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A literatura nas aulas de Espanhol como língua adicional na UNILA
Bruna Otani Ribeiro (UNIOESTE/UNILA)
RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir o trabalho com o texto literário nas aulas de
Espanhol como língua adicional (E/LA) na Universidade Federal da Integração Latino-
americana (UNILA). Dado o fato de que a instituição tem a proposta de oferecer um ensino
bilíngue, todos os alunos dos cursos superiores existentes na instituição se matriculam,
obrigatoriamente, nas disciplinas de Espanhol ou Português como língua adicional, exigidas
aos brasileiros e não-brasileiros respectivamente. Assim, o intuito deste estudo é refletir sobre
a inserção da literatura no diversos cursos de ensino superior oferecidos pela UNILA, mais
especificamente nas aulas de E/LA, adotando como embasamento as discussões teóricas sobre
a leitura, o letramento literário e as relações entre literatura e cultura.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura; letramento literário; cultura; ensino superior; UNILA.
La literatura en las clases de Español como lengua adicional en la UNILA
Bruna Otani Ribeiro (UNIOESTE/UNILA)
RESUMEN: Este artículo tiene por objetivo discutir el trabajo con el texto literario en las clases
de español como lengua adicional (E/LA) en la Universidad Federal de la Integración
Latinoamericana (UNILA). Considerando el hecho de que la institución tiene la propuesta de
ofrecer una enseñanza bilingüe, todos los alumnos de los cursos superiores existentes en la
universidad se matriculan, obligatoriamente, en las asignaturas de Español o Portugués como
lengua adicional, exigidas a los brasileños y no brasileños respectivamente. Así, el intuito de
este estudio es reflexionar sobre la inserción de la literatura en los diversos cursos de la
enseñanza superior ofrecidos por la UNILA, más específicamente en las clases de E/LA,
adoptando como embasamiento las discusiones teóricas sobre la lectura, la literacidad literaria
y las relaciones entre literatura y cultura.
PALABRAS-CLAVE: Lectura; literacidad literaria; cultura; enseñanza superior; UNILA.
Introdução
O presente artigo tem como tema o trabalho com a literatura nas aulas de espanhol como
língua adicional na UNILA – Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Tendo
como ponto de partida reflexões sobre a importância da leitura bem como sobre o letramento
literário e a relações entre literatura e cultura, a proposta deste estudo foi verificar se ocorre o
trabalho com o texto literário nas aulas de línguas (uma vez que se trata de uma manifestação
cultural e um dos eixos da UNILA é a interculturalidade), como esse trabalho se dá e se traz
contribuições para o aprendizado de um novo idioma como também para uma formação de
qualidade no nível superior.
Para tanto, desenvolveu-se de uma pesquisa de campo cujo universo investigado
quantitativamente e qualitativamente foi composto discentes de uma turma da discplina
Espanhol Adional Intermediário II, que haviam cursado as disciplinas espanhol adicional na
instituição, encontrando-se na fase de conclusão das matérias relacionadas ao Ciclo Comum de
Estudos – CCE – (conjunto de disciplinas obrigatórias a todos os estudantes da instituição
durante os 2 ou 3 primeiros semestres dos cursos de graduação ofertados pela UNILA, sendo
elas: Português/Espanhol Adicional Básico; Português/Espanhol Adicional Intermediário I;
Português/Espanhol Adicional Intermediário II; Fundamentos da América Latina I, II e III;
Introdução ao Pensamento Científico e Ética e Ciência).
A pesquisa foi composto por uma fase inicial de revisão bibliográfica sobre o tema
abordado, por uma etapa de coleta de dados composta pela aplicação de um questionário aos
discentes da turma selecionada e por uma etapa de análise e reflexão dos dados coletados tendo
em vista a teoria proposta.
Foram utilizados como aporte teórico pesquisadores como Almansa Monguilot (1999),
Divardin (2010), Jouini (2008), Rocco (1992), Romero Blázquez (1998), Machado (2008),
Cosson (2009), Rojo (2009) etc.; no entanto, uma vez que tais pesquisadores não
desenvolveram investigações sobre leitura, literatura e cultura nas aulas de línguas no ensino
superior, este estudo se apresenta como o início de uma nova pesquisa no Brasil, por conta de
a UNILA ser a única instituição brasileira com caráter bilíngue.
