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aLeR+ a Mãe A MÃE NA POESIA

A mãe na poesia

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A MÃE NA POESIA

A mãe tem mais força que o vento: carrega sacos e sacos do supermercado e ainda me carrega a mim. A mãe conhece o bem e o mal. Diz que é bom partir pinhões e partir copos é mal. Eu acho tudo igual.

A mãe é uma árvore e eu uma flor. A mãe tem olhos altos como estrelas. Os seus cabelos brilham como o sol. A mãe faz coisas mágicas: transforma farinha e ovos em bolos, linhas em camisolas, trabalho em dinheiro.

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A mãe podia ser só minha. Mas tenho que a emprestar a tanta gente... A mãe à noite descasca batatas. Eu desenho caras nelas e a cara mais linda é da minha mãe. Luísa Ducla Soares

A mãe sabe para onde vão todos os autocarros, descobre as histórias que contam as letras dos livros. A mãe tem na barriga um ninho. É lá que guarda o meu irmãozinho.

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Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça, é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo - de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho. Carlos Drummond de Andrade

Para Sempre Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento.

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às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo, a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz. lê isto: mãe, amo-te. eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes. José Luís Peixoto

Palavras para a Minha Mãe mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz. sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente. pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

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Tenho saudades dos caminhos quando me deixas Em casa. Padeço tanto Penso tanto Canto tão alto quando calculo os corpos celestes Ó infinita ó infinita mãe Daniel Faria

Tenho Saudades do Calor ó Mãe Tenho saudades do calor ó mãe que me penteias Ó mãe que me cortas o cabelo — o meu cabelo Adorna-te muito mais do que os anéis Dá-me um pouco do teu corpo como herança Uma porção do teu corpo glorioso — não o que já tenho — O que em ti já contempla o que os santos vêem nos céus Dá-me o pão do céu porque morro Faminto, morro à míngua do alto

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A MÃE NA POESIA Mãe! Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei. Traz tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue! verdadeiro, encarnado! Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras. Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa. Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça! Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade! Almada Negreiros

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Caiu-lhe da algibeira A cigarreira breve. Dera-lhe a mãe. Está inteira E boa a cigarreira. Ele é que já não serve. De outra algibeira, alada Ponta a roçar o solo, A brancura embainhada De um lenço… deu-lho a criada Velha que o trouxe ao colo. Lá longe, em casa, há a prece: “Que volte cedo, e bem!” (Malhas que o Império tece!) Jaz morto e apodrece O menino da sua mãe Fernando Pessoa

O Menino de sua Mãe No plaino abandonado Que a morna brisa aquece, De balas trespassado- Duas, de lado a lado-, Jaz morto, e arrefece. Raia-lhe a farda o sangue. De braços estendidos, Alvo, louro, exangue, Fita com olhar langue E cego os céus perdidos. Tão jovem! Que jovem era! (agora que idade tem?) Filho unico, a mãe lhe dera Um nome e o mantivera: «O menino de sua mãe.»

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Quando eu nasci, Não houve nada de novo Senão eu. As nuvens não se espantaram, Não enlouqueceu ninguém... P'ra que o dia fosse enorme, Bastava Toda a ternura que olhava Nos olhos de minha Mãe... Sebastião da Gama

Quando eu nasci Quando eu nasci, Ficou tudo como estava. Nem homens cortaram veias, Nem o Sol escureceu, Nem houve Estrelas a mais... Somente, Esquecida das dores, A minha Mãe sorriu e agradeceu.

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Minha Mãe Minha mãe tem flores nos olhos. Sóis de estrelas nas mãos, nos braços. Luas brancas são seus seios de seda. E é grande como o Mundo e eu chamo-lhe: Mãe! Matilde Rosa Araújo

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Poema à Mãe No mais fundo de ti, eu sei que traí, mãe. Tudo porque já não sou o menino adormecido no fundo dos teus olhos. Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora e noites rumorosas de águas matinais. Por isso, às vezes, as palavras que te digo são duras, mãe, e o nosso amor é infeliz. Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração no retrato da moldura. Se soubesses como ainda amo as rosas, talvez não enchesses as horas de pesadelos.

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Mas tu esqueceste muita coisa; esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu, e até o meu coração ficou enorme, mãe! Olha - queres ouvir-me? - às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos; ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura; ainda oiço a tua voz:

Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal... Mas - tu sabes - a noite é enorme, e todo o meu corpo cresceu. Eu saí da moldura, dei às aves os meus olhos a beber. Não me esqueci de nada, mãe. Guardo a tua voz dentro de mim. E deixo-te as rosas. Boa noite. Eu vou com as aves. Eugénio de Andrade

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Mãe, conta-me histórias de encantar, Dos anjos que no azul do céu voavam, Dos lagos onde cisnes passeavam, E que eu revia à luz do teu olhar. Conta-me histórias como em pequenino Me contavas e tudo me sorria. Histórias lindas que eu atento ouvia... Oh que saudades, mãe, de ser menino. Emanuel Félix

Fantasia Oh mãe, conta-me histórias de encantar Daquelas em que há príncipes e fadas, Dragões que guardam torres encantadas, E que contavas para me embalar. Conta-me histórias, mãe! Lendas infindas De castelos erguidos nas colinas, Onde habitavam fadas e meninas, Brancas e loiras, sempre muito lindas.

