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A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga - C. G. Jung (Parte 1) Um excelente estudo de Priscilla Wacker: Resumo A Psicologia do Kundalini Yoga Esta monografia versa sobre os quatro seminários apresentados por Jung em 1932 nos encontros que realizava no Clube de Psicologia, em Zurique. Nesses seminários, intitulados “A Interpretação Psicológica do Kundalini Yoga”, Jung abordou o simbolismo do sistema de chakras do Kundalini Yoga, entendendo-o como uma espécie de intuição da consciência coletiva oriental sobre a existência e o funcionamento do sistema psíquico. Ou seja, Jung enxerga no Kundalini Yoga uma intuição de sua própria teoria, e no despertar da kundalini, o iniciar do processo de individuação. Jung discorre sobre esse processo (do despertar da kundalini), amplificando seus símbolos através de mitos e imagens. No presente trabalho, busco fazer uma releitura crítica dos pensamentos de Jung a respeito desse tema, com o intuito de renová-los e reposicioná-los dentro de uma perspectiva atual. Palavras Chave: Psicologia Analítica, Kundalini Yoga, Chakra, Individuação. Introdução Há cinco anos venho intensificando meu contato com o Yoga e, muitas vezes, fiquei impressionada com as correlações que poderia fazer com a Psicologia Analítica. Permaneci circundando o tema por muito tempo, sem conseguir encontrar uma ponta que pudesse desfiar para traçar paralelos com os estudos de Jung a respeito do Yoga. Finalmente, vencida pelo cansaço, desisti de me ocupar desta questão, e só voltei a pensar nela após uma viagem de 40 dias à Índia. Através do contato impactante com este país, pude experienciar o quanto o caldo cultural

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  • A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga - C. G. Jung (Parte 1) Um excelente estudo de Priscilla Wacker:

    Resumo

    A Psicologia do Kundalini Yoga

    Esta monografia versa sobre os quatro seminrios apresentados por Jung em 1932 nos encontros

    que realizava no Clube de Psicologia, em Zurique. Nesses seminrios, intitulados A Interpretao

    Psicolgica do Kundalini Yoga, Jung abordou o simbolismo do sistema de chakras do Kundalini

    Yoga, entendendo-o como uma espcie de intuio da conscincia coletiva oriental sobre a

    existncia e o funcionamento do sistema psquico. Ou seja, Jung enxerga no Kundalini Yoga uma

    intuio de sua prpria teoria, e no despertar da kundalini, o iniciar do processo de individuao.

    Jung discorre sobre esse processo (do despertar da kundalini), amplificando seus smbolos

    atravs de mitos e imagens.

    No presente trabalho, busco fazer uma releitura crtica dos pensamentos de Jung a respeito desse

    tema, com o intuito de renov-los e reposicion-los dentro de uma perspectiva atual.

    Palavras Chave: Psicologia Analtica, Kundalini Yoga, Chakra, Individuao.

    Introduo

    H cinco anos venho intensificando meu contato com o Yoga e, muitas vezes, fiquei

    impressionada com as correlaes que poderia fazer com a Psicologia Analtica. Permaneci

    circundando o tema por muito tempo, sem conseguir encontrar uma ponta que pudesse desfiar

    para traar paralelos com os estudos de Jung a respeito do Yoga. Finalmente, vencida pelo

    cansao, desisti de me ocupar desta questo, e s voltei a pensar nela aps uma viagem de 40 dias

    ndia. Atravs do contato impactante com este pas, pude experienciar o quanto o caldo cultural

  • atua na formao do ser, na interpretao das experincias vividas, no estabelecimento dos

    referenciais de si mesmo e do mundo.

    Seria ento possvel tentar estabelecer pontes entre uma forma ocidental e uma oriental de

    enxergar o ser humano?

    Em vrios momentos, Jung pergunta se deveramos nos aprofundar nas tcnicas e conhecimentos

    estrangeiros a ns, ou se o mais eficiente seria nos concentrarmos em nossos prprios sistemas

    de crenas e de conhecimento. Para ele, ao nos desenvolvermos psiquicamente com referncias

    ambientais, culturais, religiosas, familiares etc. relacionadas ao Ocidente, enraizamo-nos em solo

    ocidental e, assim, no seramos capazes de assimilar, e de sermos transformados de fato, pelas

    verdades do Oriente, e vice-versa. ?

    Tal questionamento se manteve presente em muitas obras de Jung a respeito do Oriente. Ao longo

    deste trabalho, cito algumas delas.

    Durante minha estadia na ndia fui fortemente tocada pelo estrangeiro, pelo outro estranho a

    mim; e desta forma, pude compreender melhor as reflexes de Jung a respeito de se entregar, ou

    de ser absorvido, por um sistema cultural diferente.

    Se realizada de forma inconsciente, essa imerso em outra cultura poderia levar, na concepo de

    Jung, a consequncias desastrosas para o corpo e/ou psique. Em suas memrias (Jung, 1964),

    comentou o caso de seu amigo Richard Wilhelm, que, ainda jovem, imergiu na cultura chinesa,

    sendo totalmente impregnado pelo ponto de vista oriental. Quando retornou Europa, Wilhelm

    voltou a sentir as necessidades do esprito europeu, o que lhe gerou um conflito psquico grave,

    que Jung associou ao seu falecimento anos depois:

    Essa mudana de Wilhelm e sua reassimilao do Ocidente pareceram-me um pouco irrefletidas e, portanto, perigosas. Temia que ele se encaminhasse para um estado de conflito consigo mesmo. Ao que me parecia, tratava-se de uma assimilao passiva, isto , ele havia sucumbido influncia do meio; havia, pois, o risco de um conflito relativamente inconsciente, de um choque entre a alma Ocidental e a Oriental. Ocorrendo um processo desse tipo, sem que haja uma confrontao consciente profunda, h o risco de um conflito inconsciente que pode tambm afetar gravemente a sade do corpo... (Jung, 1964, p. 328).

    Da mesma forma, antroplogos ou profissionais de sade mental que trabalham com psiquiatria

    tnica reconhecem o quanto pode ser desestruturante o choque entre sistemas culturais

    diferentes. H relatos de pessoas (brancos) que, ao permanecerem por longos perodos em tribos

    indgenas, precisaram de socorro mdico por sucumbir a uma vivncia paranica. Provavelmente,

    a experincia indgena com seus espritos e rituais, fragilizou o sistema egico desses indivduos,

    que no adaptado a essa forma de realidade. De modo inverso, sabe-se da desestabilizao que

    o lcool, introduzido aos ndios de uma forma no ritualstica pelo homem branco, promoveu na

    estrutura da sociedade tribal indgena.

    Observando-se ento, a complexidade de se aventurar em outro continente, retorno s minhas

    prprias reflexes sobre os indianos. Eles se diferenciam de ns (ocidentais) em muitas questes;

    no tocante forma de se vestir, de comer, de se expressar, de reagir, de relacionar-se com o

    humano e com o divino, com a realidade e a fantasia. At mesmo sua linguagem corporal

  • diferente; mexem a cabea com bastante frequncia, num movimento regular de translao

    lateral. No tenho certeza do significado de tal gesto, mas transmite uma tentativa de cooperao,

    podendo dizer sim, no ou talvez. Alis, essa cooperao, essa abertura para o outro desconhecido,

    mesmo que, muitas vezes, com o intuito de obter vantagens, evidentemente oposta atitude

    ocidental, fechada em relao a esse outro.

    As reaes dos indianos, suas respostas, sua forma de viver a vida so to diferentes das minhas

    e das pessoas com quem convivo que, como mdica, comecei a formular hipteses sobre possveis

    diferenas biolgicas. Ser que com estmulos to diversos dos nossos, seus crebros tambm no

    podem funcionar, em nveis mais sutis, de uma forma diferente? Sabe-se que aps o nascimento,

    o crebro ainda no est inteiramente formado, tem apenas um tero do volume que alcanar

    um dia, e a comunicao neuronal, que se faz do ponto de vista anatmico via sinapses (estruturas

    que conectam axnios e dendritos formando uma rede neuronal), tambm se encontra em

    desenvolvimento (Kandel, 2001). Ser que este desenvolvimento no poderia se orientar de forma

    diferente, privilegiando ou negligenciando outros grupos neuronais? Ser que anlises do

    funcionamento cerebral, com tcnicas de mapeamento por meio de ressonncias magnticas

    funcionais [ Ressonncia Magntica Funcional uma tcnica de exame de imagem em que no

    somente a anatomia macroscpica cerebral visualizada, mas tambm as regies cerebrais que

    esto utilizando mais oxignio ou glicose. Dessa forma, podemos observar quais regies esto

    reagindo mais ou menos aos estmulos estabelecidos pelo examinador, sejam eles fotos, sons,

    palavras, cheiros, emoes... ] e testagens neuropsicolgicas [ A neuropsicologia uma interface

    ou aplicao da psicologia e da neurologia que estuda as relaes entre o crebro e o

    comportamento humano. Dedica-se a investigar como diferentes leses causam dficits em

    diversas reas da cognio. Para isso, faz uso de Testes Neuropsicolgicos que avaliam,

    identificam e detectam a integridade das funes nervosas superiores (Ateno, Conscincia,

    Memria, Linguagem e Cognio), atravs do exame de processos lgicos e de linguagem.

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Neuropsicologia (acesso em dezembro de 2010). ]

    Tais especulaes mdicas e tcnicas invadiram meus pensamentos quando ainda estava na ndia,

    e as compartilho aqui para exemplificar caractersticas do pensamento ocidental. De um modo

    geral, nos parece mais natural e reconfortante acreditar e incorporar o novo quando podemos

    explic-lo no mundo concreto. Assim, se alguns dos caminhos neuronais dos orientais fossem

    diferentes dos nossos, como uma tcnica deles poderia caber em ns? no apresentariam

    padres diferentes daqueles encontrados entre possveis voluntrios ocidentais?

    Tais especulaes mdicas e tcnicas invadiram meus pensamentos quando ainda estava na ndia,

    e as compartilho aqui para exemplificar caractersticas do pensamento ocidental. De um modo

    geral, nos parece mais natural e reconfortante acreditar e incorporar o novo quando podemos

    explic-lo no mundo concreto. Assim, se alguns dos caminhos neuronais dos orientais fossem

    diferentes dos nossos, como uma tcnica deles poderia caber em ns? no apresentariam

    padres diferentes daqueles encontrados entre possveis voluntrios ocidentais?

    Para Jung (apud Aion, 1990, p.273):

    No se pode comparar a evoluo histrica do esprito Ocidental com a do esprito indiano. Por

    isso, quem acredita que pode assumir diretamente certas formas conceituais do Oriente,

    desenraiza-se, pois estas formas no exprimem o passado Ocidental; so simplesmente conceitos

    tericos e sem sangue, incapazes de fazerem vibrar as cordas profundas do nosso ser. Nossas

    razes mergulham em solo cristo.

    Para Hauer (apud Shamdasani,1996,p.xIii)

  • Esta questo, do quanto e em qual extenso o caminho de salvao do Oriente vlido para o

    homem Ocidental, continua em suspenso e me preocupa seriamente. No seria um erro e at

    perigoso se o homem Ocidental se dedicasse ao Yoga para obter a salvao? Por que esse homem

    no adere s pesquisas cientificas, a reflexes filosficas da maneira Ocidental, como um caminho

    de salvao? Ser que o Ocidental no tem seu prprio caminho mstico que o leve ao encontro de

    si mesmo, que seria de mais utilidade para ele do que o Yoga? Por que a Psicologia Profunda e a

    Psicoterapia em desenvolvimento no seriam suficientes para isso? Ser que, de fato, precisamos

    de um novo impulso do Oriente?

