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A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE
MONITORAÇÃO ELETRÔNICA
DE PESSOAS NO BRASIL
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE
MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO
BRASIL
Análise crítica do uso da monitoração eletrônica de pessoas no
cumprimento da pena e na aplicação de medidas cautelares
diversas da prisão e medidas protetivas de urgência
BRASÍLIA
2015
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Ficha Institucional
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Presidenta da República
DILMA ROUSSEFF
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
Ministro de Estado da Justiça
JOSÉ EDUARDO CARDOZO
Secretário Executivo
MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO
NACIONAL
Diretor-Geral
RENATO CAMPOS PINTO DE VITTO
Diretora de Políticas Penitenciárias
VALDIRENE DAUFEMBACK
Coordenador-Geral do Programa de
Fomento às Penas e Medidas
Alternativas
VICTOR MARTINS PIMENTA
PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD
Representante-residente
NIKY FABIANCIC
Coordenadora de Programa
MARISTELA BAIONI
Oficial de Programa
MOEMA FREIRE
Ficha Técnica
Coordenação
VICTOR MARTINS PIMENTA
Autora
IZABELLA LACERDA PIMENTA
Colaboradores
DIOGO MACHADO DE CARVALHO
MARIA LUCIVÂNIA BRANDÃO SILVA
MARCUS RITO CASTELO BRANCO
SEMERARO
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Sumário
Apresentação
1. Introdução
2. Nota metodológica
3. O controle penal e a criação de “sociedades seguras”
4. Contexto e elementos gerais da monitoração eletrônica
4.1. Em que consiste a monitoração eletrônica?
5. O diagnóstico da política de monitoração eletrônica no Brasil
5.1. Estágio da política de monitoração eletrônica no Brasil
5.2. Implementação da política por ano nas Unidades Federativas
5.3. Capacidade máxima e total de pessoas monitoradas simultaneamente
5.4. Destinação dos equipamentos
5.5. Número de pessoas monitoradas por Unidade da Federação,
segundo os regimes e as medidas
5.6. Monitoração eletrônica por gênero
5.7. Serviços de monitoração eletrônica segundo tecnologia e custos
5.8. Presença/ausência de trabalhadores por segmento nas centrais de monitoração
5.9. Preocupações e pontos críticos
6. Considerações finais
Bibliografia
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
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42
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51
Apresentação
A questão penal e o sistema
prisional são temas dentre os mais
complexos da realidade social brasileira.
A busca por mais informações, que
ofereçam melhores subsídios para
análises e formulação de políticas, tem
ocupado boa parte dos órgãos estatais e
das organizações da sociedade civil que
atuam no tema. Atualmente existem
poucos dados disponíveis quanto ao
impacto social e financeiro das prisões
efetuadas e, igualmente, sobre as
medidas alternativas à prisão aplicadas.
Faltam estudos, principalmente, sobre o
modo pelo qual estão organizados os
mecanismos de intervenção que operam
sobre as pessoas sob às quais incidem
os processos de criminalização.
Na busca pela qualificação da
política pública penal brasileira, é
fundamental compreender de modo
aprofundado o cenário dos serviços
penais no Brasil, bem como o perfil das
pessoas historicamente encarceradas.
Nesse sentido, a produção de
diagnósticos confiáveis surge como
passo fundamental para a avaliação
das práticas, melhoria dos serviços e
definição de políticas nacionais. Com
este intuito, o Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN) divulgou
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Apresentação
recentemente o Levantamento Nacional
de Informações Penitenciárias -
INFOPEN, referente a junho de 2014,
com um novo viés e nova metodologia
com vistas a aprimorar o diagnóstico do
sistema prisional e, assim, possibilitar a
elaboração de políticas públicas cada vez
mais adequadas à realidade prisional. O
esforço do DEPEN em aliar os avanços
tecnológicos e informacionais ao
aprimoramento das políticas e serviços
de execução penal segue no presente
relatório.
A utilização da tecnologia nas
políticas públicas aparece, muitas vezes,
como caminho lógico, econômico e
inovador, mas não necessariamente vem
acompanhada dos devidos
questionamentos e análises de impacto
necessários à expansão de uma política
consciente. A monitoração eletrônica de
pessoas não foge a esta lógica, sendo
tratada no senso comum como resposta
automática, natural e menos custosa ao
problema do superencarceramento.
Contudo, como será apresentado no
presente relatório, a tecnologia vem
sendo utilizada e expandida, em muitas
localidades, sem o olhar necessário à
formatação de serviços penais
efetivamente modernos, pautados pelo
5
acompanhamento das pessoas
monitoradas por servidores formados nos
saberes psicossociais,e, ainda, sem a
real orientação da política como espaço
efetivo de alternativa à prisão – seja pelo
efetivo impacto no desencarceramento,
seja pela assunção de premissas
adequadas ao tratamento de público em
liberdade.
Dessa forma, a expansão da política
de monitoração eletrônica nas Unidades
da Federação exige do Departamento
Penitenciário Nacional um olhar nacional,
buscando a delimitação de diretrizes
quanto ao uso da ferramenta, inclusive
como forma de avaliar as experiências já
existentes e orientar a política de apoio
técnico e financeiro do órgão com base
nesse aprendizado. O foco é assegurar o
uso da tecnologia com respeito aos
direitos fundamentais da pessoa
monitorada e maximizar o potencial
desencarcerador da ferramenta. Neste
sentido, o DEPEN busca fomentar a
política de monitoração eletrônica a partir
do financiamento dos serviços nas
Unidades da Federação via convênios
específicos e por meio da construção de
um modelo de gestão e diretrizes
nacionais voltadas à orientação e
qualificação da política.
Quanto ao financiamento de serviços
nas Unidades da Federação, entre 2013
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
e 2014, o DEPEN apoiou a implantação
de centrais de monitoração eletrônica em
Alagoas, Bahia, Goiás, Paraíba,
Maranhão, Mato Grosso do Sul, Espírito
Santo, Tocantins, Santa Catarina e
Distrito Federal, em montante superior a
10 milhões de reais. As centrais são
baseadas em projeto-padrão do DEPEN
abrangendo como público-alvo os
cumpridores de medidas cautelares
diversas da prisão e medidas protetivas
de urgência. Para o ano de 2015, estão
previstos mais R$ 26 milhões para
financiamento de projetos nas Unidades
Federativas que apresentem propostas,
conforme critérios e requisitos previstos
na Portaria nº 42, de 10 de fevereiro de
2015.
Com o objetivo de desenvolver o
modelo de gestão para os serviços de
monitoração eletrônica e formular as
diretrizes nacionais da política, o DEPEN
vem adotando as seguintes estratégias:
• Grupo de Trabalho - Monitoração
Eletrônica:
Instituído no âmbito do Departamento
Penitenciário Nacional, trata-se de Grupo
de Trabalho (Portaria nº 42 de 10 de
fevereiro de 2015) composto por
profissionais com experiência na área de
Monitoração Eletrônica a partir de
diversas perspectivas – Juiz, Promotor,
6
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Defensor Público, Psicólogo, Agente
Penitenciário, Pesquisador e
Representante da Sociedade Civil.
Objetiva dar suporte para a definição de
diretrizes à política de monitoração
eletrônica, colaborando na elaboração de
modelo de gestão para a política.
• Acordo de Cooperação CNJ/MJ -
Monitoração Eletrônica de
Pessoas:
O Ministério da Justiça firmou, em 09
de abril de 2015, junto ao Conselho
Nacional de Justiça, o Acordo de
Cooperação n° 05/2015, visando elaborar
diretrizes e promover a política de
monitoração eletrônica de pessoas, com
o intuito de estimular seu potencial
desencarcerador e assegurar o uso da
ferramenta com respeito aos direitos
fundamentais, em substituição à privação
de liberdade no país. O Acordo prevê que
as ações de aplicação, fiscalização e
acompanhamento da monitoração
eletrônica deverão respeitar os princípios
do menor dano ao cumpridor, da
necessidade, da adequação e da
provisoriedade das medidas, além de
serem realizadas por meio de
metodologias que priorizem a
autodeterminação responsável da pessoa
submetida à medida e coordenadas por
equipes multidisciplinares devidamente
capacitadas.
Dentre os objetivos do Acordo,
destacam-se as seguintes ações:
elaboração de parâmetros nacionais
sobre diretrizes, princípios, fluxos,
procedimentos e atribuições dos
diferentes órgãos que atuam no processo
da monitoração eletrônica de pessoas;
definição de diretrizes e regras quanto ao
tratamento e proteção dos dados
coletados no serviço de monitoração
eletrônica; promoção do uso da
tecnologia como alternativa à decretação
de prisões provisórias; elaboração de
plano de coleta de dados e de análise de
indicadores, sobretudo em relação ao
impacto na aplicação da prisão
preventiva e no número de presos
provisórios.
• Consultoria Especializada - Modelo
de Gestão de Monitoração
Eletrônica Pessoas:
Contratação de Consultoria
Especializada, a partir de parceria com o
Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - ONU, para atuar na
realização de análise sobre os serviços e
experiências de monitoração eletrônica
de pessoas em andamento no país. Esta
análise, sendo este diagnóstico seu
primeiro produto, tem foco nas diretrizes
gerais da política, assim como nos
principais resultados e dificuldades
identificadas nas experiências de
7
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
monitoração. A partir dos resultados
obtidos, será desenvolvida proposta de
modelo de gestão para monitoração
eletrônica de pessoas.
A Consultoria desenvolverá ainda
subsídios para contratação de pesquisa
ampla voltada à realização de avaliação e
diagnóstico das experiências de
monitoração eletrônica no país. Este
estudo abrangente possibilitará uma
avaliação detalhada do processo de
implantação e dos resultados alcançados
com as experiências.
Por fim, cabe destacar ainda a
experiência extremamente importante da
implantação das audiências de custódia
no Brasil, objeto também fruto de Acordo
de Cooperação entre o Ministério da
Justiça e o Conselho Nacional de Justiça.
Tal acordo consiste no aprimoramento do
s i s t em a d e j u s t i ç a c r i m in a l v i a
apresentação de presos em flagrante à
autoridade judicial no prazo de 24 horas,
procedimento capaz de inibir a prática de
tortura e maus-tratos contra a pessoa
autuada e inibir a conversão generalizada
em prisão preventiva, a partir do aumento
da aplicação de medidas cautelares
diversas da prisão. Trata-se de ação que
depende de estreita articulação com os
órgãos do sistema de justiça criminal e
busca enfrentar de maneira corajosa o
grave problema do aprisionamento
provisório no Brasil. A monitoração
eletrônica de pessoas se apresenta,
nesse cenário, como importante medida
diversa da prisão, com potencial de
fornecer aos Juízes opção ao
encarceramento provisório.
Nesse cenário, o presente relatório é
uma importante ferramenta para ampliar
o conhecimento em termos da utilização
dos serviços de monitoração eletrônica
no Brasil. Trata-se de levantamento
inédito obtido a partir de análise sobre o
histórico da monitoração eletrônica de
pessoas, focalizando, sobretudo, a
situação atual da política e destes
serviços no Brasil, atentando para
reflexões e proposições críticas.
Em nome de toda a equipe do
Ministério da Justiça, desejamos a todos
uma boa leitura e esperamos que deste
conjunto de dados derivem variadas
possibilidades de pesquisa e análise que
aprofundem o conhecimento da
sociedade brasileira acerca da realidade
da monitoração eletrônica de pessoas no
Brasil, vivenciada por número cada vez
maior de pessoas.
RENATO CAMPOS PINTO DE VITTO
VALDIRENE DAUFEMBACK
VICTOR MARTINS PIMENTA
.
8
1. Introdução
A situação prisional brasileira
costuma ser apontada como um
verdadeiro caos, permeada por violações
de direitos. Já virou senso comum o fato
do cárcere não ensinar ninguém a viver
sob os parâmetros da lei, oferecendo,
pelo contrário, um amplo repertório com
viés socializador para o desenvolvimento
de habilidades no “mundo do crime”.
