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A invenção de Morel - Livro

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Projeto gráfico e Diagramação: Cadu Gomes

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A Invencão de MorelAdolfo Bioy Casares

Companhia Das Letras

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A INVENÇÃO DE MOREL Adolfo Bioy Casares

Tradução de Vera Neves Pedroso Com um prólogo de Jorge Luis Borges

Companhia Das Letras

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Copyright© 1953, Emecé Editores S.A.

Adolfo Bioy Casares

Tradução de Vera Neves Pedroso

Com um prólogo de Jorge Luis Borges

São Paulo - 2010

Título original: LA INVENCIÓN DE MOREL

Copyright© 1953, Emecé Editores S.A.

A invenção de Morel / Adolfo Bioy Casares; com prólogo de

Jorge Luís Borges; tradução de Vera Neves Pedroso.

Tradução de: La invención de Morel.

1. Literatura argentina - Novela, 1. Pedroso, Vera Neves II. Título.

86-0676 CDD-868.998203

Casares, Adolfo Bioy

Direitos para a língua portuguesa reservados, com

exclusividade para o Brasil.

Printed in Brazil/Impresso no Brasil

Capa Carlos Eduardo Gomes

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de

Livros, RJ.

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Sumário

Prólogo 7

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Posfácio 109

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Prólogo

Jorge Luís Borges

Por volta de 1882, Stevenson observou que os lei-tores britânicos desdenhavam um pouco as peripécias e achavam ser prova de grande habilidade escrever uma novela sem argumento ou com argumento infinitesimal atrofiado. José Ortega y Gasset — em A desumanização da arte, 1925 — trata de explicar o desdém observado por Stevenson e, na página 96, declara “ser muito difícil, hoje em dia, inventar uma aventura capaz de interessar à nossa sensibilidade superior” e, na página 97, ser essa invenção “praticamente impossível”. Em quase todas as outras páginas, faz a apologia da novela “psicológica” e opina ser o prazer das aventuras inexistente ou pueril. Tal é, sem dúvida, o parecer comum em 1882, em 1925 e ainda em 1940. Alguns escritores (entre os quais me apraz contar Adolfo Bioy Casares) acham por bem dis-sentir. Resumirei a seguir os motivos dessa dissensão.

O primeiro (cujo ar de paradoxo não quero desta-car nem atenuar) é o rigor intrínseco da novela de peri-pécias. A novela característica, “psicológica”, tende a ser

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informe. Os russos e os seus discípulos demonstraram, até à saciedade, que ninguém é impassível: suicidas por felicidade, assassinos por benevolência, pessoas que se adoram a ponto de se separarem para sempre, delato-res por fervor ou por humildade... Essa liberdade plena acaba equivalendo à desordem mais completa. Por outro lado, a novela “psicológica” quer ser, também, novela “realista”: prefere que esqueçamos o seu caráter de artifí-cio verbal e faz de toda vã precisão (ou de toda lânguida imprecisão) um novo toque verossímil. Há páginas, há capítulos de Marcel Proust inaceitáveis como invenções — aos quais, sem nos apercebermos, nos resignamos como ao insípido e ao ocioso do cotidiano. A novela de aventuras, em troca, não pretende ser uma transcrição da realidade: é um objeto artificial, que não sofre nenhuma parte injustificada. O temor de incorrer na mera varieda-de sucessiva do Asno de Ouro, das sete viagens de Simbad ou do Quixote, impõe-lhe um argumento rigoroso.

Aleguei um motivo de ordem intelectual; existem outros de caráter empírico. Todos se queixam de que o nosso século é incapaz de tecer tramas interessantes; ninguém se atreve a comprovar que, se este século tem alguma primazia sobre os anteriores, essa primazia é a das tramas. Stevenson é mais apaixonado, mais diver-so, mais lúcido, talvez mais digno da nossa amizade do que Chesterton; mas os argumentos que comanda são inferiores. De Quincey, em noites de minucioso terror, mergulhou no âmago de labirintos, mas não cunhou sua impressão de unutterable and selfrepeating infinities em fá-bulas comparáveis às de Kafka. Observa, com justiça, Or-tega y Gasset que a “psi cologia” de Balzac não nos satis-faz; o mesmo cabe afirmar quanto aos seus argumentos.

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A Shakespeare e a Cervantes agrada a idéia antinômica de que uma moça, sem que a sua formosura diminua, consiga passar por homem; nos nossos dias, esse móvel não funciona. Julgo-me isento de qualquer superstição de modernidade, de qualquer ilusão de que o passado difere intimamente do presente e de que este diferirá do ama-nhã; mas acho que nenhuma outra época possui novelas de argumentos tão admiráveis quanto os de The turn of the screw, Der Prozess Le Voyageur sur la terre ou como o desta, escrita, em Buenos Aires, por Adolfo Bioy Casares.

