A Igreja primitiva sobre o Papado segundo os apologistas romanos

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  • 8/7/2019 A Igreja primitiva sobre o Papado segundo os apologistas romanos

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    A Igreja primitiva sobre o Papado segundo osapologistas romanos

    Os apologistas romanos costumam apresentar alguns documentos e citaes de

    escritores antigos para demonstrar que os cristos primitivos criam no papado. Amaioria dessas citaes que transcrevem falam do Apstolo Pedro. Creio queningum disputar o destacado papel de Pedro tanto durante o ministrio de Jesuscomo no nascimento e desenvolvimento inicial da Igreja primitiva, tal como senarra nos 12 primeiros captulos do livro dos Actos.

    Ora bem, o que deve questionar-se, e com a maior energia, a validade decompilar citaes sobre o Apstolo Pedro e aplic-las aos bispos de Roma.Isto equivale a deturpar o dito pelos Padres, com excepo dos prprios bispos deRoma, os quais por motivos bvios foram os que se agarraram ideia de ser"sucessores de Pedro" de um modo especial e exclusivo, para ganhar poder sobreos demais bispos.

    Eis aqui alguns exemplos.

    Clemente de Alexandria

    "O bendito Pedro, o eleito, o preeminente, o primeiro entre os discpulos,para quem, alm de si mesmo, o Salvador pagou o tributo [Mt 17:27],rapidamente compreendeu e entendeu o seu significado. E que o que elediz?`Eis que ns deixamos tudo, e te seguimos'" [Mt 19:27; Mc 10:28](Quem o rico que salvo? 21:3-5 [A.D. 200]).

    Sem dvida Clemente no excede os limites dos dados escriturais ao expressar-seassim acerca do Apstolo Pedro. Alm disso, noutros dois casos Clemente colocaPedro juntamente com os filhos de Zebedeu como os Apstolos mais destacados(embora aparentemente no segundo texto confunda Tiago o Justo, com o seuhomnimo irmo de Joo). Numa ocasio coloca Pedro em primeiro lugar e naoutra em terceiro. No primeiro caso se trata do facto de nenhum do trio tertomado para si a honra de ser bispo de Jerusalm:

    Clemente [de Alexandria], no livro VI das Hypotyposeis, aduz o seguinte: "Porque-diz - depois da ascenso do Salvador, Pedro, Tiago e Joo, mesmo tendo sido os

    preferidos do Salvador, no tomaram para si esta honra, mas elegeram como bispode Jerusalm Tiago o Justo."

    Eusbio, Histria Eclesistica, II, 1:3.

    No segundo caso se trata da instruo recebida por Pedro e pelos filhos de Zebedeue supostamente transmitida por eles ao resto dos Apstolos:

    E o mesmo autor, no livro VIII da mesma obra, diz ainda sobre ele o seguinte: "OSenhor, depois da sua ressurreio, fez entrega do conhecimento a Tiago o Justo, a

    Joo e a Pedro, e estes o transmitiram aos demais apstolos, e os demaisapstolos aos setenta, um dos quais era Barnab.

    Eusbio, Histria Eclesistica, II, 1:3.

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    Em outras palavras, no h em Clemente terreno algum para afirmar que Pedroactuasse como chefe ou nico mestre supremo, da antiga Igreja.

    Tertuliano

    "Porque embora vocs creiam que o cu ainda est fechado recordem queo Senhor deixou as chaves do cu aqui a Pedro, e atravs dele Igreja,chaves que cada um levar consigo se tiver sido interrogado e tiver feitouma confisso [de f]" (Scorpiace 10 [A.D. 211]).

    Aqui preciso atender ao contexto. Tertuliano defende a ideia ortodoxa de que oscristos devem confessar o nome do Senhor aqui na terra (e no no cu comosustentavam certos heterodoxos). E os que confessarem o Senhor aqui, tm jabertas as portas do cu, de modo que nenhum atraso nem interrogatrio h-dereceber os cristos no umbral, j que eles no ho-de ser ali discriminados uns dosoutros, mas aceites, e no questionados, mas recebidos.