    Apesar de entender e, at certo ponto, aceitar as observaes de Jung sobre a no validade prtica

    dos caminhos do Oriente para um ocidental, sentia em mim mesma os efeitos do Yoga; tanto do

    Hatha Yoga, que pratico h cinco anos, quanto do Kundalini Yoga, que pratiquei por apenas seis

    meses.

    Atravs da prtica do Hatha Yoga, pude, aos poucos, acalmar minha mente, alcanando mnimos

    momentos de silncio. Quando esta se calava, parecia haver espao para sons de outros

    lugares, minha conscincia era ento tocada por imagens, emoes e at sensaes fsicas antes

    silenciadas pelo alto volume da mente. Esses novos sons podiam ento ser reelaborados e

    integrados pela conscincia.

    Relato aqui uma dessas experincias para proporcionar ao leitor uma maior clareza sobre o que

    procuro descrever: aps uma prtica na qual alcancei um grau maior de silenciamento da mente,

    entrei em contato com a imagem de uma mulher que percebi ser minha me. Ela segurava um

    cartaz com letras grandes escritas: EU TE ENTENDI!. No pretendo aqui dissecar a simbologia

    dessa imagem por no ser esse o objetivo deste estudo, mas busco demonstrar que atravs da

    prtica do Yoga, me foi possvel, e para muitas outras pessoas que vivem experincias similares,

    entrar em contato com material inconsciente. O acesso da conscincia s imagens inconscientes

    um mecanismo psquico natural, compartilhado por todos ns, e que tem sido utilizado desde

    tempos ancestrais, por povos diferentes, de maneiras diversas, com intuitos diferentes... Portanto,

    um processo natural do psiquismo humano.

    Essa profunda vivncia poderia ser trabalhada com o uso da Imaginao Ativa, processo descrito

    por Jung em 1916 (Jung, 2000, v. VIII), no qual o indivduo deve concentrar-se em um ponto

    especfico (o material de um sonho, ou no caso acima descrito a prpria imagem), e, em seguida,

    permitir que uma cadeia de fantasias associadas se desenvolva. As imagens, aos poucos, ganham

    vida de acordo com uma lgica prpria, criando cenas que suscitam emoes e que podem, ento,

    ser elaboradas pelo ego consciente. Este deve participar ativa e criativamente da cena, gerando

    uma nova situao psicolgica que pode estimular a cura de uma neurose. No entanto, a questo

    central neste momento no a Imaginao Ativa, mas sim o fato de que uma tcnica oriental (a

    prtica do Yoga) foi capaz de vibrar cordas profundas do meu ser.... Desta forma, discordo de

    Jung sobre a no validade prtica do Yoga para um ocidental, tema que ser mais profundamente

    discutido no decorrer deste trabalho.

    Acredito que a forma de se estimular o sistema psquico varia de mtodo para mtodo, mas a

    reao desse sistema (neste caso, a de promover uma comunicao entre conscincia e

    inconsciente) deveria ser a mesma, se confiarmos na base arquetpica da teoria junguiana. Assim,

    teoricamente, imagino ser possvel a um ocidental caminhar em direo individuao atravs

    do Yoga, no entanto, talvez cada indivduo seja mais ou menos tocado por uma ou outra tcnica,

    dependendo de sua estruturao egica, de seus mecanismos de defesa, dos traumas vividos, de

    sua tipologia, de seu momento de vida, e etc. E por que no acrescentar como uma hiptese a ser

  • refletida, que, possivelmente, tcnicas diversas toquem de formas diferentes as estruturas egicas

    defensivas, com isso, o ego teria que fazer um esforo novo para tentar impedir a entrada desses

    novos contedos, podendo com essa nova reao desestabilizar suas defesas, e na sua

    reestruturao acabar por integrar partes destes contedos. importante ressaltar, que para que

    isso ocorra necessrio um ego saudvel e flexvel, pois um ego frgil, enrijecido poderia quebrar

    frente a esta necessidade de reestruturao.

    A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga - C. G. Jung (Parte 2) A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga - C. G. Jung (Part 1)

    Continuao:

    YOGA

    O Yoga vem se tornando cada vez mais popular no Ocidente.

    Ao mesmo tempo em que essa popularizao permite nossa sociedade entrar em contato com

    uma prtica milenar, que durante muito tempo foi mantida em crculos fechados de eruditos,

    tambm leva a distores e interpretaes equivocadas, j que se dissemina em uma cultura

    completamente diferente.

    Assim, definir o Yoga no uma tarefa fcil, a comear por sua origem: alm de muitos textos

    terem sido perdidos ou destrudos, no passado esse conhecimento era transmitido oralmente na

    tradio Parampar [Parampar a cadeia de transmisso de poder e conhecimento do mestre

    para o discpulo (Feuerstein, 1997).].

    Talvez o Yoga esteja ligado ao incio da prpria sociedade como a conhecemos hoje. O Yoga nasce

    a partir da compreenso das manifestaes externas da natureza e suas influncias subjetivas

    sobre a conscincia humana (Kupfer, 2001, p.12).

  • O Homem, desde o desenvolvimento da conscincia, tinha sede em conhecer-se, e suas dvidas e

    questionamentos levaram alguns a uma investigao quase (e para muitos) exaustiva a respeito

    de questes ontognicas: quem ou o que sou? Muitos se retiravam nas florestas, cavernas e outros

    lugares isolados para vivenciarem um mergulho em algo mais profundo, procurando

    experimentar, na prtica, estados de conscincia superior. Tais experincias a respeito do Ser lhes

    serviam de base para a construo de todo um conhecimento filosfico/terico que pudesse ser

    transmitido. Assim, primeiramente, surge o Yoga como algo essencialmente prtico, adquirido

    pela experimentao, e depois surge sua base filosfica (Kupfer, 2001). Nela, o discpulo

    memorizava grande quantidade de versos que lhe eram passados por seu mestre, e assim

    sucessivamente, sem qualquer alterao, para manter preservados e intactos seus conhecimentos.

    As mais antigas evidncias histricas do Yoga associam-no ao ritualismo dos povos pertencentes

    a uma civilizao denominada Indo-Sarasvati, que habitava cidades ao longo dos rios Indo e

    Sarasvati (Feuerstein, 1997) [ Georg Feuerstein, Ph.D., doutor em Histria da Religio e

    desenvolve estudos sobre o Yoga. fundador e diretor do Yoga Research Center e editor do

    boletim bimestral Yoga World. Membro do conselho diretor da Healing Buddha Foundation, na

    Califrnia, e colaborador dos peridicos Yoga Journal, Inner Directions e Intuition. Dr.

    Feuerstein j publicou vrios livros, entre os quais, A tradio do yoga, The Shambhala

    Encyclopedia of Yoga, The Shambhala Guide to Yoga, Teachings of Yoga e Yoga and

    Health.]. Importantes registros desta civilizao foram descobertos em escavaes do sculo

    passado, em duas principais cidades, hoje no atual Paquisto: Mohenjo Dharo e Harappa, que se

    revelaram muito avanadas para seu tempo. Estima-se que viviam, somente em Mohenjo Dharo,

    mais de 200 mil pessoas. As cidades eram organizadas, havia sistema de esgoto, ruas definidas e

    outros indcios de planejamento urbano. Foi esse povo que deixou um legado, no s para a ndia,

    mas para a humanidade: os Vedas (Feuerstein, 1997).

    Os Vedas, que em Snscrito significa conhecimento, so livros sagrados da espiritualidade

    indiana, considerados os mais antigos do mundo. Foram escritos por volta de 3500 a.C., mas sua

    composio parece ser ainda mais antiga devido perpetuao do conhecimento via tradio oral,

    estimando-se 6500 anos a.C. Nesses textos o Yoga j era citado, mas no da forma como o

    conhecemos hoje. O Yoga Vdico era ritualstico e envolvia ascese, concentrao mental, cnticos,

    adorao e controle da respirao (Feuerstein, 1998).

    Em essncia, os Vedas acreditam que por trs de toda manifestao, s existe um Ser, Brahman.

    Tal idia mais bem desenvolvida nas Upanishads, outros textos sagrados que vieram depois dos

    Vedas, nos quais as diferentes realidades so emanaes de uma realidade singular e

    transcendente, Brahman.

    Segundo Ravindra (2000, p.5):

    Brahman o absoluto, supremo, impessoal, infinito, eterno. A fonte pr-csmica da divindade, a

    causa de todas as causas, sem comeo e sem fim, do qual tudo emana e ao qual tudo retorna. Ele

    no se manifesta, mas est presente no maior corpo celestial e, tambm, na indivisvel partcula,

    em tudo que animado e no animado. Ele a razo da conscincia e da substncia.

    Ento, Brahman a essncia no s de todo o universo como tambm do manifesto e do

    imanifesto. Segundo os textos hindus, no existe um conceito de comeo ou fim do universo, o

    mesmo seguiria um processo contnuo de expanso e retrao; quando o ciclo tem incio o

    universo comea a existir, expandindo-se, ao final desta expanso se d uma retrao at a

    dissoluo novamente no todo. Antes da criao do universo s existia Brahman em sua forma

  • no manifesta, nem espao, nem tempo, nem sis nem planetas. Por vontade prpria ele se

    manifestou, e sua energia operativa entrou em ao, comeando o ciclo de expanso (Ravindra,

    2000, p.10).

    A personalidade humana denominada atman tambm uma manifestao de Brahman; no

    entanto, presa ao corpo (matria), atman se confunde, atravs de maya (iluso), com uma

    conscincia inferior condicionada e distorcida, impossibilitando a realizao em Brahman. A

    iluso, maya, causa de sofrimento na medida em que confunde os estados psicomentais

    (conscincia inferior) com o Si Mesmo Transcendente. Com isto, a conscincia inferior se

    identifica com o corpo e suas dores, com a mente e suas aflies (duhkha, sofrimento em qualquer

    nvel), enquanto o estado de transcendncia, quando se retorna a Brahman, representado por

    Sat, Cit, Ananda (existncia plena, conscincia transcendente e bem aventurana) (Eliade, 1998).

    Si Mesmo Transcendente, ou Purusha na tradio Samkhya ou atman na tradio vedntica o

    mago do prprio ser. a identidade autntica de cada um, separada de todos os papis, imortal

    e imutvel. considerada supra-sensorial, conscincia pura.

    Em todas as tradies hindus, a realizao do Si Mesmo

    Transcendente o mais nobre e valioso objeto da aspirao humana. Para Feuerstein, o Si Mesmo

    Transcendente diferente da noo de Self de Jung, que corresponderia mais a um chamado

    controlador interior, sendo um dos aspectos do Si Mesmo Transcendente (Feuerstein,1997). No

    entanto, entendo que Jung no faz esta distino, usando a terminologia Self, Si Mesmo, como

    equivalente ao Si Mesmo Transcendente, Purusha e Atman do Yoga, dessa forma, tambm usarei

    esses termos como equivalentes no transcorrer do texto.

    As linhas do Yoga podem receber influncias de duas correntes filosficas distintas; o Samkhya

    (que traz os conceitos de Purusha e de Prakrti) e o Vedanta (que traz os conceitos de Brahman e

    atman). Penso que Jung misturou essas duas filosofias em seu texto. O mago desses conceitos,

    quando misturados, poderia causar confuso naqueles versados no Yoga, mas os termos usados

    por Jung so compreensveis dentro do contexto da Psicologia Analtica.

