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UNIVERSIDADE TÉCNICA DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITECTURA A JÓIA COMO COMPLEMENTO DA MODA Ana Cláudia Dias Cardoso (Licenciada) DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM DESIGN DE MODA Orientador(a) Científico(a): Mestre Maria Elisa Vilaça Professora Doutora Cristina Figueiredo Júris: Presidente: Professor Doutor Fernando Moreira da Silva Vogais: Mestre Ana Margarida Pires Fernandes Designer Gianni Montagna Lisboa, Março 2010

A Jóia Como Complemento Da Moda

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A jóia como complemento da moda

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  • UNIVERSIDADE TCNICA DE LISBOAFACULDADE DE ARQUITECTURA

    A JiA como complemento

    dA modA

    Ana Cludia Dias Cardoso(Licenciada)

    DISSERTAO PARA OBTENO DO GRAU DE MESTRE EM DESIGN DE MODA

    Orientador(a) Cientfico(a):Mestre Maria Elisa Vilaa

    Professora Doutora Cristina Figueiredo

    Jris: Presidente: Professor Doutor Fernando Moreira da Silva Vogais: Mestre Ana Margarida Pires Fernandes

    Designer Gianni Montagna

    Lisboa, Maro 2010

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    AgrAdecimentos

    Aos meus pais, o meu profundo agradecimento por me terem apoiado, ajudando-me de inmeras formas na realizao deste tra-balho. Agradeo especialmente ao meu pai pelo apoio em todos os aspectos.

    minha Orientadora Elisa Vilaa e Co-Orientadora Professora Cristina Figueiredo, que me incentivaram a desenvolver este tema apesar da ambiciosa investigao que me propus desenvolver.

    s pessoas que me ajudaram de alguma forma no desenvolvimen-to da tese, em particular os professores Fernando Moreira da Silva, Maria Gabriela Carvalho, Mrio Matos Ribeiro, os designers Alexandra Serpa Pimentel, Julieta Pedrosa, empresa de Jorge Manuel Cardoso e ao seu filho Filipe Cardoso.

    professora Isabel Candeias e aos meus colegas de mestrado, pelo apoio e pela fora que me deram, bem como a todos aqueles que contriburam de alguma forma para esta dissertao.

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    Nome: Ana Cludia Dias Cardoso Departamento: De Arte e DesignOrientador: Mestre Maria Elisa VilaaCo-Orientador: Professora Doutora Cristina FigueiredoData: Lisboa, Maro 2010Ttulo da Dissertao: A Jia como Complemento da Moda

    resumoO trabalho de investigao proposto pretende analisar a relao exis-

    tente entre a joalharia e a moda partindo de um contexto histrico. Se a produo de jias desde a Antiguidade at aos nossos dias foi sofrendo alteraes, fruto de um processo complexo em que os factores culturais, sociais, econmicos e mesmo polticos estiveram na base de toda a evo-luo, ao analisar o trajecto do vesturio poderemos afirmar que este passou por um processo idntico.

    A histria da Joalharia ao longo dos tempos e nos seus diferentes contex-tos, com incidncia para as questes relativas produo desde a tradicional contempornea, permitiram o desenvolvimento e a anlise da primeira parte do trabalho agora apresentado. Neste ainda referenciada a importncia da joalharia aps o perodo dos Descobrimentos, contribuindo para novos estilos e novas tcnicas.

    Na segunda parte feita uma breve anlise da histria da moda ao longo dos tempos, realando os novos materiais e as suas potencialida-des num contexto moderno e inovador.

    Na terceira e ltima parte feita uma anlise sobre a forma como se complementam e enriquecem estas duas artes, servindo-se do corpo para as projectar. Pretende-se mostrar como se consegue a comunho de peas tradi-cionais ou de autor com as peas produzidas na alta-costura. A construo da unidade entre as duas expresses artsticas , na realidade o objectivo deste trabalho de dissertao.

    Finalmente e como complemento do trabalho proposto pela auto-ra a produo de uma pea de joalharia representativa dessa unio.

    Palavras-chave: Joalharia/Moda, Oriente/Ocidente, Tecnologias, Cultura/Tradio, Corpo/Forma de Arte.

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    Dissertation title: Jewelry Like a Complement of Fashion

    AbstrActThe research world that was proposed has the goal to analyse the

    bond between jewellery and fashion, having as a base the historical analysis. If the production of Jewells since ancient times until our days, has been suffering some alteration due to a complex process which cultural factors and also social, economical and the political kind factors were in the center of all the evolution. By analysing the course of clothing we can simply deduct that it was through a similar process.

    The history of jewellery through the time and in it different context with an incidence for relative issues to his production since traditional to modern allowed the development and the analysis of the first part of this work. In it is only a reference about how important was jewellery before the discoveries age, which has contributed for the appearance of news styles and techniques.

    In the second section a brief analysis of fashion historical through times is made, where are emphasizing the new materials and poten-tial in a modern and innovative look.

    In the third and last section another observation is made about the way this two arts complement and enrich their selves.

    How the communion between traditional pieces or made by the another with high sewing manufactured pieces taking the step of incorporate the two of them as just one pieces is truthly the own of this work.

    Finally and as a completion of work it is proposed by the author the elaboration of a jewellery piece representative of that union.

    Key Words: Jewelry/Fashion, Oriental/Occidental, Technology, Culture/Tradition, Body/Art Expression.

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    ndice

    AGRADECIMENTOS ..................................................................................................................iii

    RESUMO ......................................................................................................................................... v

    ABSTRACT ...................................................................................................................................vii

    INTRODUO ...........................................................................................................................17

    1. Objectivo/Problema .................................................................................................17

    2. Organizao do Trabalho ...................................................................................17

    CAPTULO I ...............................................................................................................................19

    1. Histria da Joalharia .............................................................................................21

    2. Histria da Moda .....................................................................................................63

    3. Ligao Joalharia/Moda ...................................................................................121

    4. Corpo Elo de Ligao ........................................................................................125

    5. Pea de Arte ............................................................................................................135

    CAPTULO II ...........................................................................................................................143

    METODOLOGIA ...............................................................................................................145

    1.1. Opo Metodolgica .................................................................................145

    1.1.1. Cuidados na adopo e uso do estudo de caso ......147

    1.1.2. Papel do investigador .....................................................................148

    1.2. Tcnicas de Recolha e Tratamento de Informao ............148

    1.2.1. Recolha documental .........................................................................149

    1.2.2. Entrevista semi-estruturada .........................................................149

    CAPTULO III ..........................................................................................................................151

    Apresentao dos Resultados.............................................................................153

    1. Introduo .............................................................................................................153

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    2. Apresentao da Pea Realizada pela Autora da Tese ............153

    2.1. Descrio da Pea ......................................................................................154

    CONCLUSO .........................................................................................................................159

    BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................163

    Artigos Publicados em Revistas .........................................................................168

    Documentos no Publicados ...............................................................................169

    Netgrafia ............................................................................................................................169

    ANEXOS ....................................................................................................................................173

    Anexo: 1 Entrevista ..................................................................................................175

    Anexo: 2 Entrevista ..................................................................................................177

    Anexo: 3 Entrevista ..................................................................................................178

    Anexo: 4 Entrevista ..................................................................................................180

    Anexo: 5 Entrevista ..................................................................................................182

    GLOSSRIO ............................................................................................................................191

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    ndice de FigurAs

    Figura 1. Colar feito de fosseis e conchas, de 28,000 a.C. .................21

    Figura 2. Pepitas de ouro ..............................................................................................23

    Figura 3. Processo de fundio por molde .......................................................24

    Figura 4. Gargantilha em forma de lua crescente, feita em folha de ouro ............................................................................................................................27

    Figura 5. Bracelete em ligao de metais, ouro, prata e cobre ........28

    Figura 6. Colar composto por onze placas de ouro, decoradas com esmeraldas, guas-marinhas e prolas .........................................29

    Figura 7. Diferentes motivos utilizados na decorao pessoal do corpo .................................................................................................................................30

    Figura 8. Traje da corte de Sumbawa ..................................................................31

    Figura 9. Traje tradicional da Tailndia ...............................................................32

    Figura 10. Toilette caracterstica de uma mulher indiana .......................33

    Figura 11. Benvenuto Cellini, Saleiro, 1539-1543 ..........................................35

    Figura 12. Custdia de Belm, Portuguesa e Chinesa ..............................36

    Figura 13. Colar com pendente em filigrana ....................................................37

    Figura 14. Colar em ouro e esmalte trabalhado ...........................................37

    Figura 15. Joalharia em Portugal .............................................................................38

    Figura 16. Lao, meados do sculo XVIII ...........................................................41

    Figura 17. Design de uma pregadeira por Cartier, simboliza o tempo de guerra em Paris, em 1940. O tema foi La libration .........42

    Figura 18. Esposa do Milionrio Americano Sr. Jay Gould, usando jias tpicas da poca de 1900 .....................................................................43

    Figura 19. Pea de Joalharia Bulgari .....................................................................44

    Figura 20. Lalique, 1987-1988 ....................................................................................46

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    Figura 21. Propaganda da poca .............................................................................50

    Figura 22. Colar em lato, correia de couro, lmpadas e invlucros de bala ...................................................................................................51

    Figura 23. Knitted Ruffle Collar, 1979 ...............................................................52

    Figura 24. Pea de Elsie-Ann Hochlin ....................................................................53

    Figura 25. JCad3 ..................................................................................................................55

    Figura 26. Bracelete de Peter Chang .....................................................................56

    Figura 27. Colar de Rachelle Thlewes ...................................................................57

    Figura 28. Peacock Neckpiece, 1990..................................................................59

    Figura 29. Partes de um colar de Catherine Hills ........................................61

    Figura 30. Vesturio dos egpcios ............................................................................66

    Figura 31. Etruscos .............................................................................................................67

    Figura 32. Toga Romana ................................................................................................68

    Figura 33. Vesturio de soldados ............................................................................70

    Figura 34. Traje da Europa, sc.XII .........................................................................72

    Figura 35. Traje da sia, sc.XII ................................................................................72

