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Margem
Contributos para uma soluo de interveno no
Cais do Ginjal, Almada Portugal
Simone Rose Malty
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PT,
20
16
Dissertao
de Mestrado em Gesto do Territrio
rea de Especializao:
Planeamento e Ordenamento do Territrio
Junho de 2017
Dissertao apresentada para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de
Mestre em Gesto do Territrio,
rea de Investigao: Planeamento e Ordenamento do Territrio.
Realizada sob a orientao cientfica da Prof Dr. Margarida Pereira.
Margem
Contributos para uma soluo de interveno no Cais do Ginjal, Almada Portugal
3
Os paquetes que entram de manh na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistrio alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memrias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Ode Martima lvaro de Campos
Dedicatria pessoal
Ao meu marido Bruno Paulo, amigo amado, pela pacincia e compreenso sempre;
Aos meus filhos Marcela e Matheus, pela luz prpria e ensinamentos recebidos;
minha neta Anna, pelo amor incondicional que despertou quando chegou,
Dedico.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeo aos meus familiares, mestres e amigos, especialmente nas pessoas
de Miguel Jorge Malty Neto (in memoriam), Bruno Paulo, Marcela Rubin, Matheus
Rubin, Anna Malty Camaro, Maria Dalva Alves dos Santos, Gerson Clovis Malty, Renato
Cabral, Eunice Michiles Malty, Clair Malty, Larissa dos Santos Malty, Juliano dos Santos
Malty, Gerson Clovis Malty Jnior, Walter Paulo, Anita de Fassio Paulo, Norma Rose
Alves dos Santos, Nlia Rosa Alves dos Santos, Fernando Antnio Alves dos Santos (in
memoriam), Lino Jos dos Santos Neto, Yuri Luiz Alves dos Santos, Paulo Roberto Alves
dos Santos, Jos Carlos Crdova Coutinho, Antonio Carlos Carpintero, Rmulo Ribeiro,
Raquel Blumenschein, Valrio Medeiros, Margarida Pereira, Joo Farinha, Nuno Pires
Soares, Jos Carlos Ferreira, Jos Ferreira Marques, Jos Antnio Tenedrio, Maria do
Rosrio Gaspar de Oliveira, Maria Jos Roxo, Joo Figueira de Sousa, Jos Afonso
Teixeira, Dulce Pimentel, Benvinda de Jesus Antunes, Antnio Pires Buracas, Francisco
Silva, Elisabete Gonalves, Ana Paula Sampaio, Antnio Matos, Antnio Janeiro, Si Chio
Ieong, Cristina Neto, Antonio Sambongo, Maria Condado, Mirtes Completo, Jussara
Zottmann, Graco Santos, Andr Bello, Estela Oton, Marta Coelho, Marta Mondaini,
Srgio Jatob, Febo Gonalves, Jane Juc, Aurora Gomes Santos, Sandra Mello, Carlos
Madson Reis, David Melo, Maurcio Goulart, Mrcio Vianna, Mrcia Cunha, Lcia
Furtado Villela, Knia Felcio Teixeira, Josu Aguiar, Erison Machado Magalhes, Rogrio
Pereira de Paula, Tiago Rodrigo Gonalves, Rmulo Andrade, Jane Diehl, Agnelo Queiroz,
Melquisedeque Vital, Helena Zanella, Fabiano de Andrade Lima, Mariana del Vecchio,
Luiz Otvio Alves Rodrigues, Thiago Teixeira de Andrade, Carol Canuto, Vera Gamarski e
Vicente Correia Lima.
Nota: Esta dissertao foi redigida conforme o portugus utilizado no Brasil, e segue as
normas da APA para elaborao de documento.
5
MARGEM
CONTRIBUTOS PARA UMA SOLUO DE INTERVENO NO CAIS DO GINJAL,
ALMADA PT
SIMONE ROSE MALTY
RESUMO
O caminho para o desenvolvimento das sociedades contemporneas passa pela
reformulao dos modelos urbansticos estabelecidos, convertendo desafios da
mudana em oportunidades de progresso, inovao e competitividade.
Os usos originais (e no caso em estudo, industriais desativados) desajustados
do atual contexto socioeconmico, das sociedades e dos mercados globais, impuseram
novos desafios aos territrios. Compete ao urbanismo e s polticas de ordenamento do
solo a ponderao de valores em busca da compensao dos equilbrios afetados, e esse
processo se torna mais legtimo e efetivo na medida em que se priorizam planos, aes
e projetos que sejam amplamente debatidos, que atendam s inquietaes da
sociedade, e que estendam oportunidades de crescimento a todos. A busca pela
resoluo dos conflitos associados ao uso do solo, face realidade que se vai
(re)construindo, permeia os debates sobre regulamentao e governana.
No estudo apresentado, parte-se de uma reflexo sobre a busca do valor
fundamental da cidade a qualidade de vida urbana, procede-se a uma anlise crtica
da legislao pertinente regulamentao do uso do solo e aos valores subjetivos da
paisagem e do patrimnio, e investiga-se a atuao do poder pblico no que tange aos
aspetos regulamentadores, para culminar na proposio de um plano de aes de
reabilitao urbana visando o resgate arquitetnico e histrico da rea do Cais do Ginjal,
uma frente ribeirinha rica valores e memrias, mas segregada do tecido urbano
envolvente, na cidade de Almada, Portugal.
PALAVRAS-CHAVE: Reabilitao Urbana, Regenerao Urbana, Planeamento
Urbano, Gesto do Territrio, Governana, Instrumentos de Poltica Urbana.
6
SUMMARY
The path to the development of contemporary societies is to reformulate
established urban models, converting the challenges of change into opportunities for
progress, innovation and competitiveness.
The original uses (and in this case, industrial deactivated) misaligned from the
current socioeconomic context, societies and global markets have imposed new
challenges on the territories. Urban planning and land management policies are
concerned with balancing values in order to compensate for the affected equilibria, and
this process becomes more legitimate and effective, insofar as priority is given to plans,
actions and projects that are widely debated, that respond to the concerns of society,
and which extend growth opportunities to all. The search for the resolution of the
conflicts associated to the use of the soil, in face of the reality that is (re)building,
permeates the debates on regulation and governance.
In the present study, we start with a reflection on the search for the
fundamental value of the city the quality of urban life, a critical analysis of the
legislation pertinent to the regulation of land use and the subjective values of the
landscape and the patrimony, and investigates the performance of the public power
regarding the regulatory aspects, to culminate in the proposal of a plan of actions of
urban rehabilitation aiming at the architectural and historical rescue of Cais do Ginjal, a
rich space in identities, values and memories, but segregated from the surrounding
urban area, in the city of Almada, Portugal.
KEY WORDS: Urban Rehabilitation, Urban Regeneration, Urban Planning, Land
Management, Governance, Urban Policy Instruments.
7
NDICE
NDICE DE QUADROS E FIGURAS .................................................................................................8 LISTA DE SIGLAS E ABREVIAES ............................................................................................. 10 APRESENTAO ...................................................................................................................... 11 1. QUESTES DE PARTIDA E OBJETIVOS DA PESQUISA ....................................................... 13 2. METODOLOGIA ........................................................................................................... 14 3. ENQUADRAMENTO TERICO ....................................................................................... 18
3.1. Ambiente natural e edificado ........................................................................ 19 3.2. Centros urbanos o declnio ......................................................................... 21 3.3. Espaos pblicos e frentes ribeirinhas ........................................................ 24 3.4. Intervenes urbanas o resgate ................................................................ 27 3.5. Governana ........................................................................................................ 32
3.5.1. Desafios do Planejamento............................................................. 34
3.5.2. Participao social ......................................................................... 38
3.5.3. Relaes Socioeconmicas ............................................................ 40
4. INTERVENO URBANSTICA NA REA DE ESTUDO: QUADRO LEGAL ............................. 44 5. O CAIS DO GINJAL ....................................................................................................... 50
5.1. Enquadramento na cidade e na frente de rio ........................................... 50 5.2. Dados demogrficos ........................................................................................ 53 5.3. Riscos geolgicos e ambientais ..................................................................... 55 5.4. Contexto Histrico ............................................................................................ 57 5.5. Morfologia urbana e patrimnio edificado ................................................ 61 5.6. Propostas de Ocupao para o Cais do Ginjal ........................................... 68
5.6.1. Propostas apresentadas pelos particulares ................................. 69
5.6.2. Normativas para a ocupao ........................................................ 70
5.7. Projetos para a envolvente do Ginjal ........................................................... 81 5.7.1. rea de Reabilitao Urbana de Cacilhas .................................... 81
5.7.2. Plano de Pormenor da Quinta do Almaraz ................................... 85
5.7.3. Plano de Urbanizao de Almada Nascente ................................ 87
5.8. Diagnstico da rea de Estudo ..................................................................... 90 6. CONTRIBUTOS PARA A INTERVENO NO CAIS DO GINJAL ............................................. 95
6.1. Linhas de orientao ........................................................................................ 95 6.2. Recomendaes para a Interveno ......................................................... 102
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................ 110 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................................................. 112 FONTES NA INTERNET ........................................................................................................... 117 ANEXOS ............................................................................................................................... 119
