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A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DOS GARIMPEIROS DE DIAMANTES EM COROMANDEL,
MINAS GERAIS (1950-2001).i
Carlos Lucena
Universidade Federal de Uberlândia [email protected]
Palavras-chave: Formação profissional; garimpeiros de diamantes; trabalho
A análise da produção e formação profissional dos garimpeiros de diamantes da
cidade de Coromandel implicou em descobertas, desafios, conflitos e esperanças dos
habitantes da região quanto aos desdobramentos desse processo produtivo. Devemos
considerar que as discussões em torno do assunto não são novas e remetem-se ao ciclo
dos diamantes no Brasil, especialmente com seu recorte no estado de Minas Gerais,
acirrando as utopias de riquezas e fortunas na região, processos que permaneceram
vivos nas expectativas daqueles que sobrevivem em função da extração e venda de
diamantes.
O ciclo de diamantes no Brasil foi um processo que durou aproximadamente 150
anos, abrangendo a metade do século XVIII até o final do século seguinte, quando o
Brasil foi o maior produtor mundial de diamantes. A cidade de Diamantina, ainda no
século XVIII, produziu cerca de três milhões de quilates em diamantes.
A cidade de Coromandel e sua economia foram influenciadas por esse processo.
Fundada em 07 de setembro de 1923, com população aproximada de 29.298 habitantes,
distante 477 km de Belo Horizonte, 420 km de Brasília e 170 km de Uberlândia, em
seus garimpos foram encontrados 15 entre os 20 maiores diamantes brasileiros. A
exploração de diamante é a atividade mais antiga do município. Foi nesta cidade
encontrado o maior diamante do Brasil em 1933. A pedra foi lapidada e presenteada a
Rainha Elizabeth da Inglaterra pelo então presidente do Brasil, Getúlio Vargas. A
cidade apresenta ainda investimento na agricultura, na produção de calcário, aguas
minerais, entre outros.
A circulação, lapidação e venda de diamantes contitui-se em um processo
econômico mundializado, cuja circulação justificam relações de opressão e de poder.
Devemos considerar que a sua produção varia de país para com país, justificando
guerras, fome, opressão e violência. Ao mesmo tempo, desenvolve-se um conflito entre
a legalização ou não desses diamantes, envolvendo grupos sociais e interesses distintos.
Quando fazemos essa afirmação nos referimos aos conflitos existentes entre os
denominados “diamantes de sangue” oriundos de alguns países africanos que são
utilizados como moeda de troca de armamentos que financiam conflitos internos nesses
países. Os mesmos são oriundos de trabalho escravo e condições precárias do
subsistência humana. São a justificativa de uma circulação armamentista, cujas bases se
encontram em um movimento de utilização máxima das tecnologias que são produzidas,
mantendo a velocidade de circulação sobre controle. Com efeito, ao mesmo tempo em
que são criadas como novidades em países desenvolvidos, o seu processo destrutivo não
implica no seu desaparecimento, mas sim o envio dessas tecnologias para países
subordinados em termos de desenvolvimento tecnológico. A contradição entre a
produção e a destruição garante a subordinação de continentes para continentes, de
grupos transnacionais para Estados nacionais, etc.
A dialética entre os diamantes de sangue e circulação de armamentos e
tecnologias obsoletas se explica por esse princípio. Com a queda do Leste Europeu, os
estoques de armamentos obsoletos, de países que o compunham, foram vendidos para
grupos de poder em lutas internas pelo controle político de seus países. Essas armas
foram vendidas também ao narcotráfico internacional que as utilizou como garantia de
circulação de suas mercadorias: a cocaína, o crack, a heroína, entre outras. As mesmas
proporcionaram a consolidação de um círculo vicioso da morte, que tem início pela
adoção de armas tanto contra a repressão do Estado, como pela garantia da supremacia
dos conflitos entre traficantes rivais pelos pontos de venda e consumo, e se completa
pelo provável destino daqueles que a consomem e não conseguem se libertar: o óbito.
