30
A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NO TRIBUNAL DO JÚRI 1 Bruna Eitelwein Leite 2 RESUMO A monografia trata da possível influência que a mídia exerce sobre os jurados que compõem o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. A pesquisa realizada com os jurados do Tribunal do Júri da Comarca de Tenente Portela – RS, acerca da existência de influência midiática, é o cerne do trabalho. Aborda-se a sistemática do Tribunal do Júri, a sua história, a função de seus membros, bem como o respeito que este tem pelo princípio da presunção de inocência. Ademais, disserta sobre a mídia, a liberdade de imprensa que, quando exercida de forma ilimitada, ocasiona o desrespeito ao princípio da presunção de inocência e de inúmeras garantias constitucionais do réu, acarretando o conflito entre direitos fundamentais. Além disso, em razão de sua liberdade, os meios de comunicação podem manipular as opiniões do público sobre os fatos publicados, uma vez que utilizam o sensacionalismo como forma de chamar atenção para a notícia, além de existir interesse notório por publicações relacionadas a crimes, o que colabora para o tratamento do crime como forma de espetáculo e acarreta na execração pública do suposto autor do crime. Conclui que no conflito entre a liberdade de imprensa e os direitos fundamentais do suspeito/réu aquela deve ceder em razão destes para que se tenha um julgamento justo, livre de influências midiáticas, que demonstre a livre convicção dos jurados. Palavras-chave: Tribunal do Júri. Jurados. Presunção de Inocência. Liberdade de Imprensa. Influência Exercida pelos Meios de Comunicação. Colisão entre Direitos Fundamentais. 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora, composta pelos professores Vitor Antônio Guazzelli Peruchin (orientador), Marcelo Caetano Guazzelli Peruchin e Marcus Vinicius Boschi, em 10 de junho de 2011. 2 Acadêmica de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

A Influência Da Mídia No Princípio Da Presunção de Inocência No Tribunal Do Juri

Embed Size (px)

Citation preview

  • A INFLUNCIA DA MDIA NO PRINCPIO DA PRESUNO DE INOCNCIA NO TRIBUNAL DO JRI 1 Bruna Eitelwein Leite 2 RESUMO

    A monografia trata da possvel influncia que a mdia exerce sobre os jurados

    que compem o Conselho de Sentena do Tribunal do Jri. A pesquisa realizada

    com os jurados do Tribunal do Jri da Comarca de Tenente Portela RS, acerca da existncia de influncia miditica, o cerne do trabalho. Aborda-se a sistemtica do

    Tribunal do Jri, a sua histria, a funo de seus membros, bem como o respeito

    que este tem pelo princpio da presuno de inocncia. Ademais, disserta sobre a

    mdia, a liberdade de imprensa que, quando exercida de forma ilimitada, ocasiona o

    desrespeito ao princpio da presuno de inocncia e de inmeras garantias

    constitucionais do ru, acarretando o conflito entre direitos fundamentais. Alm

    disso, em razo de sua liberdade, os meios de comunicao podem manipular as

    opinies do pblico sobre os fatos publicados, uma vez que utilizam o

    sensacionalismo como forma de chamar ateno para a notcia, alm de existir

    interesse notrio por publicaes relacionadas a crimes, o que colabora para o

    tratamento do crime como forma de espetculo e acarreta na execrao pblica do

    suposto autor do crime. Conclui que no conflito entre a liberdade de imprensa e os

    direitos fundamentais do suspeito/ru aquela deve ceder em razo destes para que

    se tenha um julgamento justo, livre de influncias miditicas, que demonstre a livre

    convico dos jurados.

    Palavras-chave: Tribunal do Jri. Jurados. Presuno de Inocncia. Liberdade de Imprensa. Influncia Exercida pelos Meios de Comunicao. Coliso

    entre Direitos Fundamentais.

    1 Artigo extrado do Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial para

    obteno do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau mximo, pela banca examinadora, composta pelos professores Vitor Antnio Guazzelli Peruchin (orientador), Marcelo Caetano Guazzelli Peruchin e Marcus Vinicius Boschi, em 10 de junho de 2011.

    2 Acadmica de Cincias Jurdicas e Sociais da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

  • INTRODUO

    Vivencia-se em quase todas as residncias brasileiras a presena dos meios

    de comunicao; os brasileiros, de uma forma ou outra, recebem informaes, as

    mais variadas, sobre tudo o que acontece no pas e no mundo. No entanto, o

    problema est na qualidade dessas informaes, pois a notcia tornou-se, em

    muitos casos, uma poderosa arma nas mos da imprensa sensacionalista, e

    neste momento que ela pode tornar-se perigosa, pois informar para garantir

    audincia produz um prejuzo enorme privacidade, honra, imagem e a

    presuno de inocncia do suspeito/acusado. Diante de uma equiparao de

    foras entre quem produz e publica a notcia e de quem denunciado, estes sero,

    provavelmente, transformados em sujeitos perigosos para os olhos do mundo e

    tero sua condenao pblica decretada, o que poder influenciara ntima

    convico os membros do Tribunal do Jri.

    A partir deste contexto, fez-se uma pesquisa sobre o Tribunal do Jri no

    Brasil, bem como relatou-se acerca dos jurados que compem o Conselho de

    Sentena do referido Tribunal e a funo exercida por eles. Ademais, analisamos o

    respeito ao princpio da presuno de inocncia dentro do Jri frente a gama de

    informaes que, muitas vezes, so divulgadas sobre um determinado fato

    criminoso.

    Aps, foi abordada a liberdade de imprensa, utilizada, na maioria das vezes,

    de forma exagerada e com intuito lucrativo; e o problema da influncia que os meios

    de comunicao possam vir a exercer sobre o pblico em geral e,

    consequentemente sobre os jurados e, em razo disso, o conflito existente entre a

    liberdade de imprensa e o princpio da presuno de inocncia.

    Em razo do que foi exposto nos captulos anteriores, ao final analisou-se a

    pesquisa de campo realizada com os Jurados do Tribunal do Jri da Comarca de

    Tenente Portela RS, que foi elaborada com o objetivo de descobrir a real influncia da mdia sobre a opinio dos jurados em relao determinado fato criminoso,

    quando este amplamente divulgado e, a consequente concorrncia desta

    influncia no resultado do julgamento.

  • 1 TRIBUNAL DO JRI

    Reconhecida pela Constituio Federal de 1988, em seu artigo 5, XXXVIII, a

    instituio do Tribunal do Jri possui a funo de julgar, originariamente, crimes

    dolosos, tentados ou consumados contra a vida, definidos nos arts. 121 a 128 do

    CP, sendo-lhe atribudo tambm o julgamento dos crimes conexos, conforme prev

    o art. 78, I, do CP. Possui organizao definida mediante lei ordinria, assegurados

    a plenitude de defesa, o sigilo das votaes e a soberania dos veredictos.

    Excepcionalmente, em razo da prerrogativa de funo, alguns crimes dolosos

    contra a vida no sero julgados pelo Jri.

    Na definio de Mrio Rocha Lopes Filho,

    O Tribunal do Jri uma forma de exerccio popular do poder judicial, da derivando sua legitimidade, constituindo-se um mecanismo efetivo de participao popular, ou seja, o exerccio do poder emana diretamente do povo, que tem como similar os institutos previstos na Constituio Federal.3

    Sobre a finalidade do Tribunal popular, argumenta Guilherme de Souza Nucci:

    em verdade, nasceu o jri, na Inglaterra em 1215, como um direito fundamental, pois era uma garantia de julgamento imparcial, feito pela prpria sociedade, contra o

    absolutismo do soberano 4.

    composto por um Juiz de Direito, denominado Juiz Presidente, e por mais

    vinte e cinco jurados sorteados, anteriormente inscritos na lista anual, conforme

    prev o artigo 477 do Cdigo de Processo Penal.

