61
A LIRA DOS VINTE ANOS (Título Provisório) Prólogo Cena no DOPS. Tortura de Lucas. Cena 1 “O Mar e a liberdade” Diogo – Lucas! Lucas! Lucas – Oi! Diogo – Desce aqui! Lucas – Você não vai estudar? Diogo – Hoje não dá, tá uma lua incrível, vem cá. Lucas – Amanhã tem prova. Diogo – Esquece um pouco esse vestibular. Lucas – Mas ainda falta muito para estudar. Diogo – Eu quero falar com você. Lucas – Peraí eu só vou colocar uma roupa decente. Diogo – Aí está você. Eu acabei o livro do Maiakovski que você me emprestou. Os burocratas só podiam odiar um poeta daqueles. Lucas – Foi o que eu te falei! Diogo – Não foi a toa que eles mataram o cara. Sabe do que mais? Lucas – O quê? Diogo – Eu entendi tudo. Lucas – Ah, é?

A Lira Dos Vinte Anos - Texto Elenco

Embed Size (px)

DESCRIPTION

vixi

Citation preview

A LIRA DOS VINTE ANOS (Ttulo Provisrio)

Prlogo

Cena no DOPS. Tortura de Lucas.Cena 1

O Mar e a liberdade

Diogo Lucas! Lucas!

Lucas Oi!

Diogo Desce aqui!

Lucas Voc no vai estudar?

Diogo Hoje no d, t uma lua incrvel, vem c.

Lucas Amanh tem prova.

Diogo Esquece um pouco esse vestibular.

Lucas Mas ainda falta muito para estudar.

Diogo Eu quero falar com voc.

Lucas Pera eu s vou colocar uma roupa decente.

Diogo A est voc. Eu acabei o livro do Maiakovski que voc me emprestou. Os burocratas s podiam odiar um poeta daqueles.

Lucas Foi o que eu te falei!

Diogo No foi a toa que eles mataram o cara. Sabe do que mais?

Lucas O qu?

Diogo Eu entendi tudo.

Lucas Ah, ?

Diogo . Tudo.

Lucas Tudo o qu?

Diogo U, tudo...

Lucas S voc pra me tirar de casa s vsperas do vestibular.

Diogo Voc fica trancado enquanto o mar est logo aqui, esperando pela gente. Olha que lua incrvel! Essa a luz que eu quero pro meu filme. Esse angulo, essa fotografia. Azul da cor do luar. Voc ama Godard?

Lucas Vai cair na prova?

Diogo um cineasta. Eu amo, um gnio, revolucionou o cinema. Voc viu Pierrot, le Fou? Au clair de la lune, mon ami, Pierrot, prte moi la plume, pour crire un mot ma chandelle est morte, Je nai plus de feu. Ouvre-moi ta porte, pour lamour de Dieu.

Lucas Diogo, posso te falar uma coisa?

Diogo Claro! Fala!

Diogo Fala.

Lucas No! Deixa...

Diogo Ah! Fala, eu quero saber. O que ?

Lucas O mar.

Diogo O mar?

Lucas . Voc no acha que o mar tem a ver com a liberdade?

Diogo No era isso que voc ia me dizer... Voc j resolveu o que vai fazer da vida?

Lucas Sei l, andar por a, conhecer gente, fazer a revoluo...

Diogo Voc no tem medo de morrer?

Lucas Eu tenho medo de no viver, Diogo.

Diogo Mas ento, por que voc resolveu estudar histria?

Lucas Pra entender as coisas. Voc tambm, no ?

Diogo ! Mas s vezes eu no sei se por a. A histria deles o contrrio da vida.

Lucas Mas pra gente uma arma. Outro dia perguntaram na prova em que ano caiu o Imprio Romano no ocidente. Eu respondi que avaliando que ns, os brbaros, j estamos s portas da universidade, o imprio vai cair agora, em 68.

Lucas O que achou?

Diogo Avaliando que quem corrige as provas a civilizao decadente, voc vai levar pau no vestibular. Cara, voc voa durante as aulas, ainda no sei como que se d bem. Quando entrei pro curso, te achei muito estranho.

Lucas Voc tambm era diferente, to srio com dezessete anos, meio o menino precoce. s vezes o professor tava l falando e eu ficava te olhando...

Diogo , eu notava que voc me olhava. Por qu?

Lucas Eu gosto de olhar as pessoas... Mas voc tambm me olhava.

Diogo Tambm gosto de olhar as pessoas.

Lucas No era s isso... Era bonito imaginar Aknaton, Alexandre ou Robespierre com a sua cara.

Diogo Minha cara... No gosto de ter a minha cara. J tive at vontade de me deformar pra ter certeza de que as pessoas procuravam por mim, no pelo meu rosto.

Lucas E voc no percebe quando te olham pelo que voc ?

Diogo Em geral difcil, tenho o p atrs. Mas s vezes a gente sente. A beleza no t s numa pessoa, algo que surge de um encontro. A beleza to outra coisa... o que eu sinto com voc e isso me d medo.

Lucas Medo?

Diogo . novo, no sei definir, no sei aonde vai me levar... mas eu quero ir.

Lucas Eu tambm tinha medo... De que voc no tivesse coragem.

Diogo Uma vez, quando eu era garoto, meu pai me pegou abraado com outro menino. Botou ele pra fora de casa, e me deu uma surra. Nem sabia por que tinha apanhado, e ns nunca mais falamos nisso. Tive namoradas e gostava delas, mas nunca deixei de achar que o amor acontece com qualquer pessoa, assim...

Cena 2

To contigo e no abroRegina Meu querido, voc est todo machucado!

Marcos !

Regina O que aconteceu?

Marcos Foram seus irmos...

Regina Filhos da puta! So uns covardes, machistas!

Marcos Tentei me defender, mas eles eram trs, levaram a melhor, cheguei a ficar a nocaute no meio da rua.

Regina Juro que mato esses caras se eles te tocarem de novo!

Marcos Quando eu dei por mim, eles surgiram.

Regina A maluca da minha me cismou que eu tinha que fazer um exame ginecolgico, pra ver se ainda era virgem. E sabe o que pior? Eu sou! Mas me recusei a ir, e ela fez um escndalo, e os trs machinhos ficaram berrando, me proibindo de te ver. Eu disse que a honra de uma mulher no t numa pelcula entre as pernas, eles responderam que vou acabar numa zona.

Marcos Eles ligaram l pra casa, meu pai veio me dar esporro, que bem feito que me quebraram a cara, que com menina de famlia a gente no se mete, com tanta programeira por a. Alm de tudo voc goy.

Regina Sou o qu?

Marcos No judia...

Regina Meu amor...

Marcos Eu disse que te amava, ele cortou minha mesada, e ameaou me mandar para Israel.

Regina Entre minha famlia e a sua, no sei qual a pior. A gente no tem mais nada a ver continuar com eles.

Marcos No sei o que podemos fazer.

Regina Precisamos morar juntos.

Marcos Regina. Sabe de uma coisa?

Regina O qu?

Marcos Depois que o meu pai cortou minha mesada...

Regina Ah, isso no problema...

Marcos Regina. Eu tenho uma surpresa para voc.

Regina Qual ?

Marcos Arranjei um emprego!

Regina Marcos! Meu amor!

Regina De qu?

Marcos Num jornal

Regina Que bom!

Marcos Bom, nada, uma misria... Meio expediente. Mas d pra gente alugar um quarto no solar da fossa. J fui l combinar tudo! Voc quer?

Regina Se quero? Claro que quero! Agora!

Marcos S tem uma coisa.

Regina O qu?

Marcos A grana. No d pra gente comer.

Regina Amanh eu parto para procurar trabalho tambm.

Marcos E o vestibular?

Regina A gente larga o cursinho e estuda junto, o que muito melhor. Hoje vai ser nossa primeira noite de liberdade

Marcos Eu sei...

Regina Sem hora de voltar para casa.

Marcos !

Regina J pensou que bom acordar junto?

Marcos Regina, minha rainha! Eu sempre fui um cara to medroso,

Regina Eu sei...

Marcos To filhinho de papai...

Regina ...

Marcos - Voc me tirou daquela priso, me deu tudo! Voc minha rainha.

Regina Eu nunca tinha sido rainha antes.

Cena 3

Estou doida pra dar

Bruno Garom. Trs duas cervejas.

Garom Num instante.

Ninon Oi.

Bruno Companheira!

Ninon Voc no imagina o que aconteceu...

Regina No me diga! No acredito!

Ninon Aham.

Regina Meus parabns.

Ninon Quer dizer, mais ou menos.

Regina Mais ou menos?!

Ninon Mais ou menos.

Regina Mas foi ou no foi?

Ninon Foi, mas quando estava indo, no foi mais. A ele foi.

Regina Como assim?

Ninon Vou te contar! Sabe o Bruno da Faculdade? Eu conheci ele num bar, ontem. Ns ficamos horas discutindo.

Bruno Voc age como uma burguesa preconceituosa. Os seus problemas so ideolgicos, onde j se viu uma militante gastando uma fortuna com analista porque no consegue ter relaes sexuais? Isso so deformaes da classe, que s se resolvem na prtica.

Regina Conheo essa cantada ideolgica. O cara t afim de comer e fica questionando a sua vacilao em dar como carter de classe.

Ninon Ai que horror!

Bruno Que foi?

Ninon Ali.

Bruno Mas eu no vejo nada.

Ninon Como no? Essa cama t imunda! Olha s, o lenol t amarelo de sujo!

Bruno Ora que bobagem, vai ligar pra isso?

Ninon que a primeira vez tem que ser especial.

Bruno Eu vou fazer umas coisas bem especiais com voc.

