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A Mala de Hana - Karen Levine

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A Mala de Hana

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  • Karen Levine

    A malade Hana

    uma histria real

  • Para meus pais,Helen e Gil Levine

  • SUMRIO

    Introduo1. Tquio, Japo - inverno de 20002. Nove Mesto, Tchecoslovquia - dcada de 19303. Tquio, inverno de 20004. Nove Mesto, 19385. Tquio, maro de 20006. Nove Mesto, 19397. Tquio, maro de 20008. Nove Mesto, outono de 1940 primavera de 19419. Tquio, abril de 200010. Nove Mesto, outono de 194111. Tquio, primavera de 200012. Nove Mesto, inverno de 1941-4213. Nove Mesto, maio de 194214. Tquio, junho de 200015. Centro de Deportao, maio de 194216. Terezin, julho de 200017. Theresienstadt, maio de 194218. Terezin, julho de 200019. Theresienstadt, 1942-4320. Terezin, julho de 200021. Theresienstadt, 1943-4422. Terezin, julho de 200023. Praga, julho de 200024. Tquio, agosto de 200025. Toronto, Canad, agosto de 200026. Toronto, agosto de 200027. Tquio, setembro de 200028. Tquio, maro de 2001Consideraes finaisAgradecimentosCrditos

  • INTRODUO

    A MALA DE HANA uma histria real que se passou em trs continentes durante um perodode quase setenta anos. Envolve a experincia de uma garotinha e de sua famlia naTchecoslovquia (atual Repblica Tcheca) nas dcadas de 1930 e 1940, uma jovem e um grupode crianas em Tquio, no Japo, e um homem em Toronto, no Canad, nos dias de hoje.

    Entre 1939 e 1945, o mundo estava em guerra. O ditador nazista Adolf Hitler desejava que aAlemanha dominasse o mundo. No centro de seu plano estava a eliminao brutal do povo judeuda face da Terra. Para se livrar desses inimigos, ele montou dezenas de campos de prisioneiros chamados de campos de concentrao pela Europa. Homens judeus, assim como mulheres ecrianas de quase todos os pases europeus, foram deportados. Eles foram arrancados de suascasas e enviados aos campos, onde sofreram terrivelmente. Muitos morreram de fome ou porcausa de doenas. A maioria foi assassinada. Nesses campos de morte e em qualquer lugaronde os seguidores de Hitler executavam seu plano macabro , seis milhes de judeus forammortos. Um milho e meio de crianas estava entre eles.

    Em 1945, a guerra acabou e o mundo inteiro soube do horror do que acontecera nos camposde concentrao. Desde ento, as pessoas vm tentando entender melhor o que hoje chamamosde Holocausto, o pior massacre em massa ou genocdio de todos os tempos. Como isso foiacontecer? Como podemos ter a certeza de que nunca ocorrer de novo?

    No Japo, um pas aliado dos nazistas durante a II Guerra Mundial, prestar ateno histriado Holocausto algo recente. Um annimo doador japons, que quis contribuir para a tolernciae o entendimento globais, decidiu que era importante que os jovens do Japo aprendessem maissobre esse aspecto da histria humana. Por iniciativa prpria, fundou o Centro Educacional doHolocausto de Tquio, que tem como objetivo educar as novas geraes.

    Num Encontro Juvenil sobre o Holocausto, em 1999, duzentos estudantes de vrias escolas deTquio e reas prximas encontraram-se com a sobrevivente Yaffa Eliach. Ela contou sobrecomo os nazistas massacraram todos os que moravam em sua vila, jovens e idosos. No final dapalestra, lembrou que as crianas tm o poder de criar a paz no futuro. Alguns jovensjaponeses ali presentes aceitaram o desafio e formaram um grupo chamado Pequenas Asas.Agora, os membros do Pequenas Asas, de oito a dezoito anos, ajudam o Centro Educacional doHolocausto de Tquio e trabalham para que outros jovens conheam a histria desse massacre.O grupo trabalha sob a liderana de Fumiko Ishioka, a diretora do Centro Educacional.

    A mala a mala de Hana a chave para o sucesso de sua misso. Dentro dela h umahistria de tristeza profunda e alegria intensa, uma lembrana da brutalidade do passado e daesperana do futuro.

  • A MALA DE HANA

  • 1TQUIO, JAPO,

    INVERNO DE 2000

    NA VERDADE, uma mala muito comum. Um pouco gasta nas extremidades, mas em boascondies.

    marrom. grande. Cabe muita coisa dentro roupas para uma longa viagem, talvez. Livros,jogos, tesouros, brinquedos. Mas agora j no h nada l dentro.

    Todos os dias, crianas visitam um pequeno museu em Tquio para ver essa mala. Ela ficadentro de uma vitrine de vidro. Atravs do vidro, d para ver que h algo escrito. Em tintabranca, na frente da mala, h um nome de menina: Hana Brady . Uma data de nascimento: 16 demaio de 1931. E uma outra palavra: Waisenkind. a palavra alem para rf.

    As crianas japonesas sabem que aquela mala veio de Auschwitz, um campo de concentraoonde milhes de pessoas sofreram e morreram durante a II Guerra Mundial entre 1939 e 1945.Mas quem era Hana Brady? De onde ela veio? Para onde estava indo? O que ela colocou dentroda mala? Como ficou rf? Que tipo de garota ela era e o que lhe aconteceu?

    As crianas faziam muitas perguntas. A diretora do museu, uma moa esguia de longoscabelos negros, tambm tinha muitas perguntas. Seu nome Fumiko Ishioka.

    Fumiko e as crianas delicadamente tiraram a mala de dentro da vitrine e a abriram. Olharamem todos os bolsos: talvez Hana tivesse deixado uma pista. No havia nada. Olharam dentro doforro, feito com tecido de bolinhas. Tambm no acharam nenhuma pista ali.

  • A mala de Hana. Embora ela escrevesse seu nome com apenas um n, os alemes escreviamcom dois, como se v na mala.

    Fumiko prometeu s crianas que faria tudo o que pudesse para descobrir quem era a dona damala e resolver o mistrio. E, durante o ano seguinte, tornou-se detetive, procurando pelo mundo

  • as pistas deixadas por Hana Brady .

    A cidade de Nove Mesto e seus arredores.

  • 2NOVE MESTO,

    TCHECOSLOVQUIA, DCADA DE 1930

    NAS MONTANHAS ondulantes no meio do territrio da antiga Tchecoslovquia, numaprovncia chamada Morvia, ficava a cidade de Nove Mesto. No era grande, mas era famosa.Especialmente no inverno, quando ficava muito agitada. Pessoas de todos os cantos do pasvinham esquiar. Havia corridas; havia trilhas a serem exploradas e lagos congelados. No vero,as pessoas nadavam, pescavam, passeavam de barco e acampavam.

    Nove Mesto era o lar de quatro mil pessoas. No passado, a cidade tambm era conhecida pelafabricao de vidro. No entanto, nos anos de 1930 as pessoas trabalhavam nas florestas e empequenas oficinas que fabricavam esquis. Na rua principal havia um prdio imponente, de doisandares. At o sto tinha dois andares. No poro, uma passagem secreta levava a uma igreja napraa principal. Antigamente, quando a cidade era cercada, essa passagem era usada pelossoldados para estocar comida e suprimentos para a populao de Nove Mesto.

    No andar trreo desse grande prdio ficava a maior loja da cidade. Ali, podia-se comprarquase tudo: botes, geleia, lamparinas a leo, apetrechos para jardinagem, sinos de Natal, pedraspara afiar facas, canetas e guloseimas. No segundo andar, vivia a famlia Brady : o pai Karel, ame Marketa, Hana e seu irmo mais velho, George.

    Papai trabalhava seis dias por semana na loja. Ele era um atleta, conhecido por todos em NoveMesto por sua paixo por futebol, esqui e ginstica. Tambm era ator amador, com uma voz topotente que podia ser ouvida do outro lado do campo de futebol. Por causa de sua voz, era elequem comandava as corridas de esqui com o megafone, para que todos ouvissem quem estavaganhando. Tambm era bombeiro voluntrio que, juntamente com outros homens e mulheres dacidade, dirigia o carro de bombeiros para atender s emergncias.

    A famlia Brady costumava abrir a casa para artistas de todos os tipos: msicos, pintores,poetas, escultores e atores. Quando estes ficavam com fome, sempre havia um prato quentinho,preparado por Boshka, a empregada e cozinheira da famlia. E os talentos artsticos sempreencontravam uma plateia ansiosa, que inclua duas crianas arteiras: Hana e George. s vezes,George tocava violino. Hana adorava mostrar suas habilidades ao piano para qualquer um quequisesse ouvir. No meio da sala de estar havia uma vitrola manivela. Hana sempre tocava suacano favorita Eu tenho nove canrios vez aps vez.

    Mame era uma anfitri calorosa e generosa, com um timo senso de humor e uma risadaque mais parecia um grito, de to alta. Ela tambm trabalhava seis dias por semana na loja, e aspessoas com frequncia entravam no estabelecimento apenas para ouvir as suas piadas e rir desuas brincadeiras. Mame tinha um cuidado especial com os pobres de Nove Mesto, que viviamna periferia da cidade. Uma vez por semana, preparava uma trouxa com roupas e comida eHana distribua aos carentes. Hana ficava muito orgulhosa de sua misso e reclamava quandosua me no tinha nada para distribuir.

    Hana tambm ajudava na loja. Desde muito pequenos, Hana e George eram encarregados demanter as prateleiras limpas, arrumadas e abastecidas. Tambm aprenderam a fatiar fermentofresco, a decorar o po doce com calda de acar, a pesar temperos e condimentos e a enrolarcones de papel para servir de saquinhos para doces. De vez em quando, Mame notava que

  • alguns desses cones cheios de doce tinham desaparecido. Hana nunca dedurou George. E eletambm nunca dedurou Hana.

  • Hana fantasiada para uma pea na escola.

    Nove Mesto. A famlia Brady morava no segundo andar do quarto prdio da esquerda para a

  • direita. A loja ficava no trreo.

    Sempre havia alguns gatos pela loja, que trabalhavam em perodo integral como caadores deratos. Mas, uma vez, numa ocasio especial, Mame e Papai compraram fofos gatos angorsbrancos de presente para as crianas. Eles chegaram pelo correio, numa caixa com buracos pararespirar. No comeo, Sy lvia, a cadela borzoi da famlia, farejou o ar, suspeitando de algo. Maslogo logo, os gatinhos, a que Hana chamou de Micki e Mourek, foram efetivamente aceitos nafamlia.

    Hana e George frequentavam uma escola pblica. Eram crianas normais, que costumavamaprontar algumas. Causavam problemas, mas tambm orgulhavam seus pais como qualquercriana. Havia apenas uma diferena.

    Os Brady eram judeus. No eram uma famlia religiosa, mas Mame e Papai queriam que ascrianas soubessem de sua f. Uma vez por semana, enquanto seus colegas iam para a igreja,Hana e George tinham aulas com uma professora especial, que os ensinava sobre os feriadosjudeus e a histria de seu povo.

    Havia algumas outras famlias judias em Nove Mesto, mas Hana e George eram as nicascrianas judias na cidade. Nos primeiros anos, ningum prestou ateno ou se importou com adiferena. Todavia, pouco tempo depois, o fato de serem judeus seria considerado o fator maisimportante para aquela famlia.

  • 3TQUIO,

    INVERNO DE 2000

    DE VOLTA ao escritrio, do outro lado do mundo e quase meio sculo mais tarde, FumikoIshioka lembrou-se de como a mala foi parar em suas mos.

    Em 1998, ela havia comeado seu trabalho como coordenadora de um pequeno museuchamado Centro do Holocausto de Tquio. Era dedicado a ensinar as crianas japonesas sobre oHolocausto. Numa conferncia em Israel, Fumiko conheceu alguns sobreviventes do Holocausto,pessoas que viveram os horrores dos campos de concentrao. Ela ficou espantada com ootimismo e a alegria de viver daquelas pessoas, mesmo depois de tudo o que tinham passado.Quando Fumiko se sentia triste sobre algumas coisas em sua vida, sempre pensava nessessobreviventes. Eles eram to determinados e sbios... Tinham tanto a ensin-la...