    Figura 36. Traje dirio ......................................................................................................74

    Figura 37. Sculo XIII.........................................................................................................75

    Figura 38. Vestidos da corte .......................................................................................77

    Figura 39. Vesturio masculino e feminino. Influncia espanhola no traje ............................................................................................................................78

    Figura 40. Estilo Barroco ................................................................................................79

    Figura 41. Estilo Rococ .................................................................................................80

    Figura 42. Traje do sculo XIX ..................................................................................82

    Figura 43. Modelo Polonaise ........................................................................................85

    Figura 44. Traje masculino ............................................................................................86

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    Figura 45. Escolha e aconselhamento no atelier Worth, em 1907. .....88

    Figura 46. Le Jaloux (o Ciumento). Vestido de noite de Paul Poiret .............................................................................................................. 89

    Figura 47. Vestido caracterstico dos anos 20 ...............................................90

    Figura 48. Roupa de praia de Jean Patou, Art Gout Beaut, 1927 ......91

    Figura 49. Madeleine Vionnet trabalhando num vestido no seu manequim de madeira, finais dos anos 20 ...........................................93

    Figura 50. Elsa Schiaparelli, croquis de chapu, 1937. .............................94

    Figura 51. James Dean, por volta de 1955 ......................................................98

    Figura 52. Linhas de Christian Dior 1954-1956. Da esquerda para a direita: linha muguet, linha.Y, linha A e linha flche .......99

    Figura 53. Revista Vogue ................................................................................................99

    Figura 54. Pierre Cardin, Coleco Espacial, 1968 ...............................100

    Figura 55. Esboo para um vestido linha trapzio, desenhado por Yves Saint Laurent, 1958 .................................................................................101

    Figura 56. Look hippie ...................................................................................................104

    Figura 57. Casal Punk em Londres, 1979 .......................................................105

    Figura 58. Madona Like a Virgin, digresso de 1984 .........................110

    Figura 59. Issey Miyake, Tnica, coleco Pronto-a-Vestir Outono/Inverno, 1999/2000 ..........................................................................114

    Figura 60. Tecidos, fibras ............................................................................................115

    Figura 61. Galliano para a casa Dior, coleco de Alta-Costura, Primavera/Vero 2007, inspirao origami .........................................116

    Figura 62. Viktor & Rolf ...............................................................................................118

    Figura 63. Jean Paul Gaultier ...................................................................................119

    Figura 64. Undercover. ...................................................................................................120

    Figura 65. Dcadence avec elgance (Decadncia com elegncia) .....121

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    Figura 66. Guarnio de corpete em ouro e prata, (incios do sculo XVIII) .....................................................................................122

    Figura 67. D. Jos I com a sua esposa, D. Mariana Vitria de Bourbon, Infanta de Espanha, 1750 .........................................................123

    Figura 68. Condessa Leonor Ernestina Daun, marquesa de Pombal, com numerosas jias, 3 quartel do sculo XVIII ......123

    Figura 69. Colar de Emma Van Leersum, 1967 e colar de Arline Fisch .................................................................................................................124

    Figura 70. Esther Brinkmann O momento presente a nica coisa que no tem fim, 2000 .....................................................................126

    Figura 71. Articular ...........................................................................................................127

    Figura 72. Adele Tipler ..................................................................................................128

    Figura 73. Marthe Le Van, Dallae Kang ............................................................132

    Figura 74. Colar moderno ...........................................................................................133

    Figura 75. Filipe Fasca, Zipper, 2003 .............................................................135

    Figura 76. Caixa Baptismal de Lus Moreira ..................................................136

    Figura 77 Saia de Elsa Schiaparelli e peas da Chanel .......................138

    Figura 78. Arline Fisch, Cooper Cascade, 2000 ...........................................142

    Figura 79. Desenho de investigao ....................................................................146

    Figura 80. Pea desenvolvida ...................................................................................154

    Figura 81. Outras imagens da pea ....................................................................155

    Figura 82. Pea de Joalharia ...................................................................................156

    Figura 83. Pea de Moda ............................................................................................157

    Figura 84. Acessrio de criana .............................................................................184

    Figura 85. Assante, peas africanas ....................................................................186

    Figura 86. Peas do Egipto ........................................................................................187

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    ndice de quAdros

    Quadro 1. Sculo XII - Europa ...................................................................................72

    Quadro 2. Sculo XII - sia .........................................................................................72

    Quadro 3. Peas de Joalharia.................................................................................183

    Quadro 4. Peas Caractersticas da sia ........................................................184

    Quadro 5. Peas Caractersticas de frica .....................................................186

    Quadro 6. Peas Caractersticas do Mundo Antigo..................................187

    Quadro 7. Peas Caractersticas da Europa ..................................................189

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    introduo

    1. Objectivo/Problema

    Com este trabalho pretende-se demonstrar que a Moda e a Jo-alharia desde os primrdios histricos tm existido como um s corpo. Com um passado histrico paralelo, do Oriente ao Ocidente, seguindo tendncias e estilos idnticos, ambas usam o corpo como meio de suporte e ligao.

    2. Organizao do Trabalho

    No primeiro captulo pretende-se retratar a histria da Joalharia e a histria da moda de um modo geral, argumentando o uso de adornos e de roupa, desde a poca pr-histrica, passando pela Ida-de Antiga, Idade Mdia, Idade Moderna e Idade Contempornea at aos nossos dias, fazendo a transio entre o Ocidente e o Oriente atravs da fuso de culturas e tradies. Pretende-se tambm es-tabelecer a ligao entre a Joalharia e a Moda atravs do corpo, que para alm de ser o elo de ligao, tambm sem dvida, o mediador entre a criao artstica e a evoluo tecnolgica. Hoje em dia, no se consegue desenvolver uma jia ou uma pea de moda, sem antes se reflectir sobre o corpo. O corpo serve de mediador, tambm uma ligao entre o criador e o comprador. A reviso crtica da bibliografia seleccionada, a definio dos diversos concei-tos e parmetros utilizados, bem como o estudo de casos pretende a caracterizao e melhor compreenso dos vrios pontos de vista relativos ao tema da dissertao.

    No segundo captulo, procurmos abordar a metodologia de in-vestigao a utilizar que fundamentasse a estrutura apresentada anteriormente e que visasse a obteno de respostas questo fulcral da mesma. Para tal fez se a abordagem a duas reas di-ferentes mas ao mesmo tempo complementares nesta dissertao, fazendo-se uma descrio da parte histrica, bem como relacionar

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    com o corpo ou mesmo como uma pea de arte, de forma a estabelecer-se uma compreenso holstica relativa aos temas aci-ma colocadas.

    O trabalho de investigao envolve um conjunto de procedimen-tos e tcnicas que nos permite de forma articulada, responder a uma questo/problema principal.

    No Terceiro captulo pretende-se apresentar as ilaes que tir-mos da parte terica a fim de proceder elaborao da jia ou uma pea de alta-costura, com uma pea de arte. Pretende-se ainda demonstrar como esta se desenvolve e evolui at chegar a uma pea de luxo, de coleco, de exposio ou simplesmente mostr-la como pea nica/pea de autor.

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    cAptulo i

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    1. HistriA dA JoAlHAriA

    Desde que temos indcios culturais, o ser humano exprimiu uma necessidade elementar de se enfeitar. Este, resolveu utilizar conchas e sementes como adorno pessoal.1

    A joalharia aparece assim em todos os perodos da Histria, desde o aparecimento do Homem. Desde as mais remotas origens, as peas de joalharia aparecem associadas a motivos religiosos, de poder espiritual e de proteco ou associados a um factor utilitrio para uso prtico, tal como para prender as peas de roupa. Se bem que estes dois tipos de valores tenham acompanhado durante muito tempo todo o processo evolutivo da jia a verdade que, hoje em dia, esta usada maioritariamente como pea de decorao.

    Figura 1. Colar feito de fosseis e conchas, de 28,000 a.C.Fonte: Phillips, C. 1996:8

    Essa necessidade de se enfeitar, mais no era que uma forma de se expressar e de se diferenciar, utilizando para tal sinais ou objectos. Tais elementos, tinham portanto subjacente uma linguagem que, para alm de servir como comunicao, servia tambm como

    1PHILLIPS, Clare. Jewelry: From Antiquity to the Present (world of Art). Nova Iorque: Thames & Hudson, 1996. pp. 7 e 8.

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    um meio de distino de classe e/ou entre grupos. As jias desde cedo, foram incorporadas no corpo das mais variadas formas, ora como tatuagens, ora como objecto de adorno.

    Segundo o muselogo John Mack, a jia considerada, uma das mais antigas manifestaes das Artes Decorativas:

    Ora significa f e devoo; ora status social, econmico e cultural; ora amuleto; ora veculo da cura; ora apenas um objecto de decorao. smbolo de individualidade e colectividade; de valores morais e estticos; da alma humana; de suas tradies, heranas e antepassados; rituais; crenas; prosperidade; compromisso; comportamento, desenvolvimento tecnolgico; alm de ser um objecto de adorao, contemplao e desejo. (Santos, 2002: s/pp.).

    Os primeiros ourives utilizavam nos seus trabalhos, na maioria, uma folha de ouro obtida pelo martelar contnuo do metal at se tornar numa superfcie plana, lisa e espessura desejada. Depois, era ento cortada com uma faca ou um cinzel na forma escolhida e ornamentada com filigrana, granulao ou outras tcnicas decorati-vas, como a simples perfurao. Fundiam e martelavam os fios de ouro, produzindo uma fita fina de ouro at obterem a espessura do fio desejada ou optavam por torcer e enrolar duas fitas estreitas de ouro, para conseguir diferentes efeitos. Os desenhos decorativos eram gravados nas folhas de ouro, utilizando ferramentas simples feitas de madeira ou de osso. Os objectos macios, como anis ou pregadeiras, eram por vezes feitos somente com a utilizao de martelos. (Mack, 1995)

    Desde muito cedo, as pepitas de ouro atraram a ateno dos nossos antepassados, e simples ornamentos feitos em ouro esto entre os mais antigos objectos de metal feitos pelo homem. Segundo a historiadora e designer de joalharia, Julieta Pedrosa, o ouro das minas ou de depsitos aluviais tem sido explorado durante pratica-mente toda a histria do homem.