Ninon Aqui no! Aqui no!

Bruno Isso uma deformao burguesa.

Ninon No, que isso? Vamos a outro lugar, eu tenho dinheiro.

Bruno E voc acha que eu vou aceitar o seu dinheiro pra pagar o hotel?

Regina Que machista, nessa hora ele no v que ideologia essa do homem aqui quem paga.

Bruno Voc t tremendo!

Ninon Estou com frio!

Bruno Deixa eu te esquentar...

Ninon Opa!

Bruno Calma, neguinha, abre as perninhas, abre...

Ninon To abrindo.

Bruno - Eu vou te comer todinha,

Ninon Tomara.

Bruno Vou te mostrar como homem gostoso... Assim no d! Voc t trancada!

Ninon Eu estou relaxada.

Bruno Assim no d, companheira! Assim no d! Sua reacionria!

Ninon A ele foi embora...

Regina timo! bom mesmo que voc no veja mais este cafajeste!

Ninon No cafajeste!

Regina E o qu?

Ninon Companheiro...

Regina Ah, e no tem companheiro cafajeste? So todos perfeitos... Essa deformao burguesa, de que ele vive falando para se afirmar, t mais nele do que em voc. Tambm, por que voc no deixa a coisa acontecer, em vez de ficar desesperada querendo perder essa virgindade? J no sei com quantos voc j foi para a cama e chega l um desastre!

Ninon Meu analista disse que eu t melhorando.

Regina Ai, Ninon!

Regina Ninon, isso coisa da sua cabea.

Ninon Eu tenho um problema, por isso no consigo ter relaes...

Regina Voc no tem um problema, s insegura.

Ninon No, eu tenho. Meu analista me disse.

Regina Que problema?

Ninon Complexo de Electra.

Regina E o que Complexo de Electra?

Ninon grego!

Regina S precisa de algum que te ame. Cada pessoa tem seu tempo. Deixe acontecer, Ninon. Deixa isso fluir.

Regina Deixa isso fluir!

Ninon Eu queria ver voc encarar o sexo com naturalidade sendo filha de Catarina, a Grande!

Regina E da se a sua me puta?

Ninon Eu tenho medo de ser puta como ela.

Regina Voc no precisa se provar que o contrrio dela.

Ninon Mas eu sinto que isso me trava.

Regina - E como voc est tentando se livrar disso?

Ninon Eu quero dar.

Cena 4

PreceLucas Me.

Clara Voc estava a?

Lucas Passei no vestibular.

Clara Lucas! Que maravilha! E olha o que eu separei para comemorarmos.

Lucas Como que voc sabia?

Clara Eu no sabia, tinha certeza de que voc ia passar. Saiu no jornal. Deixei o champanhe no gelo. A voc e Histria!

Lucas A ns e Histria!

Clara E eu tenho um presente pra voc.

Lucas O qu?

Clara As obras completas de Marx e Engels.

Lucas As obras completas? No possvel!

Clara Olha.

Lucas Eu gosto muito de voc.

Clara Eu tambm gosto muito de voc. Seu pai vai dizer que uma loucura. Ns no criamos esse menino para ser um professorzinho. Ele vai morrer de fome. O mercado de trabalho est cada vez pior. Ele no tem orgulho, no tem ambio? No, felizmente no tem ambio nenhuma por dinheiro, status, todas essas coisas mesquinhas. Meu filho um idealista. Eu disse isso a ele - quer estudar Histria e fazer a Revoluo. Vem sentar junto de mim.

Lucas Que msica essa que voc toca sempre?

Clara Qual? Essa? Prece, um tema antigo, esquecido. Foi composto por meu professor de piano Alberto Nepomuceno; uma figura linda com sua cabeleira branca. Dizia que um concerto vale por dez aulas. Hoje eu quero te falar de mim te contar muitas coisas...

Lucas Eu sempre quis saber, essa msica...

Clara Na minha infncia tudo era muito quieto. Quando eu era menina no tinha com quem falar, no podia sair, vivia presa. Mesmo nas frias de vero a gente s mudava de priso, subindo a serra. Meu pai me fazia estudar horas a fio no piano. Colocava copos entre meus dedos para ficarem mais largos, batia neles com uma vara se eu errava. Podia ter ficado louca, mas a msica me tomava, era uma paixo. Se ele soubesse, teria proibido, s aceitava regras, deveres, nunca a alegria.

Lucas Que horror! Mas voc tocava piano, falava lnguas, por que no fugiu de casa, foi trabalhar, ser concertista, sei l. ..

Clara Ah, Eu tinha medo e ainda era muito nova. Ele me forava a tomar banhos gelados de madrugada, dizia que era bom pra sade. Ficava fora, ouvindo, e se eu me encostava na parede, fugindo da gua, levava uma surra quando saa. Tinha mais medo de apanhar do que do frio. Minha vida foi sempre assim, escolhendo aquilo de que tinha menos medo.

Lucas Mas voc no conhecia ningum que pudesse te ajudar?

Clara Meu professor! Ns tocvamos juntos. Eu tinha uma amiga. Quando samos do colgio de freiras ela me chamou para estudar num colgio na Suia e eu pedi a meu pai. Ele me respondeu com um tapa no rosto.

Clara Mas eu fiz muita coisa em fantasia. Fui pianista de cinema mudo, bailarina, atriz, portaestandarte. No fui pra Sua, mas viajava pelo mundo todo no piano.

Lucas Falando assim, parece que voc nunca saiu desse piano, mas voc casou, teve filhos...

Clara Ah, sim, foi quando eu larguei o piano por um tempo, quando conheci seu pai. Ele era muito pobre, sabia? S tinha um terno; morava numa penso e trabalhava como vendedor. Ns namorvamos escondidos, e passevamos de bonde, porque ele no tinha dinheiro nem pro cinema. Quando descobriram j era tarde, estava apaixonada. Apesar de toda proibio, fugi de casa, e casei com ele.

Lucas At que enfim! Deve ter sido timo quebrar a redoma. E a, como que foi?

Clara No comeo foi bom! Depois vieram os filhos, fomos perdoados e tivemos tudo de volta, casa, conforto, presentes. Mas ele passava o tempo todo trabalhando, querendo mais e mais. Ah, como eu tinha vontade de ir a teatros, concertos, viajar, conhecer o mundo... Mas ele detestava tudo isso. Nas frias amos quelas montonas estaes de gua. Os gritos dele eram iguais aos do meu pai. Mesmo assim eu fiquei, mais uma vez tive medo.

Lucas Eu no entendo... Por qu? Como que voc sobreviveu dessa forma?

Clara Arranjava coisas pra passar o tempo... Costurava para os pobres, lia para os cegos, tinha o piano. Depois veio voc, meu ltimo presente, seus irmos j crescidos. Por favor...

Lucas Mas isso terrvel. A gente no pode deixar a vida passar assim. Voc fala como se tudo tivesse acabado, mas voc t viva, ainda h tempo, voc tem que lutar, ser livre...

Clara No, eu no tenho coragem. Mas quando voc resistiu presso de seu pai, era como se fosse eu. Por isso eu quis te contar, quero que voc seja feliz, que voc faa tudo o que quiser. Hoje de manh eu fui missa comungar, e me senti em estado de graa, numa alegria intensa...

Lucas Mesmo sem histrias a gente pode se sentir assim, comungando com o mundo, com os outros...

Clara Ao atesmo voc nunca vai me converter. Mas se voc olhar bem. minha religio se parece muito com o que voc quer. Ns amamos a Deus atravs do homem, vocs amam o homem por ele mesmo. Deus est do nosso lado. Seu pai, seus tios, a famlia toda, tm medo da Revoluo. Eu no. Tenho esperanas nesse mundo que vocs vo construir, mesmo que nele no haja lugar para mim... Eu adoro a chuva... Agora eu preciso descansar.

Lucas Claro. Muito obrigado, me.

Cena 5

Duelo de gigantes

Regina Ei, que legal ver vocs aqui. Eu no disse que a gente ia passar... Da droga daquele curso pra essa merda de Faculdade. Ns temos uma novidade. Casaram a gente.

Ninon E nem me avisaram? sempre assim, ningum me chama pra nada.

Regina No teve festa, no, Ninon, foi fora. Minha famlia deu queixa na polcia, fomos parar na delegacia. Mas s nos puderam obrigar a assinar um papel, depois nos deixaram em paz.

Ninon Finais felizes! Parabns! Ai, estou me sentindo uma velha, minhas amigas casando...

Lucas Como ? T dando pra levar de grana?

Marcos Eu estou num jornal e Regina est trabalhando noite de telefonista internacional. chato que desencontra.

Regina Morro de sono, mas t garantindo o rango.

Diogo Vocs viram o exame? Eu queria ver se esses putos passavam nas provas que eles mesmos fazem...

Ninon Ah, eu fiquei neurtica compulsiva com aquela decoreba toda.

Regina E isso eles chamam de Histria, faras do Antigo Imprio, os Abssidas, a me de Gracos, e a me deles. Porra, isso no processo histrico, processo histrico.

Marcos Mas eles no vo continuar elitizando a universidade. O boicote ao pagamento foi um sucesso, todo mundo se recusou a pagar.

Ninon Aqui fcil porque todo mundo politizado. Vai explicar pra massa estudantil o que privatizao do ensino. Nossa realidade diferente, ns somos Ia creme de Ia creme!

Regina Pronto! L vem a frescura elitista.

Ninon Queira ou no, ns somos a vanguarda... Eu j mandei fazer camisetas.

Diogo Vocs sabem quem vai dar Histria Antiga? o Cremildo. A fera fez um listo dedurando 50 professores. O pessoal diz que o hobby dele empalar aluno vivo.