    A isto se segue o texto citado: Porque embora vocs concebam o cu aindafechado, recordem que o Senhor deixou aqui a Pedro e atravs dele Igreja, aschaves daquele, as quais cada um que tenha sido questionado aqui, e tambm feitoconfisso, levar consigo.

    Em outras palavras, segundo o texto de Tertuliano, longe de ser a posse daschaves uma prerrogativa exclusiva do Apstolo Pedro, as chaves do reino soaqui e agora propriedade de todo o autntico cristo.

    E, desde logo, o texto no diz nem insinua palavra acerca de supostos sucessoresexclusivos de Pedro.

    Tertuliano

    "O Senhor disse a Pedro, 'Sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja, tedarei as chaves do reino dos cus [e] tudo o que ligares ou desligares naterra ser ligado ou desligado nos cus' [Mt 16:18-19] . . . Sobre ti, diz, euedificarei a minha Igreja; e eu te darei as chaves a ti, no Igreja; equalquer coisa que tu ligares ou desligares, no o que eles ligarem oudesligarem" (Modstia 21:9-10 [A.D. 220]).

    O inveterado hbito de pegar em textos patrsticos que falem de Pedro com ointuito de sustentar as pretenses do papado, sem examinar apropriadamente oseu contexto, pode trazer surpresas. Tal o caso desta citao do tratado de

    Tertuliano "Sobre a Modstia" (De pudicitia).

    Este tratado foi escrito no final da vida de Tertuliano, quando fazia mais de umadcada que se tinha unido seita rigorista de Montano, a qual reivindicava para sios carismas profticos. "Sobre a Modstia" um virulento ataque contra o perdode pecados sexuais cometidos depois do baptismo. Diz Quasten:

    Segundo o conceito montanista que o autor tem da Igreja, o poder de perdoar nopertence hierarquia eclesistica, mas hierarquia espiritual, isto , aos apstolose profetas.

    Johannes Quasten , Patrologa. I. Hasta el concilio de Nicea. Madrid: BAC, 1978,1:610.

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    H quem pense que o tratado foi dirigido primariamente contra o bispo de Roma,Calisto (217-222), embora o seu adversrio possa tambm ter sido Agripino, bispode Cartago. Tertuliano chama sarcasticamente o seu oponente com o ttulo pagodepontifex maximus (que ainda no havia sido reclamado pelo bispo de Roma).

    Em todo o caso, e de forma obviamente contraditria com a atribuio das chaves atodo o cristo autntico que defendeu no Scorpiace (ver acima), aqui Tertuliano seagarra ideia de concesses pessoais a Pedro para negar o poder da Igrejainstitucional para perdoar pecados. Vejamos a passagem no seu contexto:

    Agora inquiro a vossa opinio, [para ver] de que fonte usurpas este direito para "aIgreja".

    Se, por o Senhor ter dito a Pedro, Sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja,a ti eu te dei as chaves do reino celestial, ou qualquer coisa que ligares oudesligares na terra, ser ligada ou desligada nos cus, tu portanto supores que o

    poder de ligar e desligar derivou para ti, ou seja, para toda a Igreja semelhante aPedro, que tipo de homem s, subvertendo e mudando totalmente a manifestainteno do Senhor ao conferir este [dom] pessoalmente a Pedro? Sobre ti, diz,eu edificarei a minha Igreja; e Eu te darei as chaves a ti, no Igreja; e oque desligares ou ligares, no o que eles desligarem ou ligarem.

    Pois assim o ensina tambm o resultado. No prprio (Pedro) a Igreja foi criada; isto, atravs dele prprio; ele prprio testou a chave; e tu vs qual: Homens deIsrael, deixai que o que digo penetre nos vossos ouvidos: Jesus Nazareno, homemdestinado por Deus para vs, etc. O prprio (Pedro), portanto, foi o primeiro aabrir, no baptismo de Cristo, a entrada para o reino celestial, no qual sodesligados os pecados que antes estavam ligados; e aqueles que no foramdesligados esto ligados, de acordo com a verdadeira salvao; e a Ananias oligou com a ligadura da morte, e aos de ps fracos absolveu da sua falta desade. Ademais, naquela disputa acerca da observncia ou no da Lei, Pedro foi o