    Em uma entrevista com Serrano, Jung deixa clara sua correlao do Si Mesmo com Purusha ou

    atman (Serrano, 1970, p. 67):

  • ... Aquilo que chamo de Si Mesmo um centro ideal, equidistante do ego e do inconsciente,

    equivalendo, de certa forma, expresso mxima e natural de uma individualidade, seu

    complemento ou complementao, sua totalidade. A natureza anseia por expressar-se esgotando

    suas possibilidades. O Homem tambm. O Si Mesmo essa possibilidade de complementao, de

    totalidade. Por isso um centro ideal, uma criao, um sonho da natureza. Os hindus so sbios

    nesse assunto. O Purusha o Si Mesmo. Tambm atman algo semelhante.

    Mas, se a dissociao entre o todo, Brahman, e a personalidade humana, atman, causa sofrimento,

    o que fazer para cessar todas as aflies (duhkha)? para responder a tal pergunta que surge o

    Yoga.

    Yoga vem do Snscrito, e significa unir, jungir, atrelar, cangar. Sua traduo mais usual unio,

    ou seja, uma tcnica para unir ou religar a conscincia inferior Realidade (Brahman). Portanto,

    Yoga tanto um estado, um fim, como um meio, ou uma tcnica adequada para se alcanar o mais

    nobre objetivo da vida humana: a libertao dos condicionamentos e de todo o sofrimento

    (Taimini, 2004).

    Kundalini Yoga

    O Yoga surgiu em uma cultura na qual os mestres se isolavam para buscar seu crescimento pessoal

    atravs da introspeco. Com a observao de si mesmo, desenvolveram, ao longo dos anos,

    diferentes tcnicas, todas com o objetivo de transformar e elevar estados mais baixos de

    conscincia.

    Como o ser humano, em seus diversos perfis, aprende e apreende a vida de forma distinta, muitas

    tcnicas foram desenvolvidas, havendo mais de 200 escolas de Yoga que se baseiam em sete

    ramos principais: Raja Yoga, Hatha Yoga, Jnana Yoga, Bhakti Yoga, Karma Yoga, Mantra Yoga e

    Tantra Yoga. Existem, ainda hoje, definies discordantes sobre o que seria Tantra Yoga,

  • Kundalini Yoga e Laya Yoga; alguns acreditam serem escolas diferentes, ou seja, cada uma delas

    conteria, em sua prtica ou em sua filosofia, algum quesito diferente da outra linha; enquanto

    outros estudiosos atestam que essas trs formas de Yoga seriam, na verdade, o mesmo sistema de

    pensamento e de prtica (Feuerstein, 2003).

    Neste trabalho vamos seguir os estudiosos que unificam as trs linhas (Tantra Yoga, Kundalini

    Yoga e Laya Yoga). Para o Tantra Yoga, corpo e mente so considerados unos, sendo o corpo um

    veculo da mente para se atingir a transcendncia. O sistema de trabalho com a kundalini

    basicamente tntrico em sua origem; age atravs da unio da psique com a matria, e da mente

    com o corpo fsico

    Conforme Shamdasani (1996, p.xxii): [ Traduo livre ]

    O tantrismo foi um movimento religioso e filosfico que se tornou popular a partir do sc. IV,

    sendo influenciado pela filosofia, tica, arte e literatura indiana. Segundo Agehananda Bharati, o

    que distingue o tantrismo do hinduismo ou do budismo, sua nfase na identidade do absoluto e

    do fenomenal em suas formas de adorao. Em seus rituais so usados elementos normalmente

    banidos de outros rituais religiosos tradicionais, tais como o vinho, a carne, o peixe, gros secos e

    a relao sexual, pois o Tantra acredita no espiritual e sagrado de todas as coisas. O tantrismo

    anti-ascetismo* e anti-especulativo**, rejeita o sistema de castas e celebra o corpo (reconhecido

    como o microcosmo do universo), representando uma corrente transgressiva ao hinduismo. No

    Tantra, se reconhece pela primeira vez na histria da ndia a importncia da deusa e a

    redescoberta do mistrio da mulher***.

    * Ascetismo o movimento no qual a iluminao deve se dar atravs de uma forma de vida de

    recluso dos prazeres do corpo e da matria.

    ** Anti-especulativo significa que o Tantra no se prope a explicar nada, sendo eminentemente

    prtico.

    *** O Tantrismo deu legitimidade filosfica ao princpio psicocsmico feminino (chamado

    shakti), que j era reconhecido havia muito tempo nos cultos locais a divindade feminina

    (Feuerstien, 1998).

    O sistema Tntrico prope sete centros de energia, com seus respectivos campos de atividade,

    denominados chakras.

    Os chakras esto conectados entre si por canais de energia, as nadis. So eles: Muladhara,

    Svadhisthana, Manipura, Anahata, Vishuddha e Ajna, e o stimo centro que transcende a

    existncia corporal, denominado Sahashara, no topo ou acima do topo da cabea (Feuerstein,

    1997). [ Os chakras e as nadis so considerados por autores ocidentais como Feuerstein (1989,

    p.258): verses idealizadas de estruturas do corpo sutil, criadas para guiar a visualizao do

    yogue. ]

  • A kundalini representada na forma de uma

    serpente que deita adormecida em Muladhara. Feuerstein (1989) a define como uma

    manifestao no microcosmo (o corpo) da energia primordial do universo, que, atravs do corpo,

    se conecta com o corpo-mente finitos. , estrutura que significa canal, conduto, veia ou artria.

    Portanto, nadis so qualquer uma das veias ou artrias por onde circula o sangue e/ ou qualquer

    um dos canais sutis por onde circula a fora vital. Afirma-se que h 72.000 nadis, mas trs so

    mais significativas para o Kundalini Yoga: ida (energia da lua, representao do poder feminino,

    conectada narina esquerda); pingala (energia do sol, representao do poder masculino,

    conectada narina direita) e sushumna (um canal neutro situado empiricamente no centro da

    medula espinhal, por onde a energia da kundalini pode subir desde a base da coluna, localizao

    emprica do primeiro chakra, at o topo da cabea, localizao emprica do stimo centro

    psicoenergtico, sahashara) (Pandit M. D., 2007).

    Microcosmo significa pequeno arranjo ou pequeno universo, e refere-se ao ser humano que a

    imagem de seu criador. O microcosmo contm tudo que o macrocosmo possui, parte inseparvel

    dele; por isso, o microcosmo contm em si o evoludo e o no evoludo, o implcito e o explcito, o

    ativo e o latente, energia, fora, matria, substncia, qualidades e tudo mais. A origem dos dois

    a mesma e seu futuro tambm (Ravindra, 2000).

    O objetivo do Kundalini Yoga despertar a energia da kundalini atravs de tcnicas meditativas

    e prticas especficas do Yoga. Assim, a energia ascende atravs de uma passagem estreita na

    medula espinhal (o sushumna nadi) [Sushumna nadi o canal central atravs do qual a fora

    vital flui do chakra na base da coluna at o topo da cabea. o caminho secreto pelo qual se

    transcende a dinmica da polaridade entre as correntes psicoenergticas direita e esquerda,

    conquistando a realizao do Si Mesmo (Feuerstein, 1997). ] e passa pelos seis centros de energia

    (os chakras), antes de atingir sua residncia final, o stimo centro, sahashara. A se dar a unio

    da energia feminina (a energia da kundalini, ou seja, a manifestao da energia primordial do

    universo) com a masculina (a energia da conscincia), e nesse contexto, haver a transformao

    da personalidade em um sentido evolucionrio de supraconscincia. Aqui ambos os hemisfrios

    cerebrais tornam-se calmos, cessa o dilogo interior, perde-se o sentido de tempo e espao, e as

    falsas noes do mundo fenomenolgico se fundem ao todo (Johari,1990, p.106).

    Para Pandit M. D. (2007, p.201):

  • O despertar da kundalini no se refere a uma simples modificao glandular ou a um desvio

    na atividade hormonal do organismo. Envolve, nitidamente, a operao de um novo poder no

    corpo, e a ativao de uma rea silente no crebro, chamada a cavidade de Brahma (Deus).

    o alvo da prtica do yoga e o verdadeiro objetivo das disciplinas espirituais.

    Segundo Avalon* (1964, nota da contra-capa):

    A kundalini, a serpente de poder, mitologicamente falando, um aspecto de Shakti**, esposa de Shiva***; filosoficamente a energia criativa que forma a mente e a matria, o poder fundamental que d vida a todo o organismo. Ela a energia csmica divina que repousa na rea mais baixa ou densa da matria; no corpo estaria localizada na base da coluna vertebral, em muladhara, o chakra da base. Ela o poder da matria para se saber a si mesma. Ela a Deusa, o corao de muitas religies Orientais, no somente do hinduismo.

    * Sir John Woodroofe, pseudnimo de Arthur Avalon, foi Procurador Geral em Bengali e diretor da Suprema Corte de Justia em Calcut, e tambm lecionou advocacia na Universidade de Calcut. Quando voltou para a Inglaterra, se tornou orador das leis indianas na Universidade de Oxford. Alm de seus deveres judiciais, estudava o Snscrito e a filosofia Hindu, especialmente o sistema Shkti Tantra. Como o primeiro ocidental a ter um profundo conhecimento sobre o Tantra, teve um importante papel na popularizao do assunto. Seu mais popular e influente livro, uma grande contribuio ao entendimento da filosofia e espiritualidade indiana, o The Serpent Power_ The secrets of Tantric and Shaktic Yoga (1964), que a fonte da maioria das prticas de Kundalini Yoga no Ocidente. ** Shakti o princpio dinmico e criativo da existncia, feminino e personificado por Shakti, a divina consorte de Shiva. (Feuerstein,1997). *** Shiva um dos deuses da trindade da ndia medieval. concebido como o destruidor do universo, mas, em uma perspectiva espiritual, seu poder destrutivo tem como objetivo o descondicionamento do ego para que ele se torne permevel luz (Feuerstein, 1997).