    Foi no segundo milnio a.C. que o homem comeou a minerar o metal. Mas esta, nunca foi uma tarefa fcil e agradvel, devido s pssimas condies de trabalho dos mineiros. Eram os escravos, prisioneiros de guerra ou presos comuns que trabalhavam duramente

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    e sem descanso na explorao do precioso metal. Na antiga Roma, ser enviado para as minas era uma punio comparvel de morrer na arena dos coliseus (Pedrosa, 2000).

    Figura 2. Pepitas de ouroFonte: [Consult. Data 12 de Novembro de 2009]. Disponvel em

    Na antiguidade, o ouro era usado no s em forma de ornamen-to, mas tambm servia para acumular riquezas ou facilitar transac-es. Governantes e ordens religiosas guardavam grandes tesouros, geralmente sobre a forma de objectos de arte e tambm na forma de jias, utilizado em geral, em correntes de ouro.

    O ouro, para alm de ser guardado como um sinal de poder e riqueza, era tambm utilizado em negcios, em financiamento das guerras e para pagar resgates. Para o cidado mdio da poca, o ouro servia como moeda e assim era entendido como reserva eco-nmica. Tal como hoje em dia, na poca, este metal estava no topo da escala de valores e os objectos feitos em ouro eram valorizados e negociados, pelo seu peso e pelo trabalho empregue na decorao da pea.

    A formalizao da negociao do ouro foi concretizada no pri-meiro milnio a.C. pela introduo da cunhagem da moeda. A circu-lao fiduciria facilitou o comrcio e mais pessoas passaram a ter

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    acesso ao ouro. A cunhagem de moedas passou a ser controlada pelos governantes que estabeleciam o peso e a pureza do material empregue. Caso adulterassem qualquer um destes parmetros, eram-lhes impostas penas severas (Phillips, 1996).

    Figura 3. Processo de fundio por moldeFonte: Codina, Carles. A Joalharia: A tcnica e a Arte da Joalharia explicadas com Rigor e Clareza. Coleco Artes e Ofcios

    Na antiguidade, em sntese, o segredo estava na simplicidade do processo de produo, combinado com um refinamento na decora-o. Apesar de os ourives deste perodo construrem as suas prprias ferramentas, estes, mesmo com ferramentas simples e escassas, fo-ram capazes de produzir exuberantes exemplares de jias e objectos, com uma sofisticao, com desenhos fabulosos de grande mincia e rara beleza na sua decorao, que resistiram no s ao passar dos sculos, mas tambm serviram e servem, hoje em dia, de inspirao para os designers e joalheiros de todo o mundo (Mack, 1995).

    A fundio do ouro era raramente empregada na produo de peas de jias ou de objectos valiosos, uma vs que este processo somente comeou a ser utilizado durante a idade do ferro na Euro-pa. No entanto a fundio de outros metais j era utilizada desde

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    cedo, no incio da idade do bronze. Uma das razes para a sua no utilizao era que, desta forma as peas tornavam-se mais quebra-dias. Era quase impossvel produzir um molde que utilizasse sempre uma mesma quantidade de ouro e, por isso, as peas tinham na maioria das vezes pesos diferentes. Hoje em dia, com a evoluo das tcnicas de fabrico, isso j no um problema, mas na antiguidade, onde o ouro era caro, escasso e geralmente fornecido pelo cliente ao ourives que fabricava a sua jia, essa contrariedade prtica era um parmetro importante.

    A atraco por materiais raros e belos, veio a despertar o desejo de cada vez mais se sentir a necessidade de embelezar o corpo. Este embelezamento j referido, para alm do factor esttico e de diferenciao do status social tinha tambm uma ligao, em deter-minadas gemas, a um poder mgico, passando a ser considerados amuletos de proteco ou de sorte, alguns at para feitios.

    Da o aparecimento de peas de joalharia associadas a deter-minadas pedras com mltiplas funes, como o caso da pedra de mbar aplicada em filigrana, colares ou em anis. Desta forma tornava-se no apenas uma pea decorativa mas, tambm num amuleto de sorte e de proteco. Outras continham efeitos cura-tivos para o corpo, agindo sobre as mais variadas doenas, como o caso da pedra Bezoar, acreditando-se que era capaz de neu-tralizar venenos, quando mergulhada nos lquidos envenenados ou quando ingerida, depois de reduzida a p e dissolvida. Por causa da crena que existia nos seus efeitos essa pedra era muitas das vezes encastrada em filigrana e usada em colares de ouro, em anis ou pulseiras.

    O homem, como ser social, se expressa e se comunica por movimentos, gestos, smbolos e sinais, sendo o produtor das mais variadas manifestaes culturais. Clifford Geertz, no livro intitulado A Interpretao das Culturas, entende por cultura um sistema simblico, portanto, um cdigo de smbolos partilhados pelos membros dessa cultura, que os acompanha pela histria, passando por aprendizados, assimilaes e mudanas. O patrimnio cultural, portanto, expressa valores, desejos, crenas, tradies e identifica o homem como indivduo em um grupo e este grupo em uma sociedade (Santos, 2002:s/pp).

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    As jias assim como outros elementos utilizados pelos indivduos na decorao do seu corpo vo pois definir o seu estatuto, a sua histria e a sua cultura (Danils, 1989). Pode-se afirmar que, para alm de definir um padro social, por outro lado vai directa ou in-directamente contribuir para a caracterizao e desenho da arte da joalharia.

    A jia, quando criada a partir do smbolo, deixa de ser um objecto neutro e passa a ter uma funo mgica, talismnica; remete para um reencontro ritual do indivduo com a ordem csmica, com os princpios universais. Essa jia tornase ento a representao de uma ordem superior, natural e misteriosa, que protege e projecta esteticamente a personalidade de quem a usa (Seabra, 2004:181182).

    No bero da antiga arte da ourivesaria, encontravam-se terras, outrora frteis, onde floresceu a antiga civilizao sumria caracte-rizada por ser constituda por comunidades muito bem organizadas que viviam do negcio do trigo, cevada e ouro, alm de outros bens. Esta civilizao era conhecida pelos antigos gregos, (4000 a.C.) como Mesopotmia. As suas manifestaes artsticas traduziam-se em di-versos objectos decorativos e na produo de adornos pessoais feitos em madeira, pedra, marfim, gemas e as mais sofisticadas, em ouro (Phillips, 1996).

    Os sumrios foram os primeiros a deixar registos escritos sobre as suas peas de joalharia, descrevendo tcnicas de produo e a habilidade em trabalhar o ouro, tendo estes conhecimentos sido absorvidos por vrias civilizaes antigas entre o Golfo Prsico e o Mediterrneo, da antiga Assria Babilnia, passando pela antiga Anatlia (actual Turquia), pela legendria Tria, Egipto, alcanando as civilizaes minoana (em Creta) e micnica no territrio da actual Grcia, chegando at aos Etruscos na Itlia (Borel, 1994).

    O Antigo Egipto, bero da sabedoria e da riqueza, produziu fa-bulosos tesouros escondidos nos tmulos reais, que desde sempre atraram, salteadores e escavaes clandestinas (Gusmo, 2009).

    O ouro teve um papel de grande relevncia, no seio da civilizao egpcia, tanto na manifestao de arte como dos pensamentos, ser-vindo este para a produo de peas de joalharia e de esttuas dos

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    deuses, na produo de preciosos talisms e objectos com virtudes religiosas, msticas e simblicas.

    Figura 4. Gargantilha em forma de lua crescente, feita em folha de ouro2Fonte: Phillips, 1996:30

    Sendo grandes apreciadores, os faras, no coleccionavam s pelo valor inerente pea, mas tambm pelo carcter inaltervel que o ouro tinha, igualando a eternidade divina, para alm de ser um metal comparvel cor do sol e emblemtico do poder (Abn, s/d).

    O ouro, do latim aurum, que significa aurora brilhante, recordanos como algumas civilizaes pensavam que esse metal fazia parte do Sol e lhe atriburam propriedades mgicas. Os Egpcios amortalharam com ele os faras, de modo a garantir a sua chegada ao outro mundo (Codina, 2000:12).

    Em algumas regies egpcias, o comrcio de ouro desenvolveu-se com alta qualidade e a confeco de jias, era na sua grande maioria destinada corte ou cerimnias religiosas. Tambm eram confeccionadas tiaras, anis, colares e braceletes para uso pessoal (Phillips, 1996).2Gargantilha em forma de lua crescente, feita em folha de ouro com terminaes circulares decoradas com desenhos concntricos. 700 a.C. Item da idade do bron-ze da Irlanda. Museu Nacional da Irlanda, em Dublin.

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    Figura 5. Bracelete em ligao de metais, ouro, prata e cobre3Fonte: Phillips, 1996:32

    No Imprio Romano, os ourives eram uma das figuras mais po-pulares da vida quotidiana. Com a introduo da moeda de metal precioso, por volta de 600 a.C. veio a ajudar por certo o joalheiro que, trabalhava com um bem de aceitao imediata pelo mercado, tendo o ouro passado a ser utilizado para as mais diversas negocia-es. Todas as pessoas, incluindo o povo, tinham por hbito adquirir o nobre metal (Feninjer, 2009).

    No entanto, poucas peas desse perodo chegaram at ns. Grande parte do vasto esplio desapareceu ao longo dos tempos e a maioria das jias que restaram vm, na sua maioria, de fora de Itlia.

    A partir do sculo IV d.C., a joalharia romana mudou uma vez mais. Ela curvou-se iconografia crist devido ao grande aumento, nesse perodo, dos convertidos ao cristianismo. Essa iconografia acabou por substituir os smbolos pagos nas peas produzidas. As gemas coloridas continuaram a ser populares. Devido carncia de gemas reais, substitutos feitos em vidro passaram a ser introduzi-dos nas jias.

    3Sculo I. Usado pela rainha de Boudica.