    primeiro de todos a ser dotado com o Esprito e, depois de fazer um prefciorespeitante ao chamado das naes, ao dizer E agora, por que estais vs tentandoo Senhor pondo sobre os irmos um jugo que nem ns nem nossos pais fomoscapazes de suportar? Mas, no entanto, atravs da graa de Jesus cremos queseremos salvos do mesmo modo que eles. Esta frase tanto desligou aquelas

    partes da Lei que foram abandonadas, como ligou aquelas que foramconservadas. Da que o poder de desligar e ligar confiado a Pedro no tinha nadaque ver com os pecados capitais de crentes; e se o Senhor lhe tinha dado um

    preceito de que devia conceder o perdo a um irmo que pecasse contra ele atsetenta vezes sete, claro que no lhe ordenaria ligar isto , reter - nadasubsequentemente, a no ser porventura os tais [pecados] cometidos contra o

    Senhor, no contra um irmo. Pois o perdo [dos pecados] cometidos no caso deum homem um prejuzo contra a remisso de pecados contra Deus.

    Ora, que [tem isto que ver] com a Igreja, e em particular com a tua, Psquico?Pois, de acordo com a pessoa de Pedro, a homens espirituais que este poder

    pertencer correspondentemente, seja a um apstolo ou a um profeta. Pois amesmssima Igreja , prpria e principalmente, o prprio Esprito, em quem est aTrindade da nica Divindade Pai, Filho e Esprito Santo. [O Esprito] une essaIgreja que o Senhor fez consistir em trs. E assim, desde aquele tempo emdiante, todo nmero [de pessoas] que se uniram entre si nesta f contada comouma Igreja, do Autor e Consagrador [da Igreja]. E concordantemente aIgreja, verdade, perdoar pecados; mas a Igreja do Esprito, por meio de um

    homem espiritual; no a Igreja que consiste num nmero de bispos. Pois o

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    direito e arbtrio so do Senhor, no dos servos; do prprio Deus, no dossacerdotes.

    Sobre a modstia, 21.

    Em outros termos, Tertuliano ensina aqui a limitao do poder das chaves aPedro pessoalmente, e o nega totalmente Igreja institucional e hierrquica. incompreensvel que algum possa ver neste tratado um argumento a favor doepiscopado monrquico em geral, ou romano em particular. O texto dizcompletamente o contrrio.

    Cipriano de Cartago

    "O Senhor disse a Pedro: 'Em verdade vos digo, 'diz, 'que tu s Pedro, esobre esta pedra edificarei a minha Igreja' . . . . Sobre ele [Pedro] eleedifica a Igreja, e a ele d o mandato de apascentar as ovelhas [Joo21:17], e apesar de atribuir um poder similar a todos os apstolos, ainda

    assim ele fundou uma nica sede [ctedra], e estabeleceu por sua prpriaautoridade uma fonte e uma razo intrnseca para essa unidade. . . . Semdvida, os outros tambm foram o que Pedro foi [i.e., apstolos], mas a

    primazia se concedeu a Pedro, pelo que fica claro que h s uma Igreja euma sede. Do mesmo modo tambm, [os apstolos] so pastores e orebanho um, alimentado pelos apstolos num mesmo esprito. Se algumno se mantm firme nesta unidade de Pedro, pode imaginar-se que ainda

    sustm a f? Se desertasse da sede de Pedro sobre a qual a Igreja foifundada, pode ainda confiar em que est na Igreja?" (A Unidade da IgrejaCatlica 4; [A.D. 251]).

    Cipriano defende aqui a unidade da Igreja com vrios argumentos, entre eles o da

    primazia de Pedro. No entanto, no h razo para pensar que o que Cipriano diz emrelao a Pedro deva atribuir-se sem mais ao bispo de Roma. Que isso est longede ser assim fica claro pela reaco do mesmo Cipriano cabea dos bisposafricanos, juntamente com Firmiliano e os bispos asiticos, contra o bispo de Roma,Estvo, a propsito do baptismo dos hereges. Vejam-se os textos em "Supremaciapapal ante-nicena", aqui.