ANEXO I MODELO DE ENTREVISTA LIVRE ..................................................................... 119 ANEXO II MODELO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ............................................... 127 ANEXO III MODELO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA ............................................. 132
8
NDICE DE QUADROS E FIGURAS
Quadro 1 Cronograma de entrevistas qualitativas realizadas pg. 16
Figura 1 Esquema da sequncia de investigao pg. 17
Figura 2 Cais do Ginjal. Vista dos jardins do elevador panormico pg. 26
Figura 3 Resultado do programa. Iniciativa: IPHAN, Programa Monumenta pg. 31
Figura 4 O planejamento urbano e suas interfaces agentes e territrio pg. 32
Figura 5 Premissas dos instrumentos de planejamento pg. 36
Quadro 2 Objetivos das polticas integradas para o desenvolvimento urbano pg. 37
Quadro 3 Principais determinaes legais aplicveis rea de estudo pg. 45 a 48
Figura 6 Incidncia da Reserva Ecolgica Nacional na rea de estudo pg. 49
Figura 7 A cidade de Lisboa e arredores. Ao sul do Tejo, Almada pg. 50
Figura 8 Poligonal da rea de estudo pg. 51
Figura 9 Vista do Cais e da arriba pg. 52
Quadro 4: Taxa de Variao da Populao Residente por Freguesias (2001-2011) pg. 53
Figura 10: Taxa de Variao (2001-2011) de Alojamentos vagos / Freguesias pg. 54
Figura 11 Carta de Risco para o Cais do Ginjal, estudo desenvolvido para o EEE Almaraz-Ginjal pg. 55
Figura 12 Cais do Ginjal. Panormica pg. 57
Figura 13 Cais do Ginjal. Localizao das edificaes mais significativas pg. 58
Figura 14 Cais do Ginjal. Trabalhadores dos armazns a carregar o barco pg. 59
Figura 15 Restaurantes do Ginjal da dcada de 1960 pg. 59
Figura 16 Mapa do percurso. Sobre fotografia de planta na Exposio Objecto Projecto pg. 61
Figura 17 Maquete de volumetria do Ginjal. Exposio Objecto Projecto pg. 61
Figura 18 Largo prximo rea central pg. 62
Figura 19 Primeira linha de fachada pg. 62
Figura 20 Obras de construo do elevador e conteno da encosta pg. 62
Figura 21 Jardim do Rio pg. 62
Figura 22 Fonte da Pipa pg. 63
Figura 23 Antiga configurao da Fonte da Pipa, conforme aquarela de Carlos Canho pg. 63
Figura 24 Museu Naval pg. 64
Figura 25 Vista da antiga Companhia Portuguesa de Pesca pg. 64
Figura 26 Acessos ao Cais do Ginjal pg. 65
Figura 27 Estado de conservao das edificaes levantamento feito em outubro de 2016 pg. 66
Figura 28 Edificaes mais significativas do Cais do Ginjal pg. 66
Figura 29 Edificaes mais significativas do Cais do Ginjal pg. 67
Quadro 5: Principais desafios elaborao do Plano de Ordenamento do Esturio do Tejo pg. 77
Figura 30 Poligonal de abrangncia da ARU de Cacilhas pg. 80
Figura 31 ARU de Cacilhas. Estado de conservao dos imveis pg. 81
9
Figura 32 Exemplo de Ficha Cadastral pg. 81
Figura 33 Perspectiva atual da entrada da rua pg. 82
Figura 34 Vista da rua, atualmente pg. 82
Figura 35 Quinta do Almaraz pg. 83
Figura 36 Prtico da Lisnave, em terminal abandonado. Marco visual da cidade pg. 85
Figura 37 Imagem do projeto pg. 87
Figura 38 Detalhe de runas no Cubal pg. 91
Figura 39 A vertente, o Ginjal, o Tejo e Lisboa, vistos da Casa da Cerca pg. 91
Figura 40 Ponte 25 de Abril e Belm, vistos do tardoz de edificaes no Ginjal pg. 91
Quadro 6 Matriz SWOT do Cais do Ginjal pg. 92
Figura 41 Arte Urbana no bairro do Caramujo, Almada pg. 107
Figura 42 O cimo da vertente. Perspectiva da Casa da Cerca pg. 114
Figura 43 Detalhe de fachada, Cais do Ginjal pg. 116
10
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAES
AML rea Metropolitana de Lisboa
APA American Psychological Association
CAA Centro de Arqueologia de Almada
CCDR Comisses de Coordenao e Desenvolvimento Regional
CESE Comit Econmico e Social Europeu
CMA Cmara Municipal de Almada
CPP Companhia Portuguesa de Pesca
EEE Estudo de Enquadramento Estratgico
GTL Gabinetes Tcnicos Locais
IIP Imvel de Interesse Pblico
INE Instituto Nacional de Estatstica
PDM Plano Diretor Municipal
PP Plano de Pormenor
PROCOM Programa de Apoio Modernizao do Comrcio
PROT-AML Plano Regional de Ordenamento Territorial da rea Metropolitana de Lisboa
PRU Programa de Reabilitao Urbana
RCM Resoluo do Conselho de Ministros
REN Reserva Ecolgica Nacional
SRU Sociedades de Reabilitao Urbana
UE Unio Europeia
URBCOM Sistema de Incentivos a Projetos de Urbanismo Comercial
ZEP Zona Especial de Proteo
11
APRESENTAO
A histria dos povos est ligada sua geografia: para a
compreender conveniente debruar-se sobre o meio em que vivem
e ver como esta d ao grupo as suas especificidades (PAUL CLAVAL,
2006:57).
A sociedade do fim do sculo XX assistiu a uma brusca alterao no processo
de desenvolvimento econmico dos pases. O processo de produo e a diviso social
do trabalho entram em colapso, com a desindustrializao dos pases desenvolvidos, o
advento das novas tecnologias, as mudanas no consumo e o incremento dos
transportes.
As cidades, como organismos vivos, assistem degradao progressiva das suas
estruturas, do seu tecido urbano, dos seus edifcios, do seu espao pblico, decorrente
do envelhecimento prprio ou do desajuste do desenho de sua organizao a novos
modos de vida.
Espaos que constituram os ncleos vitais das cidades no passado, como os
centros histricos e as reas industriais e porturias, viram findar seus dias ditosos
degradados pela ao do tempo, por falhas no processo de gesto ou por fatores
socioeconmicas inerentes ao crescimento dos aglomerados urbanos.
Para compreenso das dinmicas das cidades, os estudos recentes na rea de
urbanismo incitam premncia de trazer tona novas questes, que permeiam
abordagens a modelos de gesto econmica, considerando os problemas sociais e o
cenrio econmico mundial em acelerada mudana, configurao dos territrios
segundo as novas tendncias, e advento ou reviso de conceitos como planejamento
estratgico, resilincia e governana.
Ao mesmo tempo, a insero de componentes como responsabilidade social,
sustentabilidade, preservao ambiental, matrizes energticas alternativas, mobilidade
e acessibilidade conferem novas perspectivas ao planejamento urbano.
E a reflexo por compreenso das dinmicas territoriais impe gesto um
caminho de reformulao das polticas pblicas, em busca do valor fundamental da
cidade que a qualidade de vida urbana.
12
Em um passeio despretensioso pelo Cais de Cacilhas na cidade que vim morar
em Portugal, me deparei com o inusitado Cais do Ginjal, um conjunto de edificaes
confinadas entre a margem do Rio Tejo e uma verdadeira muralha que constitui a
encosta vizinha, em cujo plano superior se desenvolveu Almada.
Em abordagens aos transeuntes, constatou-se um sentimento generalizado de
inquietao, e no arriscado dizer que qualquer pessoa que desembarque no Cais de
Cacilhas, vindo de Lisboa, sente o mesmo seja ela turista ou morador da regio.
A primeira pergunta que surge o motivo que leva ao abandono um lugar to
instigante. Os questionamentos subsequentes sobre a histria do lugar, possibilidades
de resgate, legislao pertinente, fomento a novos usos, valores e impulsos econmicos
possveis levaram a definir o objeto deste trabalho, que pretende culminar com
proposies formais, no mbito acadmico de um programa de mestrado.
A proposta de recuperao do conjunto edificado constitui uma inteno de
despertar na comunidade, no mercado investidor e na autarquia responsvel o interesse
e a conscientizao necessrios conteno do processo de desvitalizao desse lugar
to representativo da cidade.
Com o intuito de compreender a evoluo do tecido urbano, o fenmeno de
declnio, os problemas de propriedade e uso do solo, e tendo em considerao as
premissas de utilizao dos recursos disponveis, as alteraes na economia das naes
e os desdobramentos dessas mudanas nas polticas pblicas que este estudo se
apresenta, com a preocupao de buscar formas de resgate de um espao que se
encontra hoje em acentuada desagregao.
Acompanhando esse processo, os instrumentos que possibilitam resultados
efetivos no campo de gesto territorial devem apresentar coerncia, aplicabilidade e
versatilidade, a fim de proteger os valores acrescentados e contemplar as vertentes
ambientais, histricas, culturais que compem o intrincado sistema social.
So essas as questes que moldam a linha de orientao desta investigao.
13
1. QUESTES DE PARTIDA E OBJETIVOS DA PESQUISA
, pois, de cultura que estamos a falar: cultura de territrio,
de ordenamento do territrio, de aprendizagem. E tambm de
mudana e de inovao social, dos seus contextos e actores (FERRO,
2011:133).
Como ponto de partida, formulam-se as seguintes questes:
Espaos representativos no passado, que sofreram degradao pela
ao do tempo e por alteraes econmicas e sociais, so passveis de
resgate por meio de aes de reabilitao urbana, de forma que voltem
a ter lugar de destaque no cotidiano da cidade e no corao da
populao?
As mudanas ocorridas so irreversveis ou cabem ainda aes de
revalorizao do espao herdado? Ou seja, possvel devolver cidade
um espao de convvio de qualidade, a partir de uma rea que j
experimentou dias de pujana econmica e social, passadas dcadas de
declnio e abandono?
O poder pblico capaz de coordenar esforos no sentido de escapar
lgica imobiliria e se ater a questes vitais como estudos de demanda,
estudos ambientais e consultas pblicas, para corroborar as linhas j
visveis no plano legislativo?
Como objetivo geral da pesquisa, prope-se:
Apresentar contributos para uma proposta de interveno urbana para
o Cais do Ginjal, na cidade de Almada.
Como objetivos especficos, so concebidos:
Levantar os dados histricos do Cais do Ginjal, seu desenvolvimento, as
fases de apogeu, declnio e abandono, at os dias atuais, com inventrio
da situao do ncleo edificado;
Identificar os fatores de risco de ocupao urbana;
14
Analisar as intervenes urbanas propostas pelo municpio, os setores
da economia, suas vocaes e o atendimento legislao vigente, no
intuito de elaborar um diagnstico para a rea;
Detectar as alternativas de interveno urbana para a escolha de linhas
de orientao;
Elaborar diretrizes para uma proposta de interveno urbana que
atenda os requisitos do processo de planejamento, tendo em
considerao a insero geogrfica da rea em anlise.
2. METODOLOGIA
O que um homem v depende tanto daquilo que ele olha
como daquilo que sua experincia visual-conceitual prvia o ensinou a
ver (THOMAS KUHN, 1962:148).
