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Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Formação de Conselheiros Nacionais
Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais
A luta pela garantia dos direitos quilombolas e
as políticas públicas de ação afirmativa:
Limites e Desafios
Amarildo Carvalho de Souza
Brasília
2010
2
Amarildo Carvalho de Souza
A luta pela garantia dos direitos quilombolas e
as políticas públicas de ação afirmativa:
Limites e Desafios
Monografia apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais. Orientadora: Profª Drª Lilian Cristina Bernardo Gomes
Banca Examinadora:
Profª Drª Maria Amélia Gomes de Castro Giovanetti
Profª Drª Lilian Cristina Bernardo Gomes
Brasília
2010
4
A minha companheira de sempre, Leninha.
Com sua tranqüila forma de querer bem, foi
uma permanente fonte de inspiração.
5
A toda militância anônima que resignifica
continuamente as demandas e propostas dos
movimentos sociais negros em nosso país,
seja nos espaços da sociedade, nos espaços
acadêmicos e nos espaços de gestão
pública.
6
“A minha pele de ébano é minha alma nua
Espalhando a luz do sol e espelhando a luz da lua,
Tem a plumagem da noite e a liberdade da rua
A minha pele é linguagem e a leitura é toda sua
(...) Eu sou parte de você, mesmo que você me negue
(...) Eu sou você, sou você e você não sabia
(...) Apesar de tanto não e de tanta marginalidade
Somos nós, a alegria da cidade”
Alegria da Cidade, Canção de Jorge Portugal e Lazzo Matumbi
7
RESUMO
Palavras-chave: Quilombola. Desigualdades Raciais. Políticas Públicas.
A luta por direitos dos negros é histórica e política. Abarca uma dimensão secular de resistência, que veio se reconstituindo pelos negros escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata e pela implantação de outra estrutura política onde não houvesse opressão. No período pós-abolição, o discurso racista da superioridade branca, somado a condição aviltante da maioria da população de negros e seus descendentes, aproximaram a luta pelos direitos quilombolas das lutas da população negra de modo geral, sendo uma forte bandeira dos movimentos sociais negros durante os séculos XX e XXI. Esse processo também contribui para a organização e consolidação dos movimentos sociais negros e, em especial nas décadas de 1970/80, o movimento quilombola. O presente trabalho se propõe a estabelecer uma contextualização que permita a reflexão articulada desse avanço político e organizativo com a construção e desenvolvimento de políticas públicas de ação afirmativa voltadas para a diminuição das desigualdades raciais, durante o período de 2003 a 2009, identificando as relações estabelecidas entre o movimento quilombola, o Estado brasileiro, o setor privado, as organizações da sociedade civil e demais atores imbricados no seu processo de afirmação de direitos.
8
SUMÁRIO
Introdução 09
Capítulo I – Antecedentes da luta contra o racismo 11
Capítulo II – Composição racial da pobreza e as políticas públicas 17
Capítulo III – Protagonismo quilombola – Identidade e Resistência 25
Capítulo IV – Algumas ações governamentais de combate as desigualdades raciais
– limites e desafios 35
Capítulo V – Políticas específicas para as comunidades quilombolas – alguns desafios 42
Considerações finais 51
Referências 53
9
Introdução
A proposta deste trabalho é analisar o alcance, limites e desafios da luta pela
garantia dos direitos quilombolas e as políticas de ação afirmativas durante o governo do
Presidente Luis Inácio Lula da Silva, no período de 2003 a 2009, por meio da Secretaria de
Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR.
O percurso escolhido para essa analise, levará em conta uma breve
contextualização sobre como os quilombos surgem na experiência brasileira, sua trajetória,
experiências sociais e dinâmicas sócio-organizativas presentes na contemporaneidade. Essa
analise levará em conta alguns dos marcos regulatórios existentes sobre a questão, como o
Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição
Federal (CF) de 1988, que reconhece a existência das comunidades remanescentes de
quilombos; a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificada
pelo Brasil, que afirma o critério da auto-definição dos povos tradicionais; e no Decreto
4.887 de 2003, que regulamenta os procedimentos necessários para a implementação do
art. 68 do ADCT.
A luta e resistência quilombola são históricas e políticas após a promulgação da
CF de 1988, uma nova moldagem ressignifica essa histórica luta e mobilização. Os
processos variados e distintos de resistência existentes nas comunidades, localizadas em
diversos municípios, estados e no âmbito federal, passam a articular-se e integrar-se a
partir de um mesmo caminho identitário e de marcos regulatórios comuns. Ampliam-se e
aprimoram-se as bandeiras quilombolas, em defesa dos direitos territoriais, pela afirmação
identitária e que se localizam em todas as regiões do país.
O caminho escolhido pelo presente trabalho segue uma lógica histórica, serão
explicitados a partir de agora os momentos distintos e complementares, integrados e
articulados, que constituem o percurso escolhido.
No Capítulo 1 apresentam-se os processos relacionados ao sistema escravista,
registros históricos da formação das comunidades nos períodos colonial e imperial, bem
como, as lutas de resistência e de organização do movimento negro no inicio do século
XX, no período ditatorial militar (1964-1985).
No Capítulo 2 indicam-se como ocorreu, durante o processo de redemocratização
do país, a reorganização dos movimentos sociais negros e da imprensa negra, como se
apresentaram as demandas por políticas de promoção da diminuição das desigualdades
10
sociais, como surgem as políticas públicas e os conselhos híbridos como espaços de
conquista. Também nessa seção, serão refletidos o baixo impacto da ampliação das
políticas voltadas para a diminuição das desigualdades sociais, na diminuição efetiva das
desigualdades raciais.
O Capítulo 3 enfoca a dimensão dos direitos associados à questão quilombola, a
partir da do Art. 68 do ADCT, com foco no processo de conquista de direitos. A proposta é
apresentar a importância da legislação nacional e das convenções internacionais no
processo de definição dos marcos legais para o estabelecimento do direito quilombola. A
articulação do sentimento de pertencimento identitário individual e coletivo; a criação e
fortalecimento da organização quilombola em âmbito nacional e seu reconhecimento junto
ao Estado e a sociedade, como sujeito de direitos, serão abordagens e conteúdos
recorrentes nesse capítulo.
No Capítulo 4 avaliam-se as principais políticas de diminuição das desigualdades
raciais e de geração de renda do governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva (2003-
2009). A articulação e integração de políticas públicas, as políticas de geração e
distribuição de renda, na perspectiva de diminuição das desigualdades sociais.
O Capítulo 5 se propõe a analisar o papel da SEPPIR e os espaços paritários de
gestão pública, legislação pertinente e ratificadas convenções internacionais que visam
promover o reconhecimento das comunidades quilombolas.
Finalmente, na conclusão da monografia, apresentam-se algumas considerações
finais sobre a rearticulação das organizações sociais em torno de bandeiras quilombolas,
apesar dos ataques conservadores protagonizados pela mídia comercial.
A pesquisa documental e análise de dados foram os principais recursos utilizados
para a contextualização e conceituação que este trabalho se referenciou. Esse processo
esteve permanentemente articulado a uma revisão da bibliografia existente sobre o tema e
com informações obtidas por meio de jornais eletrônicos, jornais de movimentos, sites
especializados.
Para a realização deste trabalho, aprofundamos os critérios de pertença
estabelecidos no âmbito das organizações políticas que unificam a luta das comunidades
remanescentes de quilombos das mais distintas regiões do país, a partir de um histórico
compartilhado e de uma luta coletiva, uma identidade que os aproxima e os unifica em sua
diversidade no âmbito nacional.
11
Capítulo 1
Antecedentes da luta contra o racismo
“ao contrário do que disseram e repetiram diversos estudiosos dos problemas brasileiros, os negros foram sujeitos ativos de sua própria história” Gilberto Gil (2008).
Durante quase quatro séculos o Brasil vivenciou uma economia que teve na
escravidão1 negra a sua principal força de trabalho. Uma economia dependente da
metrópole que não reunia condições objetivas que permitisse a acumulação de excedentes e
de capitais internos em volume suficiente para um caminho autônomo e independente.
Esses sujeitos, os africanos escravizados, retirados do seu espaço de convívio e de
pertencimento, obrigados a desprender-se das suas ascendências étnicas, valores,
espiritualidades, passaram a viver sob forte coerção por parte do sistema escravista. Ainda
assim, buscaram várias formas e artifícios para manter sua cultura, seus valores,
espiritualidade e identidade coletiva.
Essa perspectiva entra em choque com a idéia de “escravo coisificado”,
pretendido pelo sistema escravagista. Períodos de isolamento e castigos tentavam impor a
autoridade do senhor proprietário e esfacelar o que ainda existia de latente da identidade
coletiva. A escravidão acompanhou a lógica econômica, logo, sua distribuição territorial
partia das necessidades da economia colonial, “na medida em que se desenvolviam as
economias regionais, subordinadas às necessidades do mercado externo" (MOURA, 1987:
8).
Para esses sujeitos escravizados, a fuga era a única alternativa, e os quilombos,
representavam essa idéia de liberdade. Ao fugirem da propriedade e do poder de mando
dos senhores, não apenas causavam danos materiais, mas, desconstruíam a idéia força de
imobilidade e impossibilidade de mudanças na base do sistema. Compreendendo essa
1 Nos estudos sobre a escravidão no Brasil, Jacob Gorender define: "A escravidão é uma categoria social que, por si mesma, não indica um modo de produção. Como escravidão doméstica – forma exclusiva sob a qual existiu em vários povos – sua função é improdutiva. Mesmo como função improdutiva, a escravidão pode aparecer de maneira mais ou menos acidental e ser meramente acessória de relações de produção de tipo diferente. No entanto desde que se manifesta como tipo fundamental e estável de produção, a escravidão dá lugar não a um único, mas a dois modos de produção diferenciados: o escravismo patriarcal, caracterizado por uma economia predominantemente natural, e o escravismo colonial, que se orienta no sentido da produção de bens comercializáveis". Cf. GORENDER (2001. p. 46).
12
condição singular dos quilombos, eles serão objeto de breve reflexão nesta seção, a partir
de uma revisita a algumas afirmativas recorrentes sobre o tema.
1) A primeira delas, é que esses sujeitos escravizados protagonizavam momentos de
embates e de tensão no campo e nas cidades, de forma consciente e intencional.
Tramavam e articulavam suas estratégias de fuga com a paciência necessária e com a
certeza da liberdade almejada. Eram seres humanos e se viam na condição de seres
humanos, por mais desumana que fosse a escravidão, ele (o escravo) não perdia a sua
interioridade humana.
2) A segunda diz respeito ao caráter não esporádico e não eventual dos quilombos,
sobretudo, durante finais do século XVIII e durante o século XIX. O próprio conceito
de quilombo apresentado pelo Conselho Ultramarino de 1740, a uma resposta do Rei
de Portugal, afirma a existência de quilombos em grande parte do território brasileiro e
com isso, caracteriza o reconhecimento oficial da Metrópole, Moura (1986 [1981])
traz essa conceituação que ainda hoje embala interpretações e ressignificações, “toda
habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não
tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles” (MOURA, 1986 [1981]: 16).
Para o pesquisador das culturas da Diáspora Africana Ney Lopes (2008),
quilombo é um conceito próprio dos africanos, derivado do quicongo lòmbo – ‘sociedade’,
‘grupo’, ‘exército’ – ou do quimbundo kilombo – ‘união’ [...] assim eram designados
acampamentos militares e também feiras e mercados no antigo Congo e Angola (LOPES,
2008: 66).
O antropólogo congolês Kabengele Munanga (1995), ao recuperar a relação do
quilombo com a África, afirma que o quilombo brasileiro é, sem dúvida, “reconstituído
pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de outra
estrutura política na qual se encontravam todos os oprimidos” (MUNANGA 1995: 57-63).
Analisar os quilombos na contemporaneidade requer compreende-los em sua
complexidade, heterogeneidade e demandas sociais específicas, com estratégias individuais
e coletivas próprias e muitas delas marcadamente de integração ou de desagregação. Dito
isto não para diminuir a importância histórica e social da organização quilombola, mas,
para que não se incorra no romantismo interpretativo de comunidades sem conflitos.
A esse respeito, Leite (2003) aprofunda essa reflexão trazendo para o debate a
incompreensão de alguns dos próprios militantes sociais negros, que muitas vezes esperam
encontrar um determinado modelo de quilombo que, por sua vez, não dialoga com a
13
convivência local ou regional dos quilombos atuais. Essa busca de encontrar a
conceituação mais apropriada, muitas vezes, lança-se mão de visões que inibem uma
compreensão mais ampliada sobre os quilombos na contemporaneidade.