Ninon Que horror!

Marcos E o Cremildo agora est puto, porque descobriu que o Lucas, que tirou a melhor nota na prova dele, faz parte do movimento estudantil.

Ninon A melhor nota? Como que voc conseguiu?

Lucas Simples, substitu a viso materialista-dialtica pela linha diletante-idealista .

Ninon Ah! No entendi nada.

Cremildo Senhoras e Senhores, iniciamos hoje o curso de Histria Antiga. Creio que todos j me conhecem. H quem diga que o professor Cremildo faz parte da histria desta instituio, um engano. O professor Cremildo esta instituio. Inmeras vezes fui convidado pelo governo para ocupar cargos pblicos que, honrado, recusei. Sou um homem de cincia, qual sacerdote do saber, no posso afastar-me deste templo do conhecimento. No me distingo pela intransigente defesa da lei e da ordem, posto que isto um dever, no um mrito. Foi dedicando-me aos estudos, que criei um nome de respeito. Exijo o mximo de meus alunos porque antes, exijo tudo de mim mesmo. Vamos primeira pergunta: Gostaria de saber, quem dos senhores conhece minhas especializaes? Ha! Saibam que sou egiptlogo, hititlogo e etrustlogo, assim sendo os que desejarem ser aprovados, tero que conhecer a fundo egpcios, hititas e etruscos. Algum dos senhores conhece minha obra, j traduzida em vrios idiomas? Ha! impressionante o despreparo da juventude atual para a vida universitria. Sou autor de Tumbas, Mmias e Faras do Antigo Imprio, livro adotado neste curso. Bom, agora que nos conhecemos melhor, iniciaremos nossa jornada s antigas civilizaes. Lancemos nosso olhar aos grandiosos imprios do passado. O que resta deles? O p sobre o qual pisamos. Se recuarmos mais, encontramos o mundo sem o Homem, o Universo sem o mundo e... e... o Nada. Eis o mistrio: Qual a origem de tudo? Dvida dilacerante - o que encontramos ns, nfimos vermes, ao tentar decifrar a Histria? Vox faucibus haesit...

Ninon Hmmm.

Cremildo Como dizia Virglio, a voz parou na minha garganta...

Ninon Ah...

Cremildo Tal o espanto frente ao prodgio. Encontramos o esprito incriado, num imenso impulso vital, criando toda matria bruta. So as idias, senhores, que movem o mundo.

Lucas Professor.

Cremildo Sim?

Lucas Eu queria discordar.

Cremildo Ah, queria discordar. um direito que lhe assiste, tenha a bondade.

Lucas A cincia se faz pela observao da realidade concreta, e no mundo dos fenmenos no existe nenhuma evidncia comprovvel de espritos abstratos, gerando ou no a matria. O que a Histria nos mostra que as idias surgem a partir das condies materiais da vida humana.

Cremildo Ah! Temos aqui um porta voz do materialismo ateu. Infelizmente so sempre muito desinformados de tudo que no diga respeito ao seu dogma. Por acaso o senhor j leu Santo Toms de Aquino?

Lucas Pra falar a verdade eu acho Santo Toms de Aquino um chato. Prefiro mil vezes a angstia de Santo Agostinho ou a poesia de So Joo de Deus.

Cremildo A f um dom que nem todos podem ter. Isso me deixa triste, que tempo estamos vivendo. Os jovens se voltam para o egosmo, para a luxria, e perdem-se no materialismo esquecido da beleza dos ideais.

Lucas O materialismo no nos impede de ter ideais, nos ensina a lutar por eles. Afirma apenas que as idias no caem do cu, surgem das necessidades do homem no tempo e no espao.

Cremildo Sei bem onde o senhor quer chegar com a sua impertinente interrupo. Comeam negando valores do esprito, para depois atacarem a civilizao ocidental e crist. Vamos deixar bem claro, desde j, que no permito proselitismo poltico em sala de aula.

Regina Professor, podemos ver as coisas por outro ngulo.

Cremildo Isso, querida... Como seu nome?

Regina Regina.

Cremildo Vamos ver as coisas por outro ngulo.

Regina O que o senhor chama de valores do esprito pode ser traduzido por defesa da sociedade capitalista?

Cremildo Minha filha, eu sou um liberal. Mas acredito que a democracia no pode ser um regime suicida. As minorias subversivas so fanticas. Ou a democracia acaba com elas, ou elas acabam com a democracia.

Regina usando a fora contra a maioria que se garante a democracia?

Cremildo Os senhores no me conhecem, os senhores no me provoquem. Para sua informao, nos idos de 64, quando o governo esquerdizante comandava a baderna, e o meio universitrio achava-se infiltrado de lacaios da subverso, como os senhores, peguei em armas contra os inimigos da ptria. Liderei pessoalmente a tomada da Rdio Ministrio da Educao e Cultura, ento em mos comunistas. Vencido o perigo vermelho, voltei ao meu posto de trabalho junto aos alunos. Mas continuo vigilante, e aviso aos agitadores profissionais que no vo divulgar impunes sua ideologia espria. No pensem que me fazem de bobo com as suas perguntas. Tudo isso parte de um compl muito bem planejado. Agora mesmo ao entrar aqui encontrei este cartaz pregado na parede. A teoria uma arma quando se apossa dos homens.

Ninon Ah! Ele arrancou o cartaz...

Cremildo A senhora a.

Ninon Eu?

Cremildo Estou apontando para algum mais?

Ninon , sou eu mesma.

Cremildo A senhora autora disso?

Ninon No, senhor.

Cremildo E quem ?

Ninon Marx, eu s copiei.

Cremildo Silncio! A senhora sabe o que comunismo?

Ninon Sei!

Cremildo O que ?

Ninon o orgasmo da humanidade.

Cremildo Isso o que eles prometem, minha filha, mas o que querem na verdade botar todo o mundo igual, vestido de cinza e comendo banana.

Ninon A banana tambm uma arma.

Cremildo A senhora tem cara de alienada, quero saber quem est por trs disso, e j comeo a descobrir. Se h professores subversivos, como esse tal de Manuel Maurcio, saibam que estou aqui para impedir arruaas. Alguns dos que vieram para c provocar a anarquia lograram boa colocao no vestibular. Mas de agora em diante sero avaliados com rigor especial.

Regina Professor, que critrios o senhor vai utilizar para aplicar maior rigor a uns alunos que a outros? Essa medida arbitrria e inaceitvel.

Cremildo O critrio vai ser o de limpar a faculdade de figuras como a senhora.

Regina Ocorre que sua funo ensinar, no promover faxina ideolgica, e no depende da sua vontade a minha permanncia na faculdade.

Diogo isso mesmo. As suas ameaas no nos metem medo. O que for feito a um aluno aqui, ser feito a todos.

Marcos Ns estamos cansados de ditadores. Vamos questionar, discutir, aprofundar. Ns somos a maioria, e o senhor ter que contrapor a sua viso nossa com argumentos, no com imposies autoritrias.

Cremildo J chega! Foi timo os senhores terem se revelado logo no primeiro dia de aula, assim no vo ter tempo para contaminar o resto da turma. Esto expulsos da sala de aula. Fora! Fora!

Lucas Foi voc que se revelou como policial que . J conseguiu expulsar muitos professores e alunos, mas agora ter de ver com toda a faculdade. A sua histria a das mmias, e esse tempo j passou. Vamos sair todos da sala, e o senhor pode ensinar para as cadeiras vazias. Vamos reivindicar sua substituio por algum que estude conosco o passado, para atuar no presente e construir o futuro.

Ninon Professor...

Cremildo Pois no, minha filha.

Ninon Ns estamos fazendo Histria.

Cremildo Comunistas! Comunistas! Comunistas!

Cena 6

A um passo da eternidade

Diogo Voc foi timo, a greve se estendeu a toda a faculdade. O Cremildo t espumando de dio.

Lucas O legal foi que todo mundo falou. A gente est conseguindo se mobilizar, e agora com o grupo de estudos vamos nos organizar melhor.

Marcos Dizem que o Bruno, esse cara que vai dar assistncia politico--ideolgica pra gente, domina o mtodo dialtico.

Ninon Ai, chego a sentir a emulao revolucionria.

Regina Emulao revolucionria? Fica a fazendo o culto da personalidade que voc acaba bem. Eu no vou com a cara desse sujeito.

Diogo Isso no importa. Individualidades a parte. Ns precisamos de embasamento terico pra nossa prtica, se ele bom nisso vai nos ajudar. Bruno Oi. Chegaram cedo, a pontualidade uma virtude indispensvel. Eu j conheo vocs, fui informado do trabalho que vocs esto levando no instituto, e parece que do pessoal de l, vocs so os que tm a melhor viso. Ns vamos discutir os clssicos, a formao histrica da nossa sociedade, conduzindo a uma estratgia para sua transformao revolucionria e a atuao de vocs junto ao setor estudantil e as classes mdias. Vocs tm pontos prioritrios que gostariam de colocar para discusso no grupo?

Marcos A gente quer discutir a existncia ou no de uma burguesia nacional, questionando a possibilidade de uma aliana democrtico-burguesa... A burguesia est toda associada ao capital monopolista.

Diogo Em que momento dever eclodir a luta armada? As condies subjetivas devero surgir antes ou depois da instaurao do foco guerrilheiro?

Regina O papel do movimento estudantil de propaganda e liderana frente aos setores das classes mdias, ou deve atuar junto aos operrios?

Lucas Em que medidas devemos estabelecer alianas com as outras posies do movimento estudantil?