A estrutura metodolgica de produo cientfica na rea das cincias sociais e
humanas tem se tornado bastante diversificada no transcorrer das ltimas dcadas, pela
diversidade e inovao dos enfoques, frente realidade cada vez mais complexa. A
dificuldade de interao de elementos de natureza objetiva e subjetiva ou de adequao
do empirismo lgico organizao humana do espao dificultam o estabelecimento de
coeso e definio de eixos temticos de investigao e a construo de modelos
simples ideais. (GODOY et al., 2010).
O estudo est alicerado no mtodo dedutivo de investigao, no intuito de
compreender as conexes presentes entre os fenmenos socioespaciais como um todo
e a forma de ocupao daquela rea singular pela confluncia dos elementos
geogrficos em presena.
O carter sistmico da abordagem tambm interferiu na escolha do modelo de
investigao, uma vez que o uso e a ocupao do territrio fenmeno geogrfico
analisado simultaneamente com o carter histrico do edificado, com o fenmeno
social, no que diz respeito modelao de evoluo das sociedades (FADIGAS, 2010:25),
com o novo modelo econmico e com a introduo de mudanas compatveis com a
preservao do ambiente.
15
Assim, a anlise do territrio foi desenvolvida de forma a estabelecer pesos
similares aos critrios histrico, geogrfico, econmico, social e cultural da sociedade
que ali se desenvolveu, de maneira a se buscar solues que primassem pelo equilbrio
do sistema e pelo mnimo de descaracterizao do universo social e cultural da
comunidade que habita o entorno e ainda circula no local.
Na mesma linha de viso sistmica, de acordo com Guerra, a cidade deve ser
entendida como o resultado dinmico de um conjunto de atores e da negociao de
interesses diversos. Constitui ento um sistema complexo, cujas dinmicas mais
significativas e estruturantes compreendem a relao entre competitividade, coeso
e sustentabilidade (GUERRA, in SEIXAS, 2013:14).
Parte-se, ento, da viso do espao urbano como um sistema em que se
articulam atividades e funes em busca de equilbrio para prover aos seus indivduos
qualidade de vida e oportunidades de prosperidade. Para tanto, enfatizada a
importncia das redes colaborativas, do compartilhamento de experincias, e da cadeia
de interaes, conforme os princpios da biologia clula, tecido e organismo.
A rea de estudo compreende uma srie de edificaes de caractersticas do
perodo industrial em Portugal, notadamente os espaos de usos especializados como
galpes e armazns de produo e estocagem de mercadorias junto ao Rio Tejo, canal
de transporte indispensvel movimentao de produtos e matrias-primas.
Tendo a vertente como pano de fundo e elemento segregador do restante da
ocupao urbana de Almada, com o declnio do uso industrial e o desaparecimento das
atividades de produo, fora do eixo de crescimento urbano, o lugarejo permaneceu
isolado das aes de reabilitao urbana, situao que perdura at os dias de hoje.
Por se tratar de uma rea abandonada, desprovida de atividades econmicas e
de populao residente, e de igual forma, por se tratar de uma abordagem sobre a
passagem do tempo e as marcas histricas em um territrio caracterizado atualmente
por edificaes em runas, torna-se contraproducente recorrer a mtodos quantitativos
de investigao por meio de inquritos, que seriam respondidos por participantes
ocasionais como visitantes e transeuntes, no ligados intrnseca e historicamente ao
lugar.
16
Desta forma, considerou-se a metodologia qualitativa a mais indicada para
fornecer o suporte tcnico adequada finalidade do estudo. As linhas que estruturam a
formulao das questes-chave para o mtodo de pesquisa se baseiam na metodologia
heurstica, buscando respostas viveis dentro de um universo limitado de recursos como
tempo e fontes.
A pesquisa inicia-se, portanto, com a anlise documental, reviso bibliogrfica
e interao sobre a legislao aplicvel, para ter prosseguimento com a recolha de dados
e depoimentos orais, material fotogrfico e realizao de entrevistas exploratrias
livres ou semiestruturadas, dirigidas a especialistas e agentes decisores, com o objetivo
de compreender a ptica setorial e delinear as condicionantes do projeto.
As entrevistas foram realizadas conforme o quadro 1:
1 Centro de Arqueologia de Almada 28.10.2015
2 Cmara Municipal de Almada 16.12.2015
3 Cmara Municipal de Almada 08.04.2016
4 Direo-Geral do Patrimnio Cultural 26.04.2016
5 Centro de Arqueologia de Almada 11.11.2016
6 Cmara Municipal de Almada 15.11.2016
7 Cmara Municipal de Almada 16.12.2016
8 Porto de Lisboa Fontes secundrias*
Quadro 1 Cronograma de entrevistas qualitativas realizadas.
* Entrevista no realizada por indisponibilidade da entidade, tendo sido os dados correspondentes
obtidos atravs de fontes secundrias (relatrios, imprensa, outros atores do territrio).
Foram analisados concomitantemente os dados coletados, as condicionantes
fsicas e legais, e as formas e instrumentos de gesto que poderiam ser aplicados em
busca da definio de um modelo de interveno que considere uma estratgia
exequvel e sustentvel para a reabilitao da rea.
17
A eleio desta metodologia (com excluso de dados empricos provindos de
inquritos quantitativos, e sensibilidade para eleger pontos fundamentais ao estudo)
possibilitou o desenvolvimento da investigao a partir de quatro tpicos fundamentais:
1) pesquisa documental referente a dados estatsticos para a caracterizao da
rea de estudo e a conceituao e evoluo de processos de interveno;
2) anlise da legislao aplicvel ao ordenamento do territrio, reabilitao
urbana, ambiente e patrimnio cultural;
3) pesquisa sobre planos com incidncia na rea e na sua envolvente, bem
como de estudos independentes concernentes ao local;
4) investigao a respeito da situao fundiria do ncleo edificado, tendo em
vista os parmetros dos planos urbansticos vigentes e os apresentados pela
autarquia, aps estudos prvios de condicionantes.
Figura 1 Esquema da sequncia de investigao.
Em funo da inacessibilidade ou indisponibilidade de tempo de alguns
Stakeholders, foram utilizadas informaes provenientes de fontes secundrias, como
relatrios, peridicos e noticirios, para complementao dos dados necessrios.
18
3. ENQUADRAMENTO TERICO
Em tempos de largo avano alcanado em tecnologia e comunicao, o mundo
globalizado reflete sobre as profundas alteraes sentidas no setor econmico das
naes, e os desdobramentos dessas mudanas nas polticas pblicas e na rea
socioambiental.
A discusso sobre polticas urbanas segue a busca por solues coerentes para
a reintegrao dos tecidos urbanos fragmentados e o reequilbrio socioeconmico das
naes afetadas pela incerteza de cenrios vislumbrados a partir dos caminhos tomados
recentemente.
difcil dissociar a interveno urbana da alterao de valores imobilirios
decorrentes da valorizao do solo, mas presume-se que um plano de interveno
urbana, e a pesquisa desenvolvida para a sua proposio, deve observar premissas como
o relacionamento dos indivduos e suas memrias e perspectivas com o lugar e sua
histria, paisagem e significado.
A participao pblica e o interesse social como pilares de proposio das aes
podem constituir pontos de conflito com interesses de mercados investidores. As
polticas pblicas de planejamento e gesto de solos iro definir critrios, valncias e
instrumentos de gesto com o fim de gerenciar os processos negociais inerentes aos
impactos de decises como essa. A concertao fundamental para as tomadas de
deciso, e a academia pode contribuir neste caminho.
So questes importantes a se frisar, no universo de abordagem deste
trabalho, pela excepcionalidade de localizao da rea de estudo.
Convm apresentar inicialmente um panorama das premissas julgadas
fundamentais para a compreenso do universo da pesquisa, por onde se delineou maior
nfase na reviso bibliogrfica: Ambiente natural e edificado (3.1), Centros urbanos
(3.2), Espaos pblicos e frentes ribeirinhas (3.3), Intervenes urbanas (3.4) e
Governana (3.5).
19
3.1. Ambiente natural e edificado
A conscincia sobre a responsabilidade ambiental despertada em todo o globo
a partir da dcada 60 modificou o prisma de viso acerca da importncia do ambiente
como elemento indispensvel para a sustentabilidade de um mundo digno e saudvel
para as geraes vindouras, e da preservao dos recursos naturais com o fim de evitar
o seu esgotamento.
Na esteira da valorizao da paisagem natural nas cidades, como fonte de
satisfao, recreio e lazer para a populao, proclamam-se conceitos inovadores de
preservao como pressupostos da gesto consciente do ambiente urbano, e torna-se
ponto fulcral dos estudos urbanos a observncia dessas caractersticas do territrio.
A paisagem resulta de representaes subjetivas, individuais e coletivas, e a
forma como percepcionada sustenta a compreenso do seu significado no passado e
no presente, para a populao local. A paisagem , ento, parte da construo social, e,
como tal, fundamenta a sustentabilidade urbana.
Justifica-se, assim, o realce atribudo neste estudo, aos fatores de ordem social,
cultural, afetiva, esttica e simblica presentes, que contribuem para construir a
memria coletiva e os valores de um grupo, porque conferem ao territrio esse
significado muito prprio do sentido de lugar ou genius loci.
Cabe aqui referenciar esse conceito, ligado identidade e singularidade de
cada paisagem, que atua sobre a sociedade de forma particular, na medida em que
afirma seus smbolos, saberes locais, conhecimentos tradicionais e sua ancestralidade,
conferindo referncias e segurana psicolgica aos lugares, e definindo-os como
habitat (LYNCH, 2016; ANTROP, 2005; ROMERO, 2011).
A integrao de valores naturais nos processos de ordenamento do territrio e
de planejameno urbano, por meio da promoo dos espaos verdes e de recreio ao ar
livre, e da consolidao de uma estrutura ecolgica urbana, conferem qualidade
ambiental e contribuem para uma gesto eficiente dos recursos (FADIGAS, 2010).
20
No caso em estudo, o curso dgua e a vertente estabelecem a premncia de
sua salvaguarda, em busca da restaurao do equilbrio do sistema urbano.
