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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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A MONOTONGAÇÃO DIANTE DE /S/ NO AÇORIANO-CATARINENSE
Cláudia Regina BRESCANCINI1
RESUMO: O processo de redução verificado em ditongos decrescentes seguidos por fricativa palato-alveolar (como em [sej] ~ [se] para seis) é observado neste estudo. A amostra em exame, parte do banco de dados do Varsul (Variação Lingüística Urbana da Região Sul do Brasil), refere-se ao português falado em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, reconhecidamente influenciado pela colonização açoriano-madeirense iniciada no século XVIII. Caracterizado pela não implementação e consequente perda de força, o processo em questão é descrito e analisado a partir da perspectiva tanto do grupo, nos moldes sugeridos pela metodologia da Teoria da Variação (LABOV, 1972, 1994), quanto do indivíduo. Foram considerados informantes de três localidades do município, com diferentes graus de urbanização: o centro de Florianópolis, a Barra da Lagoa e o Ribeirão da Ilha. Os dados obtidos foram codificados de acordo com as seguintes variáveis independentes: Posição do /S/ no Vocábulo; Contexto Seguinte ao /S/; Sonoridade da Fricativa; Papel Morfológico do /S/; Sexo; Escolaridade; Faixa Etária; Distritos do Município de Florianópolis. Os resultados indicaram que a monotongação do ditongo decrescente diante de /S/ apresenta comportamento diferenciado de acordo com o distrito onde é produzida. No distrito da Barra da Lagoa, o processo apresenta-se apenas em itens lexicais específicos (como mais, depois, dois e seis) e nos distritos do Ribeirão da Ilha e de Florianópolis (centro), considerados conjuntamente, indica condicionamento fonético, já que é a sonoridade da fricativa palato-alveolar a variável independente linguística apontada como estatisticamente relevante. Nesses distritos, as mulheres surgem como as que preferem sua produção, assim como se verifica para a regra variável de palatalização da fricativa em coda na comunidade (cf. BRESCANCINI, 2002). Entre os mais jovens, a redução do ditongo decrescente diante de coda fricativa palato-alveolar dá mostras de perda de força apenas no distrito da Barra da Lagoa. PALAVRAS-CHAVE: monotongação;ditongo decrescente;palatalização;VARSUL.
Introdução
O processo de monotongação verificado neste estudo considera a supressão do
glide [j] nos ditongos decrescentes [aj], [ej], [j], [oj], [õj] seguidos por fricativa 1 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Letras, Departamento de Estudos Lingüísticos. Rua Eça de Queiroz, 466/304. CEP 90670-020. Porto Alegre-RS, Brasil. [email protected]
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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alveolar ou palato-alveolar em dados do chamado açoriano-catarinense, variedade do
português brasileiro notadamente marcada por traços do português europeu trazido
pelos colonizadores açorianos que ocuparam a parte central do litoral do Estado a partir
do século XVIII. A perspectiva de análise parte do pressuposto de que é característica
fundamental da língua a capacidade de lidar com a heterogeneidade ordenada, base da
Teoria da Variação Linguística (LABOV, 1972, 1994).
São ocorrências do processo em questão bot[õ] para botões, m[a] para
mais, v[a] para vais, d[o] para dois, já mencionadas em registros de documentos do
século XV (MAIA, 1986), do português europeu, continental (BOLÉO, 1975;
GONÇALVES, 2000) e insular (MAIA, 1965; PAVÂO, 1981), e do português
brasileiro (FURLAN, 1989; ALMEIDA, 2005).
A observação preliminar das ocorrências de monotongação diante de /S/ nos
dados de Florianópolis-SC indicou que o processo ocorre predominantemente diante de
fricativa palato-alveolar, a realização de /S/ preferida na comunidade, com taxa de
aplicação de 83% (cf. BRESCANCINI, 2002). Sendo assim, os casos de monotongação
diante de [s,z] (como em m[as] caseira), em número de dez, foram eliminados do
corpus. Outro contexto de preferência para o processo é o tônico, já que não há dados de
monotongação em posição não acentuada, seja pretônica ou postônica.