    Da lista geral sero sorteados (e no escolhidos) 25 jurados para cada reunio (conjunto de sesses, julgamento do ms), cujos nomes sero colocados na urna da reunio, da qual, a cada sesso do respectivo ms (julgamento de cada ru), sero sorteados os 7 jurados (Conselho de Sentena).5

    3 LOPES FILHO, Mrio Rocha. O tribunal do jri e algumas variveis potenciais de influncia.

    Porto Alegre: Nria Fabris, 2008. p. 15. 4 NUCCI, Guilherme de Souza. Jri: princpios constitucionais. So Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.

    p. 36. 5 GIACOMOLLI, Nereu Jos. Reformas (?) Do Processo Penal: Consideraes Crticas. Rio de

    Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 95.

  • Os jurados so pessoas do povo que no precisam conhecer o sistema penal

    brasileiro, nem seu ordenamento jurdico para que possam julgar seus semelhantes

    pelo cometimento de crime doloso contra a vida.

    Na definio de Adriano Marrey, Alberto Silva Franco e Rui Stoco:

    Jurado rgo leigo, incumbido de decidir sobre a existncia da imputao, para concluir se houve fato punvel, se o acusado seu autor e se ocorreram circunstncias justificativas do crime ou de iseno de pena, agravantes ou minorantes da responsabilidade daquele. So chamados juzes de fato para distingui-los dos membros da Magistratura juzes de direito. 6

    Cumpre salientar que a funo dos jurados decidir e votar sobre matria de

    fato. Votado os quesitos, decidida a matria ftica, o Juiz de Direito, Presidente do

    Tribunal do Jri, aplica o direito ao caso concreto. Nas palavras de Flvio Prates e

    Neusa Felipim dos Anjos Tavares:

    Os jurados decidem sobre matria de fato, aspectos circunstanciais do episdio submetido a julgamento, votando nesse mister quesitos que lhe so apresentados, ajustando o Juiz-presidente da seo s respostas fornecidas aos quesitos do Direito aplicvel. 7

    Podem ser jurados os cidados maiores de 18 anos que possuam notria

    idoneidade, conforme explicita o art. 436 do Cdigo de Processo Penal. Sero

    convocados os cidados que devero exercer a funo de jurado, atravs da lista

    geral de jurados, elaborada pelo Juiz Presidente do Tribunal do Jri.

    Possuindo o nome incluso na lista geral, tem o cidado o dever de estar

    disposio do Poder Judicirio, pois o servio prestado ao Tribunal do Jri

    obrigatrio. O exerccio da funo de jurado constitui servio pblico relevante e

    apenas estaro isentos desta obrigao quem exera as atividades constantes no

    rol do artigo 437 do Cdigo de Processo Penal.

    6 MARREY, Adriano et al. Teoria e Prtica do Jri. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 107. 7 PRATES, Flvio Cruz; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influncia da mdia nas decises do

    conselho de sentena. Direito & Justia, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponvel em: . Acesso em: 25 mar. 2011.

  • Sendo a instituio do Jri composta por julgadores do povo, que possuem

    opinies pr-definidas, em regra incutidas pela mdia, e inmeros preconceitos e

    que, ainda, na maioria das vezes, no possuem conhecimento tcnico, possvel

    afirmar que ao longo do julgamento, tais questes podem influenciar na deciso do

    jurado, ferindo o princpio da presuno de inocncia, que uma das garantias

    constitucionais balizadoras do direito penal brasileiro e deveria ser respeitado

    durante os julgamentos feitos pelo Tribunal do Jri.

    O princpio da presuno surge como meio de limitar o poder de punir do

    Estado, que, ao longo da histria, tratou o acusado como culpado desde o incio do

    processo penal, sem atribuir a este qualquer direito. Segundo Michelle Kalil Ferreira:

    Seu marco principal ocorreu no final do sculo XVIII, em pleno iluminismo, quando na Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra o sistema processual penal inquisitrio de base romano-cannica, que vigia desde o sculo XII. Nesse perodo e sistema o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. Surgiu, da, a necessidade de se proteger o cidado do arbtrio do Estado que, a qualquer preo, queria sua condenao, presumindo-o, como regra, culpado [...]. 8

    O referido princpio foi proclamado, pela primeira vez, na Declarao de

    Direitos do Homem e do Cidado, no ano de 1789. Posteriormente, foi recepcionado

    pela Declarao Universal de Direitos do Homem, da ONU, em 1948.

    Na Constituio Federal de 1988, o princpio da presuno de inocncia est

    previsto no art. 5, LVII e assegura ao ru de um processo criminal que no seja

    considerado culpado at que tenha transitado em julgado a sentena penal que o

    condenou.

    Foi recepcionado pela Magna Carta de 1988, pois com ela que o Brasil se

    torna um Estado Democrtico de Direito e, nas palavras de Maria Elisabeth Queijo:

    H uma estreita vinculao entre a forma e o regime de governo adotados, o Direito Penal e o Direito Processual penal. Alis, a maior ou menor

    8 FERREIRA, Michelle Kalil. O Princpio da Presuno de Inocncia e a Explorao Miditica.

    Revista Jurdica do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 9, p. 150-181, jul./dez. 2007. p. 165. Disponvel em: . Acesso em: 22 fev. 2011.

  • proteo aos princpios de Direito Penal e Processo Penal, em dado ordenamento jurdico, um importante termmetro de quanto se est mais prximo ou mais distante de um regime democrtico ou ditatorial. Nas ditaduras verifica-se, inexoravelmente, a supresso ou reduo substancial de direitos e garantias na esfera penal e processual penal. Em contrapartida, no Estado Democrtico que os princpios de Direito Penal e o Processo Penal encontram maior proteo. O Estado Democrtico nasceu da luta contra o absolutismo e seus princpios advm de trs movimentos: a Revoluo Inglesa; a Revoluo Americana e a Revoluo Francesa. Desses trs movimentos advieram declaraes de direitos, que prestigiaram, entre outros, direitos e garantias penais e processuais penais. 9

    A garantia constitucional da presuno de inocncia provisria e

    antecipada, poder ser modificada com sentena transitada em julgado e garante

    que, desde o incio do processo, o ru seja considerado inocente. Visando tutelar a

    liberdade pessoal do investigado/ru, h necessidade da sentena penal condenatria transitada em julgado para haver a alterao do estado jurdico de

    inocente para o de culpado. 10

    Nas palavras de Alexandre de Moraes:

    O princpio da presuno de inocncia consubstancia-se, portanto, no direito de no ser declarado culpado seno mediante sentena judicial com trnsito em julgado, ao trmino do devido processo legal (due processo of law), em que o acusado pde utilizar-se de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruio da credibilidade das provas apresentadas pelo acusado (contraditrio). 11

    Diante do exposto, analisaremos no prximo captulo o confronto entre essa

    importante garantia instituda em favor do ru e a liberdade de imprensa, uma vez

    que esta, ao ser exercida com excessos, gera o confronto j citado e fere a

    Constituio Federal.

    2 MDIA

    9 QUEIJO, Maria Elizabeth. Princpios constitucionais no direito penal: ensaios penais em

    homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Sousa. Porto Alegre: Ricardo Lenz , 2003. p. 590.

    10 GOMES, Andr Lus Callegaro Nunes. Presuno de inocncia ou de no-culpabilidade. No ser considerado culpado o mesmo que ser presumido inocente? Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1791, 27 maio 2008. Disponvel em: . Acesso em: 3 mar. 2011.

    11 MORAES, Alexandre de. Constituio do Brasil interpretada e legislao infraconstitucional. So Paulo: Atlas, 2003. p. 386.

  • 2.1 LIBERDADE DE IMPRENSA

    Surgiu na Frana, em 1789, com a Declarao dos Direitos do Homem e do

    Cidado e posteriormente foi prevista na declarao Universal dos Direitos do

    Homem, em 1948.