    Fumiko queria que os jovens no Japo tambm aprendessem sobre o Holocausto, e esse era oseu trabalho. No era uma tarefa fcil. Como, perguntava-se, faria com que as crianasjaponesas entendessem a histria terrvel do que acontecera com milhes de judeus numcontinente distante mais de cinquenta anos atrs?

    Fumiko decidiu que o melhor jeito de comear era por meio de objetos que as crianaspudessem ver e tocar. Ela escreveu para museus do Holocausto e museus judeus em todo omundo na Polnia, na Alemanha, nos Estados Unidos e em Israel pedindo que emprestassemartefatos que teriam pertencido a crianas. Ela colocou um anncio na internet. Escreveu paraalgumas pessoas que poderiam ajud-la. Fumiko procurava um par de sapatos e uma mala.

  • Fumiko ensinando as crianas do Centro sobre o Holocausto.

    Todos lhe deram as costas, dizendo que os objetos que haviam sido to cuidadosamentepreservados no poderiam ser emprestados a um museu to pequeno, to longe. Fumiko ficousem saber o que fazer. Mas ela no do tipo de pessoa que desiste facilmente, pelo contrrio.Quanto mais rejeies recebia, mais determinada ficava.

  • Naquele outono, Fumiko viajou at a Polnia, onde muitos campos de concentrao nazistashaviam sido construdos. Ali, onde havia sido o campo mais conhecido, visitou o Museu deAuschwitz. Fumiko implorou para conversar com o diretor-assistente do museu. Ela teve cincominutos para explicar o que queria. Quando deixou o escritrio do assistente, tinha a promessa deque seu pedido ia ser considerado.

    Alguns meses depois, um pacote do Museu de Auschwitz chegou: uma meia e um sapato decriana, uma blusa, uma lata do gs venenoso Zyklon B e uma mala: a mala de Hana.

  • O Centro Educacional do Holocausto de Tquio, Japo.

  • Fumiko Ishioka e uma das crianas em visita ao Centro.

  • Hana adorava brincar ao ar livre, quando era mais jovem.

  • 4NOVE MESTO,

    1938

    HANA TINHA CABELOS LOIROS, olhos azuis e uma cara redonda e linda. Ela era umamenina forte. De vez em quando, Hana provocava George para uma briga, s para exibir seusmsculos. Seu irmo era trs anos mais velho e, mesmo assim, Hana, s vezes, saa comovencedora. Mas, na maior parte do tempo, Hana e George brincavam juntos.

    No vero, no riacho atrs da casa da famlia, eles fingiam ser da marinha. Numa velhabanheira de madeira, as crianas velejavam at que um deles tirasse a rolha do fundo e onavio afundasse entre risos e muito barulho. Havia trs tipos de balano no quintal dos fundos:um para crianas pequenas, um com dois lugares e um que ficava preso numa rvore gigantescae balanava at o riacho. s vezes, as crianas da vizinhana se reuniam ali para competiesnos balanos. Quem conseguia ir mais alto? Quem conseguia pular mais longe? Na maioria dasvezes, era Hana.

  • As crianas construindo um forte na neve.

    Nos longos corredores de seu apartamento no andar em cima da loja, Hana apostava corridasem seu triciclo vermelho com George, no triciclo azul. No inverno, Hana e George construamfortes de neve e esquiavam. Mas a paixo de Hana era patinar, e ela praticava suas piruetas nolago congelado em Nove Mesto. s vezes, quando vestia seu traje especial para patinao queera vermelho com pelo branco nos punhos , ela imaginava que era uma princesa danarina.Seus pais, seus amigos e seu irmo aplaudiam suas apresentaes e seu sonho.

  • Hana com seu traje especial de patinao.

    Por seus pais trabalharem seis dias por semana, as manhs de domingo eram especiais para afamlia. Quando acordavam, George e Hana iam se aconchegar embaixo da colcha de penas nacama dos pais. Nas tardes de domingo, no vero, todos se empilhavam no carro e iam at o forteou castelo mais prximo fazer um piquenique. De vez em quando, Tio Ludvik e Tia Hedda, quetambm viviam em Nove Mesto, os acompanhavam. No inverno, havia corridas de tren elongas aventuras de esqui. Hana sabia esquiar muito bem. Na trilha de oito quilmetros entreNove Mesto e uma vila prxima (que tinha uma doceria fantstica, com pes doces deliciosos),Hana era a lder da grande famlia de primos, mesmo sendo a mais jovem.

  • Hana e George aprenderam a esquiar bem jovens.

    Mas na virada do ano de 1938, havia um sentimento novo e ameaador no ar. Havia rumoresde guerra. Adolf Hitler e os nazistas assumiram o controle da Alemanha. No comeo daqueleano, Hitler tinha tomado a ustria. Ento marchou com seus exrcitos em partes daTchecoslovquia. Refugiados pessoas que tentavam escapar dos nazistas comearam a baterna porta da famlia Brady pedindo dinheiro, comida e abrigo. Eram sempre bem-recebidos porMame e Papai. Mas as crianas estavam perplexas. Quem eram aquelas pessoas?, pensavaHana. Por que esto vindo para c? Por que no ficam em suas prprias casas?

    noite, quando Hana e George iam para a cama, Mame e Papai ouviam as notcias pelordio. Muitas vezes, amigos vinham e se juntavam a eles, conversando durante toda a noite sobreas notcias que tinham ouvido.

    Vamos falar baixo diziam eles , para no acordar as crianas.A conversa dos adultos era to intensa, as discusses to acaloradas, que nem ouviam o

    barulho das tbuas do cho na sala escura, enquanto Hana e George caminhavam na ponta dosps at o posto de escuta secreto perto da porta da sala. As crianas ouviram falar das leisantijudeus na ustria. Ouviram sobre Kristallnacht, na Alemanha, em que gangues de nazistasviolentos vagueavam nos bairros judeus, quebrando janelas de casas e lojas, queimandosinagogas e batendo nas pessoas no meio da rua.

    Isso no pode acontecer aqui, pode? sussurrou Hana ao irmo. Shh! disse George. Se falarmos agora, eles iro nos ouvir e vo nos mandar para a cama.Numa noite, o Sr. Rott, um vizinho, apresentou uma ideia que chocou a todos os adultos. Podemos sentir que a guerra se aproxima comeou a falar. No seguro que os judeus

    continuem aqui. Todos ns devamos deixar Nove Mesto, deixar a Tchecoslovquia. Ir para aAmrica, para a Palestina, para o Canad. Qualquer lugar. Temos de sair agora, antes que sejatarde demais.

    O resto do grupo ficou paralisado. Voc est louco, Sr. Rott? perguntou uma das pessoas. Aqui o nosso lar. Temos de ficar

    aqui e isso encerrou a discusso.Apesar de todos os problemas, os Brady estavam determinados a comemorar a entrada do ano

    de 1939. Na noite da passagem do ano, depois de um banquete de peru, salsicha, salame e doces,as crianas se prepararam para o tradicional jogo de adivinhao do futuro. Hana, George e seusprimos mais jovens das cidades vizinhas receberam metade de uma casca de noz, ondecolocaram uma vela pequena. Uma grande bacia de gua foi trazida at o meio da sala. Cadauma das crianas colocou ali seu barquinho de casca de noz. O barco de George, de onze anos,balanou na gua, foi pra l e pra c, e finalmente parou, meio de lado. A vela continuava acesa.Hana, oito anos, colocou o dela e, por alguns momentos, o barquinho deslizou suavemente. Da,balanou e virou de lado; a vela tocou a gua e se apagou.

  • 5TQUIO,

    MARO DE 2000

    DESDE O DIA EM QUE A MALA chegara, Fumiko e as crianas ficaram atradas por ela.Akira, de dez anos, que geralmente adorava brincar e provocar, perguntou como um rfo sesentia. Maiko, que era mais velha, adorava festas e era uma excelente atleta de nadosincronizado, sempre ficava muito quieta na presena da mala. O objeto fazia com que pensasseem como deveria ser ficar longe dos amigos.

    A mala era o nico objeto do Centro que tinha um nome. Pela data, Fumiko e as crianascalcularam que Hana devia ter treze anos quando foi enviada a Auschwitz.

    Um ano mais jovem do que eu disse uma menina. A idade de minha irm disse Akira.Fumiko escreveu de volta ao Museu de Auschwitz. Ser que poderiam ajud-la a descobrir

    alguma coisa sobre a menina dona daquela mala? No, responderam eles. Sabiam tanto quantoela. Fumiko deu a notcia para as crianas.

    Tente em algum outro lugar suplicou Maiko. No desista disse Akira. Continue procurando repetiam as crianas em coro, incentivando-a.Fumiko prometeu que continuaria a busca.Ela escreveu para Yad Vashem, o Museu do Holocausto em Israel. No, nunca tinham ouvido

    falar numa menina chamada Hana Brady, escreveu o diretor. Voc j tentou o Memorial doHolocausto, em Washington? Fumiko escreveu correndo uma carta para Washington, mas aresposta foi a mesma. No temos nenhuma informao sobre uma menina chamada HanaBrady . Como isso era desanimador!

    Ento, de repente, do nada, Fumiko recebeu uma nota do museu de Auschwitz. Eles tinhamdescoberto algo. Tinham encontrado o nome de Hana numa lista. Estava escrito que Hana tinhachegado a Auschwitz vinda de um lugar chamado Theresienstadt.

  • 6NOVE MESTO,

    1939

    NO DIA 15 DE MARO DE 1939, as tropas nazistas de Hitler tomaram o resto daTchecoslovquia, e a vida da famlia Brady mudou para sempre. Os nazistas declararam que osjudeus eram perversos, uma m influncia, perigosos. Daquele tempo em diante, a famliaBrady e os outros judeus em Nove Mesto teriam de seguir algumas regras.

    Os judeus podiam sair de casa apenas durante algumas horas. Podiam comprar apenas emalgumas lojas e em determinados horrios. Judeus no podiam viajar, ento no podiam maisvisitar seus queridos tios, tias e avs nas cidades prximas. Os Brady tiveram de declarar aosnazistas tudo o que possuam: arte, joias, prataria e contas no banco. Eles apressadamenteesconderam seus documentos mais preciosos embaixo do assoalho do sto. A coleo de selosde Papai e a prataria da Mame estavam escondidas com gentis, amigos no judeus. Mas o rdioda famlia foi levado ao escritrio central e cedido a um oficial nazista.

    Um dia, Hana e George entraram na fila do cinema para assistir ao Branca de Neve e os SeteAnes. Quando chegaram ao guich para comprar os ingressos, viram uma placa que dizia:Judeus no so admitidos. Com os rostos vermelhos e os olhos ardendo, Hana e Georgeviraram de costas e voltaram para casa. Quando Hana entrou em casa, estava furiosa echateada.

  • Hana e George deram foras um ao outro quando aumentaram as restries nazistas.

    Por que isso est acontecendo conosco? Por que no posso ir ao cinema? Por que no possosimplesmente ignorar a placa? Mame e Papai olharam um para o outro, desesperados. Nohavia respostas simples.

    Toda semana havia uma nova restrio. Judeus no podiam frequentar o parque de diverses.Nem os campos de esporte. Nem os parques pblicos. Logo, Hana no podia mais ir ao ginsio.At mesmo o lago em que esquiavam estava proibido. Suas amigas todas gentis no comeo

  • tambm ficaram to perplexas quanto Hana com as regras. Ainda se sentavam lado a lado naescola e aprontavam travessuras juntas dentro da classe e na hora do recreio.

    Ficaremos juntas para sempre, no importa o que acontea prometeu Maria, a melhoramiga de Hana. No vamos deixar que ningum nos diga com quem vamos brincar!