    Efrm, o Srio

    [Jesus disse:] Simo, meu seguidor, eu te fiz fundamento da Santa Igreja.Eu te chamei Pedro, porque tu suportars todos os seus edifcios. Tu s oinspector dos que edificaram uma Igreja na Terra para mim. Se eles

    quiserem edificar o que falso, tu, o fundamento, os condenars. Tu s acabea da fonte da qual meu ensinamento flui; tu s o chefe dos meusdiscpulos. Atravs de ti darei de beber a todos os povos. Tua essadoura dadora de vida que eu dispenso. Te escolhi a ti para ser, por assimdizer, o primognito na minha instituio de modo tal que, como oherdeiro, possas ser administrador dos meus tesouros. Te entreguei aschaves do meu reino. Olha, te dei autoridade sobre todos os meustesouros" (Homlias 4:1 [A.D. 351]).

    No tenho este documento mo para estudar o contexto, mas com base no quediz a citao, parece tratar-se de Pedro pessoalmente, sem que se contemplem"sucessores" em geral ou bispos de Roma em particular.

    Ambrsio de Milo

    http://conhecereis-a-verdade.blogspot.com/2010/02/supremacia-papal-nos-escritos-ante.htmlhttp://conhecereis-a-verdade.blogspot.com/2010/02/supremacia-papal-nos-escritos-ante.html
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    "[Cristo] lhe respondeu: 'Tu s Pedro e sobre esta pedra edificarei a minhaIgreja . . .' No podia ele, ento, fortalecer a f do homem ao qual, agindocom a sua prpria autoridade, entregou o reino, a quem ele chamou a

    pedra, declarando-o desse modo fundamento da Igreja [Mt 16:18]?" (A F4:5 [A.D. 379]).

    A citao acima precedida por estas palavras:

    Alm disso, para que possas saber que segundo a sua humanidade que intercede,e em virtude da sua divindade que ordena, est escrito para ti no Evangelho deLucas que disse a Pedro: Orei por ti, para que a tua f no falhe. Ao mesmo

    Apstolo, de novo, quando numa ocasio anterior disse, Tu s o Cristo, o Filho doDeus vivo, ele lhe respondeu...

    Segue-se a citao em cima, e depois a concluso:

    Considera, ento, a maneira da sua intercesso, as ocasies da sua ordenana. Eleintercede quando nos mostrado como na vspera do sofrimento; Ele ordena,quando reconhecido como Filho de Deus.

    De novo, isto dito de Pedro pessoalmente e sem ter no horizonte nenhuma"sucesso". O contexto uma discusso acerca do que Cristo pode ou no fazer,em relao s suas naturezas divina e humana.

    Papa Dmaso I

    "Do mesmo modo se decreta . . . que deve anunciar-se que . . . a santaIgreja Romana foi posta frente no por decises conciliares de outrasigrejas, mas recebeu a primazia pela voz evanglica de nosso Senhor eSalvador, que diz: 'Tu s Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha

    Igreja, e as portas do inferno no prevalecero sobre ela; e a ti te darei aschaves do reino dos cus. . . ' [Mt 16:18-19]. A primeira sede, portanto, ade Pedro o apstolo, a da Igreja Romana, que no tem mancha nemdefeito nem coisa parecida." (Decreto de Dmaso 3 [A.D. 382]).

    bem sabido que os que apelaram, ao princpio sem grande resultado, aos textosque falam de Pedro como se fossem uma razo para fundamentar a autoridadesuprema da Igreja de Roma, foram os prprios bispos dessa cidade. Como dizGeorge Salmon, se algum dissesse que proeminentes intelectuais afirmam queParis a capital cultural do mundo, e quando questionado sobre os que dizem

    isso responde Victor Hugo, Balzac, e Alexandre Dumas, haveria uma inevitvelsuspeita de enviesamento. O mesmo ocorre quando o bispo de Roma exalta o seuprprio ofcio.