A presena de extensas superfcies de gua (...), de macios
florestais ou de um relevo acentuado (...) razo bastante para a sua
salvaguarda e integrao no tecido urbano em formao (GEIGER,
1980; ALCOFORADO, 2006, apud FADIGAS, 2010:44-45)
Da mesma forma, ganham significado os traados originais, o valor cnico dos
parques e jardins histricos, os materiais constituintes, as ambincias conformadas pelo
conjunto edificado, a composio de cheios e vazios e a paisagem natural que emoldura
os ncleos de ocupao humana, fortalecendo o efeito de conjunto e o sentimento de
pertena. Da, a importncia do resgate de edifcios e stios histricos, detentores da
memria dos povos e da essncia cultural da sociedade que os habita, nos aspectos
intrnsecos dessa ocupao.
A partir da conscientizao dos agentes pblicos e da comunidade para o
reconhecimento das identidades locais e a preservao desses valores subjetivos, o
estabelecimento de normativas legais e diretrizes definidoras de aes de restauro
garante a coeso das percepes do ambiente e da identidade espacial desempenhada
pelos ncleos, bairros e fragmentos da cidade original (SITTE, 1889, apud BETTENCOURT,
2010).
Choay (2014) descreve a evoluo do conceito de conservao do patrimnio
edificado, a partir de Ruskin (1819-1900), que lana as bases da preservao urbana
quando das alteraes impostas cidade pela era industrial, num esforo de alerta
opinio pblica contra as intervenes que lesam o tecido e a estrutura das cidades
originais, textura que constitui a essncia da cidade, sendo um objecto patrimonial
inatingvel, a proteger incondicionalmente (CHOAY, 2014:194). Cabe citar as palavras do
autor sobre os monumentos do passado e sua intangibilidade:
Eles no nos pertencem. () Pertencem, em parte, aos
que os edificaram, em parte ao conjunto de geraes humanas que
nos seguiro (JOHN RUSKIN (1819-1900), apud CHOAY, 2014:159).
21
3.2. Centros urbanos o declnio
No curso da histria, o centro urbano concentrou as atividades comerciais e de
servios, atraindo cidados ao convvio e a interessantes vinculaes com as praas e os
espaos abertos da cidade, tornando-se um espao representativo do ambiente de vida
comum, de encontros e manifestaes pblicas da comunidade. O centro simbolizava
poder poltico e distino social (INNERARITY, 2010:128).
As modificaes ocorridas ao longo do sc. XX em transportes, comunicaes,
servios e relaes econmicas geraram novas atividades, fluxos e demandas, passando
a exigir das cidades formas diferenciadas de organizao funcional. Surge o urbanismo
disperso ou difuso, caracterizado por tecidos urbanos descontnuos e consumo
excessivo de solo, o que acentuar as distncias fsicas e sociais (PEREIRA, 2004; PORTAS,
DOMINGUES & CABRAL, 2007, FADIGAS, 2010).
Acompanhando tais tendncias, e impulsionada por valores como facilidade de
acesso, espao de estacionamento e baixo valor do solo, ocorre a transferncia de
funes dos ncleos urbanos para reas perifricas, que, juntamente com a oferta
habitacional, motiva a populao a deixar os ncleos urbanos originais, em busca de
melhores condies de habitabilidade. O desgaste natural dos ncleos urbanos originais,
desprovidos de manuteno e tratamento, determina seu despovoamento e
desvitalizao econmica. (PASCOAL, 2010).
O modelo tradicional de cidade se desconfigurou, o centro urbano perdeu
funes de trabalho, moradia, comrcio e lazer e, por arrastamento, parte do seu
significado e de suas originais caractersticas agregadoras, tornando-se assim memria,
histria, e, por fim, ponto turstico.
A respeito dessa tendncia, interessante registrar o trabalho de Reis (2011),
que traz uma abordagem sobre o esvaziamento funcional dos centros histricos, em
virtude da m gesto das polticas pblicas, quando instadas a intervir em um tecido
urbano em degradao pela perda de vitalidade de suas funes precpuas.
22
Aps um perodo de agonia fsica e funcional, transformados geralmente em
zonas tursticas exclusivas, constitudas sobretudo por lojas de artesanato, espaos
culturais e bares temticos, esses espaos centrais tendem a ressentir-se das alteraes
promovidas de forma aleatria pelos recorrentes programas de revitalizao. E a
escassa atividade econmica remanescente incapaz de impedir que os moradores da
cidade se sintam forasteiros tambm (REIS, 2011:137-138).
Todavia, v-lo [o centro] agora moribundo e buscando
remontar sua ambincia por meio de um modelo de urbanidade pleno
de incertezas e voltado para o consumo turstico, causava um estranho
desconforto (REIS, 2011:140).
Da mesma forma, Medeiros (2013) alerta para a crescente explorao turstica
sobre os espaos urbanos originais, num modelo que se vale da qualidade esttica para
vender pretensas ambincias peculiares que, de uma forma ou de outra, contrapem-se
monotonia e regulao de locais extremamente planejados (MEDEIROS, 2013:210).
Lynch (2016) descreve a segurana emocional proporcionada pela orientao e
por fatores como legibilidade e clareza como fundamentais para a cidade. No mesmo
caminho, Medeiros desenvolve uma concepo sobre a apreenso espacial dos centros
antigos, pela deteno das formas da cidade original e a refinada relao global-local
a encontradas, que atendem s necessidades humanas de circulao, orientao e
localizao atravs do espao urbano. Como um osis em meio ao labirinto (MEDEIROS,
2013:436).
Moura et al. (2006) apresentam tendncias territoriais recorrentes, causadas
pelo descompasso no crescimento das cidades que tiveram seus ncleos histricos,
reas industriais ou porturias stios at ento privilegiados, afetados pela decadncia
ou desvitalizao urbana:
Diminuio do controlo do territrio por parte das instncias pblicas
com presses fundirias e imobilirias por parte do setor empresarial;
Progressiva privatizao da lgica urbana, nomeadamente de alguns
servios tradicionalmente de responsabilidade pblica;
Especializao de territrios em monocultivos urbanos, como o turismo
ou os usos vinculados ao entretenimento urbano, e desenvolvimento de
23
problemas que deixam de ter resposta eficaz, como habitao social nas
grandes cidades;
Aumento da competitividade territorial entre municpios e regies
vizinhas;
Distribuio territorial desigual do investimento, dirigida a sufragar
projetos ambiciosos de grandes firmas ou nomes da arquitetura, para
crescimento e transformao das reas urbanas;
Aumento da polarizao territorial atravs da pauperizao de
territrios pouco apetecveis ou em processo de perda de valor (MOURA,
et al., 2006:17).
O ambiente conformado pelo entretecimento dos elementos urbanos, e a
maneira como eles se configuram e interagem desperta emoes e interesses. Uma
cidade antes do mais uma ocorrncia emocionante no ambiente. (CULLEN, 1971:10).
Na medida em que falta identidade ao territrio, conferida pelas impresses
individuais do espao, a consequente fragilidade desse tecido urbano ir afastar os
ocupantes originais do cenrio, deixando o espao merc dos agentes de solo.
Assim, as intervenes pretendidas em reas industriais ou porturias
abandonadas devem ser calcadas em polticas urbanas responsveis e mobilizadas para
consolidar valores que demandam o estudo de uma srie de fatores inerentes histria,
cultura local, configurao arquitetnica, economia e valorizao fundiria, e tambm o
atendimento a demandas sociais e a outras surgentes, como a questo ambiental.
A conservao do patrimnio arquitetnico no deve ser
tarefa dos especialistas. O apoio da opinio pblica essencial. A
populao deve, baseada em informaes objetivas e completas,
participar realmente, desde a elaborao dos inventrios at a tomada
das decises. (Declarao de Amsterdo, 1975).
24
3.3. Espaos pblicos e frentes ribeirinhas
As orlas, no passado, exerceram uma forte polarizao na
estrutura urbana por concentrar numerosos edifcios como armazns,
alfndegas, mercados e casas comerciais, alm de todo aparato de
equipamentos vinculados ao porto (BONDUKI, 2012:110).
As margens so espaos pblicos por natureza, reas de excelncia e prestgio,
providas de um carter singular no contexto urbano, quando conferem fortes
referenciais urbanos como simbolismo, orientao, atrao, harmonia e valorizao ao
territrio (SITTE, 1889, apud BETTENCOURT, 2010; MELLO, 2008). As polticas de
ordenamento costumam enfrentar dificuldades no tratamento desses espaos, que
podem se adequar a novos usos em funo do seu incomum poder de agregao. Em
funo dessas premissas, as abordagens do espao pblico e da frente dgua tornam-
se fundamentais para a anlise que se pretende.
Nas cidades, o espao pblico a casa de todos, o lugar de encontros, de
jogos, festas e esportes, de manifestaes culturais, polticas e democrticas, onde
convivem geraes e etnias, e coexistem proximidades fsicas e distanciamentos sociais,
heterogeneidade e integrao social, urbanidade e segregao. Desprovidas desses
espaos, a cidade no existe enquanto tal. (RUEDA, 2012; INNERARITY, 2010; GEHL & GEMZE,
2002, apud BETTENCOURT, 2010).
Merece especial considerao o pensamento de Innerarity (2010) a respeito do
espao pblico, e seus questionamentos sobre a perda da cidadania e da identificao
com o lugar, ao fim de tantas modificaes socioeconmicas ocorridas presentemente,
que culminam em transformaes do pblico e do privado. H uma dinmica
correlativa de privatizao do mundo comum e de empobrecimento do espao pblico
(INNERARITY, 2010:19). Segundo o autor, a sociedade representada pelos espaos que
cria, e o desaparecimento desses espaos de vida comum enfatiza a postura de
distanciamento da nova cultura urbana, de impresses breves, intensas, diferentes e
em mudana (INNERARITY, 2010:115).
Com o abandono dessas frentes na fase de desindustrializao das cidades,
aps sculos de ocupao em funo de comrcio e escoamento da produo local, as
cidades litorneas passaram a se abrir para as orlas, primeiramente pela potencialidade
25
de construo, algumas vezes ainda sob regimes fundirios privados. Com o tempo, esse
aspecto tambm tenderia a se alterar.
Bonduki (2012) atesta que a insalubridade ao longo das orlas, motivada pelo
regime das guas e a sujeira decorrente das atividades porturias, em funo do fluxo
de embarcaes, marginalizava e desvalorizava esses locais j pouco frequentados pela
populao. A partir do incio do sculo XX, as cidades litorneas comearam a se abrir
para as orlas martimas, especialmente nas reas mais distantes dos portos, com
potencialidade para constituir reas de lazer para os setores de renda mdia, que
passaram a valorizar a paisagem, a praia e o banho de mar (BONDUKI, 2012:111).
