquanto conversavam com outro militar edois senhores de aparência austera.

O segundo militar, que estava desacom-panhado, tirou a mulher de cabelos claros para

dançar. Foram os dois, para o meio daquilo queparecia ser a pista de dança. Pelo menos era o localonde outros casais dançavam. A dança dos dois,porém, não durou muito, pois a mulher voltou parao lado do militar com quem estava, parecendodescontente. Disse-lhe algo discretamente e estetornou-se mais sério.

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Capítulo seteFatos do passado

Julianne acordou tarde no outro dia. Foi para

o trabalho e lá recebeu a notícia de sua demissão.A garota não culpava a chefe. Contabilidadeexigia cabeça no lugar e total atenção da pessoaque a fazia. E isso, ela não estava tendo ultima-mente.

 – Juli, o que está acontecendo? – Perguntou asra. Manzo quando a lha lhe contou que perdera

o emprego. – Você parecia tão segura no trabalhoe agora, assim, de repente... como pode ser? – Nem esquenta mãe. Eu só preciso resolver 

algumas coisas e depois tudo vai voltar ao normal. – Disse Julianne.

 – Tudo bem, mas eu, como sua mãe, conside-ro ter direito de saber o que não está normal comvocê! Por que não me conta? É por causa do que

aconteceu com aqueles rapazes? – Quê? Quando? Quem? – Julianne já tinha

esquecido daqueles fatos. – Ah, não. Quer dizer,mais ou menos.

 – Então me conte o que é!Percebendo a ansiedade da mãe, Juli pon-

derou sobre a possibilidade de lhe revelar seus

reais motivos. Contudo, não tinha certeza de quevaleria a pena. – Sabe o que é mãe? – Começou ela. – É que

co pensando que vou morrer virgem, entende?

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 – Ela mentiu. Tinha muito tempo que não pensavanaquilo. – Sabe, se não posso tocar nos homens,

também, nunca poderei lhe dar um neto... – Oh, querida. Isso é realmente uma lástima.Mas tente não se preocupar tanto. Seu pai entrouem contato com um médico amigo de um amigodele, que talvez possa examiná-la...

 – Examinar a mim? – Sim. Seu pai está explicando a situação para

o médico e, se tudo der certo...

Julianne não gostou nada daquela história.Sabia que seria impossível um médico examinar alguém com algo, como uma doença rara, sem uminteresse a mais na coisa. Ela só esperava que essatal consulta não piorasse, ainda, mais a sua vida.

Depois daquela conversa, Juli quase esque-ceu do sonho que tivera à noite. Convencera-se

de que não iam parar antes dela descobrir maisalguma coisa. O que poderia ser? Com todos essespensamentos, pegou o diário de Rosalva e sentou-se sob a sombra de uma árvore no quintal da casa,decidida a encontrar as passagens da vida damulher a que tivera acesso nos sonhos.

Leu algumas, mas não lhe pareciam impor-tantes. Revelavam o contexto político da época

de 1929. De repente, o início de um parágrafoprendeu sua atenção.

Hoje foi um dia maravilhoso, César e euocializamos nosso noivado perante a

  sociedade. Meu pai pagou a festa etivemos uma orquestra de cordas to-

cando Mozart...

Julianne entusiasmou-se. Aquelas frases deci-didamente se referiam ao sonho que tivera na últi-

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ma noite. Continuou lendo com grande interesse. 

... e meu noivo estava tão lindo...É lamentável, porém, que o irmão dele,o tenente Antônio Augusto, não sejaportador dos mesmos valores de César.Ele convidou-me a uma dança, fatoque não pude recusar, pois seria desele-gante. Foi muito atrevido! Disse-me queeu me casaria com o homem errado.

Tentou persuadir-me a não casar como irmão. Falou que sentia interesse por mim...Isso era mentira, certamente! Nunca no-tei nada nos olhos dele. Qualquer coisaque me remetesse a algum sentimento,por mínimo que fosse.

Então, fora por isso que a dança dos dois nãodurou. O homem estava ertando com a noiva doirmão! Juli continuou:

Eu quis contar a César, mas ele não medeu ouvidos. Achei mesmo que nãodaria, anal, estávamos em nossa festa

de noivado e eu estaria difamando oirmãozinho querido dele. Seria uma pa-lavra contra a outra. Em quem ele teriaacreditado?Bem, se eu não tornar a ver Antônio

 Augusto, estará tudo bem.

Com o diário em mãos, Juli foi para o quartoe deu uma nova olhada no quadro da família.Não havia nenhuma mulher ligada ao tal tenenteAntônio Augusto. Sinal de que não se casara. Teria

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ele estado mesmo interessado naquela que fora amulher de seu irmão?

À noite, quando se deitou, Julianne escutououtra vez a voz feminina que repetia, incansavel-mente, o nome Abgail. Por quê? Por que, anal,essa voz insistia naquilo? Qual seria o seu signica-do?

O sonho em que Juli se via dentro de umcaixão ao lado de Rosalva se repetiu e ela acor-

dou sobressaltada outra vez. Sempre se sentia malquando tinha aquele sonho especicamente.

***

  – E então, o que tem de tão interessantenaquele diário? – Ana Paula perguntou quando

viu Julianne à tardinha, na quinta-feira antes doensaio. – Por tudo o que a gente passou, esperoque tenha valido a pena!

 – Acho que valeu, mas ainda não encontreinada muito esclarecedor. – E contou à amiga so-bre única coisa de que cara sabendo. – O fato éque agora tenho certeza de que Rosalva tem memostrado trechos de sua vida. Ela quer que eu sai-

ba de alguma coisa. Mas eu gostaria que ela fossemais direta. Pô, eu já perdi até o meu emprego por causa dessa confusão!

 – É amiga, eu não queria tá na tua pele.Possivelmente ninguém gostaria de estar no

lugar dela. – E aí, meninas? – Deise chegou cumprimen-

tando as duas. – Vamos logo que hoje eu tô tri am de tocar! – Verônica ainda não veio. – Disse Ana. – Puta merda! – Protestou Deise.

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quisé! E se quero dizê que tu não tá levando essamerda de banda a sério, vô dizê sim. E daí? O que

tu vai fazê, eim?Juli sentiu seu rosto esquentar, como se tivessetomado um copo de vinho de um gole só.

 – Não dê bola pra ela, Juli. – Disse Ana Paulanuma tentativa, inútil, de acalmar os ânimos.

 – Sugiro que que quieta, Deise! Se tem algu-ma coisa a me dizer, que esteja de cabeça boapra isso! Não quero ter que...