    So Jernimo

    "'Mas, tu [Joviniano] dirs, 'foi sobre Pedro que a Igreja foi fundada' [Mt16:18]. Bom. . . um dentre os doze foi eleito para ser sua cabea paraevitar qualquer ocasio de diviso" (Contra Joviniano 1:26 [A.D. 393]).

    muito curioso que se cite precisamente este texto a favor da supremacia petrina

    (para no falar do papado), j que o seu propsito no contexto demonstrar asuperioridade do Apstolo Joo sobre o Apstolo Pedro.

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    A obra de Jernimo Contra Joviniano basicamente uma defesa da virgindadecomo um estado superior ao matrimnio. Jernimo apresenta uma srie deargumentos, de diferente valor, a favor da sua tese. Um deles que Joo era epermaneceu virgem, e por essa causa foi mais amado pelo Senhor; "e o que Pedro,que era casado, no se atreveu a perguntar, pediu a Joo que perguntasse".Jernimo apresenta ainda outros argumentos e continua:

    Se, porm, Joviniano obstinadamente contendesse que Joo no era virgem (aopasso que sustentmos que a sua virgindade foi a causa do especial amor que oSenhor lhe tinha), que explique, se no era virgem, por que era mais amado queos outros Apstolos. Mas tu dizes, a Igreja foi fundada sobre Pedro, ainda queem outro lado se diga o mesmo de todos os Apstolos, e todos eles receberam aschaves do reino dos cus, e a fora da Igreja depende de todos eles por igual, noentanto um dos doze escolhido de modo que se disps uma cabea para que nohaja ocasio de cisma. Mas, por que no foi escolhido Joo que era virgem? Foi

    prestada deferncia idade, porque Pedro era o mais velho: algum que era jovem, quase diria um garoto, no podia ser posto sobre homens de idadeavanada; e de um bom mestre que se propunha tirar toda a ocasio de disputa

    entre os seus discpulos, e que lhes havia dito, Deixo-vos a minha paz, dou-vos aminha paz e O que maior entre vs, que seja o menor no pode pensar-seque proporcionaria um motivo de inveja contra o jovem que tinha amado... Pedro um Apstolo, e Joo um Apstolo - um um homem casado, o outro um virgem;mas Pedro somente um Apstolo, enquanto Joo um Apstolo, um Evangelista,e um Profeta. Um Apstolo, porque escreveu s Igrejas como mestre; umEvangelista, porque comps um Evangelho, coisa que nenhum outro Apstolo,excepto Mateus, fez; um profeta, porque viu na ilha de Patmos, onde tinha sidodesterrado pelo imperador Domiciano como um mrtir do Senhor, um Apocalipsecontendo os ilimitados mistrios do futuro.

    Coloquei em itlico a suposta "citao sobre o papado", que em todo o caso fala

    pessoalmente de Pedro. E ainda esta aluso vista sob uma luz muito diferentequando examinada no contexto, j que Jernimo com razo ou sem ela -obviamente minimiza o privilgio de Pedro e exalta a pessoa e a obra deJoo. De modo que em vez de fortalecer o argumento romanista, esta passagem ocontradiz flagrantemente.

    So Jernimo

    "Simo Pedro, filho de Joo, do povo de Betsaida na provncia da Galileia,irmo de Andr o apstolo, e chefe ele mesmo dos apstolos, depois de ter

    sido bispo da Igreja de Antioquia e ter pregado Dispora . . . foi enviadoa Roma no ano segundo de Cludio para abater Simo o Mago, e manteve a

    sede sacerdotal ali por vinte e cinco anos at ao final, isto o dcimoquarto ano de Nero. Nas suas mos recebeu a coroa do martrio sendocravado na cruz com a cabea para o cho e os seus ps para o alto,afirmando que no era digno de ser crucificado da mesma maneira que o

    seu Senhor" (Vidas de Homens Ilustres 1 [A.D. 396]).