    Segundo Francisco Jos Karam,

    A luta pela liberdade de imprensa tem j alguns sculos e sua origem est na prpria luta pela liberdade literria constrangida pela Igreja. Com o aparecimento dos primeiros jornais peridicos, no final do sculo XVI, a luta toma nova dimenso em escala social. Este processo chega a dois momentos marcantes; a Independncia dos Estados Unidos, em 1776 (quando a liberdade de imprensa passa a ser entendida como suporte da prpria liberdade social), e a Revoluo Francesa, que, a partir de 1789, proclamou tambm a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, dispondo que a liberdade de exprimir idias e opinies era um dos direitos mais preciosos da humanidade. 12

    O Brasil, por ter se tornado um Estado Democrtico de Direito, assegurou aos

    cidados, na Constituio de 1988, a liberdade de pensamento, de expresso, de

    culto, bem como a liberdade de imprensa.

    Nos dizeres de Volnei Ivo Carlin,

    verdade que, nos pases desenvolvidos, h uma reconhecida importncia pelo Direito Constitucional ao direito informao, sendo fcil perceber que a maior razo pela qual se protege o direito de informar , precisamente, porque a sociedade ser mais livre e democrtica na proporo em que der oportunidade de acesso aos seus integrantes do que ocorre em seu prprio meio.13

    Em decorrncia do regime e da forma de governo que adotamos, a liberdade

    de imprensa surge como um direito assegurado a todos os meios de comunicao

    em massa, bem como aos cidados, na busca da efetivao e da preservao da

    liberdade. Foi disciplina pelo ordenamento jurdico ptrio, no intuito de impedir que o

    Estado cerceie ou dificulte a circulao e o acesso s informaes, bem como

    interfira na liberdade destas informaes.

    12 KARAM, Francisco Jos. Jornalismo, tica e liberdade. So Paulo: Summus, 1997. p. 16-17. 13 CARLIN, Volnei Ivo. A justia e a mdia. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n.

    23, p. 23-29, ago./nov. 1998. Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2011. p. 23.

  • Sobre a finalidade da liberdade de imprensa, Flvio Prates e Neusa Felipim

    dos Anjos Tavares se manifestam dizendo que:

    Cumpre observar que o direito de informar, ou ainda, a liberdade de imprensa leva possibilidade de noticiar fatos, que devem ser narrados de maneira imparcial. A notcia deve corresponder aos fatos, de forma exata e factvel para que seja verdadeira, sem a inteno de formar nesse receptor uma opinio errnea de determinado fato. O compromisso com a verdade dos fatos que a mdia deve ter vincula-se com a exigncia de uma informao completa, para que se evitem concluses precipitadas e distorcidas acerca de determinado acontecimento. 14

    Para Carla Gomes de Mello, [...] a liberdade de informao s existe diante de fatos cujo o conhecimento seja de extrema importncia ao indivduo, afim de que

    venha a ajud-lo a participar do mundo em que vive. 15

    Em razo da previso da liberdade de imprensa na Magna Carta de 1988,

    h a impossibilidade de censura, o livre exerccio da profisso, a liberdade de

    informao e liberdade de pensamento. Assim sendo, a liberdade de imprensa

    surge como meio de defesa s liberdades a que tem direito o cidado, tendo sido a

    imprensa declarada livre, divulgando fatos ocorridos no mundo e manifestando-se, a

    todo o instante, sobre esses fatos de forma global.

    Ocorre que, a liberdade de imprensa no pode ser tida como absoluta,

    sofrendo restries, nos termos do pargrafo 1 do artigo 220 da CF/88. Sendo

    assim, as restries liberdade de imprensa dizem respeito honra, imagem,

    intimidade e vida privada. Bem como, dentro do processo penal, ao princpio da

    presuno da inocncia.

    Para Alexandre de Moraes,

    Apesar da vedao constitucional da censura prvia, h necessidade de compatibilizar a comunicao social com os demais preceitos constitucionais, como por exemplo, a proteo dos direitos da criana e do adolescente. 16

    14 PRATES; TAVARES, 2008, p. 35. 15 MELLO, Carla Gomes de. Mdia e Crime: Liberdade de Informao Jornalstica e Presuno de

    Inocncia. Revista de Direito Pblico, Londrina, v. 5, n. 2, ago. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 13 dez. 2010. p. 109.

    16 MORAES, 2003, p. 2009.

  • Nos dizeres de Maurcio Jorge D Augustin Cruz:

    que o disposto no artigo 220 est intimamente relacionado, tambm, dignidade da pessoa humana. A constituio no permite um total sacrifcio do particular ao interesse social. A relao tem um limite, que a dignidade da pessoa humana. 17

    Dessa forma, a liberdade de imprensa e o direito informao deveriam ser

    utilizados pelos meios de comunicao apenas como forma de transmisso de

    informaes e de notcias ocorridas no cenrio mundial, cumprindo assim a sua

    finalidade, sem que houvesse prejuzo ao indivduo e, consequentemente,

    desrespeito s garantias individuais. No correta a utilizao de tal liberdade para

    veiculao de notcias especulativas, que invadam e firam a privacidade e dignidade

    da pessoa.

    Segundo Carla Gomes de Mello,

    Sabe-se que no permitido aos meios de comunicao, se utilizar da prerrogativa da liberdade de informao jornalstica, que lhe garantida pela Constituio Federal, para divulgar notcias que ofendam a outras liberdades igualmente garantidas, tais como a intimidade, a vida privada e a presuno de inocncia. 18

    No item que ser abordado em seguida, dissertaremos sobre como a mdia,

    por ser possuidora da liberdade de imprensa, exerce poder sobre o pensamento da

    populao, forma opinies e fere as garantias individuais dispostas na Magna Carta.

    2.2 INFLUNCIA EXERCIDA PELOS MEIOS DE COMUNICAO SOBRE AS

    DECISES DOS JURADOS

    Primeiramente, cumpre salientar a influncia que mdia exerce na formao

    da opinio de seu pblico.

    A mdia atua como propagadora dos acontecimentos mundiais, sendo, dessa

    17 CRUZ, Maurcio Jorge DAugustin. O caso da escola infantil da base: liberdade de imprensa e

    presuno de inocncia. Porto Alegre: PUCRS, 2003. Dissertao (Mestrado em Cincias Criminais), Faculdade de Direito, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, 2003. p. 106.

    18 MELLO, 2010, p. 119.

  • forma, importantssima no exerccio do direito informao. Assim, os indivduos se

    utilizam dos meios de comunicao para que possam se manter informados e para

    que consigam se comunicar, dentro de seus ambientes sociais, sobre os

    acontecimentos ocorridos no mundo.

    Nos dizeres de Slvio De Figueiredo Teixeira,

    A Imprensa, por sua vez, tornou-se indispensvel convivncia social, com atividades mltiplas, que abrangem noticirio, entretenimento, lazer, informao, cultura, cincia, arte, educao e tecnologia, influindo no comportamento da sociedade, no consumo, no vesturio, na alimentao, na linguagem, no vernculo, na tica, na poltica, etc. Representa, em sntese, o mais poderoso instrumento de influncia na sociedade dos nossos dias. 19

    Contudo, as informaes veiculadas pelos meios de comunicao nem

    sempre so verdadeiras, podendo ser definidas como parciais, pois retratam a forma

    pela qual o jornalista que a escreve enxerga determinada situao ou fato, bem

    como demonstram somente uma verso sobre o ocorrido, ocultando informaes

    precisas e veiculando somente o que retrata a forma de pensar de determinado

    veculo de imprensa.

    Segundo Ana Paula Albrecht Schifino,

    Os comunicadores da Televiso tm a chance de situar o pblico diante da parte que mais lhe interessa destacar, no que mintam intencionalmente, mas comunicam sob a perspectiva de um ponto de vista determinado por eles. 20

    Ademais, alm das informaes no serem prestadas de maneira precisa e

    no serem imparciais, em razo da liberdade que a imprensa possui, ela acaba por

    explorar determinados assuntos de maneira exacerbada e sensacionalista,

    19 TEIXEIRA, Slvio de Figueiredo. A imprensa e o judicirio. Revista do Instituto de Pesquisas e

    Estudos, Bauru, n. 15, ago./nov. 1996. Disponvel em: . Acesso em: 20 mar. 2011. p. 15.