A própria noção de grupo contém uma dimensão específica em cada lugar,
dependendo do que é compartilhado, daquilo que é considerado como sendo comum a
todos os que dele participam. Sobretudo, os conflitos e tensões dentro do próprio grupo,
decorrentes dessa concertação social que o convívio comunitário muitas vezes impõe, e
que em muitos casos contribuem para gestar alternativas do próprio grupo para superar os
desafios identificados. A esse respeito, Leite (2003) afirma que
(...) alguns militantes ainda se apegam a uma visão ora romântica, ora vitimada dos negros [...] enaltecem a solidariedade e a resistência, menosprezando os níveis de conflito presentes no interior do próprio grupo como um importante agente de transformação e mudança (LEITE, 2003: 16).
Para além de uma identidade negra colada ao sujeito ou por uma cultura
congelada no tempo, que deve ser tombada pelo patrimônio histórico e exposta à visitação
pública, a noção de coletividade é o que efetivamente conduz ao reconhecimento de um
direito que foi desconsiderado, de um esforço sem reconhecimento ou resultado, de um
lugar tomado pela força e pela violência. Coletividade no sentido de um pleito que é
comum a todos, que expressa uma luta identificada e definida num desdobrar cotidiano por
uma existência melhor, por respeito e dignidade, possivelmente, nesse momento a
cidadania deixa de ser uma palavra da moda e passa a produzir efeito de diminuição do
atual quadro de desigualdades sociais no Brasil, ao mesmo tempo em que respeita e
promove o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais.
Quanto ao tamanho territorial e demográfico, os quilombos tinham tamanhos e
formas de organização variadas. Os pequenos quilombos, nos moldes da definição do
Conselho Ultramarino, possivelmente eram itinerantes e viviam de pequenos ataques nas
estradas ou fazendas das redondezas, sua longevidade decorria da ampliação do seu
contingente por meio de ataques a fazendas e engenhos na busca de incorporar escravos
insurretos.
Os quilombos que tinham acima de mil habitantes ou próximos de 20 mil, como
foi o caso de Palmares, requeria uma maior complexidade e dinamismo organizativo. Não
podem ser concebidos como estruturas sociais apartadas da realidade que o cerca, teciam
14
uma rede considerável de relações sociais e comerciais, com seu entorno e estendendo-se
por outros povoados e vilas.
As fronteiras quilombolas não eram barreiras, ainda que houvesse momentos de
intensa tensão na defesa do território, as fronteiras eram espaços de interseção e de intensa
troca, integrando e articulando necessidades, culturas, prazeres e modos de vida. Almeida
(2003) cita Tavares Bastos (1886) quando este, narrando suas incursões pela pouco
conhecida região norte do país refere-se ao tema, “ao entrar em contato com os
quilombolas em Óbidos/AM, [percebi que] estes vendiam sua produção naquele porto”
(ALMEIDA, 2001: 232).
Alguns fatores colaboraram para ampliação da longevidade de alguns quilombos,
a exemplo da existência de terras agricultáveis, a produção de excedente em escala
comercial, a existência de fácil acesso a água, facilidade em estabelecer estratégias eficazes
de organização interna e de defesa.
Compreender essa economia requer compreender a forma de organização
quilombola enquanto sujeito coletivo, ainda hoje, um valor presente nas áreas de
comunidades remanescentes de quilombo, que vem pautando os debates e pareceres
jurídicos, inclusive, quanto à apropriação do território. Muito se tem para pesquisar quanto
a essa economia quilombola, mas, já se permite inferir que a opção pela diversidade
produtiva e o trabalho da família, contribui para manter essa população ocupada e
produtiva.
Almeida (2003) identifica que a idéia de isolamento ainda se faz presente na
atualidade, inclusive, pode ter sido promotora das incompreensões de alguns parlamentares
durante a Assembléia Nacional Constituinte. Quando o autor afirma que “fuga, isolamento,
quantidade mínima, podiam bem estar na cabeça de nossos legisladores da Constituição
Federal de 1988, que imaginaram (os quilombos e a redação do artigo 68) um instrumento
excepcional [...] e também algo isolado” (ALMEIDA, 2001: 231).
Segundo Almeida (2003), soma-se a isto, a ausência de compreensão sobre a
forma de propriedade coletiva da terra, inclusive em nossa legislação, que dificulta o
cumprimento do artigo 68 da ADCT. Essa forma particular de usar os recursos naturais,
segundo a idéia de uso comum, combinando alguns aspectos de uso privado com uso
coletivo, não encontra referência dentro do aparato administrativo burocrático do Estado
brasileiro para incorporar esse tipo de situação.
15
Desde a Lei 601 de 1850, conhecida como a Lei de Terras, que os africanos e seus
descendentes são excluídos da condição de brasileiros e situados na condição de “libertos”,
ao mesmo tempo em que institui a propriedade sobre a terra por meio da compra, como
única condição para obtê-la.
Desde então, os negros atingidos por todos os tipos de racismo sofreram diversas
pressões, sendo muitas vezes, expulsos das terras nas quais construíram seus modos de
criar, fazer e viver, ainda que a terra tenha sido comprada ou herdada e que se tenham
documentos que comprovem esse procedimento legal. Como afirma Leite (2003), “decorre
daí que, para eles, o simples fato de apropriação do espaço para viver passou a significar
um ato de luta, de guerra” (LEITE, 2003: 3).
A estrutura social brasileira, ainda hoje, preserva relações familiares, políticas, do
trabalho e propriedade privada da terra voltada para os interesses do mercado, impregnadas
pelo passado escravista, patriarcal, androcêntrico, patrimonialista e de afirmação da
superioridade branca. Essa estrutura dificulta com que os direitos de grupos coletivos, tais
como os quilombolas em foco nesse estudo tenham seus direitos garantidos dentro de uma
perspectiva privatista e legalista do direito.
A partir da década de 1930/40, o discurso racista e o conceito de raça a partir do
biológico, vão se esvaindo no campo político institucional e no campo da interpretação do
processo de desenvolvimento nacional. A mestiçagem passa a ser disseminado como
positiva e garantidora da unidade do povo brasileiro, uma resultante das diferentes raças.
O mito da democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural
entre as três raças originárias, teve e tem uma penetração muito profunda na sociedade
brasileira, como afirma Munanga (1999)
(...) exaltando a idéia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as desigualdades e impedindo os membros das comunidades não brancas de terem consciência dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade (MUNANGA, 1999: 80).
Construindo um discurso que se atribui à democracia racial, a convivência
harmônica entre negros, brancos, mestiços, como um legado brasileiro à humanidade, um
legado que impediu que o país incorresse em problemas e conflitos raciais existentes em
outros países.
16
No período dos governos militares (1964-1985) esse discurso passou a ser
inquestionável, a democracia racial tornou-se referência para a interpretação da sociedade
brasileira. Falar sobre racismo era falar contra a unidade nacional, era querer dividir a
nação, era ser “entreguista”. O racismo estava enquadrado na Lei de Segurança Nacional,
qualquer texto, discurso ou reunião com essa finalidade, era considerado crime de
subversão.
17
Capítulo II
Composição racial da pobreza e as políticas públicas
“o grande problema para o combate ao racismo [...] posto que é reiteradamente negado e confundido com formas de discriminação de classe” Guimarães (2009).
No decorrer das décadas de 1970 e 1980, o discurso autoritário e em favor de uma
“falsa democracia racial” passa a ser mais amplamente questionado. Apesar de que já no
inicio dos anos de 1950, uma série de projetos de pesquisa sobre as relações raciais
brasileiras produziu um discurso fortemente questionador da democracia racial.
Esses projetos foram promovidos pela recém-criada Organização Educacional,
Científica e Cultural das Nações Unidas (Unesco) que adotara como parte de sua missão
institucional, o combate ao racismo em todo o mundo. A esse respeito Andrews (1997) em
estudos realizados sobre a democracia racial brasileira, aponta dois aspectos positivos
decorrentes das pesquisas realizadas pela Unesco,
(...) vários dos jovens estudiosos brasileiros que tinham participado de pesquisas – notavelmente Thales de Azevedo e Florestan Fernandes –, mais tarde prosseguiram e fizeram da desconstrução da democracia racial uma das questões centrais de suas carreiras acadêmicas. Continuaram a publicar críticas sobre as relações raciais brasileiras até os anos 60, 70 e 80, participando da formação de estudiosos mais jovens, que continuaram na mesma linha (ANDREWS, 1997: 101).
Fernandes (1965), afirmava que a ruptura radical com a realidade imposta pela
“falsa idéia” de democracia racial e a construção de uma “verdadeira” democracia racial,
“seria preciso que ele [poder político, econômico e social] caísse nas mãos dos negros e
dos mulatos; e que estes desfrutassem de autonomia social equivalente para explorá-lo na
direção contrária, em vista de seus próprios fins, como um fator de democratização da
riqueza, da cultura e do poder” (FERNANDES, 1965: 205).
Notava-se o fortalecimento e ampliação do número de entidades da sociedade
civil, com destaque para associações comunitárias e de bairro, em busca de espaços de
participação e de expressão das suas demandas específicas. Desta forma, o retorno do
regime democrático não poderia mais abrir mão de mecanismos participativos, que
18
levassem em conta a força e as reivindicações dos movimentos sociais que se encontravam
fortalecidos naquela época.
A conseqüência direta desse processo foi instituição de espaços públicos por parte
do Estado, tanto no sentido de promover um debate interno na sociedade civil, colocando
na agenda pública assuntos antes ignorados, quanto para ampliar as possibilidades de
participação da sociedade civil na gestão estatal, como afirma Avritzer (2002)
A partir de meados da década de 70, começa a ocorrer no Brasil o que se convencionou chamar de surgimento de uma sociedade civil autônoma e democrática. Tal fato esteve relacionado com diferentes fenômenos: um crescimento exponencial das associações civis, em especial as associações comunitárias; uma reavaliação da idéia de direitos; a defesa da idéia de autonomia organizacional em relação ao Estado (...) (AVRITZER, 2002: 17).
Para além desse contexto de fortalecimento dos movimentos sociais, vale salientar
a tentativa de criação de formas de consolidar a democracia eleitoral e outros canais de
participação para o aprofundamento da democracia. A insatisfação da sociedade com
relação aos resultados que essas democracias vinham apresentando no que se tratava de
justiça social, inclusão política e eficácia governamental e a inspiração vinda de outras
experiências participativas de países da América Latina, mobilizavam as organizações no
sentido de ampliar radicalmente a democracia.
Nesse contexto de emersão de novos sujeitos sociais, destaca-se o Movimento
Negro Unificado Contra a Discriminação Racial – MNUDCR, conhecido em finais da
década de 1980 como MNU, nasce no clamor dos protestos contra a violenta morte de um
jovem negro pela polícia paulista. Renasce nesse processo a imprensa negra combativa,
articulando bandeiras democráticas e históricas dos movimentos sociais negros. Essa
imprensa alternativa, jornais, boletins e cartazes, estampavam palavras de ordem em favor
da campanha pela Anistia ampla, geral e irrestrita aos presos políticos; defesa da campanha
pelas Diretas Já! de manifestações em apoio a luta de libertação dos países africanos, com
destaque para Agostinho Neto, Samora Machel, Amilcar Cabral, San Nujoma, dentre
outros. (GARCIA, 2006: 11).
Nas Universidades Africanas, muitas releituras e desconstruções foram sugeridas
e novas visões eram sistematizadas. Historiadores, filósofos, antropólogos, sociólogos e
demais estudiosos da história de África desenvolveram uma série de novos instrumentos e
técnicas capazes de reconstruir essa historiografia. Iniciativas que contribuíram e
19
reforçaram a idéia de valorização da autonomia, dos valores, da cultura, estimulando a
auto-estima do ser negro, se sentir negro e se dizer negro. Pantoja (2004) afirma que
(...) a história africana pulou da situação de a mais atrasada do estudo historiográfico para se tornar a pioneira nos novos métodos. Dessa caminhada inicial, em que as décadas de 70/80 foram fundamentais, o fazer a história do continente inclui nomes de grandes historiadores africanos como Ki-Zerbor, A. Ajauy, B. Ogot, T. Obenga, Tamsir Niane, Cheick Anta Diop que com suas historias regionais [...] sedimentaram a historiografia africana. Hoje é possível, graças a eles, falarmos em uma história revisada (PANTOJA, 2004: 2).