    Aqui Jernimo faz eco de uma lenda ps-apostlica que pode traar-se literaturapseudo-clementina, da primeira metade do sculo III. Que o Apstolo Pedroviajasse para Roma numa data to precoce e permanecesse ali por 25 anos impossvel se se levarem em conta os dados do Novo Testamento. Isto o mostreinoutro lado: Aqui

    Papa Inocncio I

    http://conhecereis-a-verdade.blogspot.com/2009/09/evidencia-de-que-pedro-tenha-sido-o_5882.htmlhttp://conhecereis-a-verdade.blogspot.com/2009/09/evidencia-de-que-pedro-tenha-sido-o_5882.html
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    "Ao buscar as coisas de Deus . . . Vocs reconheceram que todo o juzodeve ser remetido a ns [o papa], e demonstraram saber que devido S

    Apostlica [Roma], j que todos os que estamos neste lugar desejamos seguir o prprio apstolo [Pedro] de quem este episcopado e toda aautoridade deste nome surgiram" (Epstolas 29:1 [A.D. 408]).

    Esta citao muito interessante, pois esta carta do bispo de Roma Inocncio I aresposta solicitao de ratificao da condenao dos erros pelagianos feita pelosbispos africanos, encabeados nada menos que por Agostinho de Hipona.

    De novo, necessrio examinar o fundo histrico, que o da heresia pelagiana.Pelgio era um monge que provavelmente provinha das Ilhas Britnicas, masiniciou a sua carreira em Roma pelo ano 400. Alto, imponente, conhecedor dateologia e capaz de expressar-se fluidamente em latim e em grego, rapidamenteadquiriu boa reputao por sua austeridade. Desenvolveu uma antropologia esoteriologia herticas, j que entre outras coisas negava a absoluta necessidade dagraa para a salvao. Durante anos pregou em Roma a sua doutrina, junto com oseu seguidor, o advogado Celstio. Deve notar-se que no houve oposio algumaa esta actividade por parte dos bispos de Roma.

    Mesmo se as suas intrigas secretas ou abertas no passaram desapercebidas,todavia os dois amigos no foram importunados pelos crculos oficiais romanos.Mas as coisas mudaram quando em 411 deixaram o hospitaleiro solo da metrpole,a qual havia sido saqueada por Alarico, (410) e rumaram para o Norte de frica.

    Joseph Pohle, Pelagius and Pelagianism em The Catholic Encyclopedia (1911), vol.11.

    Enquanto Pelgio continuou viajando para a Palestina, Celstio tentou ser feito

    presbtero em Cartago. No entanto, os seus ensinamentos foram denunciadosperante o bispo dessa cidade, Aurlio, que convocou um snodo (411) que alm denegar-lhe a ordenao condenou os seus ensinamentos. Celstio viajou ento parafeso, onde conseguiu ser ordenado.

    Entretanto, os ensinamentos de Pelgio se tinham difundido no norte de frica emotivaram os primeiros escritos de Agostinho contra esta heresia. No entanto,Pelgio se encontrava na Palestina, como um estimado hspede do bispo Joo deJerusalm, e continuava propagando as suas ideias. Tanto Jernimo comoAgostinho se opunham a ele, e aliou-se a eles o bispo Orsio, que acusou Pelgio.Houve um snodo na Palestina em 415 que, perante a slida defesa de Pelgio, nochegou a nenhuma concluso, mas dada a origem do suposto heresiarca, resolveu

    deixar o juzo aos latinos. No mesmo ano dois bispos ocidentais exilados, Heros deArles e Lzaro de Aix, acusaram Pelgio perante o bispo Eulgio de Cesareia.Graas a uma srie de circunstncias afortunadas para Pelgio, um snodo reunidoem Diospolis o exonerou dos cargos. De modo que pela segunda vez consecutiva,Pelgio havia triunfado no Oriente.

    Estes factos causaram profunda inquietao entre os bispos norte-africanos, osquais condenaram as doutrinas pelagianas em dois snodos, o primeiro com 67bispos da frica proconsular em Cartago (415) e o segundo com 59 bispos deNumdia em Milevi (416), provncia qual pertencia a sede de Agostinho. Ambos ossnodos solicitaram a ratificao da sede romana, e cinco bispos (Agostinho,Aurlio, Alpio, Evdio e Posdio) escreveram ao bispo romano Inocncio expondo a

    doutrina ortodoxa. Que se solicitasse a ratificao da sede romana era natural dadaa confuso reinante no Oriente, a importncia da Igreja de Roma e o facto de aheresia ter surgido nessa cidade.