Ninon Devemos procurar nos resguardar para outras tarefas ou a gente tem mesmo que se queimar fazendo trabalho de massa?

Bruno Calma minha gente. No se pode debater o programa inteiro de uma vez. As questes so timas, ns vamos discutir isso tudo, mas preciso sistematizao... A partir de um programa slido avanaremos. As divergncias no movimento estudantil refletem concepes bem diversas da realidade brasileira, e a partir desse estudo que nosso grupo vai se estruturar. A disciplina vital para os militantes.

Lucas a minha me tocando.

Cena 7

A unio faz a fora

Lucas Companheiros e amigos, aqui fala a Rdio Livre Che Guevara, emissora dos estudantes do instituto. Depois de um dia memorvel de exerccio democrtico, demos mais uma resposta ditadura, realizando eleies livres e diretas. Enquanto aguardamos a contagem dos votos, estamos transmitindo notcias da atualidade. No Vietn continua a ofensiva vietcong causando pesadas perdas aos agressores imperialistas. O presidente Ho Chin Minh declarou que a maior potncia do mundo no capaz de vencer a resistncia de um povo de camponeses. Todo nosso apoio herica luta do povo vietnamita!

Todos Ganhamos! Ganhamos!

Diogo A chapa da reforma se fudeu!

Todos A reforma se fudeu! A reforma se fudeu! A reforma se fudeu! E quem fudeu ela foi eu!

Lucas Ateno companheiros, a reforma se fudeu!... Ateno! Ateno! A REFORMA SE FUDEU!

Cena 8

Ns tambm somos o Brasil

Revolta no Calabouo.Cena 9

Sem voc, meu amor, eu no sou ningum!

Marcos O corpo tava l na Assemblia Legislativa, n? Na escadaria em frente, as pessoas iam subindo e falando o que queriam. Intelectual, atriz, popular, povo mesmo, dava de tudo. Voc viu o enterro? Foi uma barra conter o espontanesmo da massa no cemitrio. Tinha gente querendo ir pro Palcio do governador, seria um massacre. Como que foi para voc?

Regina Eu fui pra Central do Brasil, A cidade tava livre, sem polcia. Ficamos fazendo comcios, discutindo com os trabalhadores, depois acompanhei o enterro. Fiquei exausta de carregar faixa, e sem voz de puxar palavra de ordem. Eu tava muito nas coisas, mas quando voltei do cemitrio me senti sozinha. Tinham cortado a luz, e no passava nibus. Me deu medo que a luta separe a gente... Um menino foi assassinado, e eu me senti menos inocente, mais comprometida. O que ns comeamos saiu da sala de aula para as ruas. O pau vai comer, voc entende? E no tem volta atrs.

Marcos Ento vamos seguir juntos.

Regina Eu quero que voc fique para sempre junto de mim.

Marcos Eu nunca vou pra longe de voc.

Regina At a tomada do poder?

Marcos At depois. Ou voc acha que eu vou querer construir o socialismo sem voc? Vai ser lindo Regina, voc vai ver

Cena 11

Um por todos e todos por um

Bruno Pessoal, o negcio o seguinte: ns tomamos o campus da Universidade. Ns tomamos o campus da Universidade para chamar a ateno da opinio pblica para os problemas dos estudantes, dos operrios e de todas as camadas exploradas. A Reitoria se compromete a atender nossas reivindicaes. Estamos aqui reunidos em Assemblia h oito horas, e achamos que nossos objetivos foram alcanados. A polcia, que est nos cercando, quer invadir a Universidade. O reitor garante que no seremos atacados se sairmos. Ns propomos uma sada organizada e pacfica. Se eles nos atacarem, reagiremos. Vamos colocar a proposta em votao: quem for a favor da sada, levante o brao... Companheiros, ns estamos do lado da Justia e da Histria, contra a explorao! Vamos sair juntos e, se preciso, resistir juntos! Abaixo a ditadura!

Todos Abaixo a ditadura! Abaixo a ditadura!

Cena 12

"Somos ou no somos todos seres humanos?"

Ninon Eu no entendo muito das coisas, no sei se isso alienao, mas fico sempre perguntado por que tem que ser assim, se todo mundo humano. Mesmo um maldito capitalista, um policial, no uma pessoa? No tem sentimentos? No ama? Quando marcaram a manifestao em frente da embaixada achei timo, sou anti-imperialista radical. Fui toda feliz, com umas flores no cabelo, assim de jeunne Fille auxprintemps. Tava to bonito a bandeira queimando, o cu vermelho de fim de tarde, parecia que tambm tava pegando fogo, tambm. Tinha um cara do meu lado que era uma gracinha, a gente ficou se olhando e rindo, gritando abaixo o imperialismo. A, de repente, comearam a atirar l de dentro. Ouvi os tiros, os gritos, vi a correria, mas fiquei ali parada sem acreditar, sem poder me mexer. Ento o menino do meu lado levou uma bala na cabea. Ele nem gritou, s caiu assim, feito um passarinho. Eu me abaixei e segurei ele entre os braos... meu vestido ficou cheio de sangue... Quando pararam de atirar, tinham seis mortos no cho... Saiu tudo nos jornais... Sumiram com os corpos para no ter provas... sumiram com os corpos...

Cena 13

Linha de frente

Marcos Gs lacrimogneo?

Lucas Joguem de volta!

Diogo A cavalaria!

Ninon Esto pisando gente!

Marcos Voc acertou. Derrubou um!

Bruno Joguem rolhas!

Lucas To caindo! To caindo!

Diogo Pegaram um cara!

Regina Larga ele!

Todos Fascista! Fascista!

Ninon Olha l, nas janelas dos edifcios!

Bruno Esto jogando coisas na polcia!

Marcos T voando cadeira!

Regina Mquina de escrever!

Ninon Os operrios! Os operrios!

Lucas To jogando tijolos da obra!

Diogo Pedra na polcia, minha gente!

Bruno To fugindo!

Todos S a luta armada derruba a ditadura! S a luta armada derruba a ditadura! S a luta armada derruba a ditadura!

FIM DO 1 ATO

2 ATO

Prlogo

Uma eletrizante aventura na praa pblica

Apresentador Senhoras e senhores, o teatro Relmpago Estudantil Vai Pra Puta Que Pariu apresenta a eletrizante aventura Luta de Classes na Selva, ou Z Proleta com a Breca contra os Gorilas Sacanas, ou A Banana Tambm uma Arma. Nesta parte do Universo, onde fica o Paraso, pas tropical de cachaa, trapaa e carnaval, tambm chamado lixo, Brejo Fundo ou C do Mundo, passa-se esta farsa com tipos conhecidos: General Gorila, chefe da quadrilha, empresrio, latifundirio, ordinrio... Marche...!

Gorila Eu d porrada, eu d porrada.

Apresentador Sua capiciosa scia, figura do jet-set que mete e remete, bandoleiro viajada, puta velha na jogada, rainha da rapina, a multinacional Gorilona.

Gorilona Oh, eu mandar nesta zona!

Apresentador E por ltimo, esta praga que leva toda carga, mas por desgraa ou pirraa insiste em viver. Aqui est o nosso homem num dia comum de fome. Z, meu chapa, como vai a vida, plantando muita banana?

Z Ai, t cansado. Inda bem que choveu no roado e deu uma puta banana. Seu Gorila, quer comprar? Custa s um centavo!

Gorila Nem um centavo seu parvo. O que est pensando, safado? Que dono do roado?

Z Mas, seu Gorila, fui eu que plantei!

Gorila Eu mandei? Passa pra c essa banana.

Gorilona Ai, que bonanona! Gorilona quer um pedao.

Z E como fico madama?

Gorilona Cago pro seu drama. Se no me der banana, como carne humana.

Gorila Calma, darling, vai comer esse nego, parece espeto, s serve de palito. Z, olha o desrespeito. D me a fruta...

Z No me chuta!

Gorila Ah, no quer dialogar? Azar o seu, alfinete, vai levar cacete.

Z Oxente, enchi o saco de apanhar desse macaco. Eu Vou te dar o fruto, mas no cocuruto.

Gorila Ai, que me desanca!

Z Toma, sacana!

Gorilona Oh, Gorila, isso guerrilha! Vou intervir americana!

Z Toma banana, dona! bananinha danada, no sabia que voc servia tambm pra dar porrada. De agora em diante, macaco no mete mais a mo na minha cumbuca! Sou eu que te planto e que te como, e ainda... uso a cuca, jogo a casca e vejo o tombo desta dupla.

Apresentador Quem diria, o Z anda com o prprio p, faz o que quer, dono do seu cho e no d colher pra patro... A bananosa chega ao fim com a moral da histria: o patro tupiniquim um macaco de papel. A turma agradece e passa o chapu.

Cena 1

Ns podemos mudar o mundo

Marcos Depois da sexta-feira sangrenta, com aquelas trinta pessoas mortas, eu pensei que a gente nunca mais ia poder sair s ruas.

Diogo Cem mil! Cem mil pessoas! Ns conseguimos colocar cem mil pessoas nas ruas!

Regina Ah, mas isso no vai continuar assim... Eles no vo permitir que a gente leve uma massa cada vez maior.

Ninon Nunca!

Regina Eles tem medo que a gente continue crescendo at que numa bela manh de sol, se tome o poder.

Ninon J imaginou, que maravilha, tomar o poder numa bela manh de sol!

Marcos Mas a gente no pode se fechar, nem a classe mdia pode ir muito longe sem os operrios.

Diogo Sem direo tudo pode refluir. Percebem a oportunidade que se perdeu em maio, na Frana?

Ninon Maio na Frana... Torre Eiffel, Montmartre, oui mon cherri, je suis une revolutionaire bresilienne...