A prisão, ao ser erroneamente
encarada como um assunto no âmbito da
segurança pública, acaba se tornando
uma arena de disputas políticas nas
quais o real sujeito da política penal – o
preso – acaba ocupando um lugar lateral
frente às demandas do Estado. Sob a
justificativa da “construção de uma
sociedade mais segura”, a cada dia que
passa mais pessoas são presas,
tornando o nosso país mundialmente
reconhecido como uma das nações que
mais encarcera na atualidade, com uma
taxa de aprisionamento de quase 300
pessoas privadas de liberdade para cada
100 mil habitantes. A população prisional
no Brasil chega a 607.731 presos
(Brasil, 2015a), fazendo o Brasil ocupar
o 4º lugar no ranking dos países
com maior população prisional.
Como um instrumento aliado aos
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Apresentação
movimentos de controle social e de
recrudescimento do poder punitivo, a
monitoração eletrônica, que tem previsão
legal no Brasil desde o ano de 2010, se
tornou uma “problemática obrigatória”
(Bourdieu, 2001) para a política penal.
Em termos legais, a política inicialmente
prevista na Lei nº 12.258/10, que alterou
a Lei de Execução Penal nº 7.210/84,
introduziu a possibilidade de aplicação do
monitoramento eletrônico em dois casos
estritos: a) saída temporária ao preso que
estiver em cumprimento de pena em
regime semiaberto (art. 146-B, inciso II);
b) quando a pena estiver sendo cumprida
em prisão domiciliar (art. 146-B, IV), bem
como foram estabelecidos os
regramentos mínimos para a aplicação
da tecnologia (artigos 146-A a 146-D). Já
a Lei nº 12.403/11 alterou o Código de
Processo Penal, admitindo a monitoração
eletrônica como medida cautelar diversa
da prisão (artigo 319, inciso IX), um
esforço para reduzir o alto índice de
presos provisórios – 41% do universo
prisional, de acordo com os dados do
Infopen (Brasil, 2015a).
A formulação de modelo de gestão
de monitoração eletrônica de pessoas é o
escopo fundamental desta consultoria
técnica especializada, contratada a partir
9
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
de parceira entre Departamento
Penitenciário Nacional e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento.
O diagnóstico a seguir é o primeiro
produto deste trabalho maior que, por
meio do modelo de gestão, visa oferecer
subsídios para uma política nacional
baseada em evidência empírica,
pesquisa, diálogo com outras
experiências e permanente debate
envolvendo profissionais atuantes na
área. O levantamento vislumbra, de
forma preliminar, compreender aspectos
essenciais, assim como fundamentos
práticos e discursivos que sustentam os
atuais serviços de monitoração
eletrônica.
A política de monitoração eletrônica
carece de normas ou diretrizes de fluxos.
Ela segue os rumos de uma política
acelerada, sem princípios e diretrizes
nacionais, sem protocolos claros voltados
à orientação dos serviços. Em virtude
dessa carência, foi firmado o Acordo de
Cooperação Técnica celebrado entre o
Conselho Nacional de Justiça e o
Ministério da Justiça em 2015, um
importante marco nessa arena. Dentre os
propósitos deste instrumento estão: a
elaboração de diretrizes e a promoção da
política de monitoração eletrônica de
pessoas, com o intuito de estimular seu
potencial desencarcerador e assegurar o
uso da ferramenta com respeito aos
direitos fundamentais.
De acordo com o diagnóstico a
seguir, atualmente há 18.172 pessoas
monitoradas no Brasil (88% homens e
12% mulheres, padrão semelhante
encontrado na execução penal
propriamente dita). Há centrais de
monitoração eletrônica implantadas em
19 Unidades da Federação, sendo que
em 17 unidades os serviços encontram-
se implementados e em 02 unidades os
serviços estão em fase de testes. O
diagnóstico aponta a expansão da
política através de convênios entre o
Departamento Penitenciário Nacional e
as Unidades da Federação. A política de
monitoração fomentada pelo DEPEN
abrange 10 Unidades Federativas, sendo
que dos 10 convênios, 6 foram
celebrados no ano de 2014. Quanto aos
serviços, observou-se a variação de
R$167,00 a R$660,00 em relação ao
custo médio mensal por pessoa
monitorada nas Unidades da Federação,
sendo a média do custo R$301,25 e a
mediana R$240,95.
A inexistência de protocolos e
diretrizes favorece, dentre outras coisas,
o surgimento de situações conflitantes do
ponto de vista da legislação e dos direitos
fundamentais da pessoa que está sendo
monitorada. O diagnóstico aponta, inclusive,
10
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
a utilização dos serviços de monitoração
eletrônica em casos de trabalho externo e
liberdade condicional, a despeito de
questionamentos acerca da legalidade
em tais práticas.
Neste sentido, é possível notar que
os serviços despontam como mais um
mecanismo de controle disciplinar, um
mecanismo de gestão prisional. Há um
reforço punitivo, pois a execução penal
está no cerne da política de monitoração
eletrônica, representando 86,18% dos
serviços. Já as medidas cautelares ou
protetivas juntas, somam apenas 12,63%
dos serviços em todo o país. A
monitoração contribui, assim, de maneira
superficial no desencarceramento e na
promoção da liberdade, sendo
necessários estudos e pesquisas mais
aprofundados para verificar seu potencial
efetivo enquanto alternativa à prisão.
Conforme foi explicitado, a expansão
dos serviços é pouco estruturada, se
situa praticamente na execução penal,
não se configura como uma alternativa
à prisão e, principalmente, tem um
reduzido espaço para o monitorado
enquanto sujeito desta política. Disso,
decorre uma série de violações. Há, por
exemplo, uma série de problemas
envolvendo a proteção e o tratamento
de dados da monitoração eletrônica nas
centrais (dados pessoais, localização
do monitorado, entre outros),
especialmente quando os dados são
compartilhados com instituições de
segurança pública. A inexistência de
normas e protocolos capazes de, dentre
outras coisas, orientar e regular a
circulação de informações com
propósitos delimitados favorece não
somente um descuido no
compartilhamento de dados dos
monitorados, mas, sobretudo, induz
formas abusivas de tratamento, como a
investigação por suspeição das pessoas
monitoradas, especialmente
considerando o caráter inquisitorial das
práticas policiais brasileiras (Kant de
Lima, 1989).
No arcabouço do reforço punitivo,
notamos que a inexistência de consensos
básicos na aplicação dos serviços
também fomenta respostas pautadas em
excessivo controle disciplinar. Assim, por
exemplo, uma descarga completa da
bateria do equipamento de monitoração
eletrônica é capaz de gerar uma violação
no sistema de monitoramento com
lançamento de fuga do monitorado,
chegando ao acionamento da polícia e
mesmo a prisão do monitorado. A adoção
de fluxos e procedimentos que
privilegiem a prisão como resposta
central a violações podem qualificar os
11
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
os serviços de monitoração eletrônica
como arenas de retroalimentação do
sistema prisional.
O uso da “tornozeleira”, via de regra,
provoca danos físicos e psicológicos,
limita a integração social e não gera
senso de responsabilização. A ausência
de equipe psicossocial na maioria das
centrais de monitoração eletrônica
impede o acompanhamento dos
cumpridores e os possíveis
encaminhamentos à rede de apoio social,
maximizando os efeitos danosos acima
referidos. Apenas 6, das 17 centrais,
contam com a atuação de psicólogo,
assistente social e/ou técnico em Direito.
Os serviços de monitoração são
predominantemente realizados por
agentes prisionais e pela empresa
contratada.
A inexistência de uma política a nível
nacional alimenta o crescimento dos
serviços de monitoração de forma não
planejada, sem diretrizes e protocolos.
Neste momento, o esforço consiste em
começar a delinear subsídios para
formular um modelo de gestão que
permita uma política penal baseada em
protocolos e mais próxima dos direitos
fundamentais, cada vez menos pautada
em práticas punitivas e repressivas.
Obviamente, não há pretensão de
esgotar o debate neste relatório,
sobretudo pela multiplicidade de atores
envolvidos, além do próprio monitorado,
enfim, o sujeito da política de
monitoração eletrônica.
Iniciaremos expondo aspectos
metodológicos do produto. Em seguida,
apresentamos fundamentos sobre
controle social. Alguns elementos gerais
da monitoração eletrônica são descritos
com foco nas legislações e no
funcionamento dos serviços. O
diagnóstico da política de monitoração
eletrônica no Brasil traz dados e
informações, bem como debates e
perspectivas críticas sobre os serviços.
12
2. Nota metodológica
A proposta do texto é contextualizar
a monitoração eletrônica em termos
históricos, evidenciando seus marcos
legais no Brasil. Considerando a
existência e a ampliação socialmente
legitimada desse mecanismo de controle,
o objetivo é apresentar a situação atual
da política e dos serviços de monitoração
eletrônica no país e pensar criticamente
aspectos centrais dessa ferramenta. O
quadro geral sobre a política servirá
como fonte, ainda que preliminar, na
problematização de dilemas envolvendo
os serviços.
O presente relatório, produto
previsto em consultoria contratada a
partir de parceira entre Departamento
Penitenciário Nacional e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento,
fundamenta-se em pesquisa bibliográfica,
experiência empírica oriunda de visitas
a centrais de monitoração eletrônica,
seminários direta ou indiretamente
relacionados ao tema1, reuniões e
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
2. Nota metodológica
conversas informais realizadas com
funcionários da Coordenação-Geral do
Programa de Fomento às Penas e
e Medidas Alternativas (CGPMA) do
Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN), incluindo relatos detalhados
acerca dos serviços e da política de
monitoração eletrônica no país. Parte do
que se segue nestas páginas foi
proporcionado por meio de trocas e de
debates ocorridos no Grupo de Trabalho
(GT) instituído com objetivo de apoiar o
Departamento Penitenciário Nacional na
formulação de modelo de gestão para a
Política de Monitoração Eletrônica 2.
Os dados quantitativos apresentados
baseiam-se em fontes secundárias,
construídas a partir de dados informados
pelas centrais de monitoração eletrônica
ou Secretarias Estaduais de Justiça,
Administração Penitenciária ou similares.
As informações foram solicitadas pelo
DEPEN através de ofício enviado para as
centrais ou secretarias supracitadas no
1. Encontro sobre Política de Alternativas Penais. Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário
Nacional, Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas. Brasília/DF,16 de
julho de 2015.
Seminário Regional de Alternativas Penais (Sudeste). Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário
Nacional, Coordenação-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas, Governo do
Estado de Minas Gerais, Fundação João Pinheiro. Belo Horizonte/MG, 20 e 21 de julho de 2015.
2. O Grupo de Trabalho para apoiar o Departamento Penitenciário Nacional na formulação de modelo de
gestão para a Política de Monitoração Eletrônica foi instituído pelo diretor-geral do DEPEN através da
Portaria n - 42, de 10 de fevereiro de 2015.
13
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
no dia 30 de janeiro de 2015, com vistas
a desenhar o primeiro diagnóstico da
política de monitoração eletrônica no
país. O instrumento de coleta das
informações foi um questionário
estruturado, enviado em formato
eletrônico, sendo seu preenchimento
preferencialmente realizado pelo diretor
ou coordenador da central de
monitoração eletrônica. Nas Unidades
Federativas onde os serviços de
monitoração não estavam implantados
durante o período da coleta de dados, o
questionário foi preenchido por gestor
designado pelo titular da Secretaria de
Justiça, Administração Penitenciária ou
similar. O objetivo foi coletar dados
essenciais sobre os serviços de
monitoração em cada Unidade da
Federação, como: estágio atual da
política; data de implementação;
capacidade máxima de pessoas
monitoradas simultaneamente, segundo
previsão contratual; total de pessoas
monitoradas simultaneamente;
modalidades de utilização, segundo
regimes ou medidas aplicadas;
especificação do público monitorado de
acordo com gênero; identificação da
equipe envolvida; tecnologia utilizada;
custo médio mensal por pessoa
monitorada.