Tais preciosidades do tecido urbano passaram a constituir material para a
proposio de aes de interveno, pela localizao excepcional, pelas caractersticas
histricas e pelas dimenses dos edifcios em geral ociosos, que isolavam o espao
pblico das frentes para a gua. Convm no esquecer que as linhas dgua constituem
um excelente filo de mercado para os investidores imobilirios, em decorrncia
principalmente do nmero significativo de imveis abandonados, com valor imobilirio
deprimido, constituindo um espao ideal para o desenvolvimento de aes voltadas
para o turismo, (), atividades culturais, de lazer e de formao para a cidadania
(BONDUKI, 2012:112-113).
Sousa e Fernandes (2012) tambm enfatizam as transformaes na relao
porto-cidade, com a adaptao das estruturas s dinmicas do mercado aps as
mudanas operacionais nas trs ltimas dcadas do sc. XX e orientam sobre a
responsabilidade de promoo e gesto dos projetos de reconverso, ocorridos em
Portugal a partir da dcada de 1990, com a reconverso da frente porturia oriental de
Lisboa para a realizao da Expo 98, que posteriormente deu origem ao Parque das
Naes. A operao motivou a reconverso de outras reas na cidade, e posteriormente,
de outras cidades porturias, o que imps uma reorganizao adaptativa aos portos e a
necessidade de desenvolvimento de projetos pelas autoridades porturias, em parceria
com a administrao pblica, ou ainda por entidade distinta, com a desafetao da
rea porturia ou a manuteno dos terrenos no domnio pblico porturio, podendo
distinguir-se:
26
Arranjo e requalificao de espaos pblicos ao nvel urbanstico e
funcional;
Reconverso de antigas instalaes porturias atravs da implantao
de funes de cariz mais urbano (restaurao, lazer);
Reutilizao das antigas instalaes porturias atravs da sua
adaptao a novas funes porturias mais compatveis com a vivncia
urbana, como por exemplo o transporte de passageiros, os cruzeiros ou
a nutica de recreio (SOUSA & FERNANDES, 2012, 2).
Figura 2 Cais do Ginjal. Vista dos jardins do elevador panormico. Foto: Simone Malty. Nov./2013.
Em busca da reverso desse processo de perda e descaracterizao dos espaos
urbanos, uma soluo investir em polticas que busquem a revalorizao das frentes
dgua, com a introduo de usos compatveis com as polticas de adequao dos ndices
urbanos para atingir os patamares das cidades sustentveis.
27
3.4. Intervenes urbanas o resgate
Toda a transformao verificada no territrio das cidades europeias a partir
dos choques econmicos da dcada de 1970 e dos processos de despovoamento dos
centros e de disperso urbana moldou novos caminhos para o planejamento, levando
busca de solues para requalificaes do espao urbano pautadas em
reaproveitamento de solos (degradados pelo processo de desindustrializao),
preocupaes ambientais (motivadas por alteraes climticas e percepo de limitao
dos recursos naturais), transio da economia e da poltica (por estagnao do setor
pblico e afastamento do poder central).
Em Portugal, o endividamento de empresas, famlias e setor pblico, com a
desregulamentao do mercado financeiro, aps a crise desencadeada em 2008, gerou
pesados efeitos no crescimento econmico, na gerao de empregos e nas condies
de vida (TEIXEIRA, 2016).
As novas propostas de intervenes urbanas para a produo de ambientes
mais humanos conciliam o desenvolvimento por meio da recuperao das dinmicas
econmicas locais com a preservao cultural e ambiental, que tambm atende aos
anseios dos setores de turismo e lazer, na medida em que refora o impulso econmico
pretendido com a visibilidade conferida ao territrio aps tais operaes de resgate
(CIFELLI & PEIXOTO, 2012).
O processo de planejamento urbano alterou os tradicionais modelos de
atuao, lanando mo de novos embasamentos: slidas prospeces de mercado,
pesquisas de investimento, expectativas de retorno, racionalizao de recursos,
transversalidade de polticas e estudos de capacidade de implementao das
intervenes propostas, a fim de evitar aes complexas, onerosas e ineficientes.
Reabilitao Urbana
Reabilitao: (...) interveno territorial integrada que visa a
valorizao do suporte fsico de um territrio, atravs da realizao de
obras de reconstruo, recuperao, beneficiao, renovao e
28
modernizao do edificado, das infraestruturas, dos servios de
suporte e dos sistemas naturais, bem como de correo de passivos
ambientais ou de valorizao paisagstica.1
De acordo com Lus B. Portugal, a Reabilitao Urbana constitui um processo
que busca recriar as condies de utilizao das reas histricas das cidades e devolver-
lhes a importncia no contexto urbano, (...), consolidando as condies urbansticas,
sociais, econmicas e culturais necessrias viabilidade desses espaos, a partir das
necessidades da sociedade atual (PORTUGAL, 2004:176).
O processo de interveno surgiu a partir de aes de ordem tcnica em
recuperao de edificaes, a servio de polticas setoriais, e evoluiu para a escala
urbana, envolvendo as polticas pblicas de forma integrada. Anteriormente domnio
de tcnicos e peritos, hoje a reabilitao urbana assume-se como uma empresa
colectiva, para a qual todos so chamados a contribuir (PINHO, 2009:19).
O conceito tem um carter abrangente e transversal, pois implica intervenes
mltiplas, integradas e programadas em conjunto pelas polticas urbanas, visando a
melhoria das condies fsicas do parque edificado e dos nveis de habitabilidade, com
a insero de equipamentos comunitrios, infraestruturas, instalaes e espaos livres
de uso pblico (PASCOAL, 2010:5).
Solicitando a integrao das polticas de patrimnio cultural, de conservao
integrada, de coeso territorial, de ordenamento do territrio, de ambiente e de
desenvolvimento sustentvel, o conceito formulado pelo Conselho da Europa em 2004
foi trazido por Pinho (2009) e Sofia Cabral (2013):
A reabilitao urbana um processo de revitalizao ou
regenerao urbana a mdio ou a longo prazo (...), com vista
melhoria dos componentes do espao urbano e do bem-estar e
qualidade de vida de toda a populao. Os seus desafios humanos e
territoriais requerem a implementao de polticas locais.2
1 Lei n 31/2014, de 30 de maio. Lei de bases gerais da poltica pblica de solos, de ordenamento do territrio e de urbanismo. Art. 61.
2 Guidance on Urban Rehabilitation, Conselho da Europa, 2004, p. 75, apud Sofia Cabral, 2013:12-13
29
Regenerao Urbana
Regenerao: (...) interveno territorial integrada que
combina aes de reabilitao com obras de demolio e construo
nova e com medidas adequadas de revitalizao econmica, social e
cultural e de reforo da coeso e do potencial territorial.3
A poltica de Regenerao Urbana surge nos anos 80 e 90, como instrumento
de promoo urbana ao capital privado internacional, e tem como pressupostos e
caractersticas: abrangncia, integrao, estratgia, flexibilidade, apoio em parceiras e
sustentabilidade/resilincia (MENDES, 2013:34-37).
A descaracterizao dos centros histricos e o abandono das zonas porturias
constituem o cenrio ideal para este modelo de interveno, que permite mesclar
caractersticas de reestruturao, renovao ou reabilitao urbana, sendo orientada
por objetivos estratgicos de desenvolvimento urbano, onde as aes de natureza
material so concebidas de forma integrada com intervenes de ordem social e
econmica (PASCOAL, 2010).
Constituindo um processo de concertao de aes de resgate do territrio e
de melhorias no desenvolvimento funcional de um tecido urbano deficiente, vinculado
necessariamente s questes socioeconmicas da populao envolvida, a regenerao
urbana diferencia-se pelo fato de surgir associada abordagem estratgica e insero
do apoio em parcerias com atores privados, para suporte financeiro. Tambm permitir
a renovao e a flexibilizao de usos e atividades, como forma de atrao de
investimentos.
De fato, trata-se de uma poltica urbana que procura, para alm do resgate
histrico e da requalificao fsica, o desenvolvimento de estratgias de interveno
mltiplas, que buscam a requalificao da cidade existente, potencializando os seus
valores socioeconmicos, ambientais e funcionais, buscando sobretudo a insero da
populao residente, e a melhoria da qualidade de vida dessa sociedade local
(COCHRANE, 2007; TALLON, 2010, apud MENDES, 2013:36).
3 Lei n 31/2014, de 30 de maio. Art. 61.
30
Mas a conceituao mais difundida dada por P. Roberts e H. Sykes, 2000):
[Urban Regeneration} is a comprehensive and integrated
vision and action which leads to the resolution of urban problems and
which seeks to bring about a lasting improvements in the economic,
physical, social and environmental condition of an area that has been
subject to change. Roberts & Sykes, 2000:17.
Essa tendncia surge na medida em que o planejamento urbano segue as
reflexes motivadas pela desestruturao de um modelo econmico at h bem pouco
tempo slido e estvel, mas que culminou no quadro global visto nos dias de hoje.
Por fim, a mescla de usos e atividades econmicas permitidas favorece a
manuteno da vitalidade dos lugares, o controle social, a valorizao dos espaos
coletivos, e o incremento do fluxo financeiro, com a atrao de usurios e investidores.
Como exemplo de regenerao factvel, aborda-se em algumas linhas o caso de
So Francisco do Sul, em Santa Catarina, Brasil. Por motivos muito similares a este caso
de estudo (esturio, ocupao entre orla e morros, dinamizao da atividade porturia,
que se desloca para reas mais propcias e a decorrente desvalorizao e desocupao
dos imveis), o centro urbano preservado justamente porque no acompanhou as
tendncias desenvolvimentistas por dcadas seguidas.
Numa iniciativa conjunta dos governos central e local, foram realizadas obras
de restauro arquitetnico nos principais edifcios do conjunto e de requalificao dos
espaos pblicos junto orla. A operao induziu a obras de restauro em outros imveis,
num ciclo virtuoso que culminou na valorizao do ncleo histrico e redinamizao das
atividades econmicas, gerando condies para sua preservao, sustentada por
valores [de rendas] compatveis com o custo da manuteno das edificaes. A cultura
de preservao criada parece ter contaminado proprietrios que, at pouco tempo atrs,
preferiam demolir os edifcios com a expectativa () de lucrar com a venda de terrenos
valorizados (BONDUKI, 2012:123).
