A Megera Domada - William Shakespeare.pdf

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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer contedo parauso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo decompra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudivel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico e propriedade intelectual de forma totalmente gratuita,por acreditar que o conhecimento e a educao devem ser acessveis e livres a toda e qualquer pessoa. Voc pode encontrarmais obras em nosso site: LeLivros.link ou em qualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro e poder, ento nossasociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

  • A MEGERADOMADA

    William ShakespeareTEXTO INTEGRAL

    TRADUO: ALEX MARINS

  • CRDITOS Copyright desta traduo: Editora Martin Claret, 2007Ttulo original: The Taming of the Shrew (1593-1594) IDEALIZAO E COORDENAOMartin Claret MIOLORevisoM de Ftima C. A. MadeiraLucyana R. Oliveira Torchia TraduoAlex Marins Projeto GrficoJos Duarte T. de Castro Direo de ArteJos Duarte T. de Castro DigitaoGraziella Gatti Leonardo Editorao EletrnicaEditora Martin Claret Fotolitos da CapaOESP PapelOff-Set, 70g/m Impresso e AcabamentoPaulus Grfica

    Editora Martin Claret Ltda. Rua Alegrete, 62 Bairro Sumar CEP: 01254-010 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3672-8144 Fax: (0xx11) 3673-7146www.rnartinclareteoin.br / [email protected] a todos os nossos amigos e colaboradores pessoas fsicas e jurdicas que deram as condies para quefosse possvel a publicao deste livro.

    Este livro foi impresso na primavera de 2007.

  • A Megera Domada

    Dramatis Personae Um LORDE, personagens do PrlogoCristvo SLY, funileiro, personagens do PrlogoHOTELEIRA, PAJEM, COMEDIANTES, CAADORES e SERVIDORES, personagens do PrlogoBATISTA, rico fidalgo de PduaVICNCIO, velho fidalgo de PisaLUCNCIO, filho de Vicncio, apaixonado por BiancaPETRUCHIO, fidalgo de Verona, pretendente de CatarinaGRMIO, HORTNCIO, pretendentes de BiancaTRNIO, BIONDELLO, criados de LucncioDRMIO, CURTIS, criados de PduaUm PEDAGOGO imitando VicncioCATARINA, a megera, filha de BatistaBIANCA, filha de batistaUma VIVAALFAIATE, MASCATE e CRIADOS de Batista e de Petruchio CENA: Pdua e a casa de campo de Petruchio

  • PRLOGO

    CENA I

    Diante de uma cervejaria numa charneca.Entram a Hoteleira e Sly.

    SLY Juro que vou dar-vos uma surra.

    HOTELEIRA Ests precisando de um tronco, vagabundo!

    SLY Sois uma sem-vergonha: os Sly no so vagabundos. Olhai nas crnicas; chegamoscom Ricardo, o Conquistador. Logo paucas pallabris1, deixai o mundo rodar: Cessa!

    HOTELEIRA No quereis pagar os copos que quebrastes?

    SLY No, nem um centavo. Por So Jernimo, sai daqui; vai para tua cama gelada eaquece-te l!

    HOTELEIRA Conheo o remdio. Vou buscar um guarda. (Sai.)

    SLY Podes ir buscar um, dois, trs que eu lhes responderei com a lei na mo4; noarredarei uma polegada; que venha e com delicadeza! (Deita-se no cho e dorme. Soam astrompas de caa. Entra um Lorde, vindo da caa, seguido por Caadores e Criados.)

    LORDE Caador, encarrego-te de cuidar bem de meus ces, principalmente deBulioso; o pobre animal est muito inchado! Prende o Nebuloso com a cadela de latidoprofundo. No viste, rapaz, corno o Prateado se portou bem no canto da sebe quando o rastofoi de todo perdido? No quero perder este co nem por vinte libras.

    PRIMEIRO CAADOR Ora, o Carrilho to bom quanto ele, milorde; latiu menorperda da caa e hoje, por duas vezes, encontrou a pista mais difcil. Acreditai-me, o melhorco.

    LORDE s um imbecil. Se Eco fosse mais um pouco rpido, eu acho que valeria dozeiguais a Carrilho. Mas providencie para que comam bem e cuide deles todos. Quero caar

  • amanh de novo.

    PRIMEIRO CAADOR Est bem, milorde.

    LORDE Que isso? Est morto ou embriagado? V, est respirando?

    SEGUNDO CAADOR Est respirando, milorde. Se no estivesse esquentado pelacerveja, seria uma cama bem fria para dormir to profundamente.

    LORDE Que monstruoso animal! Parece um porco dormindo! morte sinistra, como vergonhosa e repulsiva a tua imagem!... Meus amigos, quero divertir-me com esse bbado.Que achais? Se fosse transportado para um leito, envolvido em lenis macios e se acordassecom anis nos dedos, um deliciosssimo banquete ao lado da cama, e perto dele solcitosservidores ao seu redor quando despertar, no esquecia o mendigo sua prpria condio?

    PRIMEIRO CAADOR Certamente, milorde, creio ele no pode escolher.

    SEGUNDO CAADOR Ficar espantadssimo quando acordar.

    LORDE Como de um sonho enganoso ou de uma v fantasia... Levantai-o, pois, ecombinaremos bem a brincadeira. Transportai-o cuidadosamente para meu mais belo quarto eenfeitai-o com meus quadros mais licenciosos. Perfumai-lhe a asquerosa cabea com clidasguas perfumadas, e queimai madeiras odorferas para perfumar o aposento. Procurai-memsicos que, quando ele despertar, deixem ouvir uma melodia doce e celeste. Se por acasofalar, estai dispostos a cumprir-lhe as ordens e respondei fazendo uma respeitosa reverncia:Que deseja Vossa Excelncia? Um de vs se apresentar com uma bacia de prata cheia degua de rosas e juncada de Flores. Outro trar um jarro; um terceiro, uma toalha adamascada edir: Vossa Senhoria deseja refrescar as mos? Um outro j lhe esteja disposio com umrico guarda-roupa e lhe pergunte com que traje ele deseja vestir-se. Fale-lhe outro dos ces ecavalos e da esposa que se encontra desolada vendo-o doente. Persuadi-o de que esteveluntico' e se afirma ser o que , respondei-lhe que ele sonha, porque nada menos do que umpoderoso senhor. Fazei assim, amveis senhores, e fazei-o com jeito. Ser a brincadeira maisengraado do mundo, se vos conduzirdes com discrio.

    PRIMEIRO CAADOR Milorde, garanto-vos que representaremos to bem nossopapel, que nosso leal zelo o far acreditar daquilo que lhe dissermos.

    LORDE Levai-o cuidadosamente e colocai-o na cama; e quando acordar, cada umdever estar a postos. (Saem Servidores levando Sly. Soa uma trombeta'.) Rapaz, vai ver quetrombeta esta que est tocando. (Sai um Criado.) Sem dvida, algum nobre gentil-homemque, viajando por etapas, deseja aqui descansar. (Volta o Criado.) Ento? Quem ?

    CRIADO Com a permisso de Vossa excelncia, so comediantes que esto oferecendoservio a Vossa Senhoria.

    LORDE Dize-lhes que entrem. (Entram os comediantes.) Ento, camaradas? Sede bem-

  • vindos!

    COMEDIANTES Estamos muito agradecidos a Vossa Excelncia.

    LORDE Pretendeis passar a noite comigo?

    UM COMEDIANTE Se Vossa Senhoria quiser aceitar nossos servios.

    LORDE: Com todo meu corao. Lembro-me desse rapaz desde uma vez que o virepresentar o papel de primognito de um fazendeiro. Era uma pea em que fazeisadmiravelmente bem a corte a uma nobre dama. No me lembro de vosso nome, mas semdvida o papel foi habilmente marcado e naturalmente representado.

    UM COMEDIANTE Creio que Vossa Senhoria queira referir-se a Soto7.

    LORDE isso mesmo, estavas excelente. Bem, chegais na hora certa. Tanto mais apropsito porque estou preparando uma brincadeira na qual podeis prestar-me um grandeservio. H aqui um lorde que vos ver representar esta noite; mas tenho dvidas de vossaatitude; temo que, notando-lhe a atitude estranha (porque Sua Excelncia nunca assistiu a umapea), sereis tomados de algum acesso de alegria, e que ele se sinta assim ofendido. Porque,posso dizer-vos senhores, se notar que estais rindo, ficar zangado.

    UM COMEDIANTE No temais, milorde; saberemos conter-nos, ainda que fosse ele apessoa mais ridcula do mundo.

    LORDE Vamos, rapaz, leva-os para a copa e d a cada um deles uma cordial boa-vinda.Que nada lhes falte de quanto minha casa possa fornecer. (Sai um Criado com osComediantes.) E tu, vai procurar meu pajem Bartolomeu, e dize-lhe que se vista dos ps cabea como uma dama8. Feito isto, leva-o para o quarto do bbado, chama-o de senhora etestemunha-lhe a maior obedincia. Dize-lhe de minha parte que, se quiser conquistar minhaamizade, tome nobres atitudes como j ter tido ocasio de observar nas grandes damas diantedos maridos. Que se mostre respeitoso com o bbado; fale-lhe recatadamente, em voz baixa,com humilde cortesia, e lhe diga: Que se digna Vossa Excelncia ordenar? Em que podevossa dama, vossa humilde esposa, mostrar seus deveres e testemunhar seu amor? E emseguida, com ternos abraos e beijos tentadores, inclinando a cabea sobre o peito dele, deixecorrer lgrimas de alegria vendo seu pobre senhor restabelecido, pois durante sete anos no sejulgou sempre melhor do que um miservel e imundo mendigo. E se o rapaz no tiver o domdas mulheres, de deixar cair vontade um dilvio de lgrimas, uma cebola conseguirperfeitamente imit-las, a qual, cuidadosamente escondida num guardanapo, dar-lhe-, mesmoque no queira, um olhar lacrimejante. Que tudo isto seja feito com a maior rapidez quepuderes. Daqui a pouco te darei mais instrues. (Sai um Criado.) Estou certo de que o rapazusurpar perfeitamente a graa, a voz, o porte e o andar de uma dama de qualidade. Estouansioso para ouvi-lo chamar o bbado de esposo e para ver como meus servidores contero oriso quando prestarem homenagem a esse simples rstico. Vou dar-lhes conselhos. Felizmente,minha presena bastar para conter o excessivo bom humor que, de outro modo, passaria dos

  • limites aconselhveis. (Saem.)

  • CENA II

    Quarto em casa do Lorde9.Entra Sly, na parte superior, com servidores;

    uns trazem ricos trajes, outros, uma bacia, um jarroe vrios objetos de toucador. Entra o Lorde.

    SLY Pelo amor de Deus, uma caneca de cerveja fraca.

    PRIMEIRO SERVIDOR Vossa Senhoria no deseja beber um clice de xerez?

    SLY Sou Cristvo Sly! No me chameis nem de Excelncia nem de Senhoria. Jamaisbebi xerez em minha vida, e, se quiserdes dar-me conservas, dai-me conservas de carne deboi. No me pergunteis jamais qual a roupa que desejo vestir, pois no tenho mais gibes doque costas, mais meias do que pernas, mais sapatos do que ps. s vezes, mesmo, tenho maisps do que sapatos, ou tenho sapatos que deixam ver meus dedos pelos buracos da gspea.

    LORDE Que o cu livre Vossa Excelncia desse humor fantstico! Oh! possvel queum homem to poderoso, de to alto bero, gozando de uma tal fortuna e de uma to altaconsiderao, esteja possudo por um esprito to indigno?

    SLY Como! Quereis tornar-me louco? No sou Cristvo Sly, filho do velho Sly deBurton-heath, mascate de nascimento, cartonageiro por educao, guarda de ursos portransmutao, e agora, por profisso, funileiro? Perguntai a Mariana Hacket, a gordacervejeira de Wincot10, se no me conhece. Se ela no disser que lhe devo quatorze pence decerveja pura, considerai-me como o velhaco mais mentiroso da cristandade. Como! No estoudelirando. Aqui est...

    TERCEIRO SERVIDOR Oh! isto que desola vossa dama!

    SEGUNDO SERVIDOR Oh! isto que acabrunha vossos servidores!