  • A jovem Hana com seu pai.

    Mas, aos poucos, conforme os meses se passavam, todas as colegas de Hana, inclusive Maria,pararam de visit-la depois da escola e nos fins de semana. Os pais de Maria ordenaram que elaficasse longe de Hana. Eles tinham medo de que a famlia toda fosse punida pelos nazistas pordeixar que Maria fosse amiga de uma criana judia. Hana se sentia terrivelmente sozinha.

    Com cada amigo perdido e a cada nova restrio, Hana e George sentiam que seu mundoficava um pouco menor. Eles estavam bravos. Eles estavam tristes. E estavam frustrados.

    O que podemos fazer? perguntaram aos pais. Para onde podemos ir?Mame e Papai fizeram o seu melhor para distrair as crianas, para ajud-las a descobrir

    novas brincadeiras. Ns temos sorte disse Mame , porque temos um grande jardim. Vocs podem brincar de

    esconde-esconde. Podem balanar nas rvores. Podem inventar jogos. Podem brincar dedetetive nos depsitos. Podem explorar a passagem secreta. Adivinhar charadas. Sejam gratosum pelo outro!

    Hana e George eram gratos por terem um ao outro e tambm por brincarem juntos. Mas issono aliviava a tristeza de no poderem mais fazer o que faziam antes nem ir queles lugaresaonde costumavam ir. Num lindo dia de primavera, quando o sol brilhava, os dois sentaram noquintal, entediados, brincando com a grama. De repente, Hana comeou a chorar.

    No justo! gritou. Eu odeio isso! Quero que tudo volte a ser como antes!Arrancou um punhado de grama e jogou as folhas no ar. Olhou para o irmo. Sabia que ele

    estava to triste quanto ela. Espere aqui disse ele. Eu tenho uma ideia.Minutos depois, George estava de volta, com um bloco de papel, uma caneta, uma garrafa

    vazia e uma p. Pra que tudo isso? perguntou Hana. Talvez, se escrevermos todas as coisas chatas que esto acontecendo com a gente, fiquemos

    mais aliviados. Isso bobagem respondeu Hana. No vai trazer nem o parque nem a diverso de volta. E

    no trar Maria de volta.Mas George insistiu. Ele era, no fim das contas, o irmo mais velho, e Hana no tinha

    nenhuma outra ideia. Ento, nas horas seguintes, as crianas derramaram sua infelicidade nopapel, George escrevendo e Hana falando. Fizeram listas das coisas que faziam falta e das coisasque os enfureciam. Fizeram listas de todas as coisas que fariam e de todos os lugares para ondeiriam quando aqueles tempos terrveis acabassem.

    Quando terminaram, George pegou as folhas de papel, enrolou-as num tubo, colocou-as dentroda garrafa e fechoua com uma rolha. Ento, os dois andaram at a casa, parando embaixo dobalano duplo. Ali, Hana cavou um grande buraco: seria aquele seu esconderijo da tristeza e dafrustrao. George colocou a garrafa dentro do buraco e Hana cobriu-a de terra. Quandoacabaram, o mundo parecia um pouquinho mais claro e brilhante, pelo menos naquele dia.

    Era difcil entender tudo o que estava acontecendo. Especialmente agora que o rdio dafamlia tinha sido levado embora. Papai e Mame ouviam todas as noites, s oito horas, as

  • notcias vindas da Inglaterra, sobre os ltimos avanos sinistros de Hitler. Mas os judeus nopodiam mais sair de casa depois das oito. Ouvir o rdio era absolutamente proibido, e apenalidade por quebrar as regras era sempre muito severa. Todos tinham medo de ser presos.

    Papai elaborou um plano, uma forma inteligente de burlar as regras nazistas. Ele pediu umfavor ao seu velho amigo, o responsvel pela torre do relgio. Ele se importaria, perguntouPapai, de atrasar o relgio quinze minutos todas as tardes?. Dessa forma, Papai conseguiriacorrer at o vizinho, ouvir as notcias e voltar para casa em segurana, antes que o sino desse oitobadaladas (eram oito e quinze, na verdade). O guarda nazista que patrulhava a cidade nemimaginava que existia esse esquema. E Papai ficou exultante que havia funcionado. Infelizmente,as notcias que ele conseguiu ouvir no rdio eram ruins. Na verdade, eram pssimas. Os nazistasganhavam todas as batalhas e avanavam em todas as frentes.

  • Hana e George.

  • 7TQUIO,

    MARO DE 2000

    THERESIENSTADT. Agora, Fumiko e as crianas sabiam que Hana tinha chegado aAuschwitz vinda de Theresienstadt. Fumiko estava entusiasmada. Era a primeira pista slida quetinham sobre Hana.

    Theresienstadt era o nome que os nazistas deram cidade tcheca de Terezin. Era uma lindacidadezinha, com dois fortes imponentes, construdos em meados de 1800 para abrigarprisioneiros polticos e de guerra. Depois que os nazistas invadiram a Tchecoslovquia,transformaram Terezin no Gueto de Theresienstadt: uma priso murada, vigiada e hiperlotadaque agora havia se transformado no lar dos judeus que foram obrigados a deixar suas casas.Durante a II Guerra Mundial, mais de cento e quarenta mil judeus foram enviados para l quinze mil deles eram crianas.

    Fumiko ficou at tarde naquela noite, a luz do escritrio iluminando o Centro escuro, lendo tudoo que pde encontrar sobre Theresienstadt.

    Ela ficou sabendo de todas as coisas horrveis que aconteceram em Theresienstadt e que, como passar dos anos, quase todos os moradores do gueto foram deportados novamente, colocadosem trens e enviados para os mais terrveis campos de concentrao ao leste, onde ficavam oscampos de extermnio.

    Mas Fumiko tambm soube que houve casos de bravura e herosmo em Theresienstadt. Entreos adultos, estavam pessoas muito especiais: grandes artistas, msicos famosos, historiadores,filsofos, estilistas e socilogos. Todos estavam em Theresienstadt porque eram judeus. Umainfinidade de talentos, capacidade e conhecimento amontoados dentro dos muros do gueto. Bemdebaixo do nariz dos nazistas e correndo um grande risco, os prisioneiros planejaramsecretamente um elaborado esquema de ensino, aprendizado, produo e apresentaes paracrianas e adultos. Estavam determinados a no deixar os alunos esquecerem que apesar daguerra, apesar dos arredores acinzentados e alojamentos apertados, apesar de tudo o mundoera um lugar de beleza e cada um podia contribuir com a sua parte.

    Fumiko tambm descobriu que, em Theresienstadt, as crianas tinham aulas de desenho epintura. E, miraculosamente, quatro mil e quinhentos desenhos dessas crianas sobreviveram guerra. O corao de Fumiko disparou. Ser que, entre esses desenhos, existiria algum de HanaBrady?

  • 8NOVE MESTO,

    OUTONO DE 1940 PRIMAVERA DE 1941

    O OUTONO TROUXE UM VENTO FRIO, alm de mais restries e rigidez.Hana estava prestes a comear a terceira srie quando os nazistas anunciaram que crianas

    judias no podiam mais ir escola. Agora, nunca mais poderei ver meus amigos! choramingou Hana, quando seus pais lhe

    deram a m notcia. Agora, no poderei mais ser uma professora, quando crescer!Ela sempre sonhou em ficar em p diante da classe e fazer com que todos ouvissem

    atentamente os seus ensinamentos.Mame e Papai estavam determinados a fazer com que seus filhos continuassem a estudar.

    Por sorte, tinham dinheiro suficiente para contratar uma professora particular, que morava numavila prxima, para dar aulas Hana, e tambm um professor refugiado para ensinar George.

    Mame tentava ficar alegre. Bom dia, Hana! cantava todo dia quando o sol raiava. Est na hora do caf. Voc no vai

    querer chegar atrasada na escola, vai?Todas as manhs, Hana encontrava-se com sua professora na mesa da sala de jantar. Ela era

    uma mulher bondosa e fazia o possvel para encorajar Hana com a leitura, a redao e as contas.Ela levava uma pequena lousa, que ficava apoiada numa cadeira. De vez em quando, deixavaHana escrever com giz na lousa e limpar o apagador nos arbustos. Mas, nessa escola, no haviacolegas, nem brincadeiras, nem recreio. Hana achava difcil prestar ateno ou ficarconcentrada nas lies. Na escurido do inverno, o mundo parecia se fechar em torno da famliaBrady .

    De fato, quando a primavera chegou, um desastre se abateu sobre a famlia. Em maro de1941, Mame foi presa pela Gestapo, a temida polcia secreta de Hitler.

    Chegou uma carta, ordenando que Mame comparecesse s nove horas da manh no quartel-general da Gestapo em Iglau, uma cidade prxima. Para que chegasse l na hora, ela teria desair no meio da noite. Tinha apenas um dia para organizar todas as suas coisas e se despedir dafamlia.

    Ela chamou Hana e George na sala de estar, sentou-se no sof e puxou as crianas para juntode si. Disse que tinha de viajar por um tempo. Hana deu um abrao apertado na me.

    Vocs tm de ser bonzinhos enquanto eu estiver fora disse ela. Prestem ateno ao Papaie obedeam-no. Eu escreverei prometeu. Vocs vo escrever para mim?

    George olhou para baixo. Hana tremeu. As crianas estavam chocadas demais pararesponder. Nunca tinham ficado longe da me.

    Quando Mame colocou Hana na cama naquela noite, ela abraou a filha com fora. Correuos dedos pelos cabelos de Hana, do mesmo jeito que fazia quando Hana era pequena. E cantou acano de ninar favorita da filha, vrias vezes. Hana adormeceu com os braos em volta dopescoo da me. De manh, quando Hana acordou, Mame tinha ido embora.

  • Hana, sua me e George em tempos felizes.

  • 9TQUIO,

    ABRIL DE 2000

    FUMIKO NO CONSEGUIA ACREDITAR no que via quando recebeu um pacote no seuescritrio no Japo. Apenas algumas semanas antes, ela escrevera para o Museu do Gueto deTerezin, onde hoje a Repblica Tcheca. Fumiko explicara na carta que as crianas e elaestavam muito ansiosas para descobrir qualquer coisa que as deixasse mais prximas de Hana.As pessoas ali tinham dito que no sabiam nada a respeito da histria pessoal de Hana. Massabiam da extensa coleo de desenhos das crianas, que tinha ficado escondida no campo.Muitos daqueles desenhos agora estavam expostos no Museu Judeu de Praga.

    Fumiko abriu o pacote. Estava to ansiosa que suas mos tremiam. Havia fotografias de cincodesenhos. Uma era a foto de um desenho colorido de um jardim e um banco de parque. Outramostrava um piquenique ao lado de um rio. As outras foram feitas com carvo e lpis: umarvore, feno sendo posto para secar numa fazenda e pessoas carregando malas, descendo de umtrem. No alto da pgina, direita de cada um dos desenhos, estava o nome Hana Brady.

  • Um dos desenhos que Hana fez em Theresienstadt.

  • 10NOVE MESTO,

    OUTONO DE 1941

    POR TER PROMETIDO ME, Hana fez o melhor que pde para se comportar bem.Ajudava seu pai quando podia e fazia todas as lies. Boshka, a querida empregada da casa,cozinhava os pratos favoritos de Hana e lhe dava pores generosas de sobremesa. Mas Hanasentia uma falta terrvel de sua me, especialmente noite. Ningum mais conseguia alisar seucabelo do jeito que Mame fazia. Ningum conseguia cantar to bem sua cano de ninar. Eaquela risada gostosa que ecoava pela casa disso, todos sentiam falta.