 – O quê? O que vai fazê Julizinha?A expressão no rosto de Deise revelava um

misto de ira e confusão. Num impulso rápido,avançou para cima de Juli, que, por não esperar tal atitude, acabou se desequilibrando e caindo.Sentiu uma forte dor na nuca e tudo cou escuro.

Uma luz forte entrou por seus olhos quandoos abriu. Sua cabeça doeu bastante. – Doutor, ela está acordando. – Uma voz des-

conhecida soou longe.Juli piscou os olhos várias vezes até a imagem

entrar em foco. Reconheceu estar num hospital.Fez força para sentar, mas sua cabeça doeu maisforte fazendo-a gemer.

 – Fique parada, minha jovem. – Disse um mé-dico ao se aproximar. – Você sofreu uma pancadaforte na nuca. Tivemos dúvida se ia acordar.

A garota encarou o homem de jaléco, masnão conseguiu lhe dizer nada.

 – Enfermeira, diga aos Manzo que a lha delesacordou e que podem entrar um minuto apenas

para vê-la.Julianne fechou os olhos, pois lhe era custosodeixá-los abertos.

Uma zoeira de passos e, em seguida, a pre-

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sença de um casal. – Juli, querida, camos tão preocupados com

você! – Era a voz da sra. Manzo..A garota encarou a mãe, mas sua voz morreuantes de chegar na garganta.

 – Sua amiga nos contou o que aconteceu,mas conversaremos quando você estiver melhor.

 – Disse o sr. Manzo. – Não é bom que se agite. – Vou ter que pedir para se retirarem. – Falou

o médico formalmente. – Vamos fazer mais alguns

exames antes de mandá-la para o quarto.O casal Manzo assentiu com a cabeça.Julianne esforçou-se para lembrar do que

tinha acontecido. Lembrou-se vagamente de ter caído na hora do ensaio da banda; da gura daamiga se lançando contra ela. Nossa a que pontotinha chegado! O que ia acontecer agora? Juli não

ia querer continuar na mesma banda que Deise.Era o que estava faltando acontecer para deixar a vida dela pior do que já estava. A banda muitoprovavelmente acabaria. O que ela ia fazer?

 – Espero que você que boa logo. – Disse Anaquando a visitou.

 – Eu também. – Juli não aguentava mais car 

naquele quarto. – Escuta... o que vai acontecer com a banda?

 – Eu não sei. – O que Deise falou de tudo isso? – Perguntou

Juli, fazendo força para reprimir um gemido de dor. – Deise não pode falar o que pensa. – O quê? Por quê?

 – Naquele dia, depois que você caiu, algumacoisa aconteceu com ela. Desmaiou e quandoacordou parecia louca. Só sabia gritar.

Juli teve uma sensação ruim no estômago,

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pois lembrou-se de seus dois contatos com o sexooposto.

 – É estranho. – Bem, Juli... Melhore primeiro e depois vocêpensa nessas coisas.

Se Julianne não estivesse sentindo dor, teriaprotestado.

Enquanto estivera no hospital, a garota Man-zo não escutou vozes e não teve sonhos. Parecia

que Rosalva nalmente a esquecera.

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Capítulo oitoPerséfone

Tendo em m recebido alta, Juli sentia-se mais

intrigada do que antes com o seu suposto estadode mutante. Seu pai desistira de fazê-la consultar otal médico. Concluiu que se os médicos do hospitalnão encontraram nada de estranho com ela... eraporque não devia ser assunto cientíco.

Diante desses novos fatos, Juli decidiu voltar a Allkardie. Eles, que sabiam de tantas coisas com

as quais muitas pessoas nunca sonhariam, teriamque lhe fornecer alguma ajuda concreta.

A recepção de Allkardie estava, aparente-mente, vazia, mas Juli sabia que não era assim.Quase podia ver uma porção de espíritos e umasecretária. Sentou-se e esperou ser anunciada. Nãotardou muito para que Carlos Magno aparecesse.

  – Olá minha jovem. – O homem a cumpri-mentou sorrindo. – Não pensei que tornaria a vê-la.

 – Continuo com aquele problema, mas vimaqui por outro motivo. – Juli foi logo dizendo.

  – Pois bem, então não percamos tempo.Acompanhe-me e conte-me o que a aige.

Julianne seguiu o homem gordo até a sala

onde estivera na outra vez. Sentou-se tão logo elelhe indicou uma cadeira. – O que está acontecendo?A garota encarou-o e começou um relato de

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tudo o que acontecera desde que estivera ali e,desta vez, contou, também, sobre o que acontecia

com os homens que tocavam nela.  – Estou preocupada, pois esse negócio dotoque afetou uma de minhas amigas e, eu nema toquei. Preciso saber o que está acontecendocomigo. Não quero colocar em risco a vida daspessoas com quem convivo.

 – Perfeitamente. – Disse o homem. – Mas éestranho que você tenha um espírito tentando se

comunicar, pois eu não posso vê-lo e, geralmen-te, eles cam perto das pessoas com quem estãoquerendo comunicação. Realmente é estranhoque não haja ninguém do seu lado, nem mesmoseu espírito guardião.

 – Prero que seja assim. – Disse Juli e levantou-se. – Já estou tendo tantos problemas sem nenhum

deles por perto.Carlos Magno estava pensativo. – A menos que não seja um espírito de luz... – Quê? Que foi que o senhor disse?O homem levantou-se e andou lentamente

pela sala. – Julianne, penso que talvez seja um espírito

de pouca luz que está tentando se comunicar com

você, e se for assim... – Ele parou de andar. – Nãopode mesmo entrar aqui.

 – Por que não? – Perguntou Juli. – Devido a problemas com espíritos das trevas,

nos vimos com a necessidade de isolar este lugar.Não apenas este, mas tantos outros ao redor domundo.

 – Como assim? Por que tiveram que isolar?Carlos Magno tornou-se pensativo, de re-pente, como se para responder àquela perguntaprecisasse escolher bem as palavras.

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 – Os espíritos, bem como tudo no universo, sãoformados por uídos. Bons e maus uídos. Então,

tivemos que isolar este lugar com uma substânciaanti-uídos negativos. Algo como uma capa im-permeabilizante. Mas, o fato é que, deve ter umespírito ruim do seu lado e por isso nunca o vi.

 – E como é que me livro dele? Acha que temalguma relação com o meu problema de toque?

 – Disse que as pessoas parecem enlouquecer quando as toca?

 – Sim. – Respondeu Juli. – Não posso lhe dizer nada ainda, tenho que

fazer algumas pesquisas. Então se estiver tudo bempra você, volte aqui em três dias.

Julianne não queria esperar três dias, mas oque poderia fazer?