As ficções de índole policial — outro gênero típico deste século que não pode inventar argumentos — re-ferem fatos misteriosos, logo justificados e ilus trados por um fato lógico. Nestas páginas, Adolfo Bioy Casares resolve com felicidade um problema talvez mais difícil. Desenvolve uma Odisséia de prodígios que não pare-cem admitir outra clave que não a da alucinação ou a do símbolo, e decifra-os plenamente mediante um único postulado fantástico, mas não sobrenatural. O temor de incorrer em revelações prematuras ou parciais proíbe-me examinar aqui o argumento e as muitas sutilezas da exe-cução. Basta-me declarar que Bioy renova literariamente um conceito que Santo Agostinho e Orígenes refutaram, que Louis Auguste Blanqui teorizou e que, com memorá-vel música, Dante Gabriel Rossetti sintetizou:

I have been here before. But when or how I cannot tell: I know the grass beyond the door, The sweet keen smell, The sighing sound, the lights around the shore…

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Em espanhol, são pouco freqüentes, ou mesmo ra-ríssimas, as obras de imaginação raciocinada. Os clássi-cos exerceram a alegoria, os exageros da sátira e algumas vezes a mera incoerência verbal; de datas recentes, re-cordo apenas um ou outro conto de Las fuerzas extrañas e algum de Santiago Dabove

— injustamente esquecido. La invención de Morel (cujo título alude filialmente a outro inventor ilhéu, Mo-reau) traz para as nossas terras e para o nosso idioma um gênero novo.

Discuti com o seu autor os pormenores da trama; reli-a. Não me parece imprecisão ou hipérbole classificá-la de perfeita.

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A Invenção de Morel

Hoje, nesta ilha, aconteceu um milagre. O verão adiantou-se. Coloquei a cama perto da piscina e fiquei tomando banho até muito tarde. Era impossível dormir. Dois ou três minutos fora bastavam para converter em suor a água que devia me proteger do calor inespera-do. Pela madrugada, um gramofone des pertou-me. Não pude voltar ao museu, a fim de buscar as coisas. Fugi pelos barrancos. Estou nos baixios do sul, entre plantas aquáticas, indignado por causa dos mosquitos, com o mar, ou córregos sujos, até a cintura vendo que antecipei absurdamente a minha fuga. Acho que essa gente não me veio procurar; talvez nem me tenham visto. Mas conti-nuo o meu destino; estou des provido de tudo, confinado ao lugar mais escasso, menos habitável da ilha; a pânta-nos, que o mar suprime uma vez por semana.

Escrevo isto para deixar testemunho do adverso milagre. Se dentro de poucos dias não morrer afogado, ou lutando pela minha liberdade, espero escrever a Defe-sa Perante Sobreviventes e um Elogio de Malthus. Atacarei, nessas páginas, os invasores das selvas e dos desertos; demonstrarei que o mundo, com o aperfeiçoamento das

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polícias, dos documentos, do jornalismo, da radiotelefo-nia, das alfândegas, torna irreparável qualquer erro da justiça, é um perfeito inferno para os perseguidos. Até agora, não pude escrever senão esta folha, que ontem não previa. Quantas ocupações há nesta ilha solitária! Como é insuperável a dureza da madeira! Quão maior é o espaço do que o pássaro movediço!

Um italiano, que vendia tapetes em Calcutá, foi quem me deu a idéia de vir para cá; disse-me (na sua língua):

— Para um perseguido, para o senhor, só há um lugar no mundo, mas nesse lugar não se vive. Ê uma ilha. Aproximadamente em 1924, estiveram lá brancos, cons-truindo um museu, uma capela, uma piscina. As obras estão concluídas e abandonadas. Interrompi-o, pedindo-lhe ajuda para a viagem; mas o mercador prosseguiu:

— Nem os piratas chineses, nem o barco pintado de branco do Instituto Rockfeller tocam nela. É foco de uma enfermidade, ainda misteriosa, que mata de fora para dentro. Caem as unhas e o cabelo, a pele e as cór-neas morrem e o corpo só resiste de oito a quinze dias. Os tripulantes de um vapor que tinha fundeado na ilha estavam pelados, calvos, sem unhas — e todos mortos — quando foram encontrados pelo cruzador japonês Na-mura. O vapor foi afundado a canhonaços.

Mas a minha vida era tão horrível que decidi partir... O italiano quis dissuadir-me; consegui que me ajudasse.