Diante de tal quadro, este estudo pretende pois investigar se a monotongação
diante de fricativa palato-alveolar (i) apresenta, de fato, baixa aplicação, como se pode
inferir a partir da vinculação do processo ao português arcaico e ao português europeu;
(ii) perde força na variedade catarinense; (iii) está sujeita a condicionamentos
lingüísticos e/ou sociais ou sobrevive apenas itens lexicais específicos e (iv) apresenta
comportamento semelhante nos três distritos investigados.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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A seguir, são descritos os procedimentos adotados para a condução da análise.
Metodologia
A amostra inicial em exame contou com 98 informantes florianopolitanos, de
três distritos da Ilha, indicados na Figura 1 a seguir. De Florianópolis, parte central da
ilha e do continente, a região mais urbana, em amarelo no mapa, foram considerados 48
informantes; do Ribeirão da Ilha, ao sudoeste da Ilha, em vermelho, região de
colonização mais antiga, 24 informantes; da Barra da Lagoa, ao leste da ilha, em azul,
marcada por uma interação sócio-cultural-espacial mais recente, 26 informantes.
Como houve um número considerável de informantes que não produziram a
monotongação diante de fricativa palato-alveolar, foi necessário reorganizar a amostra.
Desse modo, o distrito de Florianópolis passou a contar com 36 informantes, já que
25% do grupo selecionado inicialmente apresentou 0% de aplicação; o distrito do
Ribeirão perdeu 29% de seus informantes, permanecendo com 17, e o distrito da Barra,
50%, permanecendo, portanto, com 13 informantes.
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Figura 1 – Município de Florianópolis-SC: distritos em exame
Com base nos pressupostos metodológicos variacionistas, as 1 376 ocorrências
de ditongos decrescentes diante de fricativa palato-alveolar, monotongados ou não,
foram codificadas e submetidas a tratamento estatístico com o auxílio do programa
computacional Varbrul 2S.
Os grupos de fatores considerados no estudo a fim de que as questões
apresentadas na seção anterior possam ser investigadas são:
Posição do /S/ no vocábulo: final absoluta ou final diante de vocábulo
Contexto Seguinte ao /S/: coronal, labial, dorsal ou zero
Sonoridade da Fricativa: [+ voz], [- voz]
Papel Morfológico do /S/: parte do radical, flexão nominal, flexão verbal
Sexo: masculino e feminino
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Escolaridade: 0-5 anos, 6-9 anos, 11 anos, 14 anos ou mais
Faixa Etária: 15-20 anos, 25-40 anos, 41-60 anos, 61 anos ou mais
Distritos: Florianópolis, Ribeirão da Ilha, Barra da Lagoa
A descrição do corpus e a análise unidimensional dos resultados são
apresentados a seguir.
Descrição do corpus e análise unidimensional
A frequência global apresentada pela análise unidimensional realizada pelo
programa computacional indicou que a monotongação de ditongos decrescentes diante
de fricativa palato-alveolar é, de fato, um processo de baixa aplicação, com taxa de
24%, conforme se verifica no Gráfico 1 a seguir.
24%
76%
reduçãoditongo
Gráfico 1 – Monotongação nos três Distritos: Frequência Global
Devido ao índice obtido, procedeu-se ao exame das ocorrências que compõem o
corpus, que indicou a concentração de dados em itens lexicais específicos, conforme
especifica o Quadro 1 seguinte.
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Quadro 1 – Monotongação do ditongo decrescente diante de /S/: itens lexicais do corpus
Item Lexical Percentagem N
MAIS 49,2% 648 DEPOIS 17,8% 234
DOIS 8,8% 116 SEIS 4,4% 59
Outros 19,8% 259
Observa-se que praticamente a metade do corpus, 49,2%, diz respeito a apenas
um item, o advérbio mais. O advérbio depois e os numerais seis e dois perfazem 31%.
Os 19,8% restantes envolvem outros itens lexicais que não chegam a um número
significativo de repetições. As ocorrências que compõem esse último fator são
apresentadas no Quadro 2 a seguir.