É válido destacar que essa pesquisa desenvolvida em uma única turma está sendo
considerada um projeto piloto para uma proposta investigativa que será feita de maneira mais
ampla, envolvendo todas as turmas de estudantes formandos da universidade em um
determinado ano, de modo a ter um panorama um pouco mais completo sobre o trabalho com
a literatura nas aulas de línguas adicionais (português e espanhol) oferecidas pela instituição. O
que se pretende, posteriormente, é construir um estudo pertinente ao contexto latino-americano
e à UNILA, tendo em vista a relevância da leitura e do letramento literário na formação
profissional e pessoal do corpo discente da universidade.
Sobre a literatura nas aulas de Espanhol como Língua Adicional na UNILA
A Univerisdade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA –, por ter o intuito
de ser uma instituição bilingue, exige que todos os estudantes, sejam eles brasileiros ou
estrangeiros, independentemente do curso de graduação escolhido, tenham conhecimento da
língua portuguesa e da língua espanhola, as quais são ofertadas como línguas adicionais em
disciplinas que fazem parte da grade curricular de todos os cursos nos primeiros semestres.
O corpo docente da área de línguas adicionais da universidade está composto, na
atualidade, por 45 professores, excetuando-se os substitutos e os que atuam exclusivamente nos
cursos de Letras – Artes e Mediação Cultural e Letras – Espanhol e Português como Línguas
Estrangeiras, por se tratar de um grupo numeroso, é comum verificar divergências entre os
docentes no que se refere a teorias e metodologias de trabalho.
Tais divergências identificadas em debates e reuniões de área fez surgir uma inquietação
no que se refere ao trabalho com o texto literário nas aulas de línguas adicionais. Antonio
Candido, no prefácio de Literatura/ensino: uma problemática, menciona que
É bastante alentador o interesse que começa a se manifestar sistematicamente pela revisão
do ensino da literatura. Antes, este interesse se ligava de modo meio mecânico ao ensino
da língua e se regia na prática pelas respectivas portarias, ficando insensivelmente em
segundo plano, – como “instrumento” ou recurso a serviço do alvo mais importante. (1992,
p. xi)
Candido, ao ponderar sobre a relação do ensino de língua e literatura, traz à tona a ideia
de que o texto literário é riquíssimo, podendo contribuir sobremaneira para a formação do
estudante, não podendo, por isso, ser deixado em segundo plano ou não explorado em sua
riqueza e complexidade por servir como mero instrumento para o aprendizado de uma língua.
Ao pensar especificamente na relação da literatura com o ensino de uma língua
estrangeira, neste caso a língua espanhola, Khemais Jouni (2008), ainda que não dialogue
diretamente com Candido, segue a mesma linha de raciocínio e faz uma crítica a professores
que usam o texto literário como recurso a serviço do alvo mais importante – no caso a língua
estrangeira –, àqueles que “casi siempre se utilizan los textos literarios en el aula de español
con el fin de realizar ejercicios de gramática, aclarar dudas acerca del vocabulario o de ciertas
estructuras morfosintácticas, etc., según los casos.” (JOUNI, 2008, p. 137). O posicionamento
é justificado com a afirmação de que “las posibilidades de explotación didáctica de un texto
literario pueden ser múltiples” (JOUNI, 2008, p. 137).
Asseverando um pouco mais a crítica, Jouni condena não o fato de a literatura ser
deixada em segundo plano, mas sim a exclusão (que por muito tempo houve e pode ser que siga
havendo) dos textos literários no ensino de línguas. Reprovando esse comportamento exclusivo
por parte de muitos professores, Jouni afirma que “dicha exclusión se debe esencialmente a la
falsa creencia de la inutilidad o inadecuación del texto literario, debido a su complejidad
lingüística, para la enseñanza-aprendizaje de una lengua extranjera.” (2008, p. 123).