Mais tarde, ela teve seu primeiro encontrocom a banda depois do que acontecera. ExcetoDeise. Verônica lhe lançava olhares que revelavamtemor.

 – Acho que a gente devia dar um tempo. – Sugeriu ela. – Esperar Deise se recuperar.

O jeito como Verônica olhava para Juli a in-comodava. Até parecia que ela era um ET!

 – São vocês que sabem o que vão fazer. – Disse. – Mas ca registrado que eu não vou car namesma banda de alguém que tentou me assassi-nar. Sim. Porque foi exatamente isso que a Deisetentou fazer. Vocês viram como eu quei!

 – Mas você também deve ter feito algumacoisa pra ela. – Replicou Verônica.

  – Como é que é? Eu? Eu estava caída nochão, sangrando. Como poderia? – Não sei. Mas como explicar que Deise tenha

cado daquele jeito depois de ter discutido com

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você?  – Ei meninas, acalmem-se. Não queremos

nenhum outro acidente por aqui? – Não acho que tenha sido acidente, Ana. – Protestou Juli. – Vocês viram! Foi ela quem se jogoupra cima de mim. Sabia o que queria fazer!

Ana olhou para Juli. – Não seja injusta. Ela estava alcoolizada. Não

estava normal. – E você estava bem normal. – Disse Verônica.

 – Me diga, como fez aquilo com ela?Juli respirou fundo. Sentia a raiva envenenar 

suas entranhas. – Já disse que não z nada! – Poder do pensamento? Foi isso? – Arriscou

Verônica encarando-a. – Ficou com tanta raivapor ela te dizer algumas verdades?

 – JÁ DISSE QUE NÃO FIZ NADA! – Juli gritou. – Eque saber? Vai se ferrar! – E girou nos calcanharespara sair do lugar. Antes, porém, deu um chute nopedestal da caixa da bateria.

Juli agora se sentia péssima. Perdera aquilo deque mais gostava: a banda, e com ela seu sonhode estrelato.

O céu da noite estava nublado. Uma brisafria soprava, fazendo os galhos das árvores balan-çarem lentamente. Com passos rápidos a garotase dirigia para casa.

 – Abgail!A voz outra vez.Juli sentiu um arrepio percorrer seu corpo.

Lembrou-se das palavras de Carlos Magno. “... es-pírito ruim...” E se fosse verdade? E se ela estivessemesmo sendo perturbada por um espírito das tre-vas? O que ia acontecer? O que faria?

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 – Então se ela parar de confundir, vai te deixar em paz...

 – Não sei se é assim tão simples. – Qual é o mistério agora? Você a convencede que não é lha dela e a dita desaparece dasua vida. Não tem como ser mais simples!

 – E como é que se faz isso?Ana abriu a boca, mas não disse nada. Ficou

evidente que não tinha uma resposta. – O que vai fazer? – Perguntou simplesmente.

 – Vou esperar. – Respondeu Juli. – Esperar o quê? – Em dois dias tenho que voltar a Allkardie e,

então, veremos o que me dizem.

***

Novamente em Allkardie, Juli foi recebida por Carlos Magno, que a conduziu à já conhecida sala. – Sente-se. – Disse o homem.Juli não sentou. Estava ansiosa, nervosa... – O que o senhor tem pra mim? – Ela pergun-

tou. – Por que se não tem nada, lamento dizer quedescobri um novo fato.

 – Pois bem, o que descobriu? – Perguntou o

homem, encarando-a com olhos analíticos.A garota contou-lhe sobre o que estava es-

crito na última página do diário de Rosalva.  – Sua teoria é interessante. – Disse Carlos

Magno. – Mas muito improvável. – Ele, que estavasentado, levantou-se. – Com eu lhe disse, tudono universo é uído. Para que um espírito possa

se sentir ligado a outro é necessária uma ligaçãouídica. Essa Rosalva não pode simplesmente olhar pra você decidir que se parece com a lha dela.Você teria que ter sido em alguma vida anterior.

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 – Que é isso? – Um Potencializador de Capacidade Fluídica

Mental. – E pra que serve? – Perguntou ela com ex-pressão de quem comeu e não gostou.

 – Vamos até a sala dos arquivos visuais, maspara que consiga visualizar qualquer coisa é neces-sário certo grau de desenvolvimento mediúnico, oque, pelo que percebo, tu não possuis. Logo issovai ajudar-te.

O homem girou nos calcanhares para sair dasala e Juli o seguiu novamente. Agora, porém, se-gurava o Potencializador de Capacidade FluídicaMental. Enquanto seguia o guia por corredores eportas, a garota sentia sua curiosidade aumentar.Como seria esse arquivo para o qual estavam sedirigindo?

A sala do arquivo não era muito grande e era

pouco iluminada, decorada com apenas algumascadeiras. É só isso? Juli pensou decepcionada. Euesperava algo mais interessante. Mas onde estãoos vídeos e as revistas?

 – Sente-se e coloque o potencializador.Julianne fez o que o homem pedira.

 – Quero que mentalize, exatamente, o que

deseja saber, o momento que gostaria de visitar. – Disse Carlos Magno logo depois de ter apertadoum botãozinho ao lado do capacete.

A garota concentrou-se no momento damorte de Rosalva e uma imagem se formou na suafrente. A de uma mulher dando à luz uma criança.Expressões de dor marcavam seu rosto. Havia ou-tras três mulheres ao seu redor. A mais velha tentava

realizar o parto, as outras a assistiam. – Empurre senhora! Empurre! – Dizia a mulher 

nervosamente. – Mande o bebê pra fora!Por mais força que a agonizante zesse, nada

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acontecia e cada vez mais a dor aumentava.Juli teve certeza de que a mulher, que gemia

desesperadamente, era Rosalva, e se assim era,a criança que estava para nascer, era sua lhaAbgail.

 – Ab...gail! Salve Abgail!Aquela era a conrmação dos pensamentos

da garota.E os momentos de sofrimento daquela mulher 

pareciam não ter m. Onde estaria o marido? Ele

devia estar ao lado dela num momento importantecomo aquele.

 – MALDITO!!!!

Aquela fora sua última palavra. Os movimen-tos do corpo de Rosalva pararam e um silênciopesado pairou sobre o quarto. Juli observou seus

olhos vidrados para o teto. – Ela se foi. – Disse a parteira e fez o sinal dacruz.

  – E a criança, minha mãe? – Uma de suasajudantes questionou.

 – Pobre ser. Se tivé vivo dentro dela, não vaivivê por muito mais tempo. Sem a força da mãeserá impossível salvá a criança.

A mulher, ajoelhada próxima de Rosalva,levantou-se e lavou as mãos numa bacia de águasobre uma cadeira ao lado.