Não podemos desconsiderar que a indústria armamentista recebe o maior
investimento percentual em toda a produção capitalista. Em conferência realizada na
Anped (Associação Nacional de Pesquisa em Educação) em 2004, José Dias Sobrinho
relatou que dois dias de investimento dos EUA nas indústrias bélicas norte-americanas
são suficientes para financiar toda a universidade pública da América Latina durante um
ano. Boron (2004, p. 144) afirma que os Estados Unidos são responsáveis pela metade
dos gastos mundiais em armamentos, e mantém bases e missões de treinamento militar
em 121 países do planeta. Mészáros (2004, p. 285) aponta que o complexo militar-
industrial controla 70% de toda a pesquisa científica dos EUA. Ao mesmo tempo, na
Grã-Bretanha os índices percentuais correspondem a 50%.
Devemos considerar um triste prognóstico voltado para a criação de
necessidades que garantam a circulação dessas mercadorias. Em outras palavras, a
elaboração de processos sociais mundializados fomentadores da violência como
pressupostos para a circulação armamentista. Isso se denomina no estabelecimento de
uma indústria da guerra permanente que subordina nações por nações, grupos de poder
por grupos de poder. Mészáros realiza uma crítica à concepção armamentista que
influencia a ciência capitalista e sua produção. Ao realizar este percurso, afirma que
uma sociedade baseada em uma divisão do trabalho consolida um movimento dialético
ao qual as forças materiais correspondem às determinações estruturais fundamentais da
sociedade que produzem os homens que necessitam, mesmo no âmbito da ciência. Esse
é um movimento que possibilita a imposição de imperativos estruturais destrutivos
sobre toda a sociedade, desconsiderando as conseqüências.
Essas são preocupações não são novas e estão presentes nas fases mais
marcantes do capitalismo. Em conferência à favor do desarmamento proferida em 1932,
nos alicerces da elaboração da 2ª Grande Guerra Mundial, Einstein em seu livro “Como
vejo o mundo” afirmou que
Os americanos estão hoje inquietos com a situação econômica de seu
país e suas conseqüências. Os dirigentes, cônscios de suas
responsabilidades, esforçam-se principalmente por resolver a terrível
crise de desemprego em seu próprio país. (...) Mas a economia liberal
não irá resolver automaticamente as próprias crises. Será preciso um
conjunto de medidas harmoniosas vindas da comunidade, para
realizar entre os homens uma justa repartição do trabalho e dos
produtos de consumo. Sem isso, a população do país mais rico se
asfixia. Como o trabalho necessário para as necessidades de todos
diminuiu pelo aperfeiçoamento da tecnologia, o livre jogo das forças
econômicas não consegue sozinho manter o equilíbrio que permita o
emprego de todas as forças de trabalho. (...) Hoje, poucos indivíduos
pensam realmente que as técnicas de guerra representam um sistema
vantajoso, aplicável à humanidade para resolver os conflitos
humanos. Mas os outros homens não têm lógica nem coragem para
denunciar o sistema e impor medidas que tornem impossível a guerra,
este vestígio selvagem e intolerável dos tempos antigos. (...) Nenhum
acontecimento dos últimos anos foi tão humilhante para os Estados
civilizados quanto essa sucessão de malogros de todas as
conferências anteriores sobre o desarmamento. Os politiqueiros
ambiciosos e sem escrúpulos, por suas intrigas, são os responsáveis
por esse fracasso, mas também, por toda parte, em todos os países, a
indiferença e a covardia. Se não mudarmos, pesará sobre nós a
responsabilidade do aniquilamento da soberba herança de nossos
antepassados. (...) assim se pensa nos Estados Unidos: “A Europa vai
perder-se se deixar levar pelos sentimentos de ódio e de vingança dos
seus habitantes. (...) Seria meu dever adverti-los: suas fronteiras já
foram transpostas. Olhem ao redor de vocês, tomem cuidado!