De maneira geral, o resultado do programa foi positivo. Houve oportunidades
de negociaes factveis entre o poder local e os investidores privados, atingindo
sinergias intersetoriais essenciais a esse tipo de interveno. Foi o incio de um processo
31
de reverso da situao de descaracterizao dos edifcios de interesse histrico, que
culminou no soerguimento socioeconmico da rea.
Figura 3 Resultado do programa. Iniciativa: IPHAN, Programa Monumenta. Imagens da Internet.
Acesso: Maio de 2015.
O equilbrio de usos e funes urbanas so estratgias do planejamento que
demonstram a maturidade do tecido urbano e a riqueza do capital econmico, do capital
social e do capital biolgico (RUEDA, 2012).
Planear no impor: dar expresso ordenada realidade que se pretende
materializar a partir do conhecimento perfeito do territrio de interveno, da sua
identidade e da sua histria (FADIGAS, 2010:16).
A integrao de valores como patrimnio, histria, cultura, parcerias, recursos
biolgicos, paisagsticos, atividades econmicas, convvio e resgate social propicia a
viabilizao dessa abordagem que pretende se distinguir pela eficincia da relao entre
investimentos e benefcios, e autossuficincia em sua gesto futura.
sob esse olhar abrangente que iremos estudar a possibilidade de equacionar
as questes relativas ao Cais do Ginjal, em busca da reverso do quadro de degradao
fsica e colapso socioeconmico em que se encontra.
O stio histrico urbano parte integrante de um contexto
amplo que comporta as paisagens natural e construda. () O objetivo
ltimo da preservao a manuteno e potencializao de quadros e
referenciais necessrios para a expresso e consolidao da cidadania.
nessa perspectiva de reapropriao poltica do espao urbano pelo
cidado que a preservao incrementa a qualidade de vida. Carta
de Petrpolis, 1987.
32
3.5. Governana
A articulao dos diferentes eixos de poltica e atores envolvidos na concepo
dos planos e gesto da cidade um campo frtil para anlise, e leva reflexo de que
existe um desafio imenso: a dificuldade em se estabelecer convergncias a partir da
grande diversidade de atores, em uma escala alargada que a extenso do territrio,
com todas as suas formas de apropriao, densidade, histrias, paisagens e tendncias.
Figura 4 O planejamento urbano e suas interfaces agentes e territrio.
No deixa de ser um exerccio interessante, no entanto, a busca de concatenar
vertentes e valores to dissonantes, sob o aspecto da abertura das perspectivas para
novas formas de pensar e gerir a cidade. Os espaos urbanos pedem qualificao em
meio a todas as dificuldades de copresena, agravadas pelo contexto de mudana
socioeconmicas da atualidade. E a abordagem que se exige cada vez mais ampla,
fluida e participativa, como hoje se pretende a governana.
Ferro (2011) solicita um modelo de gesto do territrio mais estratgico e
proativo, a partir de uma conscincia territorial mais exigente e da construo de uma
cultura cvica de ordenamento do territrio. O autor questiona se no seria uma
33
oportunidade para consolidar uma nova cultura de planeamento e de ordenamento do
territrio, com presena efectiva () de especialistas do sector, dirigentes polticos,
actores econmicos, organizaes no governamentais e cidados em geral. (FERRO,
2011:25-27).
Para isso, imprescindvel o conhecimento, a busca pelos saberes de todas as
fontes. Da cultura identitria da comunidade ao conhecimento cientfico, passando pela
calibragem econmica do mercado e pelas bases tcnicas e mediadoras dos poderes
autrquicos. A esse respeito, e abordando saberes regionais e pesquisa, Sousa e Cabral
nos ensinam que a chave da mudana se encontra na proximidade, que permite a
absoro de diferentes pticas e relacionamentos. Proximidade, respeito e unio entre
os saberes cientfico e tradicional determinam o fortalecimento dos povos, da
sociedade plural (SOUSA & CABRAL, 2009:56).
Portas, Domingues e Cabral nomeiam as modificaes da contemporaneidade
relativamente morfologia do territrio, e exploram as sadas viveis para as polticas
urbanas. Enfatizam, da mesma forma, uma alterao das polticas para a formao da
cidadania e a resoluo de conflitos. Nas suas palavras:
() As agendas das polticas urbanas tero de incluir a
construo de consensos que compatibilizem a durabilidade das
propostas e o exerccio da democracia, visando a formao de opinies
pblicas mais esclarecidas sobre o que se quer e o que se pode querer,
apoiando-se em cenrios to objectivos quanto os actuais nveis de
conhecimento o permitam (PORTAS, DOMINGUES & CABRAL, 2007:19).
De acordo com os autores, preciso ainda uma reviso no mbito do poder
central, no sentido de adequar as polticas setoriais, de forma a contribuir para a
reorganizao dos territrios, buscando uma integrao com os poderes locais que
em muitos casos j conseguem uma orientao de foco para a revitalizao dos ncleos
antigos, melhoramentos ambientais, infraestruturas em busca de estratgias comuns
(PORTAS, DOMINGUES & CABRAL, 2007:20).
34
3.5.1. Desafios do Planejamento
Ao definir determinadas prioridades ambientais,
econmicas e sociais em detrimento de outras, ao condicionar ou
mesmo interditar aspectos to distintos como a edificao, a
explorao de recursos especficos, formas particulares de uso e
ocupao do solo ou a utilizao do transporte individual privado,
interferindo no domnio da propriedade privada e das preferncias
pessoais, o ordenamento do territrio comprime, necessariamente, a
liberdade de opo e os direitos individuais em nome do interesse
pblico e do bem-estar colectivo (FERRO, 2011:49).
Os territrios mudam. Nada fica inclume passagem do tempo, e isso uma
inevitabilidade. A menos que se promovam adaptaes progressivas, no se pode evitar
a perda de funes do espao original e a desconfigurao do conjunto edificado. J as
modificaes de viso talvez possam interferir no processo.
Mas a cidade permanece. Tem sido nos seus espaos que surgem
oportunidades de novas culturas de mobilidade, incluso social, empreendedorismo
econmico, expresso cvica, posicionamento de princpios, processos e instrumentos
que podero refundar a prpria democracia (SEIXAS, 2013:34).
Processos e atores
A regulao hoje vivel advm do estabelecimento de vetores estruturantes
pautados em parcimnia na opo de usos dos instrumentos, pois os critrios so
mutveis conforme os desgnios do territrio e as tendncias econmicas. Densificao
e intensidade urbana podem ser interessantes em parcelas do territrio e noutras no
(PORTAS, DOMINGUES & CABRAL, 2011:156).
A abordagem sobre dilemas que podem ultrapassar o terreno da regulao.
E se a lgica do mercado pressupe pragmatismo e dinamismo ao processo de
ocupao, tambm imprime um desenvolvimento fragmentado s cidades, exigindo dos
agentes pblicos renovao e flexibilidade para moldar uma gesto que assegure as
conexes necessrias malha urbana (ASCHER, 2010).
35
No contexto de globalizao, a competitividade de mercado torna-se fator
preponderante, em funo do qual devero se moldar os meios reguladores dos poderes
pblicos, ou serem estabelecidas as orientaes tcnicas e metodolgicas necessrias
para conferir equidade ao processo de planejamento, ou compatibilizao entre a
dimenso prospectiva do desenho urbano e os objetivos econmicos do planejamento
(CARVALHO, 2005:40).
A gesto pblica atravessa um perodo em que se configura a necessidade de
reflexo sobre o funcionamento das organizaes autrquicas, de modo a identificar
desajustes e debilidades frente a problemas impensveis h algumas dcadas.
A urgncia dessas adequaes se deve velocidade imprimida pelas mudanas
ocorridas neste incio de milnio, e exige flexibilidade das instituies autrquicas para
considerar a possibilidade de estabelecer parcerias e at mesmo agir sob a ptica
empresarial, com vista a promover sua transformao em oportunidades de sucesso ou,
no mnimo, de aprimoramento da gesto. A diversidade das interaes dever ditar a
viabilizao das oportunidades.
Desta forma, os desafios que se afiguram na gesto, e que os instrumentos de
planejamento tero que acolher de forma mais explcita, tendero a valorizar a
articulao entre atores, setores e localidades, mas sobretudo (PORTAS, DOMINGUES &
CABRAL, 2011:13):
A orientao aos atores (administraes, cidados, promotores) quanto
a prioridades, viabilidade, parceiros e recursos;
Os limites imperativos ou preferenciais de carter ecolgico-ambiental,
incluindo a contratualizao da participao em externalidades;
A operacionalizao de intervenes complexas de renovao urbana
ou de reurbanizao, de orientao e financiamento pblico, misto ou
privado de interesse pblico;
A avaliao de polticas, planos ou aes do poder central ou local, a
partir de instrumentos de maior difuso nas ltimas dcadas.
36
Figura 5 Premissas dos instrumentos de planejamento, sobre conceituao de Portas, Domingues & Cabral, 2011.
Novas demandas
O consumo de energia, de solo e de tempo, nos modelos de referncia de
cidade que costumamos planejar e construir constituem demandas que no devem ser
desconsideradas. A racionalizao de recursos e o controle das emisses constituem a
base para a mudana necessria ao acompanhamento das transformaes em curso.
O parecer da Seo Especializada da Unio Econmica e Monetria e Coeso
Econmica e Social4, com o qual a entidade assinala seu acordo quanto necessidade
de uma abordagem integrada da reabilitao urbana, reflete novas preocupaes com
a cidade, por ser um sistema que desperdia energia e principal responsvel pelas
alteraes climticas. A ao coordenada visa desenvolver polticas de reabilitao
urbana como meio de combate s emisses nocivas de CO2 e s alteraes climticas.