 – Avisa o coroné que tá acabado. Diz que amuié e a criança morreram.

Uma mulher miúda abandonou o quarto e Julicou extremamente interessada em saber quem

seria o homem a entrar pela porta a qualquer mo-mento. Algo na sua cabeça lhe dizia que não eraCésar. E, se de fato não fosse, alguma coisa tinhaacontecido para afastar Rosalva de seu grande

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amor.Juli cou ansiosa enquanto esperava alguém

entrar pela porta do quarto, mas ninguém, alémda mulher que tinha saído, entrou. – O coroné disse que não que vê a senhora

dele. Que vai manda enterra logo.A parteira expressou-se indignada.

 – Pobre muié. – E saiu do quarto junto com asoutras duas.

A imagem diante de Julianne desapareceu.

 – O que achou? – Perguntou Carlos Magno. – Isso pode lhe ajudar em alguma coisa?

Juli pensou por um momento. A única coisaque parecera-lhe mais clara, era que Rosalva nãovivera com César até o m de seus dias. Algumacoisa tinha afastado os dois.

 – Acho que não cou muito claro, quer dizer.

Só o que entendi foi – e Julianne contou-lhe sobreo que estava pensando. – Pelo que li no diário dela,César era bom, atencioso... não faria o tipo deleagir, assim, tão friamente.

O homem assentiu. – Mas você percebeu algo mais?Juli fez que não com a cabeça.Carlos começou a andar de um lado para

o outro. – Estou quase certo de que o espírito daquela

criança está abrigado em você. Somente dessamaneira posso entender essa estranha ligaçãoentre vocês duas. Você percebeu, acredito, queela não pode se realizar como mãe e... morreu deum jeito trágico...

 – E daí? – Perguntou Juli sem compreender para onde caminhava a lógica daquele homem.  – Geralmente, espíritos que desencarnam

tragicamente não conseguem descansar logo

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que morrem. Ficam entre os dois mundos, na EsferaConjunta, a mercê de quaisquer inuências.

 – Que quer dizer?Carlos encarou Julianne. – Ocorreu-me algo enquanto assistia à memó-

ria e pensava em tudo o que você já falou. – E o que foi? – Se bem me lembro, você comentou que

havia deixado três pessoas malucas, certo?Juli assentiu.

  – Existe uma classe de espíritos das trevaschamada “Perséfone”, e são espíritos enlouque-cedores.

Julianne sobressaltou-se. – Então o senhor acha que Rosalva é uma

Perséfone? – É bem possível. – Respondeu ele. – Você

percebeu a raiva que ela estava sentindo quandomorreu? Pois é. Certamente quando o espírito saiudo corpo sua estrutura foi deturpada. Ela pode simser uma Perséfone agora. Isso explicaria o fato denão poder vir até aqui com você.

 – Tá... e como é que funciona esse negócio?Como é que eu deixo as pessoas loucas? – Pergun-tou Juli intrigada. – Sabe, no começo pensei que

isso acontecia só com os homens, mas depois dolance da minha ex-colega de banda...

Carlos Magno coçou a cabeça e olhou parao teto com uma expressão pensativa.

 – Uma Perséfone transmite a loucura atravésda emissão de seus uídos. É uma coisa de quealguém só é capaz de se esquivar se for moral-

mente muito elevado. Pouco acontece. Comopessoas comuns não a veem, ca fácil para elase aproximar e...

– Isso não explica nada!

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O homem respirou fundo. Na certa não gos-tara da interrupção.

 – Bem, se você for mesmo a lha dela, é fatoque cou ligada a você. Viu o desespero com quepedia para que a salvassem? Certamente sentiaque a morte próxima. Então, acho que comomãe, ela mantém o instinto de querer protegê-la.Entende? Como Perséfone isso é ilógico, mas arris-co o palpite de que ela tenha conservado certos

instintos que não pode satisfazer em vida. É por issoque você se via no caixão ao lado dela. Vocêsmorreram juntas.

Aquilo fez sentido para Juli. Devia ser por aquele motivo que Rosalva queria que ela conhe-cesse sua história.

 – Suponho que você deixe as pessoas loucaspor causa da ligação que há entre vocês duas.Ainda que ache isso estranho, é só no que consigoacreditar agora.

 – Essa ligação, tipo mãe e lha, explicaria umdos casos. – Disse Juli com segurança e recontouo caso de Deise para o homem. – Anal, o queuma mãe ia fazer se visse sua lha numa situaçãode risco?

Carlos assentiu com a cabeça. – Mas não entendo o que os dois garotos comquem me envolvi estavam me fazendo. Quer dizer,não tentaram me machucar!

 – Isso é uma coisa que ainda precisa ser des-coberta. Para tanto, talvez tenhamos que saber mais sobre ela. Seu convívio com os homens.

 – O senhor acha que se essa ligação for des-feita vou ser normal?

O homem concordou. – Mas entenda que isso será algo muito difícil

de conseguir. Indicarei alguém para lhe ajudar a

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Capítulo noveRosalva, a injustiçada

Tendo sabido um pouco mais da verdade,

Julianne sentiu-se mais tranquila. Saber que po-deria ser normal outra vez era confortador. Mas oremorso comia suas entranhas quando pensava emsuas vítimas. Entrementes, o nome Rafael lhe soavafamiliar. Ela já tinha escutado ele em algum lugar...

Nos dias que se seguiram até o sábado, Julinão procurou por Ana Paula. Disse-lhe, na últimavez em que se viram, que não queria colocar asaúde dela em risco por causa de Perséfone. Aliás,Julianne pouco via os próprios pais por causa disso.Não queria mais pessoas loucas por sua causa.Começou a, por assim dizer, viver num regime deisolamento.

Desde que soubera da verdade, da ligaçãoentre ela e Rosalva, tentava comunicar-se com ela.Tinha esperanças de conseguir convencê-la a lhe

deixar em paz. Isso, porém, não funcionava, já queo espírito de Rosalva dizia sempre a mesma coisa.

No sábado, então, às duas horas, Julianne foioutra vez a Allkardie. Tal como Carlos Magno lhesugerira, esperou por Rafael, que não demorou aaparecer.

 – Oi. – Ele disse sem encará-la.

 – Oi. – Ela respondeu. – Hum... você tá pronta pra começar? – Sim. – Mas Juli não tinha certeza de com o

que estava concordando. Não sabia o que acon-

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teceria. – Vem comigo.

Rafael, ao contrário do que Juli esperava,andou na direção da porta de acesso principal. – Onde vai? Não vamos car aqui?O garoto virou-se para responder.

 – Me disseram que teríamos que visitar algu-mas pessoas.

