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 A LITERARIEDADE A pergunta “o que é Literatura?” busca não uma definição, mas uma caracterização, e nisso consiste o seu interesse para todos os que se ocupam de literatura e desejam indagar as razões passíveis de os levar a dedicar-se a essa atividade específica. Qual é a especificidade da literatura em relação aos outros discursos? Não existe uma definição satisfatória da l iterariedade. Northrop Frye afirma que “não possuímos verdadeiros critérios para distinguir uma est rutura verbal literária de outra que o não é” (1966, 13). As dificuldades são quer de princípios quer empíricas. Existem obras literárias que se assemelham mais com autobiografias. Um primeiro problema consistiria portanto em saber se existem propriedades interessantes que todas as obras que designamos por literárias possuam e que distingam dos objetos não-literários a que se assemelham. Essa questão se complica se adotamos uma perspectiva história: poemas modernos que em outras épocas não seriam considerados como li teratura, por exemplo. Nessas condições, poderíamos chegar à conclusão de que a literatura não é nada coisa além do que aquilo que uma determinada sociedade trata como literatura: quer dizer, um conjunto de textos que os árbitros da cultura professores, escritores, críticos, acadêmicos   reconhecem que pertence à literatura. Esta conclusão não é muito satisfatória, mas nos servimos de outras categorias da mesma natureza mediante as quais os critérios de definição e delimitação dos objetos culturais nos remetem às opiniões mutáveis de um grupo, grande ou pequeno. Neste sentido, a literatura seria uma categoria como a das ervas daninhas (Ellis, 1974). As ervas daninhas são um simplesmente um tipo de plantas que uma sociedade não trata cultivar, mas sim de eliminar quando brotam em um lugar em que deve florescer outra coisa. De forma que não haveria qualidades de forma ou de fundo que as ervas daninhas possuiriam. Não há nenhuma essência de “erva daninha” ou nenhum critério pertinente de delimitação. Aquele que se interessasse por esta categoria, o que teria de fazer não seria buscar a natureza botânica das ervas daninhas, mas levar a cabo investigações históricas, sociológicas e talvez psicológicas, sobre as diferentes espécies de plantas que estão catalogadas com ervas daninhas por grupos ou sociedades diferentes, sem por isso chegar a estar jamais seguro de encontrar um critério geral, nem sequer para uma época determinada. (pag. 46)

A Literariedade

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A LITERARIEDADE

A pergunta “o que é Literatura?” busca não uma definição, mas uma caracterização, e nisso

consiste o seu interesse para todos os que se ocupam de literatura e desejam indagar as

razões passíveis de os levar a dedicar-se a essa atividade específica.

Qual é a especificidade da literatura em relação aos outros discursos?

Não existe uma definição satisfatória da literariedade.

Northrop Frye afirma que “não possuímos verdadeiros critérios para distinguir uma estrutura

verbal literária de outra que o não é” (1966, 13). As dificuldades são quer de princípios quer

empíricas. Existem obras literárias que se assemelham mais com autobiografias. Um primeiro

problema consistiria portanto em saber se existem propriedades interessantes que todas as

obras que designamos por literárias possuam e que distingam dos objetos não-literários a que

se assemelham. Essa questão se complica se adotamos uma perspectiva história: poemas

modernos que em outras épocas não seriam considerados como literatura, por exemplo.

“Nessas condições, poderíamos chegar à conclusão de que a literatura não é nada coisa além

do que aquilo que uma determinada sociedade trata como literatura: quer dizer, um conjunto

de textos que os árbitros da cultura – professores, escritores, críticos, acadêmicos – 

reconhecem que pertence à literatura. Esta conclusão não é muito satisfatória, mas nos

servimos de outras categorias da mesma natureza mediante as quais os critérios de definição e

delimitação dos objetos culturais nos remetem às opiniões mutáveis de um grupo, grande ou

pequeno. Neste sentido, a literatura seria uma categoria como a das ervas daninhas (Ellis,

1974). As ervas daninhas são um simplesmente um tipo de plantas que uma sociedade não

trata cultivar, mas sim de eliminar quando brotam em um lugar em que deve florescer outra

coisa. De forma que não haveria qualidades de forma ou de fundo que as ervas daninhas

possuiriam. Não há nenhuma essência de “erva daninha” ou nenhum critério pertinente de

delimitação. Aquele que se interessasse por esta categoria, o que teria de fazer não seria

buscar a natureza botânica das ervas daninhas, mas levar a cabo investigações históricas,

sociológicas e talvez psicológicas, sobre as diferentes espécies de plantas que estão

catalogadas com ervas daninhas por grupos ou sociedades diferentes, sem por isso chegar a

estar jamais seguro de encontrar um critério geral, nem sequer para uma época determinada.”

(pag. 46)

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