O CESE reputa estratgico o estabelecimento de um novo modelo integrado de
reabilitao urbana, centrado em alteraes demogrficas, coeso social, reviso da
base econmica urbana, revalorizao do patrimnio natural, eficincia energtica das
cidades, desmaterializao (nomeadamente as tecnologias das telecomunicaes) e
biodiversidade. Para isso, enfatiza a necessidade de maior cooperao entre os nveis
4 Parecer CESE 319/2010.
37
de governo, pautada na aplicao mais flexvel do princpio da subsidiariedade,
promoo de redes temticas entre cidades, proteo do ambiente e melhoria da
qualidade vida dos cidados como objetivos operacionais das polticas regionais dos
estados-membros e da Unio Europeia UE.
A poltica de integrao pode se beneficiar de financiamentos do bloco
econmico para redes de transporte sustentveis, energias alternativas e edifcios
reabilitados que, para alm de utilizarem energia limpa, sejam geradores de energia.
O documento cita a Carta de Leipzig, de Maio de 2007, sobre as Cidades
Europeias Sustentveis, apresentando um rol de medidas a serem tomadas segundo
conceitos expressos na declarao.
COMPROMISSOS OBJETIVOS
Eficincia energtica Gerar empregos, com estmulo inovao e ao desenvolvimento tecnolgico
Coeso social Reabilitar bairros degradados
Sustentabilidade ambiental Evitar a apropriao de mais espaos verdes
Quadro 2 Objetivos das polticas integradas para o desenvolvimento urbano.
enfatizada a capacitao da classe dirigente, com base em princpios como
responsabilidade, criatividade e qualidade, a fim de que as decises ao nvel da execuo
de polticas de revitalizao e de desenvolvimento do tecido urbano sejam coerentes
com os objetivos de crescimento sustentvel da UE.
O Comit subscreve o contedo do documento UE 2020, que define conceitos
inovadores para as polticas de reabilitao urbana:
a melhoria dos recursos humanos, particularmente no tocante s
exigncias da populao idosa, integrao dos novos imigrantes,
erradicao da pobreza e ao aumento da solidariedade entre geraes;
o crescimento assente no conhecimento;
o desenvolvimento de uma sociedade participativa e criativa;
o desenvolvimento de uma economia competitiva e interligada, que
tenha em conta as dimenses social e ambiental.
38
Fadigas concebe a criao e manuteno de cidades mais verdes, mais
sustentveis e menos consumidoras de gua e de energia como um dos principais
objetivos do ordenamento do territrio nos tempos atuais. A reflexo sobre a melhor
forma de integrar nas polticas urbanas modos mais alargados () de articulao entre
a organizao urbana e a manuteno dos equilbrios ambientais uma exigncia do
nosso tempo (FADIGAS, 2010:16).
A economia que no consome espao nem ocupa territrio
tem consequncias sociais e culturais que o urbanismo deve
aproveitar nos processos de regenerao e qualificao urbana.
Estamos perante um novo paradigma urbano. (...) As redes de
informao funcionam independentemente dos edifcios e dos
espaos de concentrao e actividade econmica (FADIGAS, 2010:15).
3.5.2. Participao social
A qualidade do territrio medida por sua capacidade de resposta aos reveses
econmicos, por manter o vnculo do cidado com seu meio, pela igualdade promovida
e pela conduta cidad desenvolvida no seio da comunidade a partir da educao formal,
com os fundamentos da orientao para a cidadania, que se forma na vivncia e na
aprendizagem em conjunto (SEIXAS, 2013:30).
A educao ambiental, patrimonial, cultural e igualitria destina-se formao
de agentes diferenciados, conscientes e portadores de valores alargados atinentes a
incluso e respeito diversidade, valorizao da cultura local e s especificidades
territoriais. Por fim, esses agentes se tornam multiplicadores, conformando as bases de
modelos mais sustentveis de cidade.
Para o efetivo compromisso com a democracia plena, nos processos de
desenvolvimento e implementao de projetos, a constituio de frentes de atuao
autrquica intencionaria levar a bom termo as negociaes, embasadas na ponderao
de interesses. Mas no somente nos momentos de debates e conformao das ideias. A
nfase na pluralidade de atores deve ser calcada na construo da responsabilidade de
fazer junto, no perdendo o foco na responsabilidade social.
39
Para tanto, faz-se necessrio o fortalecimento daqueles valores intrnsecos,
conformados na origem da construo do indivduo como ser social. E como enfatiza
Leff, a importncia dos movimentos sociais na ruptura com as formas de organizao
tradicionais e com os canais polticos de intermediao, abre espaos de negociao
direta, conferindo dinmica aos processos de gesto (LEFF, 2002:150).
Portas et al. reforam o vis democrtico da participao social como premissa
do planejamento urbano que prime por qualidade, eficcia, competitividade econmica
e coeso social. Esse princpio ir reger a governana em busca do consenso entre
agentes, grupos e indivduos () com vantagens mtuas e que se justificam na base dos
interesses pblicos ou colectivos (PORTAS, DOMINGUES & CABRAL, 2007:203-204).
A participao alargada constitui, por definio, o frum que
legitima e viabiliza as opes de nvel transversal ou de mais longo
prazo, como os princpios de conservao e valorizao ambientais
(PORTAS, DOMINGUES & CABRAL, 2007:204).
O poder local de Almada trabalha com objetivos coerentes, expressos na fase
de audio popular para reviso do PDM. Dentre eles, destacamos a articulao dos
transportes pblicos, a eficincia energtica e a valorizao das frentes dgua como
espaos de excelncia para a sociabilizao, lazer e descompresso, assegurando o seu
uso pblico. Este objetivo exige uma estreita articulao entre as vrias entidades e
agentes que operam neste territrio de modo a evitar a privatizao do bem pblico5.
O esclarecimento da comunidade sobre a importncia do debate alcanado
com o reforo da valorizao desses atores, do seu conjunto de valores, da sua ptica,
por meio de aes educadoras promovidas pelo poder pblico. Quando a populao se
descobrir portadora desse papel na construo dos processos polticos, ela dever
perceber a possibilidade e a responsabilidade invulgares de se discutir a elaborao dos
planos para a cidade.
5 Congresso Almada Pensar o Futuro, 14 a 16/10/2016.
40
3.5.3. Relaes Socioeconmicas
Investimento em obras e em atividades concorrentes de
educao e valorizao do patrimnio seriam instrumentos para criar
processos econmicos duradouros capazes de gerar recursos para a
preservao (BONDUKI, 2012: 39).
H que se referir um ponto fundamental nesses tempos de crise econmica
mundial: os investimentos em recuperao e conservao do parque imobilirio e do
espao pblico so de vulto, e na medida em que a esfera pblica pode suportar cada
vez menos os custos de uma operao de reabilitao urbana, os recursos devem advir
de outras fontes.
Assim, para desonerao pblica, movimento da economia e sustentabilidade
dos processos referidos, destaca-se a figura das parcerias.
Instrumentos e programas de financiamento
Os agentes a integrar so os investidores imobilirios, individualmente ou em
grupo, e essa participao ativa e financeira dos particulares implica uma ponderao
de valores para um tratamento coerente do espao edificado, visando a salvaguarda do
patrimnio e a coerncia da arquitetura e da morfologia urbana como base de qualquer
processo de interveno.
evidente que se busca tambm a manuteno do equilbrio financeiro dos
contratos, inclusive porque o empenho do particular a fora motriz das aes pontuais
nos conjuntos edificados, e a base da regenerao econmica e social local. Para essa
garantia surgem os instrumentos e programas de financiamento.
Nesse sentido, vigoraram em Portugal programas diversos, de fundos pblicos
e privados, coordenados pelo poder central, para estimular obras de interveno,
recuperao de reas degradadas e insero de fogos devolutos no mercado. Entre
estes, destaca-se o PRU (Programa de Reabilitao Urbana), 1985 programa nacional
voltado reabilitao urbana, no mbito do qual foram criados os Gabinetes Tcnicos
Locais (GTL), que vigoraram por mais de 20 anos, e chegaram a mais de 200 no pas.
41
Com o fim de estabelecer meios efetivos para promover aes de interveno
para reabilitao urbana, publicado o Decreto-Lei n 104/2004, de 7 de maio, que cria
as Sociedades de Reabilitao Urbana (SRU), empresas de capitais exclusivamente
pblicos para quem se concede poderes de autoridade e de polcia administrativa em
zonas de interveno especficas de municpios ou regies de maior visibilidade.
Com a criao das Comisses de Coordenao e Desenvolvimento Regional
(CCDR), o governo portugus afirma o carter de desconcentrao do poder central e
das polticas urbanas, que passam a desenvolver seus programas em mbito mais local,
na linha das exigncias contemporneas.
Relaes de Comrcio
Seguindo as alteraes no terreno das relaes socioeconmicas, h um
processo de adeso massiva da sociedade s novas formas de consumo. O mercado no
fica indiferente a esse movimento e, nas relaes de comrcio e servios, tem focado
sua atuao nos segmentos de turismo e lazer. Nas dcadas mais recentes registra-se a
exploso desses sectores, de forma que a proposio de aes no dever menosprezar
essa vertente.
O comrcio em grandes superfcies, viabilizado por estratgias de ocupao dos
espaos entre cidades com novas centralidades autoestradas, vias rpidas, bairros
sociais, condomnios horizontais (PORTAS, DOMINGUES & CABRAL, 2007; PEREIRA, 2004),
modificou na sua esteira as relaes de trocas. Juntamente com a oferta de habitao
nas reas perifricas, desenvolvem-se novos polos comerciais, geradores de emprego e
renda, que atraem investidores e consumidores, acabando por inibir a participao do
comrcio tradicional na economia.
Vislumbra-se, no entanto, a possibilidade de retomada do espao de atividades
econmicas na escala da rua por meio da aliana entre as aes de governo e os
pequenos comerciantes promovida por operaes urbanas, a partir dos novos usos
atribudos s edificaes na cidade recuperada, podendo se enfatizar o carter cultural
local, tanto em produtos artesanais quanto em servios diferenciados, com a
oportunidade de trazer a pblico o valioso patrimnio da cidade (PASCOAL, 2010).
42
Os programas PROCOM e URBCOM, bem como o Observatrio do Comrcio
foram iniciativas implementadas pelo governo portugus, a partir de 1994, para
identificar as dinmicas da atividade e balizar a interveno dos poderes pblicos, por
meio da promoo de parcerias entre as autarquias e associaes de comerciantes
visando a revitalizao de reas urbanas centrais, no que se pode chamar aes de
urbanismo comercial (CACHINHO, 2005:267).