Com o intuito de esclarecer porque a crença da inutilidade ou inadequação do texto
literário nas aulas de línguas é falsa, Jouni dá continuidade ao artigo elencando uma série de
vantagens que o trabalho com a literatura pode proporcionar para o aprendizado e a formação
do aluno. Entre vários outros pontos positivos, ele menciona, por exemplo, que […] la
enseñanza de los textos literarios resulta ser una herramienta esencial para la enseñanza-
aprendizaje del vocabulario, la gramática, la ortografía y un sin fin de contenidos relacionados
con el aprendizaje de la lengua meta (JOUNI, 2008, p. 125).
Indo ao encontro dos argumentos de Jouni, Romero Blázquez afirma que “un fragmento
literario significa un recurso óptimo en el aprendizaje de la lengua meta” (1998, p. 380). Por
sua vez, sobre a literatura, Almansa postula que [...] son muchas las razones que abogan por su
utilización sistemática y muestran su rentabilidad como recurso didáctico y como instrumento
para la formación del individuo (1999, p. 5).
Pensando na literatura enquanto manifestação cultural, é válido concordar com Martín
Morillas (2000, p. 4), ao refletir sobre esse trabalho nas aulas de línguas, quando afirma que
la clase de idiomas puede ser una clase donde se estudie y se reflexione sobre las
diferencias y similitudes en cuanto a creencias, valores, actitudes, etc., relativas a los
hablantes de la otra lengua-cultura, a fin de aprender sobre ‘ellos’ y sobre ‘nosotros’,
sobre sus identidades y sobre nuestras identidades.
Dessa maneira, conhecer a cultura do outro funciona como uma forma de
autoconhecimento em relação à própria cultura. Em se tratando de Brasil, esse
autoconhecimento seria extremamente positivo, pois, segundo Alfredo Bosi (2006, p. 7), “Da
cultura brasileira já houve quem a julgasse ou a quisesse unitária, coesa, cabalmente definida
por esta ou aquela qualidade mestra. E há também quem pretenda extrair dessa hipotética
unidade a expressão de uma identidade nacional”.
Porém, no Brasil, assim como no restante da América Latina, não há uma identidade
cultural homogênea e uniforme. É fato que existem padrões culturais, formas de pensar, agir,
comportar-se e se comunicar dominantes, mas esses modelos não são únicos, o que torna a
cultura brasileira, como também a latina, totalmente pluralista. Entender e aceitar que a cultura
do país em que se vive possui um caráter plural, ou seja, é diversificada, devido ao fato de cada
região da pátria possuir os próprios costumes, é um passo fundamental para compreender que
a cultura de outra nação certamente possuirá diferenças em relação à sua.
Se dentro de um único país existem conflitos e choques culturais entre os povos de
diferentes regiões, não é surpreendente nem deveria causar espanto o fato de países diferentes
possuírem hábitos distintos. Logo, professores, livres de preconceitos, devem então esclarecer
e enfatizar que não existe cultura melhor ou pior, existem apenas diferentes formas de pensar e
agir de grupos que pertencem a sociedades diferentes ou que pertencem a uma mesma sociedade
em contextos que os separam como classe social, sexo, idade, profissão etc. Deve-se evidenciar
também, ainda que pareça óbvio, que, além de compreender a existência das diferenças, faz-se
necessário aceitá-las e respeitá-las. De acordo com Vicent Jouve, em Por que estudar
literatura? (2012, p. 9),
Os estudos literários – evidentemente, permitem aumentar a cultura (ao
explicar o que significa uma visão “barroca” ou “romântica” do mundo, ao
recordar o que pôde causar riso numa época ou emoção em outra). Mas a
cultura não se limita à literatura. Se o propósito é ter a visão mais informada
possível, é legítimo – até mesmo indispensável – não falar apenas dos textos
(e, entre eles, não apenas dos textos literários). Existem não somente outras
formas de arte (música, pintura, escultura), como também outras
manifestações culturais (gastronomia, televisão, esporte, moda etc.). Seria
lógico, portanto, dissolver os estudos literários, dentro dos estudos culturais.