 – Quem e pra quê? – Gente da família da mulher que está con-

tigo. – HumO dia estava quente lá fora. Juli desejou que

houvesse pelo menos uma brisa para refrescá-la,mas não havia nada. Nem os galhos das árvoresse moviam.

Rafael encarou-a e arregalou os olhos.

 – Consegue vê-la? – Perguntou a Julianne. – Quem? – Perséfone...A garota Manzo negou com a cabeça.

  – Sorte sua.– Disse Rafael. – Desde que eusoube da existência delas, nunca gostei. Me dáarrepio a aparência delas. Pele vermelha, asas,sem cara, cabelos pretos e espetados...

Juli esforçou-se para imaginar o que Rafaeldescrevera e, realmente, devia ser bem feio.

 – Você sabe que não pode se aproximar demim, não é? – Perguntou Julianne encarando ogaroto. – Aquele homem te falou?

Rafael assentiu com a cabeça. – Não se preocupe. Não vai acontecer nada.

Sei lidar com elas.Eles andaram cinco quadras até nalmentepararem diante de uma casa térrea, branca comaberturas vermelhas.

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 – Quem mora aqui? – Quis saber Julianne. – Não sei ao certo. Só sei o nome da pessoa. – 

Respondeu Rafael. – Jordana Ferreira dos Campos. – Ferreira? – Esse não era o sobrenome da sua anteces-

sora? – Verdade! Tinha até esquecido. – Acho que não adianta mais pesquisar com

as pessoas da sua família, não acha? Você já deveter feito todas as perguntas possíveis.

Juli assentiu com a cabeça. Realmente inter-rogara todos os familiares a respeito de Rosalva eCésar.

Rafael bateu palmas. Cachorros latiram e, emseguida, uma mulher velha, de aparentes oitentaanos, apareceu à porta da casa.

 – A senhora é Jordana Ferreira dos Campos?

 – Quem quer saber?Rafael se apresentou e depois Julianne fez omesmo.

 – Gostaríamos de conversar com a senhorasobre Rosalva Ferreira de Manzo. – Explicou Rafael.

A mulher andou, com certa diculdade, atéo portão e abriu-o.

 – Estranho alguém vir falar sobre ela depois

de tanto tempo. Entrem.Julianne e Rafael entraram pelo portão e

esperaram pela mulher diante da porta da casa. – Vamos, entrem logo.A mulher entrou e indicou um sofá para que

os dois sentassem. – A senhora pode nos contar alguma coisa

sobre Rosalva ou sobre o marido dela? – PerguntouRafael de maneira bastante objetiva.Juli retirou o diário da pequena bolsa que

carregava.

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 – Já sei de algumas coisas por causa disso. – Onde encontrou? – A mulher perguntou de

olhos arregalados. Evidentemente, para a velhota,era estranho que uma desconhecida estivesse comalgo tão íntimo de um dos membros da família dela.

Juli olhou para Rafael a espera de um sinalsobre o que responder e na falta de qualquer sinal,disse:

 – Encontrei na antiga casa dela. A primeira,onde viveu com César depois do casamento deles.

 – Querem comer ou beber alguma coisa? – Perguntou a idosa gentilmente.

Um gato, que estava em algum lugar dacasa, saltou para o colo da mulher e cou sentadoencarando os visitantes.

 – João Alfredo, o meu gato.Julianne controlou um impulso de rir.

 – Então conte-nos algo sobre ela, por favor. – Pediu Rafael.A mulher assentiu com a cabeça e começou

a falar:  – Pelo que lembro, das histórias de família,

Rosalva sempre gostou de César. Foi um dessesamores de infância que todos supunham durar prasempre. Mas César tinha um irmão que também

era louco por Rosalva...Enquanto a mulher falava, Juli imaginava os

fatos acontecendo. – ... Rosalva cou grávida, mas César nunca

chegou a saber. Alguém armou para a pobremulher.

 – O que aconteceu? – Perguntou Julianne.

Algo lhe dizia que isso era a coisa mais importanteque poderia descobrir. – O irmão de César disse a ele que a mulher 

o traía e alguém, misteriosamente, apareceu para

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conrmar a história. César não acreditou quandoRosalva se disse inocente. Expulsou-a de casa e ela

perdeu o direito a tudo o que tinha. Perdeu até aajuda da família e o apoio dos amigos... Naqueletempo, uma traição era motivo de escândalo, nãoé como hoje em dia que um homem tem duasmulheres e todo mundo acha normal.

Juli podia imaginar a raiva que Rosalva sentirapor ter sido acusada e punida injustamente.

Rafael prestava tanta atenção quanto con-

seguia. Ao que parecia não era um assunto de seutotal interesse.

 – A senhora sabe quem era o homem queajudou a incriminar Rosalva? – Perguntou ele.

A mulher negou. – Isso ninguém nunca soube.

*** – O que se faz agora? – Perguntou Juli para

Rafael quando já haviam saído da casa. – Temosque descobrir quem era o cara.

Ele assentiu com a cabeça. – Acho que temos que consultar os arquivos.

 – Disse o garoto e encarou Julianne. – Não te in-

comoda saber que tá com uma coisa feia dessasperto do lado?

Juli ergueu os ombros. – Que posso fazer? – Sei lá. Eu nunca me senti bem com essas

coisas. Se bem que nunca tive uma dessas pertode mim. – Disse Rafael. – Como pode não sentir 

nada? Estou todo arrepiado!Juli não sabia o que responder. – Apesar dos pesares, acho que não é tanto

azar. Anal, ela não faz nada com você. – Disse

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Rafael quando atravessaram uma rua. – Ao con-trário do que acontece comigo.

Julianne olhou com maior interesse. – Sempre que um espírito das trevas se apro- xima de mim é pra me prejudicar.

 – Que chato.Chegaram em Allkardie. Tudo parecia igual.

Contudo uma mulher aproximou-se de Rafael e lhedisse alguma coisa ao ouvido.

 – Vai indo pra sala do arquivo que já chego lá.

 – Falou ele para Julianne e antes que ela pudessedizer alguma coisa, já desaparecera pela porta àfrente junto da mulher.

Confusa, a garota foi caminhando para a salado arquivo. O potencializador continuava onde odeixara na última vez. Ela o apanhou e deu umaexaminada supercial. Encontrou o botão que Car -

los Magno apertara. Deu uma olhadela ao redor.Nem sinal de Rafael. Não deve ser difícil. Acho quedô conta de fazer sozinha.

Julianne apertou o botão e colocou o poten-cializador na cabeça. Concentrou-se em César. Aimagem dele materializou-se na sua frente. Mas foia única coisa que aconteceu. A gura do homempairava como um reexo na água.