Lucas Pra mim parece que um vendaval tem se estendido pelo mundo inteiro esse ano... Mobilizao em 40 pases, um desejo de transformao em todo lugar! At os burocratas do leste europeu esto sendo encostados na parede.

Ninon Quando eu vi aquela multido na cidade pensei: esse dia t inscrito para sempre em nossas vidas.

Marcos Porra, a gente s faz apanhar e ser preso, j era tempo de uma vitria.

Lucas Foi legal! Sem combinar veio todo mundo pra c!

Regina Tinha cado a tarde. Eu vinha com o Marcos pelo aterro. A gente no cabia de emoo.

Diogo No final da passeata tinha ngo se achando no poder e distribuindo os ministrios.

Ninon Os ministrios! Lucas vai pra Cultura, Diogo pras Foras Armadas, Marcos pras Relaes Exteriores, Regina pra Sade, Deus a conserve... E eu? Eu vou ser a ministra do Prazer Pblico.

Cena 2

Companheiros

Ninon Vocs dois so lindos... companheiros.

Bruno Voc est bbada, companheira.

Ninon Bbada? Eu? Magina, je ne suis pas ivre.

Bruno Vai comear com a frescura elitista?

Ninon Eu adoro!

Bruno Adora?

Ninon Essa provocao ideolgica.

Bruno Vamos sair daqui e ir pra um lugar mais a ss. Tenho certeza que voc vai gostar. Companheira!

Ninon Eu vou pegar minha bolsa.

Cena 3

Que merda!!!

Diogo Milhares de operrios em greve ocuparam as fbricas em So Paulo. Eu fiquei to feliz. A classe operria comeou a se mexer. O Ministro disse que o Tiet no o Sena e que So Paulo no Paris. O que houve, meu nego?

Lucas Minha me, Diogo.

Diogo Sua me?

Lucas .

Diogo O que ela tem?

Lucas Ela vai morrer...

Diogo No poder ser!

Lucas Ela t com cncer. A bipsia foi positiva; o mdico deu alguns meses de vida.

Diogo Mas... o que vocs pretendem fazer?

Lucas No querem contar. Acham que ela vai sofrer mais se souber.

Diogo E voc? O que acha?

Lucas No sei... acho que uma pessoa tem o direito de saber que est condenada. Mas ela to fraca, to sem estrutura. J tive vontade de correr pra ela, contar tudo, que faa o que quiser de seus ltimos dias... Mas no d nem mais tempo para viajar. Ela vai perder as foras...

Diogo preciso que ela no sofra.

Cena 4

Numa primavera qualquer

Lucas Me.

Clara Lucas?

Lucas - Preciso conversar com voc.

Clara O que foi? Aconteceu alguma coisa?

Lucas No, eu tenho uma coisa importante para lhe falar. muito difcil.

Clara No se preocupe com nada, meu filho, eu quero saber.

Lucas Lembra do que conversamos? Hoje fui eu quem criou coragem.

Clara Estou ficando curiosa.

Lucas Quero que saiba que eu faria qualquer coisa por voc, me.

Clara Nossa, Lucas, falando assim...

Lucas Eu acho o amor a maior coisa que existe na vida...

Clara Eu tambm te amo, sabe...

Lucas Me.

Clara Desculpe.

Lucas Para mim o amor no tem limites, acontece entre duas pessoas.

Clara Ah, mas existem muitas formas de amor, amor de me, amor de amigos...

Lucas E o amor de amantes. Eu preciso muito falar para voc porque seno eu vou explodir.

Clara Ento uma boa notcia?

Lucas Depende do que voc entenda por isso.

Clara Algum pra cuidar de voc, ter uma vida, me dar netos...

Lucas No nada disso. Pra mim uma relao mais do que um casamento.

Clara J sei, o casamento uma instituio burguesa. Mas isso no tem importncia, o prprio amor o sacramento.

Lucas ! O que liga duas pessoas algo sagrado, acima de qualquer diferena, de raa, credo, cor, sexo...

Clara Sim, mas os sexos diferentes se completam.

Lucas No! Os seres humanos se integram, independente do sexo.

Clara Acho que Deus criou os sexos diferentes para que caminhassem juntos.

Lucas Eu no acredito em Deus. E se Deus existe, ele o prprio amor...

Clara Estou cansada, no estou entendendo o que voc quer dizer...

Lucas Voc no est ajudando nada.

Clara Estou com vontade de tomar um ch. Talvez ajude, voc quer?

Lucas No quero ch nenhum. Quero que voc me oua.

Clara Estou ouvindo, mas voc no fala.

Lucas Estou amando um homem.

Clara Voc est confuso... Isso acontece muito nessa idade... Voc est passando por uma crise, isso passa... So coisas da juventude...

Lucas No t confuso. T amando uma pessoa e isso muito bom.

Clara Mas isso uma doena, meu filho, nunca houve disso na nossa famlia.

Lucas Doena? Como voc pode chamar de doena algo que me torna mais feliz, mais vivo, mais combativo?

Clara Uma relao condenada neurose, esterilidade...

Lucas Neurtica essa sociedade, estril viver vazio, mentindo, sem amor.

Clara E os filhos? E os filhos, Lucas?

Lucas Acontecem ou no na vida de uma pessoas, mas no podem ser a razo da existncia de ningum.

Clara Eu queria que voc encontrasse algum, fosse feliz...

Lucas Me, mas eu encontrei algum... Sou feliz...

Clara Isso no vai te trazer felicidade!

Lucas Ser que voc quem vai me dizer o que minha felicidade? Voc no v que isso uma forma de ditadura?

Clara Mesmo seus companheiros so contra isso. Esto todos com as suas mulheres, tm suas casas, seus filhos...

Lucas Se os meus companheiros so contra porque no entenderam ainda que a revoluo deve se estender a todos os campos. Mas eu quero viver revolucionariamente em todos os sentidos.

Clara Nem eles vo te aceitar, nem os que lutam pelo mesmo ideal.

Lucas E por que me aceitariam se nem a minha me incapaz de me aceitar? Ultimamente tem uma poesia que no me sai da cabea. Quando eu morrer, e to triste a gente ir, algum escreva para mim numa primavera qualquer a palavra liberdade, junto ao meu desespero de acabar.

Clara Voc pretende viver com seu amigo?

Lucas No sei, a gente t junto, mas ns temos uma revoluo pra fazer...

Cena 5

Vamos ser felizes juntos

Marcos Me bate... Anda, me bate... Mais... mais... Assim, meu amor, mais... mais... Que foi?

Regina Chega! Chega! No agento mais! Acho isso horrvel.

Marcos O que aconteceu?

Regina Tenho vontade de te beijar, te alisar, te apertar e voc me pede para te bater?

Marcos Mas isso uma forma de carinho.

Regina Carinho? Pancadas, palavres? Isso violncia.

Marcos E o que que tem? Sexo uma coisa selvagem. Tem que ter paixo...

Regina Tem que ter amor e eu no sei se voc me ama, seno no precisava disso...

Marcos Eu te amo, Regina. S quero te dar as minhas fantasias. Por que voc no pode vir junto comigo?

Regina Porque isso me violenta.

Marcos Voc uma moralista! S quer fazer papai-e-mame, essa coisa certinha sem graa. Porra, eu quero ser livre. Ser que at na cama tem que ter represso?

Regina Isso no tem nada a ver com liberdade. Eu quero amar, estar com voc, e no ficar fazendo papel de polcia .

Marcos Voc no entende nada. Vai discutir ideologia at pra trepar?

Regina Por que no? Se um tem que bater, e o outro apanhar, ento as relaes de classe esto at no sexo.

Marcos Ah, no me enche, voc est maluca. No vem com essa histria de bem e mal, certo e errado, eu quero fazer o que gosto.

Regina isso mesmo.

Marcos Isso mesmo, o qu?

Regina O que voc gosta, as suas fantasias, os seus desejos, as suas vontades... Voc s pensa em voc, eu no importa. Voc gosta! Eu no gosto! Eu no gosto!

Marcos Ento a gente t mal! Agora voc me disse tudo, s no precisa me dar lio de moral, diga isso, que no gosta.

Regina Foda-se!

Marcos Foda-se? Eu me esforo, levo uma vida fudida e foda-se?

Regina Se uma vida fudida, pode voltar pra casa, que no tem ningum te prendendo...

Marcos Eu s quero ser feliz!

Cena 6

Esperana

Ninon Regina! Que bom voc aparecer...

Regina Que cheiro esquisito. O que isso?

Ninon Que cheiro?

Regina Voc no est sentindo?

Ninon Magina. Jura que no conta pra ningum?

Regina Juro.

Ninon Maconha.

Regina Ninon, que loucura!

Ninon mesmo! Uma loucura...

Regina E no faz mal?

Ninon Nada, isso uma propaganda burguesa. Eles querem vender tabaco que d cncer. Esse aqui, do bom a bea, probem. Depois da revoluo a gente tem que legalizar a maconha, pra vender nos bares, nas praias, nas carrocinhas de sorvete... Quer experimentar um pouquinho?

Regina Agora no.

Ninon Ih, voc t com uma cara!

Regina O que que houve?

Ninon magine, a doce espera acabou.

Regina No! Quero ver a cara do seu analista.

Ninon Larguei a anlise.

Regina E a? T feliz?

Ninon No, foi horrvel.

Regina Quem foi?

Ninon Bruno!

Regina Voc insistente, hein?

