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XI Mostra de Teatro da UFRJ

À mostra

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XIMostra

de Teatroda UFRJ

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impressões

Revista-programa sobre a XI Mostra de Teatro da UFRJ, uma publicação laboratorial da Escola de Comunicação (ECO), fruto da parceria entre os cursos de Jornalismo, Produção Editorial e Direção Teatral. Publicação sem fins lucrativos

Professor responsávelCristiane Costa

Editores assistentesJanaina DoreaMaria Clara Senra

ReportagemAna Beatriz RangelCibele ReschkeJanaina DóreaJulia RicciardiLivia Sant´anaManuela PortoMaria Clara SenraMichelle BatistaPatricia VallePedro Ivo BatistaRafael Soares  Saulo PereiraTaís GomesVerônica RanerVinícius CunhaYuri Hutflesz

Edição de arteJosé Antonio de Oliveira(a partir de projeto de João Carlos Guedes)

ProduçãoErika Neves

12•Final Feliz por Lívia Nascimento14•Da ação para a criação por Tiago Diógenes16•Dramatorgia por Diogo Liberano18•De casa para o teatro por Thiago Paciência20•EncenAção 2011, teatro e mobilização por Andréa Pinheiro, Celeia Machado,

Céli Palácios e Fátima Novo22•Quem se permite ao delírio? por Olívia Zisman24•Na veia por Gleise Nana26•Transe entre pedras móveis por Natássia Vello28•A vida na Estufa por Nina Balbi30•Da arte de presentear por Ricardo Libertini32•Para mudar o percurso por Dominique Arantes

Xpressõese

13•Eterno recomeço por Vinícius Cunha15•Deus está morto por Taís Carvalho17•O espetáculo como organismo sensível por Janaina Dórea19•Sobre memórias e desencantos por Rafael Soares 21•A arte de fazer teatro na escola por Maria Clara Senra23•Sonho, logo não existo por Yuri Hutflesz25•Dizem que sou louco por Livia Sant´ana27•Uma experiência sensorial por Cibele Reschke29•Fragmentos do nosso tempo por Saulo Pereira31•Feito para um novo começo por Verônica Raner33•Vidas automatizadas por Ana Beatriz Rangel

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Editorial

A revista da Mostra de Teatro da UFRJ começou tímida e

modesta. Foi mudando de cara, esticando, crescendo.

No ano passado, já chamava a atenção por sua beleza. E,

este ano, amadureceu de vez. Retrato vivo de um evento

cultural que cada vez mais vem ganhando importância dentro da

universidade, e mesmo fora dos seus muros, a revista deixou de abordar

apenas as peças que estão sendo encenadas, para, quem sabe, se tornar

o embrião de uma revista sobre teatro.

Alunos do novíssimo curso de Reportagem de Revista, da Escola de

Comunicação da UFRJ, descobriram por conta própria uma série de

pautas sobre o universo teatral carioca. Abordando desde um site onde

jovens dramaturgos podem exibir seus trabalhos a um movimento para

que os editais de fomento não contemplem apenas projetos individuais

mas coletivos voltados à pesquisa da linguagem cênica, esse incansável

grupo de alunos de jornalismo teve um gostinho do que é fazer jornalismo

cultural de verdade.

Os alunos do curso de Direção Teatral também foram convocados

a falar de suas criações, que destrincham na seção Expressões. Já aos

alunos de Jornalismo coube traduzir essas expressões artísticas em

impressões muito próximas das que o público terá ao assistir as peças,

além de levantar informações importantes para compreendê-las em sua

plenitude.

Amizades surgiram daí, admirações mútuas, mostrando que o

entusiasmo pelo trabalho do outro ultrapassa qualquer barreira de

linguagem ou enfoque disciplinar. Jornalistas ganham um olhar mais

artístico. Artistas, uma necessidade de explicar objetivamente o que

passa pela sua cabeça. O Teatro sai ganhando. O Jornalismo também.