    20 SCHIFINO, Ana Paula Albrecht. Comunicao e poder: uma leitura semiolgica da campanha institucional RBS O amor a melhor herana. Cuide das crianas. Porto Alegre: PUCRS, 2009. Dissertao (Mestrado em Comunicao Social), Faculdade de Comunicao Social, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, 2009. Disponvel em: . Acesso em: 20 mar. 2011. p. 14.

  • cometendo excessos e estabelecendo a suposta verdade do caso. Ainda, a mdia

    elege os assuntos que, condizendo com o seu interesse, so considerados

    importantes e tero grande divulgao.

    Agindo dessa maneira, a imprensa est tratando a notcia como meio para

    obteno de lucros, no se preocupando com a veracidade e fidedignidade das

    informaes. O que mais importa que determinado meio de comunicao seja o

    nico a publicar determinado evento, que este tenha grande propagao no cenrio

    nacional e at mundial e que os espectadores se interessem por ele. Para que isto

    ocorra, buscam-se inmeros artifcios como a dor sentimental, o sofrimento fsico, a

    emoo, a comoo, o espetculo, a tragdia, etc, tudo no intuito de que o

    recebedor da notcia seja influenciado por ela e sequer analise a veracidade de seu

    contedo.

    Segundo Carla Gomes de Mello, o veculo miditico sensacionalista faz da emoo o principal foco da matria, esquecendo-se do contedo da notcia a ser

    repassada, se que ela existe. 21

    Cumpre salientar que no Brasil a taxa de analfabetismo elevada 22, bem

    como existem baixos ndices educacionais e culturais. Em recente publicao, o

    Ministrio da Cultura divulgou que o ndice de leitura em nosso pas de 4,7 livros

    por ano, o que demonstra que ainda vivemos em uma ptria de poucos leitores e a

    leitura o meio atravs do qual se desenvolve o conhecimento e o senso crtico

    para anlise das informaes que nos so prestadas.

    Nesse nterim, explicita Leila Souza,

    O conhecimento pode ser encontrado atravs da leitura e esta, por sua vez, possibilita formar uma sociedade consciente de seus direitos e de seus deveres; possibilita que estes tenham uma viso melhor do mundo e de si

    21 MELLO, 2010, p. 111. 22 Segundo INAF Brasil (Indicador de Analfabetismo Funcional), com base em pesquisa realizada no

    ano de 2009 com pessoas de 15 a 64 anos, 7% da populao totalmente analfabeta, 68% da populao analfabeta funcional (21% analfabeto funcional rudimentar e 47% analfabeto funcional bsico) e 25% da populao alfabetizada (INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIO PBLICA E ESTATSTICA (IBOPE). Indicador de Analfabetismo Funcional. Brasil, [2009]. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2011.

  • mesmos. 23 Assim sendo, no havendo o hbito da leitura na maioria da populao, como

    demonstrou a pesquisa, o pblico alvo das notcias veiculadas nos meios de

    comunicao acaba no conseguindo filtrar o contedo destas, formando sua

    opinio sobre determinado assunto somente com base no que foi veiculado pela

    mdia. Pode-se dizer que a mdia produz, ento, seus maiores efeitos socializadores nas camadas sociais e culturais mais frgeis. 24

    Conforme salienta Joan Ferrs,

    Se compararmos os efeitos da leitura e do ato de assistir televiso observaremos um paradoxo surpreendente: enquanto apenas aqueles que sabem ler costumam apegar-se leitura, a maior dico televiso costuma ocorrer entre aqueles que no dominam a sua linguagem. Enquanto somente os que sabem ler correm risco de uma influncia negativa das leituras, ocorre o contrrio com a televiso: quanto menos for o conhecimento dos cdigos maior ser o risco de uma influncia negativa. 25

    Contudo, em razo da informao ser prestada a todas as pessoas da mesma

    forma, no h somente manipulao da opinio de pessoas desinformadas ou que

    no conseguem entender o contedo da informao, so igualmente influenciadas

    as pessoas que detm informao, seja esta cultural, educacional, social ou poltica.

    Isto ocorre pela relao que os indivduos vm estabelecendo com os meios de

    comunicao, em razo da necessidade de manterem-se informados e com a falta

    de tempo para pesquisarem em diversos e diferentes meios de comunicao, cada

    vez mais o que se enxerga que a imprensa, principalmente a televiso, faz parte

    do cotidiano das pessoas e influencia estas. Elege-se um jornal, um telejornal, ou

    um site da internet, geralmente ligados mesma empresa de comunicao, para

    inteirar-se dos acontecimentos mundiais. Assim, o que acaba acontecendo a

    absoro de notcias dotadas de contedo valorativo que determinado meio de

    comunicao impe.

    Nos dizeres de Graa Caldas,

    23 SOUZA, Leila. A importncia da leitura para a formao de uma sociedade consciente. [S.d.].

    Disponvel em: . Acesso em: 11 mar. 2011.

    24 FERRS, Joan. Televiso e educao. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996. p. 79. 25 Ibid., p. 79.

  • Sabe-se, que a aquisio do conhecimento e a formao crtica de leitores no se d pela leitura nica de um veculo, mas justamente pela comparao entre eles. exatamente pelo acesso ao contraditrio, percepo e ao reconhecimento de diferentes vises e interpretaes de um mesmo fato, pela polifonia das vozes, que possvel efetuar uma leitura do mundo que v alm da leitura das palavras. 26

    Influncia maior ocorre quando determinado assunto noticiado por todos os

    meios de comunicao da mesma forma, com as mesmas opinies e dados. Neste

    caso, quase impossvel que o pblico no seja manipulado pelas informaes

    prestadas pela mdia, pois os diferentes veculos transmissores do evento o

    propagam da mesma maneira, com o igual intuito de estabelecer a nica verdade

    sobre o caso, ficando estabelecida, na convico das pessoas, a verdade da mdia.

    No mbito do direito penal, a influncia da mdia exacerbada e

    sensacionalista, conforme afirma Carla Gomes de Mello:

    O crime, desde os tempos mais remotos, onde predominavam execues pblicas que se constituam em verdadeiros espetculos de horror, fascinava a populao e era notcia. A mdia, sabedora desse fascnio e atrao do pblico pelos acontecimentos violentos, desde ento, explora o assunto. 27

    Como os crimes possuem grande valor moral, a imprensa aumenta a

    publicidade quando da prtica de um delito, especialmente, quando se trata de crime

    doloso contra a vida, emitindo juzos de valor sobre o fato delituoso. E, como no h

    a multiplicidade de opinies sobre o delito cometido, o leitor acaba por influenciar-se

    com a nica opinio emitida nos meios de comunicao.

    Nas palavras de Mrio Rocha Lopes Filho,

    [...] A mdia est presente na vida de todo e qualquer cidado, durante as vinte e quatro horas dirias, despejando toda e qualquer sorte de informaes. H uma massificao evidente, especialmente na esfera criminal, quando o noticirio, a respeito de determinado evento, monopoliza quase todos os horrios da mdia falada e escrita. 28

    26 CALDAS, Graa. Mdia, escola e leitura crtica do mundo. Educao Social, Campinas, v. 27, n.

    94, p. 117-130, jan./abr. 2006. Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2011. p. 126-127.

    27 MELLO, 2010, p. 113. 28 LOPES FILHO, 2008, p. 81.

  • Utilizando-se do interesse da populao pelos crimes, a mdia escolhe, dentro

    os inmeros delitos que so praticados diariamente, os que mais iro impressionar e

    chocar a populao, pois atitudes cruis e ms esto dentre as notcias mais

    rentveis e possibilitam a manipulao da sociedade para o fortalecimento do direito

    penal, para a seleo dos criminosos e para ocultao de inmeros outros

    problemas sociais.