Conforme previsto no ofício, o
preenchimento do questionário e a sua
devolução junto ao DEPEN (via e-mail ou
correio, como também acabou
acontecendo) deveriam ocorrer até o dia
06 de fevereiro de 2015, num esforço de
limitar o período de coleta dos dados
junto às Unidades Federativas,
considerando, inclusive, o dinamismo
inerente aos números da monitoração
eletrônica. Todavia, como muitos estados
não cumpriram com o prazo inicialmente
estipulado, houve uma considerável
ampliação do período de coleta dos
dados. Por conseguinte, o período de
coleta e sistematização dos dados
passou a compreender os meses de
fevereiro a julho de 2015. É relevante
destacar que o devido retorno de alguns
estados ocorreu somente após
insistentes contatos via telefone e e-mail,
já no âmbito da presente consultoria. A
constante troca de gestão em algumas
centrais e secretarias aumentou essa
dificuldade, pois conseguir as
informações significou lidar com etapas
adicionais no processo, quais sejam:
identificar o gestor ou o funcionário
responsável pelo preenchimento do
questionário, conseguir seu contato
(número de telefone e/ou e-mail), fazer
ou refazer a solicitação, etc.
14
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Todas as barreiras encontradas
durante a coleta denotam, por parte de
determinados estados, falta de
experiência – sendo esse o primeiro
levantamento nacional sobre o assunto –
ou ausência de estrutura adequada para
tratamento dos dados e informações
sobre os serviços de monitoração. Alguns
campos dos questionários não foram
devidamente preenchidos, o que implicou
contato com os gestores para aferição
pontual e eventuais esclarecimentos.
Enquanto solução metodológica é
fundamental indicar que, diante da
impossibilidade de aferição
complementar, capaz de resolver as
inconsistências surgidas, alguns dados
foram propositalmente desconsiderados
ou considerados com ressalvas (caso a
caso indicados ao longo deste relatório)
O levantamento que se segue,
considerando os entraves já delineados,
não é definitivo, demandando
aprimoramento com vistas a qualificar a
gestão da informação no âmbito da
política de monitoração eletrônica de
pessoas. Entretanto, ele é inédito e tem
como objetivo precípuo identificar e
compreender o estágio atual da política
de monitoração eletrônica no país,
permitindo assim uma leitura abrangente,
capaz de sinalizar importantes elementos
na construção desta pauta específica.
15
3. Introdução
Nas sociedades contemporâneas
convivemos com uma multiplicidade de
aparatos tecnológicos voltados para o
controle e a vigilância dos indivíduos.
Não raro observamos câmeras instaladas
em casas, edifícios, condomínios, bem
como em variados pontos das cidades.
Uma parcela da população acredita que
tais mecanismos são capazes de criar
uma sociedade mais segura, provocando,
inclusive, uma redução nas ocorrências
criminais. Ademais, formas de controle e
vigilância cada vez mais são
incorporadas pelos Estados na
“construção de uma sociedade segura”,
dando o tom justificado na elaboração de
políticas nas áreas tanto de segurança
pública quanto penal.
Nesta direção, observamos que
recursos públicos são destinados a
programas voltados para a redução das
taxas de criminalidade, evidenciando
práticas de controle social. No caso
brasileiro temos, por exemplo, o
Programa Nacional de Segurança Pública
com Cidadania (PRONASCI), lançado em
2007 pelo Ministério da Justiça, sendo
parte destes investimentos utilizada para
a instalação de câmeras de vigilância em
diversas unidades da federação.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Apresentação
O urbanista Carlos Nelson Ferreira
dos Santos (1985), contrariamente ao
viés do controle e vigilância enquanto
formas de produção da segurança
citadina, sublinha a importância da
participação dos habitantes na produção
da cidade, guardando esse movimento
uma íntima relação com exercício da
cidadania. Para o autor, a cidade - o
espaço público - é lócus privilegiado para
o convívio com as diferenças e para a
administração dos conflitos resultantes
das tensões, contradições,
heterogeneidades, sendo os indivíduos
responsáveis pela apropriação da cidade
e, consequentemente, pela regulação
dos espaços numa lógica democrática. O
urbanista considera falsa a ideia de
harmonia, segurança e estabilidade
permanentes, ao passo que disputas e
conflitos são elementos inevitáveis e,
principalmente, desejáveis na construção
coletiva da cidade.
Em semelhante direção, Stanley
Cohen (1972) nos alerta que a expansão
dos mecanismos de controle e vigilância
pode ser associada ao “pânico moral”, o
que envolve especialmente o exagero na
concepção de danos e riscos, bem como
uma orquestração do pânico pelas
elites ou poderosos grupos de interesses
16
3. O controle penal e a criação de “sociedades seguras”
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
especiais, a construção de desvios
imaginários e a dependência de
instrumentos de diagnóstico. O
criminólogo supracitado pontua que o
“pânico moral” é uma resposta social
exagerada acerca de crenças sobre uma
ameaça de desvios morais, indicando
preocupação e hostilidade por segmentos
significativos da população, o que inclui
reivindicações desproporcionais sobre o
dano potencial que os supostos
desviantes morais são capazes de
causar.
O pesquisador Van Den Hoonaard
(2011), buscando compreender os
significados da “cultura do medo”, sinaliza
que o abandono do sistema de valores
tradicionais e códigos de comportamento
têm sido importantes fontes de medo e
aversão ao risco, amplamente
disseminado nas culturas ocidentais,
sendo que as respostas acerca deste
medo e insegurança têm sido pautadas
na imposição de leis destinadas a
proteger-nos uns dos outros. O cidadão
passa a se definir pelo consumo de tais
mecanismos, o que, via de regra,
fomenta a “cultura do medo”, sendo a
constante vigilância e monitoração cada
vez mais entendidas como necessárias
na construção social “ideal”. Esse
movimento também é tratado por
Bauman (1999) ao destacar o “medo
urbano” como elemento constantemente
alimentado na vida das pessoas, sendo
que “(...) o evitamento e a separação
tornaram-se as principais estratégias de
sobrevivência nas megalópoles
contemporâneas” (p.56), gerando “o não
reconhecimento do outro” (Honneth,
2007) e, portanto, a suspeição
sistemática principalmente em relação ao
que representa a diferença.
Dentre os grupos de interesses
específicos, a mídia se destaca como um
dos atores fundamentais na produção e
reprodução do “pânico moral”, da “cultura
do medo”, principalmente porque “(...)
nossa ligação com a realidade que nos
cerca é midiatizada pela ‘simulação’, um
tipo de representação ou inversão da
visão dessa realidade na qual as
técnicas e a tecnologia desempenham
um importante papel, pois as coisas e
o mundo não são o que são, mas a
representação que fazemos deles, um
‘simulacro’ (Baudrillard 1981-1985 apud
Santos, 2011, p.127-128). Ademais, a
mídia, sobretudo os jornalistas, detêm
uma posição institucionalizada e
legitimada socialmente na criação
de realidades, geralmente reforçando
as interpretações espontâneas e
mobilizando prejulgamentos
(Champagne, 1998). Lembrando que
toda comunicação é uma ação
17
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
intencional, as instituições midiáticas
costumam apresentar a “versão oficial do
drama” na qual os “dominados” têm
menos recursos e poder para controlar
suas próprias representações (idem), o
que corrobora na produção de versões
estereotipadas sobre eles.
Considerando esse contexto mais
abrangente dos padrões dominantes de
segurança pública, podemos notar que o
sentimento de insegurança igualmente
encontra amplo respaldo legal e
discursivo nos movimentos de expansão
das penas, de recrudescimento do poder
punitivo e de encarceramento em massa.
Os crescentes investimentos em
segurança e isolamento, bem como a
ampliação do sistema prisional é um dos
reflexos de uma sociedade globalizada
que prevê a prisão como a forma mais
radical de confinamento espacial de
setores considerados de difícil controle, a
maior preocupação e foco de atenção
governamental da elite política (Bauman,
1999).
O “hiperencarceramento” (Garland,
2008) apresenta-se como realidade no
Brasil, articulando múltiplos fatores e
atores, reverberando no aumento de
estabelecimentos prisionais, maior
número de presos e sentenças mais
longas. Isto posto, ainda temos articulada
nesse cenário a dinâmica da seletividade
penal (prática comum exercida pelas
corporações policiais), focalizando o
encarceramento de grupos sociais
específicos, assim como a punição de
forma mais acentuada sobre alguns tipos
de delitos, como crimes patrimoniais e
tráfico de drogas (Brasil, 2015c). A
conjugação destes dois fenômenos,
encarceramento em massa e seletividade
penal, pode ser compreendida à luz dos
princípios paradoxais e ambíguos que
organizam a vida social no Brasil,
indicando, dentre outras coisas, que a
transição para o regime democrático não
significou o fim da produção de
desigualdade no âmbito da justiça
criminal. Kant de Lima (2000) elabora um
modelo para explicitar nossa organização
social constituída de segmentos
desiguais e complementares:
(...) as diferenças não exprimem
igualdade formal, mas desigualdade
formal, própria da lógica da
complementaridade, onde cada um
tem o seu lugar previamente definido
na estrutura social. A estratégia de
controle social na forma piramidal é
repressiva, visando manter o status
quo ante a qualquer preço, sob pena
de desmoronar toda a estrutura
social. Portanto, não se pretende
que os componentes da sociedade
18
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
internalizem as regras, mas a
hierarquia, pois sua aplicação não
será nunca universal, mas
hierarquizada, o que explica porque
as regras são aplicadas
desigualmente aos membros da
sociedade. (idem, p. 64)
Segundo o Levantamento Nacional
de Informações Penitenciárias – o
relatório do Infopen de junho de 2014 –
(Brasil, 2015a), o Brasil ocupa quarto
lugar no ranking dos países com maior
população prisional, possuindo 607.731
presos no ano de 2014. Ainda, amplia
consideravelmente essa taxa em 7% ao
ano, sendo que a taxa de aprisionamento
chegou a 299,7 pessoas no ano de 2014,
seguindo a tendência oposta aos países
que ocupam os três primeiros lugares no
ranking mundial. Isso indica que Estados
Unidos, China e Rússia atualmente estão
reconsiderando o encarceramento em
massa, repensando e reformulando suas
respectivas políticas penais. Nesta
direção, o governo dos EUA admite
recentemente uma necessária reforma no
sistema de justiça criminal, reconhecendo
suas práticas como ineficazes, caras e
muitas vezes injustas, visando adquirir
um viés menos severo e mais flexível,
incluindo, dentre outras coisas, a redução
19
de penas para crimes não violentos3.
Tomando como pressuposto a
dimensão hierárquica e a estratégias
repressivas de controle social
amplamente adotadas na sociedade
brasileira, a pena privativa de liberdade
que, em termos teóricos, surgiu em
substituição às penas de banimento e
suplício (Foucault, 1997) apresenta
muitas nuances. A cadeia desde sempre
é uma ferramenta largamente utilizada no
controle social, “tudo é organizado de
forma a propiciar-lhes [os presos] a nítida
sensação de pertencerem à mais baixa
camada social” (Thompson, 1980, p. 56).
Isto posto, conclui-se que prisão é o
espaço ocupado por minorias sociais
que, antes de “lotar” o cárcere, já se
encontravam privadas de direitos
fundamentais como educação, trabalho,
saúde, moradia, entre outros. Ela serve
para redimensionar tais privações,
abarcando um infindável número de
violações de direitos básicos. No Brasil,
os dados do relatório do Infopen de junho
de 2014 destacam que nesse cenário
67% dos prisioneiros são negros, 56%
são jovens entre 18 e 29 anos de idade
com baixa escolaridade (80% estudou no
máximo até o ensino fundamental).