    LORDE isto que faz com que vossos parentes fujam de vossa casa, onde so comoque repelidos por vossas estranhas loucuras. , nobre lorde! Pensa em teu nascimento. Chamade volta do desterro tuas antigas ideias e desterra esses sonhos abjetos e degradantes. Olhacomo teus servidores te acompanham, prontos a servir-te, cada um nas suas atribuies, aomenor sinal teu. Desejas ouvir msica? Escutai, Apoio est tocando (Msica.) e vinterouxinis cantam nas gaiolas. Ou preferes dormir? Vamos transportar-te para urna cama maismacia do que o leito voluptuoso preparado para Semramis. Dize que queres passear, nsatapetaremos o caminho. Ou preferes andar a cavalo? Teus cavalos sero encilhados comarneses de ouro e prola. Gostas de falcoaria? Ters falces que voaro mais alto do que acotovia matutina. Preferes a caa? Teus ces faro com que o cu retumbe de latidos e que

  • seja evocado o eco estridente das cavernas!

    PRIMEIRO SERVIDOR Dize que queres caar lebres. Teus galgos so to rpidosquanto os cervos de grande flego; sim, mais ligeiros do que a cora.

    SEGUNDO SERVT.DOR Gostas de quadros? Vamos procurar-te imediatamente umAdnis pintado junto de um regato e uma Citeria, toda oculta nos juncais, que seu hlitoparece mover e acariciar, como se os ondeantes canios brincassem com a brisa.

    LORDE Ns te mostraremos Io, no momento em que, ainda virgem, foi seduzida esurpreendida; o quadro parece to vivo que se acredita estar vendo a coisa.

    TERCEIRO SERVIDOR Ou Dafne errando atravs de uma floresta de espinhos,arranhando-lhe as pernas, que se poder jurar que ela sangra e que, diante dessa cena, Apoio,desolado, chora, to fielmente foram produzidos o sangue e as lgrimas.

    LORDE s um lorde e nada mais do que um lorde! Tens uma esposa muito mais bela doque todas as mulheres destes tempos decadentes.

    PRIMEIRO SERVIDOR Antes que as lgrimas que ela derramou por ti tivesseminundado seu rosto encantador com torrentes invejosas, ela era a mais bela criatura do mundoe mesmo agora ainda no inferior a nenhuma.

    SLY Sou lorde e tenho por esposa semelhante dama? Estou sonhando? Ou sonhei atagora? No estou dormindo. Vejo, ouo, falo, sinto perfumes suaves e toco em brandas coisas.Por minha vida! Sou lorde de verdade e no funileiro, nem Cristvo Sly! Bem, tragam nossadama aqui em nossa presena. E, ainda uma vez, uma caneca de cerveja fraca.

    SEGUNDO SERVIDOR Vossa Grandeza no deseja lavar as mos? Oh! Como estamoscontentes vendo vosso juzo restabelecido! Oh! Se puderdes reconhecer, uma vez por todas,quem sois vs! H quinze anos estais mergulhado em um sonho, e at mesmo acordadopareceis estar dormindo.

    SLY H quinze anos! Na verdade, que belo sono! E no falei durante todo esse tempo?

    PRIMEIRO SERVIDOR Oh! sim, milorde, mas somente palavras incoerentes, pois,embora estivsseis aqui neste esplndido quarto, pretendeis ainda que tnheis sido atiradopela porta, e ofendeis a hoteleira ou fazeis ameaas de cit-la em justia, porque vos traziacntaros de greda e no garrafas lacradas. s vezes, chamveis Ceclia Hacket.

    SLY Sim, a criada da cervejaria.

    TERCEIRO SERVIDOR Como! Senhor, no conheceis a cervejaria, nem semelhantecriada, nem tampouco esses homens que nomeais como Estevo Sly, o velho Joo Naps deGrcia, Pedro Turf e Henrique Pimpinela e outros vinte nomes semelhantes de homens quenunca existiram e que jamais foram vistos!

  • SLY Enfim, Deus seja louvado pelo feliz restabelecimento!

    TODOS Amm.

    SLY Muito obrigado, nada ters a perder. (Entra o Pajem, vestido de dama dequalidade e acompanhado por Servidores.)

    PAJEM Como est passando meu nobre lorde?

    SLY Ora, estou passando muito bem, pois aqui h bastantes provises. Onde est minhaesposa?

    PAJEM Ei-la aqui, nobre lorde. Que queres com ela?

    SLY Sois minha mulher e no me chamais de vosso esposo? Meus criados devemchamar-me de senhor; para vs sou vosso mestre.

    PAJEM Meu esposo e meu senhor, meu senhor e meu esposo. Sou vossa esposa comtoda obedincia.

    SLY Sei disso muito bem. Como devo cham-la?

    LORDE Madama.

    SLY Alice Madama ou Joana Madama?

    LORDE Madama e nada mais. assim que os lordes chamam suas damas.

    SLY Madama, minha esposa, dizem que sonhei e dormi durante mais de quinze anos.

    PAJEM Sim, e esses quinze anos me pareceram trinta, tendo estado todo esse tempolonge de vosso leito.

    SLY muito... Criados, deixai-me s com ela. Senhora, tirai vossa roupa e vinde logopara a cama.

    PAJEM Permiti-me que vos suplique, trs vezes nobre lorde, que vos digneis deescusar-me por uma ou duas noites, ou, ao menos, at que o sol se ponha. Vossos mdicosordenaram expressamente, sob pena de causar-vos uma recada, que no compartilhe ainda devosso leito. Espero que essa razo me servir de escusa.

    SLY A situao tal que terei que fazer grande esforo para esperar tanto tempo; masno quero recair novamente nos meus sonhos. Esperarei, pois, a despeito da carne e dosangue. (Entra um Mensageiro.)

    MENSAGEIRO Os comediantes de Vossa Excelncia, tendo tido conhecimento de vosso

  • restabelecimento, vieram representar uma encantadora comdia, pois assim determinaramvossos mdicos vendo o muito que a tristeza congelou vosso sangue e que a melancolia anutriz do frenesi. Por conseguinte, pensaram que seria bom que escutsseis uma pea quedispusesse vosso esprito alegria e ao regozijo, os quais previnem mil males e prolongam avida.

    SLY Muito bem! Concordo! Que a representem! Uma comdia11 no algo semelhante sbrincadeiras de Natal ou s acrobacias de saltimbancos?

    PAJEM No, meu bondoso senhor; de estofo mais agradvel.

    SLY Como! Um estofo caseiro?

    PAJEM uma espcie de estria.

    SLY Bem, vamos ver isso. Vamos, madama, minha mulher, sentai-vos ao meu lado,deixai o mundo girar. Nunca seremos mais jovens. (Fanfarra.)

  • ATO I

    CENA I

    Uma praa pblica de Pdua.Entram Lucncio e seu criado Trnio.

    LUCNCIO Trnio, j que para satisfazer meu vivo desejo de ver a formosa Pdua,bero das artes, cheguei frtil Lombardia, aprazvel jardim da grande Itlia e, graas aoamor e permisso de meu pai, encontro-me amparado por sua boa vontade e por tua boacompanhia, meu fiel servidor a toda prova, respiremos aqui um pouco e comecemos comfelicidade um curso de sabedoria e de estudos engenhosos. Pisa, clebre pela gravidade deseus cidados, deu-me o ser, como o deu a meu pai, mercador de grandes relaes, chamadoVicncio, descendente dos Bentivoglio. O filho de Vicncio, educado em Florena, realizaras esperanas fundadas nele, ao adornar sua fortuna com aes virtuosas. E assim, Trnio,durante o tempo de meus estudos, aplicar-me-ei virtude e quela parte da filosofia que tratada felicidade que a virtude procura especialmente. Dize-me o que pensas, pois abandonei Pisae vim a Pdua como um homem que deixa um charco pouco profundo para mergulhar numoceano e procura com nsia estancar a sede.

    TRNIO Mi perdonate, meu gentil amo. Em tudo compartilho vossos sentimentos, felizem que prossigais assim em vossa resoluo de aspirar as douras da doce filosofia. Somente,meu bom senhor, enquanto admiramos esta virtude e esta disciplina moral, no nosconvertamos, por favor, em estoicos ou insensveis. No sejamos to devotos das restriesde Aristteles, que consideremos Ovdio como um proscrito digno de ser repudiado. Julgai algica com o conhecimento que tenhais dela e praticai a retrica em vossa conversaoordinria; cultivai a msica e a poesia para estimular-vos; s tomeis das matemticas e dametafsica o que possa digerir vosso estmago; no traz proveito aquilo que no agrada. Emuma palavra, senhor, estudai o que mais vos agradar.

    LUCNCIO Muito obrigado, Trnio, por teu excelente conselho. Biondello, se teencontrasses nestas paragens, poderamos tomar imediatamente nossas medidas e procurar umalbergue para receber dignamente os amigos que no tardaremos a encontrar. Mas paremos umpouco: quem so essas pessoas?

  • TRNIO Meu amo, sem dvida uma delegao para dar-nos as boas-vindas na cidade.(Entram Batista, Catarina, Bianca, Grmio e Hortnsio. Lucncio e Trnio permanecem parte, sem tomar parte na cena.)

    BATISTA Senhores, no me importuneis mais; conheceis minha firme resoluo de noconceder a mo de minha filha mais moa, sem antes haver encontrado marido para a maisvelha. Se um de vs ama Catarina, como vos conheo e quero bem, ter minha permisso paracortej-la vontade.

    GRMIO ( parte.) Seria prefervel lev-la em carreta12! muito rude para mim.Vamos ver, Hortnsio: servir para vossa esposa?

    CATARINA Por favor, senhor, quereis converter-me em alvo do ridculo destespretendentes?

    HORTNSIO Pretendentes, senhorita! Que pretendeis significar com isto? No haverpretendentes para vs, enquanto no fordes mais amvel e doce.

    CATARINA Na verdade, senhor, nada tendes a temer. No estais ainda no meio docaminho de meu corao. De outro modo, no duvideis de que meu nico cuidado seriapentear vossa cabea com urna tripea, borrar-vos a cara e tratar-vos como um idiota!

    HORTNSIO De demnios semelhantes, livrai-nos, , bom Deus!

    GRMIO E a mim tambm, bom Deus!

    TRNIO Silncio, patro! Estamos assistindo a um bom passatempo. Essa moa estcompletamente louca ou assombrosamente insolente.

    LUCNCIO Mas, estou vendo, no silncio da outra, a timidez e a reserva de uma docevirgem. Silncio, Trnio!

    TRNIO Muito bem dito, senhor! Fiquemos quietos e olhai vontade.

    BATISTA Senhores, que meus atos respondam em breve o que disse... Bianca, entra eno fiques desgostosa, boa Bianca, pois no te amarei menos por causa disso, minha filha.

    CATARINA Que menina mais mimada! ...Seria melhor meter um dedo no olho dela queela responderia.

    BIANCA Minha irm, ficai contente com meu descontentamento! Senhor, submeto-me,humildemente, vossa vontade. Meus livros e instrumentos me serviro de companhia;estudarei e praticarei sozinha com eles.

    LUCNCIO Escuta, Trnio! Minerva est falando!

  • HORTNSIO Signior Batista, sereis to original? Sinto que nossa boa vontade seja acausa do pesar de Bianca.

    GRMIO Quereis encarcer-la, Signior Batista, por causa deste demnio do inferno efaz-la responsvel pela lngua da irm?

    BATISTA Cavalheiros, conformai-vos. Minha resoluo inquebrantvel. Retira-te,Bianca. (Sai Bianca.) Como sei que ela faz da msica, dos instrumentos e da poesia sua maiordelicia, trarei para minha casa professores capazes de instruir-lhe a juventude. Se vs,Hortnsio, ou vs, Signior Grmio, conheceis alguns em condio, apresentai-os aqui, poisserei muito afvel e generoso com os homens instrudos, a fim de que minhas filhas recebamuma boa educao. E com isto, adeus. Catarina, podeis ficar, porque com Bianca com quemtenho mais que conversar. (Sai.)

    CATARINA Como! E eu creio que posso tambm ir embora. No posso? Ser que vocortar-me as horas? Como se, aparentemente, eu no soubera o que preciso agarrar e o que preciso deixar! Ora! (Sai.)

    GRMIO Podeis ir reunir-vos mulher do diabo! Vossas qualidades so to boas, queningum quer nada convosco. O amor dela no to grande, Hortnsio; mas ns podemossoprar nossos dedos, e deixa-lo perfeitamente jejuar. Nosso bolo est cru de ambos os lados13.Adeus! Entretanto, pelo amor que tenho por minha suave Bianca, se conseguir arranjar umhomem erudito, capaz de ensinar-lhe os conhecimentos que lhe causam prazer, eu o enviarei aopai dela.

    HORTNSIO Eu tambm, Signior Grmio; mas, permiti-me urna palavra, por favor.Embora a natureza de nossa querela no nos haja permitido ainda entabular conversa, sabeiagora, aps reflexo, que interessa a ns ambos, que (se quisermos ter acesso, entretanto, anossa bela amada e sermos afortunados rivais no amor de Bianca) h uma coisa na qualdevemos aplicar-nos especialmente.