Essa efervescência política vem acompanhada por debates sobre participação e
controle social das políticas públicas2. Sobre esse aspecto, controle social, vale destacar a
ponderação de Avritzer (2008) quanto à utilização dessa expressão, entendendo que “a
ambiguidade do termo pode nos levar a compreender ser o controle do Estado sobre a
sociedade e não o seu contrário”, propondo A utilização da expressão controle público.
Com a experimentação e regulamentação das conquistas da Constituição Federal
de 1988, sobretudo, com a constituição e/ou consolidação dos conselhos políticos e
gestores, ocorre a institucionalização desses espaços de participação. A sociedade
brasileira vivenciava um rico processo de interveniência quanto à proposição, negociação e
controle das políticas públicas.
Os conselhos são formados por voluntários, ou seja, pessoas que não recebem
salário ou outro tipo de renda para atuar como conselheiro municipal; sendo os conselhos
instâncias de poder onde existem representantes do poder público e da sociedade civil.
Inicialmente, os Conselhos Comunitários compostos apenas por representantes da
sociedade civil, que não eram institucionalizados junto ao poder público, exerciam forte
mobilização e pressão social (GOHN, 2001).
Conforme assevera Avritzer (2000), avaliando a estrutura atual dos conselhos
enquanto instituições híbridas, “formadas em parte por representantes do Estado, em parte
por representantes da sociedade civil, com poderes consultivos e/ou deliberativos, reúnem,
a um só tempo os elementos da democracia representativa e da democracia direta”
(AVRITZER, 2000: 18).
Gohn (2001) ao discutir o papel dos conselhos gestores na definição de políticas
públicas no Brasil, destaca a necessidade de considerar a multiplicidade de perspectivas.
2 RUA (1995) conceitua políticas públicas como sendo resultantes das atividades políticas, que compreendem o conjunto das decisões e ações relativas à alocação imperativa de valores.
20
Os conselhos gestores são espaços de interlocução entre Estado, sociedade civil e mercado,
sendo, muitas vezes, a um só tempo, fórum de debates, instância consultiva, deliberativa e
de gestão das políticas públicas.
O pluralismo político realiza-se não somente pelo pluralismo partidário, mas
também através da existência de associações civis para defesa de diversos interesses e
grupos existentes na sociedade brasileira. A participação da sociedade civil nos processos
de formulação, deliberação, acompanhamento e fiscalização das políticas públicas
provocam, mesmo que de maneira embrionária, a democratização da gestão pública.
Alguns estudos sobre a emergência dos novos atores sociais entre as décadas de
1970/1980 evidenciam a sociedade civil enquanto um campo composto por forças sociais
dinâmicas, inclusive, também heterogêneas e representando a multiplicidade e diversidade
de segmentos sociais que compõem a sociedade. Nesse sentido, afirma Scherer-Warren
(2009), a sociedade civil nunca será isenta de relações e conflitos de poder, de disputas por
hegemonia e de representações sociais e políticas diversificadas e antagônicas (SCHERER-
WARREN, 2009: 04).
Nesse contexto de heterogeneidade e multiplicidade que se evidenciam as
desigualdades raciais no Brasil, ao mesmo tempo em que contribui para a proposição de
políticas específicas voltadas para a população negra. Estudos afirmam que “a raça é assim
mantida como símbolo de posição subalterna na divisão hierárquica do trabalho e continua
a fornecer a lógica para confinar os membros do grupo racial subordinados àquilo que o
código racial das sociedades define como ‘seus lugares apropriados’” (HASENBALG,
1979: 83).
Ainda que durante essas décadas de 1970/80 houvesse ampliado o processo de
industrialização metal/mecânica/mecatrônica, o setor químico e petroquímico, a telemática,
setores dinâmicos e geradores de emprego em franco crescimento no país, não foram
suficientes para diminuir as desigualdades raciais. Esses estudos comprovavam que a
competição que se estabelece no mundo do trabalho tem na cor ou na “boa aparência” um
critério de seleção no mercado de trabalho.
A composição racial da pobreza no Brasil, não deixa dúvidas que se pretende
naturalizar as desigualdades sociais do Brasil, como forma de escamotear o racismo.
Apesar das denúncias dessa realidade, o argumento recorrente na sociedade é que há
processos de preconceito e discriminação aos pobres, mas, não existe esse preconceito e
discriminação aos negros.
21
O racismo é um caso típico de uma injustiça cultural, que muitas vezes tem força
simbólica nas representações sociais, calcado na idéia de uma suposta superioridade de
uma raça sobre outra. De uma maneira geral, o racismo no Brasil atingiu
preponderantemente os afrodescendentes e até os dias de hoje, traz prejuízos enormes ao
reconhecimento das práticas culturais, ditas práticas de origem africana, negra ou de
pretos.
Os remanescentes das comunidades dos quilombos são talvez, os que mais sofrem
com esse processo de rejeição cultural da imagem do ser negro. O professor Antônio
Sérgio Guimarães (2009) nos dá a seguinte idéia sobre o racismo brasileiro e sua
especificidade:
O racismo brasileiro operou quase sempre [...] por meio de mecanismos de empobrecimento, ou seja, de destituição cultural e econômica dos negros, e de mecanismos de abuso verbal, utilizando-se, sobretudo, dos carismas de classe e cor. [...] aparece em discursos sobre a inferioridade cultural dos povos africanos e do baixo nível cultural das suas tradições e de seus descendentes. [...] o grande problema para o combate ao racismo, no Brasil, consiste na eminência de sua invisibilidade, posto que é reiteradamente negado e confundido com formas de discriminação de classe. (GUIMARÃES, 2009: 225-226)
Prova disso, é que na sociedade brasileira a composição da classe dominante é
predominantemente branca. As principais instituições deste país são governadas por
brancos, num apharteid não oficializado, os negros ainda continuam ocupando a menor
fatia dos bens escassos de nossa sociedade, Hasenbalg (2005) ilustra da seguinte forma,
“noventa anos depois da abolição do escravismo, os negros e mulatos brasileiros
aglomeram-se nas posições subordinadas da estrutura de classes e nos degraus inferiores
do sistema de estratificação social. (HASENBALG, 2005: 207)
Para um processo de desmonte das conseqüências que o sistema escravocrata
gerou em nossa sociedade, é necessário medidas que tenham conteúdo fortemente baseado
no reconhecimento. Direitos culturais fluem direitos coletivos, que geram conseqüências
na realidade dos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Hasenbalg e Silva (1992), examinando as desigualdades raciais entre as décadas
de 1940/1990, concluíram que a posição relativa dos negros e brancos na hierarquia social
não foi substancialmente alterada com o processo de crescimento e modernização
econômica. Apesar de um progressivo reconhecimento, as desigualdades raciais ainda
eram largamente interpretadas na sociedade pelo ângulo da pobreza e como resultado de
22
um acúmulo de carências da população negra, que impactavam em seu suposto despreparo
para participar do mercado de trabalho moderno, que se consolidava gradativamente no
país.
Nesse processo de luta contra as desigualdades raciais é que a luta quilombola é
retomada em finais da década de 1970, ganha força e repercussão nacional ao se articular
com as bandeiras de redemocratização do país.
Esse envolvimento de outros movimentos sociais na defesa das questões
quilombolas, não pode confundir-se com uma total ausência de conflitos e tensões entre
essas bandeiras de luta. Em alguns casos, as dificuldades de diálogo entre as organizações
comprometiam algumas ações significativas, é revelador quanto a isto, o pouco prestigio
da pauta de combate à discriminação racial em relação às pautas de categorias econômicas
e sindicais, que preconizavam a centralidade da luta de classes.
Dentre as ações promovidas por organizações governamentais e da sociedade civil
engajadas na luta das comunidades quilombolas, destacam-se as ações da Fundação
Cultural Palmares3 – órgão do Ministério da Cultura, e do Memorial Zumbi – criado em 20
de novembro de 1980, que lutavam pela preservação da Serra da Barriga, em Alagoas.
Aliás, até o ano de 2003, foi o Ministério da Cultura por meio da Fundação Cultural
Palmares (FCP) a responsável pela identificação, reconhecimento, demarcação e titulação
das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos.
Em exposição feita durante o Seminário Internacional – As minorias e o direito,
Almeida (2003) afirma que, os movimentos sociais negros, quilombolas e os legisladores
imbuídos da defesa da demanda quilombola, não tinham clareza para quem legislavam.
Possivelmente, ainda nutriam a compreensão de quilombo como algo isolado;
desconheciam a quantidade de quilombos existentes e/ou passivos de se autodefinirem
como tal; ou se estavam dentro de propriedades privadas e produtivas, o que acarretaria
procedimentos legais diferenciados dos existentes em áreas devolutas.
A afirmativa anterior, parte da premissa que, na atualidade, os quilombos se
apresentam como um direito a ser reconhecido e, não apenas e propriamente, um passado a
ser rememorado. Nessa linha de raciocínio, Moura (1986 [1981]) conclui que o quilombo
vira fato normal na sociedade escravista e desta até os dias atuais.
3 FCP foi instituída pela Lei Federal n°. 7.668, de 22 de agosto de 1988, tendo o seu Estatuto aprovado pelo Decreto n°. 418, de 10 de janeiro de 1992. Sua missão corporificou os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, identidade, ação e memória dos afro-brasileiros como importantes formadores da sociedade brasileira. Somando-se, ainda, o direito de acesso à cultura e à indispensável ação do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras.
23
A definição de Weber (2004) de grupos étnicos como comunidade política, nos
parece uma referência para o modo através do qual esses grupos devem ser compreendidos.
E apesar de ter sido formulada tendo em vista outras realidades, demarca bem os elementos
que devem ser considerados no trato com esses grupos. Weber (2004) afirma que
A crença na afinidade de origem [...] pode ter consequências importantes particularmente para a formação da comunidade política. Como não se trata de clãs, chamaremos grupos ‘étnicos’ aqueles grupos humanos que, em virtude de semelhanças no habitus externo ou nos costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembranças de colonização e migração nutrem uma crença subjetiva na procedência comum. (WEBER, 2004: 270).
O texto final do artigo 68 do ADCT na Constituição de 1988, ainda que
construído coletivamente com a representação de movimentos sociais negros, traz algumas
imprecisões que estimulam ambiguidades. Por exemplo, a noção de remanescentes como
algo que não existe ou que está em processo de desaparecimento, deixa no ar o
entendimento de cultura como algo fossilizado e estático, são algumas das questões que
abriram espaços de contestação por parte das elites econômicas e políticas contrárias ao
reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas.
A esse respeito, tenta-se criar polêmica a respeito dos critérios de identificação de
comunidades quilombolas. Um dos critérios mais combatidos foi o da auto-atribuição da
comunidade como quilombola. O Decreto nº 4.887/2003 dispõe que
(...) consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (Art. 2º, caput).
Os opositores do decreto, sob o argumento que o critério de auto-atribuição não
obedece a uma base científica segura, que pode redundar numa insegurança jurídica e que
terá influência na propriedade privada, garantia constitucional (art. 5º, XXII), além de
outros pontos do referido decreto, apresentaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADIn nº 3.239-9/600 - DF), impetrada pelo Partido da Frente Liberal (PFL), atual
Democratas (DEM), em trâmite no Supremo Tribunal Federal contra o Decreto 4.887/2003
desde 2004.
Apesar de já haver parecer do Ministério Público Federal (Parecer nº 3.333/CF),
desqualificando cada um dos argumentos em que se alega inconstitucionalidade, pela
24
improcedência da ação, ou seja, pela constitucionalidade do decreto. Dentre os argumentos
incorporados nessa reflexão, destacam-se os estudos antropológicos de Almeida (2002),
A meu ver, o ponto de partida da análise critica é a indagação de como os próprios agentes sociais se define e representa suas relações e práticas com os grupos sociais e as agências com que interagem. [...] Os procedimentos de classificação que interessam são aqueles construídos pelos próprios sujeitos a partir dos próprios conflitos, e não necessariamente aqueles que são produtos de classificações externas, muitas vezes estigmatizantes. [...] Raça não seria mais necessariamente um fato biológico, mas uma categoria socialmente construída [...] Isto é, passa a prevalecer a identidade coletiva acatada pelo próprio grupo em oposição às designações que lhe são externamente atribuídas. (ALMEIDA, 2002: 67-68).
25
Capítulo III
Protagonismo quilombola – Identidade e Resistência
“A construção de identidades vale-se da matéria-prima da história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso” Castells (1999).