  • Para proporcionar ao leitor uma percepo mais clara do que se acredita possvel com o despertar

    da kundalini, cito a seguir um trecho do livro de Gopi Krishna (2004) [Gopi Krishna (1903-1984)

    nasceu prximo a Caxemira, ndia. Devotado ao Yoga e meditao, escreveu 16 livros,

    apresentando para o Ocidente uma viso clara do fenmeno da kundalini (Krishna, G., 2004).],

    no qual ele relata os sintomas pelos quais passou durante esse processo, como alteraes bruscas

    de humor, apatia, percepes estranhas de si e do mundo e etc. O livro permeado de descries

    suas e de outras pessoas que passaram por experincias similares:

    ... Com o despertar da kundalini inicia-se uma espantosa atividade em todo o sistema nervoso, do alto da cabea aos dedos dos ps. O corpo se torna um laboratrio em miniatura, funcionando em alta velocidade, noite e dia. Nos documentos chineses, tal fenmeno descrito como a circulao da luz, e nos manuais indianos, como a subida de Shakti, ou energia vital. Por todas as partes do corpo, nervos cuja existncia jamais percebida ordinariamente, so agora forados por algum poder invisvel, a um novo tipo de atividade, que pode ser percebida pelo indivduo tanto de maneira imediata quanto gradual. Atravs de todas as suas inumerveis terminaes, os nervos comeam a extrair uma essncia semelhante ao nctar dos tecidos vizinhos. Esta essncia apresenta-se de duas formas distintas, uma como radiao, outra como essncia sutil, que flui para a medula espinhal. Uma poro desta essncia inunda os rgos reprodutores, tornando-os anormalmente ativos, como se para manterem o mesmo ritmo de atividade de todo o sistema nervoso. A radiao, aparecendo como uma nuvem luminosa na cabea, flui para o crebro, e, ao mesmo tempo, corre atravs dos nervos, estimulando todos os rgos vitais, em particular os da digesto, a fim de ajust-los s funes da nova vida introduzida no organismo. Em outras palavras, o despertar da kundalini denota o fenmeno do renascimento, aludido em termos claros ou velados no saber religioso da humanidade[Esse fenmeno de transformao ou renascimento mencionado por Cristo em linguagem metafrica quando de seu dilogo com Nicodemus: Em verdade, vos digo que aquele

    que no nascer da gua e do Esprito no pode entrar no reino de Deus. O que nascido da

    carne carne, e o que nascido do Esprito Esprito. No vos maravilheis em vos ter dito:

    necessrio vos nascer de novo (Bblia Sagrada: Joo 3.6. apud Krishna, G., 2004, p.52).]. Uma conexo mais poderosa e direta ento estabelecida entre o indivduo e a conscincia universal (Gopi Krishna, 2004, p.56)...

    Ainda para Gopi Krishna (2004, p.126):

    Minha humilde contribuio pessoal antiga tradio da kundalini - no uma hiptese

    especulativa, mas o resultado direto de minha experincia - que esse reservatrio adormecido

    de bioenergia no somente responsvel pela experincia mstica, e os ainda desconcertantes

    fenmenos psi, como pelo atualmente no localizado e ainda questionado mecanismo

    evolucionrio nos seres humanos, e tambm pela fonte originria do gnio e do talento

    extraordinrio.

    Gopi Krishna deixa bem clara sua crena de que o despertar da kundalini, possibilidade inerente

    a todo ser humano, contm indicaes preciosas sobre as normas de vida e organizao da

    sociedade, necessrias satisfao do impulso evolucionrio da espcie que caminharia na

    direo de uma supraconscincia. Trata-se de uma conscincia csmica, um estado perene de

    percepo, isento de altos e baixos, desprovido de complexos, tenses, ansiedades, neuroses e

    medos, com um firme controle da mente e do corpo, um estado de xtase inexcedvel e supra-

  • humano. [ O filme Ram Dass: Fierce Grace (2002) do diretor Mickey Lemle proporciona uma

    bela imagem dessa chamada conscincia csmica. ]

    Jung e o Oriente

    J em 1912, Jung fez interpretaes sobre os Upanishads [Os Upanishads so consideradas a

    essncia filosfica da mais antiga sabedoria dos Vedas; alguns autores acreditam que foram

    escritas mais de 1.180 Upanishads, com data de elaborao provvel variando de 800 a 200 a.

    C. No se admite que as Upanishads possam ser compreendidas da mesma forma que um texto

    de filosofia ocidental; ela entendida por meio de uma transformao daquele que a escuta ou

    l, uma vez que fala sobre aquilo que no pode ser descrito (Brahman, Atman) e transporta o

    leitor para vivenciar essa realidade (Tinoco, 2005).] e o Rig Veda [Rig-Veda ou o

    Conhecimento de Louvor a mais antiga das colees vdicas. No se sabe ao certo, mas pode

    datar de 3000 a.C. ou antes disso. Embora ainda no houvesse um caminho sistemtico do

    Yoga, vrias ideias e prticas importantes so prenunciadas nesse hinrio, e seus ensinamentos

    podem ser chamados de Yoga Arcaico (Feuerstein, 1997).], textos ancestrais para o hindusmo,

    em sua obra Smbolos da Transformao (Jung, v.V, 1986). A partir de 1920, passou a

    frequentar a Escola de Sabedoria [A Escola de Sabedoria foi fundada em Darmstadt, na

    Alemanha, em 1920. Era designada para facilitar e promover o entendimento individual sobre

    o sentido da vida numa abordagem holstica e multicultural. O objetivo da Escola no era o

    acmulo de conhecimento, mas a transformao do ser. Entendia a aquisio de sabedoria

    como uma percepo pessoal do seu papel no infinito e no mundo.], fundada por Hermann

    Keyserling [Hermann Keyserling foi o primeiro pensador ocidental que concebeu uma

    cultura planetria, alm do nacionalismo e da cultura etnocentrista baseada no

    reconhecimento da igualdade de valores das culturas e filosofias no ocidentais.], onde

    conheceu e realizou colaboraes com pensadores dos sistemas orientais, tais como Richard

    Wilhelm, Heinrich Zimmer, Walter Evans-Wentz, Wilhelm Hauer entre outros. Em 1929,

    publicou em conjunto com Richard Wilhelm O Segredo da Flor de Ouro, um Livro de Vida

    Chins [O livro contm a traduo de um velho texto chins ao qual Jung acrescentou

    comentrios europeus.] anteriormente, no mesmo ano, ambos haviam publicado uma verso

    resumida do mesmo livro Dschang Scheng schu: a Arte de Prolongar a Vida Humana.

    Entre 1930 e 1932, Jung realizou seminrios intitulados Paralelos Ocidentais, nos quais

    discorreu sobre os paralelos psicolgicos entre o Ocidente e o Oriente, j abordando o Kundalini

    Yoga e as interpretaes simblicas dos chakras. Em 1932, o indologista Wilhelm Hauer, aps

    uma frtil correspondncia com Jung, apresentou seis seminrios no Clube de Psicologia em

    Zurique, intitulados Yoga, significado dos chakras, sendo seguido por Jung, que apresentou

    quatro seminrios intitulados A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga. Nestes

    seminrios, que so usados como referncia do presente trabalho, Jung procura estabelecer um

    encontro entre o sistema de chakras e a Psicologia Analtica, aprofundando a ideia do Kundalini

    Yoga como fonte de representao simblica da experincia interna e do processo de

    individuao.

    Jung manteve por toda a vida uma produo dedicada ao tema: comentou sobre o Yoga Sutra

    dePatnjali [Patanjali foi uma grande autoridade em Yoga que viveu provavelmente no sculo

    II D.C.] ; o Amitayur-Dhyans-Sutra [Amitayur-Dhyans-Sutra um texto do hindusmo

    indiano]e o Shrichakrasambhara [Shrichakrasambhara um texto tntrico que oferece

    mtodos para a criao de imagens mentais mandlicas]

    Em 10 de maio de 1930, em Munique, no discurso comemorativo de morte do seu amigo pessoal

  • Richard Wilhelm, Jung (apud Shamdasani, 1996) pronunciou: , entre 1938 e 1939, em palestras

    ministradas na Eidegnossische Technische Hochschule (Instituto de Tecnologia Federal da

    Sua). Tambm publicou dois artigos com suas impresses a respeito da viagem que fez ndia -

    O Mundo de Sonhos da ndia e O que a ndia Pode nos Ensinar (Jung, v.X/3, 2000); artigos

    especficos em relao religio indiana: Yoga e o Ocidente (Jung, v.XI/5, 1980) e A Psicologia

    da Meditao Oriental (Jung, v.XI/5, 1980) ), alm de um prefcio para o trabalho de Heinrich

    Zimmer, O Caminho para o Self (Jung, v.XI/5, 1980).

    ... Quando Roma subjugou politicamente o Oriente, o esprito do Oriente penetrou em Roma;

    assim, sem que os romanos percebessem, Mithras* se tornou seu deus da milcia. ... Atualmente

    a Europa subjuga politicamente o Oriente, ser que o esprito do Oriente no estaria da mesma

    forma penetrando em nossa cultura? Sei que nosso inconsciente est abarrotado de simbolismos

    do Oriente, e acredito que haver um grande impacto do pensamento oriental sobre a psicologia

    ocidental...

    * As primeiras referncias ao deus Mithra foram encontradas na sia e datam do sculo 14 a.C. As referncias mais antigas de uma adorao ao deus no Ocidente datam do sculo 5 d. C. Mithras seria considerado o grande mestre de dez mil olhos, o mais poderoso entre os deuses, o mais forte dos mais fortes. Conta-se que teria sido trazido a Roma, onde se tornou o grande deus das milcias, por piratas da sia Menor no sculo 1 a.C.

    Em 1938, foi convidado pelo governo britnico para participar das festividades do 25 jubileu da

    Universidade de Calcut, quando viajou por trs meses pela ndia. Em suas memrias (1963),

    conta que estava profundamente convencido do valor da sabedoria oriental. Jung teve a

    oportunidade de falar com representantes da mentalidade indiana, evitando propositadamente

    homens santos, por acreditar que devia contentar-se com sua prpria verdade, no aceitando

    nada que no pudesse atingir por si mesmo (Jung, 1963, p.242).

    Ele ficou muito impressionado com o fato de a espiritualidade indiana conter tanto o Bem quanto

    o Mal, uma vez que identificava na mentalidade crist uma busca pelo Bem e uma averso ao Mal.

    Assim, a espiritualidade indiana no lidaria com esta polarizao, mas sim com o todo, estado que

    procura obter atravs da meditao, ou do Yoga. Portanto, a forma de se entender o mundo j

    diferente desde o incio: ns (ocidentais) enxergamos os polos e os orientais, o todo.

    Em suas memrias Jung (1963) relatou que durante sua estadia na ndia, aps ter sido internado

    por uma crise de disenteria, teve um sonho (citado abaixo) que o fez entender que deveria voltar

    s preocupaes negligenciadas h muito tempo, e que interessavam ao Ocidente. A apario

    do mito do Graal no sonho sugeriu-lhe que deveria se voltar para as coisas de sua prpria cultura:

    era como se o sonho me perguntasse: que fazes na ndia? melhor que procure para teus

    semelhantes o clice da salvao, o salvator mundi de que tens tanta necessidade. No est a ponto

    de demolir tudo o que os sculos construram? (op. cit., p. 248). Com esta concluso, conta que

    optou por apagar suas impresses hindus, intensas como eram, e mergulhar em seus textos

    alquimistas latinos.

    Apresento abaixo o sonho em verso resumida (Jung, 1963, p.246):

    Era uma ilha desconhecida perto da costa sul da Inglaterra, estvamos (eu e um grupo de

    turistas) no ptio de um castelo medieval; na sua frente elevavam-se torres com escadas que

    desembocavam numa sala com colunas iluminada por velas, onde seria a Celebrao do Graal.

    Tinha um professor alemo que impressionava pela sua erudio e inteligncia, mas falava sem

  • cessar de um passado morto e expunha sabiamente as relaes entre as fontes inglesas e

    francesas da histria do Graal. Ele parecia ignorar o ambiente imediato e real, comportava-se

    como se estivesse em uma sala de aula, no via a escada, nem as luzes, nem a festa que estava

    por vir.

    A cena mudou e todos ns, com exceo do professor alemo, estvamos fora do castelo, amos

    para o norte em busca do Graal; aps uma extenuante caminhada, j era noite e s havia

    rochedos, e o grupo se deitava sonolento. Descobri que um brao de mar dividia a ilha em duas

    metades, em sua parte mais estreita a largura do brao de mar era de uns 100 metros, refleti

    que eu deveria atravessar o canal a nado em busca do Graal, e quando ia me despir, acordei.

