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Após um período de "vacas gordas", o varejo brasileiro - assim como os demais setores da nossa economia - passou a conviver com a recessão e a queda do poder aquisitivo do consumidor. Para sobreviver neste novo cenário terá de ser pragmático e aumentar a sua produtividade através da sua industrialização, ou seja, desenvolver e implementar novos processos que simplifiquem e otimizem o atendimento e a geração de vendas rentáveis.
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A INDUSTRIALIZAÇÃO DO VAREJO BRASILEIRO
por Luiz Otavio Nascimento – “LON”
Dentre os diversos segmentos da economia brasileira, a construção civil era um
exemplo da imperiosa necessidade de evolução. Reconhecido como um setor de mão de
obra intensiva, pecava pela falta de padronização e melhoria de processos,
inconsistência de qualidade e altos níveis de rotatividade de pessoal. Os projetos eram
únicos, não repetitivos, e o conjunto destes fatores caracterizava este setor não como
uma indústria e sim como um artesanato, cada vez mais oneroso, imprevisível, longo e
menos lucrativo.
Algumas empresas do setor, no entanto, perceberam esta oportunidade e a
aproveitaram. Começaram pelos projetos que passaram a ser reaproveitados e repetidos
em outros terrenos, o que permitiu a uniformização dos materiais empregados e, tendo
como benchmarking a indústria automobilística, passaram a utilizar a pré-montagem de
componentes.
Tais organizações definiram, padronizaram e iniciaram a melhoria de processos, e
com isso puderam treinar, avaliar e premiar seu pessoal, retendo os melhores e
substituindo os piores. A produtividade aumentou, os prazos e custos ficaram sob
controle, e o negócio mais lucrativo. Elas se expandiram, e o artesanato se transformou
de fato na indústria da construção civil.
É lógico que essa pequena síntese poderia estar, neste momento, em um estágio
mais feliz se tivéssemos no Brasil um mercado de crédito de longo prazo (35 anos) com
baixos juros, que sustentassem o crescimento deste setor, visto que temos uma carência
de algumas dezenas de milhões de residências. Mas isto é assunto que merece artigo
específico.
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A analogia que se deseja abordar aqui é com o segmento varejista, pois o varejo
também é um setor de mão de obra intensiva. Há muitas pessoas interagindo com muita
gente, num ambiente que a cada dia fica mais complexo devido à multiplicidade de
ofertas (concorrentes, produtos, preços, condições, meios), tecnologias, conveniência
(escassez de tempo, local, horários das lojas), informação, poder aquisitivo e
interferências governamentais.
O varejo também sofre uma grande rotatividade de pessoal, ocasionada
principalmente pela pouca atratividade e capacidade de reter talentos.
Consequentemente, sua performance para atrair consumidores e fazer com que eles
voltem a comprar, fica comprometida pela fraca e inconsistente execução originária de
processos ainda tênues, com baixos níveis de padronização, que comprometem a
percepção do seu posicionamento, sua produtividade e rentabilidade.
No seu bom livro "Varejo e Brasil - Reflexões Estratégicas", recentemente lançado,
o consultor Alberto Serrentino1 apresenta a ideia dos 4 Ciclos de Evolução do Varejo
Brasileiro: o primeiro cobrindo até 1993, denominado por ele "Pré-Abertura/Real"; o
segundo, o período "Pós Real", de 1994 a 2002; o terceiro, chamado "Boom de Consumo",
de 2003 a 2012; e, finalmente, o quarto, intitulado "Maturidade & Produtividade", onde
ele coloca que a matriz econômica adotada pelo Brasil até 2012, de crescimento
impulsionado por consumo interno, aumento de renda, expansão de crédito e financiado
por exportação de commodities, esgotou-se.
Esse modelo citado para o Brasil, coincidiu com a exuberância mundial
proporcionada principalmente pela "locomotiva" do crescimento chinês, sempre de 2
dígitos, até que veio a ser parcialmente freada pela crise provocada pelas fraudes nas
sub-primes do mercado imobiliário norte-americano ocorrida em setembro de 2008.
1 SERRENTINO, Alberto. “Varejo e Brasil – Reflexões Estratégicas - Pensar simples em ambiente complexo. Varese, São Paulo, 2015.
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Nos últimos 3 anos, aqui vivemos um período de baixo crescimento, sendo que em
2015 tivemos recessão e, agora, novamente repetiremos esse desastre econômico
associado a uma inflação alta, com uma perda nesses 2 anos de mais de 2,5 milhões de
postos de trabalho e o fechamento de dezenas de milhares de lojas. Neste cenário é
mandatório que o foco dos varejistas seja alocado totalmente à produtividade, como
forma de superação deste percalço. Ou seja, é tempo de pensar e implementar a
industrialização do varejo brasileiro.