Ninon Ficamos bebendo usque, conversando e acabamos nos beijando. Ele tava muito bbado. Caiu por cima de mim, arrancou minha roupa, foi bruto, depressa, sem palavras. Mas no tinha importncia se ele ficasse comigo. Passei a noite sem dormir. No dia seguinte ele acordou nu do meu lado, e vestiu de novo aquela mscara. Voltou ao banheiro dizendo que isso no deve interferir na nossa prtica. Na hora de ir embora nem me beijou e ainda me chamou de companheira.

Regina Eu avisei que isso tem que acontecer. No se fabrica. Mas no fique assim, voc vai ter outras experincias, um encontro verdadeiro.

Ninon J perdi as esperanas. J passei no sei quanto tempo tomando plulas, fazendo planos, sonhando com um prncipe revolucionrio, e no fim, acabo sendo currada por um bruto.

Regina O que voc no pode comear a achar que todos os homens so uns brbaros porque esse cara no foi capaz de te dar amor.

Ninon Mas e voc? Como vai com o Marcos?

Regina Mal. Ele gosta de fazer coisas esquisitas na cama.

Ninon Ah ? O qu?

Regina Gosta de apanhar...

Ninon S isso? Que bobagem, l no clube o pessoal contava cada histria...

Regina Eu no consigo mais. T cansada. No desisto dele, nem de nada, mas no agento. Ele s uma criana desesperada, cheia de culpas, e eu tenho medo que ele v embora. A eu fao o que ele quer. Fecho os punhos e o som que faz nas costas dele como um pedido de socorro. Fico dizendo eu te amo, eu te amo e bato ao invs de fazer o carinho que quero.

Ninon E voc quem fala para acreditar nas amplas possibilidades do relacionamento humano...

Regina Mas exatamente por isso, Ninon. porque eu sofro na pele que eu tenho certeza que existe outra forma. como se estivsseos mutilados, tentando falar com palavras e gestos que nunca chegam. O que ns vivemos no humano, Ninon, por isso eu sinto esse vazio. Por isso fica sempre esse vazio no peito.

Ninon Eu s queria que a gente ainda tivesse tempo pra amar...

Regina Ns temos vinte anos, temos a vida pela frente. Ns ainda vamos amar, tenho certeza.

Cena 7

Cada um na sua

Diogo Que tal parar de ler esse livro?

Lucas A organizao vai discutir essa tese amanh, tenho que me preparar.

Diogo S um pouco.

Lucas Sem teoria revolucionria no h prtica revolucionria...

Diogo Livro das Citaes, Lnin, captulo 1, versculo 4. Voc t sempre pensando no futuro. Quando que sobra tampo pra gente?

Lucas Depois da revoluo?

Diogo Depois da revoluo? A revoluo agora, depois no existe, a gente pode morrer.

Lucas Ah, Chezinho, ns estamos juntos nisso, estamos juntos em tudo.

Diogo Estamos mesmo, companheiro? Quando voc acabar de ler vai reparar em mim e me chamar pra fazer sexo?

Lucas Se acalma.

Diogo Voc me toca como se eu fosse de cristal, como se eu fosse quebrar. Eu sou de carne e osso, do mesmo barro que voc. Eu quero pique, vida, no agento mais passar os dias na grfica, de reunio em reunio e de noite ficar trancado aqui enquanto voc l.

Lucas Saia, Diogo. Quem que te probe de sair? Voc que se prende.

Diogo Quer saber de uma coisa? Eu vou sair mesmo!

Lucas Pode ir.

Diogo Vou beber, encontrar gente que fale besteiras comigo! Vou deixar a barba crescer e ficar bem feio!

Lucas Deixe a barba crescer, raspe o cabelo, rasgue as roupas, se isso te ajuda. Agora no jogue em mim a culpa de seu tdio esttico.

Diogo Tdio esttico? , eu t cheio de tdio esttico! E quer saber? Chega dessa porra de msica clssica! Rolling Stones... J ouviu falar?

Lucas Vai merda!

Cena 8

Vexame

Regina Olha, eu no sei o que eu t fazendo aqui. Voc disse que tinha uma coisa importante para me falar, ns j estamos h horas bebendo e voc no me disse nada... Eu vou embora!

Bruno Fica mais um pouco!

Regina No posso, meu marido t esperando.

Bruno Nunca tinha visto voc falar assim, "meu marido"!

Regina Eu tenho um. Sabia?

Bruno Eu tenho inveja dele...

Regina Ah, Bruno, pra cima de mim? Voc teve a cara de pau de me trazer aqui para me dar uma cantada? Realmente... No podia me deixar de fora dessa sua coisa asquerosa de querer comer todas as mulheres da faculdade?

Bruno No isso.

Regina Agora vai me dizer que viu a luz no fim do tnel.

Bruno Voc diferente! Voc incrvel! a mulher dos meus sonhos.

Regina Que mais? Anda, t esperando. Porra, o repertrio t fraco... Olha Bruno, no tenho nada a ver com a mulher dos seus sonhos. Eu no suporto macho, pode acreditar. Pra voc eu sou um pesadelo!

Bruno Regina! Por favor, me escuta, acredita em mim. Eu nem quero ir pra cama com voc, quero s conversar.

Regina Que pena, j est na minha hora.

Bruno Eu t apaixonado por voc, juro.

Regina Se isso verdade voc escolheu a pior pessoa para se apaixonar. Bruno!... Bruno!... Que isso? Voc t bbado! Olha o vexame! T todo mundo olhando. Ah, meu Deus! Bruno... que que h? Me fala, eu t aqui.

Bruno Eu no sei o que me deu...

Regina No d, Bruno, no d... Eu amo o Marcos.

Regina to bonito ver voc gostando de algum... Eu acho que at precisava ouvir isso, s que no sou eu. Voc entende?

Bruno Entendo.

Regina Olha, eu vou tomar mais um chope. Depois levanto, vou embora por aquela porta, e no se fala mais nisso. T bem?

Bruno Eu posso segurar na sua mo? S uma vez?

Cena 9

Dois oprimidos esfomeados se encontram

Diogo Esse mimegrafo uma droga, falta muito pra rodar?

Marcos Quase a metade, e tem que ficar pronto amanh de manh.

Diogo Eu quase fico louco com essas coisas. Uma boa agitao comigo, mas eu no dou pra ficar trancado num lugar, me d falta de ar.

Marcos Pois ! Quando iniciei a minha carreira de revolucionrio, botando bomba de So Joo no banheiro do colgio, nunca pensei que precisasse de tanta ordem para combater a ordem. Aqui entre ns, voc no sente falta de fazer o que te der na cabea, daquele maravilhoso cio pequeno-burgus?

Diogo Muito! Eu era um rato de cinemateca. Ia ser cineasta, como todo mundo. Fazia mil filmes na cabea, escrevia roteiros sem parar. Meu sonho era fazer um musical.

Marcos Mas o seu mestre no Godard?

Diogo E da? Um musical socialista, a resposta do Terceiro Mundo dominao de Hollywood.

Marcos A eu gostei!

Diogo Eu comprava tudo sobre cinema, livros, discos, lbuns. Agora no tenho tempo nem dinheiro. Sabendo que tem militante a na maior dureza, guardo um pouco pra mim e dou o resto pra organizao.

Marcos justo, justo. Mas uma barra a gente ser criado com tudo nas mos, depois ter que se virar. Sabe que s vezes eu sonho com a comida da casa de meus pais? Vinha tudo pra mesa fumegando, feito milagre, era s sentar e comer. Ai, que fome...

Diogo Voc no quer ir comprar uns sanduches?

Marcos A essa hora t tudo fechado. Cada sufl de desmanchar na boca, siri recheado, torta de morango...

Diogo Voc t com fome mesmo, hein?

Marcos Eu sou faminto por natureza. Acho que foi por isso que virei comunista. Sabe aquela histria De p, oh vtimas da fome. Tenho fome de tudo, gente, lugares, coisas novas, amor, sexo...

Diogo Mas voc e Regina no esto legal?

Marcos bom, bom demais. Mas ela to calma, to racional. Alm disso, est sempre cansada e s quer falar de poltica. Eu gosto das coisas bem loucas. Assim, na aventura. Outro dia no resisti. Sabe aquela companheira loura, l da Economia? Pois , fomos tomar um chope, ficamos discutindo, discutindo e acabamos discutindo na cama.

Diogo Voc contou pra Regina?

Marcos Porra, bem que eu queria falar, porque me deu a maior culpa. Mas ela me matava. Ela acha que eu no gosto dela... E eu briguei com minha famlia pra casar com ela.

Diogo E por que eles no queriam?

Marcos Eu sou judeu, meu pessoal sionista. A minha barra muito pesada, parece carma, alm de comunista eu sou judeu.

Diogo , eu sei, de opresso eu entendo bem.

Marcos Sabe, cara? Tem gente que acha que ser judeu s ter o pinto cortado. Te cortam muito mais. Quando voc briga com algum, disso que te xingam seu judeu!. Eu j tive uma namorada que disse Eu odeio judeu. Voc no judeu no, ?

Diogo A minha barra tambm no fcil. Quando voc vive com um cara, voc clandestino duas vezes, na poltica e no sexo.

Marcos Ah, mas diferente!

Diogo Diferente por qu? Te perseguem do mesmo jeito!

Marcos Ora, Diogo, que exagero, na guerra mataram seis milhes de judeus.

Diogo E seiscentos mil homossexuais, nos mesmos campos de concentrao. A diferena que uns usavam uma estrela amarela, e outros um tringulo cor-de-rosa, a morte era igual.

Marcos Eu no sabia disso...

Diogo Quem conta a histria s escreve o que quer.

Marcos Porra! a polcia! Vamos cair!

Diogo Tem algum documento da organizao ai?

Marcos T cheio de coisa l dentro.