Dentre os expressivos embates que envolveram a sociedade civil nas questões
quilombolas, Andrade (2006) destaca o conflito gerado pela instalação de uma base
internacional de lançamento de foguetes, em Alcântara - MA, que repercutiu dentro e fora
do Brasil, ou ainda, os conflitos gerados com a construção da rodovia BR101 que corta ao
meio o quilombo de Campinho da Independência, em Paraty – RJ, tornando suas terras
objeto de especulação de grileiros.
Os conflitos sociais em torno das demandas quilombolas citados anteriormente
estimularam ainda mais o debate sobre a questão, envolvendo e articulando algumas
universidades, sindicatos, pastorais e movimentos sociais negros com a luta pelo
reconhecimento das comunidades quilombolas. Os engajamentos desses setores da
sociedade em prol dessas bandeiras possibilitaram a inclusão do tema na pauta da
Assembléia Nacional Constituinte a partir de 1986.
Além da própria necessidade de se discutir a situação do negro no Brasil, outra
necessidade da Assembléia Nacional Constituinte era de afirmar da existência da
discriminação racial no país, não uma discriminação assumida e clara, mas difusa e oculta
nas entrelinhas cotidianas que vai desde políticas públicas até o comportamento individual
impedindo, com isso, a mudança da mentalidade racista. Nas palavras de Florestan
Fernandes (1988),
cultivamos o preconceito de não ter preconceito: temos vergonha de ter preconceito, e não temos a coragem de combater o preconceito [...] essas formas se manifestam da maneira mais destrutiva e perniciosa, porque dissimulada, oculta (FERNANDES, Anais da Constituinte 1986/1988. Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias: 24) Nosso preconceito não é aberto, sistemático. [...] é uma arma negativa para o negro, porque o negro acaba instalando uma confusão tremenda na cabeça dele, ele não sabe se deve combater o preconceito ou não, se ao combater o preconceito, não vai contribuir para uma situação pior. (FERNANDES, Anais da
26
Constituinte 1986/1988. Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias: 27)
Várias consultas e debates foram realizados no interior da Subcomissão dos
Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. “No caso do direito das
comunidades negras de quilombos essa foi apresentada pelo deputado Constituinte Carlos
Alberto Caó e tinha a seguinte redação: “Acrescente onde couber, no Título X
(Disposições Transitórias), o seguinte artigo: ‘Art. – Fica declarada a propriedade
definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes de Quilombos,
devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras bem
como os documentos referentes à história dos Quilombos no Brasil” (SILVA 1997: 14)
Após vários debates e discussões, o direito quilombola no Artigo 68 do ADCT da
Constituição Federal de 1988 ficou com a seguinte redação: “aos remanescentes das
comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos”.
Contudo, como afirma Arruti (2009), a primeira formulação apresentada pelo
Deputado Caó foi desmembrada de forma a permitir que a parte relativa ao tombamento
dos documentos relativos a história dos quilombos pudesse ser incorporada ao texto
permanente da Constituição Federal, no capítulo relativo a cultura, enquanto a parte
relativa a questão fundiária fosse exilada do corpo dos Dispositivos Transitórios. O que
evidencia o limite que o tema estava circunscrito à época, ao campo da cultura.
Não por acaso, que durante o período em que o Artigo 68 do ADCT ficou sem
regulamentação, ativistas dos movimentos sociais negros, lideranças quilombolas,
entidades sindicais, algumas estruturas governamentais e outras organizações da sociedade,
estiveram todo o tempo em debate, vivenciando os conflitos que a própria existência do
referido Artigo possibilitava no campo da cultura.
Preservando a complexidade que o tema impõe, notadamente tinha-se por um lado
as organizações, dentre elas os movimentos sociais negros e quilombolas, que
compreendiam que o tema devia ser pensado nos termos da luta pela terra e que caberia ao
INCRA o processo de titulação. E, no sentido oposto, estavam os ruralistas que insistiam
que esse direito deveria ser pensado a partir do campo da cultura, tirando o foco do âmbito
da terra.
As comunidades remanescentes de quilombos não têm na terra um meio de
dependência, mas sim, a terra como organismo para pensar o grupo. Essas comunidades
27
organizam-se em associações locais, estaduais e nacionais, um percurso intenso nesses
últimos 30 anos, para alcançar a realidade organizacional atual. As práticas coletivas de
uso e usufruto das terras foram alvo de intenso debate em encontros, reuniões e conversas
informais nas comunidades e demais instâncias organizativas do movimento quilombola.
Na tentativa de dissipar as incompreensões já citadas nesse trabalho sobre o artigo
68 do ADCT, o governo federal instituiu, em 1994, um Grupo de Trabalho sobre as
Comunidades Negras Rurais, para elaborar um conceito de remanescentes de quilombo,
esse conceito foi divulgado pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA):
Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere os resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar (ALMEIDA, 2002: 18).
Deste modo, comunidades remanescentes de quilombo são grupos sociais cuja
identidade étnico-racial os distingue do restante da sociedade. Mas, esse Grupo de
Trabalho também recolocou no debate as lacunas existentes para a aplicabilidade da
legislação: quem seriam os sujeitos desse direito; quais os procedimentos e etapas a serem
cumpridas para sua aplicabilidade; as responsabilidades e competências dos atores
envolvidos.
Durante a realização do I Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais
Quilombolas, em Brasília, que teve como tema “Terra, Produção e Cidadania para
Quilombola” (1995), essas lacunas também foi objeto de debates e reflexões. Foi um
momento marcante de amadurecimento político, que gerou um documento contendo as
principais reivindicações das associações quilombolas, entregue ao Ministro da Cultura e
ao Ministro do Desenvolvimento Agrário, além de ser distribuído entre as organizações da
sociedade civil.
A Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, que
reuniu cerca de 30 mil pessoas, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, (1995). A Marcha
entregou um documento ao governo federal que reforçava as demandas quilombolas,
propostas ações afirmativas de acesso a cursos profissionalizantes e Universidades, além
da representação proporcional dos grupos raciais nas campanhas de comunicação do
governo e entidades a ele vinculadas.
28
A busca pela universalização de políticas sociais e de combate a pobreza, estava
articulada a uma pauta que apresentava propostas mais especificas do povo negro, seja na
saúde, educação, segurança pública, acesso a terra, mercado de trabalho e na promoção da
cultura. Desta forma, se recoloca o questionamento sobre a aplicabilidade da legislação e
sobre quem seriam os sujeitos desse direito.
Em maio de 1996, em Bom Jesus da Lapa/Bahia, constitui-se a Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), uma
organização de âmbito nacional que representa os quilombolas do Brasil, durante o I
Encontro Nacional de Quilombos (1996). Com a presença de representação de 18 estados e
de entidades dos Movimentos Sociais Negros e entidades ligadas à questão rural, que
apóiam a luta dos quilombos, a CONAQ nasce numa conjuntura de efervescência política
das bandeiras do movimento negro brasileiro no campo e da cidade.
A CONAQ lidera uma rede de organizações que procura consolidar sua existência
através do diálogo com as instituições, forçando estas a reconhecê-los. Operando a partir
de outras estratégias que se somam a mobilização e pressão social, dentre elas, o uso da
linguagem jurídica como forma de se legitimar, as linhas de ação do movimento
quilombola tem buscado sua legitimidade através das novas adesões, ampliando sempre
sua abrangência.
Muitos líderes comunitários, sem acesso à informação tomaram conhecimento de
seus direitos muitos anos após a aprovação da lei, ainda assim, por alguma das associações
e de militantes quilombolas que compõem a rede estabelecida pela CONAQ.
Nesse contexto de pressão social o Ministério da Justiça convidou à Brasília
vários pesquisadores brasileiros e americanos, assim como um grande número de
lideranças negras do país, para um seminário internacional sobre “Multiculturalismo e
racismo: o papel da ação afirmativa nos estados democráticos contemporâneos” (1996).
Como enfatiza Guimarães (2009), “foi a primeira vez que um governo brasileiro
admitiu discutir políticas afirmativas voltadas para a ascensão dos negros no Brasil”
(GUIMARÃES, 2009: 165). As ações afirmativas estão sendo compreendidas nesse
trabalho como:
(...) conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como educação e emprego.
29
Diferentemente das políticas governamentais anti-discriminatórias baseadas em lei de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto, as ações afirmativas têm natureza multifacetária e visam evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente, por meio de normas de aplicação geral ou específica, ou através de mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo (GOMES 2001: 40-41).
No caso estudado, as políticas de ação afirmativa almejam o tratamento
igualitário, independente da raça/cor, por isso, e só por isso, é preciso, em certos
momentos, em algumas esferas sociais privilegiadas, que aceitemos tratar como
privilegiados os desprivilegiados, como afirma Guimarães (2009) “não se pode dispensar
tratamento formalmente igual aos que, de fato, são tratados como pertencendo a um
estamento inferior”.
A coordenação quilombola articula-se com outros movimentos da sociedade
civil, no sentido de estabelecer possibilidades concretas de mudanças no curso de algumas
das políticas públicas ao nível local (município).
Essa postura política de estimular a ampliação das bandeiras de luta da
coordenação contribuiu para que o II Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais
Quilombolas, em Salvador/Bahia (2000), aprovasse a CONAQ enquanto um movimento
político. Nesse Encontro definiu-se ainda, que sua missão deve ser a busca por reunir
esforços para alterar as relações desiguais historicamente estabelecidas e em defesa dos
direitos do povo negro no meio rural e urbano.
Nesse Encontro, alguns referenciais históricos foram reafirmados e atualizados,
como o respeito às formas de organização pré-existentes nas comunidades, as práticas
coletivas, o usufruto comum das terras e dos recursos naturais, em harmonia com o meio
ambiente, que são referências de vida; da implantação de projetos de desenvolvimento
sustentável e; da implementação de políticas públicas.
A construção de estratégias para fazer valer o artigo 68 (do ADCT) da
Constituição Federal de 1988, pautou também os debates nesse Encontro. Com o
crescimento do movimento e ampliação do número de associações locais, crescem também
o discurso de segmentos sociais que historicamente questionaram a organização
30
quilombola, com efeito, podemos destacar a Confederação Nacional da Agricultura4
(CNA).
Esse avanço conservador sobre a organização quilombola questiona a
legitimidade da CONAQ, as demandas apresentadas, sua capacidade de propiciar as
mediações necessárias e até da própria possibilidade do Estado de absorvê-las. Isto resulta
também em frustrações e descrenças dos movimentos, que suspeitam da eficácia das
instituições e da lei. Isto porque, ao mesmo tempo em que as reivindicações crescem,
cresce também o risco eminente de fragmentação do próprio movimento, pela
heterogeneidade das situações e pelas idiossincrasias reveladas em seu interior e que são,
em parte, próprias do processo político em que se inserem esses movimentos sociais.
Ao mesmo tempo, articulado aos debates sobre ser quilombo e ser quilombola,
assumir-se como parte de toda uma construção cultural, étnica e de experiência histórica de
resistência dos africanos e seus descendentes, também se aprofundava o debate sobre ser
negro. Essa assunção coletiva, num país cuja principal estratégia de embranquecimento e
de ascensão social sempre foi à miscigenação, representa um questionamento consistente
sobre a composição social e racial do país.
Ser quilombola e assumir-se como tal, depende, portanto, de um amplo
entendimento desta identidade social e coletiva, desafio ainda maior em uma sociedade que
ainda preserva valores excludentes, como apontavam os debates na Subcomissão dos
negros, populações indígenas, durante o processo constituinte de 1986-1988,
Na verdade a miscigenação e a transculturação não permitiram uma preservação cultural maciça da herança cultural dos agrupamentos negros, das várias etnias e até de diferentes raças que vieram para o Brasil. (FERNANDES, FERNANDES, Anais da Constituinte 1986/1988. Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias: 24). A sociedade brasileira criou esta visão alienada de si mesma [...] a partir da chamada grande migração [...] vamos constatar que se instauraram políticas concretas de branqueamento da sociedade brasileira. (GONZÁLEZ, FERNANDES, Anais da Constituinte 1986/1988. Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias: 55).