Por Cristiane Costa

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Bem-vindo à XI Mostra de Teatro da UFRJ, uma realização do Cur-so de Direção Teatral da Escola de Comunicação em parceria com a Escola de Belas Artes, Museu Nacional, Fórum de Ciência e

Cultura, e Colégio de Aplicação da UFRJ.A Mostra — evento que anualmente abre as portas da UFRJ para o

público carioca — apresenta nesta décima primeira edição dez experi-mentos teatrais dirigidos por alunos-formandos do Curso de Direção Te-atral, além do trabalho de Artes Cênicas do Colégio de Aplicação dirigido por alunos de quarto período. Os 11 atos deste espetáculo são resultado do trabalho colaborativo de cerca de 200 participantes dentre os quais: alunos figurinistas e cenógrafos da EBA, alunos de jornalismo, audio-visual, iluminação e produção da ECo, estudantes do CAp, bolsistas de Iniciação Artística e Cultural ou de Extensão, professores orientadores, funcionários e elencos convidados. São cerca de 200 colaboradores de um projeto universitário marcadamente interdiciplinar e trans-setorial cujo cerne é o entrelaçamento entre teoria e prática, tradição e inven-ção, estética e política, ensino, pesquisa e extensão.

Na Mostra deste ano elegemos o tema “Rio de Janeiro” para norte-ar nossas reflexões. Discutimos sobre nosso contexto socio-cultural e modos de relação com a cidade; sobre como e por que fazer teatro no Rio de Janeiro hoje; sobre as estratégias conceituais e artísticas que utilizamos para conhecer e intervir em nosso meio; sobre as poéticas e políticas teatrais que ativamos para propor modos de pertencimento ativo. Afinal de contas, parte fundamental do trabalho de artistas, pro-fessores e estudantes é justamente conhecer, discutir e recriar mundo. O teatro é um laboratório coletivo de pesquisa sobre a condição humana, a co-existência, os modos de grupalidade, a vida em comunidade. Fato é que, ao elegermos o Rio de Janeiro como norte temático, nos depara-mos com o binômio artista-cidadão. Binômio fundamental para pensar e criar teatro tanto dentro, quanto fora da universidade.

No célebre Espaço Vazio, Peter Brook alerta: “Há sempre uma nova temporada a realizar e estamos muito ocupados para parar e fazer a

XI MOSTRA deTEATRO da UFRJ

Eleonora FabiãoCoordenadora do Curso de Direção Teatral

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Afinal de contas, parte fundamental do trabalho de artistas, professores e estudantes é justamente conhecer, discutir e recriar mundo

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um espetáculo em onze atos

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única pergunta vital […]. Por que afi-nal teatro? Para quê? Será um ana-cronismo, uma curiosidade ultrapas-sada sobrevivendo como um monu-mento ou um costume estranho? Por que aplaudimos e o quê?” Pois, caro Brook, felizmente há sempre uma nova Mostra a ser realizada e são muitas as perguntas rondando, im-pulsionando, atazanando. Felizmen-te, caríssimo Brook, não estamos por demais ocupados para fazer pergun-tas vitais. Muito pelo contrário, esta-mos justamente ocupados com elas e ocupamos um espaço extremamente

propício para encará-las: a universi-dade. Uma universidade brasileira; mais precisamente, a Universidade Federal do Rio de Janeiro onde, ins-pirados por suas questões, nos per-guntamos: por que afinal teatro no Rio de Janeiro hoje? Para que teatro no Rio? Será um anacronismo, uma curiosidade ultrapassada sobreviven-do como um monumento ou um cos-tume estranho? Ou será uma prática antimonumental e marcadamente co-letiva mais do que necessária? Uma tecnologia de ponta capaz de ende-reçar reais necessidades da criatura

contemporânea? Por que aplaudimos e o que aplaudimos no Rio de Janei-ro? O que entendemos por “teatro” e como queremos que teatro atue nesta cidade e neste momento histórico?

Pois caro Brook, caros leitores e caros espectadores, precisamos se-guir pensando para fazer e fazendo para pensar. Pensando, para fazer mais teatros e mais perguntas. E fa-zendo mais teatros e mais perguntas, para pensar mundo. A Mostra de Tea-tro da UFRJ é pois um espaço de cria-ção e formação: criação e formação de artistas, teatros e mundos.