Quadro 2 – Outros Itens Lexicais por Distrito
Classe morfossintática
Ocorrências - Florianópolis
TOTAL
Advérbio dema, jama 5 Substantivo – sing. ca (cais); limo 11 Substantivo – pl. pa (pais); r (reis);
aplicasõ; caõ; proporsõ; capita; camarõ; relaçõ; construsõ; botõ
15
Verbo va 1
Ocorrências – Ribeirão
Verbo va 2 Advérbio dema 1 Substantivo – pl. casa; igua; rura 5
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Há duas informações no Quadro 2 tidas como fundamentais para a condução da
presente análise: (i) os itens lexicais não frequentes no corpus envolvem tanto o /S/
parte do radical, como se observa nas ocorrências classificadas como advérbios e
substantivos no singular, como o /S/ marcador de flexão nominal e verbal, caso que se
registra apenas pelo item vais ([va]) e (ii) não há ocorrências de tais casos no distrito
da Barra da Lagoa, o que significa ser essa região produtora apenas da monotongação
em itens considerados frequentes no corpus.
A diferença de comportamento em relação ao processo em questão entre Barra,
de um lado, e Florianópolis e Ribeirão, de outro, é ainda verificada quando se realiza o
exame de ocorrências por informante. Os Quadros 3, 4, 5 e 6 a seguir apresentam a
distribuição dos fatores expressos no Quadro 2 anterior por informante de cada um dos
distritos.
Observa-se no Quadro 3 a seguir, relativo à produção dos itens lexicais por
informante do distrito da Barra da Lagoa, que de fato não há produção de
monotongação em casos de flexão nominal.
Quadro 3 – Informantes da Barra da Lagoa por Item Lexical2
s u y w a b i j p d l n q Mais / 0 / 0 x x x x x x x -- x Seis x x / -- --- x --- -- -- x -- -- -- Dois --- 0 0 0 x --- --- -- -- --- x x -- Depois --- 0 0 / --- x --- -- -- --- -- x -- Plural 0 0 0 0 0 0 0 0 0 --- -- -- --
2 Legenda: x (aplicação apenas de monotongação); 0 (não aplicação de monotongação); / (variação entre monotongação e ditongo); -- (não apresentou nenhuma ocorrência)
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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Além disso, observa-se número considerável de informantes (11 informantes de
um grupo de 13) que apresentam 100% de monotongação em itens lexicais como mais
(8 informantes); seis (4 informantes); dois (3 informantes); depois (2 informantes). A
variação está presente em poucos informantes e chega a ocorrer menos do que os casos
de ausência de ocorrências.
O Quadro 4 seguinte indica uma situação bastante diferente. Há apenas 4 casos
de aplicação categórica da monotongação e predomínio de casos de variação ou de
ditongação.
Quadro 4 – Informantes do Ribeirão da Ilha por Item Lexical
2 3 6 7 8 a b c d ! @ # $ ^ & e i
Mais / / / 0 / 0 / / / / 0 x 0 / / / / Seis 0 0 / / / / 0 -- 0 0 -- -- -- -- / -- 0 Dois / 0 / 0 x 0 / 0 -- x / -- 0 x / 0 0 Depois 0 / 0 0 -- 0 / 0 0 0 -- 0 0 / 0 0 0 Plural 0 / 0 0 0 0 / / 0 -- 0 -- / / 0 0 0
Os Quadros 5 e 6, referentes aos informantes do distrito urbano de Florianópolis,
apresentam uma realidade muito semelhante a verificada para o distrito do Ribeirão da
Ilha no Quadro 4. Há apenas 6 informantes que realizam categoricamente a
monotongação em itens lexicais específicos, especificamente seis e dois, e um número
considerável de casos de variação e não realização do dado.