 – Será que tá com defeito?Juli tentou lembrar exatamente do que zera

da outra vez. De repente, começou a sentir um ar-repio percorrer sua espinha. Um medo de algo quenão sabia o que era e tampouco de onde vinha;tirou o potencializador e olhou a esmo para todosos lados. Não havia nada ali!

Ruídos agitados do lado de fora da sala ze-ram a garota se assustar ainda mais. Eram gritos esom de gente correndo. O que estaria acontecen-do? – Juli andou até a porta e abriu-a lentamente.

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Capítulo dezO mundo dos espíritos

As coisas tornaram a clarear e Juli não reco-

nheceu o lugar em que estava. Parecia uma en-fermaria. Estava deitada numa cama de colchãomuito mole. Estaria num hospital? Mas por quê?

 – Como se sente? – Uma voz conhecida adespertou de seus pensamentos.

 – Rafael? Onde estou? Que aconteceu?O garoto olhou para os lados e aproximou-se

um pouco mais. Falou com uma voz muito baixa. – Infernais. Foi vítima de um deles.Juli franziu a testa.

 – Desculpa? – Infernais: Criaturas que transmitem medo. – 

Explicou Rafael. – Ainda não se sabe como, maseles conseguiram entrar aqui. Sabe o que isso quer dizer?

A garota fez que não com a cabeça. – Sua Perséfone pode entrar também.Rafael apanhou um copo e ofereceu-o a Juli.

 – Água uída. Te fará bem. – Que é isso? – Água. Só que espiritualmente modicada

para ajudar no que seu espírito precisa.

Juli bebeu. Não teve dúvida de que era água. – Vi você antes de tudo escurecer. Por quenão estava fugindo?

 – É uma longa história, mas não posso fugir 

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deles. Tenho que enfrentá-los. É meu destino.A garota achou aquele papo meio estranho,

mas preferiu não dizer nada.  – O que aconteceu comigo exatamente? – Ela perguntou, sentando-se na cama e candode frente para o garoto. – Vi algo que se pareciacom um morcego e de repente virou uma cobraenorme!

 – O medo. Infernais pegam aquilo que aspessoas mais temem para lhes causar pânico. Se

aquela coisa tivesse tido tempo de se aproximar mais, os uidos dela seriam transmitidos e vocêviveria numa constante crise de pânico.

 – Como sabe tanto sobre essas coisas?Rafael sorriu, mas era um sorriso sem emoção.

 – Estaria muito melhor se não soubesse denada.

Julianne encarou-o por um segundo. – Talvez tenha razão. O pouco que já sei estáme deixando maluca!

 – Lamento que tenha tido que passar por isso,mas não pudemos saber.

  – Tudo bem. – Juli levantou-se. – Será quepodemos ver arquivo agora?

 – Sim. Vamos lá.

Rafael saiu e Juli o seguiu. Chegaram rápidoà sala.

 – Tentei começar sozinha antes, mas... nãodeu certo. – Disse a garota cabisbaixa.

 – Olha, procure não fazer nada sozinha nestelugar. Tudo é muito estranho. Todas as coisas tefazem existir numa outra realidade e, existe muita

coisa ruim do outro lado. – Como assim?Rafael respirou fundo.

 – Só siga meu conselho. Agora senta aí e va-

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adiantar. – César eu... eu juro que não sei do que está

falando! – Bem que Antônio Augusto me avisou que tutentarias convencer-me a crer em suas mentiras.

 – Antônio? Que ele tem a ver com isso? – Ele alertou-me de tua traição e conhece o

infeliz com quem tu tens me traído.Rosalva não disse mais nada. Parecia ter se

convencido de que seria inútil argumentar.

 – Onde está o homem que vai ter coragemde ser cúmplice dessa mentira?

A porta atrás de César se abriu e por ela en-traram Antônio, imponente e altivo como sempre,e um homem de aparência simplória. A expressãono rosto dele não era a de uma pessoa má. A deAntônio Augusto, por outro lado, revelava traços

maliciosos como os de uma serpente que acabarade abocanhar sua presa. Rosalva olhou para Antô-nio com repugnância, parecia ter compreendidoalguma coisa.

  – E então, diga na frente de minha mulher tudo o que acabou de me dizer. – César ordenouao homem simplório.

Nos minutos seguintes, Rosalva presenciou a

total difamação de sua pessoa, a descrição deatos que ela jamais se imaginara fazendo.

A imagem parou e Juli retirou o potencializa-dor. Boquiaberta e sem saber o que dizer.

 – Nossa! Que história. – Comentou Rafael. – Oque acha?

 – Foi aquele cara. Ele foi o culpado de tudo.

Tenho certeza! – O homem que contou as histórias ou o outroque chegou com ele? – Perguntou Rafael.

 – O militar com cara de malvado. – E Julianne

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mas acabou tropeçando nos cadarços dos tênis.Esticou a mão para se apoiar na superfície plana

do espelho para evitar bater a cara. Suas mãos,porém, o atravessaram.Rafael segurou o espelho por trás para que

o mesmo não caísse. – Parece que você encontrou Julianne. – O quê? – Nossa entrada para o mundo dos espíritos.

A garota engoliu em seco. – Aquele homem, Áravore, disse para espe-rarmos.

 – Cona em mim. Vamos lá.Juli encarou Rafael. Não tinha certeza se de-

via ou não se arriscar com ele. Se o diretor disseraque era perigoso...

 – Vamos!Rafael atravessou o espelho, deixando Juli

completamente espantada. Era incrível!Insegura, ela fechou os olhos andou para o

dito. Como seria atravessar um espelho? No mo-mento em que o atravessava, foi acometida por um desconfortável formigamento no corpo e umasensação de falta de ar e quando abriu os olhos,

enxergou Rafael parado, olhando para o que lhepareceu ser um horizonte comum. Então aqueleera o mundo dos espíritos? Era, aparentementeigual ao dos vivos! Céu, árvores, ruas e casas...

 – É só isso? – Perguntou Juli desapontada. – O que você esperava? – Alguma coisa mais majestosa.

 – Certo. – Disse Rafael e encarou-a. – Fiqueatenta. Nunca estive aqui. Não sei o que podemosencontrar.

  – O quê? Como assim você nunca esteve

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aqui? Vai me dizer que não sabe para onde temosque ir também!

 – É. Você entendeu bem.Rafael começou a andar e Juli não teve cer-teza de que deveria segui-lo.

 – Sabe pelo menos como podemos voltar?  – Sei. – Respondeu o garoto e começou a

olhar ao redor. – Ótimo! Maravilha!Rafael virou-se para Juli e parecia meio ner-

voso. – Ajudaria se parasse de reclamar e me aju-

dasse a encontrar alguém!Juli sentiu o sangue ferver.