A formalizao e organizao dessas atividades econmicas resilientes na vida
urbana visa reencontrar nos espaos livres e nos espaos pblicos a funo social e
cultural (...) que deram razo e sentido s cidades como espaos de liberdade, progresso
e cultura (FADIGAS, 2010:12).
Gentrificao
A converso das edificaes existentes em espaos habilitados para receber
usos que correspondam s necessidades da vida contempornea contribui para a
soluo de problemas em horizontes temporais distintos: a economia de recursos no
incio do processo; e ao fim as redues de deslocamentos, de converso de solo rural
e de vazios no centro, constituindo uma forma de conteno do fenmeno extremo de
despovoamento das cidades.
Um ponto nevrlgico a se abordar neste caso a Gentrificao, que ocorre com
o retorno das classes mais abastadas ao centro, acompanhando as aes de resgate do
tecido urbano, conferindo complexas alteraes sociais e espaciais, a ponto de se
perderem referncias de causas e consequncias. Ponto pacfico dos estudos afirmar
a importncia do setor pblico como ponderador do peso do setor privado promotores
imobilirios e entidades financeiras no processo.
Maria Alba Bataller analisa as teorias de Smith (1979), segundo as quais o
desinvestimento afetou os centros urbanos, levou sua degradao e possibilitou o
posterior reinvestimento. Quando a deteriorao de um edifcio ou de toda uma rea
suficientemente relevante, chega-se ao ponto em que () o rent-gap suficiente para
assegurar lucro econmico. Neste momento, os agentes do solo aproveitam a ocasio
43
para oferecer moradias reabilitadas para as classes mdias nos centros urbanos (SMITH,
1979, apud BATALLER, 2010:20).
A autora esclarece que as posturas atuais veem o fenmeno como o resultado
de uma srie de fatores interrelacionados sem conceder protagonismo absoluto a
nenhum deles. So atribudos ao processo movimentos recprocos e interatuantes, e
levados em conta os contextos local e global, para se estabelecerem generalidades e
desenvolvimentos particulares (BATALLER, 2010:17-22).
Reabilitar tecidos urbanos, portanto, implica em responsabilizao social, uso
coerente de recursos, uso parcimonioso de poderes e participao pblica. A atuao
dos agentes de solo decisiva para a deteco dos elementos e fatores determinantes
na elaborao das polticas pblicas e na gesto do espao urbano.
44
4. INTERVENO URBANSTICA NA REA DE ESTUDO: QUADRO LEGAL
Considerando a constante evoluo legislativa no sentido de resguardar os
preceitos bsicos para uma efetiva aplicabilidade das polticas de ordenamento de solo,
passamos a analisar as consideraes constantes das principais normas afetas ao
territrio, bem como as que resguardam as reservas naturais e o patrimnio edificado,
no intuito de buscar a promulgao de acordos, em prol da conformao ideal da cidade.
Constituem a base legal para as referidas questes os seguintes dispositivos
legais:
Programa Nacional de Polticas de Ordenamento do Territrio
PNPOT Lei n 58/2007, de 07 de setembro, e alteraes posteriores;
Lei n 31/2014, de 30 de maio Lei de Bases Gerais da Poltica Pblica
de Solos, de Ordenamento do Territrio e de Urbanismo;
Decreto-Lei n 80/2015, de 14 de maio Regime Jurdico dos
Instrumentos de Gesto Territorial;
Lei n 107/2001, de 08 de setembro Proteo do patrimnio cultural;
Decreto-Lei n 307/2009, de 23 de outubro Regime Jurdico da
Reabilitao Urbana (e suas alteraes posteriores);
Decreto-Lei n 321/83 Cria a Reserva Ecolgica Nacional REN;
Decreto-Lei n 166/2008 de 22 de Agosto Aprova o Regime Jurdico
da Reserva Ecolgica Nacional.
O corpo legislativo referente s polticas de solos e ordenamento do territrio,
em vigncia a partir de 2014, orienta para a observao sistemtica de princpios como
sustentabilidade, solidariedade, responsabilidade, no sentido de buscar uma efetiva
articulao, cooperao e concertao nas vrias esferas governamentais. Da mesma
forma, a legislao concernente ao ambiente e ao patrimnio alargou seu espectro e
passou a oferecer salvaguardas cada vez mais comprometidas com os valores presentes
em suas respectivas referncias.
45
O quadro 3 sintetiza os principais dispositivos legais, seus conceitos
elementares e palavras-chave, no sentido de salientar os pontos fundamentais para a
consecuo dos objetivos de elaborao da proposta de interveno:
Lei 31/2014, de 30/05 Lei de Bases Gerais da Poltica Pblica de Solos, de Ordenamento do Territrio e de Urbanismo. Principais determinaes: Coordenao e compatibilizao de polticas do territrio com as de desenvolvimento econmico e social; ponderao de interesses pblicos e privados; observncia dos princpios ambientais como preveno, precauo e responsabilidade (art. 3); Realizao de operaes urbansticas em conformidade com o plano territorial, impostas pela administrao ao proprietrio (art. 16); Pagamento de compensao ou indemnizao por motivo de expropriao ou sacrifcio de direitos preexistentes (art. 17); Edificabilidade e transferncia do solo, visando a salvaguarda do patrimnio natural, cultural ou paisagstico. Preveno de riscos, reabilitao ou regenerao da rea, dotao de infraestruturas, equipamento, espaos verdes ou espaos de utilizao coletiva (arts. 20 e 21); Hipteses de compra, venda, permuta, arrendamento, locao, expropriao por utilidade pblica e cedncias para operaes urbansticas (art. 24); Adequao de nveis de densidade urbana, reabilitao e revitalizao de centros histricos e elementos do patrimnio cultural classificados e respetivo parque habitacional em detrimento de nova construo. Acessibilidade pblica aos edifcios, espaos pblicos e de uso coletivo, recuperao e regenerao de reas degradadas, preveno e reduo de riscos coletivos (art. 37); Segurana pblica, preveno de riscos, ambiente, recursos hdricos e biodiversidade. Esturios constituem objeto de programas especiais (art. 40); Objeto do Plano de Pormenor (art. 43):
O plano de pormenor desenvolve e concretiza o plano diretor municipal, definindo a implantao e a volumetria das edificaes, a forma e organizao dos espaos de utilizao coletiva e o traado das infraestruturas.
Garantia do processo democrtico, direito a informao e participao pblica na elaborao e consulta dos planos e processos (art. 49); Operaes urbansticas, conservao e manuteno do edificado (art. 60), reabilitao e regenerao (art. 61).
DL 80/2015, de 14/05 Regime Jurdico dos Instrumentos de Gesto Territorial RJIGT. Principais determinaes: Refora os princpios estabelecidos na Lei de Bases, dita os instrumentos de regulao da poltica de solos e enfatiza os caminhos de concertao de polticas setoriais e de interesses e a compatibilizao entre programas e planos. Novo sistema de classificao de solos, sustentabilidade territorial, eliminao da categoria de solo urbanizvel. reas perigosas e de risco estabelecidas nos planos territoriais, identificao dos elementos vulnerveis, estabelecimento de regras e medidas de preveno e minimizao de riscos (art. 13); Identificao da Estrutura Ecolgica e reas de risco de desequilbrio ambiental; competncia para garantir a salvaguarda e a valorizao dos ecossistemas Programas especiais e setoriais (art. 16); Proteo do patrimnio arquitetnico, arqueolgico e paisagstico, (art. 17);
46
Planos municipais formas de contrato para planejamento, sendo seus atos objeto de discusso pblica e publicidade (artigos 79 a 81); Planos de pormenor detalhamentos de nvel municipal. Implantao de infraestruturas, espaos pblicos e equipamentos de utilizao coletiva, implantao, volumetria, edificao e integrao na paisagem, organizao espacial de atividades de interesse geral (artigos 101 a 109); Instrumentos de execuo dos planos:
Aquisio ou alienao de bens imveis pela administrao pblica, com vista a regulao do mercado de solo, a redistribuio de benefcios e encargos, a localizao de infraestruturas, equipamentos, espaos verdes e de utilizao coletiva, ou intervenes pblicas para proteo civil, agricultura, conservao da natureza, habitao social, reabilitao e regenerao urbana (Art. 153);
Reserva de solo / aquisio de imveis para infraestruturas urbansticas, equipamentos, espaos verdes e espaos pblicos (Art. 154);
Direito de preferncia ao municpio nas transmisses de prdios, ao abrigo do direito privado e a ttulo oneroso, no mbito de execuo de planos de pormenor para reabilitao, regenerao ou restruturao da propriedade (Art. 155);
Direito de superfcie sobre imveis de domnio privado do municpio para fins de cumprimento da poltica pblica do solo (Art. 156);
Demolio de edifcios, quando necessria para a execuo de planos e operaes previstos no plano municipal, segurana ou salubridade, reparao invivel, ou ainda por desadequao de suas caractersticas arquitectnicas (Art. 157);
Expropriao por utilidade pblica, para a execuo dos programas e planos territoriais, realizao de intervenes pblicas e instalao de infraestruturas e de equipamentos de utilidade pblica (Art. 159);
Venda forada de imveis necessrios a operaes de regenerao ou de reabilitao urbana, em runa ou sem condies de habitabilidade (Art. 160).
Relaes econmico-financeiras, entre proprietrios e o municpio, contratos de urbanizao (art. 165); Custos repartidos (art. 170); Regulao fundiria para aproveitamento dos recursos naturais, do patrimnio arquitetnico, arqueolgico e paisagstico, organizao eficiente do mercado imobilirio, desenvolvimento econmico sustentvel e redistribuio justa de benefcios e encargos (art. 172); Mecanismos de incentivo para conservao da natureza e da biodiversidade, salvaguarda do patrimnio natural, cultural ou paisagstico, minimizao de riscos coletivos inerentes a acidentes graves, catstrofes ou riscos ambientais, reabilitao ou regenerao urbanas, infraestruturas, transportes, equipamentos, espaos verdes, espaos de utilizao coletiva, habitao social, eficincia na utilizao dos recursos e eficincia energtica (art. 173).
Lei 107/2001, de 08/07 Proteo do Patrimnio Cultural.
Atravs da salvaguarda e valorizao do patrimnio