    As crianas ficaram sabendo que sua me havia sido levada para um lugar chamadoRavensbruck, um campo de concentrao para mulheres na Alemanha.

    muito longe? perguntou Hana ao pai. Quando ela vai voltar para casa? quis saber George.Papai assegurou s crianas que estava fazendo o possvel para tir-la de l e traz-la de volta.Um dia, Hana estava lendo no seu quarto quando ouviu Boshka chamar por ela. Hana fingiu

    no ouvir. No estava a fim de fazer nada. E o que mais importava? Boshka continuou chamando. Hana! Hana! Onde est voc? Venha rpido! Tem algo muito especial esperando por voc

    no posto dos correios!Quando ouviu aquilo, Hana deixou seu livro cair. Podia ser aquilo que mais esperava? Saiu

    batendo a porta de casa e correu at o posto dos correios, no fim da rua. Hana se aproximou doguich.

    Tem alguma coisa para mim? perguntou.A mulher do lado de dentro empurrou um pequeno pacote marrom pelo buraco de vidro. Hana

    sentiu seu corao pular quando reconheceu a caligrafia da me. Seus dedos tremeram enquantoabria o pacote. Dentro dele, estava um pequeno corao marrom. Era feito de po e tinha asiniciais HB esculpidas. Junto com o presente, havia uma carta.

    Minha querida, desejo toda a felicidade em seu aniversrio. Sinto muito por no poder ajud-la a apagar as velas este ano. Mas o corao um pingente que eu fiz para a sua pulseira.Suas roupas esto ficando pequenas para voc? Pea ao Papai e ao George que falem comsuas tias para fazerem roupas novas para minha garotona. Eu penso em voc e no seu irmoo tempo todo. Estou bem. Est sendo uma boa menina? Vai escrever para mim? Espero quevoc e George continuem estudando. Estou bem. Tenho muitas saudades, minha queridaHanichka. Mando beijos agora

    Amor, Mame Maio, 1941. Ravensbruck

    Hana fechou os olhos e apertou o pequeno corao de po entre as mos. Ela imaginou que ame estava ali, ao seu lado.

    O outono trouxe outro golpe. Um dia, Papai chegou em casa carregando trs quadrados depano. Em cada um, havia uma estrela de Davi amarela, e no meio dela a palavra Jude: Judeu.

  • Os presentes feitos de po que a me de Hana enviou famlia depois de ter sido levadaembora.

    Venham, crianas disse Papai, enquanto pegava uma tesoura na gaveta da cozinha. Precisamos recortar estas estrelas e alfinet-las em nossos casacos. Temos de us-las todas asvezes que sairmos de casa.

    Por qu? perguntou Hana. As pessoas j sabem que somos judeus. o que precisamos fazer respondeu Papai. Ele estava to abatido, triste e cansado que

    George e Hana no discutiram.Desse dia em diante, Hana no saa mais de casa com tanta frequncia. Ela fazia qualquer

    coisa para evitar ser vista em pblico usando o emblema amarelo. Ela odiava aquela estrela. Erahumilhante. Era constrangedor. J no era suficiente, perguntavam-se as crianas, terem perdidoo parque, o lago, a escola e os amigos? Mas, de agora em diante, quando sassem de casa, aestrela estaria alfinetada em suas roupas.

    Um homem judeu na cidade no estava disposto a obedecer. J estava farto de todas as regrase restries. Ento, no fim do ms de setembro de 1941, saiu de casa, desafiadoramente. Ele nohavia recortado a estrela e colocou o quadrado todo afixado em seu casaco. Esse pequeno ato derebelio foi imediatamente percebido pelo oficial nazista encarregado de Nove Mesto. Ele ficoufurioso. Declarou que Nove Mesto deveria ficar Judenfrei, livre dos judeus, imediatamente.

    Na manh seguinte, um grande carro preto dirigido por um oficial nazista parou em frente casa dos Brady. Quatro homens judeus amedrontados amontoavam-se dentro do carro. Bateramna porta. Papai abriu-a. Hana e George abraavam-se atrs dele. O oficial da Gestapo berroupara Papai sair imediatamente. Hana e George no conseguiam acreditar no que ouviam.Ficaram l, chocados, petrificados pelo medo e em silncio. Papai abraou as crianas, implorouque elas fossem corajosas. E, ento, ele tambm foi embora.

  • Judeus eram obrigados a usar estrelas de pano amarelo sempre que sassem de casa.

  • 11TQUIO,

    PRIMAVERA DE 2000

    FUMIKO ESTAVA ENCANTADA com os desenhos de Hana. Sabia que ajudariam ascrianas a conhecer melhor quem tinha sido a menina. Seria mais fcil para as crianascolocarem-se no lugar dela. Fumiko estava certa.

  • Outro desenho de Hana, vindo de Theresienstadt.

    Mais do que nunca, as crianas voluntrias do Centro interessavam-se por Hana. Lideradas porMaiko, algumas formaram um grupo que tinha como misso contar a outras crianas o quetinham visto. Elas chamavam esse grupo de Pequenas Asas. Uma vez por ms, elas sereuniam para planejar o jornalzinho. Todos tinham uma tarefa: as crianas mais velhasescreviam os artigos; as mais jovens desenhavam e algumas escreviam poemas. Com a ajuda deFumiko, mandavam seu jornalzinho para escolas da regio e outras mais longe, para que todosficassem sabendo o que tinham descoberto sobre a histria do Holocausto e da busca por Hana.

    Mais do que nunca, as crianas queriam saber como era Hana. Desejavam ver o rosto dessamenininha, cuja histria queriam ansiosamente saber. Fumiko percebeu que, se achasse uma fotode Hana, tornaria a menina muito mais viva para as crianas: um ser humano real. Fumikoestava determinada a continuar a busca.

    Agora que Fumiko tinha os desenhos, uma meia, um sapato, o casaco e, claro, a mala de Hana,ela sentiu que era a hora de abrir a exposio em que estava trabalhando: O Holocausto vistopelos olhos das crianas.

  • O Pequenas Asas.

  • 12NOVE MESTO,

    INVERNO DE 1941-42

    AGORA, ERAM APENAS AS DUAS CRIANAS. Sem os pais. George colocou o brao nosombros de sua irm de dez anos e prometeu cuidar dela. Boshka, a empregada, tentou distra-loscom doces e conversas ternas. No funcionou. As crianas estavam tristes, e todos, muitoassustados.

    Horas depois de o pai ter sido levado, bateram novamente na porta. O corao de Hanadisparou. George engoliu em seco. Quem viriam pegar agora? Mas, quando abriram a porta,viram Tio Ludvik, o querido Tio Ludvik.

    Acabei de saber disse ele, abraando Hana com um brao e George com o outro. Vocsdois vm comigo. Vocs devem ficar com sua famlia, com as pessoas que os amam.

    Tio Ludvik era cristo e tinha se casado com a irm de Papai. No sendo judeu, no era alvodos nazistas. Mas ele era corajoso em ficar com George e Hana. A Gestapo j havia avisado queas pessoas que ajudassem judeus seriam punidas severamente.

    Tio Ludvik disse s crianas que pegassem suas coisas mais preciosas. Hana pegou sua bonecado tamanho de uma criana de verdade chamada Nana, que estava com ela desde que tinhacinco anos. George pegou todas as fotografias da famlia. Cada um deles encheu uma mala.Hana escolheu uma mala marrom, grande, que j havia usado em viagens com a famlia. Elaadorava o forro de bolinhas. Quando terminaram de arrumar as malas, apagaram a luz efecharam a porta sem olhar para trs.

  • Uma jovem Hana com George e sua boneca, Nana, que era quase to grande quanto a dona.

    Naquela noite, a tia e o tio de Hana colocaram-na numa grande cama, coberta com umacolcha de penas.

    Vamos cuidar de vocs at seus pais voltarem, Hana prometeram. E estaremos no andarde baixo, se voc acordar no meio da noite.

    Mesmo tendo passado muito tempo depois que as luzes foram apagadas, Hana continuavaacordada, piscando naquela escurido estranha. Era uma cama estranha. E o mundo agora umlugar perigoso parecia ter virado de cabea para baixo. O que vir a seguir?, pensou Hana,com medo. Finalmente, conseguiu fechar os olhos e dormir.

    Hana acordou de manh com latidos desesperados embaixo da janela. Seu corao acelerou.Ser que estava certa? Ento, reconheceu o som. Era Sy lvia, a leal cadela borzoi. Sozinha, tinhaencontrado o caminho at Hana e George. Pelo menos, alguns amigos, pensou Hana, pelomenos, alguns amigos continuam leais. Era um pequeno conforto.

  • Hana, George e a borzoi Sylvia.

    A casa de Tia Hedda e Tio Ludvik era pequena, mas confortvel, com um lindo jardinzinhonos fundos. Era bem perto da escola. Todos os dias, Hana e George viam as crianas passandocom suas mochilas, rindo e brincando, a caminho da escola.

    Eu quero ir tambm! Hana batia o p no cho, frustrada e magoada.Mas no havia nada que pudessem fazer.Nos meses que se seguiram, Tio Ludvik e Tia Hedda fizeram o possvel para que as crianas

    ficassem ocupadas. George cortge a e m ge a anoGb He Gm ea vel, a eo mas i e

  • Hana e seu querido e corajoso Tio Ludvik.

    Todos os dias na hora do almoo, Hana e George iam para casa, comer a comida de Boshka,que adorava mimar as crianas. Ela os abraava, beijava e lembrava que havia prometido aospais deles que ia cuidar muito bem da alimentao dos dois, para que ficassem saudveis.

  • Hana e George ajudando nos campos.

    A cada duas ou trs semanas, chegava uma carta de Papai, que estava na priso da Gestapoem Iglau. George lia apenas a parte feliz da carta para a irm. Ele achava que a irm era jovemdemais para saber toda a verdade sobre as condies terrveis das prises e sobre como Papaiestava desesperado para sair. Hana, porm, no era jovem demais para ser deportada pelosnazistas.

  • Mais tarde, em Theresienstadt, Hana fez esse desenho das pessoas trabalhando nos campos.

  • 13NOVE MESTO,MAIO DE 1942

    UM DIA, UMA NOTCIA CHEGOU CASA da Tia Hedda e do Tio Ludvik. Hana e GeorgeBrady tinham de se apresentar no centro de deportao em Trebic, a quinze quilmetros de NoveMesto, no dia 14 de maio de 1942. Era isso o que Tio Ludvik temia. Ele chamou as crianas aoseu escritrio e leu a carta para elas. Ento, tentou dar a notcia da melhor forma possvel.

    Vocs vo viajar disse ele. Juntos! Vocs vo para um lugar onde h muitos outrosjudeus e muitas crianas para brincar. Talvez nem precisem usar a estrela!

    Eles no disseram nada. Estavam tristes por deixar os tios.Hana estava com medo. Quando Boshka veio ajud-los a arrumar as malas para a viagem,

    Hana encheu-a de perguntas. Onde esto nossos pais? Quando vamos v-los de novo? Para onde estamos indo? O que

    podemos levar conosco?Boshka no tinha resposta para nenhuma dessas perguntas. Apenas abraou Hana e disse que

    tambm estava indo embora de Nove Mesto para viver com um irmo numa fazenda.Hana pegou a grande mala marrom com o forro de bolinhas debaixo da cama. Apanhou um

    saco de dormir que lhe recordava os bons tempos em casa, mesmo longe dela. George tambmpegou o seu. Enfiaram salame e acar entre as roupas, alm de algumas lembranas.

  • Este documento ordena que Hana seja deportada da casa dos tios no dia 30 de abril de 1942. Naverdade, ela foi enviada a Theresienstadt no dia 14 de maio.

    Tio Ludvik estava arrasado por ter de mandar seus sobrinhos para longe. Ele pediu um txipara lev-los at o centro de deportao. Ele mesmo no conseguiria. Ele e a esposa fizeram opossvel para conter as lgrimas, quando se despediram de Hana e George. Prometeram esperarpor eles em Nove Mesto quando a guerra tivesse acabado. Quando o motorista balanou o sino eos cavalos se puseram a caminho, ningum disse uma palavra.

    Algumas horas mais tarde, o motorista deixou Hana e George em frente a um grandedepsito. Eles entraram na fila que se formava na porta. Quando chegaram no guich de registro,deram seus nomes para um soldado carrancudo. Ele os mandou para dentro de um prdio escuroe abafado.