    GRMIO Qual ela, por favor?

    HORTNSIO Ora, senhor, arranjar um marido para a irm dela.

    GRMIO Um marido! Ou um demnio!

    HORTNSIO Estou dizendo um marido.

    HORTNSIO Efetivamente, como dizeis, pouco h a escolher

    GRMIO E eu, um demnio. Acreditas, Hortnsio, que, apesar da fortuna do pai, haverhomem to louco para procurar casamento no inferno?

    HORTNSIO Grmio, embora seja acima de vossa pacincia e da minha suportar-lheos desaforos, acreditai, meu caro, que existem bons rapazes no mundo (a questo ach-los),

  • que a aceitariam com todos os defeitos e um bom dote.

    GRMIO No sei o que responder, mas, se tivera que apanhar o dote com essacondio, preferiria ser aoitado todas as manhs no pelourinho.

    HORTNCIO Efetivamente, como dizeis, ouo h a escolher entre mas podres. Mas,vinde; como este obstculo legal nos torna amigos, mantenhamos esta amizade at o dia emque, tendo encontrado um marido para a filha mais velha de Batista, tenhamos devolvido aliberdade mais moa, para escolher o seu, e fiquemos rivais novamente. Doce Bianca! Felizo homem a ela destinado! Ao corredor mais rpido, o anel14. Que achais, Signior Grmio?

    GRMIO Estou de acordo e entregarei o melhor cavalo de Pdua a quem lhe fizer acorte, a seduzir, casar com ela, dormir com ela e tornar a casa livre dela! Vamos. (SaemGrmio e Hortnsio.)

    TRNIO Por favor, senhor, dizei-me se possvel que o amor se apodere torepentinamente de um homem?

    LUCNCIO Trnio, antes que eu tivesse a experincia, nunca teria acreditado quefosse possvel, nem mesmo provvel! Mas, v: enquanto aqui estava olhandodespreocupadamente, senti o efeito do amor na despreocupao. E agora, confesso-te comtoda a franqueza, a ti, meu confidente, que me to caro quanto Ana15 rainha de Cartago,Trnio, ardo, desfaleo, sucumbo, Trnio, se no conseguir o amor dessa jovem e modestadonzela. Aconselha-me, Trnio, pois estou certo de que o fars. Ajuda-me, Trnio, porque seique o queres.

    TRNIO Senhor, agora no o momento para censurar-vos. No se bane uma afeiodo corao com reprimendas. Se o amor vos feriu, s vos resta fazer uma coisa: redime tecaptus quam queas minimo16.

    LUCNCIO Muito obrigado, rapaz, prossegue. O que tu dizes me satisfaz. Paraconsolar-me, basta ouvir teus conselhos.

    TRNIO Senhor, olhveis to ternamente para a jovem que talvez no reparastes noessencial.

    LUCNCIO Oh! sim. Notei-lhe nas feies a doce beleza, semelhante da filha deAgenor17, que obrigou o grande Jpiter a humilhar-se diante dela e a beijar com os joelhos asmargens de Creta.

    TRNIO No vistes mais nada? No notastes como a irm comeou a resmungar elevantou uma tal tormenta, que os ouvidos mortais dificilmente podiam suportar o barulho?

    LUCNCIO Trnio, vi que se moviam seus lbios de coral e que perfumava o ar com arespirao. Tudo que vi nela era celeste e doce!

  • TRNIO Vamos, j est na hora de faz-lo sair do xtase. Despertai, por obsquio,senhor. Se amais esta jovem, que vossos pensamentos e todo vosso engenho se encaminhempara conquist-la. A situao est neste p. A irm mais velha to maldita e m, que at queo pai se haja desembaraado dela, vosso amor viver castamente no lar. Por este motivo,prendeu a mais moa, a fim de que no seja importunada pelos pretendentes.

    LUCNCIO Ah, Trnio! Como ele um pai cruel! Mas no notaste que ele se preocupaem arranjar-lhe preceptores hbeis para instru-la?

    TRNIO Sem dvida que sim, senhor, e agora o plano j est elaborado.

    LUCNCIO J o possuo, Trnio.

    TRNIO Senhor, juraria que nossas ideias se combinam e se confundem numa s.

    LUCNCIO Conta-me, primeiro, a tua.

    TRNIO Vs sereis o professor e vos encarregareis de instruir a jovem. Eis o vossoprojeto.

    LUCNCIO Isto mesmo. Pode ser posto em execuo?

    TRNIO Impossvel. Quem iria representar vosso papel e seria aqui, em Pdua, filhode Vicncio? Quem manteria a casa, se ocuparia com os livros, receberia os amigos, visitariaos compatriotas e os convidaria aos jantares?

    LUCNCIO Basta18. Acalma-te. Meu plano est pronto. Embora no tenhamos sidovistos em casa alguma e ningum saiba distinguir pelos nossos rostos o criado do patro,mesmo assim, tu sers o patro, Trnio, e ficars no meu lugar; manters uma casa, lerstratamento e criados como se eu mesmo os tivesse. Eu serei outro homem, um florentino, umnapolitano, ou um pobre-diabo de Pisa. Est decidido; assim ser feito. Trnio, tira tua roupaimediatamente, toma meu chapu e minha capa de corl9. Quando Biondello chegar, ficar stuas ordens; mas quero recomendar-lhe antes de mais nada que tenha cuidado com a lngua.

    TRNIO necessrio. Numa palavra, senhor, j que assim vos agrada e mecomprometi a obedecer-vos pois quando partimos vosso pai me encarregou expressamente:Obedece a meu filho, disse-me ele, se bem que o entendesse, suponho, num sentido diferente, sinto prazer em ser Lucncio, porque tenho grande amizade por Lucncio.

    LUCNCIO S Lucncio, Trnio, pelo amor de Lucncio, e permite-me que me convertaem escravo para conquistar essa donzela, cuja repentina contemplao enfeitiou meus olhos.Aqui est chegando o tratante. (Entra Biondello.) Por onde andaste, rapaz?

    BIONDELLO Por onde andei? Ora, essa! Onde estais vs? Senhor, meu companheiro,Trnio, roubou vossas roupas? Ou ser que roubastes as dele? Ou vos roubastes mutuamente?Por favor, o que aconteceu?

  • LUCNCIO Aproximai-vos, rapaz! No hora de gracejar. Por conseguinte, mudai deatitude. Aqui vosso camarada Trnio, para salvar-me a vida, vestiu minhas roupas e tomoumeu lugar, e, eu, para minha salvaguarda, fiquei com as dele; pois, logo ao chegar, houve umacontenda, matei um homem e tenho receio de ser descoberto. Ordeno-vos que lhe obedeais,como for preciso, enquanto vou afastar-me daqui para salvar minha vida. Vs mecompreendeis?

    BIONDELLO Eu, senhor? Nem um pouco.

    LUCNCIO E nem a menor aluso a Trnio em vossa boca. Trnio se converteu emLucncio.

    BIONDELLO Melhor para ele! Quisera que houvesse acontecido comigo!

    TRNIO Eu tambm queria, rapaz, se por causa disso Lucncio se casasse com a filhamais moa de Batista! Mas, eu vos aconselho, por respeito no a mim, mas a meu patro, quevos conduzais com discrio em toda espcie de sociedade. Quando estiver sozinho, sereiento Trnio; mas, em qualquer outro lugar, sou vosso patro Lucncio!

    LUCNCIO Vamos embora, Trnio. S te falta fazer uma coisa. Vais colocar-te entre onmero dos pretendentes dela. Se me perguntas por qu, basta que saibais que minhas razesso boas e importantes. (Saem. Falam os personagens do Prlogo.)

    PRIMEIRO SERVIDOR Milorde, estais cochilando. No estais prestando ateno pea.

    SLY Estou sim, por Santa Ana! Uma boa pea, no h dvida. Ainda vai continuar?

    PAJEM Milorde, mal acaba de comear.

    SLY Uma excelente obra-prima, senhora dama. Quisera que j tivesse acabado.(Assentam-se e prestam ateno.)

    CENA II

    Diante da casa de Hortnsio, em Pdua.Entram Petruchio e seu criado Grmio

    PETRUCHIO Verona, despeo-me de ti por algum tempo para ver meus amigos emPdua, especialmente o preferido e mais fiel de todos, Hortnsio. Se no me engano, aqui esta casa dele. Vem aqui, Grmio! Vamos, bate!

  • GRMIO Bater, senhor! Em quem devo bater? Algum ofendeu Vossa Excelncia20?

    PETRUCHIO Vilo, estou te dizendo para bater aqui e pronto!

    GRMIO Bater-vos a, senhor? Por qu? Quem sou eu, senhor, para bater-vos a?

    PETRUCHIO Vilo, estou dizendo para bater-me nesta porta e bate bem, seno teabrirei a cabea de pancadas!

    GRMIO Meu amo se tornou brigo... Se vos batesse agora, bem sei que daqui a poucolevaria a pior.

    PETRUCHIO No queres bater? Palavra de honra, tratante, se no quiseres bater, voutorcer-te as orelhas! Quero ver se sabes solfejar o sol e o f! (Torce-lhe as orelhas.)

    GRMIO Socorro, senhores, socorro! Meu patro est doido!

    PETRUCHIO Agora, tocars quando eu te mandar, tratante! Vilo! (Entra Hortnsio.)

    HORTNCIO Que h? Que aconteceu? Meu velho amigo Grmio! E meu bom amigoPetruchio! Como estais passando em Verona?

    PETRUCHIO Signior Hortnsio, vindes para fazer a paz? Com tutto il core bentrovato, posso dizer-vos.

    HORTNSIO Alia nostra casa ben venuto, molto honorato signor mio Petruchio.Levanta-te, Grmio, levanta-te! Vamos resolver esta briga.

    GRMIO No. Pouco importa tudo que ele alegue em latim! Dizei-me se no paramim um motivo legal para deixar-lhe o servio. Escutai, senhor. Ele mandou que batesse nelee com pancadas bem fortes. Bem, seria conveniente que um criado procedesse assim com opatro, que, tanto quanto possa saber, tenha, talvez, mais ou menos trinta e dois anos? QuiseraDeus que eu lhe houvesse batido primeiro! S assim Grmio no teria levado a pior!

    PETRUCHIO Vilo estpido! Bom Hortnsio, ordenei a este ordinrio que batesse navossa porta e no pude conseguir que ele fizesse nada.

    GRMIO Bater na portal... cus! No haveis ordenado claramente: Rapaz, bate-meaqui, bate-me bem forte aqui, bate-me bem e bate-me com toda a fora? E agora pretendeisque se tratava de bater na porta21?

    PETRUCHIO Vai embora ou no fales nada, estou te avisando.

    HORTNSIO Pacincia, Petruchio. Sou o fiador de Grmio. Sem dvida, umadiscusso lamentvel entre ele e vs, vosso antigo, fiel e divertido servidor Grmio. E agora,dizei-me, querido amigo, que vento feliz vos trouxe da velha Verona aqui a Pdua?

  • PETRUCHIO O vento que dispersa os jovens atravs do mundo para buscar novidadeslonge do lar, onde se adquire pouca experincia. Em poucas palavras, Signior Hortnsio, eis aminha situao: Antnio, meu pai, acaba de morrer e eu me lancei nesse labirinto para casar-me bem e prosperar o melhor que puder. Possuo coroas na minha bolsa, bens em casa e assimparti para o estrangeiro, desejando ver o mundo.

    HORTNSIO Petruchio, queres que te fale sem rodeios? Queres que te apresente a umaesposa irritadia e desagradvel? Apenas ters que agradecer-me o oferecimento: e,entretanto, eu te prometerei que ser rica, e muito rica. Mas, tu s to meu amigo que nopoderia desejar-te ver casado com ela.

    PETRUCHIO Signior Hortnsio, entre amigos como ns, poucas palavras bastam. Eassim, se conheces uma mulher bastante rica para converter-se em esposa de Petruchio, comoa riqueza o estribilho de minha cano matrimonial, seja ela to feia quanto a amante deFlornci22, to velha quanto a Sibila23 e to abominvel e bravia quanto Xantipa de Scrates,ou, pior ainda, no me espantar, ou, ao menos, no embotar o fio da paixo, mesmo que sejato furiosa como o mar Adritico. Venho para casar-me ricamente em Pdua; e se casar-mericamente em Pdua, casar-me-ei com toda a felicidade.