4 O presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da CNA, Leôncio Brito, denuncia que a autodefinição é inconstitucional, porque, originariamente, a Constituição Federal de 1988 reconhece o direito de propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras, e não somente aos “autodefinidos” como está no texto do Decreto nº 4.887.“Na prática, com o critério da autodefinição, a FCP pode reconhecer como quilombola qualquer comunidade afro-descendente, sem que, necessariamente o grupo esteja de fato ocupando a terra. Por isso estamos observando um crescimento no número de conflitos agrários, até em estados brasileiros onde não havia, tradicionalmente, registro de quilombolas”, denuncia Leôncio Brito. A esse respeito ver http://www.canaldoprodutor.com.br/node/5188 acesso em 27 de fevereiro de 2010
31
Portanto, ainda que desafiador, a fonte é assumir-se enquanto identidade
quilombola. Para atender as pretensões deste trabalho, em vista do conceito de identidade,
recorreremos a Castells (1999) que afirma
(...) identidade como processo de construção de significados com base no atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais interrelacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significados. A construção de identidades vale-se da matéria-prima da história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de cunho religioso. (CASTELLS, 1999: 23)
A identidade quilombola insere-se dentro do conceito, na medida em que os
elementos que compõem sua identidade são também a história, geografia, a memória
coletiva. Para o desenvolvimento do entendimento da demanda quilombola, identidade,
reconhecimento e dignidade neste texto são conceitos guias para compreender a luta por
reconhecimento dos quilombolas. As identidades culturais étnico-raciais e territoriais neste
texto serão usadas como complementares por abarcarem a mesma complexidade dos
sujeitos envolvidos em suas práticas nas comunidades de remanescentes quilombolas. A
concretização da cidadania foge do escopo clássico, de sujeitos individuais, os quilombolas
exigem novos critérios para sua inclusão na cidadania.
Para Habermas (2005), o modelo clássico de uma cidadania incolor sofre uma
revisão, relata que também temos que considerar que os cidadãos são pessoas que
desenvolveram sua identidade pessoal no contexto de certas tradições. Habermas fez a
seguinte observação, “Em determinadas situações, devemos, portanto ampliar o âmbito dos
direitos civis para que inclua também direitos culturais”. (HABERMAS, 2005: 35).
Pressionado pelo debate e proposições quanto ao reconhecimento do racismo e da
necessidade de políticas que promovam a inclusão social, política e produtiva dos
afrodescendentes, o governo brasileiro na pós-Constituição de 1988 tomou medidas quanto
às demandas quilombolas. Dentre elas, destacam-se a Portaria nº 307 do INCRA, de 22 de
novembro de 1995, que determina a titulação das terras quilombolas, ainda que sem
especificar de maneira detalhada o procedimento a ser adotado; e o Decreto Legislativo nº
143, de 20 de junho de 2002, que ratifica o texto da Convenção nº 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas e tribais em países
independentes.
Vale destacar um trecho da referida Convenção, sobre o que distingue os sujeitos
dessa política, a consciência, ou seja, a autodefinição.
32
A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção (item 2 do art. 1.º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho)
No sentido oposto, está o Decreto nº 3.912, de 10 de setembro de 2001, que
restringia o reconhecimento às comunidades que estivessem no território até 05 de outubro
de 1988 e; o veto presidencial ao Projeto de Lei 3.207, de 1997, construído por iniciativa
dos partidos progressistas, dos movimentos sociais negros e quilombolas é vetado pelo
presidente Fernando Henrique Cardoso em 13 de maio de 2002, sob o argumento que
estaria negando direito individual da propriedade da terra.
Os movimentos sociais negros e quilombolas reorganizam sua pauta política,
articulando as formas através das quais deveria ser feito o enfrentamento das condições de
pobreza com a necessidade de políticas públicas com o reconhecimento da discriminação
racial como fenômeno recorrente no país e a sua condenação. Ao mesmo tempo, evidencia
a preservação e valorização do patrimônio histórico e cultural dos negros – dentre elas, as
comunidades remanescentes de quilombos, como forma de inclusão e de promoção da
auto-estima.
Essa mudança de pauta traz para o debate de forma significativa as políticas
afirmativas, ainda incipientes e sem apelo político no discurso e pauta dos movimentos.
Mesmo compreendendo que as políticas sociais universais são imprescindíveis, propõem-
se que estejam articuladas com políticas afirmativas com instrumentos eficazes de redução
das desigualdades raciais.
Na virada do século XXI, as visões diferenciadas de organização, quanto as
bandeiras prioritárias de luta junto ao Estado, as políticas públicas eficazes para fazer
frente às desigualdades raciais, constituem-se em processos a serem construídos de forma
consensual entre os movimentos negros sociais e quilombolas. Mas, alguns consensos
merecem destaque no que diz respeito ao conceito de remanescentes de quilombos e
quanto a essa complexa temática.
Um primeiro, é a compreensão que quando se fala em território quilombola, se
fala mais do que uma exclusiva dependência a terra, enquanto valor e propriedade, a terra
justifica-se enquanto uma metáfora para pensar o grupo e não o contrário. E um segundo
consenso, que devem ser remetidas à formalização jurídica as terras de uso comum, ou
33
seja, domínios doados, entregues ou adquiridos, concessões feitas pelo Estado, áreas de
apossamento em que o próprio senhor abandonou as terras.
Almeida (2002) aprofunda o tema apontando que comunidades quilombolas
referem-se a uma variedade de experiências de territorialidades específicas,
(...) segundo uma diversidade de formas e com inúmeras combinações diferenciadas entre uso e propriedade e entre o caráter privado e comum, perpassadas por fatores étnicos, de parentesco e de sucessão [...] as chamadas terras de preto, terras de santo, terras de índio, tal como definidas e acatadas pelos próprios grupos sociais (ALMEIDA, 2002: 45-46).
Característica que torna singular o quilombo do período colonial e o atual, os
conflitos sobre a posse da terra estão fortemente presentes nos dias atuais. As terras de
quilombos, ou de remanescentes de quilombos têm como base política e econômica a
garantia da sobrevivência coletiva, como em períodos anteriores, também, da mesma forma
se apresentam as tentativas de eliminação da sua população. Enfim, uma realidade singular
ontem e na atualidade, os donos de grandes extensões de terras de ontem, hoje se
representam por grandes grupos empresariais, apesar de estarem igualmente municiados
com o aparato estatal em seu favor, seja pela legislação ou pela coerção. Quanto ao aparato
estatal coercitivo, o site Overmundo traz a seguinte denúncia
28 (vinte e oito) Quilombolas foram detidos hoje, no mandado de busca e apreensão no Sapê do Norte na Comunidade Quilombola de São Domingos em Conceição da Barra no Espírito Santo [...] 130 policiais caminhões e fortemente armados para cumprir os mandados5. [...] um policial agrediu uma menor (neta do Berto Florentino, [...] ao ver seu avô sendo levado pela 'polícia', disse: que eles não eram homens para levar o avô dela preso, recebeu uma tapa no rosto, por desacato a autoridade6.
Apesar de todo esse movimento que posteriormente confluiu para a criação de um
organismo público, a SEPPIR, voltado para a temática racial, a ampliação da cobertura da
população pelas políticas sociais não resultou em significativa mudança nas desigualdades
raciais. Ainda que se tenha ampliado o acesso e as oportunidades da população negra, isto
não tem se mostrado suficiente para alterar os índices históricos de desigualdades entre
brancos e negros.
A continuidade das desigualdades racial expressa a urgência de políticas
específicas. Essa reflexão se aprofunda durante o processo de preparação da III
5 http://www.overmundo.com.br/overblog acesso em 27 de fevereiro de 2010. 6 http://www.overmundo.com.br/overblog acesso em 27 de fevereiro de 2010.
34
Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
Correlata, em Durban, na África do Sul durante o período de 31 de agosto a 07 de
setembro de 2001. Fruto desse processo de animação política, por meio de decreto
presidencial nº 3.952 de 04 de outubro de 2001 é criado o Conselho Nacional de Combate
à Discriminação (CNCD/MJ).
O CNCD foi criado no âmbito do Ministério da Justiça (MJ), com a função de
propor e acompanhar políticas públicas para a defesa dos direitos de indivíduos e grupos
sociais vítimas de discriminação racial ou outra forma de intolerância. Importante espaço
de articulação, proposição, monitoramento e negociação de políticas públicas. Com o
advento do novo governo e das reestruturações ministeriais, o Decreto nº 3.952 foi
revogado pelo Decreto n.º 5.397, de 22 de março de 2005, que dispõe sobre a composição,
competência e funcionamento do CNCD vinculando o referido conselho à Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República que oferece apoio e suporte
administrativo ao CNCD.
No ano seguinte (2002), é criado o Programa Nacional de Ações Afirmativas, sob
a coordenação da SEDH/ MJ, um dos desdobramentos foram algumas iniciativas de ações
afirmativas, em especial, as cotas de afrodescendentes no quadro funcional dos Ministérios
do Desenvolvimento Agrário, das Relações Exteriores, da Cultura, da Educação e da
Saúde.
35
Capítulo IV
Algumas ações governamentais de combate as desigualdades raciais
– limites e desafios
“a força de nossa atuação na sociedade brasileira obrigou diversos setores a reverem suas posições” Januario Garcia (2008).
Com a vitória eleitoral da candidatura de Luis Inácio Lula da Silva – (PT / 2003) à
Presidência da República, os movimentos sociais negros e quilombolas compreendem ter
alcançado o ambiente propício para a execução de suas demandas imediatas e históricas.
Nos primeiros dois anos de governo, medidas enfáticas e contundentes que dialogavam
com os compromissos presentes na Declaração e do Programa de Ação de Durban (2001)
marcaram a ação do governo no âmbito federal.
O cenário legado pelo governo anterior apontava a desarticulação e fragmentação
de políticas voltadas para esse público. Não havia conexões entre as ações e entre os
Ministérios que as executavam. Não havia um órgão responsável diretamente por essa
articulação, a exceção da Fundação Cultural Palmares (FCP).
A primeira medida do governo, por meio da Lei 10.678 de maio/2003, foi à
criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR)
ligada diretamente à Presidência da República. Tendo como missão institucional,
acompanhar, articular e coordenar políticas de diferentes ministérios e de outros órgãos do
Governo Federal para a promoção da igualdade racial; articular a execução de programas
de cooperação com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais, e promover
o cumprimento de acordos e convenções internacionais assinadas pelo Brasil para
combater a discriminação racial e ao racismo.
A segunda medida foi à criação do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade
Racial, por meio do Decreto n.º. 4.885, novembro de 2003. Esse conselho foi composto por
41 participantes sendo, 22 representantes do poder público, 20 representantes da sociedade
civil, e por três personalidades notoriamente reconhecidas no âmbito das relações raciais
designados pelo Presidente da República. Tendo como finalidade, propor em âmbito
nacional, políticas de promoção da igualdade racial com ênfase na população negra e
outros segmentos étnicos da população brasileira, com o objetivo de combater o racismo, o
36
preconceito e a discriminação racial e de reduzir as desigualdades raciais, inclusive nos
aspectos econômico, financeiro, social, político e cultural, ampliando o processo de
controle social sobre as referidas políticas.
A terceira medida foi a criação da Política Nacional de Promoção da Igualdade
Racial (PNPIR), por meio do Decreto n.º. 4.886, novembro de 2003. As diretrizes da
PNPIR foram construídas de forma participativa e sua deliberação aconteceu na 1ª
Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CONAPIR (30 de junho e 02 de
julho de 2005, em Brasília), que contou com cerca de mil e duzentos delegados e delegadas
eleitos nas conferencias estaduais. Vale destacar, que a PNPIR caracteriza-se pela
articulação de políticas, pela descentralização e pela gestão democrática das ações
integradas.
Ainda que tenha ocorrido ao mesmo tempo, merece destaque o Decreto n.º. 4.887
de 2003 que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos
quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Do
ponto de vista dos direitos humanos ele é inovador quando atribui aos próprios grupos a
sua autoatribuição, pois parte do pressuposto de que não cabe ao poder público, nem a
nenhum pesquisador, imputar identidades sociais. Reforçam as disposições da Convenção
nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (item 2 do art. 1.º).
O Decreto 4887/2003 propicia a instauração de processos de regularização das
terras, pautado na Convenção nº 169 que afirma que deverão ser adotadas medidas para
garantir aos membros dos povos interessados a possibilidade de adquirirem educação em
todos os níveis, pelo menos em condições de igualdade com o restante da comunidade
nacional.
Acreditava-se desencadear um novo momento na história do país com essas
medidas, pelo menos, no assumir e propor políticas específicas de garantia da cidadania e
direitos para a população negra, os povos indígenas, os povos de etnia cigana, os judeus, os
palestinos e demais grupos que vivem discriminações históricas do ponto de vista racial,
étnico e cultural.
Mas, para os movimentos sociais negros, ainda é premente a necessidade de
aprofundar o combate as desigualdades raciais, articulando políticas sociais estruturantes
com políticas específicas para a população negra. A SEPPIR constituiu dois programas que
37
norteariam essa intencionalidade política, o Programa Promoção de Políticas Afirmativas
para a Igualdade Racial e o Programa Brasil Quilombola – PBQ, ambos em 2004.