Ontem à noite, pela centésima vez, adormeci nesta ilha vazia... Vendo os edifícios, pensei no que teria cus-tado trazer essas pedras, o fácil que teria sido fazer uma olaria, fabricar tijolos. Adormeci tarde e a música e os gritos acordaram-me de madrugada. A vida de fugitivo

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tornou-me o sono leve: tenho certeza de que não chegou nenhum barco, nenhum avião, nenhum dirigível. E, con-tudo, de um momento para o outro, nesta pesada noite de verão, os capinzais da colina se cobriram de pessoas que dançam, passeiam e nadam na piscina como veranis-tas instalados, faz tempo, nos Teques ou em Marienbad.

Desde os pântanos de águas misturadas, vejo a parte alta do morro, os veranistas que habitam o museu. Pela sua aparição inexplicável, poderia supor que são efeitos do calor de ontem à noite sobre o meu cérebro; mas não se trata de alucinações nem de imagens: são pes-soas verdadeiras, pelo menos tão verdadeiras quanto eu.

Estão vestidas com roupas iguais às que se usavam faz poucos anos: graça que revela (segundo me parece) uma consumada frivolidade; não obstante, devo reco-nhecer que agora é muito comum a gente se admirar com a magia do passado imediato.

Quem sabe por que destino de condenado à morte os observo, inevitavelmente, a todas as horas. Dançam entre os capinzais do morro, lugar cheio de víboras. São inimigos inconscientes que, para escutar Valência e Chá para Dois — uma vitrola muito potente abafou o ruído do vento e do mar —, me privam de tudo o que me custou tanto trabalho, que me é indispensável para não morrer, e me espremem contra o mar em pântanos infetos.

Neste intento de observá-los há perigo; como todo agrupamento de pessoas cultas, devem ter, em algum lu-gar, um meio de tirar impressões digitais e serviço de in-formações, e me remeterão, se me descobrem, por umas quantas cerimônias ou tramitações, ao calabouço.

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PosfácioO Mundo de MorelOtto Maria Carpeaux

“Discuti com o autor os pormenores da trama e a reli; não me parece uma precisão ou uma hipérbole quali-ficá-la de perfeita.” Essa afirmação é de Jorge Luis Borges sobre o livro A invenção de Morel e faz parte do prólo-go da obra. Além do texto de Borges, a edição brasilei-ra tem como posfácio a crítica de Otto Maria Carpeaux, publicada originalmente no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, de 26 de março de 1966. A presença dos textos de dois grandes nomes da literatura reforça a qualidade do livro de Bioy Casares. É com esta fantástica obra que a editora Cosac Naify iniciou a coleção Prosa do Observatório, coordenada pelo crítico e escritor Davi Arrigucci Jr., que reúne textos de ficção e ensaios de es-critores hispano-americanos e brasileiros.

E qual seria a trama desse fantástico romance? Escrita em forma de diário, é contada a história de um fugitivo político venezuelano que se abriga no arquipé-lago Ellice, no oceano Pacífico, foco de uma terrível do-ença que “mata de fora para dentro”. Lá em meio a casas

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abandonadas e máquinas misteriosas, o fugitivo encon-tra um grupo de turistas que nada em piscinas cheia de sapos e cobras e, principalmente, ignora a sua presença. Mas o isolamento e a insegurança não impedem que o venezuelano se apaixonem por uma das mulheres do grupo, Francine.

Com o decorrer da história, o protagonista des-cobre a razão pela qual a sua existência é ignorada. Isso está ligado à uma espécie de supervitrola, inventada por Morel (homenagem do autor ao doutor Moreau, perso-nagem de H.G. Wells). O cientista é fascinado pela idéia de imortalidade e seu invento está ligado à essa fasci-nação. Movido pela paixão, o fugitivo resolve estudar o funcionamento da prodigiosa máquina, mesmo ciente dos riscos a que ficará exposto.

A invenção de Morel é um livro atual, mesmo sendo escrito na década de 1940, pois aborda temas que estão presentes ainda hoje: a fé cega na tecnologia e o desejo do homem de se igualar e superar Deus. Carpeaux encerra o posfácio com a seguinte frase: “A invenção de Morel é uma sátira. Mas o objeto da sátira não é a técnica e, sim, a condição humana. Pois assim como o fugitivo de Bioy Casares temos todos nós a escolha, apenas, entre a morte pela peste e a prisão na vida - até a morte.”

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Este livro foi impresso pela Gráfica Inprima sobre papel alta alvura 90g/m2. A fonte utilizada no miolo é

Palatino 11/15, no ano de 2010.

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“Perfeito.”Jorge Luis Borges