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A Mostra de Teatro da UFRJ envolve, além dos formandos do Curso de Direção Teatral da Escola de Comunicação, os próprios alunos deste curso que atuam como atores e produtores, os alunos dos

cursos de Indumentária e Cenografia da Escola de Belas Artes que cui-dam dos figurinos e cenários e também os professores destes cursos que atuam orientando os trabalhos dos alunos. Este ano, conta com 11mon-tagens, quatro delas criações dramatúrgicas coletivas, e uma monta-gem dos alunos secundaristas do CAP- UFRJ. Para Adriana Schneider, coordenadora da Mostra de Teatro da UFRJ, o interesse dos estudantes pelo trabalho de criações dramatúrgicas colaborativas vem crescendo a cada ano. Também é uma tendência, que aumenta a cada ano, a con-quista dos alunos de financiamentos através de editai de fomento para a realização de temporadas fora dos muros da Universidade, bem como a participação em festivais por todo Brasil. Apesar de serem um trabalho obrigatório de conclusão de curso, os espetáculos também servem como entrada no circuito e, principalmente, no mundo profissional.

Para alguns alunos que nunca tiveram experiências além do mundo acadêmico, a Mostra serve como uma ótima preliminar para o que os espera. Segundo Adriana, o fato dos professores do corpo docente esta-rem ativos - tanto como pesquisadores ou como artistas e profissionais atuantes - faz com que o curso se atualize constantemente, já que essa relação sempre os mantém em tensão com a profissão e o mercado. A possibilidade de contato direto dos alunos com os profissionais da área ainda na faculdade também enriquece o aprendizado.

Na visão dela, como professora, artista e pesquisadora, não é possível separar seu trabalho em vários campos estanques. Todas as instâncias se integram, a sala de aula possibilita a pesquisa e experimentação para uma montagem de espetáculo, por exemplo, e vice-versa. Hoje a Mostra acontece dentro dos limites da Escola de Comunicação, mas também é levada para o Museu Nacional, diversificando um pouco mais o público e o acesso. O desejo de todos os envolvidoé é, cada vez mais, ter disponível uma melhor infra-estrutra, para o curso e, consequentemente, para Mos-tra, com mais salas de ensaio, espaços para espetáculos e material para que a UFRJ se aprimore e possa se tornar uma referência.

Ligada ao teatro desde criança, Adriana hoje faz parte do Grupo Pe-dras, que tem como marca de sua fundação a peça de formatura de

Uma aula de teatroMostra de teatro da UFRJ comemora 11 anos levando as experimentações do curso de Direção Teatral para o público carioca

Por Manuela Porto

•••A proposta é inserir o aluno em um ambiente que o aproxima das outras disciplinas oferecidas, como Jornalismo, Produção Editorial, Publicidade e Audiovisual, enriquecendo a sua formação e delineando um profissional com um perfil diferenciado•••

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uma ex-aluna do curso. Desde então, a universidade marca afetivamente a sua trajetória e hoje representa parte significativa de sua vida. Como pro-fessora de Direção Teatral substituta em 2004, 2007 e 2008, e professo-ra adjunta desde 2009 ela conhece como poucos a dinâmica do curso que forma profissionais que imaginam, concebem e dirigem o processo de criação de um espetáculo. Criado em

1994, Direção Teatral é um Bachare-lado em Artes Cênicas com habilita-ção em Direção Teatral, e não em Co-municação como muitos imaginam. A implementação do curso na Escola de Comunicação foi muito discutida e é, hoje, o que o diferencia de outros cursos, como na Unirio, por exemplo.

A proposta é inserir o aluno em um ambiente que o aproxima das outras disciplinas oferecidas, como

Jornalismo, Produção Editorial, Pu-blicidade e Audiovisual, enriquecen-do a sua formação e delineando um profissional com um perfil diferen-ciado. Assim, ele pode ir além da di-reção de espetáculos, infiltrando-se em novos projetos, descobrindo as interfaces do teatro com o cinema, a televisão, o rádio, a produção cul-tural e, até mesmo, as novas tecno-logias digitais e multimídia.