    Ao ler esse sonho e a respectiva interpretao de Jung, ficou

    ainda mais clara sua dificuldade de se despir de seus valores e ideias e mergulhar nas guas em

    busca do Graal. O quanto, defendido, no pde se reconhecer no professor alemo sbio e erudito

    que no era capaz de ver toda aquela realidade impressionante que se manifestava a sua frente?

    Como Jung, que acredita em uma estrutura psquica arquetpica compartilhada pela humanidade,

    pde entender que a busca do Graal algo que s se relaciona com o Ocidente?

    Enfim, esses questionamentos, que so re-abordados no decorrer deste trabalho, no tm o

    intuito de desmerecer o mestre, mas sim de relativizar suas consideraes sobre o Kundalini Yoga,

    construdas sob a perspectiva de um ocidental que, aparentemente, no se deixou tocar pelas

    guas do Oriente. Mesmo assim, e apesar das crticas dos pensadores orientais (abaixo citadas),

    entendo que Jung pde dar ao Ocidente, como sempre, uma grande contribuio em relao ao

    sistema de chakras, ainda que de forma racional; afinal, a razo uma funo da conscincia que

    auxilia o ser humano, nesta grande obra da vida, que dar luz escurido...

    Ao ler sobre o Kundalini Yoga em textos de Yoga escritos por orientais, tive a oportunidade de

    conhecer suas opinies sobre a viso de autores da Psicologia Ocidental frente a esse

    conhecimento. Quando ns (ocidentais) nos deparamos com o desconhecido, tendemos a

    racionalizar, categorizar, julgar..., aes que talvez no favoream o entendimento real da

    sabedoria oriental, cujo grande valor est exatamente na no racionalizao, na no

    categorizao, no no julgamento, e sim na experimentao, na aceitao, no todo...

  • Destaco a seguir algumas crticas de autores orientais:

    Gopi Krishna (2004, p. 139):

    Uma vez que a experincia mstica e os conceitos da religio no se ajustavam sua hiptese,

    Freud empreendeu tranquilamente a tarefa de demolir todo o edifcio da religio e do

    sobrenatural. Em sua opinio, as duas coisas nada mais eram seno estados patolgicos da

    mente, uma regresso ao narcisismo infantil...

    Gopi Krishna (2004, p. 57):

    ...Uma antiga obra chinesa, O segredo da Flor de Ouro, contm indicaes indiscutveis sobre o

    processo do despertar da kundalini, e ningum com algum conhecimento sobre o tema deixaria

    de perceb-las. No obstante, C.G. Jung, em seu comentrio sobre o livro, inteiramente

    preocupado com suas prprias teorias a respeito do inconsciente, encontra na obra apenas

    material para confirmao de suas ideias, nada alm disso. O mesmo aconteceu em um

    seminrio feito por ele sobre o tema kundalini. Nenhum dos homens cultos presentes, segundo

    fica evidente pelos conceitos que expressaram, exibiu o menor conhecimento sobre o real

    significado do antigo documento que discutiam no momento.

    Shankar (2008, p. 50):

    Normalmente ns nos limitamos. Dizemos: - eu sou do Oriente, eu sou do Ocidente. - Quando

    nos identificamos com algo limitado, a habilidade para amar tambm se torna limitada. O saber

    tambm se torna limitado.

    Jung e o Kundalini Yoga

    Jung conta que teve seu interesse despertado pelo Kundalini Yoga aps o atendimento de uma

    paciente que crescera no Oriente, cujos sonhos e fantasias s foram adequadamente entendidos

    por ele aps seu contato com o livro de Avalon (1964), A Serpente do Poder.

    Jung insistia na tentativa de demonstrar de formas diferentes e em culturas diferentes a dualidade

    da psicologia humana - de um lado, o aspecto pessoal, no qual somente as questes pessoais

    teriam significado; de outro, uma psicologia na qual o aspecto pessoal seria desinteressante e

    ilusrio, valorizando-se a experincia humana impessoal, ou arquetpica, ou seja, aquela que est

    presente nas razes compartilhadas que formam a espcie.

    Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.26):

    Voc deve existncia destes dois aspectos (o pessoal e o impessoal) o fato de ter conflitos

    fundamentais, de ter a possibilidade de um outro ponto de vista, de modo que voc possa criticar

    e julgar, reconhecer e entender a si mesmo. Pois quando voc s um com uma coisa, voc

    completamente idntico, voc no pode compar-la, voc no pode discriminar, voc no pode

    reconhec-la... ...seria impossvel julgar este mundo (pessoal) se voc no tivesse tambm um

    ponto de vista de fora (impessoal), e isso dado pelo simbolismo das experincias religiosas.

    O despertar da kundalini pode ento ser percebido como esta experincia religiosa ou mstica que,

    de um ponto de vista simblico, alude ao processo do despertar da parte impessoal que se passava

    na paciente acima citada, e que se passa, potencialmente, em todos ns. Portanto, para Jung, a

    descrio do despertar da kundalini atravs do sistema de chakras uma rica fonte de

  • representaes simblicas da experincia interna e do processo de individuao, assim definindo-

    o em termos psicolgicos:

    O Kundalini Yoga foi originalmente um processo de introverso, esta introverso proporcionou

    a percepo e a caracterizao de processos internos de transformao. Aps muitos milhares

    de anos, esta percepo se tornou uma metodologia organizada que atua atravs de vrios

    caminhos diferentes. O conceito de kundalini tem para ns somente um uso; descrever nossas

    prprias experincias com o inconsciente, as experincias que tm a ver com a iniciao dos

    processos supra-pessoais (apud Shamdasani, 1996, p.xxix).

    importante ressaltar que Jung sempre fez questo de reafirmar seu posicionamento no tocante

    a manter-se na interpretao psicolgica da filosofia yogue, no acreditando que as tcnicas

    yogues surtissem efeito prtico em um ocidental. Argumentava que tais tcnicas no teriam

    correlao com nossa (dos ocidentais) psique profunda; assim, estaramos apenas imitando um

    comportamento, sem sermos de fato tocados por ele. Jung acreditava que a prtica do Yoga

    poderia fazer mal a um ocidental, podendo, inclusive, causar estados de loucura. Assim, os

    Ocidentais criariam, ao longo dos sculos, sua forma prpria de Yoga baseada nos princpios do

    cristianismo (Jung apud Shamdasani, 1996, p.xxx).

    Outros autores ocidentais que se interessavam pela cultura oriental tambm no acreditavam que

    os exerccios de Yoga, que estavam sendo popularizados por Vivekananda [Swami

    Vivekananda foi um monge, yogue e filsofo hindu. Propagador da filosofia Vedanta, assim

    como dos quatro principais ramos do Yoga, Karma Yoga, Bhakti Yoga, Jnana Yoga e Raja Yoga,

    alm de inovador no esforo de examinar os pontos de convergncia do pensamento ocidental e

    oriental acerca de temas ligados tica e espiritualidade. Participou de um congresso de

    Religies Mundiais em Chicago em 1893, onde conquistou notoriedade.] na Amrica, estivessem

    proporcionando um bem. Keyserling (apud Shamdasani, 1996, p. xxxi), por exemplo, afirmou: ...

    nenhum americano tinha, por conta dos exerccios de respirao, atingido um estgio de

    iluminao, mas, ao contrrio, muitos teriam ficado loucos.... Na mesma publicao, Keyserling

    acrescenta:

    Os conceitos indianos so aliens para ns Ocidentais. A maioria das pessoas incapaz de se

    relacionar profundamente com eles. Alm disso, psicologicamente ns somos cristos, tendo ou

    no conscincia do fato, assim qualquer doutrina que estiver embasada pelo cristianismo ter

    uma chance maior de nos tocar internamente do que uma doutrina, por mais profunda que seja,

    mas estrangeira (op. cit, p.xxxi).

    Continuao:

    As Conferncias sobre o Kundalini Yoga

    Como j relatado anteriormente, Wilhelm Hauer apresentou seis seminrios intitulados Yoga,

    Significado dos Chakras no Clube de Psicologia em Zurique, sendo seguido por Jung, que

    conduziu quatro seminrios, intitulados A Interpretao Psicolgica do Kundalini Yoga, nos

    quais discorreu sobre o simbolismo do sistema de chakras. Esses seminrios foram compilados

    por Mary Foote, e o material ficou acessvel por muito tempo apenas em edies mimeografadas

    privadas, sendo publicado em 1996 por Sonu Shamdasani, dando origem ao livro: The Psychology

    of Kundalini Yoga- Notes Of The Seminar Given In 1932.

  • O sistema de chakras

    Partindo do princpio de que o microcosmo (o ser humano) surgiu do macrocosmo (o Universo),

    podemos aferir que ambos so a mesma coisa, compartilhando das mesmas energias, elementos

    e tudo o mais. Desta forma, o corpo humano troca continuamente energia com o cosmo, que

    processada por centros de energia, ou vrtices psicoenergticos chamados de chakras (Ravindra,

    2000).

    Chakra em snscrito significa roda, crculo e ciclo. Os chakras se localizam no corpo sutil [Corpo

    Sutil: O Yoga concebe o corpo humano como um complexo sistema hierrquico de invlucros,

    cada um vibrando em uma frequncia ou grau de sutileza diferente. No nvel mais baixo est o

    corpo fsico, no mais elevado o corpo da Realidade Transcendente. Entre esses dois extremos

    h uma srie de involtrios corporais intermedirios, que no so normalmente acessveis

    percepo consciente (Feuerstein, 1997).]

    Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p.8): Para a mente Oriental uma abstrao uma

    realidade j em existncia completa, que poderia realmente tornar-se visvel para eles, uma vez

    que eles podem visualizar qualquer conceito, mesmo que abstrato. do ser humano, formando o

    corpo composto de energia vital. Por no serem tridimensionais no podem ser observados

    fisicamente no corpo. Atravs do Yoga e da meditao, seria possvel visualiz-los em sua forma,

    cor e outras propriedades. Os chakras so considerados por autores ocidentais como Feuerstein

    (1989, p.258): verses idealizadas de estruturas do corpo sutil, criadas para guiar a visualizao

    do yogue.

    A representao grfica dos chakras usualmente feita por flores de ltus, cujos crculos em cores

    foscas contm de dentro para fora: uma letra do alfabeto snscrito; um animal; uma forma

    geomtrica; duas divindades, uma feminina e uma masculina; alm de um nmero especfico de

    ptalas para cada chakra, inscritas tambm com letras em snscrito.

    Cada detalhe grfico analisado nos textos clssicos (Avalon, 1964; Leadbeater,1985), sendo um

    rico material para amplificaes simblicas. A letra no centro do chakra representa seu som ou

    bija (a semente), ou seja, tudo que o chakra em potencial; o animal denota o carter, a motivao

    do respectivo chakra; j as formas geomtricas tm explicaes extensas e variveis. Destaco

    abaixo um trecho em que Leadbeater (1985, p.125) expe o seu ponto de vista sobre elas:

    ...assim como existe um ter luminoso que transmite a luz aos olhos, h uma modalidade especial

    de ter para o olfato, paladar, ouvido e tato. Esses sentidos estariam relacionados com as formas

    geomtricas; o olfato com o elemento slido (quadrado), o paladar com o lquido (meia lua), a

    vista com o gasoso (tringulo), o tato com o areo (hexgono) e o ouvido com o etrico (crculo)...