(EINSTEIN, 1981, p. 80-81)
Problematizar a indústria armamentista implica em conceber que sua produção é
voltada para a elaboração de mercadorias da morte, a materialização da irracionalidade
humana pela transformação da natureza. Em um processo ao qual a sociedade produz os
homens que ela necessita, constatamos um triste prognóstico que se explica pela própria
divisão de classes sociais: os pobres constroem as armas que matam os próprios
pobres, mas se esquecem que são os ricos que as vendem. Com o avanço da
destrutividade do capitalismo, apontamos um prognóstico que infelizmente supera o
acima enunciado: os pobres constroem as armas que matam os pobres, os filhos dos
pobres, os filhos dos ricos e os próprios ricos que as vendem. A criação que se volta
contra o próprio criador.
Perry Anderson em Conferência proferida na Conferência Geral do Conselho
Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) em 2003 desenvolveu uma crítica
radical ao papel da Organização das Nações Unidas (ONU), denominado-a como
defensora dos interesses das grandes potencias sobre os demais países em nome de
principios de igualdade e democracia. Essa estrutura legitimadora de uma máquina de
guerra proporciona os Estados Unidos bloquear, bombardear e invadir outras nações
com menor poder econômico de acordo com seus interesses políticos e militares.
Da primeira Guerra do Golfo em diante, a ONU funcionou como um
instrumento dócil de suas sucessivas agressões, mantendo durante
uma década o bloqueio criminoso ao Iraque, que causou entre 300 e
500 mil mortos, a maioria crianças, legitimando o ataque da OTAN
contra a Iugoslávia, onde propiciou e continua propiciando serviços
pós-vendas aos agressores em Kosovo, e agora colaborando com os
ocupantes do Iraque para construir um governo de marionetes
estadunidenses em Bagdá e coletando fundos de outros países para
financiar os custos da conquista do país. Desde o desaparecimento da
União Soviética, o manto de Washington sobre a ONU se tornou
quase ilimitado. A Casa Branca escolheu diretamente, sem nenhum
pudor, o atual Secretário-Geral como seu mordomo administrativo
em Manhattan, descartando seu antecessor como insuficientemente
servil aos Estados Unidos. O FBI escuta às escondidas todas as
delegações estrangeiras na Assembléia Geral. A CIA infiltrou-se sem
sequer desmentir suas atividades, de conhecimento público, no grupo
dos assim chamados inspetores no Iraque, dos pés à cabeça. Não há
medida de suborno ou chantagem que não utilize diariamente o
Departamento de Estado para submeter os representantes das nações
a sua vontade. Há ocasiões, ainda que cada vez mais raras, quando a
ONU não aprova explicitamente os projetos e decisões dos Estados
Unidos nos quais Washington toma a iniciativa unilateralmente, e
então a ONU o autoriza a posteriori, como um fato consumado. O
que jamais acontece agora é que a ONU rejeite ou condene uma ação
estadunidense. (…) Tão longe como se pode ver na última resolução
do Conselho de Segurança, votada neste mesmo mês de outubro.
Nela, o órgão supremo das Nações Unidas solenemente deu as boas-
vindas ao conselho títere das forças de ocupação do Iraque,
designando-o a encarnação da soberania iraquiana, condenando os
atos de resistência à ocupação, chamando todos os países a ajudar na
reconstrução do Iraque sob os desígnios dessas mesmas forças títeres
e nomeando os Estados Unidos como mandatários reconhecidos de
uma força multinacional de ocupação do país. Esta resolução, que
não é outra coisa que o ato de bendição da ONU à conquista do
Iraque, foi aprovada unanimemente. Assinaram-na: França, Rússia,
China, Alemanha, Espanha, Bulgária, México, Chile, Guiné,
Camarões, Angola, Síria, Paquistão, Reino Unido e Estados Unidos.
A França supostamente gaullista, a China supostamente popular, a
Alemanha e o Chile supostamente social-democratas, a Síria
supostamente baasista, a Angola resgatada certa vez por Cuba de sua
própria invasão, para não falar dos demais clientes mais familiares
dos Estados Unidos, todos cúmplices da recolonização do Iraque.
Esta é a nova hegemonia mundial. Combatamo-la. (ANDERSON,
2003, s.p.)