    Segundo Luiz Flvio Gomes,

    No existe produto miditico mais rentvel que a dramatizao da dor humana gerada por uma perda perversa e devidamente explorada, de forma a catalisar a aflio das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rpida solidariedade popular, todos passando a fazer um discurso nico: mais leis, mais prises, mais castigos para os sdicos que destroem a vida de inocentes indefesos. 29

    Um exemplo da grande publicidade dada aos crimes o caso Nardoni, no

    qual o pai de Isabela Nardoni, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Ana Carolina

    Jatob, foram denunciados pelo Ministrio Pblico em razo de suposta prtica de

    crime doloso contra a vida da menina. Neste caso, antes da propositura da ao

    penal pblica incondicionada, a mdia publicou durante vrios meses, todos os dias,

    informaes sobre o caso. Houve participao dos meios de comunicao na fase

    do inqurito policial, durante a reconstituio do fato criminoso, assim como

    simulaes sobre o crime foram realizadas em inmeros programas de televiso, o

    que ocasionou a condenao pblica do casal que apenas era tido como suspeito.

    Recorda-se que durante um bom tempo qualquer informao que tivesse

    relao com o caso era veiculada, at como os rus se alimentavam dentro da

    priso foi divulgado. Houve transmisso, em tempo real, da sentena de

    pronncia, que foi lida pelo Juiz de Direito que a prolatou, bem como o julgamento

    pelo Tribunal do Jri, que durou cinco dias, teve cobertura televisiva e diversos

    programas de televiso comentaram as teses de defesa e acusao. A deciso

    dos jurados, que condenou os rus, foi amplamente divulgada no cenrio mundial

    com o intuito de comprovar que a justia teria sido feita, diante dos clamores 29 GOMES, Luiz Flvio. Casal Nardoni: inocente ou culpado? (parte 1). Disponvel em:

    . Acesso em: 20 mar. 2011.

  • pblicos pela condenao.

    Em relao influncia da mdia no caso Nardoni, cabe citar excelente

    exposio de Carla Gomes de Mello:

    Tomemos como exemplo, a edio n. 2057, da Revista Veja, de 23 de abril de 2008. Na capa, estampados esto os rostos do pai e da madrasta suspeitos de terem assassinado a menina Isabela. Logo abaixo da imagem, o ttulo impactante, cujo final nos chama ateno, uma vez que escritos em tamanho maior e em cores diferentes da utilizada no incio do texto: Para a polcia, no h mais dvida sobre a morte de Isabela: FORAM ELES.30

    Flvio Prates e Neusa Felipim dos Anjos Tavares citaram outro exemplo que

    teve forte divulgao miditica, que foi o caso Reichtofen, in verbis::

    Veja-se, por exemplo, o polmico julgamento de Suzane Reichtofen e dos irmos Cravinhos em que antes do julgamento ocorrer uma emissora de televiso colocou no ar um membro do Ministrio Pblico e o advogado de Defesa da r. Os dois debateram acerca das teses que seriam usadas durante o julgamento, ou seja, o julgamento estava acontecendo no ar, perante o pblico e o apresentador do programa exaltando que agora que se veria se existe justia neste pas. Como se a condenao de Suzane fosse a exata medida de justia para todos os crimes. 31

    A imprensa peca em seu jornalismo investigativo, pois ao retratar a notcia de

    forma parcial, divulgando o nome dos envolvidos e seus semblantes, interfere na

    vida dessas pessoas e de seus familiares, execrando o suspeito ou acusado,

    expondo-o ao julgamento social, pois conforme explicita Marlia Denardin Bud, as

    notcias sobre os crimes so tratadas sempre de uma forma maniquesta. Divide-se os dois lados da questo: o bem e o mal, sendo que de cada lado h um esteretipo

    a ser reforado, e todos devem assumir seus papis.32

    Nos dizeres de Carla Gomes de Mello,

    Holofotes cinematogrficos so dirigidos ao suspeito do crime com o intuito de revelar sua identidade e personalidade. Em poucos segundos, sabe-se de tudo, detalhadamente, a respeito da vida desse cidado e de seus familiares. Tudo vasculhado pela mdia. Bastam alguns momentos para

    30 MELLO, 2010, p. 118. 31 PRATES; TAVARES, 2008, p. 37. 32 BUD, Marlia Denardin. Mdia e crime: a contribuio do jornalismo para a legitimao do sistema

    penal. UNIrevista, Florianpolis, v. 1, n.3, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 10 set. 2010. p. 10.

  • que eles se vejam em todas as manchetes de telejornais, revistas e jornais. A mdia, assim, vai produzindo celebridades para poder realimentar-se delas a cada instante, ignorando a sua intimidade e privacidade. 33

    Assim, notrio que os juzos de valor emitidos pela mdia impossibilitam a

    defesa do acusado e ferem diretamente o princpio da presuno da inocncia, pois

    contaminam a opinio pblica. Dessa forma, surgem, por parte da populao,

    manifestaes por justia, clama-se pela condenao e pela no impunidade da pessoa que, aos olhos da sociedade, passou a ser a culpada pelo crime. Em funo

    disso, a criao de novos tipos penais, assim como os aumentos de penas de tipos j existentes so justificados perante a sociedade, gerando uma verdadeira

    necessidade de represso penal para acalmar o alarde pblico. 34

    Assim, explicita Marlia Denardin Bud:

    Prega-se, ento, um Estado mnimo no que diz respeito ao social e ao econmico, e um Estado mximo em relao ao direito penal, o que traz a tendncia criminalizao, especialmente criminalizao contingente, decorrente de fatos concretos, principalmente os que so mediados pelos rgos de comunicao, com grande repercusso. 35

    Ocorre a condenao popular do suspeito/ru, no se considerando em que

    situaes o crime foi cometido, se realmente foi praticado da forma que a notcia

    expe, os problemas sociais, emocionais e psicolgicos que atormentam a vida do

    indivduo. Nada disso importa, o que se pretende, muitas vezes, que essa pessoa

    seja excluda da sociedade que o condenou e que acredita que ele merea uma

    pena cruel e perptua.

    Para Carla Gomes de Mello,

    No se importa a sociedade manipulada pela mdia se contra o suspeito houve tortura que o levou a confessar o ato criminoso, se, da mesma maneira, houve fora excessiva, se est preso inocentemente e sem necessidade, se os direitos dele esto sendo violados, se eles tem a chance de no ser considerado culpado e se ele faz jus a um julgamento justo. [...] 36

    Decretando a condenao pblica do suspeito/ru, a imprensa acaba por 33 MELLO, 2010, p. 116-117. 34 BUD, 2006, p. 6. 35 Ibid., p. 5. 36 MELLO, 2010, p. 118.

  • exercer grande poder e manipulao sobre a opinio de pessoas que podero ser os

    jurados escolhidos para julgar o fato criminoso. Sendo assim, tais pessoas

    receberam previamente, por parte da mdia, diversas informaes que, na maioria

    das vezes, no condizem com a realidade e que iro influenci-las na hora do

    julgamento.

    Cumpre salientar que as notcias veiculadas pelos meios de comunicao

    podem at influenciar o juiz de direito que ir julgar o caso ou que ir pronunciar o

    ru ou no, pois verifica-se, nos casos concretos, que muitos juzes decretam a

    priso preventiva dos rus com base no clamor da sociedade por justia.