    ..., pois o som se propaga em crculos, a luz em forma de tringulo, e as propagaes para as

    vibraes do paladar, olfato e tato acabam gerando as formas correspondentes nas representaes

    dos chakras.

    As Divindades variam segundo a fonte estudada, e carregam em seus inmeros braos objetos

    diversos que representam os atributos necessrios ao yogue para conquistar a energia associada

    ao chakra. O nmero de ptalas seria determinado pela potncia de energia que passa pelo

  • respectivo chakra. As letras em snscrito desenhadas nas ptalas indicam o som que o praticante

    deve meditar, seguindo a sequncia na qual aparecem, da direita para a esquerda (Avalon, 1964).

    Leadbeater (1985) complementa relembrando que, para o Yoga, o alfabeto snscrito inclui a soma

    total dos sons da voz humana, podendo ser a manifestao material da Palavra Criadora. O

    alfabeto snscrito contm cinquenta letras - 49 e mais a letra ksha - que esto presentes no

    conjunto formado pelos seis chakras. A meditao sobre elas (nota-se que medida que se

    ascende na ordem dos chakras h maior nmero de ptalas, portanto, maior nmero de

    ramificaes da energia primria) influiria no alcance do som interno que apagaria o som externo.

    Para Avalon (1964), esses smbolos tm a funo de apresentar as qualidades energticas que

    reinam em cada um desses centros de energia. J Leadbeater (1985) afirma que nem todos os

    smbolos contidos na representao dos chakras seriam parte integrante deles, uma vez que

    smbolos de sabedoria e devoo apareceriam de forma recorrente, com o intuito de lembrar ao

    praticante dos esforos necessrios para se atingir o estado de Yoga (unio da alma com Deus).

    Seriam eles: o amor perfeito (devoo a Deus em todo o tempo), o pensamento perfeito (estudo

    das coisas espirituais) e a ao perfeita (esforos de purificao).

    Segundo Jung (apud Shamdasani, 1996, p.60-1):

    Os chakras so smbolos; juntam na forma de imagem grupos de ideias e fatos complexos e

    mltiplos. ... Eles simbolizam fatos psquicos altamente complexos que no momento presente no

    nos possvel expressar, exceto em imagens. Os chakras so, portanto, de grande valor para ns,

    porque representam um esforo real de fornecer uma teoria simblica da psique. A psique algo

    to altamente complicado, to vasto em extenso e to rico em elementos desconhecidos para ns,

    e seus aspectos se sobrepem e se entrelaam em um grau to surpreendente, que ns sempre nos

    voltamos para smbolos para tentar representar o que sabemos sobre ela. Qualquer teoria sobre

    isso seria prematura, porque se tornaria emaranhada em particularidades e perderia a viso da

  • totalidade que decidimos considerar. Os smbolos dos chakras nos proporcionam um ponto de

    vista que se estende alm do consciente, so intuies sobre a psique como um todo, sobre suas

    vrias condies e possibilidades. Eles simbolizam a psique de um ponto de vista csmico.

    Muladhara - o chakra da base

    H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio da terra abrange desde os ps at os

    joelhos. de forma quadrada, da cor amarela e tem a letra Lam. Deve-se meditar sobre esta regio

    aspirando com a letra lam ao longo da regio dos ps at os joelhos, e contemplando o

    quadrifaceado Brahma cor de ouro (Upanishad Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).

    Aquele que medita em muladhara torna-se o lorde da palavra, o rei dos homens, competente para

    adquirir qualquer tipo de conhecimento. Ele tambm fica livre de todas as doenas, e seu esprito

    se enche de alegria (Avalon, 1964, p.354).

    Muladhara tem como traduo literal o suporte das razes; onde se localiza a raiz de sushumna

    e de todos as nadis. tambm em muladhara que a kundalini, representada na forma de uma

    serpente enrolada trs vezes e meia ao redor de um linga [Linga a representao da genitlia

    masculina, a Deidade masculina associada Shiva. Metafisicamente, representa a potncia ou

    poder inimaginvel da criatividade antes da criao do mundo (Feuerstein, 1997).]

    Muladhara, localizado na base da coluna vertebral, representado por uma flor de ltus com

    quatro ptalas, nas quais h letras escritas em dourado (vam, sam, sam e sam). Sua essncia

    prthivi ou a terra. Seu centro est inserido em uma forma quadrangular. Seu bija lam, que est

    apoiado sobre um elefante e carrega a imagem de Brahma, encontra-se adormecida, com sua

    cabea apoiada na entrada de sushumna (Avalon, 1964). [Brahma o criador na trindade

    clssica do hindusmo, sendo os outros dois deuses Vishnu e Shiva. No deve ser confundido com

  • Brahman, o absoluto impessoal alm de todas as distines (Feuerstein, 1997).]

    Abaixo do bija e sobre o elefante est o trikona ou tringulo invertido, que uma representao

    da Yoni, a genitlia feminina. O trikona aparece nos chakras da base, no cardaco e no frontal.

    Smbolo do princpio feminino, representa o poder da vontade, da sabedoria e da ao. Em cada

    trikona h trs ns especiais ou granthis, atravs dos quais a kundalini tem que abrir passagem.

    Compara-se a perfurao desses ns pela kundalini perfurao dos ns de uma vara de bambu

    por uma barra de ferro quente. (Feuerstein, 1997). O primeiro n costuma ser chamado de o n

    de Brahma; o segundo, o n de Vishnu, o criador. A deusa ao seu lado a portadora da revelao,

    do conhecimento e da essncia das coisas (Avalon, 1964). [Na trindade da ndia medieval, Vishnu

    representa o princpio da preservao (Feuerstein ,1997).]

    Para Feuerstein (1997), esses ns significam desejo, ou mesmo dvida, que devem ser removidos

    para que ocorra a realizao do Si Mesmo. e o terceiro, o n de Shiva.

    Dentro de cada trikona, a Deidade masculina est representada na forma de um linga (Avalon,

    1964).

    Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em muladhara a conscincia est emaranhada nas razes

    deste mundo, na realidade que tocamos, no aspecto sthula [O aspecto sthula diz respeito s

    coisas como as vemos, o mundo concreto, seria o que supomos das coisas, as abstraes ou

    concluses filosficas que tiramos a respeito do que foi observado (Shamdasani, 1996). Para

    Feuerstein (1997), sthula o denso, o aspecto mais externo, visvel e material de uma coisa;

    enquanto que suksma refere-se ao sutil, dimenso interior ou psquica da existncia que no

    visvel aos olhos fsicos, mas que pode ser experimentada na meditao.]. Trata-se de um estgio

    no qual os deuses dormem (na imagem da flor de ltus, a kundalini est adormecida); ou seja,

    aqui tudo que concerne aos deuses, a possibilidade de troca do ego [A definio de ego para o

    Yoga me parece concordante com a definio de ego para Jung. Conforme Feuerstein (1997): o

    ego se refere ao princpio psicolgico pelo qual a pessoa se experimenta como um indivduo

    separado de todos os outros seres. Por isso, usei o termo livremente durante todo o texto.] com

    o Si Mesmo est adormecida. Em muladhara o Homem parece ser a nica fora ativa, e os deuses,

    ou o impessoal, ou as foras de no-ego so foras ainda no despertadas, em estado de energia

    potencial.

    Vivemos em muladhara, pois estamos emaranhados nas causalidades terrestres, dependentes da

    nossa vida consciente como ela realmente , e condicionados por ela. Muladhara a conscincia

    total de todas as experincias pessoais externas e internas (Jung apud Shamdasani, 1996, p.12).

    Tambm em muladhara, ou seja, nas razes, na terra sobre a qual estamos, no mundo consciente,

    em nossa existncia pessoal e corprea, quando estando cientes apenas da realidade egica,

    somos vtimas de tudo que seja no-ego. Tudo alm do ego escurido e inconscincia, somos

    vtimas dos impulsos, dos instintos, da inconscincia, da participao mstica. Segundo Jung

    (apud Shamdasani, 1996, p.15): ...somos apenas racionais, ou to irracionais quanto animais

    inconscientes....

    Jung sugere que o elefante, animal ilustrado neste chakra, representa fora, solidez e firmeza,

    caractersticas necessrias ao ego neste estgio, para que ele no sucumba e se dissolva no

    inconsciente:

    ...o elefante representa aquele impulso tremendo que suporta a conscincia humana, a fora que

    nos faz construir tal mundo consciente. Para o hindu o elefante funciona como o smbolo da libido

  • domesticada, como funciona conosco a imagem do cavalo. Ele significa a fora da conscincia, o

    poder da vontade, a capacidade de se fazer o que se quer fazer (Jung apud Shamdasani, 1996,

    p.51).

    Em muladhara ainda no teria se iniciado o processo de individuao [Para Jung o Processo

    de Individuao inicia-se na segunda metade da vida, quando o indivduo j adaptado ao meio

    externo, poderia mobilizar energia psquica para sua individuao, ou seja, para tornar-se o

    que nasceu para ser de fato, um ser nico. No entanto h muita controvrsia sobre o assunto,

    autores ps junguianos discordam de Jung, entendendo que o Processo de Individuao estaria

    em funcionamento desde o incio da vida. Neumann, por exemplo, acredita que o sistema

    psquico tende a desenvolver-se desde o princpio para que ocorra tanto uma adaptao ao

    mundo externo, como ao mundo interno. Para isso existiriam duas funes: a centroverso que

    funcionaria no sentido de diferenciar o ego do inconsciente, e o automorfismo, que seria uma

    tendncia inerente ao sistema psquico de formar seu prprio ser a partir de elementos

    particulares que o constituem; independentemente, ou at mesmo, em oposio coletividade.

    Fordham, outro autor ps junguiano, teorizou o conceito de self primrio, estrutura presente e

    ativa desde a vida intra-uterina, dirigida por um padro que emerge do self total. Por isso o self

    primrio contm todos os potenciais arquetpicos inatos, que podero ser deflagrados e

    expressos ,no decorrer da vida atravs dos mecanismos de deintegrao (o self em interao

    com o meio ambiente, sofre divises espontneas em partes que se projetam no objeto) e

    reintegrao (introjeo das partes deintegradas como uma energia que retorna ao self, agora

    transformada pela experincia).] ; aqui o Homem individual, como toda forma de vida na terra.

    Mas a individuao s acontece quando voc est consciente dela, enquanto que a

    individualidade est sempre l, desde o incio da sua existncia (Jung, apud Shamdasani, 1996,

    p. 5). Jung afirma que as convices do mundo de muladhara so extremamente necessrias. Para

    ele, vital que se seja racional, e que se acredite na certeza deste mundo concreto; caso contrrio,

    no nos enraizamos em muladhara, no nos conectamos com esse mundo. Somente nascendo

    nele poderemos, ento, tomar conscincia do Self e, a partir da, iniciar o processo de

    individuao.

    ...se voc tocar a realidade na qual vive, e permanecer nela por vrias dcadas, se voc deixar sua

    marca, ento o processo impessoal pode comear. Deve-se entender que o broto, o trao pessoal,

    precisa penetrar no solo para dele sair (Jung apud Shamdasani, 1996, p.29).