    GRMIO Notai, senhor, que vos disse francamente o que pensa. Sendo assim, dai-lheouro em abundncia, casai-o com uma boneca, com uma figurinha, de joia, ou uma velhotadesdentada, embora tenha tantas doenas quanto cinquenta e dois cavalos. Ora, ningumachar mal, desde que encontre dinheiro.

    HORTNSIO Petruchio, j que levamos as coisas to longe, continuarei o que porbrincadeira havia comeado. Posso arranjar-te, Petruchio, uma esposa bastante rica, jovem,formosa e educada, como convm a uma dama de qualidade. Seu nico defeito (e bastantegrave) consiste em ser intoleravelmente brusca, irritada e voluntariosa, a um ponto tal que,mesmo que minha situao fosse pior do que , nem por uma mina de ouro eu me casaria comela.

    PETRUCHIO Basta, Hortnsio! No conheces a virtude do ouro. Dize-me o nome dopai dela, e quanto basta. Porque pretendo abord-la, embora grite to alto quanto um trovoquando rasga as nuvens do outono.

    HORTNSIO O pai dela Batista Minola, gentil-homem afvel e corts. Ela se chamaCatarina Minola, famosa em Pdua pela lngua terrvel.

    PETRUCHIO Conheo o pai dela, bem que no a conhea, e ele conhecia muito meufalecido pai. No dormirei, Hortnsio, enquanto no a vir. Desculpai, pois, a liberdade quetomo de deixar-vos to depressa logo neste primeiro encontro, a no ser que queiraisacompanhar-me at l.

    GRMIO Por favor, senhor, deixai-o partir enquanto durar este capricho. Por minhapalavra, se ela o conhecesse to bem quanto o conheo, julgaria perfeitamente intil fazer-lhe

  • reprimendas. Pode cham-lo quantas vezes quiser de tratante ou coisa semelhante, porquenada lhe adiantar; mas, assim que ele comear, no recuar diante da maior insolncia.Garanto-vos, senhor, que se ela resistir um momento que seja, ele lhe deixar a marca no rostoe a desfigurar de modo que no mais ter olhos para ver do que os de um gato. No oconheceis, senhor.

    HORTNSIO Espera Petruchio, devo ir contigo, porque meu tesouro est debaixo daguarda de Batista. Mantm sob custdia a joia de minha vida, a filha mais moa, a belaBianca, ele a oculta de mim, bem como de outros mais que a cortejam e que so meus rivaisem amor. Supondo, coisa impossvel por causa dos defeitos dos quais j te falei, que Catarinapudesse ser pedida em casamento, Batista tomou essa resoluo: ningum ter acesso atBianca, enquanto a maldita Catarina no encontrar um marido.

    GRMIO Catarina, a amaldioada! Lindo ttulo para uma donzela e de todos o pior!

    HORTNSIO Agora, meu amigo Petruchio vai prestar-me um favor; consistir emapresentar-me disfarado com um traje grave, ao velho Batista, como hbil professor demsica que se oferece para instruir Bianca. Ao menos, com este estratagema, terei a liberdadee o prazer de namor-la e falar-lhe, sem que ningum desconfie.

    GRMIO No h a menor patifaria! Vede como combinam os jovens para enganar osvelhos! (Entram Grmio e Lucncio disfarados.) Olhai, senhor! Olhai ao vosso lado! Quemvem a? Hein?

    HORTNSIO Silncio, Grmio, meu rival. Petruchio, fiquemos de longe um momento.

    GRMIO Um belo mancebo e um belo amoroso!

    GRMIO Oh! muito bem! Examinei a nota24. Ouvi bem, senhor, eu os quero ricamenteencadernados, e todos livros de amor! Tende cuidado para que no lhe faam outra leitura, vsme compreendeis. Alm disto e fora das liberalidades do Signior Batista, eu acrescentareialgumas larguezas. Tomai tambm vossos papis, e que eles sejam muito bem perfumados,pois aquela a quem se destinam mais perfumada do que o prprio perfume. Qual ser oassunto de vossa lio?

    LUCNCIO Tudo quanto ler para ela redundar em vosso favor, em favor de meuprotetor, podeis ficar certo; e isto to certamente quanto estivsseis em meu lugar; sim e talvezempregue termos mais persuasivos do que vs, senhor, a no ser que sejais um sbio.

    GRMIO Oh! a cincia! Que coisa isto?

    GRMIO Que asno este galo selvagem!

    PETRUCHIO Silncio, tolo!

    HORTNSIO Psiu, Grmio! Deus vos guarde, Signior Grmio!

  • GRMIO Tenho grande prazer de encontrar-vos, Signior Hortnsio. Sabeis para ondeestou me dirigindo?... Para a casa de Batista Minola. Prometi-lhe procurar cuidadosamente umprofessor para a bela Bianca, e tive a boa sorte de cair sobre este jovem que, pelosconhecimentos e maneiras, um mestre como ele precisa, muito lido em poesia e em outroslivros, nos bons livros, posso garantir-vos.

    HORTNSIO Est bem. E eu encontrei, tambm, um gentil-homem que me prometeuencontrar um excelente msico para instruir nossa amada. Assim, no ficarei atrs em meudever para com a bela Bianca, a quem tanto amo.

    GRMIO E por mim tambm, como meus atos provaro.

    GRMIO E como seus sacos o provaro.

    HORTNSIO Grmio, o momento no para jogarmos nosso amor ao vento. Escutai-me, e, se fordes razovel, tenho uma notcia muito boa para ns ambos. Aqui est umcavalheiro que encontrei por acaso, e que, de acordo comigo, segundo sua convenincia, vaiprocurar fazer a corte maldita Catarina; sim e casar-se com ela, se lhe convier o dote.

    GRMIO Assim dito, assim feito, est muito bem. Ele j est ciente de todos os defeitosdela, Hortnsio?

    PETRUCHIO Sei que ela uma insuportvel faladeira. Se for s isso, senhores, novejo perigo algum.

    GRMIO No? E dizeis assim, amigo? De que pas sois vs?

    PETRUCHIO Nasci em Verona, filho do velho Antnio. Falecido meu pai, minha fortuna suficiente para mim, e espero ver bons e longos dias.

    GRMIO senhor! Tal vida com uma tal mulher, seria terrvel! Mas, se tendes valor,em nome de Deus, avante! Aqui estou para ajudar-vos em tudo o que puder. Mas, ides fazer acorte a essa gata selvagem?

    PETRUCHIO Quero eu viver!

    GRMIO Far-lhe- a corte? Certamente! Ou eu a enforcarei!

    PETRUCHIO Para que vim aqui, seno com essa inteno? Pensais que com um poucode barulho vo aturdir minhas orelhas? J no ouvi em meu tempo rugir os lees? J no sentio mar, agitado pela ao dos ventos, raivar como um javali furioso, todo suado de espuma? Jno ouvi o canho troar nos campos de batalha e a artilharia do cu no firmamento? J noescutei no meio de um combate travado os ressonantes gritos de alarma, o relinchar doscorcis e o clangor das trombetas? E me falas da lngua de uma mulher, que no faz no ouvidoa metade do barulho de uma castanha ao estalar no fogo de um lavrador? Ora, ora, guardaivossos espantalhos para fazerem medo s crianas.

  • GRMIO Porque no tem medo de nada.

    GRMIO Escutai, Hortnsio: este cavalheiro chega felizmente, segundo minha almapressente, tanto para seu prprio bem, quanto para o nosso.

    HORTNSIO Prometi-lhe que contribuiramos para os gastos que lhe causem aconquista, sejam quais forem eles.

    GRMIO Concordo, desde que ele consiga conquist-la.

    GRMIO Queria estar tambm seguro de um bom jantar. (Entra Trnio, ricamentetrajado, em companhia de Biondello.)

    TRNIO Cavalheiros, Deus esteja convosco! Se no for indiscrio, quereis dizer-me,por favor, qual o caminho mais curto para ir casa do Signior Batista Minola?

    BIONDELLO Aquele que tem duas belas filhas? esse por quem perguntais?

    TRNIO Ele mesmo, Biondello.

    GRMIO Escutai, senhor. No quereis falar a...

    TRNIO Talvez, a um e a outra, senhor. Que tendes com isso?

    PETRUCHIO No ser que est sempre zangada, por favor?

    TRNIO No gosto das zangadas, senhor. Biondello, vamos embora.

    LUCNCIO Bom comeo, Trnio.

    HORTNSIO Senhor, uma palavra antes de partirdes. Sois pretendente mo da jovemde quem falais, sim ou no?

    TRNIO E se assim for, haveria alguma ofensa?

    GRMIO No, desde que sem mais uma palavra vos retireis daqui.

    TRNIO Por que, senhor? No so as ruas to livres para vs quanto para mim?

    GRMIO Mas assim no a jovem.

    TRNIO Por que razo, por obsquio?

    GRMIO Pela razo, se desejais sab-la, de que a eleita do corao do SigniorGrmio.

    HORTNSIO tambm a do Signior Hortnsio.

  • TRNIO Calma, meus senhores. Se fordes gentis-homens, tende a bondade de escutar-me com pacincia. Batista um nobre gentil-homem, a quem meu pai no era totalmentedesconhecido; e mesmo que a filha dele fosse menos bela do que , poderia ainda ter novospretendentes, estando eu entre eles. A filha da bela Leda25 teve milhares de adoradores; logo,bem pode ter um a mais a encantadora Bianca. Ela o ter. Lucncio quer entrar na fila, mesmoque o prprio Paris se apresentasse como rival.

    GRMIO Como! Este fidalgo far com que todos ns calemos?

    LUCNCIO Senhor, deixai-o que se v; sei que vai ficar logo cansado.

    PETRUCHIO Hortnsio, para que servem todas essas palavras?

    HORTNSIO Senhor, desculpai a liberdade de minha pergunta: vistes algum dia a filhade Batista?

    TRNIO No, senhor; mas sei que tem duas filhas, uma famosa pela m lngua e a outrapela encantadora modstia.

    PETRUCHIO Senhor, senhor, a primeira para mim, no vos ocupeis com ela.

    GRMIO Sim, deixemos este trabalho para o grande Hrcules e ela sobrepujar os dozetrabalhos de Alcides.

    PETRUCHIO Senhor, compreendei o que h sobre o caso. A mais moa das filhas, aquem fazeis aluso, se encontra vigiada por um pai que probe todo acesso aos pretendentes eno quer promet-la a nenhum homem enquanto a irm mais velha no estiver casada. Logo, amais moa s ento ficar livre e no antes.

    TRNIO Se for assim, senhor, se sois o homem que vir em auxilio de todos, no s demim como dos outros, e se romperdes o gelo e realizardes a proeza de triunfar da mais velha elibertar a mais moa, permitindo nosso acesso at ela, ficai seguro de que o homem que apossuir no ser to malnascido a ponto de mostrar-se ingrato convosco.

    HORTSSIO Senhor, falais bem, e bem raciocinais; como vossa inteno serpretendente, deveis, como ns, manifestar-vos agradecido a este cavalheiro, a quem todosestamos altamente penhorados.

    TRNIO Senhor, no serei fraco. Para comear, eu vos proponho passarmos juntos estatarde e esvaziarmos garrafas sade de nossa amada. Faamos como os advogados que,adversrios encarniados diante do juiz, comem e bebem como amigos.

    GRMIO e BIONDELLO Oh! excelente proposta! Camaradas, partamos!

    HORTNSIO A proposta , sem dvida, boa e que assim seja. Petruchio, serei vossoben venuto. (Saem.)

  • ATO II

    CENA I

    Sala da casa de Batista, em Pdua.Entram Catarina e Bianca.

    BIANCA Bondosa irm, nem a mim nem a vs mesma, faais a injria de tratar-mecomo urna criada e como escrava. Acho que uma coisa indigna. Quanto a estes outrosadornos, soltai-me as mos, porque eu mesma os desprenderei. Sim, todos os meus vestidos,at minha angua. Farei tudo o que me mandares, pois conheo meus deveres para com minhairm mais velha.

    CATARINA Entre todos os teus pretendentes, eu te ordeno que me digas quem maisamas; procura no dissimular.

    BIANCA Acreditai-me, minha irm, entre todos os homens vivos, ainda no encontreium rosto especial ao qual possa preferir a um outro.

    CATARINA Mentes, pequena. No Hortnsio?

    BIANCA Se vs o amais, minha irm, juro aqui interceder em vosso favor para que oconsigais.

    CATARINA Oh! Ento, creio que preferis um mais rico. Grmio vos agradaria para quevos fizesse bela.

    BIANCA Por causa dele tendes inveja de mim? Vamos, estais brincando e agora bempercebo que nada mais fizestes do que brincar. Peo-vos, Catarina26, soltai-me as mos.