Ao mesmo tempo em que uma indústria de guerra movimenta completas
relações de poder em âmbito transnacional, garantindo a supremacia de grupos políticos
em diferentes nações do planeta, ao qual, especialmente, em nações subordinadas em
termos da circulação da produção capitalista, o pagamento com diamantes de sangue
assume papel de destaque, vemos também movimentos em termos garantir a
certificação dos diamantes produzidos.
É o que se observa nos movimentos contra a clandestinidade através da
construção de processos de certificação da produção de diamantes, entre os quais o
certificado de kimberli merece destaque. O mesmo é encampado pelos grandes
joalheiros mundiais, tendo como objetivo combater os diamantes de sangue e os
sistemas de circulação voltados para originalizar a sua produção. O mesmo visa evitar
iniciativas que garantam o financiamento de injustiças sociais na ponta da produção,
determinando onde o mesmo foi produzido, se foi ausente das áreas de conflito social e
sem trabalho infantil.
Quando analisamos o processo de produção e venda de diamantes em termos
mundiais, percebemos que sua circulação implica na mudança do preço final e público
atingido. Devemos considerar que o diamante, desde sua extração até venda final passa
por processos de lapidação que alteram singularmente o seu preço final. O mais
complexo sistema de lapidação de diamantes se encontra na África do Sul, através da
empresa Debiars, responsável pelo controle de 35% do mercado mundial. A mesma
controla os preços de diamantes entre 3 e 10 quilates. A índia controla a lapidação dos
diamantes pequenos, menores de 3 quilates. A Antuérpia e os Estados Unidos
desenvolveram também uma linha de montagem de lapidação de diamantes maiores de
3 quilates. A Bélgica, apesar de não produzir diamantes em seu território, hegemoniza a
negociação de diamantes, sendo que 80% dos diamantes produzidos são negociados por
esse país.
Quando nos remetemos a esse movimento internacional de produção, circulação,
venda e compra de diamantes, verificamos complexos processos presentes na cidade de
Coromandel. São processos que alteram consideravelmente o valor de produção desde
sua base até o preço final. Entre os exemplos obtidos a partir da visita de campo às
atividades e representantes dos garimpeiros, foi um diamante de 136,36 K Bruto que foi
vendida em Coromandel por dois milhões de dólares e, após lapidada, sendo
transformada em uma pedra de 72K foi vendida por 13 milhões de dólares na Europa,
aproximadamente 180 mil dólares por K.
Existem diferentes concepções entre os garimpeiros sobre esse distanciamento
entre o preço inicial e final da pedra. Uma justificativa para essa questão é apresentada
pelos representantes dos garimpeiros maquinários, ao qual abordaremos um pouco mais
a frente, defendendo que na compra do diamante, corre-se o risco de ao lapidar a pedra,
devido ao seu grau de dureza, a mesma se quebrar, podendo perder todo o investimento
na pedra bruta. Por outro lado, os representantes dos garimpeiros manuais denunciam
condições de exploração no trabalho nos garimpos. De acordo com as informações
obtidas pelos representantes da cooperativa, existem cartéis para a compra de diamantes
na região que determinam os preços que os mesmos devem ser comercializados.
Quando um diamante é descoberto, o seu preço é taxado pelos compradores a valores
abaixo do que valem. Uma vez que uma oferta é realizada, o garimpeiro não consegue
obter valores maiores de outros compradores, mas sim com ofertas inferiores à primeira.
Um exemplo foi um diamante de 32 kilates vendido em Coromandel por 500 mil
dólares e revendido no exterior por 6 milhões de dólares. Apesar de a Caixa Econômica
Federal oferecer apoio e cotação da pedra ao garimpeiro, bem como comprá-la a valores
de mercado, boa parte dos garimpeiros preferem negociar com os atravessadores e em
virtude de obter acesso mais rápido ao dinheiro. Isso se explica através da existência de
um sistema de sonegação de impostos na venda de diamantes na região. O sistema de
sonegação de impostos reduz o preço das pedras em virtude das mesmas serem vendidas
ilegalmente, sem registro de sua produção.