    Neste sentido, se manifesta Carla Gomes de Mello:

    A fora que os meios de comunicao produzem e projetam ao noticiarem um crime passvel de influenciar at mesmo o juiz, no momento adequado de decidir. Muitas vezes, pelo temor de gerar nos cidados a sensao de insegurana jurdica, juzes decidem da maneira como espera a mdia e toda a sociedade por ela influenciada [...]. 37

    Sustentando a influncia da mdia sobre os jurados que compem o Conselho

    de Sentena do Tribunal do Jri, manifestam-se Flvio Prates e Neusa Felipim dos

    Anjos Tavares:

    [...] valiosa a pretenso de que o ru seja julgado por seus pares, como garantia da justia, mas nem sempre, ou at mesmo poucas vezes, estes pares tero o equilbrio e o discernimento para filtrar o que foi reiteradamente incutido em seus pensamentos antes do julgamento do processo que iro decidir. Dificilmente um jurado consegue manter-se isento diante da presso da mdia e do prvio julgamento extrajudicial transmitido diariamente para suas casas. 38

    Em sentido contrrio, se manifesta Mrio Rocha Lopes Filho, com base em

    pesquisa realizada perante a 1 Vara do Jri de Porto Alegre:

    Registra-se, por pertinente e seria hipocrisia negar a hiptese de a mdia ou outras formas de presso j referidas, produzirem, potencialmente, influncia no julgamento, entretanto, diante das pesquisas no se conseguiu, ao menos por ora, vislumbrar eventual indcio de ter sido a deciso proferida unicamente vinculada presso veiculada pela imprensa ou por elementos de convico colhidos no trabalho jornalstico, opinio

    37 MELLO, 2010, p. 118. 38 PRATES; TAVARES, 2008, p. 38.

  • pblica, etc. 39

    2.3 LIBERDADE DE IMPRENSA X PRESUNO DE INOCNCIA

    Diante do que foi exposto com relao liberdade imprensa e sobre o

    princpio da presuno da inocncia, conclui-se que esses dois direitos ou garantias

    fundamentais se chocam. Portanto, cabe tentar achar soluo, com base em

    argumentos doutrinrios, para o impasse que se vislumbra.

    Contudo, cabe utilizar as definies de Canotilho para explicar o que so

    direitos ou garantias fundamentais. No que concerne aos direitos o referido autor

    sustenta que: direitos fundamentais so os direitos do homem, jurdico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente.40

    Quanto garantias, Canotilho esclarece que:

    Rigorosamente, as clssicas garantias so tambm direitos, embora muitas vezes se salientasse nelas o carter instrumental de proteo dos direitos. As garantias traduziam-se quer no direito dos cidados a exigir dos poderes pblicos a proteo dos seus direitos, quer no reconhecimento dos meios processuais adequados a essa finalidade [...].41

    Maurcio Jorge DAugustin Cruz disserta sobre as semelhanas existentes entre a liberdade de imprensa e a presuno de inocncia:

    Ainda, imperioso lembrar que tanto um quanto outro so direitos fundamentais ligados s liberdades pblicas, e tm como premissa fundante clara limitao de poder. Independentemente da Carta que os tenha garantido, estavam insculpidos como direitos subjetivos pblicos, ou seja, determinam conduta negativa do Estado, extensiva aos particulares. So princpios ligados ao Estado Democrtico de Direito de forma indissolvel. Chega-se ao limite de afirmar que no existe democracia sem liberdade de imprensa ou presuno de inocncia. 42

    Quando a liberdade de imprensa utilizada para publicao de notcias de

    crimes de forma imparcial e sensacionalista, que exponham o suspeito e que o

    39 LOPES FILHO, 2010, p. 36 40 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. Coimbra:

    Almedina, 2003. p. 393. 41 Ibid., p. 396. 42 CRUZ, 2003, p. 146.

  • condenem publicamente, est-se ferindo diretamente o princpio da presuno de

    inocncia, que deve ser preservado, podendo somente ser quebrado, no mbito

    processual, com a observncia do devido processo legal.

    Segundo Carla Gomes de Melo quando ocorre o choque entre a liberdade de

    imprensa e a presuno de inocncia se est diante de uma coliso de direitos fundamentais.43 Para resolver tal conflito argumenta a autora: porm, como os direitos em conflito no podem ser hierarquizados, o caso concreto dir qual deles

    devem recuar.44

    Maurcio Jorge D Augustin Cruz sustenta que:

    Nossa hiptese de trabalho foi a de que existe efetivamente uma eficcia horizontal do princpio da presuno de inocncia, sendo ele de ordem direta ou indireta, imediata ou mediata. Este recorte significa que no s as condutas pblicas devem se abster da prtica de atos que frustrem seu exerccio, mas tambm a conduta dos particulares deve ser no mesmo sentido.45

    Assim, quando os referidos direitos fundamentais se chocarem deve haver o

    uso do princpio da proporcionalidade que autoriza somente restries ou limitaes que sejam adequadas, necessrias, racionais ou razoveis. 46

    Utilizaremos a definio do referido princpio definida por Jairo Gilberto

    Schfer e Nairane Decarli:

    O princpio da proporcionalidade permite que o magistrado; diante da coliso de direitos fundamentais, decida de modo que se maximize a proteo constitucional, impedindo o excesso na atividade restritiva aos direitos fundamentais. O objetivo no anular um ou outro princpio constitucional, mas encontrar a soluo que mantenha os respectivos ncleos essenciais. 47

    Dessa forma, na coliso entre os dois direitos fundamentais, no sendo

    possvel a compatibilizao entre eles, a liberdade de imprensa deve ceder, de

    43 MELLO, 2010, p. 119. 44 Ibid., p. 119. 45 CRUZ, 2003, p. 146. 46 Ibid., p .152. 47 SCHFER, Jairo Gilberto; DECARLI, Nairane. A coliso dos direitos honra, intimidade, vida

    privada e imagem versus a liberdade de expresso. Prisma Jurdico, So Paulo, v. 6, 2007. p. 131.

  • forma proporcional e adequada, frente ao princpio da presuno de inocncia, uma

    vez que no razovel que a liberdade de imprensa prevalea em detrimento de

    direitos e garantias fundamentais do indivduo.

    3 MATERIAL, OBJETO E MTODO 3.1 O CAMPO DE PESQUISA

    Primeiramente, cumpre salientar que a pesquisa foi realizada perante os

    jurados que compem o Conselho de Sentena do Tribunal do Jri da Comarca de

    Tenente Portela RS. Cabe observar que a referida cidade, situada na regio noroeste do Estado, segundo resultados do Censo realizado em 2011, possui 13 mil

    698 habitantes. 48 Objetivou-se realizar a investigao neste local, pois, at ento,

    nenhuma pesquisa desse mbito havia sido realizada.

    3.2 MTODO E MATERIAL

    Para realizao da pesquisa foi utilizado o mtodo quantitativo, utilizando-se

    de perguntas pessoais feitas aos jurados com o objetivo de verificar, sob o ponto de

    vista de cada membro do Conselho de Sentena, a possvel influncia que a mdia

    poderia ter sobre estes. Os resultados da pesquisa foram submetidos anlise da

    Empresa ZN Consultoria e Estatstica, que elaborou a estatstica do trabalho atravs

    do programa de computador Excel.

    3.3 COLETA DE DADOS

    Em contato com o Dr. Juiz de Direito titular da Comarca de Tenente Portela -

    RS, Mateus da Jornada Fortes, atravs de ofcio, demonstrou-se o contedo da

    pesquisa, com apresentao dos questionrios que seriam realizados, tendo sido

    esclarecidos os objetivos da anlise. Com a permisso concedida pelo magistrado,

    buscou-se a ltima lista geral dos jurados da Comarca, contida em edital, publicado

    48 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Censo 2010. 2010.

    Disponvel em: . Acesso em: 25 mar. 2011.

  • em 14 de fevereiro de 2011.

    Posteriormente, entrou-se em contato com os jurados para que, atravs de e-

    mail ou pessoalmente, respondessem o questionrio elaborado. Foram enviados

    atravs de e-mail ou entregues pessoalmente aos jurados 40 questionrios, dos

    quais obteve-se resposta efetiva de 22 jurados. Aps, tendo sido os questionrios

    respondidos e entregues, foi feita a anlise estatstica dos resultados obtidos.

    3.4 ASPECTOS TICO-LEGAIS

    Os participantes da pesquisa estavam em pleno gozo de suas faculdades

    mentais e, por questes de privacidade e segurana, estavam cientes de que suas

    identidades no seriam reveladas.

    4 RESULTADOS

    Analisaremos cada tabela de resultados com explicao acerca de seu

    contedo.

    Tabela 1 - Caracterizao da amostra quanto ao sexo

    Sexo Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    Feminino 12 57,1 Masculino 9 42,9

    A primeira pergunta realizada teve como finalidade estabelecer o sexo dos

    jurados. Percebemos que a maior parte da amostra (57,1%) do sexo feminino.