Nota-se que não são poucos os pesquisadores que se dedicam a estudar a relação
existente entre o ensino da literatura e cultura nas aulas de línguas, porém, boa parte das vezes,
as vantagens identificadas nessa relação foram constatadas em diversos níveis de ensino (na
educação infantil, no ensino fundamental e médio ou ainda em cursos de línguas ofertados por
escolas de idiomas), mas pouquíssimos relacionados ao ensino superior (excetuando-se os casos
que envolvem os cursos de Letras), dado o reduzido número de universidades bilíngues cujo
projeto formador está atrelado às aulas de línguas adicionais em todas as carreiras, no Brasil,
apenas uma.
Dessa forma, a ideia desse estudo foi verificar se o texto literário em diálogo com outras
manifestações culturais tem sido utilizado como recursos didáticos nas aulas de línguas
adicionais na UNILA e, caso sejam, verificar se as vantagens apontadas no uso da
literatura/cultura no ensino de línguas em outros níveis de ensino também ocorrem no ensino
superior, bem como quais são elas. Para tanto, foi aplicado um questionário aos estudantes de
uma turma da disciplina de Espanhol Adicional Intermediário II, última disciplina de línguas
ofertada pelo Ciclo Comum de Estudos, com o intuito de averiguar, de acordo com os discentes,
a efetividade e a pertinência da relação entre literatura, cultura e ensino de línguas.
Como mencionado no início desse texto, essa pesquisa se configura como um projeto-
piloto para um estudo mais amplo a ser desenvolvido futuramente com todos os alunos que se
encontrem na condição de formandos em um determinado ano, de modo a ter dados mais
completos sobre a relação entre literatura/cultura e ensino de línguas na instituição. A análise
desses dados, inclusive permitirá uma autoavaliação e reflexão da prática docente no que se
refere ao tema abordado, para saber se os objetivos das aulas que envolvem literatura e outras
manifestações culturais estão (e em caso afirmativo em que medida estão) sendo atingidos.
A turma de Espanhol Língua Adicional Intermediário II que participou dessa pesquisa
inicial possuía um grupo misto composto por 26 alunos de 10 cursos de graduação, sendo eles:
Ciências Biológicas - Ecologia e Biodiversidade, Engenharia Química, Engenharia Civil de
Infraestrutura, Engenharia de Energias Renováveis, Saúde Coletiva, Relações Internacionais
e Integração, Engenharia de Materiais, Ciências Biológicas - Ecologia e Biodiversidade,
Geografia (Bacharelado) e Ciências Econômicas - Economia, Integração e Desenvolvimento.
Ao serem indagados, via questionário, se nas aulas de língua espanhola tidas ao longo
do Ciclo Comum de Estudos haviam sido trabalhados textos literários, 3 alunos dos 24 que
preencheram o questionário responderam que não. Tais números apontam para um aspecto
positivo, afinal, a literatura vem sendo trabalhada nas aulas de línguas adicionais, porém, fazem
com que sejam levantadas duas hipóteses: 1) a de que alguns professores não trabalham com
textos literários em suas aulas; e 2) a de que os objetivos das aulas com textos literários não
estejam sendo atingidos, uma vez que os 3 estudantes podem não reconhecer gêneros textuais
pertencentes à esfera literária, ainda que tenham sido trabalhados.
Tomando como ponto de partida as hipóteses formuladas a partir das respostas
negativas, faz-se importante destacar a relevância do trabalho com o letramento literário nas
aulas de línguas adicionais, pois, segundo Rildo Cosson, trata-se de um letramento diferente
dos demais, haja vista que a literatura pode “tornar o mundo compreensível transformando a
sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas”
(COSSON, 2009, p. 17), além disso, também de acordo com Cosson (2009) em Letramento
literário: teoria e prática, conteúdos de outras áreas, como história e geografia, por exemplo,
podem ser aprendidos com a leitura do texto literário, no entanto, ao reduzir o texto literário a
esses conteúdos, estaria se desconsiderando o caráter transgressor da literatura, assim, o autor
vê como prioridade o direcionamento do estudante, a partir da mediação do professor, ao
processo de construção de sentidos de discursos que passam a significar a partir das próprias
palavras.