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    Figura 6. Colar composto por onze placas de ouro, decoradas com esmeraldas, guas-marinhas e prolas4Fonte: Phillips, 1996:42

    Entre as muitas heranas que a Civilizao Romana nos legou, a que mais se espalhou pelo mundo e que at hoje est presente no nosso dia-a-dia, so as alianas. Foram eles que criaram o anel de compromisso bem como a prpria celebrao do casamento.

    Os amuletos, mais uma das heranas romanas, continuaram a ser utilizados, mas a cruz crist passou a ser o smbolo preferido para a proteco, smbolo normalmente usado na produo de medalhinhas para o uso de crianas, soldados e mulheres.

    No caso da joalharia bizantina, esta mostra-nos uma continuida-de do design e das tcnicas romanas de produo de jias. S a partir do sculo IV que surgem algumas mudanas, uma vez que os ourives adaptaram as suas peas aos novos gostos e cultura dominantes.

    A utilizao de jias era uma predileco caracterstica da sociedade bizantina e os ourives, para alm de trabalharem com o ouro, come-aram tambm a trabalhar com metais mais baratos como o bronze e, em vez de gemas, utilizaram o vidro para confeccionar peas mais econmicas, que se destinavam a serem sepultadas com as pessoas que morriam (Phillips, 1996).

    4Aproximadamente sculo VII, Egipto. Staatliche Museen zu Berlin Preussischer.

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    Na Idade Mdia, os artistas conjugaram a herana da tradio carolngia e o estilo sumptuoso da arte bizantina, atravs do uso de pedras preciosas trabalhadas e encastradas em peas feitas de filigrana.

    Os motivos decorativos da antiguidade clssica serviam como ins-pirao na elaborao dos camafeus5, sendo utilizados no teatro.

    Alguns motivos eram inclusivamente utilizados na decorao do prprio corpo. Disso exemplo o povo da Indonsia (imagem a baixo). A cada tipo de ornamentos so-lhes associados diferentes conceitos, em alguns deles associados com a palavra jia.

    Figura 7. Diferentes motivos utilizados na decorao pessoal do corpo6Fonte: Rodgers, 1985:117

    Para alm da Indonsia, tambm na Malsia, Sarawak e no norte das Filipinas, a roupa e a joalharia servem para diversas funes e atravessa diferentes camadas sociais e at em entendimentos reli-giosos. Jias e tecidos so frequentemente mantidos como tesouro ancestral, e servem como relquias, de famlia para famlia. As formas, cores e desenhos, nos ornamentos e tecidos cerimoniais so tambm

    5Estas surgiram por volta de 300 anos a.C., em Alexandria, no Egipto, eram muito utilizados em jias e adornos complementando as vestimentas. Os gregos e roma-nos tambm apreciavam o uso de camafeus gravados com imagens de deuses e deusas, cenas mitolgicas ou figuras femininas. 6Homem e mulher de dayak, usando brincos pesados. Ele tatuado com motivos da prpria cultura.

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    considerados como representaes pblicas de ideias importantes em sistemas locais de poltica tradicional, parentesco, mito e ritual (Rodgers, 1985).

    Figura 8. Traje da corte de Sumbawa7Fonte: Richter, 2000:170

    Ser importante deixar como referncia algumas caractersticas destas peas, cujos motivos utilizados so comuns a muitas outras artes. Como exemplo temos a sia cujos smbolos mais utilizados na joalharia eram labirintos rectangulares, espirais duplicados, crculos li-gados, linhas tangentes e losangos. Por sua vez estes smbolos eram utilizados em motivos decorativos na arquitectura, em tatuagens, em objectos cravados em madeira, ossos e ferro.

    Cada pea, cada detalhe, cada figura, seja ela humana, animal, mtica, ou vegetal, tem o seu prprio significado, relacionado com o povo, a poca e a tradio.

    Na Tailndia, o transporte de peas de ouro, prata e pedras

    7Uso de colares kawari presos roupa, muitas das vezes, substituem peas de vesturio.

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    preciosas para pases Europeus e Asiticos, tais como Portugal e Japo entre outros, influenciou a arte da joalharia europeia, reflectindo-se nas peas produzidas de uma extraordinria riqueza e uma diversidade enorme da joalharia tradicional tailandesa (Richter, 2000).

    Figura 9. Traje tradicional da TailndiaFonte: Leventon, 2008:196

    Os povos orientais passavam os adornos pessoais de gerao em gerao, da muitos terem chegado at aos dias de hoje. Nos costumes tradicionais as peas de joalharia eram um complemento, sendo estas fortemente valorizadas nos casamentos. Tais peas, pelo seu valor e pelo facto de algumas regras tradicionais se terem alterado ao longo do tempo, quebraram a regra e passaram a ser vendidas. No entanto aqueles que ainda conservam a tradio utilizam-nas em ocasies espe-ciais, como festas, funerais ou outros inventos sociais (Rodgers, 1985).

    Estes adornos tradicionais, passaram a ser elementos importantes

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    nas representaes culturais. Como exemplo, de referir as danarinas na Tailndia e no Camboja onde usavam peas tradicionais nas suas interpretaes para a corte.

    Os trajes da corte foram influenciados pela arte Oriental e Oci-dental. No que concerne s influncias chinesas nos trajes, estas deveram-se ao contacto comercial tido com os chineses aquando da exportao do ch, sedas e tapearias. O elemento religioso mais utilizado foi as nuvens, sendo atribudo a cada tipo de nuvem um significado diferente (Richter, 2000).

    Em algumas zonas da sia, peas de joalharia chegavam a substituir peas de vesturio, sobretudo nas crianas. Utilizavam discos grandes como colares, presos no pescoo e depois nas ancas, os chamados Kawari, em formato de estrela ou flor. Mas nas cerimnias ou nos casamentos, utilizavam por cima dele, saias feitas com cintos bastantes trabalhados. (imagem da pgina 31).

    Figura 10. Toilette caracterstica de uma mulher indianaFonte: Moraes, 2000:62

    Na ndia antiga, os adornos pessoais eram feitos de materiais en-contrados com facilidade na natureza como por exemplo, couro, den-tes e ossos de animais, folhas, penas de pssaros, frutas silvestres e

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    sementes. Ainda nos dias de hoje tais jias so usadas por diferentes sociedades tribais.

    Os ornamentos na ndia foram e continuam a ser feitos para se-rem utilizados em praticamente todas as partes do corpo, com uma qualidade excelente do trabalho dos ourives indianos. As jias no s eram feitas para humanos, com tambm para animais que repre-sentavam deuses, como os elefantes e cavalos cerimoniais. A arte da joalharia tem recebido patrocnio real desde tempos muito antigos.

    As jias na ndia preenchem vrias funes e a sua utilizao pode ter vrias implicaes. Para alm de atenderem a um desejo inato do ser humano em embelezar-se, tambm servem como iden-tificador de diferentes estratos da sociedade, sendo ainda hoje uti-lizadas como segurana econmica e como smbolo de contractos sociais (Murteira, et al., 1998).

    Para os Hindus, as jias esto associadas com a maioria das cerimnias religiosas, especialmente as Samaskaras (estgios da vida) e as Vivaha (casamento). Para ostentar o status de casada, as mulheres hindus precisam usar a mangalsutra ou o thali, que consistem em pendentes de ouro, cada um com uma certa combinao com gemas. Tradicionalmente, um ourives fura a orelha da criana 12 dias depois do nascimento (Pedrosa, s/d; s/pp.).

    O perodo mais rico da histria da joalheira indiana, ocorreu du-rante o Imprio Mongol (1526-1761) (Moraes, 2000), onde os ricos rajs adornavam-se com jias nos turbantes, nas orelhas, em volta do pescoo, nas narinas e at entre os dentes. Os objectos precio-sos usados pelas mulheres eram ainda mais numerosos. s jias, j nessa poca, eram-lhes atribudos significados especiais e nomen-clatura em conexo com as crenas religiosas e todo o objecto de adorno tinha um nome especfico que indicava o seu papel (Murteira, et al., 1998).

    No sculo XV e XVI, surgiu o Renascimento como uma poca de grandes mudanas. Os reinos da Europa converteram-se em Es-tados, surgiram profundas transformaes na religio, nas ideias e nos comportamentos da sociedade e toda esta forma de pensar se reflectiu profundamente na obra dos grandes artistas. Novos talentos

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    surgiram em todas as artes, entre eles o grande ourives e escultor, Benvenuto Cellini.8

    Figura 11. Benvenuto Cellini, Saleiro, 1539-15439Fonte: [Consult. Data 10 de Agosto de 2009]. Disponvel em

    Tendo produzido ao longo da vida um nmero elevadssimo de peas, poucas foram as que chegaram aos nossos dias. Uma destas peas de reverncia o famoso Saleiro10 A qual se encontra actu-almente no Kunsthistorische Museum, em Viena (Phillips, 1996).

    8(1500-1571) Foi um artista da Renascena, escultor, ourives e escritor italiano. Estudou no atelier do pintor Filippino Lippi, onde aprendeu a principal regra da Escola Florentina renascentista: o desenho tinha que ser a base de toda a obra de arte. Ele admirava acima de tudo os desenhos de Miguel ngelo e Leonardo da Vinci. Cinco anos mais tarde, Cellini mudou-se para Roma. Passando a ter, anos de grande produtividade, com diversas encomendas para a corte papal, mas Cellini desentendeu-se em Roma e foi para Paris. Retornou a Roma mais tarde e foi preso, sob a acusao, de que tinha roubado pedras preciosas do tesouro papal. Cellini conseguiu ser absolvido e finalmente colocado em liberdade, com a interveno do rei francs Francisco I, para o qual trabalhou, nos anos que esteve em Paris. Em Frana, ao servio do rei, produziu jias e esculturas diversas. No fim deixando todas as obras encontradas no seu estdio, para o filho do duque florentino, Cosme I, de Mdicis e Francisco I. 9Ouro, parcialmente coberto por esmalte, com base de bano 0,26 x 0,333 m. 10Feito para o rei Francisco I.