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Tigelinhas brancas doces como querias Minha mãe quantas saudades eu tenho João Apolinário

Mãe 2 Tigelinhas brancas compotas macias Minha mãe quantas tigelinhas enchias Tigelinhas brancas para todos os dias Minha mãe quantas tigelinhas vazias

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sobrevivente das madrugadas da memória trocaram-me os dias e as ruas de ancas verticais e nas minhas mãos incompletas trouxe-te um naufrágio de flores cansadas e o único jardim d'amor que cultivei de navios ancorados ao espaço Maria Teresa Horta

Mãe mãe, terminou o tempo de sorrir desculpa-me a morte das plantas tatuei a tua antiga imagem loura em todos os pulsos que anjos inclinam de existires perdi-me noite na planície branca

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A MÃE NA POESIA Quando eu for pequeno, mãe, nenhum de nós falará da morte, a não ser para confirmarmos que ela só vem quando a chamamos e que os animais fazem um círculo para sabermos de antemão que vai chegar. Quando eu for pequeno, mãe, trarei as papoilas e os búzios para a tua mesa de tricotar encontros, e então ficaremos debaixo de um alpendre a ouvir uma banda a tocar enquanto o pai ao longe nos acena, lenço branco na mão com as iniciais [bordadas, anunciando que vai voltar porque eu sou [pequeno e a orfandade até nos olhos deixa marcas.

José Jorge Letria

Quando Eu For Pequeno Quando eu for pequeno, mãe, quero ouvir de novo a tua voz na campânula de som dos meus dias inquietos, apressados, fustigados pelo medo. Subirás comigo as ruas íngremes com a certeza dócil de que só o empedrado e o cansaço da subida me entregarão ao sossego do sono. Quando eu for pequeno, mãe, os teus olhos voltarão a ver nem que seja o fio do destino desenhado por uma estrela cadente no cetim azul das tardes sobre a baía dos veleiros imaginados.

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porque não há retratos do meu pai comigo ao colo, como os dos meus irmãos que ele trazia sempre junto ao peito e tu depois dividiste pela casa para ele poder saber que ainda te lembravas; ou então debruçado no meu berço – que tu escondeste no sótão ainda eu era pequena e te sentavas a embalar vazio quando ele não entendia porque estavas tão triste. Mãe, eram tão azuis os olhos

Mãe, agora que guardaste na arca as blusas pretas e os teus olhos voltaram a ser azuis; que os meus irmãos dormem no seu quarto um sono de poderem ser felizes, que já conseguimos dizer uma à outra o nome dele no meio de um sorriso porque a morte, afinal, é uma coisa tão longe – deixa-me perguntar-te

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azuis os teus olhos com essas roupas claras, e eu ainda tenho o nome do meu pai entre as minhas lágrimas, mas agora, que os meus irmãos descansam no seu quarto, que já todos podemos dizer o nome dele sem nos cortar os lábios, diz-me a verdade: esse homem que chorámos era mesmo meu pai? Maria do Rosário Pedreira

do meu pai no dia em que levou os meus irmãos à escola e tinham tanto medo do que pudesse acontecer-lhes; são tão azuis também os olhos deles debaixo do seu sono, e os meus tão negros de dúvidas – porque foste sempre tu que me levaste sozinha para as coisas difíceis da minha vida, que o meu pai nem nunca quis saber que coisas eram. Mãe, estão hoje tão

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o padre celebrando a missa, celebrando os mortos. A mãe vê a serenidade completa da paz atravessar-lhe o corpo e deitar-se sob o mármore, sob as lápides, sob as flores e o ar que as esvoaça. A mãe vê os advérbios passar, levando-lhe a paz. E uma vez mais o padre, na igreja, dizendo: Senhor, dai-nos a paz. Jorge Reis-Sá

Mãe está sentada no alpendre à minha mãe, advérbio de estar A mãe está sentada no alpendre a ver os advérbios passar: serenamente, completamente, em paz. Como se a paz fosse um advérbio de modo de estar, um orgulho. A mãe está sentada no alpendre olhando em frente o campo, o cemitério, a igreja,

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Eu não quero o teu anel Mãe, não quero o teu anel, Nem os teus brincos, Nem o teu colar de pérolas, Nem a tua pulseira de ouro. Quero o teu colo para encosto, Um beijo no meu rosto, O teu abraço enorme, E estas palavras doces: “Dorme, filho, dorme.” Campos de Figueiredo