    Tabela 2 - Caracterizao da amostra quanto idade

    Idade (anos) Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    18 a 30 1 4,8 30 a 35 4 19,0 35 a 40 5 23,8 40 a 45 2 9,5 45 a 50 7 33,4 50 a 55 2 9,5 Mais de 55 0 0,0

  • A Tabela 2 caracteriza os respondentes quanto idade classificada em 7

    grupos. Observa-se que nenhum deles possua mais de 55 anos e grande parte

    (85,7%) estava na faixa de 30 a 50 anos.

    Tabela 3 - Caracterizao da amostra quanto ao grau de instruo

    Grau de instruo Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    Ensino fundamental 1 4,8 Ensino Mdio incompleto 0 0,0 Ensino Mdio 4 19 Superior incompleto 2 9,5 Superior 14 66,7

    A Tabela 3 caracteriza os entrevistados de acordo com o grau de instruo.

    interessante notarmos que 66,7% da amostra possui ensino superior completo e

    23,8% possui Ensino Mdio ou menor escolaridade.

    A verificao do grau de escolaridade faz-se necessr, pois atravs deste

    que se consegue visualizar a capacidade que o jurado possui para julgar o caso

    concreto com base em sua ntima convico, sendo imparcial e no sendo

    influenciado.

    Tabela 4 - Meio de comunicao usado para obter informao

    Meio de comunicao Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)*

    Telejornais 15 71,4 Jornais 12 57,1 Rdio 11 52,4 Internet 18 85,7 Revistas 13 61,9

    *No soma 100% pois a questo era de mltipla escolha

    A Tabela 4 apresenta os meios de comunicao mais utilizados para obter

    informao. O meio mais utilizado a internet (85,7%). A pergunta nmero quatro foi

    realizada para que se descobrissem as espcies de mdias utilizadas pelos jurados

    com o intuito de obter informao e conhecimento. Cabe salientar que na cidade de

  • Tenente Portela existem trs sites na internet, sendo dois pertencentes a jornais

    locais, que, com atualizao diria, informam a populao acerca das notcias que

    ocorrem no municpio e na regio

    Tabela 5 - Frequncia com que se informa dos fatos

    que acontecem no mundo

    Frequncias Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    Diariamente 20 95,2 Semanalmente 1 4,8 Mensalmente 0 0,0

    Observa-se, segundo a Tabela 5, que grande parte da amostra (95,2%) se

    informa diariamente. A relevncia de tal pergunta cinge-se no intuito de saber qual a

    relao que estabelecida entre os jurados e os meios de comunicao, se estes

    ltimos fazem parte da vida daquele de forma cotidiana ou no.

    Tabela 6 - Frequncia da resposta sobre os meios de

    comunicao interferirem ou no na opinio do pblico

    Opinio Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    Interfere 11 52,4 No interfere 0 0,0 Interfere em partes 10 47,6

    Com a Tabela 6 visualiza-se que 52,4% dos entrevistados acredita que os

    meios de comunicao interferem na opinio de seu pblico. A importncia dessa

    pergunta cinge-se no intuito de visualizar se os jurados acreditam que a mdia

    interfere na opinio do pblico, e, consequentemente, nas suas prprias opinies .

    Tabela 7 - Frequncia da opinio sobre confiabilidade dos

    meios de comunicao

    Opinio Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    Confiveis 0 0,0 Confiveis em partes 20 100,0 Pouco confiveis 0 0,0

  • A Tabela 7 nos mostra que todas as pessoas entrevistadas acham que os

    meios de comunicao so confiveis em partes. O objetivo de tal questionamento foi a verificao concreta da confiana que os jurados depositam nos meios de

    comunicao, bem como a credibilidade que conferem s notcias veiculadas por

    estes meios.

    Tabela 8 - Possibilidade de formar opinio sem influncia

    dos meios de comunicao

    Opinio Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    Sim, possvel 6 28,6 No possvel 5 23,8 possvel em partes 10 47,6

    A Tabela 8 refere-se a pergunta sobre a possibilidade de formar opinio sem

    influncia dos meios de comunicao, e a quase maioria, 47,6%, respondeu que

    possvel em partes formar opinio sem a influncia da mdia, o que nos faz concluir

    que a imprensa, em determinados casos, pode influenciar na formao de opinio,

    segundo os respondentes.

    Tabela 9 - Opinio sobre a informao da imprensa

    influenciar as respostas

    Opinio Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    Influenciam 7 33,3 No influenciam 9 42,9 Influenciam em partes 5 23,8

    A Tabela 9 mostra a distribuio de acordo com a pregunta sobre a

    possibilidade de haver influncia da imprensa na votao de quesitos de aumento

    ou diminuio de pena. Nota-se que 42,9% da amostra acredita que as informaes

    obtidas atravs da imprensa no influenciam quesitos como aumento ou diminuio

    da pena.

  • Tabela 10 - O que mais deve ser levado em conta, na opinio

    dos jurados

    Opinio Frequncia absoluta (n) Frequncia relativa (%)

    As provas produzidas nos autos do processo

    7 33,3

    As informaes produzidas pela mdia

    0 0,0

    Ambas concorrem para o resultado final

    14 66,7

    Na Tabela 10 percebe-se que 66,7% acreditam que tanto as provas

    produzidas nos autos do processo quanto as informaes produzidas pela mdia

    concorrem para o resultado final da sentena. Essa pergunta, juntamente com as

    perguntas sobre a influncia da mdia na votao dos quesitos (Tabela 9); sobre a

    possibilidade de formao de opinio sem a influncia da mdia (Tabela 8) e tambm

    sobre a possibilidade de haver interferncia da mdia na formao de opinio dos

    indivduos (Tabela 6), serviram de base para a construo do nosso trabalho.

    Se estas respostas forem analisadas e confrontadas, perceber-se a

    contradio que elas expressam, pois, num primeiro momento, 52,4% dos jurados

    afirmaram que a mdia influencia a formao da opinio do pblico. Respondendo a

    pergunta seguinte, sustentaram (47,6%) que possvel, em partes, formar opinio

    sem influncia da mdia, aps, responderam (42,9%) que a opinio expressa pelos

    meios de comunicao no interfere na votao de quesitos como aumento ou

    diminuio de pena e, por ltimo, responderam (66,7%) que as provas dos autos

    devem ser somadas s informaes obtidas pela mdia para que se decida pela

    condenao ou absolvio.

    Contudo, quando da elaborao das perguntas, sabamos que, dificilmente,

    algum jurado responderia diretamente que a mdia o influencia. Portanto, as

    perguntas foram elaboradas no intuito de, implicitamente, investigar se realmente

    existe a influncia dos meios de comunicao sobre as decises das pessoas que

    compem o Conselho de Sentena.

    Por fim, cabe analisar as tabela 8, 9 e 10 conjuntamente com a pesquisa

  • realizada por Mrio Rocha Lopes Filho, publicada no livro O Tribunal do Jri e

    algumas variveis potenciais de influncia.

    A parte da investigao que vamos comparar com a nossa pesquisa a

    etapa da realizao de questionrios com o Conselho de Sentena da 1 Vara do

    Jri de Porto Alegre, no que concerne influncia da mdia sobre a deciso dos

    jurados.

    Segundo o livro, responderam os jurados sobre a indagao acerca do fato de

    que se mdia escrita ou falada, falando sobre a impunidade, poderia sugestionar o

    entrevistado em relao ao julgamento. Conforme aduz Mrio Rocha Lopes Filho:

    Respondendo a indagao, 77,8% dos jurados informaram no se deixarem influenciar pelas notcias veiculadas pela mdia; o restante (4,6%) admitiu eventual

    sugestionamento por parte dos meios de comunicao [...].49

    Comparando as duas pesquisas, possvel concluir que h resultado diverso.