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    Nesta poca, a ndia passou a ser um dos principais fornecedores de diamantes para todas as partes da Europa, graas descoberta do Caminho Martimo. Esta nova via veio substituir as vias usadas pelos comerciantes durante sculos. Lisboa passou gradualmente a ser uma cidade de referncia para o comrcio das gemas indianas que chegavam Europa, dando origem a um grande centro de co-mrcio da jia em Portugal.

    Figura 12. Custdia de Belm, Portuguesa e Chinesa11Fonte: [Consult. Data 10 de Agosto de 2009]. Disponvel em e Conferncia Episcopal Portuguesa, 1994:62

    Com os descobrimentos, a Europa beneficiou da fuso de cul-turas, absorvendo novos estilos, tendo estes dado origem a novas peas, explorando novas tcnicas de produo, novos conceitos e novos materiais (Murteira, et al., 1998).

    Os Portugueses, mais uma vez atravs dos Descobrimentos, con-tactaram com a grande riqueza da arte das culturas dos povos Orientais. Foi evidente que com a aproximao e troca entre culturas,

    11Custdia, incio do sculo XX, Zikawei, China.

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    de experincias entre os ourives indianos e portugueses, nomeada-mente sobre as tcnicas de produo e fabrico de peas, permitiu que rapidamente se intensificasse esta nova cultura. As peas produ-zidas graas a esta multiculturalidade, ganharam um estilo prprio, designado por Indo-Portugus. Uma das tcnicas mais utilizadas nesta poca foi a filigrana, contudo ainda hoje se discute a sua verdadeira origem (Rodgers, 1985).

    Figura 13. Colar com pendente Figura 14. Colar em ouro e esmalte em filigrana12 trabalhado13Fonte: Fundao Calouste Fonte: Phillips, 1996:106 Gulbenkian, 1998:149

    desta poca a pea mais representativa da ourivesaria portugue-sa A Custdia de Belm14. Face a todo o movimento gerado pelos

    12Coleco do rei D. Fernando, como distintivo dos vice-reis. Gosto do sculo XVIII ao sculo XX.13Decorada com diamantes e com um pendente de prola e pedra de safira no centro. Provavelmente francs, no ano 1660.14A Custdia de Belm foi tomada como saque pelas tropas francesas durante a Guerra Peninsular, sendo levada para Frana e devolvida aps o termo da guerra. Pea da autoria de Gil Vicente, considerada uma das mais bonitas obras-primas portuguesas. Realizada com o primeiro ouro proveniente do reino de Quloa (actual Kilwa Kisiwani, na Tanznia), trazido por Vasco da Gama, em 1503, no regresso da sua segunda viagem ndia, como tributo de vassalagem ao rei de Portugal. A Custdia elaborada no mbito do universo artstico do gtico tardio ao tempo

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    Descobrimentos portugueses, no s surgiram alteraes na arte da joalharia como, tambm, nos materiais que comearam a ser utilizados na confeco do prprio vesturio. A seda passou a ser um desses materiais, ao qual se associaram jias de uma grande delicadeza. Estas peas tiveram tambm grande influncia nos des-cobrimentos, introduzidas principalmente pelos Ingleses, Espanhis e Portugueses. Estes novos estilos criados em que, os motivos granulados e com filigrana, comearam a ser representativos mais uma vez reforam esse cruzamento de culturas, em que o factor religioso tambm teve o seu peso.

    Figura 15. Joalharia em Portugal15Fonte: Sousa, 1999:119

    Inmeras foram as peas que comearam a ser transaccionadas para os mais diversos fins. Presentes reais, ofertas a familiares e amigos ou mesmo aco de graas, pelos tempos difceis ultrapassa-dos nas longas viagens, permitiram um maior enriquecimento cultural

    de D. Manuel I, estruturada a partir de um esquema de influncia arquitectnica. 15Pea da autoria de Ambrsio Pollet, em 1790, coleco do Palcio Nacional da Ajuda.

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    para alm do factor econmico ligado s trocas comerciais (Murteira, et al., 1998).

    O sculo XVIII, foi um perodo de grande opulncia para a jo-alharia portuguesa devido descoberta de ouro e, mais tarde, de diamantes e outras pedras preciosas, provenientes das suas novas descobertas.

    Durante este sculo, a arte da joalharia em Portugal sofreu pro-fundas transformaes. O envio para a corte de grandes quantidades de ouro e de gemas provenientes das minas do Brasil caracterizaram grandemente a joalharia portuguesa, tanto ao nvel do significado que a jia adquiriu, como dos materiais usados na sua construo formal, verificando-se mais nas peas produzidas por encomenda do clero.

    O peso religioso da poca levou a que os temas religiosos pre-valecessem nas concepes artsticas e decorativas. O uso de vrias gemas numa mesma jia, deu lugar a peas mais uniformes na sua decorao e design, realando o brilho e a cor de uma nica gema.

    Surgiu ento a jiaespectculo, cujo objectivo principal do seu portador era a demonstrao pblica de riqueza, poder ou convico religiosa. Diamantes, safiras, esmeraldas, rubis e prolas eram as gemas mais apreciadas para este tipo de jias. (Pedrosa, s/d, s/pp).

    Tal abundncia influenciou o gosto e a ostentao, a simbologia e a devoo, bem como as formas e os designs que se podiam observar nas cortes dos finais do sculo XVIII e dos incios do sculo XIX, as quais caracterizaram um perodo em que a joalharia alcanou uma preponde-rncia excepcional no campo das artes decorativas (Phillips, 1996).

    Em Veneza, cidade onde a arte da joalharia teve um grande peso, no incio do sculo XVIII, desenvolveu-se uma nova tcnica de lapida-o de diamantes, que se designou por brilhante, sendo considera-da como um aperfeioamento tcnico da arte da lapidao.16

    Esta tendncia de utilizao de vrios diamantes numa nica jia, levou os ourives a produzir suportes invisveis para as gemas. A prata

    16At ento, a lapidao mais apreciada era a rosa, que consistia em vrias facetas feitas na superfcie visvel superior da pedra. Na lapidao em brilhante, o processo passou a ser feito com as facetas dispostas de modo geomtrico, de forma a que a luz reflectida maximize o brilho, a cor e o fogo do diamante.

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    tornou-se o metal preferido para estas montagens porque, caso fosse bem polida, confundia-se com o brilho dos diamantes (Phillips, 1996).

    Para alm dos diamantes, os ourives utilizavam ainda outras gemas, tais como as esmeraldas, os rubis, as prolas e as safiras. Tambm foram produzidas peas de joalharia com gemas de menor valor, mas com uma grande presena decorativa. Todas estas gemas eram encontradas facilmente no Brasil, uma das colnias portugue-sas da poca.

    O Naturalismo foi a maior fonte de inspirao para ourives e joalheiros do sculo XVIII, tanto em Portugal como em praticamente toda a Europa. Procurando inspirao na fauna e flora, os artistas criaram jias que reproduziam fielmente o desenho de ramos de flores ou que os apresentavam estilizados. Este tipo de trabalho era influenciado tambm pelos jardins barrocos da altura.

    As jias usadas na corte portuguesa do sculo XVIII atingiram um elevado grau de esplendor. No caso das jias femininas, destacavam-se colares, brincos, alfinetes, anis, braceletes e variados adornos para o cabelo. As tiaras surgiram somente nos finais do sculo. No caso das jias destinadas aos homens, estas caracterizavam-se essencialmente pelos alfinetes de chapus, relgios com correntes, fivelas tanto para mantos como para sapatos, botes e insgnias.

    Na segunda metade do referido sculo surgiu o lao, uma jia desenhada em forma de lao de fita, na qual se acrescenta um pen-dente. Produzido em ouro ou prata e guarnecido com diamantes, o lao podia ser alfinete para roupas ou chapus, brincos ou pendente de um colar (Silva, 2005).

    No perodo seguinte, surge o estilo neoclssico, onde os membros da corte se vestiam com roupas que faziam lembrar, em muitos dos seus detalhes, o estilo clssico greco-romano, assim como as jias que os adornavam. Com a fascinao e a preferncia pelo design clssico antigo to em moda, os ourives e joalheiros passam a ba-sear-se na histria da antiguidade clssica, usando antigas tcnicas de confeco de jias usadas pelos Etruscos.

    No perodo Rococ, as jias passam a ser assimtricas e leves. Surgem, pela primeira vez, jias mais leves para serem utilizadas

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    durante o dia e jias para serem usadas noite, na sua maioria, desenhadas especialmente para se tornarem mais brilhantes na pre-sena da luz dos candelabros.

    Figura 16. Lao, meados do sculo XVIIIFonte: Sousa, 1999:122

    Os anos de 1840-1860 foram tempos interessantes para se vi-ver na Inglaterra. Vrias mudanas advindas da Revoluo Industrial trouxeram uma nova ordem social e econmica. No era comum o uso de jias durante o dia e, devido aos penteados da poca, os brincos passaram somente a ser usados em ocasies muito espe-ciais. As mulheres, nessa poca, usavam jias no somente como um acessrio decorativo, mas tambm como um veculo para expressar sentimentos (Khler, 1993).

    Em 1900, tem lugar, em Paris, a Grande Exposio Universal. Os seus pavilhes mostram as maravilhas dos diferentes pases ao redor do mundo. Vrios foram os nomes que se projectaram neste perodo. Um destaque de referncia para um dos expoentes da arte russa da poca e que participou nesta mostra mundial - Faberg17. Tendo apresentado uma coleco constituda por 15 ovos de Pscoa, esta

    17Peter Carl Faberg, (1846-1920), foi um joalheiro russo, especializou-se na produ-o de obras com motivos de arranjos florais, figuras humanas e animais. Conhe-cido pelos seus famosos ovos Faberg realizados para a famlia real russa.