Diogo Vamos queimar!

Marcos No d mais tempo! Pega o revlver!

Ninon Marcos! Marcos!

Marcos a Ninon!

Diogo Espera! Pode ser uma cilada!

Marcos melhor abrir!

Ninon Isso maneira de receber uma companheira? Puxa, que parania! Ta, uns sanduches e uns milkshakes derramados. Tambm do jeito que as coisas andam, eu fico achando que a minha sombra a polcia...

Cena 10

E comea a derrota

Regina Toda liderana estudantil tava no Congresso de Ibina. O clima no era bom, com a ditadura cada vez pior, a guerra ali era entre grupos pela direo da UNE. s quatro da madrugada do terceiro dia, apareceu um companheiro avisando que o exrcito tava cercando toda a regio, Mas a desconfiana era tanta que o pessoal do Travassos achou que era um golpe de Dirceu, nosso candidato presidncia da UNE, pra acabar com o Congresso. Marcaram uma assemblia pras oito, pra decidir o que fazer. s sete tava todo mundo preso. Tambm, onde j se viu, reunio clandestina com mil pessoas. Nego achava que para ser democrtico tinha que ter muita gente. Milhares de estudantes foram pras ruas no Brasil inteiro, mas foi uma puta derrota. Ficamos pouco tempo em cana, o bastante para enquadrarem toda liderana na Lei de Segurana Nacional. Quando samos o pessoal dizia: "No somos mais estudantes, somos a Vanguarda Revolucionria" - Eu tinha dvidas, muitas dvidas...

Cena 10

Treinamento

Bruno Firme os ps no cho formando um tringulo. Estenda o brao. Agora mire bem, e atire. J! timo! Acho que todo mundo j sabe fazer e atirar coquetel molotov, no ? Bom, por hoje chega, j est escurecendo.

Regina Ninon, pelo rodzio a sua vez de cozinhar. No adianta fingir que est dormindo...

Ninon T bem, t bem, l vou eu de novo. Agora todo fim de semana arranjam essa histria de treinamento, no sei mais o que uma praia.

Bruno Olha o nvel ideolgico, companheira!

Ninon Nvel ideolgico? T doda! No sei por que tenho que dispensar os empregados pra gente vir pro stio. Eles sabem l o que ns andamos fazendo?

Marcos Ora, Ninon, voc acha normal um bando de garotes passarem o dia dando tiros?

Regina Deixa! Ela quer ver todo mundo preso...

Ninon Eu topei ser guerrilheira, no cozinheira, assim tambm j demais!

Regina A Ninon no toma jeito!

Marcos Ela assim mesmo, vive reclamando, mas quem mais trabalha. Ela se mata virando noite na grfica.

Regina Tem razo, vamos dar uma mo pra ela.

Lucas Que que voc t lendo, Chezinho?

Diogo A Revoluo na Revoluo, do Rgis Debray. genial, esse livro vai mudar a histria do continente.

Bruno Eu no entendo esses dois. No tentam nem disfarar, dormem, na mesma cama. Assim tambm no d...

Marcos O que que tem?

Bruno O que que tem, companheiro? Imagina se isso cai nos ouvidos da ditadura! O que que eles vo dizer de ns? Que ns somos pervertidos. Os combatentes do povo no podem se afastar da moral proletria.

Marcos S queria saber quem foi que inventou essa tal de moral proletria...

Bruno Inveno no! uma formulao cientfica! Os homossexuais so fracos, no resistem a presses, quebram as normas de segurana. Por mim esses dois seriam expulsos da organizao.

Marcos Eles so bons militantes, cumprem bem as tarefas?

Bruno Nesse nvel, so.

Marcos Ao contrrio de certos companheiros, eles j se negaram a realizar alguma tarefa?

Bruno Devo dizer que no, mas...

Marcos E, de todos os companheiros, no foram eles que fizeram todas as leituras, explicaram todas as teorias e mais se esforaram para cumprir o cronograma da organizao?

Bruno Sim.

Marcos Pra mim isso o que importa. Com licena, que eu vou militar com as mulheres na cozinha.

Cena 11

Ao

Ninon Lucas! Lucas, t surdo?

Lucas No fale comigo, eu sou a segurana.

Ninon Mas que ainda no chegou ningum.

Lucas T dentro da hora, volta pro teu lugar!

Ninon Mas tem uma coisa que eu preciso saber. ..

Lucas A gente j discutiu tudo!

Ninon Lucas

Lucas O que foi Ninon?

Ninon Eu t com pinta de proletria?

Lucas T, Ninon, eu nunca reconheceria voc! Agora vai embora!

Ninon Ih! Cinco da manh! T caindo de sono... Segurana! Era muito mais normal voc estar aqui com uma operria, do que a, no meio da rua de madrugada, lendo jornal no escuro...

Vigia Ei, que isso a? Ah, esto pixando as paredes.

Lucas Dispersar! Dispersar!

Cena 12

O racha

Lucas Companheiros, ateno. Quanto luta interna na organizao, j discutimos e tiramos posio. Somos pelo incio imediato da luta armada.

Regina Com meu voto contra.

Marcos Que absurdo! Voc no pode fazer isso!

Regina Posso fazer o que quiser. Eu penso com a minha cabea!

Marcos Voc vai abandonar a luta?

Regina No vou abandonar a luta, vou lutar de outra forma.

Marcos No acredito.

Regina Dane-se.

Lucas Companheiros, a discusso no pessoal, poltica.

Regina Eu acho que o momento de preparao. A gente no pode continuar radicalizando sem a massa. Se a vanguarda vai correndo na frente, se isola, vira prato feito pra represso. Vocs esquecem que as greves foram massacradas, que os trabalhadores esto desmobilizados?

Diogo As condies objetivas para a Revoluo j existem, as condies subjetivas sero criadas a partir da deflagrao da luta armada.

Ninon O foco guerrilheiro vai se espalhar, as cidades sero cercadas, os operrios iro se levantar.

Bruno Isso so iluses agora, o Estado t forte, e ns somos poucos, despreparados. Ns estamos ss, no se faz Revoluo sem o povo.

Marcos Fala-se em luta armada, todo mundo concorda, mas querem passar anos discutindo em vez de pegar em armas... No h mais calma possvel, no podemos continuar a reboque da burguesia, temos de partir j para a ao.

Regina A poltica no um jogo, no um brinquedo. uma cincia, uma forma de intervir na realidade, a partir de interesses definidos de classe. Saber quando recuar to importante quanto saber definir quando avanar. Seno, cai-se no aventurismo, que leva ao desgaste, ao aniquilamento e a maiores retrocessos.

Diogo Ento vamos cruzar os braos e esperar que o capitalismo morra de velho.

Bruno No! Vamos fazer o trabalho operrio, chato, cotidiano, mas imprescindvel. No seremos vanguarda de nada, desligados dos trabalhadores.

Lucas A represso t avanando, o movimento de massa t em descenso, continuar em porta de fbrica tentando contagiar fisicamente os operrios suicdio.

Bruno claro que h perigo de cair, mas esse trabalho sempre foi feito, mesmo debaixo das piores ditaduras.

Ninon Foi com boas desculpas que o partido freiou a Revoluo e traiu a classe operria durante 50 anos.

Regina Ns no temos nada a ver com o partido.Voc acha que um dia iremos recuperar todo o tempo que eles perderam?

Ninon Sim, com surpresa, rapidez, agilidade e coragem.

Bruno Muitos militantes do partido morreram com coragem na tortura, plenamente convencidos de seus erros. Coragem no o bastante, isto um julgamento moral, no poltico.

Lucas Ento vocs fiquem eternamente se preparando que ns vamos dar o exemplo das balas. O dever do Revolucionrio fazer a Revoluo. Temos que criar um, dois, trs, mil vietnans!

Bruno Companheiros, temos que respeitar a disciplina, o centralismo democrtico. Vocs esto indo contra a maioria, fazendo frao, assim a organizao vai rachar.

Marcos Vai rachar, sim, e no tem outro jeito. Cada um vai pro seu lado. Nosso compromisso com a Revoluo, no com um programa vacilante.

Regina Vocs se lembram dos narodniks? Foi um grupo de revolucionrios russos, que ficou clebre por mandar nobres pelos ares. Eram muito poucos, mas o nome de sua organizao era Vontade do Povo. Enfrentaram corajosamente a represso e foram dizimados. Depois de seu fim, surgiram os bolcheviques, que fizeram revoluo. s vezes me pergunto se somos os primeiros bolcheviques ou os ltimos narodniks.

Ninon X, que coisa trgica, deixa de derrotismo, menina. Depois dessa, pra elevar a moral, s abrindo uma cervejinha.

Bruno Companheira, a reunio ainda no terminou, no devemos beber.

Ninon Companheiro, a cerveja mata a sede, no a lucidez. Alm disso voc no mais a minha liderana, perdeu completamente o carisma. Divergncias polticas parte, quem que vai de cerveja?

Cena 14

Plenitude

Clara Fiquei feliz que ao menos dessa vez vocs tenham colocado o corao acima das razes de segurana.Vocs todos saram de casa, no sei se vamos poder nos reunir assim de novo...

Regina E voc, Clara, como simpatizante, corre os mesmos riscos que ns.

Clara Por isso pedi a vocs pra passarmos juntos a entrada de ano.

Regina Foi um ano louco, esse, no ? Vocs se lembram, h poucos meses Marcos vivia de mesada, e eu aos gritos com minha me.

Ninon Diogo era uma criana, Lucas no largava os livros, e eu ia s festas da sociedade.

Clara Dizem que para ganhar os reinos dos cus e da terra, como vocs preferem, preciso ser como as crianas.