    O cho dentro do prdio estava coberto de colches. Hana e George acharam dois colchesjuntos numa esquina e se sentaram. Quando olharam em volta, perceberam que quase no haviacrianas. Mas havia centenas de homens e mulheres judeus, esperando para serem enviados aum lugar chamado Theresienstadt. Todos estavam sendo deportados.

    Por quatro dias e quatro noites, Hana e George ficaram no depsito, comendo a comida desuas malas e dormindo nos colches no cho. Embora alguns adultos tentassem ser bondosos comas crianas, Hana e George no queriam companhia. Eles tinham um ao outro e passavam otempo lendo, conversando, dormindo ou pensando em seu lar. Foi dentro desse depsito, em 16de maio de 1942, com alguns doces e um toco de vela, que Hana Brady comemorou seuaniversrio de onze anos.

  • 14TQUIO,

    JUNHO DE 2000

    A EXPOSIO O HOLOCAUSTO VISTO PELOS OLHOS DAS CRIANAS atraa maisvisitantes, adultos e crianas, do que Fumiko jamais sonhara. A histria do Holocausto era novapara a maioria das pessoas que vinham ao museu. Como Fumiko acreditara, aqueles objetos etoda a histria por detrs deles tornaram a tragdia real.

    Embora houvesse interesse pelo sapato, pela lata de gs Zyklon B e pela pequena blusa, era amala que mais atraa a ateno. Crianas e adultos frequentemente se reuniam em volta da malapara ler a inscrio Hana Brady, 16 de maio de 1931, Waisenkind rf. Liam os poemasescritos pelos membros do Pequenas Asas. E admiravam os desenhos de Hana, feitos emTheresienstadt.

    Vocs sabem mais alguma coisa sobre ela? perguntavam. O que aconteceu com ela?Como ela era?

    Fumiko decidiu redobrar os esforos para encontrar uma foto de Hana. Em algum lugar deviaexistir algum disposto a ajudar. Fumiko escreveu novamente para o Museu do Gueto de Terezin.A resposta veio: J dissemos que no sabemos nada sobre uma menina chamada Hana Brady.

    Fumiko no conseguia aceitar essa resposta. Decidiu, ento, ir pessoalmente a Terezin.

  • 15CENTRO DE DEPORTAO,

    MAIO DE 1942

    NA MANH DO QUARTO DIA, ouviu-se um apito alto, e um soldado nazista entroumarchando no depsito. Hana e George se encolheram no canto, enquanto ele berrava as ordens.

    Todos devem estar na estao de trem em uma hora. Cada pessoa s pode levar uma mala.Vinte e cinco quilos. Nem um grama a mais. Formem filas. No conversem. Cumpram asordens!

    A voz era to spera, to amedrontadora! Hana e George rapidamente arrumaram suasmalas. Os adultos tentaram ajudar, certificando-se de que as crianas estariam prontas.Coitadinhos, pensavam. Uma jornada to difcil e sozinhos, sem os pais.

    Sob o olhar ameaador dos soldados, todos deixaram o depsito numa fila nica e formaramfilas na plataforma da estao. Da luz brilhante da manh, Hana e George entraram na escuridodo trem, carregando suas malas. Mais pessoas foram enfiadas dentro do vago, at que ficasselotado. Ento, as portas foram fechadas e o trem comeou a andar.

  • 16TEREZIN,

    JULHO DE 2000

    THERESIENSTADT. O nome que os nazistas deram cidade tcheca de Terezin. Fumiko sabiaque, para resolver o mistrio da mala de Hana, precisava ir at l. Mas como? A RepblicaTcheca ficava a milhares de quilmetros do Japo, e uma passagem de avio ia custar caro. EFumiko no tinha esse dinheiro.

    Mas, dessa vez, a sorte estava ao seu lado. Fumiko foi convidada para participar de umaconferncia sobre o Holocausto na Inglaterra. Dali, seria uma viagem curta de avio at Praga,capital da Repblica Tcheca. E Terezin ficava a apenas duas horas de carro de Praga. Fumikono conseguia conter a ansiedade para partir.

    Na manh de 11 de julho de 2000, Fumiko saiu do nibus na praa principal de Terezin. primeira vista, parecia uma cidade qualquer. Havia ruas largas cercadas por rvores e casas detrs andares muito conservadas, com floreiras nas janelas. Por um momento, Fumiko esqueceu-se de que tinha apenas um dia para cumprir sua misso. Naquela noite, teria de voltar paraPraga. Seu voo para o Japo sairia na manh do dia seguinte.

    Fumiko no havia marcado nada. No havia nenhuma reunio planejada. Mas diretamente dapraa principal pde avistar um longo prdio de dois andares, pintado de amarelo. Era o Museudo Gueto de Terezin.

  • Fumiko foi at a Terezin dos dias de hoje.

    Fumiko abriu a grande porta da frente e entrou na recepo fria. Estava tudo muito quieto.Onde estariam todos? Ela olhou dentro de alguns escritrios prximos entrada principal.Estavam vazios. Parecia no haver ningum no prdio.

    O que aconteceu?, pensou Fumiko. Ser que horrio de almoo? No, so dez horas damanh. Fumiko voltou para a praa e cutucou o ombro de um homem simptico que estava

  • sentado num banco. Voc pode me ajudar? perguntou ela. Estou procurando algum do museu. Oh, hoje voc no vai achar ningum, minha jovem. feriado e todas as pessoas que

    trabalham ali esto de folga respondeu o homem. Acho que voc est sem sorte.

  • 17THERESIENSTADT,

    MAIO DE 1942

    A VIAGEM FOI CALMA, SEM SURPRESAS. As pessoas ficavam perdidas em pensamentose no medo do futuro. Ento, o trem parou abruptamente. As portas foram abertas violentamentee os aterrorizados passageiros prximos s portas podiam ver o cartaz: Estao Bohusovic. Hanaapertou os olhos por causa do sol, quando desceu do trem com seu irmo e sua mala. Ali, foramavisados de que deveriam andar at a fortaleza de Theresienstadt.

    Tratava-se de apenas alguns quilmetros, mas as malas eram grandes e pesadas. Ser quedevemos deixar alguma coisa pelo caminho, pensaram Hana e George, para aliviar o peso?No, tudo o que tinham nas malas era precioso demais: eram as nicas recordaes do lar e davida que tiveram. George carregava uma mala. A outra, puseram num carrinho, puxado porprisioneiros.

    Hana e George se aproximaram da entrada da fortaleza murada e ficaram na fila. Todosestavam usando uma estrela amarela.

    No comeo da fila, um soldado perguntava o nome, a idade e o local de nascimento. Garotos ehomens iam numa direo, meninas e mulheres, em outra.

    Para onde eles vo? Hana perguntou a George, com medo de ficar separada do irmo. Posso ficar com voc? implorou.

    Fique quieta, Hana! disse George. No faa escndalo.Quando chegaram na frente da fila, o soldado os encarou.

  • O desenho mostra as pessoas saindo do trem em Theresienstadt.

    Onde esto seus pais? quis saber. Eles esto... hum... em outro... hum... campo gaguejou George. Espero que possamos nos

    encontrar todos aqui.O soldado no queria conversa. Escreveu os nomes em cartes e procurou joias e dinheiro

    dentro de suas malas. Ento, fechou as malas com violncia. Para a esquerda! disse, ordenando a George. Para a direita! ordenou a Hana.

  • Por favor, posso ficar com meu irmo? pediu Hana. Mexam-se! Agora! ordenou o soldado.Tinha acontecido o que Hana mais temia. George deu um abrao rpido na irm. No se preocupe disse ele. Vou encontr-la o mais rpido possvel.Lutando para no chorar, Hana pegou sua mala e seguiu as outras meninas at o Kinderheim

    (casa das crianas) L410: um amplo barraco que seria seu lar durante os prximos dois anos.

  • 18TEREZIN,

    JULHO DE 2000

    FUMIKO NO PODIA ACREDITAR. Estava muito chateada consigo mesma e com sua faltade sorte. Tinha chegado at ali e todos que podiam ajud-la estavam de folga. Como fuiescolher justo hoje para visitar o Museu de Terezin? Como pude ser to estpida?, pensou. Oque vou fazer agora?

    Enquanto o sol esquentava-lhe o corpo, uma lgrima de frustrao rolou pelo seu rosto.Decidiu voltar ao museu e recompor- se. Talvez conseguisse pensar num plano alternativo.

    Quando se sentou num banco em frente recepo, ouviu um barulho. Parecia vir de um dosescritrios no final do corredor. Ali, no ltimo escritrio direita, encontrou uma mulher comculos na ponta do nariz, examinando um enorme bloco de papis.

    Assustada, a mulher quase caiu da cadeira quando viu Fumiko. Quem voc? perguntou. O que voc est fazendo aqui? O museu est fechado. Meu nome Fumiko Ishioka respondeu. Eu vim l do Japo para encontrar informaes

    sobre uma garotinha que viveu aqui em Theresienstadt. Temos a mala dela em nosso museu emTquio.

    Volte outro dia respondeu a mulher, educadamente e algum ir ajud-la. Eu no tenho outro dia exclamou Fumiko. Meu voo para o Japo sai amanh de manh.

    Por favor! implorou. Ajude-me a encontrar Hana Brady !A mulher tirou os culos. Encarou a jovem japonesa e percebeu como ela estava ansiosa e

    determinada. A mulher tcheca suspirou. Tudo bem disse ela. No posso prometer nada, mas vou tentar ajud-la. Meu nome

    Ludmila.

  • 19THERESIENSTADT,

    1942-43

    KINDERHEIM L410 ERA UM PRDIO LARGO com mais oumenos dez dormitrios. Vintemeninas dormiam em cada quarto, em colches de palha colocados em beliches de trs andares.Antes da guerra, cinco mil pessoas moravam na cidade. Os nazistas amontoaram trs vezes essenmero de prisioneiros no mesmo espao.

    Nunca tinha espao suficiente, nunca tinha comida suficiente, no havia um momento deprivacidade. Havia pessoas demais, muitas baratas e ratos, e muitos nazistas para patrulhar ocampo com uma disciplina cruel.

    No comeo, Hana, por ser jovem demais, no era autorizada a deixar o prdio. Issosignificava no ver George. Ele vivia no Kinderheim L417, que era s para meninos, a algumasquadras dali. Hana sentia uma saudade terrvel do irmo, e constantemente procurava notciasdele por intermdio das meninas mais velhas, que podiam ir para fora. Elas acolheram Hana.Sentiam pena dela, sozinha no mundo, sem pai nem me e longe do irmo.

    Hana ficou amiga de uma menina mais velha, que dormia na cama ao lado. Ella era baixinha,tinha a pele escura e era muito animada. Sempre tinha uma risada pronta e estava feliz por ficarcom Hana a maior parte do tempo: assim podia servir de exemplo e confort-la em situaesdifceis.

    O homem que distribua os cupons de alimentao tambm gostou de Hana e se preocupavacom sua sade. Ele sabia que Hana estava sempre com fome. Ele se prontificou a roubaralguns cupons extras uma tigela a mais da sopa aguada ou uma fatia a mais de po preto. Oestmago de Hana roncava e sua boca salivava com a perspectiva de mais comida. Mas toda vezque mais comida lhe era oferecida, ela educadamente recusava. Tinha sido avisada por Ella epelas meninas mais velhas que estaria em maus lenis se os guardas a pegassem infringindouma regra.

    Arrancadas de suas famlias, amontoadas em espaos pequenos, quase sem comida, as garotasestavam determinadas a tentar ver sempre o melhor lado da situao. As que tinham mais dequinze anos trabalhavam no jardim, onde frutas, vegetais e flores cresciam para os soldadosnazistas. De vez em quando, o Sr. Schwartzbart, que administrava o jardim, permitia que Hanaviesse com o grupo de trabalho e aproveitasse o sol e o ar fresco. Hana adorava trabalhar nojardim com as meninas mais velhas. E ainda havia outra vantagem: uma vagem aqui, ummorango ali, sempre se dava um jeito para fazer uma boquinha.