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    foi considerada uma verdadeira obra de arte da ourivesaria.Louis Cartier18, joalheiro francs que visitou a exposio na com-

    panhia do seu pai, ficou encantado e impressionado com a arte do joalheiro russo. Conhecedor da fama de Faberg foi, no entanto, a primeira vez que pode constatar a que grau de perfeio chegou a arte na ourivesaria russa. E foi na ourivesaria de Faberg, que Cartier foi buscar inspirao do seu trabalho, comeando ento uma con-corrncia entre as duas maisons. Numa poca em que a decorao de interiores era luxuosa, o joalheiro russo utilizou nas suas peas, particularmente refinadas, o mtodo de aplicar a gema sobre uma base de ouro ou prata, previamente gravada com motivos geomtri-cos, cinco ou seis cores de esmalte, escolhidas de entre uma paleta com 140 nuances. Ao passar pelo calor, a superfcie do objecto apre-senta ento uma brilhante aparncia ondulante, criada pela gravura visvel sob o esmalte transparente.

    Figura 17. Design de uma pregadeira por Cartier, simboliza o tempo de guerra em Paris, em 1940. O tema foi La librationFonte: Phillips, 1996:189

    A partir de 1904, Louis Cartier encomenda Yahr, fornecedor da Maison Ovchinikov em Moscovo, vrios objectos esmaltados, tais como cigarreiras, molduras, pequenos espelhos e adornos para cintos, entre

    18(1875-1942). Foi um famoso joalheiro e relojoeiro francs, que iniciou a Maison Cartier em 1847.

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    outros. Mas, apesar de inmeras tentativas, Cartier jamais conseguiu uma paleta de cores comparvel de Faberg, mas criou novas combi-naes de cores, como o verde azulado e o verde violeta, desconheci-das do mestre russo. Cartier procurou inspirao para o design de flo-res, na arte floral japonesa (ikebana), tendo na sua confeco utilizado um espectro de materiais mais amplos do que o utilizado por Faberg: opalas, gatas, quartzos e mrmores. Os animais mais populares pro-duzidos por Cartier foram pssaros, pequenos roedores e elefantes. Em 1906, Louis Cartier resolveu ousar mais um pouco e a Maison francesa passou a fabricar tambm os clebres ovos de Pscoa eternizados for Faberg. O primeiro ovo Cartier fabricado utilizou prolas, diamantes e ouro esmaltado, uma verdadeira provocao (Phillips, 1996).

    Figura 18. Esposa do Milionrio Americano Sr. Jay Gould, usando jias tpicas da poca de 1900Fonte: Phillips, 1996:167

    Tambm foi buscar inspirao s coreografias do ballet russo, co-meando ento a trabalhar no design de anis com gemas coloridas, combinando com jades, safiras com esmeraldas e de vez em quando, cristais-de-rocha, para compor um fundo neutro. Estas combinaes, audaciosas para a poca, fizeram um enorme sucesso durante o perodo Art Dec (Raulet, 1984).

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    Entre eles, de salientar Sotirio Bulgari19, homem italiano, que surge em finais do sculo XIX, mais concretamente em 1884.

    Bulgari, descendente de uma famlia grega, dedicou-se a produzir peas e objectos de luxo, em materiais nobres. Tendo imigrado para Itlia, foi em Roma que abriu a sua primeira loja. Com a ajuda dos seus filhos, Constantino e Giorgio, em 1905 abriram uma segunda, a qual ainda hoje permanece aberta e como referncia da marca.

    Durante as primeiras dcadas do sculo XX, os dois irmos, se-guindo o percurso do pai, desenvolveram grande interesse por jias e pedras preciosas. Inspirando-se no estilo Art Dec, produziram peas com a aplicao de diamantes, safiras, rubis e esmeraldas, constituindo deslumbrantes coleces, as quais foram mostradas na exposio Internacional de Artes e de Joalharia de Paris, em 1925.

    Figura 19. Pea de Joalharia BulgariFonte: [Consult. Data 9 de Fevereiro de 2010]. Disponvel em

    Nos anos 70, a marca comeou a expandir-se internacionalmente, abrindo lojas em Nova Iorque, Paris, Monte Carlo e Genebra.

    Hoje a BVLGARI no s uma marca de joalharia como tambm de perfumaria, relojoaria e noutros acessrios.

    Um outro joalheiro de referncia foi Ren Lalique20. Este contribuiu 19Hoje em dia a chamada BVLGARI.20Nasceu em Frana (1860-1945). Frequentou o curso de Belas Artes, e foi um mestre vidreiro e joalheiro francs. Teve um grande reconhecimento pelas suas originais criaes de jias, frascos de perfume, copos, taas, candelabros, relgios,

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    significativamente para o movimento Art Nouveau que floresceu na Europa e nos Estados Unidos entre 1895 e 1905. A sua obra ca-racterizou-se por motivos ornamentais, onde as linhas ondulantes e assimtricas tomavam a forma de flores, botes, galhos, asas de insectos e outros delicados elementos da natureza. Estas linhas que ora eram elegantes e graciosas, ora impunham ritmos dinmicos, criaram uma fuso entre a estrutura e o ornamento. Esta paixo frentica da representao da natureza permitia sem dvida mostrar estados ociosos, curvas sensuais e a palidez esttica, tudo sob a forma de arabescos. (Ferreira, 1997).

    A Arte Nova (Art Nouveau) caracterizou-se como a juno de uma inspirao antiga com novas ideias. Neste estilo, os artistas foram buscar inspiraes aos mistrios da religio, fauna e flora, com grande tratamento na decorao e pormenores. Este modo de inter-pretar a arte foi sobretudo aplicado na arquitectura e na decorao de interiores.

    Foi nesta poca que se comeou a popularizar a chamada joalharia de autor, onde os designers procuravam as suas prprias formas de expresso (Phillips, 1996).

    As caractersticas principais desta forma de arte eram a assimetria, as curvas e contra-curvas. Eram trabalhadas ainda algumas figuras ins-piradas nos smbolos da mitologia como os drages e as serpentes, do estilo gtico os vampiros e os morcegos, do reino animal os paves e as borboletas (Pulle, 1990).

    Laliques technical virtuosity and versatility is offset by the impact of colour and pagan symbolism. Plant and insect forms were combined as a part of the decoration and function. Several different objects were drawn together by the forcefulness of his style. Lalique utilized a delicate and luxurious vocabulary which typifies the artistic and inventive nature of French Art Nouveau (Pulle, 1990:22.)21

    etc., dentro do estilo modernista. A fbrica que fundou e funciona ainda em seu nome ficou associada criatividade e qualidade, com desenhos tanto faustosos como discretos.21T.L.: A virtuosa tcnica e a versatilidade de Lalique so salientadas pelo impacto da cor e do simbolismo pago. As formas da planta e do insecto so combinados como uma parte da decorao e da funo. Vrios objectos diferentes foram produzidos pela energtica fora do seu estilo. Lalique utilizou um vocabulrio delicado e luxuoso dentro da natureza artstica e engenhosa Art Nouveau francesa.

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    Na Europa, muitos artistas, seguidores de Lalique, comearam a elaborar peas de joalharia seguindo a tendncia da moda.

    Figura 20. Lalique, 1987-1988Fonte: Ferreira, 1997:287

    As plantas no seu todo ou partes destas, foram desde sempre adoptadas nos livros sagrados das principais orientaes religiosas de raiz Indo-Crist e Orientais (ver figura 20).

    A Art Dec, nasceu no tempo da I Grande Guerra Mundial entre 1914 e 1918. Novas tecnologias surgiram nesta poca e novos ma-teriais foram lanados no mercado para ajudar crise criada pela guerra. Esta crise arrastou-se a todos os sectores e a indstria da moda em particular, deixou praticamente de funcionar. A mulher ao substituir o homem nos postos de trabalho, necessitava de uma rou-pa mais prtica e desportiva.

    A moda tornou-se abstracta, futurista para a poca. O seu design consistia na conjugao de formas geomtricas, como crculos, trin-gulos e quadrados, em inmeras formas e conjugaes pticas.

    A joalharia passou a incorporar no seu design novas influncias vindas do Egipto, devido s peas descobertas no tmulo de Tutenkhamuns, em 1922. So exemplo, os olhos de leo feitos com pedras tais como a turquesa e os cristais coloridos. O look Clepatra, passa a estar na moda devido s protagonistas dos filmes de poca vindos de Hollywood, como Helen Gardner, Anna Held e Claudette Colbert.

    Na Amrica, juntavam-se a este estilo as inspiraes pr-colombianas

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    dos Maya, Azteca e Arte Indiana, criando algo mais luxuoso e deco-rativo (Pullee, 1990).

    As artes decorativas influenciadas tambm pela Art Dec descre-vem um ciclo perptuo, passando continuamente das formas deriva-das da natureza s formas abstractas. Para cada civilizao e para cada poca, a joalharia teve diferentes expresses artsticas. A roupa e a joalharia funcionam como um estudo fsico e psicolgico. Em muitas civilizaes na sia, j anteriormente referidas as jias eram usadas como substitutas de roupa. Bandas volta da cintura serviam para tapar o sexo. O mesmo acontecia com os rgos genitais os quais eram tapados com jias.

    A decorao do corpo, um fenmeno ubquo que excedeu o espao e o tempo em muitas culturas. No existe nenhuma parte da anatomia do ser humano que, no consiga ser embelezado de uma maneira ou de outra com joalharia (Borel, 1994).

    Considerada a jia em muitas sociedades, como a nica pertena da mulher, na ndia que mais se reflecte tal situao, ao constatar da diversidade de jias que esta transporta para todo o lugar onde se desloca.

    A joalharia foi e continua a ser considerada como um elemento de seduo e um componente visual. Tanto na moda como na joa-lharia, uma das suas caractersticas a fora que tem na mudana (Beeling, 2000:9). A moda da joalharia, esteve desde sempre, intrin-secamente ligada moda vestimentar (Lpovetsky, 1989).

    A jia, para alm de ser um elemento que gostamos de exibir, tambm um elemento de reconhecimento social e acima de tudo, um valor seguro facilmente negocivel. Da, muitas vezes o comprador s dar importncia ao valor da pedra, esquecendo a prpria esttica da jia, independentemente das modas. O valor da sua aquisio subsistir da concepo. Mas a nova aliana entre criadores e jo-alheiros, inaugurada por Cartier na exposio internacional das artes decorativas, exige que a jia esteja em perfeita harmonia com a pea de vesturio (Rallet, 1984).