    CATARINA Se isto uma brincadeira, o resto tambm era. (Bate em Bianca. EntraBatista.)

    BATISTA Ento? Que isto? De onde vem esta insolncia?... Bianca, retira-te. Pobrepequena! Est chorando. Vai retomar tua agulha. No te metas mais com ela. No tensvergonha, mesquinha de esprito endemoninhado? Por que a maltratas, se nunca te fez mal

  • algum? Quando trocou contigo uma palavra descorts?

    CATARINA O silncio dela me insulta e quero vingar-me. (Corre atrs de Bianca.)

    BATISTA Como! Em minha presena? Vai para dentro, Bianca. (Sai Bianca.)

    CATARINA Como! No podeis suportar-me! Agora estou vendo. Ela vosso tesouro.Deve arranjar um marido. Danarei descala no dia do casamento dela; e, pelo amor que lhetendes, levarei macacos para o inferno27. No me faleis! Vou trancar-me at que encontre umaocasio para vingar-me! (Sai.)

    BATISTA Existiu algum dia um homem to desditoso quanto eu? Mas, quem estchegando a? (Entram Grmio, Lucncio, vestido como homem de condio modesta;Petruchio, em companhia de Hortnsio, em traje de msico; e Trnio com Biondello,trazendo um alade e livros.)

    GRMIO Bom dia, vizinho Batista.

    BATISTA Bom dia, vizinho Grmio. Deus vos guarde, senhores!

    PETRUCHIO E vs tambm, prezado senhor. Por favor, no tendes uma filha cujo nome Catarina, bela e virtuosa?

    BATISTA Tenho uma filha, senhor, chamada Catarina.

    GRMIO Comeais muito bruscamente; procedei com mais mtodo.

    PETRUCHIO Estais sendo injusto comigo, Signior Grmio! Deixai-me agir. Senhor, souum cavalheiro de Verona, que, tendo ouvido falar da beleza de vossa filha, de seu esprito, desua afabilidade, de sua pudica modstia, de suas raras qualidades e da doura de seus modos,tem a ousadia de mostrar-se em vossa casa, hspede atrevido, para que seus olhos sejamtestemunhas do que lhe foi repetido to frequentemente. E, como introduo a meuacolhimento, apresento-me a vs com um de meus servidores (apresentando-lhe Hortncio),versado em msica e matemtica, que instruir vossa filha nestas cincias, que j sei no lheso desconhecidas. Aceitai-o, para que no me sinta ofendido. Ele se chama Lcio e nasceu emMntua.

    BATISTA Sede bem-vindo, senhor, e ele tambm, em considerao a vs. Mas, quanto aminha filha Catarina, estou certo de que ela no poder convir-vos, o que me faz ficardesolado.

    PETRUCHIO Vejo que vossa inteno de no vos separardes dela, ou ento que minhacompanhia vos desagrada.

    BATISTA No leveis a mal minhas palavras. Falo o que sinto. De onde sois, senhor?Que nome devo dar-vos?

  • PETRUCHIO Petruchio meu nome, filho de Antnio, homem bem conhecido em toda aItlia.

    BATISTA Conheo-o muito bem. Sede bem-vindo em considerao a ele.

    GRMIO Petruchio, agora que l falastes, permiti, por favor, que ns, pobrespeticionrios, tambm falemos. Um momento! Estais maravilhosamente apressado!

    PETRUCHIO Oh!... Perdoai-me, Signior Grmio; estou disposto a acabar.

    GRMIO No duvido, senhor; mas, arriscais o xito de vossa causa. Vizinho, eis aquium presente que vos ser muito agradvel, estou certo disto. Para recompensar-vos de umasimpatia de que me haveis dado tantas provas, apresso-me a apresentar-vos este jovem sbio(apresentando-lhe Lucncio), que durante longo tempo estudou em Reims, to versado emgrego, latim e outras lnguas, como seu colega, em msica e matemtica. Chama-se Cmbio.Por favor, aceitai os servios dele.

    BATISTA Mil agradecimentos, Signior Grmio. Bem-vindo, bondoso Cmbio. Mas,amvel senhor (dirigindo-se a Trnio), tendes o aspecto de estrangeiro. Poderia tomar aliberdade de perguntar-vos a causa de vossa vinda?

    TRNIO Perdoai-me, senhor; sou eu quem deve pedir-vos desculpa por minhaliberdade. Estrangeiro nesta cidade, tenho a ousadia de pretender a mo de vossa filha, a belae virtuosa Bianca. Conheo vossa firme resoluo de garantir primeiro a irm mais velha. Speo um favor: quando conhecerdes minha famlia, dar-me-eis o mesmo acolhimento igual aosoutros pretendentes e me concedais livre acesso e favor como ao resto. Quanto educao devossas filhas, aqui vos ofereo este simples instrumento e esta pequena coleo de livrosgregos e latinos. Se quiserdes aceit-los, tero grande valor.

    BATISTA Lucncio vosso nome? De onde sois, por favor?

    TRNIO De Pisa, senhor; filho de Vicncio.

    BATISTA Poderoso homem de Pisa. Conheo-lhe bem a reputao. Sois muito bem-vindo, senhor. Pegai no alade. E vs, na coleo de livros. Ides imediatamente ver vossasalunas. Ol! H algum a dentro? (Entra um Criado.) Rapaz, leva estes senhores at ondeesto minhas filhas; e comunica a ambas que so os professores delas; quero que sejam bemtratados. (Sai o Criado com Lucncio e Hortnsio, seguidos por Biondello.) Vamos passearum pouco pelo pomar e depois jantaremos. Sois todos bem-vindos e vos peo que vosconsidereis todos como tais.

    PETRUCHIO Signior Batista, meus assuntos no admitem dilao, e eu no posso virtodos os dias fazer minha corte. Conhecestes meu pai muito bem; sou o nico herdeiro de suasterras e de seus bens, que entre minhas mos antes prosperaram que diminuram. Nestascondies, se conseguir fazer-me amar por vossa filha, dizei-me: que dote receberei ao torn-

  • la como esposa?

    BATISTA Metade de minhas terras quando falecer e desde j vinte mil coroas.

    PETRUCHIO Em troca desse dote, eu lhe garantirei, se ficar viva, todas as minhasterras e todos os meus rendimentos, sejam quais forem. Redigiremos, pois, as clusulas docontrato, a fim de que nossas estipulaes sejam observadas por uma e outra parte.

    BATISTA Sim, quando for conseguido o principal, ou seja, o amor de minha filha, poistudo est dependendo disso.

    PETRUCHIO Ora, isso no nada. Porque eu vos garanto, meu pai, que sou to teimosoquanto ela orgulhosa; e quando dois fogos violentos se encontram, consomem logo o objetoque lhes alimenta a fria. Embora um fogo brando se torne forte com um vento fraco, umfuraco, entretanto, o apaga rapidamente. Assim agirei eu com ela, e assim ela ceder comigo;porque sou enrgico e no fao a corte como criana.

    BATISTA Que tu possas fazer-lhe a corte e possas ser feliz! Mas prepara-te parareceber palavras inconvenientes!

    PETRUCHIO J estou acostumado, como as montanhas que os ventos no conseguemabalar, mesmo que soprem perpetuamente. (Volta Hortnsio com a cabea quebrada.)

    BATISTA Que aconteceu, meu amigo? Por que ests to plido?

    HORTNSIO Garanto-os que, se estou plido, de medo.

    BATISTA Como! Ser que minha filha nunca ser uma boa musicista?

    HORTNSIO Acho que ela se mostrar melhor como soldado. O ferro pode resistirmelhor com ela, mas no os alades.

    BATISTA Como! Ento fizeste com que ela quebrasse o alade ao toc-lo?

    HORTNSIO Certamente que no; foi ela quem quebrou o alade sobre mim. Eu lhedizia simplesmente que estava enganada nas notas, e segurei-lhe a mo para retificar-lhe odedilhado, quando, com um movimento de impacincia diablica, me disse: Chamais isto denotas? Pois, tocai-as ento. E, com essas palavras, bateu-me com tanta fora que oinstrumento me atravessou a cabea. E, assim, fiquei petrificado durante uns momentos, comoum homem no pelourinho, olhando atravs do alade, enquanto ela me chamava de velhacoarranhador, msico fracassado e de vinte outros nomes injuriosos, como se tivesse estudadouma lio para melhor insultai-me.

    PETRUCHIO Ah! Pelo Universo, uma donzela robusta! Amo-a agora dez vezes maisdo que antes! Oh! Como estou ansioso para ter uma conversinha com ela!

  • BATISTA Bem, vinde comigo e no fiqueis assim to desanimado. Exercereis vossaprofisso com minha filha mais moa. Ela tem tendncia para estudar e fica agradecida comtodos os favores que lhe sejam feitos. Signior Petruchio, quereis vir conosco ou preferis quemande chamar minha filha Catarina?

    PETRUCHIO Mandai cham-la, por favor; eu a esperarei aqui. (Saem Batista, Grmio,Trnio e Hortnsio.) E quando chegar, eu lhe farei a corte com toda deciso. Digamos que meinjurie; eu lhe direi ento que canta to suavemente quanto o rouxinol. E que franza a fronte; eulhe direi que tem o olhar to lmpido quanto a rosa matutina, ainda mida pelo orvalho.Digamos que se mostre muda e no queira falar s palavra; lisonjearei ento sua volubilidadee dir-lhe-ei que tem uma eloquncia persuasiva. Se disser que me retire, eu lhe agradecerei;como se tivesse mandado que permanecesse ao lado dela durante uma semana. Se negar-se acasar, pedir-lhe-ei para dizer-me quando deverei mandar publicar os banhos e quandodeveremos casar-nos. Mas, ei-la que est chegando. E, agora, fala Petruchio. (EntraCatarina.) Bom dia, Catita, pois soube que este era o vosso nome.

    CATARINA Ouvistes bem, mas tendes os ouvidos um pouco duros. Os que falam demim chamam-me de Catarina.

    PETRUCHIO Palavra de honra que estais mentindo. Vosso nome simplesmente Catita,a boa Catita e, s vezes, Catita, a m; mas, Catita, a mais bela Catita da cristandade; minhamelflua Catita, minha doce Catita... Por conseguinte, Catita, meu consolo, Catita, escuta-me!Tendo ouvido em todas as cidades elogiar tua doura, tuas virtudes, tua beleza elogiada (notanto, contudo, quanto merecem), senti-me movido a cortejar-te como minha futura esposa.

    CATARINA Movido! No sem tempo. Deixai-vos mover e como viestes, ide embora.Sa daqui. Vi imediatamente que tnheis o ar de mvel.

    PETRUCHIO Como! Que mvel? CATARINA Um tamborete'.

    PETRUCHIO Disseste bem! Vem e assenta-te em cima de mim.

    CATARINA Os burros foram feitos para carregar e vs tambm.

    PETRUCHIO As mulheres foram feitas para carregar e vs tambm.

    CATARINA No serei o rocim que vos carregar, se a mim que vos referis.

    PETRUCHIO Ai de mim, bondosa Catita. No te serei pesado, porque, vendo-te joveme leve...

    CATARINA Muito leve para deixar-me apanhar por um casca-grossa como vs.Entretanto, peso o que deveria pesar.

    PETRUCHIO Dever convir-me! Sem dvida alguma.

  • CATARINA Falastes bem, mas como um falco.

    PETRUCHIO rolinha de lento voo! Que falco ir apanhar-te?

    CATARINA Oh! para uma rolinha, vai ele buscar um falco!

    PETRUCHIO Vamos, vamos, minha vespa; na verdade, ficais irritada demais.

    CATARINA Se sou vespa, cuidado com meu ferro.

    PETRUCHIO S terei, ento, um remdio: arranc-lo.

    CATARINA Sim, se o imbecil for capaz de saber onde est.

    PETRUCHIO Quem no sabe onde a vespa tem o ferro? Na cauda29.

    CATARINA Na sua lngua.

    PETRUCHIO Na lngua de quem?

    CATARINA Na vossa, se falais de caudas. E sabe o que mais? Adeus.

    PETRUCHIO Como! Com minha lngua na vossa cauda? Ora, vinde aqui. Sou umcavalheiro, bondosa Catita.

    CATARINA Vou ento experimentar. (D-lhe um tapa.)

    PETRUCHIO Juro que vos esmurrarei, se baterdes de novo.

    CATARINA E perdereis as armas de cavalheiro. Se me baterdes, no sois cavalheiro, ese no sois cavalheiro, no precisais de armas30.

    PETRUCHIO Sereis um arauto, Catita? Oh! coloca-me ento em teu armorial!

    CATARINA Qual vosso timbre? Uma crista de galo31?