As avaliações sobre o Programa Promoção de Políticas Afirmativas para a
Igualdade Racial apontam alguns avanços no enfrentamento ao racismo e de redução das
desigualdades raciais nos campos da saúde, da educação, da economia solidária.
Quanto a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, aprovada pelo
Conselho Nacional de Saúde em novembro de 2006, segundo o IPEA (2008), apesar da
avançada proposição no que se refere à compreensão da promoção da eqüidade racial no
atendimento prestado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), durante o ano de 2007 a
política seguiu sem implementação, por não ter sido pactuada no âmbito da Comissão
Intergestora Tripartite (CIT).
No campo da educação, merece destaque Lei 11.645/08, suplementar a Lei nº.
10.639/2003, aprovada em 11 de março de 2008, que cria a obrigatoriedade do ensino da
História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, em todas as escolas brasileiras de ensino
fundamental e médio, tanto da rede pública quanto das unidades particulares.
As cotas raciais e/ou sociais para o ingresso em cursos de graduação no ensino
superior foi outra medida importante para a inclusão desse segmento. Ainda que seja alvo
de criticas, as instituições que adotaram o sistema de cotas raciais e/ou sociais o fizeram de
acordo com determinação de seus conselhos universitárias, uma vez que ainda não foi
aprovado mecanismo legal que regulamente este sistema em âmbito nacional.
No entanto, os negros continuam sub-representados nas universidades públicas
brasileiras. Dados do Censo Educacional de 2005, do Ministério da Educação, mostram
que as instituições públicas realizam em média 331 mil matrículas anuais. Destas, apenas
2,37%, cerca de 7.850, são ocupadas por estudantes negros.
Neste sentido, foi positiva a aprovação do Projeto de Lei nº. 73/98 do Senado, que
ainda está em tramite, estabelece uma cota de 50% das vagas nas universidades para os
estudantes que tenham cursado o ensino médio na rede pública, ou como bolsistas integrais
na rede privada. Sobre estas vagas incidirá uma sub-cota destinada aos negros e indígenas,
de acordo com o percentual destas populações aferido em cada unidade da Federação pelo
IBGE.
O Programa Universidade para Todos – ProUni, criado em 2004 e
institucionalizado pela Lei nº. 11.096, de 13 de janeiro de 2005, tem a finalidade de
conceder bolsas de estudo integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e
38
seqüenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, tendo
como contrapartida a isenção de alguns tributos àquelas instituições de ensino que aderem
ao programa. Dirigido aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede
particular na condição de bolsistas integrais, com renda per capita familiar máxima de três
salários mínimos, a seleção é feita pelas notas obtidas no Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), conjugando-se, desse modo, inclusão à qualidade e mérito dos estudantes
com melhores desempenhos acadêmicos.
A criação da Secretaria de Educação Continuada e Diversidade do Ministério da
Educação (Secad/MEC), em julho de 2004, tendo como objetivo contribuir para a redução
das desigualdades educacionais por meio da participação de todos os cidadãos em políticas
públicas que assegurem a ampliação do acesso à educação representa um grande avanço na
articulação de políticas e ações voltadas para alfabetização e educação de jovens e adultos,
educação do campo, educação ambiental, educação escolar indígena, e diversidade étnico-
racial.
Outras iniciativas como o Programa Integrado de Ações Afirmativas para Negros,
ou Brasil AfroAtitude, (2004) articulado pelo Ministério da Educação, Ministério da
Saúde, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), e a
Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), segundo IPEA (2008), apesar de ter
sido avaliado como bem-sucedido em praticamente todos os seus objetivos, não existe
perspectiva para a sua manutenção.
No campo da economia solidária, em parceria da SEPPIR com o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), foi criado em 2003 o Projeto de Etnodesenvolvimento
Econômico Solidário das Comunidades Quilombolas.
O objetivo do programa é apoiar organizações coletivas em empreendimentos
econômicos solidários, visando à geração de emprego e renda e à promoção do
desenvolvimento local sustentável. Sua estratégia principal é fomentar atividades
econômicas em desenvolvimento pelas comunidades, com oficinas e cursos de gestão e de
empreendedorismo, assim como a instalação de rádios comunitárias. Outra iniciativa a ser
registrada é a construção de bancos comunitários para facilitar o acesso dos produtores
quilombolas ao microcrédito.
Já no ano seguinte, em 2004, sob os auspícios de ampliação do programa para
cobrir outros segmentos, passa a ser denominado Programa Brasil Local: Desenvolvimento
e Economia Solidária. Existem expectativas promissoras para o programa, segundo o
39
IPEA (2008) a perspectiva é que, para o período de 2008 a 2011, sejam qualificados 300
agentes de etnodesenvolvimento, que se intensifiquem e se fortaleçam as redes e cadeias
produtivas, e que se efetive a constituição de 20 bancos comunitários quilombolas.
O combate ao racismo institucional por meio do Programa de Combate ao
Racismo Institucional (PCRI) gerou experiências exitosas em alguns órgãos federais,
estaduais e municipais, mas, tinha duração determinada e não conseguiu ampliar e
promover impactos significativos na promoção de ingresso de afrodescendentes em seu
quadro funcional.
O segundo maior programa da SEPPIR, o PBQ (criado em 2004), agrupa
diferentes políticas a partir de dois objetivos voltados para as mudanças internas da
comunidade, a promoção da agroecologia e a promoção de uma política de gênero. E de
quatro objetivos voltados para a estrutura de Estado e as políticas públicas:
i. Incentivo aos governos estaduais e municipais a estabelecer uma política de
regularização fundiária e desenvolvimento sustentável;
ii. Estimulo a igualdade de oportunidades dessas comunidades em relação a
outros públicos;
iii. Estimulo ao protagonismo quilombola;
iv. Garantia de acesso dos direitos sociais por comunidades quilombolas.
No que diz respeito às questões de promoção e acesso aos direitos sociais
universais; a uma política de gênero7·, a promoção da agroecologia e ao protagonismo
quilombola8 o programa obteve significativos avanços. No que diz respeito a uma política
de regularização fundiária e desenvolvimento sustentável e, o estímulo a igualdade de
oportunidades, os avanços foram tímidos. O PBQ ainda apresentava baixa execução das
metas propostas.
Nesse contexto de baixa execução do PBQ, o governo instituiu em 31 de
dezembro de 2004, o ano de 2005 como sendo o Ano Nacional da Promoção da Igualdade
Racial, visando intensificar e articular o conjunto de políticas governamentais de combate
a pobreza e de transferência de renda, com outras políticas de médio e longo prazo, de
promoção da auto-estima, de inserção no mundo do trabalho, voltadas para a saúde da 7 A esse respeito ver Portal do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (PPIGRE) no site www.mda.gov.br. 8 A esse respeito ver relatório da Oficina FSM 2010: Políticas Públicas para Negras e Negros na nova Morfologia do Mercado de Trabalho, proposta pela Secretária pela Igualdade racial da CUT-RS, em 26.01.2001, no Cais do Porto/Pavilhão 06, “ O primeiro banco comunitário administrado pelas próprias comunidades. Denominado de Banco Comunitário Quilombola de Alcântara, a instituição financeira possuiu uma moeda circulante local denominado de Guará. Com pouco mais de um ano de funcionamento, o banco já está inserido na dinâmica econômica do município.
40
população negra. Adotou a Convenção sobre a proteção e promoção da Diversidade das
Expressões Culturais da UNESCO (outubro/2005), por meio do Decreto Legislativo
485/2006. Essa Convenção reconhece a diversidade das expressões culturais tradicionais
como um fator importante que possibilita aos indivíduos e aos povos expressarem e
compartilharem com outros, as suas idéias e valores. Reconhece também, que as
atividades, bens e serviços culturais possuem natureza econômica e cultural, uma vez que
são portadores de identidades, valores e significados.
Após a reeleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva (2006) houve perceptível
dinamização de algumas das políticas esboçadas no primeiro mandato e outras medidas
que se somaram a estas no sentido de estimular o acesso as políticas sociais e universais.
Uma primeira medida do governo reeleito foi a criação por decreto presidencial
(Decreto n.º 6.040), da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades Tradicionais (PNPCT), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS) e Ministério do Meio Ambiente (MMA), com a seguinte
definição de povos e comunidades tradicionais
(...) grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (Inciso I, do art. 3.º, do Decreto n. 6.040, 7 de fevereiro de 2007).
Na perspectiva de alavancar essa intencionalidade política, no mesmo ano foi
lançada a Agenda Social Quilombola – ASQ (novembro/2007). Uma ação conjunta entre
14 órgãos federais, prevendo a articulação de uma série de projetos e programas
governamentais, desde a regularização fundiária, eletrificação, recuperação ambiental,
incentivo ao desenvolvimento local e investimentos em educação e saúde para a melhoria
das condições de vida dos quilombolas.
Durante a II Conferencia Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CONAPIR
(junho de 2009, em Brasília) cerca de mil e quinhentas delegadas (os) de todo o país,
representando diversas organizações e entidades sociais e órgãos governamentais
debateram as propostas e avaliações do caderno de subsídios a II CONAPIR, inclusive,
com uma avaliação positiva do PBQ e da ASQ.
A Conferência foi orientada pelo tema “Avanços, desafios e perspectivas da
Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial”. A proposta de Estatuto da Igualdade
41
Racial possível apresentada e defendida pela SEPPIR garantiu o centro dos debates e das
divergências durante a CONAPIR.
Em 16 de março de 2009, a Subsecretaria de Políticas para Comunidades
Tradicionais (SubCom) da SEPPIR divulgou o mais recente relatório de gestão do PBQ9.
Dentre as realizações foram destacadas o Programa Luz para Todos de eletrificação, que
chegou à marca de 19.821 domicílios atendidos em áreas quilombolas, investindo R$ 99
milhões no período entre 2004 e 2008; o Programa Bolsa Família de renda mínima
alcançou 19 mil famílias quilombolas ao final de 2008; através do Programa Territórios da
Cidadania, o Ministério do Desenvolvimento Agrário destinou em 2008, R$ 82 milhões
para ações específicas de desenvolvimento regional e garantia de direitos sociais em
comunidades quilombolas. O acesso ao Programa Bolsa Família de renda mínima
estimulou a ampliação do numero de registros de nascimentos, condição necessária para
ser beneficiado pelo programa. A regularização fundiária que desde 2005, publicou 81
Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTDIs), totalizando uma área de 516
mil hectares e beneficiando 10.625 famílias quilombolas. No mesmo período outras 3.755
famílias foram beneficiadas por meio da publicação de 40 portarias de reconhecimento,
totalizando 216 mil hectares reconhecidos.
O governo demonstra com essas medidas, que o debate não é sobre a pertinência
constitucional, legal, o que está em jogo é a construção do um país de todos e para todos,
entendendo como igualdade de oportunidades e do exercício da cidadania. Estimular essa
igualdade em âmbito nacional passa por instituir políticas públicas de cunho democrático e
de inclusão social, a exemplo das ações afirmativas.
9 Por meio do site http://www.fomezero.gov.br/subcom
42
Capítulo V
Políticas específicas para as comunidades quilombolas – alguns desafios
“[os movimentos sociais negros propôs] uma estética de revalorização e de auto-estima, consolidou uma ética da igualdade racial” Ubiratan Castro (2008).
Sobre a questão das ações governamentais voltadas para as comunidades
remanescentes de quilombos, as avaliações das mesmas têm sido feitas sob diferentes
perspectivas. A esse respeito, Ricardo Verdum, assessor do INESC, no site contas abertas
aponta que
(...) a maior dificuldade da SEPPIR é a falta de capilaridade para alcançar mais
de três mil comunidades distribuídas em pelo menos 24 estados, identificadas
pelo levantamento da FCP10.
Esse contexto, por sua vez, leva a uma dependência da SEPPIR em relação aos
órgãos públicos estaduais, municipais e de organizações da sociedade civil. Cita ainda, que
nos dois casos, a governabilidade é baixíssima e, quando não há efet ivo compromisso
político, existindo apenas o procedimento burocrático movendo as pessoas, fica muito mais
difícil.
Outras críticas se fundamentam em supostos equívocos na origem da proposta.