    Cartier, j acima referido, um dos cones de luxo mais antigos e uma das maiores referncias no mundo da Alta Joalharia (Miranda,

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    2008:120), tendo provocado alteraes de referncia nesta arte e na da moda, vindo a influenciar muitos outros artistas.

    De referir j na altura, o gosto e mesmo necessidade de alguns nomes conceituados, conjugarem em simultneo nas suas criaes a arte da joalharia e da moda.

    Nos anos 10 do sculo passado, Paul Poiret22 brilhava na moda, retirando o espartilho, criando linhas mais livres, produzindo tambm uma linha de joalharia mais teatral, com silhuetas influenciadas no Ballet Russo.

    Com o surgir de revistas de moda como o Harpers Bazaar e Vogue, onde a publicidade era um meio de vender e falar o que se usava ou deixava de se usar, destacava-se na parte da joalharia, a casa Cartier.

    Chanel23 para alm de se destacar na moda, tambm de des-taca na joalharia com a sua linha Junk. Tanto Chanel como Elsa Schiaparelli24, surpreenderam os seus clientes com os seus trabalhos extravagantes e teatrais os chamados bijoux de fantaisie.25

    Chanel misturava jias de dia com vestidos de noite, usou ainda imitaes de prolas, normalmente em pedras grandes e com um estilo barroco, longo e com pedras coloridas em vidro.

    No caso de Schiaparelli so peas mais excepcionais, at grotes-cas, com carcter, em particular aquelas com um design surrealista.

    Surgem novas matrias primas tais como o plstico e o vidro, crian-do novas peas.

    Em 1927, a revista Vogue reporta Fashion has decided that all we need ask of an ornament is to adorn us, and that neither our complexions () nor our gems are to be natural (Pullee, 1990:41).26

    22Designer de moda francs (1879-1944), que tornou-se famoso por libertar as mulheres dos incmodos espartilhos, propondo uma silhueta mais solta, baseadas nas formas da Art Dec.23Gabrielle Bonheur Chanel (1883-1971), mais conhecida por Coco Chanel, foi uma importante designer de moda francesa.24(1890-1973).25T.L.:Bijoux de fantasia. PHILLIPS, Clare. From Art Deco to the 1950s. In Jewelry: From Antiquity to the Present (world of Art). Nova Iorque: Thames & Hudson, 1996. p. 188.26T.L.: A moda dita que tudo que ns necessitamos de uma pea que esta nos enfeite e no nos complique o visual () nem que todas as gemas que usamos tm de ser naturais.

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    Nos anos vinte Os colares de prolas e as pulseiras eram usadas para dissimular a (nudez) (Seeling, 2000:97).

    La Belle du jour: A mulher no saa rua sem maquilhagem e jias, mesmo que fossem falsas (Seeling, 2000:286).

    A joalharia e a moda, no s esto ligadas pelas suas caracters-ticas da constante procura de uma tendncia, mas tambm porque cada vez mais se completam entre si.

    A moda, constante mutvel do ser humano ao longo dos tempos, o reflexo dos gostos, as culturas, dos movimentos estticos, as jias so os acessrios que acompanham essas mutaes () (Carvalho, 2009).

    (...) most woman had to be content with buying their clothes, like their jewellery (...) (Blauer, 1991:7).27

    Atravs da joalharia, a pea de vesturio ganha uma nova capa-cidade de comunicao. O corpo suporta e d consistncia a este processo, a este casamento.

    No contacto, h algo do outro que passa para ns e h algo de ns que passa para o outro, a pele constituise como uma zona de trocas, de transferncias, fsicas e simblicas, emocionais e comunicacionais. Esta interconstituio dialctica gerada pelo contacto est, tambm, presente na relao entre o corpo e a jia. (Bartolo, 2007).

    A flexibilidade do corpo a curva que une. O ngulo preso e visvel do corpo une a solido do que junto (Kolovra, 2004:102).

    Esse corpo, em muitas civilizaes milenares e que continuam a sobreviver a todo uma cultura globalizante, muitas vezes alterado ou deformado atravs da introduo de adornos muitas vezes em ouro, bronze ou prata, como smbolo de comunicao e distino. Como exemplo, temos os dayak cujas prticas no so consideradas defor-maes cruis do corpo, mas sim, sinais da beleza (Rodgers, 1985).

    27T.L.: Grande maioria das mulheres tm de estar contentes por comprarem as suas roupas tal como as suas jias.

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    Recentemente surgiu a joalharia de autor ligada ao aparecimen-to de Theodor Fahrner28. Tendo este, uma firma de joalharia, todos os artistas que colaborassem com ele, tinham direito de registar as suas peas. Todas as peas que eram, na sua maioria, desenhadas por Fahrner, podiam ser usadas nas mais variadas situaes, aten-dendo a que passaram a estar enquadradas num novo conceito da moda. Uma mulher s estaria bem vestida, se usasse uma pea de joalharia.

    Figura 21. Propaganda da pocaFonte: Schmundt et al, 1991:181

    Do you love a personal touch? Would you like to unveil a very personal charm in the way you dress? Then choose the magical Fahrner Jewellery. It completes your stylish appearance and stresses your beauty (Schmundt et al, 1991:180).29

    O design de joalharia, surge, alis como todo o tipo de design em geral, como uma actividade criativa.

    O designer faz uso das suas experincias profissionais e de vida, formao e viso do mundo para materializar ideias e solues em objectos/produtos, objectivando atender demandas e preencher desejos

    28(1859-1883), Joalheiro Alemo.29T.L.: Gosta de um toque personalizado? Gostava de descobrir um charme especial na maneira como se veste? Ento escolha uma pea de Joalharia Fahrner. Ele completa o estilo da sua aparncia e acentua a sua beleza.

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    dos usurios. A partir de referncias acumuladas e naturalizadas, significados so atribudos aos produtos de design; relacionandoos com outros objectos conhecidos, para que estes sejam reconhecidos e adoptados pelo pblico. The context into which people place the object they see is cognitively constructed, whether recognized, or wholly imaginary (Santos, 2002: s/pp).30

    Mais uma vez e apesar de se estar perante uma nova forma de se olhar a jia, esta continua associada ao factor econmico e so-cial. O designer, ao conceber uma jia, tem que, primeiro, cri-la a nvel de estrutura. Segundo, tem de ter em ateno as tendncias e os interesses de mercado. Em terceiro, tem de escolher o material. neste ltimo passo, que o designer vai tentar tirar proveito para conciliar a sua criatividade com o lucro financeiro.

    Figura 22. Colar em lato e correia de couro, lmpadas e invlucros de balaFonte: English & Dormer, 1995:188

    O material pois um dos maiores desafios para os designers. Ser importante tirar partido destes jogando com as diferentes texturas, for-mas, modulaes e acabamentos. Pedras preciosas e semi-preciosas

    30T.L.: O contexto em que as pessoas colocam o objecto, eles vem que cognitivamente construdo, se reconhecido, ou totalmente imaginado.

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    enriquecem e complementam uma jia. No entanto, cada vez mais surgem outros materiais opcionais, como madeira, contas, cermica, vidro, esmalte, conchas, rochas, os quais tm contribudo para uma nova viso da jia, em que a originalidade o segredo da sua va-lorizao.

    Nesta perspectiva, a joalharia tem vindo ao encontro de uma nova modernizao, onde os materiais/ideias encontrados, nobres ou no, provm da matria que compe e enforma um pensamento, um estar, um percurso, onde o autor rejeita os valores estticos ou mesmo os valores cimentados.

    Figura 23. Knitted Ruffle Collar, 1979Fonte: McFadden et al, 1999:73

    A nova etapa na histria da joalharia surge com o aparecimento de escolas, exposies, workshops, museus de arte, onde os artis-tas/criadores, possam aprender com os outros, aperfeioar as suas tcnicas, divulgar as suas peas e recolher novas ideias e novos conceitos. Surge uma nova forma de compreender a arte da joalha-ria, no sendo s os ourives a produzir peas, como tambm, novos designers, abrindo um novo captulo, a que se deu o nome de joalharia contempornea.

    Ao reunir novos materias para a concepo de novas peas, os vrios artistas criam cada vez mais o seu prprio estilo, incorporando novos mtodos para concepo das suas ideias, como exemplo o

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    japons Yasuki Hiramatsu31, com o seu domnio na arte da ourivesa-ria e as suas ideias singulares, cria peas de joalharia com papel amassado e ouro.

    Kazuhiro Itoh32, produz anis angulares, trabalha com diversos materiais, tais como, ripas de bambu, ou ainda madeira e arame. Outro exemplo dado pela americana Arline Fisch33, que desenvolveu as suas peas a partir de noes de croch, tric e tecelagem em tear (Phillips, 1996).

    Na joalharia e na moda dos nossos tempos, existe um princpio denominado vale tudo e conjuga-se com vrios conceitos e com qualquer material sugestivo capaz de ser transformado, exigindo cla-ro, uma certa qualidade.

    Figura 24. Pea de Elsie-Ann HochlinFonte: Watkins, 1999:80

    A evoluo na rea tecnolgica facilitou o surgimento de novas tcnicas e novas ideias, dando uma maior liberdade, tanto na moda como na joalharia. O computador e os programas informticos vieram a facilitar na produo de novos moldes, a visualizao de peas em

    31Nasceu em Osaka em 1926, Designer de Joalharia no Japo, professor na Uni-versidade de Tokyo.32Nasceu em Ehime em 1948, Designer de Joalharia no Japo.33Nasceu em Nova Iorque, em 1931. Designer de Joalharia na Amrica.

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    trs dimenses, seguindo assim, a critrio esttico.Na mistura de diferentes materiais, na joalharia, as caractersticas

    iniciais variam, podendo endurecer ou amolecer, mudar de cor, au-mentar ou diminuir o seu ponto de fuso, por exemplo. Na moda, a pea pode sofrer deformaes, devido ao peso diferente dos tecidos e sua elasticidade. Os materiais mais importantes na joalharia e os mais utilizados so sem dvida, o ouro, a platina e a prata. Os ou-tros aparecem numa proporo menor, na sua maioria, so respon-sveis pelas mudanas das propriedades anteriormente mencionadas, quando se fundem entre si.