    PETRUCHIO Um galo sem crista, contanto que Catita seja minha galinha.

    CATARINA Jamais sereis meu galo. Cantais como um capo.

    PETRUCHIO Vamos, Catita, vamos. No vos mostreis to azeda.

    CATARINA meu modo, quando vejo uma ma silvestre32.

    PETRUCHIO Ora, aqui no h nenhuma ma, e, portanto, no precisais ficar toirritada.

  • CATARINA H sim, h.

    PETRUCHIO Ento, deixai que eu a veja.

    CATARINA Se tivesse um espelho, eu a mostraria.

    PETRUCHIO Como! Estais querendo dizer que mostrareis meu rosto?

    CATARINA Muito esperto apesar de to moo.

    PETRUCHIO Por So Jorge! Sou muito mais moo do que vs.

    CATARINA Estais, entretanto, muito acabado.

    PETRUCHIO por causa das preocupaes. CATARINA No tenho preocupaes.

    PETRUCHIO Ouvi-me, Catita. Garanto-vos que no escapareis assim.

    CATARINA Se ficar, vou irritar-vos. Preciso ir embora.

    PETRUCHIO No, de modo algum. Eu acho que sois extremamente gentil. Disseram-meque reis brusca, indmita, desagradvel. E, agora, vejo que eram grandes mentiras. Acho-tedeliciosa, jovial, extremamente corts. S que tens a palavra lenta, mas doce como as floresna primavera. No sabes franzir o cenho, nem sabes olhar de soslaio, nem morder os lbios,como as moas geniosas. Enfim, ao invs de sentires prazer em pronunciar palavrasinjuriosas, recebes teus adoradores com benevolncia e afabilidade. Por que o mundo fala queCatita coxa? O mundo caluniador! Catita ereta e esbelta como o talo da aveleira, morenacomo a noz e mais doce que a amndoa. Oh! Deixa-me ver-te andando! Tu no s coxa!

    CATARINA Idiota, vai dar ordens a teus criados.

    PETRUCHIO Alguma vez, adornou Diana um bosque, como Catita enfeita esta sala comseu ar de princesa? Oh! S Diana e que Diana se transforme em Catarina e, ento, que Catarinase torne casta e Diana, terna.

    CATARINA Onde estudastes todo este belo discurso?

    PETRUCHIO um improviso nascido de meu esprito materno.

    CATARINA Me espirituosa com um filho estpido.

    PETRUCHIO No sou inteligente?

    CATARINA Sim, conservai-vos quente33.

    PETRUCHIO Tal minha inteno, doce Catarina, mas em tua cama. Portanto, deixandode lado toda esta conversa, expressar-me-ei em termos claros: vosso pai consente que sejais

  • minha esposa. Vosso dote j est estipulado e, queirais ou no, casar-me-ei convosco. Agora,Catarina, sou o marido que vos convm. Logo, por esta luz que me faz ver tua beleza (belezapela qual te adoro), tu s deves casar-te comigo, j que nasci para dominar-te e transformaruma Catarina selvagem em uma Catarina submissa como as outras gatinhas34 caseiras. Estchegando vosso pai. Nada de negativas! Devo e quero casar-me com Catarina. (VoltamBatista, Grmio e Trnio.)

    BATISTA Ento, Signior Petruchio, como vai indo com minha filha?

    PETRUCHIO Perfeitamente, perfeitamente, senhor! De outra maneira, no poderiaacontecer.

    BATISTA Ento, minha filha Catarina? Sempre de mau humor?

    CATARINA Estais me chamando de filha? Sem dvida, estais me dando uma boa provade ternura paternal querendo casar-me com um semilouco, um rufio furioso, um Jackblasfemador, que acredita poder impor-se com juramentos.

    PETRUCHIO Meu sogro, tanto vs quanto todos aqueles que me falaram dela fostesinjustos. Se ela maldizente, por poltica, pois que no insolente, mas modesta como umapomba. No violenta, mas pacfica como a manh. Quanto pacincia, uma segundaGriselda35 e uma Lucrcia romana pela castidade. E para concluir, chegamos a to bom acordoque marcamos o domingo prximo para dia de nosso casamento.

    CATARINA Antes te verei enforcado no domingo!

    GRMIO Ests ouvindo, Petruchio? Diz que antes te ver enforcado.

    TRNIO assim que tudo est perfeito? Pois ento, boa noite para nossa combinao!

    PETRUCHIO Tende pacincia, senhores! Eu a escolhi para mim. Se ela e eu estamoscontentes, que importa a todos vs? Quando estvamos ss, combinamos que ela continuasse amostrar-se spera no meio dos outros. Posso garantir-vos que incrvel como ela me ama. ,adorada Catarina! Ela se pendurava em meu pescoo e, de beijo em beijo, dados to depressa,fazendo juramentos sobre juramentos, que, num abrir e fechar de olhos, ela me conquistara.Oh! Sois ainda novios! um mundo a contemplar, quando homens e mulheres esto ss, comoum pobre diabo consegue dominar a mais bravia megera. D-me tua mo, Catarina! Vou aVeneza comprar o enxoval necessrio para o casamento. Preparai a festa, meu sogro, e fazei osconvites. Estou certo de que minha Catarina ficar encantadora.

    BATISTA No sei o que dizer, mas dai-me vossas mos. Que Deus vos envie alegria,Petruchio! Estamos combinados.

    GRMIO e TRNIO Amm, dizemos ns. Serviremos de testemunhas.

    PETRUCHIO Adeus, meu sogro, minha esposa e meus senhores. Parto para Veneza. O

  • domingo est prximo. Teremos anis, todas as espcies de coisas, um brilhante cortejo. E,beija-me, Catita. Domingo, estaremos casados. (Saem Petruchio e Catarina para ladosdiferentes.)

    GRMIO Ser que j houve um casamento arranjado to depressa?

    BATISTA Por minha f, cavalheiros, estou fazendo agora o papel de um comediante quese arrisca loucamente num negcio desesperado.

    TRNIO Era uma mercadoria abandonada que se deteriorava a vosso lado. Ou ela vostrar, agora, lucro ou perecer no mar.

    BATISTA O lucro que procuro a tranquilidade no casamento.

    GRMIO No tenhais dvida de que ela fez uma boa aquisio. E agora, Batista,falemos de vossa filha mais moa. Chegou o dia pelo qual ansivamos h tanto tempo. Souvosso vizinho e o primeiro dos candidatos.

    TRNIO E eu, algum que ama Bianca muito mais do que possam expressar as palavrasou adivinhar vossos pensamentos.

    GRMIO Rapazelho, no podes amar tanto quanto eu.

    TRNIO Barba grisalha, teu amor gelado!

    GRMIO Mas, o teu se derrete. Fora, tonto. Esta a idade que fecunda.

    TRNIO Mas a juventude, nos olhos das mulheres, que floresce.

    BATISTA Acalmai-vos, cavalheiros. Vou arranjar esta questo. Com atos como sedeve ganhar o prmio. Aquele que puder assegurar minha filha o melhor dote, esse ter oamor de Bianca. Dizei, Signior Grmio, que podeis assegurar-lhe?

    GRMIO Em primeiro lugar, como sabeis, minha casa da cidade se encontra ricamenteservida por baixelas de ouro e de prata, bacias e jarros para lavar-lhe as delicadas mos.Minhas cortinas so todas de tapearia de Tiro36. Enchi cofres de marfim com minhas coroas;em arcas de cipreste, colchas de tapearia, custosos trajes, cortinas e dossis, fino linho,almofadas turcas enfeitadas de prolas, estofos de ouro de Veneza bordados a agulha, vasilhasde estanho e cobre, e todas aquelas coisas necessrias para uma casa ou uso domstico. Almdisto, em minha fazenda, tenho cem vacas leiteiras, cento e vinte bois cevados no estbulo, etodo o resto na mesma proporo. J estou entrado em anos, devo confessar; mas, se amanhmorrer, tudo isso ser dela, se consentir em ser somente minha enquanto eu viver.

    TRNIO Este somente a melhor perspectiva. Prestai-me ateno, senhor. Sou oherdeiro de meu pai e filho nico. Se puder conseguir vossa filha como esposa, deixar-lhe-eitrs ou quatro casas dentro da opulenta Pisa, to boas quanto as que possui em Pdua o velho

  • Signior Grmio. Alm disto, dois mil ducados por ano provenientes de terras frteis, queconstituiro sua penso quando eu tiver falecido. Ento, Signior Grmio, no estais emapuros?

    GRMIO Dois mil ducados por ano em terras! Todas as minhas terras reunidas nochegam a essa soma. Mas, no importa. Ela ter, alm do mais, um galeo que est agora acaminho de Marselha. Ento, no ficastes sem ar com o galeo?

    TRNIO Grmio, sabido que meu pai no possui menos que trs galees, alm deduas galeaas e doze slidas galeras. Eu lhe asseguro tudo isto e duas vezes mais ainda, sobretudo que oferecerdes.

    GRMIO Ofereci tudo o que possua, no tenho mais nada, e s lhe posso oferecer oque tenho. Se me aceitardes, ela me ter com todos os meus bens.

    TRNIO Pois, ento, a jovem me pertence, por excluso de todos os outros, segundovossa promessa solene. Grmio est fora de luta.

    BATISTA Devo confessar que vossa oferta a melhor. Se vosso pai a confirmar, minhafilha ser vossa. Entretanto, deveis perdoar-me; se morrerdes antes dele, qual ser a heranade minha filha?

    TRNIO Isto no passa de um sofisma. Ele velho, eu sou jovem.

    GRMIO E os jovens no podem morrer to bem quanto os velhos?

    BATISTA Bem, cavalheiros; eis o que resolvi. Como sabeis, domingo prximo, casa-seminha filha Catarina. Pois bem, no domingo seguinte Bianca se casar convosco, se obtiverdesa garantia de vosso pai. Caso contrrio, ela pertencer ao Signior Grmio. E, sendo assim,despeo-me de vs e agradeo a ambos.

    GRMIO Adeus, bom vizinho. (Sai Batista.) Agora, no te tenho medo. Vosso pai,jovem farsante, seria bem ingnuo de vos entregar tudo o que possui, para que, no declinar daidade, colocasse os ps debaixo de vossa mesa. Que ingenuidade! Uma velha raposa italianano to benfazeja, meu rapaz. (Sai.)

    TRNIO Maldita seja vossa pele enrugada! Entretanto, fiz frente com uma carta dedez37. Meti em minha cabea fazer a felicidade de meu amo. No h razo para que o falsoLucncio no possua um falso pai, chamado Vicncio. Coisa maravilhosa! Geralmente so ospais que fazem os filhos, mas, neste caso amoroso, graas a minha habilidade, o filho que fazo pai. (Sai.)

  • ATO III

    CENA I

    Casa de Batista em Pdua.Entram Lucncio, Hortnsio e Bianca.

    LUCNCIO Parai, alaudista. Estai-vos revelando muito confiado, senhor. Esquecestesto depressa a recepo que vos fez sua irm Catarina?

    HORTNSIO Mas, pedante rixento, esta jovem a padroeira da harmonia celestial.Respeitai, portanto, minha prerrogativa; e quando tivermos dado uma hora de msica, podeisconsagrar outro tanto vossa lio.

    LUCNCIO Asno absurdo, que nem mesmo leu o bastante para saber por que a msicafoi inventada! No foi para recrear a alma do homem depois dos estudos ou dos trabalhoshabituais? Deixai-me, ento, dar minha lio de filosofia e, quando fizer uma pausa, entraicom vossa harmonia.

    HORTNSIO Biltre, no suportarei tuas bravatas!

    BIANCA Vamos, cavalheiros, vs me fazeis uma dupla ofensa brigando por uma coisaque depende de minha escolha. No sou uma aluna para ser corrigida na escola. No possoestar sujeita s horas, nem ser escrava do tempo, mas aprendo minhas lies como me agradar.E para cortar toda discusso, sentemo-nos aqui. Pegai em vosso instrumento e tocai-o. Antesque o afineis, a lio dele ter acabado.

    HORTNSIO Deixareis a lio dele quando tiver afinado?

    LUCNCIO O que nunca acontecer! Afinai vosso instrumento.

    BIANCA Onde havamos parado?

    LUCNCIO Aqui, senhora:Hic ibat Simois; hic est Sigeia tellus;Hic steterat Priami regia celsa senis38.

  • BIANCA Traduzi.

    LUCNCIO Hic ibat, corno j vos disse antes... Simois, sou Lucncio... hic est, filho deVicncio de Pisa... Sigeia tellus, assim disfarado para conseguir vosso amor... Hic steterat, eo Lucncio que veio fazer-vos a corte... Priami meu criado Trnio... regia, que tomou meulugar... celsa senis, a fim de que possamos enganar o velho Pantaleo39.