    Em Shamdasani (1996), Jung conta um mito cosmognico no qual o homem teria sido gerado

    muito abaixo da terra, numa caverna negra como piche. Com o passar do tempo, foi subindo de

    caverna em caverna at, finalmente, atingir a superfcie. A histria uma aluso ao

    desenvolvimento da conscincia em relao ao inconsciente, ou ao caminho ascendente da

    kundalini atravs dos chakras, que vai alcanando novos estgios e se aproximando da luz. Dentro

    do sistema de chakras, a experincia mstica central - atingir sahashara - representada pela luz,

    para a Psicologia Analtica, a luz pode ser entendida como um aumento do grau de conscincia

    reflexa: contedos anteriormente inconscientes so acrescentados conscincia, aumentando seu

    grau de percepo, ou de luz. Trata-se de um estado iluminado, em relao relativa obscuridade

    do estgio anterior (Jung 1980, v. XII-5, p. 828).

    Jung (apud Shamdasani, 1996, p.30):

    ... o homem foi gerado bem em baixo da terra; depois de eras incontveis de uma existncia

    adormecida e absolutamente escura como a de um verme, dois mensageiros celestes desceram a

    eles e plantaram todas as plantas. Finalmente um tipo de junco cresceu e juntou-se como uma

  • escada longa o bastante para ir atravs da abertura no teto; ento os homens puderam subir e

    atingir o cho da prxima caverna, mas ainda era escuro. Depois de um longo tempo, puderam

    subir da mesma maneira at a terceira caverna, e ento, novamente, eras mais tarde, subiram

    para a quarta caverna e l atingiram a luz; mas era uma luz plida e incompleta. Esta caverna se

    abria para a superfcie da terra, pela primeira vez o homem viu a superfcie da terra, mas ainda

    era escuro. Finalmente eles aprenderam a fazer uma luz brilhante, da qual o sol e a lua foram

    criados.

    Jung v no despertar da kundalini o despertar dos deuses. Para ele, o despertar da kundalini o

    incio da relao ego-Self, o despertar da individuao, pois para iniciarmos este processo temos

    de ressoar com o Self, se no seremos apenas uma individualidade. Assim, aps o enraizamento

    em solo pessoal, muladhara, pode-se iniciar a relao com os deuses. O ego comea a perceber um

    poder alm dele mesmo, e entra em contato com a dualidade da psicologia humana, seja ela

    consciente e inconsciente.

    Essa necessidade de desprender-se do mundo pessoal e conectar-se ao suprapessoal tambm

    sugerida no cristianismo:

    No cristianismo esta viso se repete; o mundo na terra somente uma preparao para uma

    condio superior, e o aqui e agora, o estado de estar envolvido neste mundo engano, pecado...

    A transfigurao e a ascenso de cristo so a representao e a antecipao simblica do desejado

    fim, isto , ser elevado acima do pessoal (Jung apud Shamdasani, 1996, p.67).

    Quando o ego se percebe no nico, entra em contato com as foras no-ego, mergulhando nas

    guas do inconsciente. Como um paralelo com o Kundalini Yoga, samos de muladhara e

    penetramos em svadhisthana.

    Svadhisthana - chakra sacral

  • H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio da gua estende-se dos joelhos ao nus.

    Tem forma de meia-lua, de cor branca e seu bija vam. Aspirando com a letra vam ao longo da

    regio da gua, deve-se meditar no deus Narayana, que tem quatro braos, cabea coroada, de

    puro cristal, est vestido com roupas laranjas e no decai... (Upanichade Yogatattwa apud

    Leadbeater, 1985, p.128).

    Aquele que medita em svadhisthana torna-se imediatamente libertado de seus inimigos, como a

    culpa, o egosmo e assim por diante. Torna-se um lorde entre os yogues e sua luz ilumina a

    escurido da ignorncia (Avalon, 1964, p.364).

    Svadhisthana localiza-se nas razes das genitlias e representado por uma flor de ltus de seis

    ptalas; em cada uma delas lemos as letras Bam, Bham, Mam, Yam, Ram, Lam. A essncia dessa

    flor de ltus a gua, e seu centro est inserido dentro de uma forma de meia lua crescente. Seu

    bija Vam, que se apia em um animal marinho, descrito como algo parecido com um crocodilo,

    com as mandbulas abertas mostrando seus dentes (Avalon, 1964).

    Para Jung (apud Shamdasani, 1996), em svadhisthana estamos no mundo do inconsciente.

    Inundado pelos contedos deste, o ego deve absorv-los e integr-los, ou defender-se de alguma

    forma, sob o risco de ser aniquilado pelo monstro marinho. A fora que sustentou o ego em

    muladhara, o elefante, em svadhisthana torna-se o leviat. Assim, o poder que sustenta o ego no

    mundo consciente torna-se seu pior inimigo quando o ego penetra no inconsciente, pois aqui

    estamos em outro mundo, e as foras que nos mantm conectados ao mundo concreto agiro

    contra o movimento necessrio para que a transformao acontea, para que se possa abdicar do

    velho e aceitar o novo, como o processo natural de uma psique saudvel.

    A simbologia da gua aparece frequentemente em sonhos nos quais questes, valores e complexos

    do analisando esto se dissolvendo nas guas do inconsciente (morte simblica), para que algo

  • novo possa surgir (renascimento). Esse processo ao qual o ego submetido pode ser ilustrado

    pelo mito do sol:

    ...o sol tarde est ficando velho e fraco e, portanto, afunda no mar ocidental, viaja por baixo das

    guas (a viagem noturna no mar), e se ergue de manh renascido no leste. Assim, o segundo

    chakra poderia ser chamado o chakra do batismo, ou do renascimento, ou da destruio, qualquer

    que pudesse ser a consequncia do batismo (Jung apud Shamdasani, 1996, p.17).

    A questo do renascimento aludida, em termos claros ou velados, em todo o saber religioso da

    humanidade. Assim, aps ter nascido na/da terra necessria uma morte simblica e um

    renascimento. Tal fenmeno de transformao ou renascimento mencionado por Cristo em

    linguagem metafrica, quando de seu dilogo com Nicodemus (conforme j citado em nota de

    rodap acima):

    Em verdade vos digo que aquele que no nascer da gua e do Esprito no pode entrar no reino

    de Deus. O que nascido da carne carne, e o que nascido do Esprito Esprito. No vos

    maravilheis em vos ter dito: necessrio vos nascer de novo (Gopi Krishna, 2004, p.56).

    Para Jung (apud Shamdasani, 1996, p.31):

    A primeira exigncia de um culto de mistrio sempre foi entrar na gua, na fonte batismal. O

    caminho para qualquer desenvolvimento mais elevado conduz atravs da gua, com o perigo de

    ser tragado pelo monstro. No ritual catlico do batismo, o padre se aproxima da criana com uma

    vela e profere: Dono tibi lucem eternam; eu te dou a luz eterna, assim a criana recebe a alma

    imortal que no possua antes; nascida duas vezes.

    Esse processo de afundar nas guas do inconsciente, enfrentar os monstros, deixar que algumas

    partes morram para poder renascer transformado no um processo ao qual o ego se submete

    voluntariamente. , na realidade, imposto por uma fora maior que o conduz, o Self, e ativado

    por uma grande descarga de energia psquica, a energia anmica. Desta forma, o progresso para o

    segundo chakra s possvel se houver o despertar da kundalini, a energia divina que impulsiona

    o ego em busca de tornar-se uma completa realizao de si-mesmo. Jung (apud Shamdasani,

    1996) sugere que a energia da kundalini seja a energia anmica:

    ...uma centelha que guia, algum incentivo que o fora atravs das guas e em direo ao prximo

    centro, esta centelha a kundalini, algo absolutamente irreconhecvel, que pode aparecer talvez

    como medo, como uma neurose ou como um vvido interesse, mas algo superior a sua vontade.

    Caso contrrio voc no passa por isso, voc v o leviat e foge; mas se esta centelha viva, este

    impulso, esta necessidade o pega pelo pescoo, voc no pode voltar, voc tem que enfrentar a

    msica (Jung apud Shamdasani, 1996, p.21).

    Jung (apud Shamdasani, 1996, p.17) questiona:

    O que acontece quando travamos conhecimento com o inconsciente e o levamos a srio? Desejo,

    paixes, sexo, poder, todo o mundo emocional, todos os demnios de nossa natureza se soltam...,

    assim, se no sucumbirmos ao leviat, poderemos esperar a manifestao de uma nova vida, de

    luz, intensidade, de alta atividade, entramos ento em manipura.

  • Manipura - o chakra umbilical

    H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio do fogo est compreendida entre o nus

    e o corao. de forma triangular, de cor vermelha, e tem por semente a letra ram. Retendo alento

    com a letra ram que o faz resplandecer ao longo da regio do fogo, deve-se meditar em Rudra, que

    tem trs olhos, concede tudo que se deseja, de cor do sol meridiano, est todo tisnado de cinzas

    sagradas e possui aspecto agradvel... (Upanichade Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).

    Aquele que medita em manipura adquire o poder da criao e da destruio (Avalon, 1964, p.369).

    Manipura situa-se na regio do umbigo, sobre o plexo solar, e representado por uma flor de ltus

    de dez ptalas com as seguintes letras escritas em cada uma delas: Dam, Dham, Nam, Tam, Tham,

    Dam, Dham, Nam, Pam, Pham. A essncia dessa flor de ltus o fogo, e seu centro est inserido

    em um tringulo do qual saem trs susticas, uma marca auspiciosa. Seu bija Ram, e se apia

    sobre um carneiro (Avalon,1964).

    Manipura significa a cidade das joias, o centro do fogo, onde o sol nasce, a abundncia da

    fora divina que nunca acaba, a primeira luz que surge aps o batismo (Avalon, 1964, p.367).

    Para Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 35), em manipura estamos no centro das emoes: o

    mundo todo est em chamas, e ns vazando o fogo do desejo. Nesta jornada herica, o ego que

    se libertou do aprisionamento no mundo concreto em muladhara, e se dissolveu em svadhisthana,

    enfrentando a perigosa viagem noturna sob o mar, pode renascer como um novo sol. Aqui, a

    energia emocional liberada, e se apresenta ao ego, que se torna, ento, consciente de seus

    desejos, seus medos, suas paixes... Quando o ego absorve contedos do todo, torna-se parte da

    substncia divina, pronto para o avano em direo ao prximo chakra, ou correndo o risco de ser

  • queimado pelo fogo das emoes.

    Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 35, grifos nossos), j indicando o processo da sada

    de manipura e a entrada em anahata:

    Quando as pessoas travam conhecimento com o inconsciente elas brilham subitamente, elas

    explodem; antigas emoes enterradas reaparecem, toca-se o fogo que estava esquecido embaixo

    das cinzas. Aps ter cado no inferno e ter enfrentado um redemoinho de paixes, instintos e

    desejos, pode vir a descoberta de uma essncia impessoal. O ser ento pode perceber que no

    precisa estar identificado com seus desejos ou medos.

    Em manipura o carneiro o animal simblico - ele no mais a fora insupervel do elefante,

    nem o leviat das profundezas do chakra anterior; o perigo diminuiu. Ele um animal sacrificial.

    Agora, o ego deve sacrificar seus desejos ou paixes fundamentais, no h mais o risco de ser

    afogado na inconscincia, ele superou o pior perigo ao tornar-se consciente de seus desejos,

    medos ou paixes.

    Anahata - o chakra cardaco

    H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio do ar est compreendida entre o corao

    e a regio entre as sobrancelhas. hexagonal, de cor preta, e brilha com a letra yam. Levando o

    alento ao longo da regio do ar, deve-se meditar em Ishwara, o onisciente, de rosto voltado para

    todos os lados... (Upanichade Yogatattwa apud Leadbeater, 1985, p.128).