O garimpo de diamantes da cidade é organizado através de cooperativas de
garimpeiros que compreende a extração manual e através de maquinário. A cooperativa
dos garimpeiros manuais é denominda como Copemg, composto por um grupo político
ligado à atual administração da cidade. A cooperativa dos garimpeiros maquinários é
denominada por Coopergac – Cooperativa dos garimpeiros da região de Coromandel.
Ela é composta por um misto garimpeiros maiores e menores e possui 134 cooperados
(14 gingues)
O garimpeiro minerador é aquele que recebe um salário mensal para a
mineração. Ao contrário do garimpeiro manual, possui um vínculo empregatício com
uma mineradora. Os garimpeiros de maquinários são aqueles que trabalham com
Jinckes, ou seja, maquinários que aceleram a velocidade de verificação e lavagem das
pedras. O processo consiste em uma máquina, geralmente um trator, remover partes do
solo e inseri-lo em uma máquina – os jinclers – para que a mesma faça a lavagem e
permita a verificação se existem diamantes. A ilustração abaixo demonstra o trabalho de
extração de diamantes por maquinário.
Foto garimpo de maquinário Coromandel
Os garimpeiros manuais são aqueles que desempenham as suas funções no
trabalho com a peneira. Os mesmos não atuam sozinhos, mas sim como sócios de um
fornecedor, geralmente um membro da cidade, e que obtém através de compra os
direitos para minerar em uma área específica a um custo de 500 reais. Constitui-se com
isso uma relação entre o fornecedor e o garimpeiro através do qual o garimpeiro manual
recebe um salário mínimo por mês. No caso de encontrar uma pedra, ele tem um
percentual de 15% do valor da pedra. Em termos da composição dos valores dos
diamantes encontrados, 5% por cento ficam para o dono das máquinas. 5% para as taxas
da água de lavagem, e 2% para a cooperativa. Considera-se que todas as taxas inclusas
na mineração permitem a obtenção de um valor líquido de 40% do preço do diamante.
Essas iniciativas são realizadas também como forma de frentes de trabalho que evitam o
aumento do desemprego na cidade. Devemos considerar que no garimpo manual, em
alguns casos, os garimpeiros chegam a trabalhar 3 anos sem encontrar qualquer
diamante.
Configura-se uma relação de confiança entre garimpeiros e seus empregadores,
sejam oficiais ou não. Essa relação de confiança se baseia em um princípio ético pelo
qual o garimpeiro se compromete a não roubar o diamante caso o encontre. O roubo é
entendido na profissão como uma falta grave, sendo o mesmo, em alguns casos,
condenado à morte. A Ilustração abaixo aponta o trabalho de garimpeiros manuais.
Foto de garimpeiro manual em Coromandel
Algumas questões consideráveis foram abordadas pelos seus representantes em
termos da produção na região. Deve-se considerar que os garimpeiros manuais não
chegam a 3 mil. A redução da produção de diamantes afeta a economia da cidade. De
acordo com dados do IBGE, houve um decréscimo de 1400 habitantes na população da
cidade em virtude da redução do garimpo. Percebe-se um envelhecimento dos
garimpeiros que ainda trabalham, tendo dificuldade de renovação para a formação de
novos trabalhadores. Somam-se a essas questões o processo de modernização do
garimpo. O incremento de máquinas, como os Gingues, acelera o processo de
tratamento do material exaurindo a potencialidade de produção de diamantes. O custo
elevado de manutenção, compra e operação desses equipamentos levou à quebra de boa
parte dos garimpos.
Foto de trabalhador garimpeiro em Coromandel
Existe na região uma preocupação com os desdobramentos do garimpo e
os impactos ambientais. Essa é uma preocupação que se desenvolve a partir do início da
década de 1990, quando se intensificam as preocupações com a produção e o impacto
ambiental. Os garimpos no rio passam a ser os mais observados, uma vez que a ausência
de cuidados pode levar ao açoriamento do rio. Essa dimensão ambiental e os conflitos
com as empresas transnacionais que atuam na região levaram ao fechamento da maior
parte dos garimpos da cidade, seja de legislação e ambientais, levando ao aumento da
falta de ocupação e de empregos na região.