    Mas na maior parte do tempo Hana tinha de ficar com meninas de sua idade ou mais novas eobedecer ao supervisor designado para o seu quarto. Todos os dias, elas limpavam, tiravam o pe varriam embaixo das camas. As louas, assim como os rostos, eram lavados debaixo de umabomba dgua. Todos os dias, havia aulas secretas no sto do Kinderheim L410.

    Nas aulas de msica, as meninas aprendiam canes. Elas cantavam baixinho, para no seremouvidas pelos guardas. No final de cada aula, uma criana era escolhida para cantar sua canofavorita de quando estava em casa. Quando chegava a vez de Hana, ela sempre cantavaStonozka a Cano da Centopeia.

  • Sua vida no moleImagine como sofreQuando tem que andar a pE cada um de seus pezinhosFica dolorido atEla tem razo em reclamar.Quando eu quero chorarPenso logo na centopeia:Se tivesse que andar como elaIa ficar bem dolorida!Minha vida, e no a dela, que bem divertida!

    Havia, tambm, aulas de corte e costura. Hana nunca tinha dado um ponto na vida e teve

    muita dificuldade em aprender a usar uma agulha. A professora sempre tinha de mandar Hanaparar de rir quando errava alguma coisa. Mesmo assim, ela conseguiu acabar uma blusa azul daqual se orgulhava muito.

    Mas a aula favorita de Hana era a de artes. Tintas e lpis de cor eram difceis de conseguir.Algumas pessoas contrabandearam materiais para dentro do gueto em malas. O papel tinhasido roubado, com muito risco, dos depsitos nazistas.

    Papel de embrulho era usado quando no havia outra coisa. De um jeito ou de outro, nosprimeiros dias, sempre havia giz de cera e lpis de cor. O professor de artes, Friedl Dicker-Brandeis, tinha sido um famoso pintor e agora era um colega de priso em Theresienstadt. Friedlensinava coisas srias aos alunos, tais como perspectiva e textura. E, s vezes, as garotas faziamdesenhos de coisas srias: os muros do gueto, as pessoas na fila da comida, prisioneiros sendoespancados por soldados nazistas.

  • Hana desenhou pessoas fazendo um piquenique embaixo do guarda-sol, perto de um rio.

    Mais do que qualquer coisa, Friedl queria que suas aulas ajudassem as crianas a esquecertoda a brutalidade que as cercava, pelo menos por um tempo.

    Pensem em espao disse Hana e s outras meninas. Pensem em liberdade. Deixem aimaginao viajar. Mostrem-me o que est em seus coraes. Coloquem isso no papel.

    Como recompensa, ele costumava lev-las ao teto do prdio, para que ficassem maisprximas das estrelas. Dali, podiam ver alm dos muros do campo e avistar as montanhas llonge. As garotas sonhavam com passarinhos e borboletas, balanos e lagos. E, usando giz decera e lpis de cor, derramavam seus sonhos no papel.

    Quan

  • A resposta era sempre a mesma, mas era dada com bondade e compaixo, sem disfarar osentimento de pena:

    No, querida, no conhecemos seu pai e sua me. Mas se soubermos de algo, qualquer coisa,iremos procur-la e lhe contaremos tudo.

    Um dia, um rosto familiar apareceu: uma velha amiga de seus pais que no tinha filhos. Nocomeo, Hana ficou animadssima por encontr-la. Qualquer coisa que lhe recordasse seu antigolar e a aproximasse um pouquinho mais de seu pai e de sua me j era um conforto. Mas, derepente, para todos os lugares que Hana ia, a mulher estava esperando por ela. A cada esquina, lestava ela. Ela apertava as bochechas de Hana e a beijava. Um dia, ela foi longe demais.

    Venha aqui, pequenina disse ela, estendendo a mo. Lembre-se de como nos divertimosjuntas. No se acanhe. No fique sozinha. Voc pode vir me ver todos os dias. Pode at mechamar de me.

    Eu j tenho uma me rebateu Hana. V embora! Deixe-me sozinha!Hana se recusou a v-la de novo. Ela sentia falta de sua prpria me. E ningum ia tomar o

    lugar desta.

  • 20TEREZIN,

    JULHO DE 2000

    NO MUSEU DO GUETO DE TEREZIN, Ludmila sentou-se e encarou a jovem japonesaempoleirada na ponta da cadeira do outro lado da mesa. A forte determinao de Fumiko estavaestampada em seu rosto. Ludmila gostou dela e queria ajud-la a saber mais sobre essagarotinha, Hana Brady .

    Ela puxou um grande livro da prateleira. Dentro dele, os nomes de quase noventa mil homens,mulheres e crianas que estiveram aprisionados em Theresienstadt e que depois foram levadospara o leste. Foram direto pgina da letra B: Brachova, Hermina. Brachova, Zusana. Brada,Tomas. Bradacova, Marta. Bradleova, Zdenka.

    Aqui est ela! exclamou Ludmila. E ali estava: Hana Brady , 16 de maio de 1931. Como posso saber mais sobre ela? perguntou Fumiko. Gostaria de saber... respondeu Ludmila. Mas, veja! disse Fumiko, apontando para outra linha na pgina. Havia outro Brady, listado

    acima de Hana. Ser que so da mesma famlia? Fumiko pensou alto.Ludmila olhou as datas de nascimento. Apenas trs anos de diferena. Sim respondeu ela. H muitas chances de ser um irmo. Os nazistas costumavam listar

    familiares prximos.Fumiko notou outra coisa: ao lado do nome de Hana havia uma marca de checagem. Havia

    uma marca em todos os nomes daquela pgina, exceto em um. Ao lado do nome de Brady,George Brady , no havia nenhuma marca. O que isso significava?

  • A lista que revelou a Fumiko que Hana tinha um irmo.

  • 21THERESIENSTADT,

    1943-44

    OS DIAS E OS MESES IAM PASSANDO , e Theresienstadt ficava cada vez mais cheia eamontoada. Trens lotados de pessoas chegavam a toda hora. Isso significava menos comida paratodos, e as pessoas comeavam a ficar doentes e fracas. Os mais jovens e os mais idosos eramos que mais corriam riscos.

    Um dia, depois de um ano no gueto, Hana recebeu uma mensagem urgente do irmo:Encontre-me na Casa dos Meninos s seis horas desta tarde. Tenho uma surpresa maravilhosapara voc.

    George no conseguia esperar para dar as boas-novas a Hana. Vov est aqui! Ela chegou ontem noite!

  • O prdio em Theresienstadt, agora reformado, em que Hana viveu.

    As crianas ficaram mais do que felizes em ver a av. Tambm ficaram preocupadas. A avde George e Hana era uma mulher culta e refinada, que vivia confortavelmente na capital,Praga. Foi essa av generosa que havia presenteado os netos com os triciclos. Quando avisitavam na cidade grande, ela sempre lhes dava bananas e laranjas. Mas, nos ltimos anos, elahavia estado muito doente. Como ela sobreviveria quele lugar horrvel? Logo perceberam que

  • no conseguiria.As crianas encontraram-na num sto hiperlotado, dormindo diretamente em cima de palha,

    uma das muitas pessoas idosas e doentes. Eram meados de julho, e o sto estava um forno.Ficaram horrorizados com o que viram: a av, elegante e carinhosa, estava com uma aparnciaterrvel. Seu lindo cabelo branco, antigamente to penteado e arrumado, estava todoembaraado. Suas roupas estavam rasgadas e gastas.

    Eu trouxe um desenho para voc! exclamou Hana, achando que isso faria sua av sorrir.Mas esta quase no conseguia virar a cabea. Ento Hana pegou seu desenho e dobrou como umleque. Descanse disse, enquanto abanava a av. Hana sentiu-se orgulhosa de poder fazeralguma coisa para ajud-la.

    Hana logo soube que os idosos em Theresienstadt eram os que recebiam as menores poresde comida. A comida que sua av recebia nunca era suficiente para matar a fome e estavasempre cheia de bichos. E no havia remdios. As crianas a visitavam sempre que podiam etentavam anim-la com presentes que haviam feito e com canes que haviam aprendido.

    Esse pesadelo ir acabar logo dizia George. Mame e Papai esto contando que permaneamos fortes dizia Hana.Todavia, em trs meses sua av estava morta. Alm de George e Hana, poucas pessoas

    perceberam. A morte estava em todos os lugares. Tantas pessoas morriam todos os dias que ocemitrio j estava lotado. Apoiando-se um no outro, Hana e George se lembraram dos temposfelizes com a av e choraram juntos.

    Conforme as pessoas iam sendo despejadas em Terezin, outras milhares eram levadasembora. Eram esmagadas em vages de carga e enviadas para um destino desconhecido noleste. Rumores sobre essas viagens se espalharam dentro dos muros do campo. Alguns tentaramse convencer, e convencer os outros, de que uma vida melhor esperava pelas pessoas que iamembora no trem. Mas, conforme o tempo passava, chegavam histrias de campos de extermnioe assassinatos brutais em massa, que se espalhavam rapidamente. Quando ouvia as pessoasfalando dessas coisas, Hana tapava os ouvidos.

    As semanas passavam, e a temida lista das pessoas a embarcar era colocada em cada prdio.As pessoas que tivessem o nome nessa lista deveriam se apresentar num auditrio prximo aostrilhos em dois dias.

    Listas. Em todos os lugares havia listas. Os nazistas eram sistemticos em relao aos registrose queriam que todos os prisioneiros soubessem disso. Por intermdio da contagem frequente dosprisioneiros, mostravam quem estava no comando. Todos ali sabiam que ser contado e serpercebido poderia significar ser levado a outro lugar e ser novamente separado da famlia e dosamigos.

    Uma manh, enquanto Hana fazia suas tarefas, todos foram ordenados a parar o queestivessem fazendo e reunir-se num amplo campo do lado de fora da cidade. Todos: jovens eidosos. Marcharam para fora escoltados por soldados nazistas que carregavam metralhadoras.Foram ordenados a ficar ali sem comida e sem gua, pressentindo que algo terrvel estava paraacontecer. Hana e as outras garotas nem ousavam cochichar entre si.

    Hana no conseguia aceitar que seria separada de George. Ou das garotas do KinderheimL410, que haviam se tornado como irms. J no era suficiente que seus pais haviam sidoseparados dela? Ella ficou ao seu lado, tentando anim-la com sorrisos e piscadelas. Mas, depois

  • de quatro horas esperando, Hana j no conseguia conter o desespero. Ela comeou a chorar.Ella tirou um pequeno pedao de po que estava escondido dentro do casaco. Coma isto, Hana silenciosamente implorou. Vai se sentir melhor.Mas as lgrimas de Hana no paravam. Ento, a amiga virou-se e olhou para ela. Oua atentamente o que vou dizer sussurrou. Voc est infeliz e com medo. assim que

    os nazistas querem nos ver. Todos ns. Voc no pode dar essa satisfao a eles, Hana. No podedar aquilo que eles querem. Somos mais fortes e melhores do que isso. Seque essas lgrimas,Hana, e faa uma cara corajosa.

    Miraculosamente, foi o que Hana fez.O comandante nazista comeou a gritar nomes. Todos seriam chamados. Finalmente, depois

    de oito horas suportando o vento frio, todos foram ordenados a voltar para os barraces.Era setembro de 1944. Quando os nazistas comearam a perceber que estavam perdendo a

    guerra, anunciaram que mais pessoas deixariam Theresienstadt. Os transportes estavamacelerados. Agora, todos os dias havia uma lista de nomes.

    Todas as manhs, quando descia at a frente do prdio para ver a lista, o corao de Hanadisparava. E um dia o nome que ela no queria ver estava l: George Brady. Hana sentiu osjoelhos fraquejarem. Sentou-se no cho e chorou. George, seu querido irmo, seu protetor,estava sendo mandado embora para o leste. Aquele menino forte, agora um jovem, estavadesignado a seguir no trem com outros dois mil homens fortes.