    Aquele que medita em anahata se torna o criador, o protetor e o destruidor dos mundos, por ter

    se identificado com a substncia de Brahman (Avalon, 1964, p.379).

  • Anahata situa-se na regio do corao. Desde o tempo dos Vedas, anahata considerado um local

    especial do sagrado dentro do corpo humano, o assento secreto do divino, o lugar onde o som

    imortal om, que no produzido por nada, pode ser criado (Feuerstein, 1997).

    Anahata representado por uma flor de ltus de doze ptalas, com as seguintes letras escritas em

    cada uma delas: Kam, Kham, Gam, Gham, Nam, Can, cham, Jam, Jham, Jnam, Tam, Tham. A

    essncia dessa flor de ltus o ar, e seu centro est inserido numa figura de seis pontas formada

    por dois tringulos, um deles invertido. Seu bija Yam, que se apia em uma gazela. Aqui

    reaparece o trikona.

    Em anahata, o linga que est dentro do trikona aparece em dourado, o que, para Leadbeater

    (1985), representa o embelecimento da deidade masculina (o linga) pela presena de jivatman ou

    tringulo invertido, o n ou granthi atravs do qual a kundalini tem de abrir passagem. [Jivatman

    a conscincia individual. Para o Vedanta e as escolas de Yoga, pr e ps-clssicas, a libertao

    consiste na fuso do si mesmo individual (Jivatman) com o Si Mesmo Transcendente

    (Feuerstein, 1997).]

    Ningum vai ao Pai, seno por Mim (Jo 14,6)

    Ao sair de manipura e entrar nos domnios de anahata, ocorre uma grande mudana na relao

    do ego com o todo. Cada vez mais consciente da existncia de uma essncia impessoal, o ego pode

    iniciar o processo de libertao do aprisionamento no corpo e nas emoes, o que denota uma

    sutilizao da capacidade de percepo egica, ou, em linguagem psicolgica, denota o

    movimento gradual e contnuo de ampliao da conscincia. , o ser vivente ou o ego. Este se

    apresenta como uma chama tranquila que no se perturba com o vento, uma vez que, em anahata,

    o ego torna-se completamente ciente de algo maior, purusha ou o Self , e por isso adquire a

    capacidade de no sofrer mais com as perturbaes da mente.

    Em suas conferncias, Jung traa um paralelo com o corpo: em anahata ultrapassamos a linha do

    diafragma chegando regio dos pulmes. Aqui, teramos subido de partes mais concretas no

    corpo (rgos mais densos), para partes mais sutis (trax e pulmes, regies menos densas).

    Elevamo-nos da terra (muladhara) e entramos em contato com o ar (anahata), com substncias

    mais sutis, com o divino em si mesmo.

    Conforme Jung (apud Shamdasani, 1996, p. 31):

    Voc agora parte daquilo que no est mais no tempo, no espao tridimensional; voc pertence

    agora a uma ordem das coisas tetradimensionais, onde o tempo uma extenso, onde o espao

    no existe e o tempo no , onde s h durao infinita; eternidade...

    Ou:

  • Purusha visto pela primeira vez em anahata. a essncia do Homem, o Homem supremo, o

    assim chamado Homem primordial. Este o primeiro pressentimento de um ser dentro de sua

    existncia fisiolgica, ou fsica, que no voc mesmo. Um ser no qual voc est contido; que

    maior e mais importante que voc, mas que tem uma existncia inteiramente psquica (op. cit.,

    p.39).

    Portanto, em anahata, centro energtico localizado acima do diafragma, na regio do corao, e

    que tem como sua essncia (substncia) o ar, nos aproximamos das questes abstratas:

    ...no diafragma cruzamos o limiar entre as coisas visveis e tangveis e as coisas quase invisveis e

    intangveis. Estas coisas invisveis em anahata so as coisas psquicas, pois esta a regio do que

    chamado sentimento e intelecto. O corao caracterstico do sentimento, e o ar caracterstico

    do pensamento... (Jung apud Shamdasani, 1996, p.44).

    A importncia real dos nossos sentimentos e pensamentos s fica clara para ns quando os

    reconhecemos como foras propulsoras em nossas vidas. Quando o homem atinge esse nvel na

    civilizao, ou no seu desenvolvimento individual, podemos dizer que ele est em anahata

    (Shamdasani, 1996, p.45), o centro onde as coisas psquicas comeam, onde se d o

    reconhecimento das ideias e dos valores. Aqui, estamos mais conscientes da substancialidade

    e/ou da existncia real do mundo psquico.

    Anahata traz a gazela como o animal que define suas caractersticas. A gazela no um animal

    domesticado, nem um animal sacrificial, nem agressivo, um animal excessivamente cauteloso,

    esquivo e veloz.

    A gazela parece voar com grandes saltos; leve e s toca a terra aqui e ali; Ela um animal da

    terra, mas quase libertada da fora da gravidade. Tal animal seria adequado para simbolizar a

    fora, a eficincia e a leveza da substncia psquica: pensamento e sentimento. A gazela tambm

    denota que em anahata a coisa psquica um fator evasivo, dificilmente apanhado (Jung apud

    Shamdasani, 1996, p.52).

    Mas que fora poderia nos elevar acima do diafragma, ou acima da terra, nos aproximando do

    divino? Para responder questo, Jung utiliza-se da mitologia egpcia:

    ...no simbolismo religioso do antigo Egito, o fara morto vai para o mundo de baixo e embarca no

    barco do sol de R. Viaja atravs da noite, subjuga a serpente, e ento se eleva novamente com o

    Deus percorrendo os cus por toda a eternidade. O fara, sendo idntico ao sol, ergue-se acima

    do horizonte com o navio do sol, e viaja atravs dos cus.

    Assim, o contato com o sol, em manipura, te ergue e te afasta at uma esfera acima da terra.

    Psicologicamente, esta sada da terra pode ser entendida como uma retirada do mero

    funcionamento emocional; a partir daqui voc comea a pensar, a refletir sobre as coisas, ao invs

    de seguir seus impulsos de uma maneira desenfreada. Voc pode deter-se a si mesmo, e assim

    desidentificar-se das prprias emoes. Em anahata surge a possibilidade de se elevar acima dos

    acontecimentos emocionais, e, desta forma, poder olhar para eles (Jung apud Shamdasani, 1996,

    p.39).

    Para Jung, quando comeamos a nos diferenciar da exploso de paixes, comeamos a pressentir

    o Self. Nesse momento, o processo de individuao teria incio. Aqui necessrio cuidado para

    que no haja uma inflao, ou seja, o perigo do ego identificar-se com o Self. importante manter-

    se ciente que a individuao tornar-se algo que no ego; o ego se descobre como um mero

  • apndice do Self, num tipo de conexo frouxa. (Jung apud Shamdasani, 1996, p.39).

    Mas, apesar de, em muitos sentidos, j termos como humanidade atingido o estgio de anahata,

    se observarmos nossa prpria forma de funcionamento, e a do mundo, perceberemos que o

    aprisionamento em manipura ainda muito frequente. Assim, quando somos expostos a emoes

    intensas, facilmente sucumbimos e esquecemos deste Ser maior, tornando-nos refns de nossos

    desejos e/ou medos: ...vocs veem que anahata ainda muito tnue, e a psicologia de manipura

    est muito perto de ns. Ainda temos que ser gentis com as pessoas para evitar as exploses de

    manipura ((Jung apud Shamdasani, 1996, p.41).

    Vishuddha, o chakra larngeo

    H cinco elementos: terra, gua, fogo, ar e ter. A regio do ter est compreendida desde a regio

    entre as sobrancelhas at o alto da cabea. circular, de cor esfumaada, e brilha com a letra ham.

    Levando o alento ao longo da regio do ter deve-se meditar em Sadashiva, considerando-o nos

    seguintes aspectos: produtor de felicidade; em forma de gota brilhante como puro cristal; com a

    meia lua sobre a cabea; cinco rostos; dez cabeas e trs olhos. Atitude pacfica; armado de todas

    as armas; engalanado com toda classe de ornamentos; com a deusa Uma numa metade de seu

    corpo; disposto a outorgar favores; e a causa de todas as causas (Upanichade Yogatattwa apud

    Leadbeater, 1985, p.128).

    Aquele que medita em vishuddha, torna-se um grande sbio eloquente que usufrui de uma

    ininterrupta paz em sua mente. Ele v os trs perodos (passado, presente e futuro), o benfeitor

    de tudo, est livre de doenas e dor, remove os perigos (Avalon, 1964, p.390).

    Vishuddha situa-se na regio da garganta. representado por uma flor de ltus de dezesseis

    ptalas, com as seguintes letras escritas em cada uma delas: am, am, im, im, um, um, rm, rm,

  • lrim, lrim, em, aim, om, oum, am, ah. Essas letras esto brilhantes e visveis para aqueles cuja

    mente ou intelecto est livre das impurezas do mundo. A essncia dessa flor de ltus o ter, e

    seu centro est inserido numa figura circular e branca, como a lua cheia. Seu bija ham, que

    branco, e se apia sobre um elefante. conhecido como o grande portal para a libertao (Avalon,

    1964).

    No caminho ascendente dos chakras observamos uma espcie de transformao do elemento, com

    um aumento da volatilidade de sua substncia. Assim, o processo iniciado em muladhara, a terra,

    passou a svadhisthana, a gua, chegando a manipura, o fogo, e a anahata, o ar. A ideia que

    permanece a de que estamos transformando a matria bruta em matria sutil, ou para Jung, em

    matria psquica:

    ... a ideia da transformao dos elementos mostra a analogia do Yoga Tntrico com nossa Filosofia

    Alqumica Medieval. L se encontram exatamente as mesmas ideias: a transformao da matria

    bruta na sutil matria da mente, a sublimao do Homem (Jung apud Shamdasani, 1996, p.43).

    A partir de vishuddha o centro do ter, atingimos um ponto em que o fenmeno se torna mais e

    mais abstrato, ficando difcil para nossa conscincia ocidental apreend-lo e evidenciar nisso

    algum valor prtico. Apesar de j termos (como conscincia coletiva) alcanado uma forma de

    conscincia mais perspicaz (anahata) que reconhece um algo maior (Self ou purusha), ainda no

    confiamos na segurana da realidade no material; portanto, ainda no alcanamos vishuddha.

    Para Jung (Jung apud Shamdasani, 1996, p.47):

    ...Ns ainda acreditamos em um mundo material construdo de matria, fora fsica, etc. E ns

    ainda no conseguimos conectar a existncia ou substncia psquica com a ideia de qualquer coisa

    csmica ou fsica. Ns ainda no achamos a ponte entre as ideias da fsica e da psicologia.

    Este (vishuddha) o mundo das ideias abstratas e dos valores. O mundo onde a psique existe em

    si mesma, onde a realidade psquica a nica realidade, ou, onde a matria somente uma fina

    casca em volta de um enorme cosmos de realidades psquicas. A matria a borda ilusria ao

    redor da existncia real, que psquica. ...se nossa experincia atingisse tal nvel, ns teramos

    um panorama extraordinrio de purusha; a purusha seria realmente o centro das coisas, no mais

    uma viso plida, mas uma realidade fundamental (op. cit., p.47, grifos nossos).

    Quando Jung se refere a realidade psquica como a nica realidade, ou a existncia real que

    psquica, importante refletir sobre o termo psique ou psquico:

    A definio de psique para o dicionrio Michaelis (2009, ed. Melhoramentos) : 1 a