O termo industrialização do varejo deve ser entendido como a aplicação ao
varejo de técnicas industriais para geração de produtividade, tais como:
} TQM - Total Quality Management (Gestão pela Qualidade Total);
} Gerenciamento pelas Diretrizes;
} PDCA (Plan - Planejar, Do - Executar, Check - Verificar, Action - Atuar no
processo).
O primeiro passo para isto é a criação de indicadores que permitam medir o
desempenho de cada loja, preferencialmente por m2, o que também permitirá a
identificação das melhores práticas dentro da própria empresa.
Waldemar Martins do Amaral, presidente da rede Supermercados ABC, parodiando
William E. Deming, certa vez mencionou que: "quem não mede, não conhece. Quem não
conhece, não controla. Quem não controla, não melhora".
As despesas dos varejistas tendem a ser sempre maiores devido ao constante
aumento da carga tributária, da variação dos juros e do câmbio, associados às
majorações dos serviços (energia, água, etc.), das taxas e do custo da mão de obra.
Então, independentemente do cenário vivido, da exponenciação da competição e da
orientação dos consumidores ao valor, os gestores devem ter consciência disso e adquirir
práticas que os permitam gerenciar os seus negócios pela análise e contínua busca da
melhoria da margem por m2, uma vez que suas lojas têm áreas que tendem a ser fixas,
já que não se pode ampliá-las indefinidamente.
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Ao debater isso, no entanto, a consciência de todos se revela, pois sabem da
importância estratégica desse tipo de gestão. Mas, para alguns falta vontade,
perseverança, foco, disciplina de execução, conhecimento e velocidade para mudar. A
presente situação brasileira pode ser a motivação que estava ausente.
Os indicadores escolhidos são consequências (outputs) de processos executados
pelas diferentes áreas da empresa. Neste artigo serão abordados aqueles referentes ao
Departamento de Compras e às Lojas.
Ao analisarmos o balanço de qualquer varejista, o primeiro item em importância é
o produto, representado pelo CMV - Custo da Mercadoria Vendida que é também o
principal motivo de atração para o consumidor. Mas, apesar de ser o core business,
pouca atenção e recursos são dedicados aos Departamentos de Compras das empresas
brasileiras.
Hoje, por exemplo, um comprador de um setor para uma rede com 50 filiais,
"gerencia" mais de 7.000 SKU's (stock keeping unit... Identificação de unidade única de
produto mantido em estoque), o que significa dizer que diariamente ele recebe mais de
350.000 dados, os quais não consegue analisar e transformar em informação e ações.
Assim, ele está ficando literalmente "afogado em números".
Se colocarmos tais dados numa Curva de Gauss (Figura – I), teremos numa
extremidade os produtos "best-sellers" que este comprador conseguirá "gerenciar"
mediante às reclamações vindas das lojas que pedirão pela reposição, visto que a falta
deles estará impactando no cumprimento das metas de vendas.
Na outra extremidade, estarão os produtos "slow-movers" que também estarão
sendo "gerenciados", mas devido às pressões da Diretoria da empresa ao constatar que as
duplicatas relativas às compras serão pagas e a quase totalidade da quantidade
comprada ainda permanece nos estoques.
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Todos os demais produtos constantes entre as extremidades mencionadas não são
gerenciados no dia a dia das empresas varejistas, por falta de processos, sistemas e
pessoal.
Figura – I – Atual Gerência de Compras
É importante frisar que a atividade varejista é uma sucessão de eventos
repetitivos, pois a cada ano repetem-se os mesmos eventos do ano anterior. O
empresário do setor poderá, então, acumular e registrar tais experiências,
desenvolvendo seu kaizen, um processo de melhoria contínua, sempre sob o olhar do
consumidor.
Este é um campo para o desenvolvimento de modelos preditivos de acordo com o
tipo de produto, de modelos de planejamento de compras, unitários e financeiros, de
processos de gestão de abastecimento, reposição e de remarcação.
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Best Sellers Slow Movers
O COMPRADOR GERENCIA OS EXTREMOS
A DUPLICATA
VAI VENCER!
AS LOJAS
RECLAMAM!
TERRA DE NINGUÉM SEM GESTÃO!
A GRANDE OPORTUNIDADE
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Assim, a implementação de tais soluções reduzirá a complexidade, mitigando
erros e dando suporte ao comprador para a gestão diária do seu setor, na busca de maior
venda, maior giro e melhor rentabilidade.
A base da industrialização em Compras é tratar produtos diferentes de modo
diferente.
Uma operação varejista é normalmente caracterizada por uma unidade central,
onde fica o Centro Administrativo, por alguns Centros de Distribuição e por dezenas, e
em alguns casos, por centenas de filiais espalhadas pelo país. É nestas unidades
funcionais que está concentrada a maior parte do pessoal, o que demanda necessidades
especiais de seleção, contratação, treinamento e comunicação. Também é nelas que
encontra-se a maior rotatividade, o que agrava as questões relativas a Recursos
Humanos, pois fica ainda mais difícil repor e treinar somente um único vendedor numa
filial (por exemplo, no estado do Amazonas).