3. Informações extraídas da reportagem “Que a justiça seja feita”. Disponível em
http://www.valor.com.br/cultura/4147536/que-justica-seja-feita. Acesso em 28 de julho de 2015.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Os estabelecimentos prisionais
apresentam contemporaneamente
variadas funções não declaradas além do
controle social, das quais destaco, por
exemplo, a geração de empregos diretos
ou indiretos (7 em cada 10 pessoas que
trabalham no sistema têm cargo efetivo,
segundo o relatório do Infopen publicado
em 2014) e a criação/manutenção de
relações entre indivíduos que “optaram”
por seguir uma “carreira” no “mundo do
crime” (Pimenta, 2014). Ressalta-se que
a prisão, nos moldes que temos, não
isola o indivíduo e muito menos serve
como instrumento de socialização
visando a aderência dos presos às leis,
regras e normas sociais. Isso ocorre
especialmente no Brasil porque, diante
da desigualdade jurídica instaurada, a
obediência às regras toma valoração
negativa, de obediência subalterna (Kant
de Lima, 2013). Ou seja,
(...) as estratégias repressivas de
controle social próprias das
sociedades juridicamente desiguais,
em que as regras, por definição, não
representam a proteção para todos
– porque não são aplicadas de
maneira uniforme e universal, e sim
de maneira particularizada e
diferenciada aos seus membros,
por definição desiguais –, têm
como consequência a naturalização
do processo de externalização
dessas mesmas regras, isto é, são
representadas como exteriores aos
sujeitos, não propiciando condições
para sua normalização. Essa
circunstância, que justifica
oficialmente a repressão de uns
segmentos da sociedade sobre os
outros, enseja justificativas
socialmente legítimas para sua
violação sistemática pelos indivíduos
não normalizados. (idem, p.565-566)
As instituições prisionais deixaram de
ser os únicos espaços de controle e
vigilância designados para aqueles
indivíduos que violaram a lei, cometendo
algum ato criminalizável – uma ação
moral e socialmente enquadrada na
codificação criminal (Misse, 1999).
Destarte, “num mundo altamente
tecnológico, no qual a velocidade da
informação avança na luz do tempo real,
não se pode mais pensar em prisão em
termos de masmorras e grades. As
grades deverão ser virtuais” (Neto, 2009,
grifo nosso). Sob os alicerces da
constante vigilância disciplinar surge a
monitoração eletrônica de pessoas, uma
política em consonância com o imaginário
social construído e reforçado em torno da
validade de práticas repressivas e
punitivas4. Ela pode ser lida como uma
resposta estatal diante da “(...) crescente
20
perda de legitimidade do sistema penal,
incapaz de justificar o seu grau de
seletividade e a sua incapacidade de dar
resposta ao sentimento de insegurança e
impunidade da maioria da população
(Zaffaroni, 1991). O sistema político
reage com propostas de reforma do
sistema de controle penal.” (Azevedo,
2004, p. 39).
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
4. Sobre o imaginário punitivista cultivado na sociedade brasileira um fenômeno, mesmo que não seja a
tônica desse trabalho, é bastante evidente e cada vez mais comum: as práticas de linchamento/
“justiçamento”. As pesquisas de Martins (2015) indicam que nos últimos 60 anos, mais de 1 milhão de
brasileiros já participou de um ato ou uma tentativa de linchamento, que passou a ser um componente da
realidade social brasileira, perdendo gradativamente sua caracterização como um fato anômalo. O autor
indexou, ao longo dos anos, 2.028 casos, concentrados especialmente entre 1945 e 1998: nesses, 2.579
indivíduos foram alcançados por tentativas e linchamentos consumados; apenas 1.150 (44,6%) foram
salvos, em mais de 90% das oportunidades pela polícia. Outros 1.221 (47,3%) foram engolidos pela fúria
popular, espancados, atacados a pauladas, pedradas, pontapés e socos, nessa ordem e nessa progressão,
até casos extremos de extração dos olhos, extirpação das orelhas e castração. Entre eles, 782 (64%) foram
mortos e 439 (36%) feridos, segundo revela o estudo pioneiro. Informações obtidas na Revista da FAPESP,
disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/04/10/dias-de-furia/. Acesso em 22 de junho de 2015.
21
3. Introdução
Dentre as novas tecnologias
associadas à segurança pública e ao
controle penal, a monitoração eletrônica
surge com vigor, conforme já foi dito,
impulsionada por razões de ordem
retributiva entoadas pelo ampliado
paradigma punitivo. É difícil determinar
com precisão todos os fundamentos que
balizaram essa tecnologia desde sua
criação, desenvolvimento e implantação.
Desde a década de 1940, no Canadá,
experiências de controle com a
manutenção de pessoas em seu
domicílio foram iniciadas (Japiassú e
Macedo, 2008). A proposta de utilização
da monitoração eletrônica de forma
similar a que conhecemos hoje foi
inaugurada na década de 1960, sendo as
primeiras experiências documentadas
sob autoria do professor de psicologia da
Universidade de Harvard, Ralph
Schwitzgebel, que propôs medidas
eletrônicas para controlar “jovens
delinqüentes” e “doentes mentais”
(Rodríguez-Magariños, 2005).
A utilização dessa tecnologia
aplicada ao controle penal ocorreu no
estado do Novo México nos Estados
Unidos, no ano de 1977. Naquela
ocasião, Jack Love, Juiz de Albuquerque,
foi inspirado num episódio da série
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Apresentação
Spiderman (Homem Aranha) que
retratava a monitoração dos passos do
super herói pelas ruas de Nova York
através de um bracelete colocado
propositalmente pelo vilão do episódio.
Então, o juiz encomendou ao perito em
eletrônica, Michael Goss, o projeto e a
manufatura de um dispositivo de
monitoramento. No entanto, foi apenas
em 1983 que o juiz supracitado
determinou, de modo experimental, a
monitoração de alguns sentenciados na
cidade de Albuquerque. Naquela década,
aliás, ocorreu uma considerável
expansão no uso daquele tipo de
vigilância, sendo que, em 1988, 2.300
presos estavam sendo monitorados
eletronicamente nos Estados Unidos.
Após uma década, o número de
monitorados já chegava a 95.000
(Mariath, 2009), o que coincide com a
explosão nos números da população
carcerária mundial.
Desde sua consolidação, na
década de 1980, a monitoração
eletrônica aplicada ao universo prisional
tornou-se uma efetiva realidade na
execução penal, no controle das
diferentes etapas do sistema progressivo
de cumprimento da pena e/ou na tutela
cautelar, em países como África do Sul,
22
4. Contexto e elementos gerais da monitoração eletrônica
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Alemanha, Andorra, Argentina, Austrália,
Bélgica, Brasil, Canadá, China, Colômbia,
Dinamarca, Escócia, Espanha, Estados
Unidos, França, Holanda, Itália, Portugal,
Reino Unido, Suécia, Suíça, Tailândia,
entre outros.
No Brasil, apenas no ano de 2001,
projetos de lei começaram a surgir no
Congresso Nacional com vistas a tratar
da monitoração eletrônica, especialmente
em função da superlotação dos
estabelecimentos prisionais (Mariath,
2009). O cenário, então, favoreceu o
surgimento dos primeiros projetos de lei
sobre o tema, justificados pela “falência”
do sistema prisional brasileiro,
possibilidade de desonerar o Estado e
“reintegrar socialmente” os presos,
conforme sintetiza Souza (2013, p.61-63):
- Apresentado em plenário no dia
21/03/2001, o PL nº 4.342, de autoria
do Deputado Marcus Vicente, foi o
primeiro a contemplar a temática do
monitoramento eletrônico no país;
- No dia 06/06/2001, foi apresentado
pelo Deputado Vittorio Medioli, o PL
nº 4.834, que posteriormente
(08/06/2001) foi apensado ao PL nº
4.342, por versar sobre a mesma
matéria;
- O ano de 2007 contemplou diversas
propostas legislativas sobre o
assunto. O primeiro deles, qual seja,
o PL nº 337, foi apresentado em
07/03/2007 pelo Deputado Ciro
Pedrosa;
- De autoria do Deputado Carlos
Manato, o PL nº 510 foi apresentado
em plenário no em 21/03/2007, tendo
logo sido apensado ao PL nº 337;
- O PLS nº 165 (PL nº 1.295/2007 na
Câmara dos Deputados) foi exposto
em plenário pelo Senador Aloizio
Mercadante no dia 28/03/2007. O
projeto acabou sendo posteriormente
emendado pelo Senador Demóstenes
Torres (Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania);
- No dia 29/03/2007 foi exibido em
plenário pelo Senador Magno Malta,
o PLS nº 175 (PL nº 1.288/2007 na
Câmara dos Deputados);
- Amparado em pesquisas realizadas
nos Estados Unidos e na Europa
acerca da viabilidade jurídica e
técnica da implantação do
monitoramento de pessoas, o PL nº
641 foi apresentado em plenário no
dia 03/04/2007. O projeto, de autoria
do Deputado Edio Lopes, buscava
incluir a monitoração eletrônica como
forma de fiscalização externa dos
23
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
beneficiados pelo regime semiaberto,
regime aberto, limitação de fim de
semana, livramento condicional e
saída temporária;
- Em 27/06/2007, foi apresentado em
plenário o PL nº 1.440, proposto pelo
Deputado Beto Mansur.
Finalmente, a monitoração eletrônica
no Brasil passou a contar com previsão
legal desde o ano de 2010, prevista
inicialmente na Lei nº 12.258, que alterou
a Lei de Execução Penal nº 7.210/84
(LEP), introduzindo a possibilidade de
aplicação do monitoramento eletrônico
em dois casos estritos: a) saída
temporária ao preso que estiver em
cumprimento de pena em regime
semiaberto (art. 146-B, inciso II); b)
quando a pena estiver sendo cumprida
em prisão domiciliar (art. 146-B, IV).
Ademais, foi estabelecido os regramentos
mínimos para a aplicação da tecnologia
(artigos 146-A a 146-D).
Na intenção de sublinhar que a
monitoração eletrônica foi introduzida na
legislação brasileira como instrumento de
controle, atuando como alternativa à
liberdade e não como ferramenta de
alternativa à prisão, é interessante
lembrar que a proposta legislativa inicial
contemplava outras hipóteses de
aplicação: a) aplicar pena restritiva de
liberdade a ser cumprida nos regimes
aberto ou semiaberto, ou conceder
progressão para tais regimes; b) aplicar
pena restritiva de direitos que estabeleça
limitação de horários ou de frequência a
determinados lugares; c) conceder o
livramento condicional ou a suspensão
condicional da pena.
Tais hipóteses foram vetadas pela
Presidência da República, sob as
alegadas razões:
A adoção do monitoramento
eletrônico no regime aberto, nas
penas restritivas de direito, no
livramento condicional e na
suspensão condicional da pena
contraria a sistemática de
cumprimento de pena prevista no
ordenamento jurídico brasileiro e,
com isso, a necessária
individualização, proporcionalidade e
suficiência da execução penal.
Ademais, o projeto aumenta os
custos com a execução penal sem
auxiliar no reajuste da população dos
presídios, uma vez que não retira do
cárcere quem lá não deveria estar e
não impede o ingresso de quem não
deva ser preso.
O veto da Presidência da República
evidencia e reforça, considerando o “peso
da lei”, o tom predominante na política
24
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
criminal, qual seja o aumento do controle
disciplinar no caso dos indivíduos já em
liberdade, apresentando, afinal de
contas, pouca efetividade no âmbito do
desencarceramento e da prisão enquanto
última opção.