Verificamos também a existência de crimes ambientais, o que nos foi mostrado
com laudos de vistoria e fotografias da região. Para a obtenção de barro para a
fabricação de tijolos, uma lagoa, pertencente metade à iniciativa privada e a outra
metade ao setor público, foi drenada, causando a morte de centenas de peixe, sem o
conhecimento do Estado. A parte privada da lagoa foi vendida para as empresas
produtoras de tijolos e a mesma instalou um dreno de aproximadamente 3 metros de
largura, 4 metros de altura e quinhentos metros de comprimento, despejando águas da
lagoa no Rio Paranaíba, secando a lagoa totalmente. A venda da parte privada foi
realizada por aproximadamente 1 milhão de reais, estimando-se que existam diamantes
embaixo do barro a ser retirado.
Dreno instalado para retirar água de lagoa na região
Extensão da água para o Rio Paranaíba
Destruição ambiental em virtude do dreno instalado
Peixes mortos em função da drenagem da lagoa
Percebe-se um conflito entre os empresários de diamante na região pelo controle
das áreas de garimpo. A esse processo se somam os atravessadores que vendem direito
de concessão de garimpo em terras que não suas. O Fazendeiro cobra entre 10 a 15% do
valor da pedra só para deixar trabalhar na sua terra e 2,5% só para chegar ao rio. Todo
esse movimento de denúncias levou o Ministério Público a fechar as áreas de garimpo,
aumentando a pobreza na região.
Os representantes da cooperativa dos garimpeiros manuais realizaram
severas críticas às questões ambientais e políticas inerentes às áreas do garimpo.
Afirmaram que na Serra da Canastra houve incorporação ao patrimônio da Unesco uma
área de produção de 72 mil hectares, impedindo o garimpo de funcionar, com boa parte
da população local que vive em função do garimpo passando necessidades e com a
sobrevivência em risco. O dinheiro da compra das regiões pela Unesco não é revertido à
população.
Algumas mineradoras são controladas por empresas transnacionais que não
exploram os diamantes na região, mas sim, conforme afirmam os membros da
cooperativa dos garimpeiros manuais, “desenvolvem pesquisas”. A região apresenta
indícios de uma atuação por parte das transnacionais voltadas para o gerenciamento de
riquezas e recursos hidrominerais, semelhantes aos processos utilizados no segmento
petrolífero. As empresas controlam a maior parte dos garimpos da região.
De acordo com os representantes dos garimpeiros de maquinário da região,
existe um processo de especulação de terras de garimpo desenvolvido pelas empresas
transnacionais. Um sistema de especulação de pedras utilizado para atrair investidores
internacionais que rende milhões de dólares. O sistema consiste na elaboração de títulos
minerais falsos que atestam a existência de pedras em larga escala na região controlada.
Não existe produção dessas empresas, mas sim um marketing voltado à expectativa de
superprodução de diamantes, o que permite a valorização e venda de ações de uma
empresa para outra. Esse é um palco de conflitos pelo controle da produção de
diamantes com desdobramentos cruéis, uma vez que denúncias dessas questões são
reprimidas com ameaças de morte aos executantes. Essa é uma ação que permite a
construção de uma estrutura virtual de produção que impede os garimpeiros de
trabalharem.
Até agora analisamos as condições sociais de trabalho dos garimpeiros
estabelecendo um movimento dialético que o perceba dentro de processos
transnacionais voltados para a produção e circulação de diamantes. Agora analisaremos
os pressupostos da formação desses trabalhadores, os princípios do conhecimento tácito
manifestado por um saber histórico presente em diferentes gerações de garimpeiros.
Os garimpeiros e a formação profissional em termos do conhecimento tácito. A
formação profissional dos garimpeiros de diamantes em Coromandel obedece a
características que variam das demais profissões inerentes ao capitalismo monopolista.