    Acreditamos que na poca em que foi realizada a pesquisa que est sendo utilizada

    como comparao, qual seja, no ano de 2008, o contexto era diverso, no havia

    tanto sensacionalismo na publicao de notcias. Ademais, os locais em que foram

    realizadas se diferem, uma representa a opinio dos jurados da Vara do Jri de

    Porto Alegre, tendo sido enviados 700 questionrios com a resposta de 147, e a

    outra representa a Vara do Jri da Comarca de Tenente Portela, na qual o nmero

    de jurados no passa 72, e se obteve resposta de 22 jurados.

    Portanto, com a velocidade, a quantidade e o sensacionalismo das

    informaes obtidas na atualidade, possvel perceber que a comparao entre as

    duas pesquisas deve apresentar resultado diverso.

    CONCLUSO

    notrio o interesse do pblico por notcias relacionadas a crimes e

    violncia; a mdia, conhecedora de tal interesse, explora os referidos assuntos de

    maneira exacerbada, deturpando os fatos, ferindo a dignidade dos envolvidos e

    49 LOPES FILHO, 2008, p. 127.

  • originando a condenao antecipada do suspeito acusado sem que haja o trnsito

    em julgado da sentena condenatria.

    No decorrer da presente pesquisa, percebe-se a tnue influncia dos meios

    de comunicao sobre o processo penal, sobre os julgamentos, sobre os jurados, e,

    enfim, sobre a populao como um todo. Embora o referido assunto seja de

    conhecimento geral, quando analisado de forma minuciosa, traz tona a capacidade

    e o poder de tal veculo de informao.

    A mdia, ao influenciar o povo mediante as notcias que publica,

    principalmente sobre um fato criminoso, acaba por formar a opinio de pessoas que

    podero compor o corpo de jurados que ir julgar o caso noticiado, pondo em risco a

    imparcialidade dos mesmos e, portanto, ferindo diretamente o princpio da

    presuno da inocncia. Havendo, assim, o confronto entre o princpio da presuno

    da inocncia e a liberdade de imprensa.

    Ento, em razo da opinio expressa na notcia ser considerada a verdade

    sobre o caso, surge um clamor pblico pela condenao do suspeito na prtica do

    crime, exigindo-se a atuao rigorosa do direito penal, necessitando a sociedade de

    uma resposta deste ramo do direito. Clama-se por direito penal mximo e por

    direitos sociais mnimos na consecuo do processo e tambm exige-se que o

    direito penal seja a prima ratio, ou seja, que este ramo do direito resolva os

    problemas sociais.

    Difundem-se entre a populao, portanto, opinies e desejos de que ao

    suposto criminoso seja aplicada uma pena rigorosa que o faa sofrer emocional e

    fisicamente. E que pelo fato de ser bandido no deva ter seus direitos e garantias fundamentais respeitadas. A sentena penal condenatria decretada pela

    sociedade, no havendo possibilidade de exerccio do direito de defesa.

    Assim, quando um fato criminoso veiculado na imprensa, h um enorme

    desrespeito dignidade da pessoa do suspeito/ru, pois sua identidade revelada,

    sua privacidade invadida e sua condenao decretada.

  • A mdia tornou-se uma verdadeira forma de poder, veiculando notcias e

    opinies sensacionalistas com o objetivo de obter lucros. A escolha das notcias que

    sero divulgadas e da forma como sero escritas, no intuito de manipular o leitor,

    feita no interesse das empresas da comunicao, em benefcio de uma parcela

    pequena da sociedade que se vale do sensacionalismo jornalstico para obter lucros

    e desviar a ateno da sociedade para inmeros outros problemas sociais.

    Sendo assim, o presente trabalho conclui que muitas vezes, em decorrncia

    da influncia que a mdia exerce sobre a opinio pblica, a liberdade de imprensa

    deve ceder frente aos direitos fundamentais que ela fere, para que nos jurados que

    venham a julgar um determinado caso, no seja incutida uma opinio prvia e

    nenhuma forma de pr-conceito; para que seja respeitado o princpio da presuno

    da inocncia, e, ainda, para que as sentenas proferidas pelo plenrio do jri no

    sejam oriundas de um juzo de valor produzido pela mdia.

    REFERNCIAS BUD, Marlia Denardin. Mdia e crime: a contribuio do jornalismo para a legitimao do sistema penal. UNIrevista, Florianpolis, v. 1, n.3, p. 1-14, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 10 set. 2010. CALDAS, Graa. Mdia, escola e leitura crtica do mundo. Educao Social, Campinas, v. 27, n. 94, p. 117-130, jan./abr. 2006. Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2011. CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. Coimbra: Almedina, 2003. CARLIN, Volnei Ivo. A justia e a mdia. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 23, p. 23-29, ago./nov. 1998. Disponvel em: . Acesso em: 7 mar. 2011. CRUZ, Maurcio Jorge DAugustin. O caso da escola infantil da base: liberdade de imprensa e presuno de inocncia. Porto Alegre: PUCRS, 2003. 168 f. Dissertao (Mestrado em Cincias Criminais), Faculdade de Direito, Pontifcia

  • Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, 2003. FERREIRA, Michelle Kalil. O Princpio da Presuno de Inocncia e a Explorao Miditica. Revista Jurdica do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 9, p. 150-181, jul./dez. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 22 fev. 2011. FERRS, Joan. Televiso e educao. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996. GIACOMOLLI, Nereu Jos. Reformas (?) Do Processo Penal: Consideraes Crticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. GOMES, Andr Lus Callegaro Nunes. Presuno de inocncia ou de no-culpabilidade. No ser considerado culpado o mesmo que ser presumido inocente? Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1791, 27 maio 2008. Disponvel em: . Acesso em: 3 mar. 2011. GOMES, Luiz Flvio. Casal Nardoni: inocente ou culpado? (parte 1). Disponvel em: . Acesso em: 20 mar. 2011. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Censo 2010. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 25 mar. 2011. INSTITUTO BRASILEIRO DE OPINIO PBLICA E ESTATSTICA (IBOPE). Indicador de Analfabetismo Funcional. Brasil, [2009]. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2011. KARAM, Francisco Jos. Jornalismo, tica e liberdade. So Paulo: Summus, 1997. MARREY, Adriano et al. Teoria e Prtica do Jri. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. MELLO, Carla Gomes de. Mdia e Crime: Liberdade de Informao Jornalstica e Presuno de Inocncia. Revista de Direito Pblico, Londrina, v. 5, n. 2, p. 106-122, ago. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 13 dez. 2010. MORAES, Alexandre de. Constituio do Brasil interpretada e legislao infraconstitucional. So Paulo: Atlas, 2003.

  • NUCCI, Guilherme de Souza. Jri: princpios constitucionais. So Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. PRATES, Flvio Cruz; TAVARES, Neusa Felipim dos Anjos. A influncia da mdia nas decises do conselho de sentena. Direito & Justia, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 34, jul./dez. 2008. Disponvel em: . Acesso em: 25 mar. 2011. QUEIJO, Maria Elizabeth. Princpios constitucionais no direito penal: ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Sousa. Porto Alegre: Ricardo Lenz , 2003. SCHFER, Jairo Gilberto; DECARLI, Nairane. A coliso dos direitos honra, intimidade, vida privada e imagem versus a liberdade de expresso. Prisma Jurdico, So Paulo, v. 6, p. 129-131, 2007. SCHIFINO, Ana Paula Albrecht. Comunicao e poder: uma leitura semiolgica da campanha institucional RBS O amor a melhor herana. Cuide das crianas. Porto Alegre: PUCRS, 2009. 149 f. Dissertao (Mestrado em Comunicao Social), Faculdade de Comunicao Social, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, 2009. Disponvel em: . Acesso em: 20 mar. 2011. SOUZA, Leila. A importncia da leitura para a formao de uma sociedade consciente. [S.d.]. Disponvel em: . Acesso em: 11 mar. 2011. TEIXEIRA, Slvio de Figueiredo. A imprensa e o judicirio. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 15, p. 15-20, ago./nov. 1996. Disponvel em: . Acesso em: 20 mar. 2011.