Segundo Souza (2013), sem
embargo da inovação trazida pela Lei nº
12.258/10, no sentido de introduzir o
monitoramento eletrônico no
ordenamento jurídico brasileiro, não
houve alterações significativas na
redução da população carcerária (um dos
objetivos propostos pelos diversos
projetos de leis anteriormente
pontuados). Isso ocorre, na concepção
do referido autor, porque as hipóteses
autorizadas (mesmo aquelas que não
foram objeto do veto presidencial)
limitavam-se ao âmbito da execução
penal, atingindo tão somente condenados
que já se encontravam fora dos
estabelecimentos prisionais, como
complemento à privação de liberdade e
agravamento do regime de execução. Ou
seja, antes da referida lei, os presos que
conquistavam benefícios como a saída
temporária e a prisão domiciliar não se
submetiam a qualquer tipo de controle
eletrônico, ao passo que, com a lei,
poderiam agora se sujeitar à medida.
A Lei nº 12.258/10 foi, todavia, a
síntese primária de vários movimentos no
sentido de introduzir e regulamentar a
monitoração eletrônica no ordenamento
jurídico. Já a Lei nº 12.403/11 alterou o
Código de Processo Penal, admitindo a
monitoração eletrônica como medida
cautelar diversa da prisão (artigo 319,
inciso IX). A monitoração que ficava
restrita à fase da execução penal, é
ampliada ao público não sentenciado no
curso do inquérito policial e mesmo aos
acusados ao longo da ação penal.
A Lei nº 12.403/11 inicialmente indica
a capacidade de colaborar no
enfrentamento ao alto número de presos
provisórios. Contudo, pesquisa publicada
recentemente pelo IPEA sobre o excesso
de prisão provisória no Brasil revela que
“(...) os princípios constitucionais que
objetivam proteger direitos como a
liberdade, a presunção de inocência, o
devido processo e a ampla defesa não
têm obtido concretização, mesmo diante
das recentes alterações legislativas de
natureza processual penal, como é o
caso da recente lei das medidas
cautelares alternativas à prisão,
12.403/2011.” (Lemgruber et al, 2013
apud Brasil, 2015b).
25
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Neste sentido, a despeito da
capacidade de desencarceramento que a
monitoração eletrônica indica, o que
observamos é a utilização dos serviços
com vistas a ampliar o controle penal. A
monitoração eletrônica, no formato que
temos hoje, pode ser considerada como
uma ferramenta de controle que
prioritariamente atua como mecanismo
de gestão prisional e não reduz o
encarceramento. O controle penal é
ampliado, uma vez que, conforme as
Em linhas gerais, a monitoração
eletrônica que vem sendo desenvolvida
no Brasil combina soluções em hardware
e software, consistindo na implantação de
um dispositivo eletrônico no corpo do
indivíduo (indiciado ou condenado) que
passa a ter restrições em sua liberdade,
sendo observado – monitorado – por uma
central de monitoração criada e gerida
pelo governo do Estado.
De acordo com informações do
comitê de pesquisa do Correctional
Service of Canada (CSC), a primeira
geração da tecnologia de monitoração
eletrônica contou com transmissões de
rádio frequência (RF). Tais sistemas são
incapazes de controlar os movimentos do
26
hipóteses previstas na legislação
brasileira, a monitoração de presos em
saída temporária ou em prisão domiciliar
não promove desencarceramento. Isto
posto, mesmo a utilização dos serviços
de monitoração em casos de medida
cautelar diversa da prisão exige uma
análise sobre quem será efetivamente
monitorado: o preso provisório ou o
réu/indiciado que já respondia ao
processo em liberdade.
4.1 Em quê consiste a monitoração eletrônica?
indivíduo, sendo a vigilância limitada a
verificar se o mesmo está em um local
aprovado em um ponto especificado no
tempo (Black & Smith, 2003; John
Howard Society, 2000 apud CSC, 2007),
servindo a propósitos de detenção
principalmente. Em função disso, passou
a haver um interesse crescente na
aplicação de tecnologia mais avançada
de posicionamento global por satélite
(GPS) como uma ferramenta alternativa
para aumentar a vigilância de
condenados na sociedade (Lilly, 2006).
Disponível em formatos ativo e passivo,
em comparação com sistemas de RF, a
tecnologia GPS é capaz de monitorar
continuamente o movimento de um
indivíduo 24 horas por dia em “tempo
real” quando os sistemas ativos são
utilizados. Além disso, áreas de inclusão
e exclusão podem ser programadas,
designando as localidades geográficas
nas quais um indivíduo tem ou não a
permissão para entrar e permanecer5 de
acordo com prescrição judicial.
A tecnologia operada por GPS é
encontrada em todos os estados
brasileiros onde a política encontra-se
implementada. A monitoração funciona
por meio de um dispositivo colocado no
tornozelo, recebendo o nome
“tornozeleira eletrônica” ou simplesmente
“tornozeleira”6.
A “tornozeleira” é concebida para ser
utilizada durante todo o tempo em que
durar a medida imposta, emitindo sinais
de forma contínua, permitindo-se atestar
a presença do monitorado no território
designado, ou seja, a área de inclusão,
assim como verifica se o mesmo se
mantém afastado da área de exclusão, o
que corresponde à área não permitida
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
5. GPS passivo opera de maneira semelhante, mas os dados de localização e movimentação são baixados,
geralmente uma vez por dia, quando o monitorado retorna para casa e coloca o dispositivo em uma base
que se conecta à central de controle. Em ambas as suas formas, ativas e passivas, a tecnologia GPS opera
essencialmente por receber sinais de uma constelação de satélites capazes de triangular uma posição,
armazenar ou comunicar esse local para um centro de monitoramento. (Correctional Service of Canada,
2007)
6. Há disponibilidade de quatro opções técnicas de vigilância eletrônica no mercado: adaptação de uma
pulseira; adaptação de uma tornozeleira; adaptação de um cinto; adaptação de um microchip implantado no
corpo humano (em fase de testes nos Estados Unidos e na Inglaterra), Maciel (2014).
27
para a circulação de acordo com a
determinação judicial. O equipamento é
alimentado por uma bateria recarregável
e emite sinais de alarme específicos caso
haja baixa de carga ou mau
funcionamento. As fibras óticas são
utilizadas para detectar qualquer dano ao
equipamento ou tentativa de violação,
sendo o sinal transmitido às centrais.
Além das “tornozeleiras”, outro
equipamento pode integrar os serviços de
monitoração: a Unidade Portátil de
Rastreamento (UPR). A UPR costuma ser
adotada em casos enquadrados no
âmbito da Lei nº 11.340/06, popularmente
conhecida como Lei Maria da Penha,
dispositivo legal brasileiro que aumentou
o rigor das punições envolvendo crimes
na esfera doméstica. Neste caso, a
aplicação das medidas protetivas de
urgência pelo juiz pode incluir a
monitoração eletrônica do agressor.
Ainda, em alguns casos, a vítima pode
portar a UPR fornecida pela central
de monitoração. O equipamento
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
basicamente visa identificar se o
monitorado, nessa situação identificado
como “suposto agressor”, encontra-se
próximo à vítima, violando os limites
previamente estabelecidos nas medidas
protetivas de urgência. Esse sistema de
vigilância constata em tempo real a
localização de quem porta a UPR e de
quem porta a “tornozeleira” de maneira
relacional, com vistas a mensurar essa
aproximação.
Segundo essa lógica, as centrais
conseguem entrar em contato tanto com
a vítima quanto com o agressor no caso
de violação da área de exclusão, gerando
intervenções que vão desde emissão de
mensagens no aparelho e contato
telefônico até o acionamento da polícia
militar. A partir disso, a central responde,
sem contar com protocolos estabelecidos
e institucionalizados na maioria dos
casos, de acordo com as intervenções
acima elencadas (contato com o suposto
agressor por telefone ou comunicação
através do equipamento dependendo da
tecnologia adotada e/ou acionamento de
forças policiais). Não há normas ou
diretrizes de fluxos e procedimentos
estabelecidos em nível nacional até o
momento, sendo este o escopo da
consultoria técnica especializada para
28
formulação de modelo de gestão de
monitoração eletrônica de pessoas, da
qual este diagnóstico é o primeiro
produto. Assim, até o momento, cada
central define quando deve acionar a
polícia e esta por sua vez responde de
acordo com o tipo de relacionamento
travado com as centrais e entendimentos
próprios acerca da política de
monitoração, conforme veremos mais
adiante.
Nas centrais de monitoração,
funcionários acompanham os
monitorados através de grandes telas de
televisão que ampliam o sistema,
facilitando o trabalho da vigilância. O
sistema é construído a partir de
informações armazenadas num banco de
dados que acumula informações precisas
sobre comportamento e localização em
determinados períodos de tempo de cada
monitorado individualmente. De forma
combinada, mapas eletrônicos com
caracterização por satélite auxiliam as
tarefas dos funcionários na missão de
localizar com exatidão os trajetos dos
monitorados7. O exato local e o controle
em tempo real é possibilitado, como já
sublinhado, por meio de GPS (forma
ativa).
7. O Google Street View é um serviço frequentemente utilizado nas centrais que mostra a cidade por meio
de fotos capturadas por carros, drones, bicicletas, motos, mochilas e outros aparatos especiais.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Há normas e procedimentos que
devem ser observados pelo monitorado.
Os mais comuns previstos legalmente
são: o respeito aos limites definidos
quanto a áreas de inclusão e também de
exclusão, incluindo horários, quando
estabelecidos pelo juiz; o controle quanto
às recargas de bateria, possibilitando a
sua conexão com a central e permanente
vigilância; o cuidado com a “tornozeleira”,
evitando possíveis danos ao
equipamento. Inobservância e descuido
envolvendo qualquer um desses
aspectos pode gerar descumprimento,
isto é, violação. Toda violação é
identificada pelo sistema, demandando
resposta e intervenção da equipe que lida
no setor de vigilância propriamente dito,
na “ponta” dos serviços de monitoração.
Em alguns casos, as centrais
estabelecem metas atreladas ao
tratamento das violações, como será
pormenorizado na nossa análise. Os
protocolos, quando existentes, são
incipientes ou pouco institucionalizados.
Ademais, não há padronização em
âmbito nacional capaz de definir o
tratamento que cada tipo de violação
deve gerar.
A partir das visitas de campo e dos
relatos de funcionários da Coordenação-
Geral do Programa de Fomento às Penas
e Medidas Alternativas (CGPMA) do
Departamento Penitenciário Nacional e
de atores que tratam a monitoração
enquanto problema de interesse público
e social, especialmente o Grupo de
Trabalho de monitoração, o “evento
resposta” no caso de violação costuma
admitir procedimentos administrativos
como notificação, advertência,
comunicação oficial junto ao juiz do caso,
lançamento de fuga e/ou acionamento da
polícia. Qualquer um desses
procedimentos (possíveis respostas à
violação) pode ser adotado segundo
critérios próprios de cada central e equipe
de funcionários, tendo em vista o baixo
grau de normatização acerca de tais
procedimentos e da própria configuração
das centrais que ainda apresentam
déficits em termos de estrutura física,
organizacional e de pessoal. Assim, a
descarga completa da bateria pode gerar
um evento resposta de caráter imediato e
pouco tolerante, como o acionamento da
polícia, sob a justificativa de “perder o
monitorado”, indicando excessiva
preocupação em termos de um controle
disciplinar. Isso indica que há dificuldade
na compreensão e tratamento do
monitorado como um indivíduo que está
em liberdade, ainda que sob condições e
limites, implicando entendimentos
reduzidos por parte de quem atua na
gestão da política. O monitorado tem o
direito, normalmente pouco reconhecido,
29
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
de levar uma vida dentro da normalidade,
possibilitando a manutenção de relações
e vínculos sociais, por exemplo.