Não podemos considerar a discussão inerente à necessidade ou não de maio nível
escolar para o desempenho desta função. O embate sobre o incremento intelectual como
pressuposto para o entendimento de uma produção cada vez mais maniquizada tem
dificuldade de se aplicar nessa profissão.
Os garimpeiros de diamantes apresentam altos índices de analfabetismo,
constituindo-se em um universo de trabalhadores não letrados. Os princípios da sua
profissão se baseiam em sonhos de riqueza e prosperidade conseguidos em curto espaço
de tempo, o salto da pobreza para a riqueza em desconsideração aos complexos
processos de acumulação do capital presente no capitalismo em sua fase monopolista.
Voltaremos a essa questão um pouco mais a frente.
Toda a formação profissional dos garimpeiros tem suas bases na dimensão do
conhecimento tácito, um saber construído pela experiência no trabalho concreto
manifesto nas atividades laborais de busca e identificação de diamantes em face as
outras pedras sem valor.
A discussão do conhecimento tácito é complexa e se remete a diferentes áreas da
produção capitalista. Essa é uma discussão que não é nova, o contrário, está presente em
toda a produção humana, uma vez que se manifesta em um conhecimento incontrolável,
condição fundamental para que a produção se realize. Santos (1997) oferece importante
contribuição a esse debate ao afirmar que o conhecimento tácito é um espaço em que as
soluções criadas pelos trabalhadores são fundamentais para que a produção se efetive. O
trabalho convoca a inteligência de cada trabalhador, do coletivo do trabalho na
descoberta, na aprendizagem, no desenvolvimento e na produção de saberes. A
divulgação e o aprendizado do conhecimento tácito ocorrem informalmente, através das
relações no cotidiano fabril. Um conhecimento que é restrito ao fazer, pois o seu
domínio é condição fundamental para a concretização do processo produtivo. É um
lembrete do fazer ao saber, pois aponta a dependência e os limites do trabalho morto em
relação ao trabalho vivo, a afirmação de que os homens são essenciais no trabalho.
Ele existe independente da escola formal, pois se constrói de uma forma
empírica, através de um processo histórico que se consolida a partir da relação entre o
homem e a máquina. Aranha (1997: p. 14) define o conhecimento tácito do trabalhador
como um processo contínuo e essencial ao andamento cotidiano do trabalho. É
dificilmente codificável o que dificulta a sua sistematização, mas é extremamente
dinâmico, estando presente em, praticamente, todos os processos de trabalho conhecidos
no capitalismo. O cotidiano produtivo apresenta incertezas técnicas e organizacionais
que obrigam o trabalhador a adotar o trabalho prescrito às condições reais de sua
execução. O trabalhador modifica constantemente o conteúdo do trabalho, a tarefa, a
utilização da ferramenta, a administração do tempo, etc. O conhecimento tácito é a fonte
onde o trabalho real se alimenta e se efetiva.
Esse conhecimento não tem merecido o enfoque necessário, em virtude da
dificuldade de o mesmo se expressar, visto que ele existe envolto em mistério. Ao
mesmo tempo, o capital o despreza, o concebe como algo natural, inerente à produção, e
não como uma estratégia de luta de classes, que questiona o seu controle no cotidiano
fabril. De acordo com Santos (1997: p. 16) esses saberes jamais ganharam legitimação
que os validasse tanto do ponto de vista epistemológico como, também, econômico,
social, político e cultural. O que distingue o saber da concepção e o que lhe dá
legitimidade é a sua formalização, sancionada por um conhecimento social e
epistemologicamente reconhecido – materializado num diploma de curso superior – e é
por essa virtude que ele se apresenta como não comparável àquele desenvolvido na
execução. A incapacidade de formalização que caracteriza o saber da fábrica baseia-se
no princípio de equivalência entre linguagem e cultura. O mesmo supõe que o que não é
simbolizado, formalizado, equivale a uma falta de cultura. A formalização entendida
nessa perspectiva tem como referência uma linguagem própria ao saber já formalizado,
e uma idéia de cultura que aponta para a incultura como uma falha de linguagem.