    No seu ltimo encontro, no caminho lamacento entre a Casa dos Meninos e o KinderheimL410, George pediu que Hana ouvisse atentamente.

    Eu vou embora amanh disse ele. Agora, mais do que nunca, voc precisa comer o maisque puder. Precisa respirar ar fresco sempre que conseguir. Precisa cuidar de sua sade. Sejaforte. Aqui est minha ltima poro de comida. Coma at a ltima migalha.

    George deu um forte abrao na irm e suavemente tirou o cabelo da frente dos olhos dela. Eu prometi a Mame e Papai que cuidaria de voc e a traria de volta para casa, s e salva,

    para sermos novamente uma famlia. No quero quebrar minha promessa disse George. Otoque de recolher soou alto e ele foi embora.

    Hana sentiu um grande desnimo. No conseguia suportar ficar separada do irmo. Primeiroforam seus pais e, agora, George.

    Ela se sentia terrivelmente sozinha no mundo. s vezes, quando as outras garotas tentavamanim-la, Hana virava o rosto ou simplesmente era rspida:

    Por que vocs no me deixam em paz?Apenas a bondosa Ella conseguia convenc-la a comer as minguadas refeies. Lembre-se do que seu irmo lhe disse. Voc precisa cuidar de sua sade e ficar forte: por

    ele.Quatro semanas mais tarde, Hana soube que tambm seria enviada ao leste. Ela iria

    reencontrar o irmo! Eu vou ver George de novo! ficava dizendo para todo mundo. Ele est esperando por

    mim.Procurou por Ella. Pode me ajudar? pediu. Quero estar bem quando reencontrar meu irmo. Quero que ele

    veja como eu me cuidei bem.

  • Apesar de seus temores, Ella queria nutrir as esperanas de sua jovem amiga. Ela sorriu eajudou-a. Pegou gua na bomba e usou seu ltimo pedao de sabo para lavar o rosto de Hana elimpar seu cabelo embaraado e sujo. Com um trapo, arrumou o cabelo de Hana e fez um rabode cavalo. Deu um belisco em cada bochecha para que Hana ficasse corada. Da, deu um passopara trs para admirar o seu trabalho: o rosto da menina brilhava, com esperana.

    Obrigada, Ella disse Hana, abraando a menina mais velha , no sei o que faria sem voc.Pela primeira vez, desde que George havia ido embora, Hana parecia feliz.Naquela noite, Hana fez a mala. No havia muito o que arrumar: algumas peas de roupa

    extremamente gastas, um de seus desenhos favoritos das aulas de arte do professor Friedl e umlivro de histrias que ganhara de Ella. Quando Ella foi dormir, Hana deitou no seu beliche edormiu sua ltima noite em Theresienstadt.

    Na manh seguinte, ela e muitas outras garotas do Kinderheim L410 marcharam em direoaos trilhos. Guardas nazistas berravam ordens, e seus ces latiam e cerravam os dentes. Ningumsaiu da fila.

    Para onde voc acha que estamos indo? Hana sussurrou a Ella.Ningum sabia. As garotas encheram os vages escuros, um por um, at que no havia mais

    nem um centmetro de espao. Havia um cheiro ruim no ar. E o trem comeou a se mover.O trem andou por um dia e uma noite. No havia comida. No havia gua. No havia

    banheiro. As meninas no tinham ideia de quanto duraria a viagem. Suas gargantas estavamsecas, seus ossos doam e seus estmagos roncavam de fome.

    Tentavam consolar umas s outras cantando canes que lembrassem o lar. Apoie-se em mim disse Ella, suavemente. E escute, Hana.

    Quando eu quero chorarPenso logo na centopeia:Se tivesse que andar como elaIa ficar bem dolorida!Minha vida, e no a dela, que bem divertida!

    As garotas ficavam de mos dadas. Fechavam os olhos e imaginavam estar em outro lugar.Cada garota imaginava algo diferente. Quando Hana fechava os olhos, ela via o rosto forte erisonho de seu irmo.

    Ento, de repente, no meio da noite, no dia 23 de outubro de 1944, as rodas do trem frearam.As portas se abriram. As garotas foram ordenadas a sair do vago. Estavam em Auschwitz.

    Um guarda raivoso ordenava que ficassem em filas retas e em silncio na plataforma. Elesegurava com fora um grande co, pronto para dar o bote. Olhava o grupo de cima a baixorapidamente. Balanou seu chicote em direo a uma menina que sempre teve vergonha de suagrande altura.

    Voc! disse ele. Ali, direita!Balanou o chicote novamente em direo a outra menina mais velha. Voc, pra l tambm!Ento, chamou um grupo de jovens soldados que estava na ponta da plataforma.

  • Leve-as, agora! ordenou, apontando para Hana e o resto do grupo.Grandes holofotes quase cegaram as meninas. Deixem as malas na plataforma ordenaram os soldados.Atravs de um grande porto de ferro e sob o olhar atento dos ces de guarda e dos homens

    uniformizados, Hana e suas antigas companheiras de quarto marcharam. Hana segurava a mode Ella com fora. Passaram por grandes barraces, viram os rostos esquelticos dos prisioneirosem seus uniformes listados, espiando pelas frestas das portas. Foram ordenadas a entrar numgrande prdio. As portas se fecharam atrs delas com um barulho terrvel.

  • 22TEREZIN,

    JULHO DE 2000

    O QUE ESSA MARCA DE CHECAGEM SIGNIFICA? perguntou Fumiko, olhando para apgina onde estavam os nomes de Hana Brady e George Brady .

    Ludmila hesitou, ento falou cuidadosamente. A marca significa que a pessoa no sobreviveu.Fumiko abaixou os olhos e olhou a folha novamente. O nome de Hana estava marcado. Como

    as quase quinze mil crianas que passaram por Theresienstadt, Hana morreu em Auschwitz.Fumiko abaixou a cabea e fechou os olhos. Ela j desconfiava da verdade. Mas v-la

    confirmada no papel era um golpe. Fumiko sentou-se ali, em silncio, tentando assimilar o queouvira.

    Ento, recomps-se e olhou para cima. A histria de Hana no estava acabada. Agora, maisdo que nunca, Fumiko queria saber tudo sobre ela: para si mesma, para as crianas queesperavam no Japo e para a memria de Hana. Estava absolutamente determinada de que estavida, tirada to injustamente, no seria esquecida. Era sua misso. E a busca no tinha acabado.

    No h marcas ao lado do nome de George disse Fumiko. Ser que h um jeito gaguejou de descobrir onde ele est? O que aconteceu com ele? Para onde ele foi? Ele aindaest vivo? se ela pudesse encontr-lo, ele poderia lhe contar mais sobre Hana. Fumiko sentiuque tremia de ansiedade.

    Ludmila olhou com tristeza para Fumiko, do outro lado da mesa. Podia ver como Fumikoqueria saber.

    No tenho ideia do que aconteceu com ele disse, suavemente. A guerra foi h tantotempo, voc sabe. Ele pode ter ido para qualquer lugar do mundo. Pode ter mudado o

  • momento.

  • 23PRAGA,

    JULHO DE 2000

    RESTAVAM APENAS ALGUMAS HORAS , antes que o avio de Fumiko partisse para oJapo na manh seguinte. To logo saiu do nibus em Praga, chamou um txi.

    Museu Judeu, por favor disse, tentando recuperar o flego.Ela chegou ao Museu Judeu em Praga alguns minutos antes do fechamento. O guarda pediu

    que voltasse no dia seguinte. No posso! implorou Fumiko. Tenho de voltar ao Japo amanh de manh. Estou aqui

    para ver Michaela Hajek. Ela me ajudou a encontrar desenhos muito importantes.Quando nada mais parecia convencer o guarda, Fumiko distorceu um pouco a verdade. Ela est me esperando disse Fumiko, confiante.E ele a deixou entrar.Dessa vez, Fumiko teve sorte. A mulher estava em seu escritrio e se lembrou da histria de

    Hana. Ela ouviu atentamente enquanto Fumiko contava tudo o que havia descoberto. J ouvi falar de Kurt Kotouc disse Michaela, com voz suave. Fumiko nem conseguia

    acreditar. Vou ajud-la a encontr-lo prometeu Michaela. Ela percebeu que Fumiko no tinhatempo a perder.

    Fumiko sentou-se em silncio enquanto Michaela dava um telefonema atrs do outro. Cadapessoa com quem Michaela falava fornecia outro nmero de contato e desejava boa sorte nabusca. Finalmente, ela encontrou um escritrio em que o Sr. Kotouc trabalhou como historiadorde arte. Ela passou o telefone para Fumiko, para que ela tentasse explicar a situao. A secretriaqueria ajudar, mas disse que o Sr. Kotouc estava partindo em viagem para a Amrica naquelanoite.

    Sinto muito explicou a secretria , mas ser impossvel v-lo hoje.Ele no tinha nem tempo para dar um telefonema.Michaela percebeu o desapontamento no rosto de Fumiko. Pegou o telefone de volta e

    implorou secretria. Voc no tem ideia de como esta jovem est desesperada. Ela tem de voltar ao Japo logo

    pela manh. Esta sua nica chance.A secretria, finalmente, cedeu.Duas horas mais tarde, o cu j estava escuro, e o museu, oficialmente fechado. Todos os

    funcionrios j tinham ido embora, mas um escritrio continuava com as luzes acesas. Ali,Fumiko e Michaela aguardavam a chegada do Sr. Kotouc.

    Finalmente, ele chegou. O homem forte, com grandes olhos brilhantes, tinha muito o quecontar.

    Tenho apenas meia hora disse ele antes de ir para o aeroporto. Claro que me lembro deGeorge Brady. Dormimos no mesmo beliche em Theresienstadt. Nunca esquecemos os laosque formamos com as pessoas em Theresienstadt. E, alm disso, ainda somos amigos. Ele moraem Toronto, no Canad.

    O Sr. Kotouc tirou do bolso uma pequena agenda de endereos. Aqui est o que voc procura disse, sorrindo.

  • Escreveu o endereo de George Brady e deu o papel a Fumiko. Oh, Sr. Kotouc, nem sei como lhe agradecer! Boa sorte! disse ele a Fumiko. Fico feliz em saber que as crianas no Japo esto

    interessadas na histria do Holocausto.Ento, o Sr. Kotouc praticamente correu para fora do escritrio, com a mala na mo.Fumiko sorria de orelha a orelha. Toda a sua perseverana tinha sido recompensada. Ela disse

    a Michaela quo grata estava por toda a sua ajuda.Na manh seguinte, Fumiko acomodou-se em seu assento para o longo voo at o Japo. Ainda

    estava radiante. Repassou mentalmente toda a histria que contaria s crianas no Centro.Quando pensava que Hana tinha um irmo mais velho, lembrava-se da prpria irmzinha, trsanos mais nova. Fumiko sempre a protegeu e imaginou como seria horrvel se ela estivesse emperigo. S de pensar nisso, ela tremia. Olhava pela janela, enquanto os eventos do dia anterior serepetiam em sua mente. Depois de uma hora, caiu num sono profundo. Era a primeira vez querelaxava depois de muito tempo.

  • 24TQUIO,

    AGOSTO DE 2000

    DE VOLTA A TQUIO, Fumiko convocou uma reunio especial do Pequenas Asas. Elacontou todos os detalhes de sua aventura aos membros. As notcias tristes vieram primeiro.Quando as crianas se reuniram em crculo ao redor dela, Fumiko contou, numa voz suave, o quetodos imaginavam: Hana tinha morrido em Auschwitz.

    Mas tenho uma tima surpresa disse Fumiko. Os rostos das crianas se encheram deesperana. Hana tinha um irmo chamado George... E ele sobreviveu!