Observamos um sentimento de
angústia em muitas centrais quanto à
impossibilidade do evento resposta gerar
automaticamente prisão (lançamento de
fuga) no caso das medidas cautelares e
das medidas protetivas de urgência (nos
quais os monitorados estão indiciados,
mas não condenados). Não poder
prender todos aqueles que violaram,
respondendo apenas com procedimentos
disciplinares ou outras intervenções não
repressivas, inclusive a notificação do
juiz, provoca em alguns a sensação de
incompletude do serviço que, segundo
suas perspectivas, deveria culminar em
medidas mais severas tendo o
aprisionamento como resposta às
violações. Não raro, é comum escutar
reclamações como: “a gente não pode
fazer nada.” Ou seja, os procedimentos
disciplinares não repressivos não são
vistos como resposta mais adequada,
sendo reduzidas ao próprio “nada”.
A equipe de funcionários que
trabalha na central pode ser composta
por diferentes profissionais atuando em
frentes de serviço como recepção,
triagem, admissão, atendimento
psicossocial, monitoramento, análise e
justificativa. A organização dos serviços
também não ocorre de forma homogênea
no país, todavia a composição da equipe
envolvida com os serviços de
monitoração apresenta um padrão que
majoritariamente agrega agentes
penitenciários e funcionários da empresa
contratada. Há centrais que funcionam
exclusivamente a partir do trabalho
realizado pelos agentes e funcionários da
empresa. Outras admitem trabalhadores
terceirizados. A equipe psicossocial,
composta por psicólogo, assistente social
e/ou técnico em direito, tem um papel e
atuação lateral nos serviços de
monitoração. De acordo com as
informações aferidas nos questionários,
das 17 Unidades Federativas que têm os
serviços implementados, 11 informaram
não contar com equipe psicossocial e 06
contam com os serviços.
No caso das centrais que contam
com a equipe psicossocial percebe-se
que o papel desta ainda permanece
pouco explorado em função de suas
potencialidades8. Isso se dá por razões
que vão desde espaço inadequado para
o acolhimento e acompanhamento dos
monitorados e das vítimas até o
investimento em setores percebidos
como mais relevantes, especialmente
responsáveis pelo tratamento das
violações. Percebe-se, assim, que a
30
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
atenção, o acompanhamento e os
possíveis encaminhamentos relacionados
às pessoas monitoradas, voltados à sua
inclusão e proteção social, não são
prioridades no âmbito da política de
monitoração. Há, portanto, uma
descentralidade dos monitorados
enquanto sujeitos dessa política
específica.
31
8. Os apontamentos do GT sobre a equipe psicossocial foram formulados, sobretudo com base nas
sugestões da equipe psicossocial de Minas Gerais.
Em funcionamento
3. Introdução
A monitoração eletrônica vem se
expandindo em diversas partes do mundo
e igualmente pelo território brasileiro.
Conforme foi destacado anteriormente, a
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Apresentação
partir do ano de 2010 a monitoração
eletrônica passou a contar com previsão
legal: Lei nº 12.258/2010 e Lei nº
12.403/2011.
32
5. O diagnóstico da política de monitoração eletrônica no
Brasil
5.1 Estágio da política de monitoração eletrônica no Brasil
Figura 01. Estágio da política de monitoração eletrônica no Brasil
9. Todas as figuras, gráficos e tabelas presentes neste documento foram construídos com base nas
informações aferidas através dos questionários sobre os serviços de monitoração eletrônica. Como
explicitado na nota metodológica, os questionários estruturados foram preenchidos preferencialmente pelo
diretor ou coordenador da central de monitoração eletrônica e/ou diretor das secretarias. O período de
coleta compreendeu os meses de fevereiro a julho de 2015..
Fonte: DEPEN, fev a jul/20159
Em fase de testes
Não foi implementado (há projeto
visando implementação)
Não foi implementado (sem
previsão de implementação)
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
A figura 01 apresenta um panorama
geral sobre o atual estágio da política de
monitoração eletrônica considerando todo
o território nacional. Como é possível
observar, 19 Unidades da Federação
implementaram os serviços de
monitoração eletrônica, sendo que em 17
unidades os serviços encontram-se
implementados e em 2 unidades os
serviços estão em fase de testes.
Sinalizando o movimento de expansão da
política, 7 Unidades da Federação já
apresentam projeto visando
implementação dos serviços de
monitoração. Fora desta perspectiva,
apenas o Amapá não implementou e não
apresenta projeto nesta direção.
33
5.2 Implementação da política por ano nas UFs
Figura 02. Implementação por ano nas Unidades da Federação
1
4
3
2
7
0
1
2
3
4
5
6
7
8
2010 2011 2012 2013 2014
2010 2011 2012 2013 2014
SP AL AC PI AM
PE CE RS ES
RJ MG
GO
RO
MA
MT
PA
PR
Fonte: DEPEN, fev a jul/2015
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
A figura 02 revela que o ano de 2010
marcou o início da implementação efetiva
dos serviços de monitoração eletrônica
no Brasil, sendo o estado de São Paulo
pioneiro na implementação. Em 2011, a
política passou a ser implementada por
Alagoas, Pernambuco, Rio de Janeiro e
Rondônia, acumulando 5 Unidades
Federativas. Acre, Ceará e Minas Gerais
começaram a desenvolver os serviços de
monitoração eletrônica em 2012, o que
gerou um acumulado de 8 Unidades
Federativas realizando os serviços de
monitoração. O ano de 2013 apresentou
queda no crescimento da implementação
dos serviços, incorporando Piauí e Rio
Grande do Sul na política que aquela
altura já congregava 10 Unidades
Federativas. O ano de 2014 marca a
considerável expansão da política de
monitoração eletrônica, implementada no
Amazonas, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Mato Grosso, Pará e Paraná,
acumulando 17 Unidades da Federação
com serviços de monitoração.
O crescimento comparativamente
desproporcional aos anos anteriores
(2010 a 2013) aponta uma prioridade
recente na implementação dos serviços
de monitoração eletrônica. Nessa
direção, cabe ressaltar o fomento da
política através de convênios entre o
Departamento Penitenciário Nacional e
as Unidades da Federação iniciados no
final do ano de 2013, com investimento
de quase R$ 9 milhões nos serviços de
monitoração nos dois últimos anos.
Sublinhando a recente prioridade neste
ponto específico da política penal, está
previsto o investimento de R$ 26 milhões
nos serviços de monitoração eletrônica
para o exercício de 2015.
A política de monitoração fomentada
pelo DEPEN abrange 10 Unidades
Federativas, sendo que dos 10
convênios, 6 foram celebrados no ano de
2014. Alagoas, Goiás, Espírito Santo e
Maranhão já desenvolvem os serviços de
monitoração com recursos próprios e
adicionalmente têm convênios firmados
com DEPEN no sentido de expandir os
serviços. Bahia, Distrito Federal, Mato
Grosso do Sul, Paraíba, Santa Catarina e
Tocantins também têm convênios
firmados com o DEPEN, visando a
implementação dos serviços de
monitoração.
34
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
35
5.3 Capacidade máxima e total de pessoas monitoradas
simultaneamente
Tabela 01. Capacidade máxima e total de pessoas monitoradas
simultaneamente
Fonte: DEPEN, fev a jul/2015
UF
Capacidade máxima de pessoas
monitoradas simultaneamente
(previsão contratual)
Total de pessoas
monitoradas
simultaneamente
AC 1.500 418
AL 728 505
AM 1.000 211
AP - -
BA - -
CE 300 296
DF - -
ES 1.000 356
GO 1.850 1.519
MA 1.800 110
MG 4.653 2.390
MS - -
MT 5.000 668
PA 1.000 407
PB - -
PE10 2.300 2.300
PI 1.000 63
PR 5.000 818
RJ 2.000 1.436
RN - -
RO 1.500 1.157
RR - -
RS 5.000 1.318
SC - -
SE - -
SP 4.800 4.200
TO - -
Total 40.431 18.172
10. De acordo com a visita realizada na central de Pernambuco, registrou-se que a capacidade máxima de
2.300 pessoas chega a ser desdobrada em 4.641 monitorados. Segundo as informações da central, todas
as saídas temporárias são monitoradas, além de modalidades como regime semiaberto em trabalho
externo, prisão domiciliar, medidas cautelares diversas da prisão e medidas protetivas de urgência.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
A tabela 01 mostra a capacidade de
pessoas monitoradas simultaneamente,
segundo a previsão contratual de cada
Unidade da Federação, totalizando uma
capacidade a nível nacional de 40.431
pessoas. A totalidade de monitorados
simultaneamente, aferida pelos
questionários respondidos, atinge 18.172
pessoas em todo o Brasil, ou seja, cerca
de 45% da capacidade total prevista
contratualmente. Na maioria das
Unidades Federativas, os serviços de
monitoração não trabalham com 100% da
capacidade contratualmente prevista,
indicando uma expansão gradual dos
serviços.
36
5.4 Destinação dos equipamentos
Figura 03. Destinação do equipamento quanto ao regime e natureza
da prisão
Fonte: DEPEN, fev a jul/2015
25,91%
21,87%
19,89%
16,57%
8,42%
4,21%
1,77% 1,18% 0,17% Regime aberto em prisão
domiciliar
Regime semiaberto em prisãodomiciliar
Regime semiaberto emtrabalho externo
Saída temporária
Medidas cautelares diversasda prisão
Medidas protetivas de urgência- Lei Maria da Penha
Regime fechado em prisãodomiciliar
Outros
Livramento condicional
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
A figura 03 apresenta o percentual de
utilização da monitoração eletrônica no
país segundo regimes ou medidas
aplicadas11. Como é possível perceber,
86,18% das pessoas monitoradas
encontram-se em execução penal:
regime aberto em prisão domiciliar
(25,91%); regime semiaberto em prisão
domiciliar (21,87%); regime semiaberto
em trabalho externo (19,89%); saída
temporária (16,57%); regime fechado em
prisão domiciliar (1,77%); livramento
condicional (0,17%). As medidas
cautelares diversas da prisão (8,42%) e
as medidas protetivas de urgência
(4,21%) que juntas somam apenas
12,63% podem indicar a possibilidade de
alternativa ao encarceramento, mas a
monitoração eletrônica nestes casos
também pode servir apenas como
ferramenta para a ampliação do controle
penal. Até o momento, há dificuldade de
aferir se, mesmo nesses casos, a
monitoração vem sendo utilizada como
alternativa à prisão ou como alternativa à
liberdade.
Fica evidente que a monitoração
eletrônica vem sendo utilizada de
maneira tímida nas medidas cautelares
diversas da prisão (8,42%). Isso indica
37
11. Neste gráfico específico não foi considerada a categoria “sem informação”, conforme será observado na
tabela a seguir..
que há 1.450 pessoas monitoradas em
cumprimento de medidas cautelares
diversas da prisão, apresentando pouco
impacto na redução do número de presos
provisórios no país, que chega a 250.213
pessoas num universo de 607.731
pessoas encarceradas. Ou seja, 41% das
pessoas privadas de liberdade são
presos sem condenação, a mesma
proporção de pessoas em regime
fechado (Brasil, 2015a). De todo modo, o
alto número de presos provisórios e a
baixa utilização da monitoração eletrônica
nos casos de medidas cautelares pode
sinalizar que há espaço a ser ocupado
pela monitoração enquanto substitutiva à
privação de liberdade de pessoas não
condenadas.