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Quadro 5 – Informantes de Florianópolis por Item Lexical
8 1 4 3 2 5 9 7 w z - ! = % ] ^ # ,
Mais / / / 0 / / / / 0 / / 0 / / / / / / Seis 0 0 -- 0 -- 0 0 -- -- -- 0 x -- 0 -- -- x x Dois 0 0 0 0 -- 0 / 0 0 / / / -- x -- -- -- / Depois / 0 / 0 0 0 0 0 0 / / 0 0 0 / 0 0 / Plural / 0 / / 0 / / 0 / / / 0 0 0 0 0 0 /
Quadro 6 – Informantes de Florianópolis por Item Lexical
a b c d f g i j l o p q r s t u x @
Mais / / / / / / / / 0 / / / / 0 / 0 0 / Seis -- 0 -- -- -- 0 -- 0 0 -- -- -- -- 0 x / x 0 Dois -- 0 -- 0 -- / -- -- 0 0 -- / 0 0 / / 0 0 Depois -- 0 -- 0 0 0 / 0 / 0 -- / 0 / / / 0 / Plural / 0 0 0 / 0 / 0 0 / 0 / 0 -- 0 / 0 0
Diante de tal realidade, optamos por realizar o exame da relevância estatística
dos condicionadores linguísticos e sociais por distrito, considerando a Barra da Lagoa
de uma lado, apesar do forte indício do papel que o léxico exerce na produção da
monotongação em exame, e o Ribeirão da Ilha e Florianópolis de outro, pela
proximidade de comportamento em relação ao fenômeno apresentado pela exame das
ocorrências por indivíduo. Os resultados estatísticos são apresentados na próxima seção.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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Análise multidimensional por distrito
Em relação ao distrito da Barra da Lagoa, o programa de análise estatística
apontou como relevantes apenas as variáveis sociais Escolaridade e Idade. Os resultados
em relação à primeira, apresentados no Gráfico 2 a seguir, indicam que os indivíduos
que apresentam de 0 a 5 anos de escolaridade e aqueles com 11 anos de escolaridade
apresentam pesos relativos indicativos de favorecimento à monotongação equivalentes a
0,64 e 0,86, respectivamente. Já os indivíduos com 6 a 9 anos de escolaridade
apresentam peso relativo pouco favorável ao processo, de 0,28.
0,64
0,28
0,86
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
0 a 5 anos 6 a 9 anos 11 anos
Gráfico 2 – Monotongação e Escolaridade: Barra da Lagoa
Tais resultados, difíceis de serem interpretados em um primeiro momento,
revelam, na verdade, não o comportamento do grupo, mais sim de informantes
específico, como é possível depreender do Gráfico 3 a seguir, onde se observa que em
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todos os grupos há indivíduos com aplicação alta, de 100% , e baixa, de 13%, 3% e 4%.
Entende-se, portanto, que são os dois informantes do grupo de 0 a 5 anos de
escolaridade, com 100% de monotongação, e os dois informantes do grupo de 11 anos
de escolaridade, com 91% e 100%, responsáveis pelos altos pesos relativos de seus
grupos.
13
33
100 100
310 13
33
100
4
44
91
100
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
0 a 5anos
0 a 5anos
0 a 5anos
0 a 5anos
6 a 9anos
6 a 9anos
6 a 9anos
6 a 9anos
6 a 9anos
11anos
11anos
11anos
11anos
Gráfico 3 – Monotongação e Escolaridade por Informante: Barra da Lagoa
Com relação à variável Idade, os resultados apontam que a monotongação diante
de fricativa palato-alveolar está, de fato, perdendo força na variedade em questão já que
são os informantes mais velhos, com idade entre 41 e 60 anos, os que apresentam peso
relativo indicativo de favorecimento de 0,73. Os adultos, com idade entre 25 e 40 anos,
apresentam peso indicativo de favorecimento um pouco mais baixo, de 0,69. Os jovens
entre 15 e 20 anos mostram o menor peso relativo, de 0,20, resultado que aponta para
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uma evidência em tempo aparente de perda de força do processo na variedade em
exame.
0,2
0,690,73
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
15-20 25-40 41-60
Gráfico 4 – Monotongação e Idade: Barra da Lagoa
A análise multidimensional realizada para a amostra composta pelos distritos do
Ribeirão e do centro urbano de Florianópolis apontou como estatisticamente relevantes
para a monotongação diante de fricativa palato-alveolar nessas regiões as variáveis
Sonoridade da fricativa e Sexo.
A seleção da variável referente à sonoridade da fricativa palato-alveolar indica o
único condicionamento fonético ao processo de monotongação em questão. Os
resultados, expressos no Gráfico 5 a seguir, indicam que as fricativas desvozeadas, com
peso de 0,56, são mais favorecedoras do que as vozeadas, com peso de 0,39.
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94
0,56
0,39
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
desvoz voz
Gráfico 5 – Monotongação e Traço [voz]: Ribeirão da Ilha e Florianópolis
O favorecimento dos segmentos desvozeados à monotongação diante de fricativa
palato-alveolar indica a predileção do processo por contextos produzidos com maior
força articulatória, o que também se verifica para a regra variável de palatalização do
/S/ na mesma comunidade (como em f[e]ta e a[] casas) (cf. BRESCANCINI, 2002).