    HORTESSIO Senhora, meu instrumento j est afinado.

    BIANCA Vamos ouvir. Oh! Fora! A corda aguda est desafinada.

    LUCNCIO Cuspi na abertura do instrumento, homem, e afinai novamente.

    BIANCA Deixai-me ver agora se posso fazer a traduo. Hic ibat Simois, no vosconheo... hic est Sigeia tellus, no tenho confiana em vs... Hic steterat Priami, tendecuidado para que ele no nos oua... regia, no sejais presunoso... celsa senis, mas nodesespereis.

    HORTNSIO Senhora, agora j est afinado.

    LUCNCIO Sim, menos o baixo.

    HORTNSIO O baixo est justo. o baixo patife que desentoa. ( parte.) Como nossopedante orgulhoso e cheio de audcia! Por minha vida, o patife faz a corte a meu amor!Pedantezinho40, vou vigiar-vos com mais cuidado ainda.

    BIANCA Talvez ainda possa crer em vs, entretanto continuo desconfiada.

    LUCNCIO No fiqueis desconfiada; porque, certamente, jax era Ecida, assimchamado por causa do nome do av.

    BIANCA Devo acreditar em meu mestre; do contrrio, eu vos garanto que discutiriaainda sobre este ponto. Mas, fiquemos por aqui. Agora, Lcio, para vs. Bondosos mestres,no leveis a mal, peo-vos, que haja brincado assim convosco.

    HORTNSIO Podeis ir dar uma volta e deixar-me s por um momento. Minhas liesno tm msica a trs partes.

    LUCNCIO Sois to formal assim, senhor? Bem, devo esperar ( parte), e vigiais,enquanto isso; porque, ou estou muito enganado, ou nosso bom msico est apaixonado.

    HORTNSIO Senhora, antes que toqueis o instrumento para aprender comigo odedilhado, devo comear com os rudimentos da arte. Vou ensinar-vos a escala de uma maneiramais curta, mais agradvel, melhor, mais eficaz do que meus colegas ensinaram at agora. Ei-la aqui neste papel, escrita com belos sinais.

  • BIANCA Mas, h muito tempo que j aprendi a escala.

    HORTNSIO Lede, contudo, a escala de Hortnsio.

    BIANCA (L.)Escala de d. Sou o conjunto de todos os acordes;A r; para defender a paixo de Hortnsio.B mi; Bianca, aceitai-o como esposo,C f, d; que vos ama com toda afeio.D sol, r; uma clave, duas notas tenho eu.E l, mi; tende piedade, ou eu morro.Chamais isto de uma escala? No gosto dela. Prefiro os mtodos antigos. No sou to

    caprichosa para mudar as regras verdadeiras por estranhas invenes. (Entra um Criado.)

    CRIADO Senhora, vosso pai pede que deixeis vossos livros e ajudeis a preparar oquarto de vossa irm. Sabeis que amanh o dia do casamento.

    BIANCA Adeus, prezados mestres, tenho necessidade de sair. (Saem Bianca e oCriado.)

    LUCNCIO Ento, senhora, no tenho nenhum motivo para permanecer. (Sai.)

    HORTNSIO Mas eu tenho motivo para espionar este pedante. Parece-me que ele tem oar de quem est apaixonado. Entretanto, Bianca, se teus pensamentos se rebaixam at oextremo de pousar teus olhos errantes em qualquer um, apodere-se de ti quem quiser. Sealguma vez te encontrar diferente, Hortnsio te abandonar por sentir-te mudada. (Sai.)

    CENA II

    Diante da casa de Batista em Pdua.Entram Batista, Grmio, Trnio, Catarina, Bianca, Lucncio

    e convidados para o casamento.

    BATISTA Signior Lucncio (a Trnio), este o dia marcado para o casamento deCatarina e Petruchio; entretanto, no sabemos ainda onde est nosso genro. Que vo dizer?Que escndalo, quando o padre, para cumprir o rito cerimonial do enlace, esperar em vo achegada do noivo! Que pensa Lucncio desta afronta para todos ns?

    CATARINA Sou eu a afrontada. Coagida a conceder minha mo, apesar de meu corao,a um louco grosseiro, mal-humorado que, depois de haver-me feito corte a toda pressa,

  • pretende casar-se quando lhe convier. J vos dissera que era um louco, dissimulando crticasamargas sob uma aparncia de rude fraqueza. A fim de passar por um homem simptico, fariacorte a mil mulheres, fixaria a data do casamento, reuniria os amigos e proclamaria os banhossem jamais haver tido a inteno de cumprir a promessa. Agora, o mundo apontar a pobreCatarina com o dedo e dir: Olhai! Ali vai a mulher do louco Petruchio; se lhe convier,voltar para casar-se com ela.

    TRNIO Pacincia, boa Catarina, pacincia, Batista. Por minha vida, as intenes dePetruchio so boas, seja qual seja o azar que o impea de cumprir a palavra. Embora sejabrusco, tenho-o em conta de homem razovel; e apesar de parecer brincalho, , no entanto,um homem srio.

    CATARINA Quem dera que Catarina nunca o tivesse visto! (Sai chorando, seguida porBianca e outros.)

    BATISTA Vai, minha filha; no posso agora reprovar teu pranto. Uma santa nopermaneceria insensvel perante tal afronta, com muito mais razo, urna geniosa de humor toimpaciente. (Entra Biondello.)

    BIONDELLO Senhor, senhor! Velhas novas e tais novas como nunca as ouvistes!

    BATISTA uma velha nova? Como pode ser isto?

    BIONDELLO Como! No uma nova saber a chegada de Petruchio?

    BATISTA J chegou?

    BIONDELLO Ora, no, senhor!

    BATISTA Que queres ento contar?

    BIONDELLO Ele est chegando.

    BATISTA Quando chegar aqui?

    BIONDELLO Quando estiver onde estou e que possa ver-vos como eu.

    TRNIO Mas, conta-nos: quais so as velhas novas?

    BIONDELLO Ei-las aqui. Petruchio, vem com um chapu novo e um gibo velho, umpar de calas velhas, viradas trs vezes; um par de botas que foram caixas de vela, uma comfivela, a outra com cordes; uma velha espada enferrujada, tirada do arsenal da cidade, com opunho quebrado e sem bainha; quebrados os metais dos dois talins; o cavalo derreado, comuma velha sela carcomida e estribos diferentes; alm disto, atacado de mormo, pelado comoum rato; padece de fava, infetado de sarna, cheio de tumores, coberto de esparaves, marcadode ictercia, com as glndulas da garganta incurveis, completamente intil por causa das

  • vertigens, rodo pelos vermes, a espinha quebrada e espduas deslocadas, completamentemodo e munido de um freio com uma s guia e de uma testeira de pele de carneiro que, fora de haver sido puxada para impedir que o animal tropeasse, arrebentou em muitoslugares e foi consertada com ns; uma barrigueira remendada seis vezes e uma retranca develudo para mulher, tendo duas iniciais com o nome dela primorosamente marcadas comcravos e remendada, aqui e ali, com barbante.

    BATISTA Quem vem com ele?

    BIONDELLO senhor! O lacaio dele, caparaonado como o cavalo, com uma meia delinho numa perna e perneiras de sarja na outra, presas por um cordo vermelho e azul; umchapu velho, e o Humor das quarenta fantasias colocado em cima ao invs de pena. Ummonstro, um verdadeiro monstro no vestir, no tendo qualquer semelhana com um pajemcristo ou com o lacaio de um cavalheiro!

    TRNIO Um capricho estranho o ter levado a vestir-se desse modo, bem que,comumente, ande mal vestido.

    BATISTA Fico contente que ele venha, no importa como.

    BIONDELLO Mas, ele no vem, senhor.

    BATISTA No disseste que ele vinha?

    BIONDELLO Quem? Que Petruchio vinha?

    BATISTA Sim, que Petruchio vinha.

    BIONDELLO No, senhor, eu disse que o cavalo dele estava chegando carregando-o nolombo.

    BATISTA Bem, d tudo no mesmo.

    BIONDELLO No, por So Jaime! Aposto um penny, como um cavalo e um homem somais do que um e, contudo, no so muitos. (Entram Petruchio e Grmio.)

    PETRUCHIO Vamos, onde esto esses galantes? Quem est em casa?

    BATISTA Sede bem-vindo, senhor.

    PETRUCHIO E, no obstante, no venho me sentindo bem.

    BATISTA Entretanto, no estais mancando.

    TRNIO No vindes to bem vestido como teria desejado.

  • PETRUCHIO Tinha necessidade de apressar-me para chegar... Mas, onde est Catarina?Onde est minha encantadora noiva? Como est passando meu sogro? Senhores, dir-se-ia queestais de mau humor. Por que toda esta companhia me olha como se visse algum monumentomaravilhoso, um cometa ou um estranho prodgio?

    BATISTA Sabeis, senhor, que hoje o dia de vosso casamento. Primeiramente,estvamos tristes temendo vossa ausncia. Agora, estamos mais tristes ainda, vendo-voschegar em to triste estado. Vamos, tirai essa roupa, indigna de vossa posio e desagradvel vista para nossa festa to solene!

    TRNIO E contai-nos que motivos srios vos prenderam tanto tempo longe de vossaesposa e que vos fizeram aqui chegar to diferente de vs mesmo?

    PETRUCHIO Seria tedioso de contar e desagradvel de ouvir. Basta que saibais quevim cumprir minha palavra, apesar de haver sido obrigado a faltar em alguns pontos. A esterespeito, em momento oportuno, eu vos darei minhas desculpas e minhas explicaes seroperfeitamente satisfatrias. Mas, onde est Catarina? H muito tempo que estou longe dela. Amanh est passando. J devamos estar na igreja a estas horas.

    TRNIO No vos apresenteis vossa noiva neste traje to imprprio. Ide a meu quartoe vesti minhas roupas.

    PETRUCHO Estejais certo de que no farei isso; desejo v-la assim mesmo.

    BATISTA Mas suponho que no ser assim que queirais casar com ela.

    PETRUCHIO Na verdade, exatamente como estou. Por conseguinte, no falemos maisno assunto. Ela deseja casar-se comigo e no com minhas roupas. Se pudesse reparar o queela em mim gastar, como posso mudar estes pobres trajes, seria melhor para Catarina emelhor ainda para mim. Mas, que insensato sou, por estar conversando convosco, quandodeveria ir dar bom dia a minha noiva e selar o ttulo com um beijo amoroso! (Saem Petruchioe Grmio.)

    TRNIO Ter suas razes para vestir-se daquele modo. Tratemos de convenc-lo, sefor possvel, de que deve vestir-se melhor antes de ir para a igreja.

    BATISTA Vou atrs dele para ver em que vai dar tudo isso. (Saem Batista, Grmio econvidados.)

    TRNIO Mas, senhor, ao amor de Bianca, importa-nos acrescentar o consentimento dopai dela. A fim de obt-lo, nas condies que j anunciei a Vossa Senhoria, vou procurar umhomem (seja ele qual for, pouco importa, ns o poremos ao corrente do assunto), que serVicncio de Pisa e que, aqui em Pdua, dar garantia a uma soma muito maior que a prometidapor mim. Assim, vs aproveitareis tranquilamente o objeto de vossas esperanas e casareiscom a doce Bianca com o consentimento do pai dela.

  • LUCNCIO Se meu colega, o professor, no vigiasse tanto os passos de Bianca,poderamos, quem sabe, casar-nos clandestinamente. Uma vez realizado o casamento, que omundo dissesse o que quisesse, porque ela seria s minha, a despeito de todo o mundo.

    TRNIO Trataremos de l chegar pouco a pouco, e esperaremos a ocasio maisfavorvel. Vai ser preciso enganar o barba grisalha, Grmio, o pai desconfiado, Minola, e omsico excntrico, o apaixonado Lcio. Tudo em considerao a meu amo Lucncio! (VoltaGrmio.) Signior Grmio, vindes da igreja?

    GRMIO To prazenteiramente como nunca vim da escola!

    TRNIO E a noiva e o noivo j esto de volta?

    GRMIO O noivo, estais dizendo? Na verdade, um palafreneiro, um brutalpalafreneiro. A pobre coitada ver de sobra o que ganhou!

    TRNIO Pior do que ela? Como! impossvel!

    GRMIO Ele? um diabo, um diabo, um perfeito danado.

    TRNIO Ento, ela uma diaba, uma diaba, a mulher do diabo.