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    O bispo de Roma ratificou com gosto o efectuado pelos africanos, no sem perder aoportunidade de sublinhar os direitos e privilgios de que se cria credor, segundo acitao que est mais acima, e que se reproduz em Denzinger # 100, seguida pelosensinamentos de Cartago e Milevi (Denzinger# 101-106). claro que os bisposafricanos se alegraram de que Roma ratificasse o efectuado e aderisse aos seusensinamentos.

    Em frica, onde a deciso foi recebida com verdadeiro entusiasmo, toda acontrovrsia foi agora considerada como encerrada, e Agostinho, a 23 de setembrode 417 anunciou desde o plpito (Serm., cxxxi, 10 em P. L., XXXVIII, 734), "Jamde hac causa duo concilia missa sunt ad Sedem apostolicam, inde etiam rescriptavenerunt; causa finita est". (Tendo dois snodos escrito S Apostlica sobre esteassunto, chegou a resposta; a questo est concluda). Mas estava enganado; oassunto no estava concludo.

    Pohle, o.c.

    Esta citao de Agostinho o mais prximo que conheo da frase supostamentedita por ele: Roma locuta, causa finita est. E, como diz Pohle, o bispo de Hipona seenganava. A condenao definitiva do pelagianismo teve de aguardar at o Concliode feso de 431. Curiosamente, foi um bispo de Roma quem retardou o fim dacontrovrsia. Inocncio I morreu a 12 de Maro de 417 e foi sucedido por Zsimo,que foi convencido pelos heresiarcas de que eles tinham sido injustamenteacusados. O papa Zsimo se convenceu da inocncia dos pelagianos, censurou osbispos Heros e Lzaro por actuar contra Pelgio, e acusou os bispos africanos deactuar precipitadamente.

    A solicitao de ratificao por parte da sede romana indica a sua importncia mas

    no demonstra de modo algum o primado de jurisdio, nem a infalibilidade, comose pode ver na reaco dos bispos africanos perante as exigncias de Zsimo. Elesse mantiveram firmes nas suas decises, e no final foi o papa Zsimo quem tevede ceder.

    Para mais informao sobre este tema, veja-se: Aqui

    Agostinho

    Entre os apstolos em quase todos os lugares Pedro mereceu representara Igreja toda. Por causa desta representao da Igreja, que s eleexerceu, mereceu escutar: 'Eu te darei as chaves do reino dos cus'"

    (Sermes 295:2 [A.D. 411]).

    Agostinho

    "Dizem-se certas coisas que parecem estar especialmente relacionadascom o apstolo Pedro, e cujo significado no claro a no ser que serefiram Igreja a qual, segundo reconhecido, a sua figura representoutendo em conta a primazia que exerceu entre os discpulos. Tais como: 'Eute darei as chaves do reino dos cus,' e outras passagens similares. Domesmo modo, Judas representa aqueles judeus que foram inimigos deCristo" (Comentrio sobre o Salmo 108 1 [A.D. 415])

    Deveria ser bvio que o suposto ensino de exclusividade de Pedro do primeiro texto negado pelo segundo. Eis aqui a minha traduo (negrito acrescentado):

    http://conhecereis-a-verdade.blogspot.com/2010/03/papas-que-cairam-em-heresia.htmlhttp://conhecereis-a-verdade.blogspot.com/2010/03/papas-que-cairam-em-heresia.html
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    Pois como se dizem certas coisas que parecem aplicar-se peculiarmente aoApstolo Pedro, e no entanto no so claras em significado, a menos que serefiram Igreja , a quem ele reconhecido como tendo representadofiguradamente, por causa da primazia que tinha entre os discpulos; como estescrito, Eu te darei as chaves do reino dos cus e outras passagens similares;assim Judas representa aqueles judeus que eram inimigos de Cristo... E agora, nasua linha de sucesso, continuando esta espcie de impiedade, o odeiam.