Os resultados para a variável Sexo, segunda variável apontada como relevante
para os distritos considerados conjuntamente, são apresentados no Gráfico 6 a seguir.
As mulheres, com peso relativo de 0,55, apresentam-se como mais favorecedoras à
monotongação em relação aos homens, os quais apresentam peso relativo de 0,44.
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95
0,55
0,44
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
fem masc
Gráfico 6 – Monotongação e Sexo: Ribeirão da Ilha e Florianópolis
Novamente, o resultado acima exposto vai ao encontro do obtido para a
palatalização da fricativa /S/ em posição de coda nos distritos em estudo (cf.
BRESCANCINI, 2002), onde as mulheres surgem como as que mais aplicam a regra
variável.
Embora a variável Idade não tenha sido selecionada na amostra correspondente
aos distritos do Ribeirão da Ilha e de Florianópolis, o cruzamento entre Sexo e Idade foi
apontado como estatisticamente relevante pelo programa computacional. Os resultados,
expressos no Gráfico 7 a seguir, indicam que as mulheres apresentam um padrão estável
quanto à aplicação da monotongação: as mais jovens e as mais velhas apresentam pesos
relativos praticamente idênticos, de 0,60 e 0,59, respectivamente. Com relação às faixas
intermediárias, as adultas jovens mostram-se também favorecedoras, com peso relativo
de 0,57, e as mulheres adultas, com idade entre 41 e 60 anos, mostram-se relativamente
pouco favorecedoras, com peso de 0,46.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
96
0
0,39
0,48 0,47
0,6 0,57
0,44
0,59
0
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
0,9
1
15 a 20 25 a 40 41 a 60 61 +
homemmulher
Gráfico 7 – Monotongação e Sexo x Idade: Ribeirão da Ilha e Florianópolis
O resultado para os homens assume uma direção oposta quando comparado ao
das mulheres no Gráfico 7. Embora abaixo do ponto de referência 0,50, a curva
verificada aponta levemente para o enfraquecimento da monotongação em estudo: os
adultos jovens apresentam o peso relativo menos favorecedor, de 0,39, enquanto as
faixas mais velhas apresentam pesos relativos mais altos, de 0,44 e 0,47.
Sumariando, o presente estudo indicou que a monotongação do ditongo
decrescente diante de fricativa palato-alveolar caracteriza-se como um processo de
baixa aplicação na amostra representativa do açoriano-catarinense. No entanto, os
distritos em exame apresentam comportamentos distintos quanto ao processo: enquanto
no distrito da Barra da Lagoa há indícios de que o léxico exerça papel, nos distritos do
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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Ribeirão da Ilha e de Florianópolis, centro urbano, o condicionamento fonético se faz
presente.
Por apresentar como contexto seguinte preferencial a fricativa palatalizada, é
possível apontar para a relação entre o processo em exame e o de palatalização em coda,
o que se confirma, nos distritos do Ribeirão da Ilha e de Florianópolis, pela preferência
das mulheres à sua aplicação e pelo contexto seguinte fricativo palato-alveolar
desvozeado, assim como se verifica também para a regra variável de palatalização.
Ainda nesses distritos observa-se que a monotongação em estudo dá mostras de perda
de força, sobretudo entre os homens.
Embora a análise conduzida pela perspectiva do grupo aponte para um processo
de baixa aplicação, a análise conduzida a partir da perspectiva do indivíduo indica
diferentes graus de variação intra-individual. É possível identificar, nesse sentido, uma
situação de polarização, com Florianópolis e Ribeirão da Ilha em um extremo, marcada
por maior variação intra-individual, e Barra da Lagoa em outro, onde a variação intra-
individual é menos provável.
É possível inferir que a redução do ditongo decrescente diante de coda fricativa
palato-alveolar dá mostras de perda de força entre os mais jovens do distrito da Barra da
Lagoa. Quanto à avaliação social do processo, percebe-se ausência de correlação entre
redução e prestígio, já que os altos pesos relativos apresentados pelos indivíduos mais
escolarizados dizem respeito a taxas altas de produção individual.
Referências Bibliográficas BOLÉO, M. de P. Estudos de lingüística portuguesa e românica: dialectologia e história da língua. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1 (1): XV, 1974.
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.
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