A pergunta seguinte que constava no questionário era: “¿Consideras importante para
el aprendizaje de un nuevo idioma el trabajo con el texto literario en las clases? ¿Por qué?” A
essa pergunta, apenas 1 estudante dos 24 que preencheram o questionário respondeu que não
considerava importante, no entanto, este não justificou a resposta apresentada. Considerando
que esse mesmo estudante deu uma resposta afirmativa à pergunta anterior, ou seja, que em
suas aulas de línguas adicionais foram trabalhados textos literários, é possível supor que com
este estudante os objetivos das aulas com textos literários não foram atingidos, uma vez que
este não considerou tal trabalho importante para o aprendizado da língua espanhola.
Nesse caso, seria interessante que o aluno tivesse justificado a resposta para ser possível
avaliar se o fato de ele não atribuir relevância ao trabalho com o texto literário se deve ao mero
desinteresse por parte do estudante ou à razão de o docente utilizá-lo apenas, como afirma Jouni,
“con el fin de realizar ejercicios de gramática, aclarar dudas acerca del vocabulario o de
ciertas estructuras morfosintácticas, etc.” (2008, p. 137), sem explorar a riqueza e
complexidade que possui.
A terceira questão feita aos estudantes foi: “¿Fueron trabajadas manifestaciones
culturales latinoamericanas en las clases de lengua española que tuviste a lo largo del Ciclo
Común de estudio? ¿Cuáles?” A essa pergunta, 5 dos dos 24 alunos que responderam ao
questionário marcaram a opção negativa, o que desencadeia, novamente, o surgimento de duas
hipóteses: 1) a de que alguns professores não trabalham com manifestações culturais da cultura
hispânica em suas aulas; e 2) a de que os objetivos das aulas com tópicos da cultura hispânica
não estejam sendo atingidos, uma vez que, no caso de terem sido trabalhados, 5 estudantes não
foram capazes sequer de reconhecer elementos da cultura hispânica durante as aulas.
Ainda assim, vale destacar que a maioria dos estudantes do grupo respondeu
afirmativamente, indicando que elementos diversos da cultura hispânica, além da literatura,
foram trabalhados durante as aulas de línguas, como música, cinema, pintura, festas típicas,
etc., algo positivo, pois demonstra a compreensão por parte dos estudantes de que a cultura dos
países hispanofalantes se constitui por diversificados traços.
Para além disso, fica claro que o trabalho com distintas semioses, o qual, por extensão,
implica na utilização de gêneros textuais/discursivos diversos, também vem sendo
desenvolvido nas aulas de línguas adicioais, algo considerado benéfico por promover uma
prática de “letramentos múltiplos”, termo que Roxane Rojo utiliza na obra Letramentos
múltiplos, escola e inclusão social (2009), para defender que a educação linguística deve estar
pautada em uma abordagem plural capaz de contemplar materialidades discursivas diversas de
diferentes esferas, semioses também diversificadas, aliando a escrita a outras linguagens, e
culturas também no plural por considerar as formas locais e globais, populares marginalizadas
e dominantes valorizadas. Segundo a autora, essa seria uma forma de promover uma formação
ética, com espírito democrático, capaz de desenvolver a criticidade dos sujeitos.
No que se refere à quarta questão, “¿Consideras importante el conocimiento de la
cultura hispánica para el aprendizaje de la lengua española? ¿Por qué?”, apenas 2 estudantes
dos 24 que responderam ao questionário assinalaram a opção negativa. Um deles não
apresentou justificativa à resposta, já o outro justificou a negação da seguinte maneira: “Acho
que se aprende mais com pessoas que falam a língua, do que conhecendo culturalmente a região
da língua ensinada”.
Considerando que tal estudante apresentou tal resposta a essa questão e afirmou que não
foram trabalhadas manifestações culturais nas aulas de línguas, porém, ao mesmo tempo,
assinalou a opção de que textos literários foram trabalhados e são importantes para o
aprendizado do idioma, nota-se uma confusão conceitual, dado que o aluno não consegue
reconhecer que literatura também é um traço da cultura. O caso mencionado é interessante, pois
aponta para a necessidade discussões mais esclarecedoras sobre o conceito de cultura, algo que
pode ser feito não apenas nas aulas de línguas adicionais como também nas disciplinas de
Fundamentos da América Latina – FAL I, II e III – matérias também ofertadas pelo Ciclo
Comum de Estudos.