Ainda, como indica pesquisa
publicada desenvolvida pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Brasil,
2015d) sobre a aplicação de penas e
medidas alternativas, as penas privativas
de liberdade são vistas como a solução
no âmbito da política penal. Nas varas
criminais estudadas, a pena privativa de
liberdade é o tipo de sentença mais
freqüente (46,8%), já as penas
alternativas representam 12,2% dos
casos.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
As medidas protetivas de urgência
igualmente não são focalizadas na
política de monitoração, compreendendo
4,21% dos serviços. Ou seja, 725
pessoas monitoradas cumprem medidas
protetivas de urgência num universo de
18.172 pessoas. Esse quadro indica,
dentre outras coisas, uma tendência
conservadora na condução da política de
monitoração eletrônica, aplicada como
ferramenta de controle na execução
penal, mesmo nas hipóteses que têm
previsão legal questionada, como, por
exemplo, regime semiaberto em trabalho
externo e liberdade condicional, o que
corresponde a 19,89% e 0,17% dos
serviços, isto é, 3.425 e 29 pessoas
monitoradas respectivamente.
Em última análise, esse cenário
aponta uma vocação da monitoração
eletrônica para o controle disciplinar,
aspecto contemplado nas hipóteses
previstas expressamente na legislação e
difundido em termos práticos.
Adicionalmente, as hipóteses vetadas na
Lei nº 12.258/10 – já problematizadas em
páginas anteriores – indicam que a
monitoração colabora de modo muito sutil
e pouco efetivo no desencarceramento.
38
5.5 Número de pessoas monitoradas por Unidade da Federação,
segundo os regimes e as medidas
A tabela 02 apresenta o número de
pessoas monitoradas por Unidade da
Federação, especificando os regimes ou
as medidas a que estão submetidas. Os
números indicam que os serviços de
monitoração focam a execução penal,
mais de 80% dos serviços são
desenvolvidos nesse âmbito. São Paulo
tem o maior número de pessoas
monitoradas, com os serviços voltados
apenas para a execução penal. Espírito
Santo é o estado que proporcionalmente
apresenta o maior índice de pessoas
monitoradas na etapa de instrução penal
- 95,8% das pessoas monitoradas
cumprem medidas cautelares diversas da
prisão e as medidas protetivas de
urgência. Apenas Goiás informou
monitorar pessoas em liberdade
condicional, apesar dessa hipótese de
utilização ter sido vetada quando no
momento de sanção da Lei nº
12.528/2010. As Unidades da Federação
que não concentram os serviços de
monitoração unicamente na execução
penal são Alagoas, Amazonas, Ceará,
Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas
Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco,
Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
39
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A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
40
5.6 Monitoração eletrônica por gênero
Figura 04. Monitoração eletrônica por gênero
13. É importante destacar que o estudo realizado pelo IPEA compreendeu 10 Unidades Federativas que
apresentam maior taxa de homicídios por habitantes, sendo analisados processos com base em amostra
significativa e representativa com baixa definitiva em 2011.
Fonte: DEPEN, fev a jul/2015
88%
12%
homens
mulheres
A figura 04 indica a política de
monitoração eletrônica é voltada,
majoritariamente, ao público masculino.
Cumpre notar que esse padrão é
encontrado também na execução penal
propriamente dita. Segundo pesquisa
desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada13 (Brasil, 2015d),
nas varas criminais as informações
contidas nos processos indicam que
90,3% dos acusados são do sexo
masculino e 9,7% do feminino. Tais
percentuais se aproximam à realidade da
monitoração eletrônica – 88% homens e
12% mulheres – que, como já
observamos, é largamente utilizada em
favor do controle social e não como
instrumento capaz de provocar
desencarceramento. Por outro lado, a
mesma pesquisa indica que nos Juizados
Especiais Criminais, estrutura criada para
tratar da conciliação, do julgamento e da
execução das infrações penais
consideradas de menor potencial
ofensivo, o número de mulheres chega
a 20,6% e o de homens atinge 79,4%.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Podemos perceber que quanto maior o
rigor penal, maior a predominância de
homens. Os dados sinalizam que os
aparatos do sistema punitivo, próprios da
esfera formal e pública de controle, estão
41
14. O estado de São Paulo não foi considerado nesse item do diagnóstico, pois informou apenas o custo
médio diário por pessoa monitorada, sendo desconhecida a metodologia de custo mensal..
dirigidos primordialmente ao público
masculino, sendo reservadas às
mulheres os mecanismos de controle
próprios das relações domésticas,
sobretudo o controle informal e privado
5.7 Serviços de monitoração segundo a tecnologia e custos
De acordo com as informações
aferidas nos questionários, o GPS, que
consiste na tecnologia mais avançada de
posicionamento global por satélite, é
adotado em todas as Unidades da
Federação que têm os serviços de
monitoração implementado. O custo
médio mensal por pessoa monitorada,
segundo os dados coletados, varia de
R$167,00 a R$660,00 nas Unidades
Federativas que têm a política
implementada14. A média do custo é
R$301,25 e a mediana R$240,95.
Algumas defesas acerca da
ampliação dos serviços de monitoração
costumam se pautar na ideia da redução
de custos. Mesmo que a monitoração
eletrônica possa sugerir uma “economia”
de recursos se comparada aos custos do
sistema prisional, como ela prevalece na
execução, isso pode implicar na prática
em uma duplicação nos gastos.
5.8 Presença/ausência de trabalhadores por segmento das
centrais de monitoração
A figura 06 mostra que há uma
prevalência de agentes penitenciários na
composição da equipe envolvida com os
serviços de monitoração eletrônica,
seguida de funcionários da empresa
contratada. A equipe psicossocial
aparece na composição da equipe em
35% das Unidades Federativas, quais
sejam Ceará, Espírito Santo, Minas
Gerais, Pará, Piauí e Rio Grande do Sul.
A baixa presença de profissionais como
psicólogos e assistentes sociais nas
equipes envolvidas com os serviços de
monitoração eletrônica indica que o foco
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
42
Figura 06. Presença/ausência de trabalhadores por segmento nas
centrais de monitoração
Fonte: DEPEN, fev a jul/2015
da política não é o monitorado, conforme
vamos esmiuçar no tópico seguinte.
Ademais, a simples existência destes
profissionais nas centrais não
necessariamente indica atenção
individualizada, atendimento e
acompanhamento psicológico, orientação
atendimento ambulatorial e
encaminhamentos para a rede de
assistência social. As funções e
atribuições geralmente não são
formalizadas e a estrutura das centrais
inviabiliza a prestação adequada dos
serviços psicossociais.
16
13
6
3 2 2
1
4
11
14 15 15
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
Agentespenitenciários
Empresacontratada
EquipePsicossocial
Outrosservidorespúblicos
Polícia Militar Polícia Civil
ausente
presente
5.9 Preocupações e pontos críticos
Neste momento debateremos
proposições que tentam se legitimar
através de repertórios que são
instrumentalizados pelo poder punitivo.
Para tanto, vamos buscar, a partir de
informações empíricas, fundamentação
em princípios e diretrizes propostos pelo
GT de monitoração eletrônica,
especialmente instituído com o propósito
de apoiar o DEPEN na formulação de
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
modelo de gestão para a política de
monitoração eletrônica. É relevante
destacar que os princípios e as diretrizes,
ainda em elaboração, visam orientar,
induzir e fomentar os serviços de
monitoração eletrônica focados no
monitorado enquanto sujeito da política,
conferindo enfoque às medidas que
favoreçam o desencarceramento e a
inserção social, tomando como
parâmetros o acompanhamento
psicossocial, o menor dano ao cumpridor,
a adequação, a necessidade, a dignidade
da pessoa humana, a normalidade, etc.
As contribuições do GT ocorrem,
sobretudo, a partir de reuniões que têm
como propósito o debate qualificado e a
construção de subsídios em torno de
temas específicos da monitoração
eletrônica, tendo em vista a diversificada
experiência de seus integrantes15.
43
15. O Grupo de Trabalho conta com a coordenação do Coordenador-Geral do Programa de Fomento às
Penas e Medidas Alternativas, Victor Martins Pimenta, na sua composição conta com os seguintes
especialistas: I - Bernardo Carvalho Simões, Defensor Público do Estado do Rio Grande do Sul; II - Daniela
Tiffany Prado de Carvalho, Diretora de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp/MG); III -
José de Jesus Filho, Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas; IV - Luis Geraldo Sant´Ana Lanfredi,
Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de
Execução de Medidas Socioeducativas/CNJ; V - Marco Aurélio Farias da Silva, Promotor de Justiça do
Estado de Pernambuco; VI - Mariana Lobo Botelho de Albuquerque, Defensora Pública do Estado do Ceará;
e VII - Risomar Braga Regis, Agente Penitenciário do Estado de Rondônia. Outros especialistas ou
representantes de órgãos e entidades públicas e privadas também poderão participar das reuniões do GT,
previstas para ocorrer ao longo de 12 meses, acompanhadas de visitas a centrais de monitoração
eletrônica, ensejando proposições empiricamente orientadas.
16. A partir da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a realização de visitas aos presos passou a ser
permitida. A revista manual ainda é o procedimento mais utilizado no Brasil. Popularmente conhecida como
“revista íntima” ou “revista vexatória”, o procedimento não respeita preceitos constitucionais de proteção a
dignidade da pessoa humana, a intimidade, a não submissão a tortura ou tratamento degradante, fazendo
com que o visitante sofra um processo de “prisionização secundária” que gera estigma e viola uma série de
direitos (Duarte, 2010).
Ressaltamos, por conseguinte, que a
construção deste produto e, de forma
mais abrangente, do próprio modelo de
gestão de monitoração eletrônica podem
ser tomados enquanto um processo
colaborativo e plural.
É comum ouvir que a monitoração
evita os propalados efeitos perversos do
encarceramento para o condenado e
também para os seus familiares e
amigos16, possibilitando a manutenção de
laços sociais, bem com o exercício de
atividades profissionais e educacionais.
No entanto, a forma pela qual os serviços
estão estruturados aponta uma realidade
distinta. A partir das visitas, podemos
dizer que o princípio da dignidade,
sublinhado pelo GT de monitoração
enquanto elemento fundamental na
construção da política de monitoração,
não é observado. Em algumas centrais
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
de monitoração eletrônica, o fato de ter
que comparecer presencialmente à
central independente do motivo –
admissão e instalação do equipamento;
justificativa em função de violações das
áreas de inclusão e exclusão; violações
relacionadas à descarga de bateria, etc –
tem gerado constrangimentos aos
monitorados que, em uma central
visitada, ficam agrupados e expostos na
rua, esperando por um atendimento que
pode demorar horas. Mesmo nas salas
de espera das centrais observa-se uma
estrutura ainda deficitária e incapaz de
propiciar um tratamento digno. Há casos
que a espera por atendimento pode durar
3 horas. Sem espaço e estrutura
adequada, os monitorados de alguns
estados se acomodam no chão.
Princípios como necessidade,
adequação e individualização da pena e
da medida, listados pelo GT, não
orientam atualmente a condução da
política. Foram identificados casos nos
quais, por exemplo, todos os presos do
regime semiaberto com direito à saída
temporária são monitorados
eletronicamente, uma demonstração
clara do excesso de controle que se
choca com uma das diretrizes do GT: a
excepcionalidade da utilização da
monitoração eletrônica e a
individualização no acompanhamento e
fiscalização das pessoas monitoradas,
inclusive com reexame periódico da
adequação e necessidade da
manutenção da medida.
A valorização da liberdade é um
assunto delicado no âmbito da
monitoração porque, de modo corrente,
não somente discursos, mas ações são
colocadas em prática considerando o
postulado de que o monitorado
permanece “praticamente livre”, haja vista
o fato da instituição prisional ser
supostamente substituída – parcial ou
totalmente – pelo equipamento de
monitoração que teoricamente é capaz
de “assegurar a liberdade” do indivíduo.
Enquanto postulado não
necessariamente comprovado, notamos o
relato do funcionário de uma central:
“muitos preferem ficar presos do que usar
a ‘tornozeleira’ por conta da falsa
sensação de liberdade. Eles dizem que é
como se tivessem a chave da cadeia na
mão, mas sem poder sair.” É um desafio
compreender os fundamentos em torno
dessa sensação. Por outro lado,
podemos notar que ela decorre, dentre
outras coisas, do super dimensionamento
da área de exclusão e o sub
dimensionamento da área de inclusão,
implicando restrições na circulação e na
realização de atividades cotidianas. Fica
nítido, nesses casos, que a inclusão
44
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
social não é postulado que orienta a
concepção dos serviços de monitoração
eletrônica.