O conhecimento tácito se formula pelas relações dos trabalhadores com as
máquinas manifestas através da experiência, uma formulação humana e histórica
presente através da memória do trabalho concreto. As reflexões em torno da experiência
não são novas e inquietam pesquisadores em toda a história da filosofia.
Aristóteles em Metafísica teceu reflexões sobre a experiência, construindo uma
gnosiologia organicista que pudesse entender qual o sentido da sabedoria e do
conhecimento. Realizou uma analogia entre os animais da natureza, diferenciando-os
pelo nível de complexidade e abstração que seriam os pressupostos fundamentais para a
distinção dos seres com memória. Esse estudo foi fundamental para a defesa da
superioridade do homem para com os outros animais da natureza, pois o primeiro tem
uma capacidade superior de aprender pela experiência, dando sentido a sua própria vida.
Porém, afirma Aristóteles, esse não é um processo individual, mas sim coletivo, no qual
o homem aprende com o conhecimento do outro e, ao mesmo tempo, transmite seus
conhecimentos para os outros homens. Esse pressuposto de troca é o que Aristóteles
denomina como técnica, a principal característica do homem que demarca o início do
mundo da cultura e inicia o mundo propriamente humano.
Kant em a “Crítica da razão pura” também problematiza a dimensão da
experiência afirmando que a mesma só é possível pela representação de uma ligação
necessária das percepções. Ela é um conhecimento empírico, uma síntese de percepções
do homem para com o objeto que encerra a unidade sintética de sua diversidade no seio
de uma consciência, unidade que constitui o essencial de um conhecimento dos objetos
dos sentidos. A experiência se dá pela necessidade, tendo como condição fundamental a
ligação de todas as percepções humanas sobre o objeto.
Quando articulamos a experiência como pressuposto fundamental para a
recuperação do conhecimento tácito, entendemos que a percepção da sua complexidade
só é possível através da problematização da totalidade do trabalho concreto expressas na
dinâmica do capitalismo monopolista nas últimas décadas, no qual o particular se
explica no geral e vice versa. Nesse processo, composto de mediações, rupturas e
conflitos, a percepção do conhecimento tácito se dá através das transformações na
organização técnica da produção capitalista que por sua vez se explicam pelas
transformações no mundo do trabalho que impactam nas formas humanas de viver e
sentir a vida.
Essa afirmação toma como referência as expectativas de riqueza em curto prazo
que demonstramos anteriormente. Movidos por pressupostos históricos do ciclo dos
diamantes desenvolvido na região responsável pela construção de sonhos de riqueza e
prosperidade em uma região controla pelo coronelismo, através do qual os juros e
dividendos dessa relação também foram obtidos em grande parte pelos coronéis e seus
grupos políticos aliados, os garimpeiros de diamantes assumiram essa perspectiva como
suas, como esperança de renovação de dias melhores.
Toda essa discussão tem suas bases em princípios ideológicos liberais que
entendem a riqueza não como um processo de acumulação histórica do capital, mas sim
como um processo individual, presente nas competências individuais, dos quais as
saídas também são individuais.
Esses pressupostos permitem a consolidação de relações políticas locais que
gerenciam a pobreza e desprezam todo um movimento dialético presente na produção
capitalista ao qual os mesmos estão inseridos. O que assistimos é um amplo processo de
legitimação de grupos políticos de poder em detrimento a um conjunto de trabalhadores
condenados a condições miseráveis de sobrevivência. Considerando o processo de
circulação e valorização de diamantes tal qual afirmamos anteriormente, verificamos as
utopias, sonhos e estórias construídas pelos mesmos, baseadas em dias melhores e de
prosperidade se chocam com uma realidade material concreta e cruel que colocam
limites às suas aspirações.
A possibilidade de ascensão social com a busca de diamantes é praticamente
inexistente, consolidando-se em um universo de sonhos que não levam a lugar algum:
as justificativas de uma população sofrida em um região igualmente sofrida e com
poucos recursos, condenada à miserabilidade crescente.
REFERÊNCIAS
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