Vale destacar, no entanto, que a grande maioria das respostas foi afirmativa, ou seja, os
estudantes consideram importante o aprendizado da cultura para um melhor conhecimento do
idioma, e as justificativas para tal resposta foram diversas. A que mais chamou a atenção foi a
de um estudante que marcou a opção “sim” (que considera importante) e justificou com os
seguintes termos: “Pero no tan importante como la gramática”, o que torna possível supor que
a prática de algum (ou alguns) docente(s) possa estar supervalorizando a gramática em
detrimento das manifestações culturais, algo a ser repensado, uma vez que, de acordo com o
Projeto Pedagógico do CCE, a criação de uma universidade bilíngue “visa promover uma
cultura de integração regional e uma sensibilização para o intercâmbio linguístico e para a
interculturalidade” (UNILA, 2013, p. 11).
No que tange à quinta questão feita aos estudantes, ¿Consideras importante el
conocimiento de la cultura hispánica para tu formación individual? ¿Por qué?, assim como na
pergunta anterior, apenas 2 alunos assinalaram a opção negativa, e ambos não apresentaram
justificativa à resposta. Ao considerar que esses dois estudantes afirmaram que foram
trabalhadas manifestações culturais durante as aulas de línguas, uma vez mais surge a suposição
de que provavelmente os objetivos de tais aulas não se concretizaram, já que estes estudantes
não conseguiram compreender que, ao conhecer outras culturas, é possível conhecer e inclusive
compreender melhor a própria cultura, o que contribui também para a compreensão da ideia de
uma identidade nacional e/ou latino-americana, ou seja, para o entendimento de sua posição
social, logo, para sua formação individual enquanto sujeito.
Considerações finais
Ao refletir sobre as respostas apresentadas pelos estudantes nos questionários, é possível
verificar que o trabalho com o letramento literário aliado a outros letramentos nas aulas de E/LA
tem deixado contribuições positivas ao alunado, contudo, ainda não se pôde ter clareza sobre
em que medida essas contribuições estão sendo efetivas, haja vista que há diversos alunos
incapazes de reconhecer a relevância desse trabalho e outros, inclusive, sugerem que ele pode
não estar acontecendo, o que seria grave, uma vez que Ana Maria Machado aponta em A
importância da leitura (2008, p. 16) que
Lê-se pouco no Brasil porque não se acha que ler é importante, não se tem
exemplo de leitura, existe a sensação de que livro é uma coisa difícil,
trabalhosa, não compensa o esforço. Só se faz obrigado. Um sacrifício penoso,
feito andar em esteira de ginástica pra cumprir recomendações médicas e
perder peso.
Devido a essa situação exposta por Machado, é fundamental que o trabalho com a leitura
de literatura, bem como de outros gêneros textuais/discursivos, seja desenvolvido nas aulas de
língua materna, adicional ou estrangeira, tanto no ambiente escolar como no acadêmico, pois é
um contrassenso que esse habitual desinteresse pela leitura siga correspondendo à realidade dos
estudantes brasileiros.
Assim, pode-se concluir que, enquanto projeto-piloto, o estudo teve validade e eficácia,
ainda que os objetivos tenham sido atingidos apenas parcialmente. Para que a pesquisa de fato
chegue a resultados mais precisos, será importante enfatizar a necessidade de que todos os
estudantes justifiquem as respostas apresentadas, o que permitirá compreender melhor porque
possuem determinado posicionamento. Dessa forma, o desenvolvimento desse estudo inicial
foi valoroso, pois apontou caminhos a serem seguidos em pesquisas futuras que envolvam o
letramento literário e o trabalho com manifestações culturais nas aulas de línguas adicionais.
Ao coletar, futuramente, um maior número de dados, ampliar-se-ão as possibilidades de
confirmação/refutação das hipóteses levantadas nesse momento, o que permitirá uma
autoavaliação docente sobre práticas adotadas em sala de aula, bem como reflexões críticas
sobre elas. Espera-se então que, nesse momento posterior, quando dados e resultados mais
precisos sejam obtidos, torne-se de fato possível contribuir, por meio do trabalho com a
literatura e cultura nas aulas de E/LA, não somente para o aprendizado do idioma como também
para a formação de alunos/leitores críticos.
Referencias
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