    GRMIO Chega! Ela um cordeiro, uma pomba, uma tola ao lado dele. Vou contar-voso que aconteceu, Senhor Lucncio. Quando o padre perguntou se consentia em receberCatarina como esposa, ele exclamou: Sim, por Deus! e comeou a praguejar em voz to altaque o sacerdote, completamente estupefato, deixou cair o livro no cho; e como se curvassepara apanh-lo, o noivo, louco furioso, deu-lhe tal palmada que padre e livro, livro e padrerolaram pelo cho. Agora, acrescentou ele, que os apanhem quem quiser!

    TRNIO E que disse a jovem quando o padre se levantou?

    GRMIO Ela tremia e tiritava, enquanto ele batia com o p e praguejava, como se ovigrio tivesse inteno de ridiculariz-lo. Depois de muitas cerimnias, pediu vinho. sade de todos!, exclamou, como se estivera a bordo, bebendo com os marinheiros depois deuma tempestade. Servido o moscatel de um trago, atirou o resto na cara do sacristo, tendocorno nica razo que a barba dele, grisalha, rala e esfaimada, parecia-lhe pedir as sobras doque bebia. Feito isto, pegou a esposa pelo pescoo e deu-lhe um beijo na boca com um estaloto clamoroso que fez eco em toda a igreja. E vendo isso, corri para aqui cheio de vergonha. Eatrs de mim, parece que vm os convidados. Nunca se viu um casamento to louco quantoeste. Ouvi, ouvi! Estou escutando os menestris tocarem. (Msica. Voltam Petruchio,Catarina, Bianca, Batista, Hortnsio, Grmio e o Cortejo.)

    PETRUCHIO Cavalheiros e amigos, agradeo-vos por vosso trabalho. Sei que tnheis acerteza de jantar hoje comigo, pois havia preparado um soberbo banquete de bodas. Mas,infelizmente, meus negcios me reclamam longe daqui e, por isto, aqui mesmo me despeo devs.

  • BATISTA possvel que queirais partir esta noite?

    PETRUCHIO Devo partir hoje, antes que chegue a noite. No fiqueis espantados. Seconhecsseis o motivo, vs me animareis a partir, ao invs de ficar. Assim, agradeo toda ahonesta companhia que assistiu minha unio com a mais paciente, a mais doce e a maisvirtuosa das esposas. Jantai com meu sogro, bebei a minha sade, porque preciso partir.Adeus a todos vs.

    TRNIO Deixai-nos pedir-vos que ao menos fiqueis at depois do jantar.

    PETRUCHIO No possvel.

    GRMIO Deixai-nos suplicar-vos.

    PETRUCHIO No pode ser.

    CATARINA Suplico-vos, tambm.

    PETRUCHIO Estou contente.

    CATARINA Estais contente de ficar?

    PETRUCHIO Estou contente que me peais que permanea; mas, no ficaria, mesmoque me pedsseis muito mais ainda.

    CATARINA Vamos, se me amais, ficai.

    PETRUCHIO Grmio, meus cavalos!

    GRMIO Sim, senhor, j esto prontos! A aveia comeu os cavalos!

    CATARINA Pois, ento faze o que quiseres. Hoje, no partirei, no; nem amanh, atque tenha vontade. A porta est aberta, senhor. Ali est vosso caminho. Podeis ir a trote,enquanto vossas botas estiverem novas. Quanto a mim, s sairei daqui quando me convier.Parece que sereis um marido bem grosseiro, j que assim comeais to francamente.

    PETRUCHIO Catita! Acalma-te, por favor, no fiques irritada.

    CATARINA Quero irritar-me!... Que fizeste? Ficai tranquilo, meu pai! Ficar ele aquiat quando eu quiser.

    GRMIO Sim, palavra; vai comear a partida.

    CATARINA Senhores, vamos ao banquete nupcial! Vejo que uma mulher se arrisca aficar louca, se no tiver gnio para resistir.

    PETRUCHIO Iro tara o banquete; se tu o exigires, Catarina. Obedecei noiva, todos

  • vs que fostes por ela convidados. Festejai, diverti-vos, e fartai-vos opiparamente! Bebei, emorgia sem limites, pela virgindade dela! Mostrai-vos loucos e alegres, ou ide enforcar-vos!Quanto a minha boa Catarina, deve seguir-me. No, no preciso abrir tanto os olhos, nembater com os ps no cho, nem admirar-se, nem irritar-se. Serei o dono daquilo que mepertence. Ela faz parte de meus bens, meus bens mveis; ela minha casa, meu mobilirio,meu campo, meu celeiro, meu cavalo, meu boi, meu burro, meu tudo. Aqui est ela, cuidadoquem ouse tocar-lhe! Mostrarei quem sou a quem, atrevidamente, me detenha em meu caminhode Pdua. Grmio, desembainha tua espada! Estamos cercados de ladres! Salva tua patroa,se s homem! No tenhas medo, doce jovem; ningum te tocar, Catita. Serei teu escudo contraum milho de inimigos. (Saem Petruchio, Catarina e Grmio.)

    BATISTA Vamos, deixai partir este casal pacfico!

    GRMIO Se no tivessem partido depressa, teria morrido de tanto rir.

    TRNIO Entre todas as unies malucas, esta no tem par.

    LUCNCIO Senhora, qual vossa opinio sobre vossa irm?

    BIANCA uma louca unida a um louco.

    GRMIO Garanto-vos que Petruchio est encatarinado.

    BATISTA Vizinhos e amigos, se a noiva e o noivo se encontram ausentes, no faltaro,para preench-los, gulodices na mesa. Lucncio, vs ocupareis o lugar do marido e Bianca, oda irm.

    TRNIO A bela Bianca vai fazer o ensaio do papel de noiva?

    BATISTA Sim, Lucncio. Vamos, senhores, partamos! (Saem.)

  • ATO IV

    CENA I

    Casa de campo de Petruchio.Entra Grmio.

    GRMIO Fora, fora com todos os rocins fatigados, com todos os patres loucos e comtodos os maus caminhos! J se viu homem to batido? J se viu homem to enlameado? J seviu homem to cansado? Fui enviado na frente para acender o fogo e eles viro depois para seesquentarem. Agora, se no fosse um pequeno pote, que fica logo quente41, meus prprioslbios poderiam gelar-se em meus dentes, minha lngua contra o cu da boca, meu coraocontra meu estmago, antes que pudesse sentar-me na lareira para descongelar-me. Mas,soprando no fogo, esquentar-me-ei; porque, considerando o tempo que est fazendo, umhomem mais alto do que eu apanharia um resfriado. Ol! Ora viva, Curtis! (Entra Curtis.)

    CURTIS Quem est chamando com essa voz tiritante?

    GRMIO Um pedao de gelo! Se dvidas, podes escorregar de meu ombro ao meucalcanhar, bastando que tomes impulso de minha cabea ao meu pescoo. Fogo, bondosoCurtis!

    CURTIS Ser que viro meu patro e a esposa, Grmio?

    GRMIO Oh! Sim, Curtis, sim! E, portanto, fogo, fogo; no atires gua em cima.

    CURTIS Ela uma megera to esquentada como dizem?

    GRMIO Era, bom Curtis, antes desta geada. Mas, como sabes, o inverno doma ohomem, a mulher e o animal. Por isto, domou meu antigo patro e minha nova patroa e eumesmo, camarada Curtis.

    CURTIS Para trs, bufo de trs polegadas42! Eu no sou animal!

    GRMIO S tenho trs polegadas? Ora, teus cornos devem medir bem um p e eu tenhoo mesmo comprimento. Mas, vais acender o fogo? Ou ento vou queixar-me a nossa patroaque j est perto. Sua mo se far sentir friamente, se fores to demorado em esquentar-nos.

    CURTIS Por favor, bondoso Grmio, dize-me, como anda o mundo?

  • GRMIO O mundo anda frio, Curtis; tudo est frio, exceto no teu trabalho; portanto,acende o fogo. Cumpre o teu dever, para teres o que devido, porque minha patroa e meupatro esto quase mortos de frio.

    CURTIS J est pronto o fogo; e, portanto, bondoso Grmio, conta-me as novidades.

    GRMIO Ora, ol Joozinho, ol43! Tantas novidades quantas queiras!

    CURTIS Vamos! Ests pregando tantos logros44!

    GRMIO Foi por causa do fogo, porque o que me pregou foi um terrvel resfriado.Onde est o cozinheiro? A ceia j est pronta, a casa arrumada, as esteiras estendidas45,tiradas as teias de aranha? Os criados esto usando o novo fusto, as meias brancas e cadaempregado os trajes de casamento? Esto bem lavados os cntaros por dentro e as tigelasesto belas por fora46? Os tapetes j foram colocados e tudo est em ordem?

    CURTIS Tudo est pronto e, portanto, faze-me o favor, s notcias.

    GRMIO Primeiro, fica sabendo que meu cavalo est exausto, e que meu patro eminha patroa caram.

    CURTIS Como?

    GRMIO Das selas na lama. uma longa histria.

    CURTIS Vamos, conta-me essa histria, bondoso Grmio.

    GRMIO Aproxima tua orelha.

    CURTIS Est aqui!

    GRMIO Toma l! (D-lhe um tapa.)

    CURTIS o que se chama sentir uma histria e no ouvi-la.

    GRMIO a maneira de tornar uma histria sensvel. Este murro foi s uma chamada ateu ouvido, para que me escutasse. Agora, vou comear: Imprimis, descemos uma horrvelcolina, meu patro cavalgando na garupa de minha patroa...

    CURTIS Ambos no mesmo cavalo?

    GRMIO Que te importa isso?

    CURTIS Importa ao cavalo, ora.

    GRMIO Conta tu a histria! Se no me tivesses interrompido, terias sabido como caiuo cavalo e ela debaixo do cavalo; saberias em que lamaal e como ficou toda enlameada;

  • como a deixou com o cavalo em cima dela; como me bateu porque o cavalo dela escorregara;como ela patinhou pela lama para arranc-lo de cima de mim; como ele praguejava; como elasuplicava, apesar de nunca haver suplicado; como gritei; como os cavalos fugiram; comoarrebentou a cabeada do cavalo dela; como perdi minha retranca; com outras muitas coisasmemorveis que desde agora cairo no esquecimento, e das quais no guardars a lembranaat o tmulo.

    CURTIS Por essa histria, ele mais terrvel do que ela.

    GRMIO Sim, e o que tu e o mais valente entre todos vs reconhecereis quando eleaqui chegar. Mas para que falar sobre isto? Chama Nataniel, Jos, Nicolau, Filipe, Vlter,Biscoitinho e os outros. Faze com que as cabeas deles estejam cuidadosamente penteadas, aslibrs azuis bem escovadas e as jarreteiras bem uniformes. Dizei-lhes que faam revernciacom a perna esquerda e que no ousem tocar num fio da cauda do cavalo de meu patro, antesde beijarem as mos dos dois. Todos j esto prontos?

    CURTIS Esto.

    GRMIO Chama-os.

    CURTIS Ol! Esto ouvindo? Deveis ir ao encontro de meu patro para saudar minhapatroa.

    GRMIO Saudar! S ela pode dar sade a si mesma.

    CURTIS Quem no sabe isto?

    GRMIO Parece que no sabes. Chamas teus camaradas para que lhe faam a sade.

    CURTIS Eu os estou chamando para que lhe prestem a homenagem devida.

    GRMIO Ela no est precisando dos favores deles. (Entram vrios Criados.)

    NATANIEL Bem-vindo, Grmio!

    FILIPE Que h, Grmio?

    JOS Ento, Grmio?

    NICOLAU Camarada Grmio!

    NATANIEL Que h, meu velho?

    GRMIO Bem-vindo?... Que h?... Ento?... Camarada?... Isto maneira de receber?Agora, meus guapos companheiros, tudo est pronto e todas as coisas esto limpas?

  • NATANIEL Tudo est pronto. A que distncia se encontra nosso patro?

    GRMIO Muito perto! J est quase se apeando. De modo que no estejais... Pelo galoda paixo! Silncio! Estou ouvindo meu patro! (Entram Petruchio e Catarina.)

    PETRUCHIO Onde esto esses criados? Que isso? Ningum na porta para segurarmeu estribo e pegar meu cavalo! Onde esto Nataniel, Gregrio e Filipe?

    TODOS OS CRIADOS Aqui, aqui, senhor! Aqui, senhor!

    PETRUCHIO Aqui, senhor! Aqui, senhor! Aqui, senhor! Aqui, senhor! Imbecis einsolentes! Como! Ningum aparece? Nenhuma ateno? Nenhum respeito? Onde est oimbecil que mandei na frente?

    GRMIO Estou aqui, senhor. To imbecil quanto era antes.