O varejista, para atrair e reter consumidores, precisa ter um posicionamento
diferenciado. Este, por sua vez, necessita ser percebido e vivenciado em cada visita do
consumidor a cada loja. E isto somente será possível se os funcionários sempre
executarem de forma padronizada os processos.
Assim, cabe ao varejista definir tais processos, implementá-los e continuamente
melhorá-los. Para isto, cada um desses processos deverá ter um "dono", indicadores
determinados, clara definição de quem faz o quê, quando, como, porquê, com o quê.
Adicionalmente, todos os envolvidos deverão ser treinados e retreinados. Dentre tais
processos, têm-se aqueles relativos ao crédito (captação, ativação, retenção, cross-
selling, cobrança e controle), assim como os relacionados aos produtos (recebimento na
loja, estocagem, abastecimento da área de vendas, visual merchandising, movimentação
de mercadorias em função de seu ciclo de vendas, remarcações, quebras, transferências
e controles).
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Com relação ao pessoal de lojas, também existem os seguintes processos:
definição do quadro, alocações diárias, semanais e mensais, administração das rotinas,
treinamento contínuo, pesquisa de satisfação do funcionário, recrutamento, seleção,
contratação, treinamentos, avaliações e controles.
Ao listar cada um dos processos envolvidos nas lojas, o varejista verificará que são
muitos. E, no "calor da batalha diária das vendas" será fácil o gerente da loja se perder
e deixar de cumprir vários deles. Graças à tecnologia, entretanto, hoje existem work-
flows e geradores de tarefas que permitem organizar a agenda desse gerente e lembrá-
lo de todos os compromissos.
A comunicação e o treinamento são fatores críticos de sucesso para a
industrialização do varejo. Ambos estão intimamente correlacionados e têm alto grau de
criticidade devido ao fato da maioria das pessoas envolvidas estarem nas lojas, portanto
fora da unidade central. Isto irá requerer o uso de dispositivos móveis, modernas
ferramentas de redes sociais internas e EAD - Ensino À Distância, como forma de manter
a todos interligados e devidamente informados.
Quanto aos benefícios esperados, pode-se fazer um paralelo com a indústria.
Hoje, qualquer boa indústria opera no conceito de lean production (produção
enxuta) e com níveis de produtividade bem superiores àqueles de décadas atrás. Desta
forma, é inconcebível trabalhar em qualquer segmento industrial sem tais avanços.
O varejo, de modo geral, nem começou a engatinhar nesse caminho. Há um
enorme terreno à frente a trilhar. A jornada está apenas no seu início. Como incentivo,
segue a frase2 de Og Mandino: "there is nothing better than adversity. Every defeat,
every heartbreak, every loss, contains its own seed, its own lesson on how to improve
your performance the next time".
2 “não há nada melhor que a adversidade. Cada derrota, cada mágoa, cada perda contém sua própria semente, sua própria lição em como melhorar sua performance da próxima vez”.
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Escrito em 09.02.16
“LON” – Luiz Otavio da Silva Nascimento. Engenheiro, especializado em Marketing pela Fundação Getúlio
Vargas. Mestre em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
com cursos nos Estados Unidos (Darden Business School da University of Virginia e Babson College –
Boston, MA) e na França (L’École des Hautes Etudes Commerciales – HEC – Paris). Tem mais de 25 anos de
experiência na geração de resultados e na gestão de empresas varejistas e industriais, dentre as quais
Perrier, Cisper-Owens Illinois, Smuggler, Carrier e Lojas Renner.
Atualmente é Sócio-Diretor Geral da Merita Consultoria Empresarial e Sócio da Cadre Soluções, lançadora do
aplicativo “Mordomo”. É membro do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa e do Retail
Council do GLG – Gerson Lehrman Group. É professor das cadeiras de Inteligência Competitiva,
Conhecimento do Consumidor e Criação de Valor através de Serviços dos Mestrados da Business School de
São Paulo (Laureate International Universities).
Foi um dos fundadores do IPDV – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do Varejo e Sócio-Diretor da
Gouvêa de Souza & MD. Palestrante nacional e internacional, tem diversos artigos publicados e é autor do
livro “Êxodo – da visão à ação – uma proposta para o varejo brasileiro”. Também é coautor do livro “Varejo:
Administração de Empresas Comerciais”, ambos publicados pela Editora Senac São Paulo. Seu último livro
“Gestor Eficaz – práticas para se destacar num ambiente empresarial competitivo” foi lançado em novembro
de 2010 pela Editora Novo Conceito.