Arruti (2009) aponta para a ausência de precisão quanto ao público das políticas para
quilombos. Nessa linha de reflexão ele afirma que
(...) acompanhando a indicação numérica do movimento quilombola, a Seppir estima a existência de 3.900 comunidades quilombolas em todo o país, acrescentando a esta estimativa a de que tais comunidades corresponderiam a 325 mil famílias, numa razão de pouco mais de 80 famílias por comunidade. Este, ao menos do ponto de vista das manifestações públicas desta secretaria, é o horizonte populacional para o qual ela tem a função de articular as várias políticas públicas, dispersas por diferentes ministérios, fundações e secretarias. (ARRUTI, 2009: 74).
O autor cita os dados da Fundação Cultural Palmares para questionar referência de
80 famílias por comunidade utilizada pela SEPPIR, nesse sentido Arruti (2009) afirma que
10 http://contasabertas.uol.com.br
43
(...) é impossível no momento estabelecer qualquer média nacional para a relação do número de famílias por comunidade, mas pelo que é possível apreender das comunidades mais conhecidas, oitenta é um numero exagerado, que acaba elevando excessivamente a expectativa do número de famílias quilombolas a serem atingidas por políticas públicas. (ARRUTI, 2009: 75).
Vale ressaltar que na mesma publicação, o autor enfatiza e elogia a estratégia
estabelecida pelo governo Lula em articular e integrar as políticas voltadas para esse
público. Diferente do que ocorria anteriormente quando eram centralizados no ambiente do
Ministério da Cultura, as decisões e encaminhamentos sobre o tema.
Cita ainda, o empenho do governo em constituir as Ouvidorias Quilombolas e
desencadear uma capacitação permanente e continuada de agente comunitário quilombola,
demandas dos quilombolas desde o II Encontro Nacional de Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (2000).
Arruti (2009) enfatiza que as ações do governo têm como foco o combate a
pobreza rural e a geração de renda, deixando de lado as demandas históricas dos
quilombolas de políticas púbicas diferenciadas. Segundo a CONAQ, na maioria dos
Territórios Quilombolas a efetivação das políticas tão divulgadas no Programa Brasil
Quilombola e mais recentemente, na ASQ, tem sido aplicada com precariedade a exemplo
da saúde, educação, acessibilidade (estradas de acesso), geração de trabalho e renda, e
principalmente a regularização fundiária dos territórios Quilombolas. Somam-se a essas
insatisfações, estudiosos e outras lideranças dos movimentos sociais negros e quilombolas.
Em enquete sobre o primeiro mandato do governo Lula promovida pela revista
virtual Carta Maior, reunindo lideranças e militantes do movimento negro, muitas
preocupações foram apontadas pelos entrevistados11:
Marcus Alessandro, coordenador do MNU, afirma que “a gestão Lula não conseguiu superar a fronteira do simbólico”. Na avaliação de Edson Cardoso, editor da publicação especializada Irohin, “o governo não consegue aplicar (o orçamento), quando entra qualquer coisa, o recurso é contingenciado”. Para o Deputado Federal Luiz Alberto (PT-BA), “o decreto (4887) deu poder para o INCRA e para a Fundação Palmares reconhecerem as terras, mas não há orçamento para isso”.
Essas avaliações identificam as divergências existentes entre as ações e políticas
encaminhadas e alardeadas pela SEPPIR como de expressivo êxito, e as opiniões de 11 http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar. cfm?materia_id=12933 acesso em 22 de fevereiro de 2010
44
militantes, estudiosos e organizações sociais que compreendem serem essas ações e
políticas importantes e necessárias, porém, insuficientes para diminuir as desigualdades
raciais.
Um exemplo dessas divergências está nos acertos políticos feitos pela base
política do governo federal (SEPPIR) na Câmara dos Deputados, no processo de aprovação
do projeto de lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial. Nesse acordo o projeto de lei
seria aprovado na comissão da Câmara em caráter terminativo (sem passar pelo plenário),
precisando ser aprovado no Senado antes de ir à sanção presidencial e se constituir em lei.
Reconhecendo as divergências existentes, o Ministro da Igualdade Racial, Edson
Santos, argumenta que "a gente tem expectativas que às vezes não se confirmam. Mas é
importante ter definido uma meta, que mesmo não sendo cumprida, criou a possibilidade
de o estatuto ser votado em plenário no mês de novembro ainda", disse o ministro em
entrevista ao portal de notícias da www.g1.globo.com.br12, ainda no final do ano de 2009.
O palpite do ministro não se concretizou, em dezembro de 2009, o estatuto
recebeu outro substitutivo, desta vez do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) 13. Na
nova versão apresentada pelo senador do DEM (ex-PFL), se propõe tirar qualquer
referência à palavra ‘raça’, retira as propostas de políticas diferenciadas para a população
negra no Sistema Único de Saúde, rejeita as políticas de combate à violência contra a
juventude negra e contra a mortalidade materna negra, recusa a proposta de incentivos
fiscais para as empresas que promoverem a diversidade étnica em seu quadro de
funcionários.
Talvez por tudo isto, que vozes se somam nas críticas que considera o texto
"esvaziado" por não tratar dentre outras questões importantes, da bandeira estratégica para
as comunidades quilombolas, pois foi retirado o item voltado para a titulação. Em
entrevista ao site www.g1.globo.com.br, o senador Paulo Paim (PT-RS), autor do projeto
de Estatuto da Igualdade, disse que “os temas mais importantes foram retirados, sobre os
quilombos, cotas. Voltou para o Senado um estatuto mais light".
O Decreto nº 4887/03, que trata da regulamentação das terras de Quilombos, está
sendo atacado no Congresso Nacional pela bancada ruralista, representada pelo partido dos
Democratas (DEM), numa Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 3.239 (ADIN) de
junho de 2004, que requer a impugnação do referido decreto.
12 A esse respeito ver http://g1.globo.com.br 13 A esse respeito ver site da http://www.direitoshumanos da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal.
45
Além disso, em maio de 2007, o Deputado Federal Valdir Colatto (PMDB-SC),
base aliada do governo federal e membro da bancada ruralista, apresentou o projeto de
Decreto Legislativo nº 44/2007 que visa sustar o Decreto nº 4.887/2003 sob a justificativa
que este pretenderia regulamentar direta e imediatamente um preceito constitucional, o que
seria inconstitucional. Tal projeto foi refutado por um parecer do Ministério Público
Federal14, com o principal argumento que o artigo 68 da ADCT é auto-aplicável, ou seja,
possui densidade normativa própria, sendo que o Decreto visaria apenas detalhar aspectos
administrativos relacionados ao dispositivo constitucional em questão.
O Deputado Federal acima citado é também autor do Projeto de Lei nº
3654/200815·, que tinha por objetivo regulamentar o artigo 68 da ADCT de modo a
restringir os direitos das comunidades quilombolas. O projeto pretendia alterar a definição
de remanescentes de quilombos e restringir o direito à titulação às zonas rurais e
possibilitar a titulação individual dos territórios.
Este mesmo grupo também defende a não aplicabilidade da Convenção 169 da
OIT que trata dos povos indígenas e tribais e foram os principais articuladores da retirada
do capítulo destinado à titulação dos territórios quilombolas do projeto que tramita com o
texto que trata da regularização fundiária dos territórios de quilombos, da proposta inicial
do Estatuto da Igualdade Racial.
Não obstante a tudo isto, mudanças no trato dessas questões pelo governo federal
(SEPPIR, INCRA e FCP) no que diz respeito a normatização, vem promovendo
questionamentos quanto a intencionalidade política do governo federal em atender as
demandas históricas quilombolas, identificadas anteriormente neste trabalho. Um exemplo
dessas mudanças foram as edições da portaria nº 98 de 2007 da FCP e da IN n.º 49/2008 do
INCRA, por exemplo, vão ao sentido de confirmar a coerência desses questionamentos.
De acordo com a IN n.º 49/2008 o início do procedimento de titulação passa a
estar condicionado à apresentação de certidão, emitida pela FCP, de Registro no Cadastro
Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos (artigo 7º, § 3º). Pela regra
anterior, o INCRA poderia iniciar o processo de titulação com a apresentação, pela
comunidade, de uma “simples declaração” de autodefinição como remanescente de
quilombos.
14 Ver: Dossiê Imprensa Anti-quilombola, disponível em <http://www.koinonia.org.br/OQ/>. 15 Projeto arquivado pela mesa diretora da Câmara dos Deputados nos termos do artigo 133 do RICD, em 20 de outubro de 2009, conforme site http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe, mas pode ser reapresentado a qualquer momento.
46
Desta forma, a IN n.º 49/2008 violou tanto o Decreto nº 4.887/2003 quanto a
Convenção 169 da OIT. Em primeiro lugar, a violação ao Decreto 4.887/2003 se deu pela
imposição de exigência contrária ao que está disposto em seu texto. Em segundo lugar, a
violação da Convenção 169 da OIT se deu pela imposição de exigência contrária ao que
estabelece o critério da “consciência de sua identidade” como definidor do pertencimento
étnico, de acordo com a convenção, a identidade étnica não deve ser atribuída por agente
ou instância exterior ao grupo, mas sim por ele mesmo.
Quanto às mudanças na Portaria FCP nº 98 de 2007, a emissão da “certidão de
autodefinição como remanescentes dos quilombos” (necessária para fins de inscrição da
comunidade no Cadastro Geral de Remanescentes das Comunidades dos Quilombos) está
condicionada a determinados “procedimentos”, entre os quais, a apresentação “de relato
sintético da trajetória comum do grupo (história da comunidade)” e a remessa, “caso a
comunidade os possua, de dados, documentos ou informações, tais como fotos,
reportagens, estudos realizados, entre outros, que atestem a história comum do grupo ou
suas manifestações culturais” (artigo 3º, III e IV).
Tal regulamentação, ao contrário do que previa a Portaria anterior (Portaria nº 6
de 2004), impõe que a comunidade justifique (ou até mesmo prove) sua ascendência
quilombola, sendo que a declaração, em si, passa a não ser mais suficiente.
Seguindo lógica semelhante à descrita anteriormente quanto a Instrução
Normativa do INCRA e a Portaria da FCP, o editorial do informativo eletrônico
Informativo de apoio as Comunidades Negras e Quilombolas, publicação da organização
não governamental – ONG KOINONIA16, publica declaração que “líder da bancada
ruralista na Câmara (sic) disse ter saído satisfeito de uma audiência com o advogado-geral
da União, José Dias Tóffoli, que teria declarado ter o mesmo entendimento que ele sobre a
demarcação de terras quilombolas em ao menos um ponto: só terra efetivamente ocupada
pelas comunidades é passível de titulação pelo INCRA”.
Este foi o sinal para que o deputado ruralista Valdir Colatto (PMDB-SC),
anunciasse a apresentação à Advocacia Geral da União (AGU) de um pedido de revisão do
Decreto nº 4.887 (2003). Vale destacar que um ano depois dessas declarações, o advogado-
geral da União foi premiado pela indicação presidencial (17/09/2009) para ocupar uma
vaga no Supremo Tribunal Federal.
16 Ano 8, nº 36, set/out/nov. de 2008
47
A sociedade civil se mobilizou em relação a esse avanço contra os direitos
quilombolas. A CONAQ, junto com dezenas de organizações da sociedade civil, assina
carta de repúdio aos ataques contra o povo quilombola, em outubro de 2008.
A referida carta denuncia a Instrução Normativa (IN) INCRA nº 49, além dos
ataques e perseguições promovidos pelo governo brasileiro que prioriza interesse do Agro-
hidronegócio. A Carta denuncia ainda, que a AGU vem corroborando com a retirada de
direitos, afrontando o Decreto 4887/2003 e a Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), a serviço dos latifundiários e das grandes empresas Multinacionais.
Contraditoriamente a essa mobilização conservadora, estudos demonstram que
não existe esse tão propalado avanço das políticas quilombolas decorrentes do Decreto nº
4887/03 ou de qualquer outra medida, Arruti (2009) afirma que em finais de 2007 existiam
185 terras de comunidades quilombolas tituladas no Brasil. O próprio INCRA, porém, não [consegue] fazer os processos internos avançarem. Apesar das informações de que existiriam cerca de 600 processos abertos, destes cerca de 380 tem apenas um número de protocolo, não tendo efetivamente iniciado qualquer procedimento (ARRUTI, 2009:86-7).
O autor afirma ainda, que no ano de 2008 o órgão só publicou 10 portarias de
reconhecimento e somente 19 Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação – RTIDs,
não chegando a titular nenhuma terra, contra apenas duas titulações no ano de 2007. As 23
comunidades quilombolas com terras tituladas em 2008 decorrem exclusivamente de
processos movidos pelos governos estaduais do Pará, Piauí e Maranhão. Mas, se existe
uma avaliação que os números de titulações definitivas são pífios, o que justifica essa
avalanche de ações políticas e de polícia contra os quilombolas.