    O metal ao ser fundido, deixa de ser slido, passando a lquido, ao arrefecer, comea a recuperar a sua estrutura moldvel (Codina, 2000).

    Tcnicas tradicionais de ourivesaria foram reinterpretadas e rein-ventadas de tal forma, que modificaram definitivamente o rumo e os conceitos da joalharia contempornea.

    Novas tecnologias foram introduzidas, com o uso do computador para desenhar peas de joalharia, como j foi referido. A utilizao dos recursos digitais permitem visualizar todos os ngulos da pea concebida, antes de esta ser produzida, facilitando, caso haja erros, possveis correces ou eventuais mudanas e aumentar a preciso do desenho. O uso desta tecnologia tambm aumenta a qualidade e preciso dos prottipos. Existem, hoje em dia, vrios programas in-formticos, tais como: JCad3, Type3, Abacus, UNOCAD CAD-CAM (En-glish & Dormer, 1995), ArtCAM Pro, entre outros, que complementam a automatizao da indstria do fabrico de jias. Inclusive, existem programas que ao desenhar a pea em 3D, este corta o molde e produz automaticamente a pea, para alm de produzir rapidamente o molde.

    (...) produced a lot of virtual jewellery it exists in fully rendered forms in three dimensions in computer space (...) (English & Dormer, 1995:26).34

    34T.L.: Na produo de muitas peas feita uma jia virtual, existem ainda formulrios inteiramente compostos por jias em trs dimenses criadas em computador.

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    Figura 25. JCad3Fonte: [Consult. Data 9 de Fevereiro de 2010]. Disponvel em

    A joalharia e a moda so ambas afectadas pelas tendncias de mercado. Os motivos para a aquisio so complexos e percorrem aspectos que vo da simples inteno de embelezar, a smbolos de afecto ou status. A globalizao do mercado mundial, a exemplo do que aconteceu com as indstrias, aumentou a concorrncia no sec-tor e confronta as empresas com a necessidade de desenvolverem factores de competitividade, que lhes assegurem sustentabilidade no mercado. Contudo, o importante a compreenso das tendncias de mercado e desenvolver propostas com caractersticas inovadoras que possam conquistar a preferncia do cliente (Guedes, 2008).

    O design de jias surge com a interpretao do gosto de cada poca e com a traduo dessa leitura. Ele cria peas que possuam elementos de seduo que fascinem e motivem o pblico-alvo para a sua compra. No trabalho de criao, porm, o design no se substitui arte, mas sim, a complementa e enriquece, seja pela mo do prprio designer, ou por intermdio de artistas que encontram nos metais nobres e pedras preciosas materiais de eleio para se exprimirem.

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    Figura 26. Bracelete de Peter ChangFonte: [Consult. Data 9 de Fevereiro de 2010]. Disponvel em

    A PIN (Associao Portuguesa de Joalharia Contempornea)35 sur-ge com o objectivo de criar novos projectos, que se concretizem com o desenvolvimento de intercmbios com o exterior e com novas plataformas que vo ao encontro de outras artes. Esta associao, visa promover a joalharia contempornea, accionando uma base co-lectiva de troca de informaes e de experincias, com a realizao de projectos tericos e prticos no mbito das artes, com especial enfoque na joalharia.

    As escolas de joalharia, permitem aos alunos experimentar tec-nicamente novos materiais, descobrindo novas sensaes e novos mtodos de expresso. Os alunos tm que ter empenho, tica, brio, serem criativos, inventivos e dinmicos, sempre procura da inova-o e da originalidade, atravs da conjugao de diversos materiais, procurando identificar nos materiais e nos mtodos o seu percurso como artistas, criando peas nicas. As escolas ajudam a divulgar e a crescer estes jovens artistas, abrindo novas possibilidades de par-ticipao em exposies profissionais nacionais e internacionais.

    O designer de moda para alm de criar roupa, cria tambm peas de joalharia, tal como faz a casa Chanel.35Disponvel em .

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    Alunos que acabam o curso, tentam abrir um negcio, arranjar um lugar no mercado que valorize a parte artstica e a parte esttica.

    Os alunos em aprendizagem, utilizam inicialmente materiais tais como o lato e o cobre. Quando ganham prtica no domnio das tcnicas, a sim aventuram-se a trabalhar com o ouro e a prata. Os mtodos utilizados para criar uma pea de autor, baseiam-se ini-cialmente na pesquisa de imagens, textos e conceitos. Por vezes, as peas criadas no tm nenhum conceito por detrs, apenas utilizam os meios tcnicos para resolver/criar a pea que tm em mente.

    Figura 27. Colar de Rachelle ThlewesFonte: Watkins, 1999:75

    () Teachers has played a significant role in setting standards, guiding artistic inspiration, and giving the students the necessary technical base to carry out their ideas and find their own voices () The ideal teachers acts as a guide and mentor (Blauer, 1991:45).36

    36T.L.: Os professores desempenham um papel significativo no ajuste dos padres, guiando a inspirao artstica dos estudantes e transmitindo a estes as bases tcnicas necessrias para que possam desenvolver as suas prprias ideias encontrando assim, desta forma, as suas prprias identidades () O professor ideal actua como um guia ou mentor.

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    Os professores devem ser meros orientadores e no interferir no trabalho dos alunos. Um bom professor tem que balanar entre o ensinar e o deixar o aluno se expressar.

    O aluno no tem que seguir o estilo do seu professor. No se evolui a imitar o mestre, que j criou o seu estilo, mas evolui-se a aprender a sua tcnica de trabalhar o metal, dando a sua prpria interpretao artstica s peas que se produzem.

    Artistas como Carrie Adell37 jogam no cruzamento das artes (arts-tica e literria) uma vez que ao criar uma pea de joalharia, ele cria tambm um significado prprio atravs de um ttulo. Por vezes a explicao da sua obra, baseia-se num texto potico o qual directa ou indirectamente transmitir ao pblico uma mensagem.

    Encontrar a melhor forma de se expressar o desejo do artista, como se fosse um artista plstico, a preencher o seu quadro pouco a pouco com pinceladas. Cada um procura uma identidade que vai estar na forma da sua pea. Esta tem que ser conjugada com a har-monia da cor, do movimento, das gemas utilizadas bem como com a ideia que se quer transmitir.

    O artista aprende com as suas experincias, transpondo tudo o que aprendeu ao longo da sua vida, criando estilos ricos e variados. Todas as peas so ensaiadas, at produo da pea final.

    I used to do more finished sketches, and I still do that for costumers. Rough sketches are enough for me to visualize. I try out proportions on paper. I may draw it twenty times until I get to the finished shape (Blauer, 1991:160).38

    Hoje em dia, a joalharia a cincia da inovao e do imagin-rio, movendo-se da ideia tradicional da joalharia para uma joalharia cada vez mais personalizada e mais chegada s condies fsicas dos contornos do nosso corpo (Pullee, 1990).

    37Designer de joalharia, com estdio no Mxico. Utiliza como fonte de inspirao a natureza.38T.L.: Antes da realizao da pea final, costumo fazer esboos bastante detalhados e ainda os fao para os clientes. Os esboos s com as linhas gerais so suficientes para eu conseguir visualizar a pea. Experimento as propores no papel. Posso extralos vinte vezes at encontrar a forma final.

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    Figura 28. Peacock Neckpiece, 1990Fonte: Blauer, 1991:79

    A joalharia no foi apenas criada para mulheres, mas durante os anos 70, comeou a surgir dirigida tambm aos homens. Desta forma, ambos qos gneros podiam recorrer mesma.

    I enjoy looking at jewellery and I enjoy wearing jewellery. These are, in simple terms, the real reasons why I am an artist whose main means of expression have become the creation of jewellery. I make objects whose function it is to decorate the human body and I am also concerned that these items can be enjoyed out of context with the human form, and have times deliberately devised means by which this can be achieved. (Pullee, 1990:84).39

    A joalharia, cada vez mais se pode ver e usar de diferentes formas, adaptando-se s diferentes linguagens que se querem

    39T.L.: Eu tanto aprecio olhar a jia como aprecio usla. Estas so, em termos simples, as razes reais porque eu sou um artista cujos meios principais de expresso se transformam na criao da jia. Basicamente fao os objectos, cuja funo decorar o corpo humano, mas tambm no me importo que estes artigos sejam apreciados fora do contexto da figura humana, tenho ainda sempre em ateno os meios e o sentido da pea em relao poca a que esta se destina.

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    expressar. Muitos designers de jias pesquisam e inspiram-se nas tendncias da moda e vice-versa. Na Alemanha, Leersum e Bakker40 experimentaram formas simples, com que se pudessem vestir ou usar como uma pea de joalharia.

    () jewellery is a response to the fundamental human need to decorate the body () (Pullee, 1990:84).41

    Muitos joalheiros vo buscar inspirao arquitectura, outros sua imaginao e aos sonhos, como o caso do movimento Dada e o Surrealismo, mas tm que fazer sempre a ligao com o corpo.

    () these must be a relationship between the form of the jewellery and the body form (English & Dormer, 1995:24).42

    All the work that these artists have produced is wearable... wearability is not such a difficult design function to fulfil. Most materials are acceptable, and size is a matter of what you can persuade your clients to wear. Only weight is the real issue and there are many solutions to that problem. Thus the artist (or designer) is more or less free to do what he or she wants. (English & Dormer, 1995:119).43

    A importncia, no a forma que o artista quer dar, nem o ta-manho, nem muito menos o material que escolhe, mas o significado que quer dar pea. Isso sim, importante, porque com este significado, que nos vai levar a uma histria, do passado para o futuro, mostrando a sociedade, a identidade e a poca em que se insere a pea.

    40Famoso casal de designers da joalharia alem.41T.L.: A joalharia a responsvel pelas necessidades fundamentais do homem na decorao do seu corpo. 42T.L.:() estes devem ter uma relao entre a forma da jia com a forma do corpo. 43T.L.: Todo o