 – Tá pensando que é quem pra falar comigodesse jeito?

 – Tá. Desculpe, só que você não tá ajudando

em nada! – Se você soubesse o que fazer, talvez eu nãotivesse reclamando! Quer saber de uma coisa...

Rafael não a deixou terminar. Fez um gestolhe pedindo silêncio.

 – Vem vindo alguém. – Justicou.Os dois caram quietos, observando o estra-

nho que vinha em sua direção. Parecia uma pessoa

miúda e encurvada. – Mandados por Allkardie? – Ele perguntou.Juli ia responder, mas Rafael tomou a frente:

 – Não somos desencarnados ainda, estamosaqui para ver César de Manzo.

 – Se não são desencarnados não deveriamestar aqui. – Disse o homenzinho. – Somente Áravore

e os outros diretores têm permissão para vir. – Tenho permissão de Áravore.O homem olhou para os dois ali parados.Rafael tinha uma expressão de que estava

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com ele e ela estava presa ali no mundo dos espí-ritos? Para seu alívio, porém, o garoto apareceu.

 – Por que está parada aí? – Estava te esperando. – Respondeu Juli semlevantar-se do banco.

 – Não precisava. Disse que alcançaria você. – Tá bom. – Tinha certa ironia na voz da garo-

ta. – Você nem mesmo sabe onde temos que ir...Rafael fez uma imitação ridícula dela e tomou

à dianteira.

 – Vamos. Tem um hospital logo ali. – E apontoupara uma imponente construção mais à frente.

Juli olhou o prédio com admiração enquantose dirigiam para ele.

 – Como sabe que é um hospital? – Eu sei. É o que basta.A garota enfeiou a cara...

 – Você é bem chatinho, sabia? – Obrigado, mas você não é perfeita tam-bém.

Por algum motivo, Rafael conseguia deixar Julianne irritada e isso quase nunca acontecia.

O hospital tinha aspecto helenístico. A garotacou imaginando como alguém faria para trocar as lâmpadas, pois não conseguia enxergar o teto.

Rafael parou diante de um balcão de mármore enem precisou se dirigir à atendente, pois ela logotomou à frente da conversa.

 – Sr. Kraistos, o que o traz aqui?  – Olá, eu queria saber se César de Manzo

está aqui.A mulher puxou um maço de folhas que esta-

va sob o balcão e começou a procurar. – Sim. Mas acho que deve saber que ele nãoestá em boas condições. Faz muito tempo e nem...

 – Por favor, onde ele está?

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Rafael assentiu com a cabeça. Seu rosto as-sumiu um ar preocupado.

 – O diário! Está com ele aí? – Sim. – Use-o. É uma prova de que você, pelo me-

nos, tem contato com Rosalva.Juli apanhou-o dentro de sua bolsa. Ponderou

sobre qual seria a reação do homem quando elalhe mostrasse.

  – Sr. César? – Juli chamou baixo para não

alertar outras pessoas.O homem moveu a cabeça lentamente na

cama. Não abriu os olhos, o que deu a Julianne aimpressão de que não a escutara.

 – Ele está escutando. – Disse Rafael antes queela pudesse chamá-lo outra vez. – Não viu que semexeu?

Com o olhar xo no homem de aparênciadecadente, a garota começou: – Senhor eu... estou com o diário de Rosal-

va... – O homem franziu a testa. Evidentementenão gostara de escutar aquele nome. – Sei que oque pensa dela, mas... preciso que acredite quefoi tudo uma armação. Ela nunca o traiu; nuncadeixou de amá-lo e agora precisa de sua ajuda.

Tem que acreditar em mim...O homem abriu os olhos. Julianne reparou

que eram azuis como o mar. – Provavelmente deve estar se perguntando

quem sou eu...César não disse nada, mas fez um movimento

armativo com a cabeça.

  – Sou... quero dizer fui... bem... lha dela eagora ela se transformou numa Perséfone e estáligada a mim. Preciso que reconheça que não otraiu e que o culpado real foi seu irmão, Antônio

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Augusto. Só assim poderei viver em paz novamente!As palavras de Juli eram sinceras, mas não

comoviam o homem imóvel na cama. – Rafael por que ele não se expressa de al-guma maneira?

O garoto deu de ombros.Juli se dirigiu outra vez ao homem.

 – Senhor... – e contou-lhe outros detalhes dosquais tinha conhecimento.

Pela primeira vez, ele moveu a boca.

 – Onde ela está? – Perguntou.Juli olhou para Rafael, esperando que ele lhe

indicasse o que responder. – Ela está na Esfera Conjunta. – Respondeu o

garoto. – Presa entre o mundo dos espíritos e o dosvivos. Não pode vir aqui.

Dos olhos do homem escorreram lágrimas.

 – Filha dela? Você disse que é lha dela?Juli assentiu com a cabeça. – Eu não sabia disso até pouco tempo. Ela

começou a me mostrar coisas nos meus sonhos. – Juli aproximou-se mais do homem. – Preciso muitoda sua ajuda, senhor. Se eu não puder converter Rosalva, nunca poderei amar ninguém. Entende?

 – A garota olhou para Rafael e ergueu as mãos.

 – Não posso tocar em homens! Rosalva quer meproteger deles para que não façam comigo o quezeram com ela...

Mais lágrimas brotaram dos olhos do homem.Rafael sentou-se aos pés da cama. Parecia

cansado e entediado. – Sei que é difícil de acreditar, mas o senhor 

nunca se perguntou se as coisas que Rosalva lhedizia sobre o seu irmão eram verdade? Nuncapensou que ela podia lhe contar tudo para evitar incômodos maiores?

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A conversa com César foi longa. Juli usoutudo o que podia para convencê-lo da verdade

sobre Rosalva. – Gostaria de crer no que me falas, mas nãotenho certeza de que consigo.

 – Escute seus sentimentos há muito adorme-cidos senhor César. Pense em tudo o que vocêsviveram antes daquele episódio!

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Capítulo onze A conversão de Perséfone

Por mais que Juli se esforçasse para conven-

cer o homem, seus apelos mostravam-se inecazes.Se queria resolver aquela situação, teria que fazer melhor.

 – Rafael, tem um jeito de trazer lembrançasdo arquivo pra cá? – Ela perguntou.

O garoto pensou. – Acho que tem sim, por quê?

 – Se César visse as lembranças... pelo menosaquela de Antônio Augusto induzindo aquele po-bre homem a assumir o envolvimento com Rosal-va... aí, talvez...