    As perguntas comearam imediatamente. Onde ele est? perguntou Maiko. Quantos anos ele tem? outro menino quis saber. Ele sabe que estamos com a mala de Hana? perguntou Akira.Fumiko disse tudo o que sabia. E disse que ficaria at tarde naquela noite para escrever uma

    carta a George. Podemos enviar alguma coisa junto com a carta? perguntou Maiko. As crianas mais

    velhas se espalharam procura de lugares tranquilos para sentar e escrever poemas. O quepodemos fazer? Akira perguntou a Maiko.

    Faa um retrato de Hana respondeu ela. Mas eu no sei como ela era! ele respondeu.

  • Uma homenagem para Hana das crianas do Centro Educacional do Holocausto. Elas usaram ojeito alemo de escrever Hana porque estava assim na mala.

    Use a sua imaginao disse Maiko. E Akira fez exatamente isso.Fumiko escreveu sua carta com cuidado. Ela sabia que algumas informaes ali seriam um

  • choque para George. Ela sabia que alguns sobreviventes do Holocausto se recusavam a falarsobre suas experincias. Pensava que as memrias dele eram doloridas e amargas, e que talvezele nem quisesse ouvir falar da mala de Hana e das crianas do Centro Educacional doHolocausto de Tquio, no Japo.

    Fumiko providenciou cpias dos desenhos de Hana e embalou-as cuidadosamente, junto comos desenhos e cartas das outras crianas. Ela levou o pacote at o correio, cruzou os dedos eenviou-o ao Canad.

  • 25TORONTO, CANAD,

    AGOSTO DE 2000

    ERA UMA TARDE QUENTE DE AGOSTO . George Brady, setenta e dois anos, haviachegado mais cedo do trabalho e planejava revisar algumas contas naquela tarde. Ele estavasentado na sala de jantar quando ouviu os passos do carteiro, o barulho dos envelopes entrandopela fresta na porta e caindo no cho. Pego a correspondncia mais tarde, pensou ele. Da,tocaram a campainha.

    Quando ele abriu a porta, viu o carteiro. Isto no passa pela fresta disse ele, estendendo um pacote com um selo do Japo. O que

    ser isto?, pensou George. Ele no conhecia ningum no Japo.Quando ele abriu o pacote e comeou a ler a carta, seu corao disparou. Ele fechou os olhos.

    Abriu-os novamente, piscando forte, certificando-se de que aquilo que estava lendo era real.Estaria sonhando acordado?

    A perda da irm Hana era a dor mais ntima e profunda de George. Ele tinha vivido comaquela dor por mais de meio sculo, e nunca superou a culpa por no ter zelado pela irm,protegendo-a do pior.

    Agora, de alguma forma, do outro lado do mundo, a histria dela estava sendo contada, e suavida, homenageada. George estava perplexo. Ele se sentou e deixou que sua mente voltassecinquenta e cinco anos antes.

  • libertao, estava muito fraco e terrivelmente magro. Mas George estava determinado a voltar aNove Mesto: para seus pais e sua irmzinha Hana. Ele queria desesperadamente ver sua famliareunida novamente.

    A p, de trem e pedindo carona, George conseguiu voltar casa que amava em maio de 1945.Foi diretamente casa de Tio Ludvik e Tia Hedda. Aquele tinha sido o ltimo lugar em que haviasido amado e se sentido seguro com sua famlia. Quando abriram a porta e viram o sobrinho, otio e a tia caram em cima dele abraando, beijando, tocando e chorando , quase descrentesde que ele havia sobrevivido.

    Mas a intensa alegria do reencontro foi rpida. Onde esto Mame e Papai? perguntou George.Ludvik e Hedda foram forados a contar a verdade. Marketa foi enviada de Ravensbruck a

    Auschwitz e assassinada ali em 1942. Karel foi morto no mesmo ano. E Hana? sussurrou George.Tudo o que seus tios sabiam era que ela havia sido enviada a Auschwitz.Por meses, George nutriu a v esperana de que de algum jeito, em algum lugar, Hana

    apareceria. Ele procurava por ela nos rostos de todas as meninas que via, em cada rabo decavalo que passava balanando, em cada passo lpido de uma criana saudvel na rua. Um dia,George encontrou uma adolescente na rua principal em Praga. Ela parou bem na frente dele.

    George? perguntou. Voc no George Brady, irmo de Hana? Meu nome Marta. Euconheci Hana. Todas ns, as garotas mais velhas de Theresienstadt, amvamos a sua irm.

    George procurou nos olhos de Marta alguma informao, alguma esperana. Ela percebeuque George ainda no sabia o que acontecera com Hana.

    George disse ela, calmamente, de maneira simples, segurando as mos dele , Hana foienviada para morrer na cmara de gs, em Auschwitz, no mesmo dia em que chegou. Sintomuito, George. Hana est morta.

    Os joelhos de George viraram gelatina e todo o seu mundo escureceu.

  • A carta de Fumiko para George.

  • 26TORONTO,

    AGOSTO DE 2000

    MAIS DE MEIO SCULO DEPOIS de George descobrir o terrvel destino de seus pais e desua irm, muita coisa aconteceu.

    Aos dezessete anos, George deixou Nove Mesto. Mudou-se de cidade em cidade pela Europa,carregando seu nico bem precioso: uma caixa com fotografias de sua famlia que Tio Ludvik eTia Hedda haviam escondido. Ento, em 1951, mudou-se para Toronto e abriu uma firma deservios de encanamento, junto com outro sobrevivente do Holocausto. E fez muito sucesso.George se casou, tornou-se pai de trs filhos e, muito depois, de uma filha.

    George se orgulhava de apesar do sofrimento durante o Holocausto e do assassinato de seuspais e de sua irm pelos nazistas ter continuado a viver. Era um empresrio bem-sucedido e umpai orgulhoso. Ele se considerava uma pessoa saudvel que, na maior parte do tempo, deixavasua experincia de guerra no passado. Mas, quando alcanava um objetivo ou se sentia alegre,sempre era cutucado pela lembrana de sua linda irmzinha e de seu terrvel destino.

    E agora, ali estava ele, com uma carta do outro lado do mundo, contando como a mala de suairm estava ajudando uma gerao de japoneses a aprender sobre o Holocausto. A carta deFumiko tambm pedia, gentilmente, sua ajuda.

    Por favor, me desculpe se minha carta o machuca por lembr-lo de sua experincia difcil.Mas eu gostaria muito de poder saber mais da sua histria e da histria de Hana.Gostaramos de saber como era a vida de vocs antes de serem enviados ao campo, as coisassobre as quais conversavam, seus sonhos e os sonhos dela. Estamos interessados em qualquercoisa que ajude as crianas no Japo a se sentirem mais prximas de Hana. Gostaramos deentender o que o preconceito, a intolerncia e o dio causaram s crianas judias.Se possvel, ficaria muito grata se pudesse me emprestar algumas fotos da famlia. Estouciente de que a maioria dos sobreviventes do Holocausto perdeu suas famlias e suaslembranas. Mas, se tiver alguma foto, seria de muita ajuda para as crianas do Japoentenderem um pouco mais sobre o Holocausto. Ns, do Centro Educacional do Holocaustode Tquio e as crianas do Pequenas Asas, estamos exultantes em saber que Hana tinha umirmo e que ele sobreviveu.

    Estava assinado Fumiko Ishioka.George nem conseguia acreditar. Tantas conexes espantosas e coincidncias estranhas

    colocaram trs mundos juntos: o mundo das crianas no Japo, o mundo de George no Canad eo mundo perdido de uma menina judia da Tchecoslovquia, que tinha morrido havia tanto tempo.George limpou a lgrima que descia pela sua bochecha e abriu um sorriso. O rosto de Hanaestava to claro em sua mente... Ele quase podia ouvir sua risada e sentir sua mo macia. Georgefoi at o grande armrio de madeira e pegou um lbum de fotografias. Queria entrar em contatocom Fumiko Ishioka o mais rpido possvel.

  • 27TQUIO,

    SETEMBRO DE 2000

    DESDE QUE MANDARA A CARTA PARA TORONTO , Fumiko estava com os nervos florda pele. Ser que George mandaria uma resposta? Ser que ele ajudaria os japoneses a conhecerHana? At mesmo o carteiro sabia como Fumiko estava ansiosa pela resposta.

    Alguma coisa do Canad hoje? ela sempre perguntava quando o via andando em direo porta da frente. Ele ficava triste em ver o desapontamento no rosto dela dia aps dia.

    Ento, no ltimo dia do ms, Fumiko estava recepcionando quarenta convidados no Centro.Eram alunos e professores que tinham vindo aprender sobre o Holocausto e ver a mala. Pelocanto do olho, atravs da janela, Fumiko viu o carteiro andando rapidamente em direo aoprdio, com um largo sorriso no rosto. Fumiko pediu licena e correu para encontr-lo.

    Aqui est! disse ele, sorrindo de orelha a orelha.E ps nas mos dela um grosso envelope vindo de Toronto. Oh, obrigada! exclamou Fumiko. Obrigada por fazer o meu dia feliz!Levou o pacote at seu escritrio e abriu-o. Conforme ia folheando as pginas, fotos iam

    aparecendo. Quatro fotografias de Hana, o cabelo louro brilhando em volta de seu rosto redondo.

  • Hana

    Fumiko gritou. No conseguiu segurar. Alguns professores que visitavam o centro, assim comoalguns alunos, correram at o escritrio.

    O que aconteceu? Alguma coisa errada? perguntaram. No h nada errado disse Fumiko, tropeando nas palavras. Estou to feliz, to animada.

    Olhem, aqui est uma foto de Hana! Essa linda garotinha cuja histria batalhamos tanto paraconseguir.

    Juntamente com as fotografias, havia uma longa carta de George. Por intermdio da carta,Fumiko ficou sabendo dos dias felizes de Hana em Nove Mesto, de sua famlia, de como elaadorava esquiar e patinar. Era reconfortante saber que Hana tinha vivido uma vida feliz antes dea guerra arruinar tudo.

    E Fumiko ficou sabendo quem era George. Conforme ia lendo sobre sua vida no Canad, seusfilhos e netos, Fumiko sentiu que explodia de felicidade. Ela comeou a chorar. Ele sobreviveu,repetia a si mesma. Ele sobreviveu. Mais do que isso, tinha uma linda famlia. No conseguiaesperar at contar aos membros do Pequenas Asas.

  • 28TQUIO,

    MARO DE 2001

    ACALMEM-SE! DISSE FUMIKO, SORRINDO. Eu prometo que, logo, logo, eles estaroaqui.

    Mas nada do que dizia aplacaria o entusiasmo das crianas naquela manh. Elas pipocavam aoredor do Centro, checando seus poemas, arrumando suas roupas pela ensima vez e contandopiadas bobas para o tempo passar mais rpido. At Maiko, cuja tarefa era acalmar as outrascrianas, estava agitada.

    Ento, finalmente, a espera chegou ao fim. George Brady havia chegado. E havia trazido comele a filha de dezessete anos, Lara Hana.

    Agora, as crianas ficaram quietas. Na entrada principal do Centro, elas cercaram George. Eo cumprimentaram, curvando as costas, como costume no Japo. Akira presenteou Georgecom uma linda guirlanda multicolorida de origami. Todas as crianas se empurravamdelicadamente para poder chegar perto dele. Tantos meses depois de Fumiko ter recebido a cartade George, estavam exultantes em finalmente conhec-lo pessoalmente.

    Fumiko segurou George pelo brao. Agora, venha conosco ver a mala da sua irm.Eles andaram at a rea de exposio.E ali, cercado pelas crianas, com Fumiko segurando uma de suas mos, e sua filha, Lara, a

    outra, George viu a mala.

  • Fumiko segura uma foto da mala e George Brady conversa com as crianas durante sua visitaao Japo e ao Centro Educacional do Holocausto de Tquio

    De repente, uma tristeza insuportvel caiu sobre ele. Ali estava a mala. Ali estava o nome

  • escrito bem em cima: Hana Brady. Sua irm linda, forte, brincalhona, generosa e divert