Ainda que algumas políticas da SEPPIR tenham ficado no campo da
intencionalidade e sem alcançar efetivamente a grande maioria das comunidades
quilombolas, percebe-se que muitas das propostas conseqüentes e de pronto atendimento as
demandas identificadas nas comunidades e nos territórios foram atendidas, o acesso é
precário em muitos casos e tutelado pelo poder público, ou ainda, muitas vezes
desconhecido pelo público a que se destinam.
A articulação e integração das políticas de governo conseguiram promover um
salto qualitativo na promoção e ampliação do acesso a um conjunto de políticas, como
saúde, educação, saneamento básico, renda mínima e eletrificação rural com significativo
48
impacto em algumas comunidades, nesse sentido, vale destacar as informações sobre o
tema no site Observatório Quilombola, da ONG Koinonia.
O [governo estadual assinou] convênio para a construção de 20 casas na comunidade remanescente do quilombo Palmital dos Pretos, instalado no município há mais de 200 anos. [...] 76 casas, em seis comunidades: Sete Barras, (19 casas), Córrego das Moças (10 casas), Bairro do Roque (nove casas), Porto Velho (13 casas), Praia do Peixe (três casas), João Surá (22) 17. Dois pré-projetos [...] foram validados por 238 famílias de produtores rurais e agricultores familiares, nas comunidades rurais de Papaquara e Menino Jesus, em Acará, a 210 km de Belém.18
Durante os debates na II CONAPIR, a avaliação dos dois programas da SEPPIR
esteve presente nas pautas dos grupos de trabalho, as resoluções da conferência apontam
para esse salto positivo em relação aos governos anteriores. O Ministro Edson Santos da
SEPPIR avaliou que
As políticas implementadas pelo Governo Federal, enaltecendo o protagonismo da SEPPIR na América Latina e no continente africano, cujas relações ultrapassam a esfera comercial e são pautadas pela reconstrução de nossas identidades. [...] ressaltou a importância das cotas raciais como políticas afirmativas de inclusão e do Estatuto da Igualdade Racial [...] que fará do Brasil o único país do mundo a ter um instrumento legal de combate ao racismo e de promoção da igualdade racial Apresentação das Resoluções II CONAPIR pelo Ministro Edson Santos (2009).
Contudo, essa avaliação positiva construída a partir dos delegados e delegadas a
Conferencia Nacional de Promoção da Igualdade Racial, requer algumas ponderações
tendo como base os estudos sobre o tema e desenvolvimento dessas políticas de cunho
afirmativas desenvolvidas durante o governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva.
Dentre esses estudos, destaca-se o trabalho de pesquisa desenvolvida por técnicos
(as) do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – IPEA. Nesse estudo, Jaccoud (2008)
afirma que a redução das desigualdades sociais tem se mostrado insuficientes para aplacar
as desigualdades raciais. A autora aponta dois entraves para a construção de um país
democrático e justo: i. fortalecer à demanda por tratamento igualitário entre brancos e
negros; ii. desnaturalizar a pobreza, trazê-la para a compreensão que essa pobreza tem
sexo, cor e classe social.
17 http://www.koinonia.org.br/oq/noticias, acesso em 28 de fevereiro de 2010. 18 http://www.koinonia.org.br/oq/noticias, acesso em 28 de fevereiro de 2010.
49
Nesse sentido, ainda que o Programa Brasil Quilombola e a Agenda Social
Quilombola consiga empenhar e aplicar todos os recursos previstos voltados a diminuição
da pobreza, teremos uma significativa ampliação da qualidade de vida das comunidades
remanescentes de quilombos, sem, contudo, diminuir na mesma proporção as
desigualdades raciais, como afirma Jaccoud (2008)
(...) recusar a marginalização social é um desafio que demanda a abertura de um processo continuo de negociação, onde os diferentes atores estejam presentes em torno dos objetivos da equidade, do acesso a justiça e da redução da desigualdade, reforçando o sentimento de reconhecimento pelo e do espaço público bem como de um novo patamar de pertencimento à sociedade (JACCOUD, 2008: 66).
Sendo assim, parece-nos que um dos grandes debates ainda por fazer na sociedade
sobre as questões demandadas pelas comunidades quilombolas está focado nas questões
referentes à propriedade territorial, já que a legislação atual não contempla essa forma
coletiva de propriedade da terra. Com uma legislação especifica de reconhecimento da
propriedade territorial, com a titulação desse território e o reconhecimento dessa
comunidade, esse território se torna inalienável e cumprem sua função social. Desta forma,
contraria os interesses imobiliários, de instituições financeiras, grandes empresas,
latifundiários e especuladores de terras. Não é por acaso que os conflitos fundiários quase
sempre, envolvem os segmentos citados, nesse sentido vale citar Souza (2008)
(...) A noção de terra coletiva, tal como são concebidas as terras de comunidades quilombolas, coloca em crise o modelo de sociedade baseado na propriedade privada como única forma de acesso à terra, instituído na Lei de Terras (1850). Cabe, portanto, ao Estado repensar sua estrutura agrária a partir do reconhecimento de seu caráter pliriétnico também em relação à ocupação territorial. As dificuldades existentes para efetivar a titulação das terras das comunidades quilombolas refletem uma capacidade administrativa frágil da máquina estatal [...] disputas em jogo que superam as limitações administrativas e orçamentárias, que se constituem numa ordem política mais ampla. (SOUZA, 2008:76)
Ainda assim, a abordagem desfavorável ao avanço dos direitos quilombolas na
grande imprensa brasileira ampliou-se sistematicamente a partir de 2007. Reportagens
veiculadas pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, nos dias 14 e 15 de maio de 2007 trazem
essa perspectiva de contestação da ocupação de quilombos na região do Recôncavo, na
Bahia, e em Marambaia, no Rio de Janeiro, e questionam inclusive a própria identidade
quilombola.
50
Merecendo destaque a Revista de História da Biblioteca Nacional, edição de
março de 2007; Revista Veja na edição de 04 de abril de 2007; jornal Estado de São Paulo
na edição de 08 de julho de 2007; a Revista Exame na edição de 12/07/2007, sob o título
“Apartheid no campo: A nova política de desapropriação de terras para os quilombolas
gera conflitos raciais e confusão por todo o País”.
Ainda em relação às articulações contrárias aos direitos das comunidades
quilombolas, vale citar um movimento que reúne proprietários de terras, representantes de
grandes empresas, dentre outros agentes, que se organizam na articulação denominada
“Paz no Campo”, que reúne notórios componentes da organização conservadora Tradição
Família e Propriedade (TFP). Essa articulação divulga e promove boletins, materiais,
campanhas e manifestações, "os brancos terão que pagar uma conta muito alta pela
escravidão que os antepassados dos brancos impuseram aos antepassados dos negros"
(Panfleto Paz no Campo, de julho de 2007), ou que “o pleito quilombola é racista porque
cria um país bicolor, quando ele é multicor” (panfleto Paz no Campo, de julho de 2007).
Os esforços desses segmentos conservadores da elite política e econômica do país
no que diz respeito à negação de direitos das comunidades remanescentes de quilombos,
visibilizam o que existe de pior no racismo existente no Brasil. Mantendo as denúncias de
abusos, os projetos de estimulo ao desenvolvimento dessas comunidades, os processos de
reconhecimento e a titulação dos territórios, paradas em arquivos do governo federal
(SEPPIR, FCP e INCRA). Enfim, todos os instrumentos legais de conquista quilombola
passam a ser alvo de forte perseguição de grupos com trajetória historicamente
conservadora.
Possivelmente, estes últimos acontecimentos requerem uma leitura articulada e
contextualizada, por que as negociações de políticas públicas voltadas para a educação,
saúde, cultura, ainda que careçam de empenho das organizações quilombolas, as
resistências do Estado e de setores conservadores se dão no patamar das discussões e
debates. Mas, quanto às negociações sobre a regularização fundiária de território
quilombola, estas se dão no âmbito do aparato repressor do Estado (delegacia e polícia) e
das milícias armadas por empresas e empresários rurais.
51
Considerações finais
“a minha pele de ébano é minha alma nua [...] a minha pele é linguagem e a leitura é toda sua [...] eu sou parte de você mesmo que você me negue [...] eu sou você e você não sabia” Alegria da Cidade19 (2008).
Sem deixar de considerar os avanços obtidos ao longo desses quase oito anos de
governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, é inconteste que as mudanças nas normas
e procedimentos da portaria nº 98 de 2007 da FCP; da IN n.º 49/2008 do INCRA; e a
retirada do item que tratava do reconhecimento das comunidades remanescentes de
quilombos do Estatuto da Igualdade Racial orientado pela bancada de apoio ao governo,
contribuíram para diminuir a cadencia, os tempos, os avanços que vinha obtendo os
movimentos sociais negros e demais setores comprometidos com uma sociedade justa e
igualitária para o Brasil.
Mas, de encontro a essa realidade conservadora vem se reorganizando e
rearticulando grandes pactos sociais e de agendas dos movimentos sociais. Redes de
movimentos sociais, compostas por segmentos organizados da sociedade a exemplo de
sindicatos de trabalhadores, associações de moradores, movimentos sociais negros,
movimentos de mulheres negras, movimentos de mulheres, instituições religiosas, ONGs e
OSCIPs, núcleos e institutos de pesquisas das Universidades, vem contribuindo nesse
confronto e nessa reafirmação das demandas quilombolas. Entendendo enquanto rede, o
sentido a elas atribuído por Scherer-Warren (2009), “referindo-se à síntese articulatória, à
amálgama ou às redes das redes do agir e pensar coletivo representado através de diversos
formatos organizacionais” (SCHERER-WARREN, 2009: 4).
Outra dimensão desse debate que é levado propositalmente à invisibilidade por
esses setores conservadores, diz respeito a concepção sobre a posse e uso da terra no
Brasil, principalmente no que diz respeito a reafirmação da “função social” enquanto fator
definidor desta ser produtiva ou não. Nesse sentido, as comunidades quilombolas
simbolizam uma proposta de desenvolvimento de base comunitária e contrária a dinâmica
19 Canção de Jorge Portugal e Lazzo Matumbi
52
frenética de mobilização demográfica para os grandes centros, que sempre veio sendo
estimulada por segmentos da exploração imobiliária.
A terra que para as comunidades quilombolas representa a participação na vida
coletiva e o esforço de consolidação do grupo, que o direito constitucional se propôs a
contemplar em 2008. A garantia e consolidação desses direitos fortalecem outras
dinâmicas sociais que se colocam em paralelo à crescente urbanização da sociedade
brasileira, a exemplo do fortalecimento de dinâmicas produtivas e associativas nas
comunidades rurais, dentre elas, nas comunidades quilombolas.
Reconhecer e fortalecer a pluralidade étnica do país e as diversidades
organizativas requer do Estado uma legislação que dialogue com essa realidade. Requer
também, uma efetiva articulação e integração de políticas como saúde, educação,
saneamento básico, renda mínima, eletrificação rural, conectadas com políticas de ação
afirmativas capazes de articular essa políticas com as especificidades das populações
negras. Requerem novos conceitos capazes de reconstituir processos políticos de
reafirmação étnica, racial e de identidade, além de enaltecer a solidariedade e a resistência
coletiva como importante agente de transformação e de mudança.
O que está colocado em debate na sociedade pelas organizações quilombolas, são
a base para novas redes de solidariedades e de outras relações com a terra e com o ser em
detrimento do ter. Ao reconstituir processos políticos de reafirmação étnica, esse
movimento ampliado enaltece a solidariedade e a resistência coletiva como importante
agente de transformação e de mudança. A legislação vigente precisa adequar-se às
realidades em que vivem milhares de famílias quilombolas, e não o seu contrário, como
afirma Almeida (2002), “está sendo construída consoante à combinação de formas de
existência coletiva capaz de impor às estruturas de poder que regem a vida social”.
Essas demandas vêm ganhando visibilidade política para além dos setores
tradicionalmente aliados nessa luta, inclusive, sendo objeto de estudos e pesquisas
acadêmicas. Os ataques à autonomia quilombola, às convenções e legislação vigente ainda
ocorrerão, mas, possivelmente encontrarão doravante maior resistência e em um maior
numero de frentes de luta.
Essa breve reflexão à luz da bibliografia existente se propôs a contribuir para a
compreensão do que chamamos de “comunidade quilombola”, enquanto pessoas que se
constituem enquanto famílias, com culturas, crenças e bem querer social e comunitário
definido a partir de um intenso e profundo sentimento de pertencimento territorial.
53
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