Rafael entendeu o pensamento de Julianne. – Espere um momento. Já volto. – E saiu rapi-

damente pela porta. – Olha, se eu puder lhe dar provas de que o

que estou falando é verdade... será que pode re-conhecer seu erro para que ela possa lhe perdoar e todos possam enm ser felizes?

O homem fez que sim com a cabeça.Rafael voltou com uma pequena esfera na

mão. – Consegui no arquivo do hospital. Usam para

ajudar os pacientes a se restabelecer. – Explicou.Ele passou o objeto às mãos do homem. – Coloque perto do olho e assista, por favor.O dito, com diculdade, o fez.

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Juli e o garoto Kraistos aguardaram ansiososaté que o homem disse:

  – É verdade! Foi meu irmão! Meu próprioirmão!A força dele voltara ao corpo. Agora, Juli

sentia rmeza em sua voz e segurança em seusmovimentos.

  – Como ele pôde? Aquele desgraçado! Eeu... – Novas lágrimas. – Eu culpei Rosalva... a to-quei de casa...

 – Não é tarde senhor César. – Disse a garota. – Pode se redimir com ela. Vocês ainda podemrecuperar o tempo perdido aqui neste mundo!Venha com a gente até a Esfera Conjunta...

 – Não posso sair daqui. Sinto muito. – Falouele e deu às costas para Juli. – Não tenho autori-zação. Como viram, somente agora consegui me

recuperar. – E virou-se novamente com um brilhodiferente no olhar. – Se você é mesmo lha delaentão... quer dizer que... é minha lha também!

Juli não tinha pensado naquilo, mas era umfato. Ela olhou para Rafael.

 – O que vamos fazer? Já zemos o que eramais difícil!

 – Acho que se César procurasse o ministro,

talvez, pudesse obter uma permissão. Eu soube queeles são bem exíveis quando se trata de fornecer ajuda a um espírito que está nas trevas.

Assim, resolvidas as questões burocráticas dohospital, os três foram ter com o ministro do espíritos,sr. Venerando. Juli estava tão empolgada com a

possibilidade de se livrar de todo aquele pesadelo,que sequer reparou na arquitetura helenística doprédio ou em como seu amplo interior era bemdecorado.

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preparou-se para avançar para eles, mas a garotase colocou na frente. Àquela altura do campeona-

to, já não lhe importava se lhe aconteceria algumacoisa. De nada lhe adiantaria viver se não pudesseser normal!

 – Pare Rosalva. Já chega!Juli tinha segurança na voz tanto quanto

 jamais tivera. – Não reconhece o único homem que amou?

Sim, Rosalva. César sabe que não foi sua culpa. Ele

veio pedir perdão.Perséfone ainda se mostrava ofensiva.

  – Rosalva... por favor, me perdoe! – PediuCésar. – Eu não sabia... eu não sabia...

As lágrimas caíam dos seus olhos. Muitosespíritos que passavam pelo local olhavam curio-samente.

  – É um caso de família. – Rafael justicavaquando um ou outro parava para ver o que acon-tecia.

 – Se é minha mãe de verdade... – ComeçouJuli. – Coloque um m nessa raiva toda. Deixe-meser normal. Ser feliz!

Perséfone pareceu perder suas forças. Caiude joelhos no chão com suas asas amorcegadas

murchas.César aproximou-se.

  – Rosalva, por favor me perdoe, eu nuncateria imaginado. Perdoe-me por não acreditar em ti. Eu sempre te amei, desde quando éramospequenos, tu não lembras?

O céu se abriu e da abertura desceu um feixe

de luz que atingiu Perséfone. – O que está acontecendo? – Perguntou Julisem tirar os olhos da luz.

 – Não sei. É a primeira vez que vejo isso! – Res-

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pondeu Rafael.César permanecia de joelhos tão pasmo

quanto os outros dois.Através da luz, Juli vislumbrou Perséfone sus-pensa no ar. Parecia que estavam lhe arrancandoa alma das entranhas. Finalmente três pombasexageradamente brancas subiram ao céu carre-gando alguma coisa escura que se debatia. A luzdesapareceu junto com elas.

Onde estava Perséfone, agora havia a si-

lhueta elegante de uma mulher de cabelos claroscaída no chão, aparentemente, desacordada.

  – Acho que conseguimos. – Disse Rafael eolhou da mulher para Juli. – Perséfone não existemais...

Juli sorriu.A mulher de cabelos claros moveu-se, mas

ninguém se aproximou para ajudá-la. Eles queriamter certeza de que aquela era, de fato, Rosalva. – César!Foi o primeiro nome que ela falou. Possivel-

mente a primeira pessoa que reconheceu. – Acabou. – Conrmou Rafael.O homem apressou-se em abraçá-la. Ambos

estavam felizes. Choravam lágrimas de puricação

e, quando estas deram um momento de folga,Rosalva dirigiu-se a Julianne, sorrindo.

 – Obrigada. – Fico feliz de nalmente ter resolvido tudo. – 

Disse a garota e sorriu também. – Desculpe pelo transtorno, mas eu não con-

seguia voltar a ser quem eu era sozinha.

César segurou a mão de Rosalva e sorriu paraJulie e Rafael ali parados. – Até algum dia. – Disse e no instante seguinte

ele e a mulher viraram luz.

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Juli olhou para Rafael. Sentia como se o pesodo mundo tivesse saído de cima de seus ombros.

 – Obrigada pela ajuda. – Não tem que agradecer. Fiz o que me pe-diram.

Os dois adentraram o centro e foram trazidosde volta à realidade dos vivos por Áravore. Ao con-trário do que Julianne imaginou, ele não pareciazangado.

 – Imaginei que não esperariam pela ajuda de

Carlos Magno. – Disse ele. – E co feliz que tenhamconseguido resolver o problema sozinhos. O univer-so daquele casal está outra vez em equilíbrio e asvítimas de Perséfone logo estarão recuperadas.

Juli sentiu-se feliz ao escutar aquilo. – Então, acho que posso ir pra casa. Sou uma

pessoa normal outra vez! – E já ia saindo quando

Rafael a chamou. – Posso acompanhar você?Ela aproximou-se do rapaz e sorriu.

 – Eu já sei onde isso vai dar. – E inclinou seurosto para o do garoto, tocando levemente seuslábios nos dele. – Mas se, ainda assim, quiser melevar eu aceito.

Rafael sorriu.

Os dois saíram juntos do centro. Juliannesentindo-se a pessoa mais feliz do mundo enquantocaminhava pelo asfalto cinzento ao lado de Rafael.Agora tinha certeza de que o amor era, de fato,o único sentimento capaz de modicar o mundo,de se sobrepor à maldade... um sentimento quenalmente ela poderia sentir por tantas pessoas

quanto fosse capaz...

Fim.

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