    Claramente, Agostinho sugere aqui uma interpretao colectiva (eclesistica) daentrega das chaves; Pedro as recebeu no como "papa" mas como representantedo Corpo de Cristo. Em outro lado diz Agostinho no mesmo sentido, a propsito dofacto de, no mesmo captulo 16 de Mateus, Pedro ser chamado "bem-aventurado" e"Satans":

    Ora, este nome de Pedro lhe foi dado pelo Senhor, [para] que numa figura,representasse a Igreja. Pois vendo que Cristo a Pedra (Petra), Pedro o povocristo. Pois a pedra (Petra) o nome original. Portanto, Pedro assim chamado

    pela Pedra, no a Pedra por Pedro; como Cristo no chamado Cristo por causa docristo, mas o cristo por Cristo Eu te edificarei a ti sobre mim, no me edificareia mim sobre ti.

    Pois os homens que desejam edificar-se sobre homens diziam "Eu sou de Paulo; eeu de Apolo, e eu de Cefas" que Pedro. Mas outros que no desejam seredificados sobre Pedro, mas sobre a Pedra, dizem, "Mas eu sou de Cristo". Equando o Apstolo Paulo notou que ele foi escolhido e Cristo desprezado, disse:"Est dividido Cristo? ou fostes baptizados em nome de Paulo?" E, como no emnome de Paulo, tambm no em nome de Pedro, mas em nome de Cristo: para quePedro pudesse ser edificado sobre a Pedra, no a Pedra sobre Pedro.

    Este mesmo Pedro, portanto, que havia sido pronunciado pela Pedra "bendito", portando a figura da Igreja, sustentando o lugar principal do Apostolado, ...desgostou o Senhor... [que]... o chamou "Satans"...

    Distingamos, vendo-nos a ns prprios neste membro da Igreja, o que de Deus eo que de ns. Pois ento no vacilaremos, ento estaremos fundados na Pedra,estaremos fixos e firmes contra os ventos, e tormentas, e correntes, as tentaes,quero dizer, do mundo presente. Vede ainda Pedro, que era ento nossa figura;ora confia, ora vacila; ora confessa o Imortal, ora teme que morra. Porqu? Porquea Igreja de Cristo tem tanto fortes como fracos; e no pode existir sem fortes efracos; pelo que diz o Apstolo Paulo, "Ora os que so fortes suportem asfraquezas dos fracos". Pedro ao dizer "Tu s o Cristo, o filho do Deus vivo"representa os fortes, mas ao vacilar, e no querer que Cristo sofra, ao temer amorte d`Ele, e no reconhecer a Vida, representa os fracos da Igreja. Naquelenico Apstolo ento, ou seja, em Pedro, na ordem dos Apstolos primeiro e

    principal, em quem toda a Igreja estava figurada, ambos os tipos haviam deestar representados, ou seja, tanto os fortes como os fracos; porque a Igreja no

    pode existir sem ambos.

    Sermo 26 sobre Mateus 16:25; negrito acrescentado.

    Agostinho

    "Quem ignora que o primeiro dos apstolos o mui bendito Pedro?"(Comentrio sobre Joo 56:1 [A.D. 416]).

  • 8/7/2019 A Igreja primitiva sobre o Papado segundo os apologistas romanos

    10/10

    Poderamos responder que no o ignora ningum. Diga-se a propsito, que ocontexto desta passagem a lavagem dos ps, quando Pedro resistiu a ser lavadopelo Senhor. Agostinho nota que "foi um episdio de grande audcia para o servocontradizer o seu Senhor, a criatura o seu Deus".

    Conclio de feso

    "Felipe, presbtero e legado do Papa [Celestino I] disse: 'Oferecemos onosso agradecimento ao santo e venervel snodo, porque quando osescritos de nosso bendito e santo papa vos foram lidos . . . Vs vos unistes santa cabea tambm mediante as vossas santas aclamaes. J quevossas santidades no ignoram que a cabea da f toda, a cabea dos

    Apstolos, o bendito Pedro o Apstolo'" (Actas do Conclio, sesso 2[A.D. 431]).

    Esta , finalmente, outra pea de propaganda romana. Isto que Felipe leu no foi

    votado nem aprovado pelo dito conclio. Representa, portanto, a opinio que obispo romano tinha de si.