As áreas de inclusão e de exclusão
são definidas pelos juízes e traçadas no
mapa do sistema de monitoramento das
centrais por seus funcionários. No
primeiro caso, a definição da área no
sistema de monitoramento prevê limites
territoriais dentro dos quais o monitorado
é autorizado a circular em horários
previamente estabelecidos. No segundo
caso é definida uma área no território
onde o monitorado não está autorizado a
entrar ou circular. Os limites
estabelecidos pelos juízes costumam
variar muito. Apenas para termos uma
ideia, o raio da área de exclusão pode
variar de 250 a 5000 metros, o que
implica violações constantes no sistema
de monitoramento, sugerindo a própria
mudança de endereço do monitorado
para outros bairros ou cidades e
restrições no desenvolvimento de
atividades laborais e educativas,
impactando no processo de integração
social. Ainda, em função de não haver
protocolos para a definição das áreas,
algumas centrais costumam estabelecer
tais limites segundo critérios próprios,
não necessariamente aqueles que
causam o menor dano ao cumpridor, um
dos princípios listados pelo GT.
Em algumas centrais o tratamento e
a proteção de dados dos monitorados, o
que inclui informações pessoais, a
localização do monitorado, as áreas de
inclusão e de exclusão, as restrições de
horários, dentre outros elementos, não
são encarados como uma prioridade. De
forma ainda mais preocupante, em
alguns casos, cultiva-se a ideia de que o
compartilhamento de tais dados com a
polícia é uma prática adequada à
monitoração que protege o próprio
monitorado, enquanto se constrói uma
sociedade mais segura, atentando-se
àqueles que por “suspeição sistemática”
já “costumam dar mais problemas”.
Segundo observações feitas em campo,
informações da CGPMA e do GT de
monitoração, os indivíduos que portam a
“tornozeleira” são facilmente identificados
e sistematicamente suspeitos no caso de
“eventos crime”, o que evidencia violação
constitucional quanto à presunção de
inocência. A partir do compartilhamento
de dados das pessoas monitoradas no
espaço/tempo, são realizados
cruzamentos com informações sobre
locais e horários de crimes identificados
pelos órgãos policiais, emergindo daí
potenciais suspeitos dos delitos. A
monitoração eletrônica confere, portanto,
requintes de moderna tecnologia às
práticas de “investigação por suspeição”
das instituições de segurança pública,
45
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
fazendo dos sujeitos monitorados
eletronicamente altamente elegíveis a
novos processos de criminalização.
O compartilhamento de dados da
monitoração com a polícia, sem a
necessidade de autorização judicial
emitida no âmbito de inquéritos policiais
específicos, sinaliza a falta de
alinhamento das centrais com a política
penal, aproximando-a com a política de
segurança pública. Como os sujeitos das
duas políticas são distintos – monitorado
e Estado, respectivamente – o problema
está posto, sintetizado em ações que
explicitamente vislumbram a monitoração
eletrônica enquanto ferramenta de
segurança pública.
Informações sobre a localização
geográfica do monitorado são suficientes
para empreender esforços da polícia que,
em certas Unidades da Federação,
trabalha com metas e indicadores
próprios da segurança pública, dentre
eles o número de prisões efetuadas.
Algumas centrais também trabalham com
metas. O plantão que cuida do
monitoramento pode ser avaliado por
produtividade. Isso significa que, quando
o sistema detecta qualquer tipo de
violação, o plantão tem que tomar uma
decisão e tratar a violação, seja ela qual
for. Com o auxílio do Google street view
os operadores das centrais identificam
se, por exemplo, o monitorado está fora
da área de inclusão, mas em ambiente
“justificável” para tal violação. Os
funcionários apontam a importância de
“ver” se monitorado está, de forma
provável, em um hospital, fórum ou
delegacia, evitando notificações e
lançamento de fuga. A prisão aparece,
todavia, como a forma mais “eficiente” de
tratamento das violações. Em algumas
situações, um bom dia de trabalho em
termos de produtividade pode ser aquele
que apresenta muitas violações e,
portanto, muitos acionamentos da polícia.
A prisão é apontada como
“procedimento eficiente” no caso das
violações, como já foi dito. Essa ânsia
pelo poder punitivo gera um sentimento
de angústia, porquanto não é possível
“prender” – lançar fuga – diante de
qualquer violação gerada no sistema de
monitoramento. Isso ocorre, geralmente,
nos casos envolvendo os monitorados
que cumprem medidas cautelares ou
protetivas, cujos procedimentos possíveis
diante de descumprimento são
notificação, relatório e envio de ofício ao
juiz do caso. Essa ânsia punitivista não
se concentra na figura do monitorado, o
que faz alguns funcionários e gestores
reclamarem quanto a inexistência de
ferramentas para punir a vítima que não
46
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
carrega a Unidade Portátil de
Rastreamento (UPR), equipamento que
basicamente visa identificar se o
monitorado encontra-se próximo à vítima,
violando os limites previamente
estabelecidos nas medidas protetivas de
urgência. O sistema penal, como
podemos notar, despreza a dimensão
restaurativa das relações e apenas visa
oferecer respostas às violações geradas
no sistema.
Conclui-se que a monitoração é
concebida na prática como ferramenta de
segurança pública e não como parte
integrante da política penal. Não se
fomenta e tampouco se induz, desta
forma, sua utilização como alternativa à
prisão. Daí, a proposição de duas das
diretrizes do GT preverem: a adoção de
padrões adequados de segurança, sigilo,
proteção e uso dos dados das pessoas
monitoradas, respeitado o tratamento dos
dados em conformidade com a finalidade
da coleta; a prioridade na manutenção ou
restauração da medida em liberdade em
casos de incidentes de violação, com a
intervenção da polícia de forma
subsidiária, após esgotadas as medidas
adotadas pela equipe técnica
responsável pela fiscalização e
acompanhamento.
Os serviços são prestados
basicamente por agentes penitenciários e
funcionários da empresa contratada. No
caso das centrais que contam com a
equipe psicossocial foi observado,
segundo visitas, depoimentos da CGPMA
e relatos do GT de monitoração
eletrônica, que o papel desta ainda
permanece pouco explorado em função
de suas potencialidades. Isso se dá por
razões que vão desde espaço
inadequado para o acolhimento e
acompanhamento dos monitorados e das
vítimas até o investimento em setores
percebidos como mais relevantes,
especialmente responsáveis pelo
tratamento das violações.
O estabelecimento de parcerias entre
as centrais de monitoração e a rede de
proteção social17 não ocorre ou ocorre de
forma insuficiente, deixando de garantir
serviços e direitos básicos aos
monitorados, bem como às vítimas. Os
encaminhamentos para os serviços
sociais não seguem, portanto, um fluxo
homogêneo nas centrais e tampouco
ocorre em todas as situações, haja vista
a inexistência de foco no monitorado
enquanto sujeito desse tipo de política.
47
17. A rede de proteção social é configurada por diferentes programas de cunho social voltados para
assistência e desenvolvimento.
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Gestores e trabalhadores que atuam
nas centrais parecem concordar quanto a
importância de efetivo acompanhamento
psicossocial do monitorado, tanto nas
centrais com equipe insuficiente como
naquelas em que ela inexiste. É comum
ouvir relatos afirmando que sem a
atuação desses profissionais - psicólogo,
assistente social e/ou técnico em direito -
o índice de violação cresce,
especialmente porque ajudariam o
monitorado a aderir às normas que a
nova condição carrega, explicando, num
esforço de socialização, mudanças e
limitações em suas rotinas decorrentes
do uso do equipamento. Falsos alarmes e
violações decorrem da falta de
conhecimento para operar os dispositivos
eletrônicos, mas também pode ocorrer
por conta de reflexos de GPS e mesmo
mudanças climáticas. A instrução didática
quanto ao uso da tecnologia não é
observada em todas as centrais. Outras,
porém, adotam cartilhas próprias ou da
empresa, como ocorre no Espírito Santo.
O trabalho da equipe psicossocial
não tem pretensão de auxiliar somente a
dimensão técnica da monitoração
eletrônica, pois os equipamentos de
monitoração eletrônica causam danos
físicos e psicológicos que, pelo princípio
de menor dano ao cumpridor, devem ser
evitados. As tecnologias existentes no
mercado são “robustas”, pesadas, pouco
anatômicas, causando ferimentos nos
monitorados. Estes por sua vez,
costumam usar mais de uma meia ou
faixas de pano para se protegerem. Tais
violações não ensejam o
desenvolvimento de aparelhos menos
desconfortáveis porque, novamente, o
foco não é o “cliente” desta política (o
monitorado), mas o Estado.
Grande parte das Unidades
Federativas adota equipamentos cuja
alimentação da bateria é feita através da
conexão direta da “tornozeleira” com a
fonte de energia. Em algumas centrais,
durante o tempo de espera para o
atendimento é comum ver pessoas com
as suas “tornozeleiras” “plugadas” nas
tomadas, o que consequentemente
restringe a mobilidade durante o período
de recarga que chega a durar duas
horas, geralmente de uma ou mais vezes
ao dia, dependendo do consumo de
bateria. Chama atenção a adoção de
tecnologia menos degradante no Espírito
Santo. Nesse estado, o equipamento é
alimentado por uma bateria externa,
evitando que o monitorado permaneça
imobilizado durante a recarga. Há
estados que potencializam a duração da
bateria reduzindo o tempo de
comunicação, o que consiste no envio
de informação sobre a localização do
48
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
equipamento para a central, de 1 para 5
minutos. Por outro lado, há estados
que usam o padrão de 30 segundos,
fazendo a bateria durar aproximadamente
12h. Ressaltamos, portanto, que o uso
da tecnologia e a periodicidade do
envio da localização do monitorado
podem ter impacto na minimização ou na
maximização dos efeitos negativos que o
uso da monitoração acarreta, evitando a
recarga diária do equipamento que
explicita o caráter degradante dos
serviços, o que implica a necessidade de
estar “plugado na tomada” para a
recarga, normalmente mais de uma vez
ao dia.
49
3. Introdução
O diagnóstico demonstra a
inexistência de protocolos e diretrizes no
âmbito dos serviços de monitoração
eletrônica no país. A expansão dos
serviços segue fluxos próprios em cada
Unidade da Federação, mobilizada
especialmente na fase da execução
penal. Observamos que a monitoração
eletrônica não vem se configurando como
uma alternativa à prisão, mas como um
instrumento aliado aos movimentos de
controle social e de recrudescimento do
poder punitivo. Notamos, por outro lado
que, desde o final do ano de 2013, o
DEPEN vem fomentando os serviços nos
casos das medidas cautelares diversas
da prisão e das medidas protetivas de
urgência.
O aprimoramento dos serviços de
A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE MONITORAÇÃO ELETRÔNICA DE PESSOAS NO BRASIL
Apresentação
monitoração exige a adoção de políticas
voltadas a garantir a promoção dos
direitos fundamentais, enfocando
medidas que favoreçam o
desencarceramento e a inserção social
do monitorado,. O diagnóstico fornece
alguns subsídios preliminares para
pensar o modelo de gestão de
monitoração eletrônica, escopo
fundamental desta consultoria técnica
especializada, contratada a partir de
parceira entre Departamento
Penitenciário Nacional e o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento.
O esforço consiste em situar o
monitorado enquanto o real sujeito da
política penal, evitando o reforço punitivo
que atualmente dá o tom dos serviços de
monitoração que superficialmente
contribuem na promoção da liberdade.
50
6. Considerações finais
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