Regina Eu t com medo. O Congresso fechado, prises em massa, ainda por cima vamos ter que mudar. To demolindo o Solar da Fossa. Parece um prenncio de runas. Algo t terminando e eu no sei o que vem por a...

Diogo Mas claro que algo t terminando, uma poca t no fim. Mas foi nesse ano que ns partimos pra pr abaixo essa priso, demolir esse hospcio todo. So runas, Regina, mas em cima delas vamos construir um novo mundo.

Marcos E voc no sabe que o ato quinto dever ser o ltimo, como nas tragdias gregas.

Regina As tragdias gregas terminam em sangue.

Marcos Mas nelas, os homens enfrentam os deuses, o destino, a tirania. Alm disso, os heris no tinham uma rainha descala como eu.

Lucas Uma vez li um poema do Ch. Imaginei a figura dele montada sobre um cavalo, subindo uma serra da Amrica Latina no raiar do sol. Dizia - "Na retina dos meus olhos, trago a semente de uma nova aurora!"

Clara Agora ns estamos juntos. Hoje no vamos pensar no sofrimento, mesmo sabendo que vir. No vamos nos desesperar. Vamos s ficar aqui cantando, bebendo e olhando estrelas, com essa fora que nos d a presena um do outro.

Cena 15

Momento eterno

Regina Pega essa mala e vai embora de uma vez! Eu odeio despedidas.

Marcos Voc no entende! a realidade concreta...

Regina No! Eu no entendo! A realidade concreta pesada demais pra mim. Clara t morrendo, os companheiros se separando com o racha, e a gente nunca mais vai se ver.

Marcos No tem nunca mais. Um dia as organizaes vo formar uma frente, e ns vamos lutar juntos no Exrcito Popular.

Regina No justo, no justo! Por que a gente tem que ser infeliz pra que um dia todos sejam felizes?

Marcos Pr voc, minha rainha.

Regina Que isso?

Marcos Uma guia... pra fechar seu corpo.

Regina Esse pas mesmo louco, at os comunistas vo ao candombl. Desde quando voc acredita em magia?

Marcos Desde que te conheci.

Regina O que vem de voc s pode dar sorte. Lnin dizia que os amigos so aqueles que concordam politicamente. Eu vou ter que rever essa posio. Voc discorde ou no de mim, eu quero que voc fique para sempre comigo.

Marcos Onde quer que eu v, eu vou estar sempre junto de voc.

Cena 16

Me

Regina Clara! Que surpresa! Entra... Voc no tava de cama?

Clara Mas d pra sair, eu precisava tomar ar.

Regina Senta aqui! Descansa um pouco. Aconteceu alguma coisa?

Clara Fica calma. Me pediram pra vir porque o prdio est cercado. Por sorte esse edifcio tem mil apartamentos, eles no sabem qual o seu, nem como voc .

Regina Algum foi preso?

Clara No. Uma pessoa procurada por eles foi vista h algum tempo entrando pela portaria.

Regina Ah, j foi embora.Voc no devia ter vindo, vo acabar me achando. Anda, vai embora.

Clara Vou sim, mas com voc.

Regina Voc t louca? No devia nem ter sado de casa doente, quer se arriscar toa?

Clara Eu sou a pessoa menos suspeita. Ns vamos sair as duas juntas, de braos dados, conversando. Quem que vai desconfiar de me e filha que vo s compras?

Regina No sei... No acho justo te expor assim. Se eu sair vou levar meu revlver. No quero cair viva, muito pior.

Clara Olha, eu passei a vida feito escrava numa gaiola de ouro. Sempre tive medo de tudo, do meu pai, do meu marido, dos outros. Voc vai tirar a minha nica chance de ter coragem?

Regina T bem, eu vou.

Clara Vamos. Vai dar tudo certo.

Cena 17

Solido

Lucas E ento? Teve notcias dos companheiros?

Bruno Ninon foi presa. A famlia dela usou toda influncia e nada... desaparecida.

Lucas Meu Deus! E Marcos e Diogo?

Bruno Estavam num aparelho que caiu...

Lucas Foram presos?

Bruno No.

Lucas Fugiram? Fala, Bruno, fugiram?

Bruno No... foram mortos. Eu sei... Eu sinto muito... Eu tambm sinto muito. Coragem, coragem... Vamos embora daqui, tem gente olhando.Interldio

Cena no DOPS. Morte de Lucas e internao no hospital. Mudana espacial.Cena 18

Morfina

Regina Eu escapei do cerco com sua me, eles nem nos pararam. Depois eu soube da morte dele. Foi como se tivessem me arrancado as entranhas, achei que ia enlouquecer. Clara me consolou muito tempo, sem dizer nada. A ela comeou a sentir dores. O mdico foi l e aplicou uma injeo de morfina.

Lucas Morfina...

Regina Quando eu fui embora ela tava dormindo. O que que voc vai fazer agora?

Lucas O que preciso. Vou cair na clandestinidade, morar com companheiros que nem conheo, assaltar bancos...

Regina Meu querido, como que voc vai resistir, sem a Clara, sem o Diogo?

Lucas T tudo escuro por dentro, por fora... Eu t me sentindo sozinho, muito sozinho... Voc precisa ir embora logo. Bruno foi preso, a gente nunca sabe quanto sofrimento uma pessoa agenta pra no falar. Voc viaja hoje noite para a Europa. Os companheiros esto te esperando com documentos prontos.

Regina Lucas, vem comigo...

Lucas No! Quero ficar!

Regina Me responde uma coisa.

Lucas O qu?

Regina Voc acha que valeu a pena? Transformar o mundo era um sonho to luminoso, e veio tanta dor, tanta morte, tanta tristeza.Voc acha que ns vamos conseguir?

Lucas A gente tem que conseguir, eles no morreram em vo. A gente t s comeando. Um dia um dia ns vamos vencer.

Regina Lucas eu vou embora porque estou grvida. Eu quero ter esse beb, voc entende? Ele a promessa que o Marcos fez pra mim.

Lucas Ele vai nascer. Tem que nascer. Voc tem que viver.

Cena 19

Os guerrilheiros eternos

Marcos Disse a meu pai que amava a Regina. Ele cortou minha mesada e ameaou me mandar para Israel. Ns estamos cansados de ditadores, queremos questionar, discutir, aprofundar. Depois da sexta-feira sangrenta, com aquelas trinta pessoas mortas, pensei que a gente nunca mais ia poder sair s ruas. Eu gosto das coisas bem loucas, mas a Regnia to calma, to racional. E voc sabe que o ato quinto dever ser o ltimo, como nas tragdias gregas e, mesmo que elas terminem em sangue, os homem enfrentam os deuses, o destino e a tirania. Alm disso, os herois no tinham uma rainha descala como eu.

Regina Meu querido, voc est todo machucado! O que aconteceu?

Lucas Eu estou fazendo a revoluo, Regina.

Regina Filhos da puta! So uns covardes. Juro que mato esses caras se eles te tocarem de novo! O homem novo um ideal. Mas ns no somos assim ainda. Talvez no sejamos nunca. Estamos s abrindo caminho. Eu no disse que a gente ia passar da droga daquele curso para essa merda de faculdade? O pau vai comer, voc entende? E no tem volta atrs. Eu tinha dvidas, muitas dvidas. Nego achava que para ser democrtico tiha que ter muita gente. Mas no se preocupe, ns temos apenas vinte anos, temos a vida pela frente. Ns ainda vamos amar, tenho certeza.

Ninon Voc no imagina o que aconteceu

Bruno Companheira, voc age como uma burguesa preconceituosa.

Ninon Meu analista disse que eu t melhorando. Vai explicar pra massa estudantil o que privatizao do ensino. Nossa realidade diferente, ns somos Ia creme de Ia creme

Bruno Eu j conheo vocs, fui informado do trabalho que vocs esto levando no instituto, e parece que do pessoal de l, vocs so os que tm a melhor viso. Companheira, a disciplina vital para os militantes. O lanche no pode ficar para o final?

Ninon Eu pensei que podiam ter fome; J imaginou, que maravilha, tomar o poder numa bela manh de sol! Maio na Frana... Torre Eiffel, Monfmartre, oui mon cherri, je suis une revolutionaire bresilienne...

Bruno Olha o nvel ideolgico, companheira!

Ninon Nvel ideolgico? Eu topei ser guerrilheira, no cozinheira.

Bruno Imagina se isso cai nos ouvidos da ditadura!

Ninon O foco guerrilheiro vai se espalhar, as cidades sero cercadas, os operrios iro se levantar.

Bruno Posso segurar sua mo?

Clara Lucas! Que maravilha! Eu tinha certeza de que voc ia passar no vestibular. Deixei o champagne no gelo. Seu pai vai dizer que uma loucura. Felizmente voc no tem ambio nenhuma por dinheiro, status, todas essas coisas mesquinhas. No, meu filho um idealista. Finalmente vou descobrir os seus mistrios. Eu s quero que vc encontre algum e seja feliz numa primavera qualquer. Diz ao Diogo para vir mais aqui.

Diogo Lucas, vamos? A gente tem que acordar cedo. Que lua incrvel! uma luz assim que eu quero pra minha vida! Voc ama Godard?

Lucas Eu amo voc.

Diogo Voc j resolveu o que vai fazer da vida? Eu vou andar por a, conhecer gente, fazer a revoluo. E quando eu morrer quero que escrevam no meu tmulo: Diogo, guerrilheiro urbano, amou Lucas e viveu de amor e de lutas.

Lucas Ns no vamos morrer nunca, Chezinho, ns vamos ser guerrilheiros eternos...