Renato Mangolin

“Pessoas”, dirigido por Susanna Kruger, de 2009

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Cinco anos se passaram desde que a Sala Oduwaldo Vianna Filho, mais conhecida como Vianninha, começou a sediar a Mostra de Teatro da UFRJ. Durante esse período, o es-paço sofreu grandes transformações, deixando de ser um local retalhado por três salas

e um corredor, para se firmar como o principal palco da mostra de artes cênicas da univer-sidade. Nesta XI edição da Mostra, a Vianninha vem com uma novidade que promete mudar a relação dos alunos com o local. Dezoitos plataformas pantográficas vão ser utilizadas para remodelar o conceito de espaço teatral. Versáteis, podem ser usadas na composição da plateia ou na montagem do palco, dependo da ideia que cada diretor pretende colocar em cena. Os alunos poderão optar entre seis maneiras de usar o espaço, variando a capacidade de público entre 78 e 114 lugares.

Coordenador técnico da Mostra e professor do curso de Direção Teatral, José Henrique Mo-reira destaca a evolução do uso da sala e garante que, hoje, o espaço é referência de qualidade em toda a cidade. “Em termos de instalação técnica, a Vianninha é bem superior à maioria das casas de espetáculo do Rio de Janeiro”, afirma. A expectativa é de que a plateia também se surpreenda com as inovações de uma Vianninha clássica, mas high tech. “Acho que o público que nos acompanha desde a primeira Mostra também vai ficar surpreso com a mudança de cara da Vianninha.”

Qual é a importância da Sala Vianninha para os espetáculos da Mostra de Teatro?

José Henrique Moreira A Vianninha é o único espaço com dimensões e equipamentos ade-quados aos trabalhos de formatura dos alunos-diretores. Além disso, é um local onde são realizados muitos dos ensaios das peças. Seria impossível, atualmente, produzir a Mostra de Teatro sem a sala.

Como ela surgiu?

A área hoje ocupada pela Vianninha corresponde a um salão original do Palácio Universitário que, até 2005, estava retalhado por divisórias em três salas de aula e um trecho de corredor. Dá para se ter uma ideia do que era observando-se o espaço ocupado pelas salas da Pós-Graduação, da Congregação e do Gabinete da Direção da ECO, que ainda são um outro salão dividido. Em 2006 aconteceu a primeira mostra na Vianninha, em área menor do que a atual, e a partir de 2007 já tínhamos o espaço completo, embora ainda não totalmente equipado. Faz também parte do conjunto da Vianninha a chamada Sala de Conferências, onde é guardado o equipamento móvel.

Quais são as novas possibilidades que a remodelação proporciona em termos de iluminação, cenário e sonoplastia?

Houve uma evolução técnica muito grande desde a derrubada das paredes falsas que seccio-navam o salão. Confeccionamos vestimenta cênica e adquirimos urdimento em estrutura de alumínio e, este ano, plataformas pantográficas para palco ou arquibancadas. Também deve ser mencionado o equipamento móvel, ou seja, luminárias, aparelhagem de som, comando de iluminação e conjunto de ferramentas para uso das produções.

Sala VianninhaPor Pedro Ivo Batista

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Será uma experiência muito interessante, pois os alunos-diretores terão que aprimorar sua reflexão sobre o uso do espaço

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Pedro Ivo Batista/Janaina Dorea

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Qual foi a motivação para criar a Sala Vianninha?A Direção Teatral não tinha, até 2005, um espaço de trabalho (aulas práticas, ensaios e apresentações) decente, e essa foi a razão básica da reforma, pois a qualidade do curso estava seriamen-te comprometida. Também faltava um espaço nobre para a ECO, onde even-tualmente pudessem ser feitos eventos como palestras, colações de grau, ex-posições etc. A Direção Teatral lutou pela criação de uma sala que hoje é frequentemente solicitada pelo resto da escola.

A novidade da Mostra desse ano é a chegada de mais plataformas panto-gráficas. Quantas foram adquiridas e como foi essa aquisição?Não são “mais” plataformas; são “as” plataformas, porque não tínhamos ne-

nhuma. Chegaram 18 módulos, adqui-ridos a preço de mercado por licitação pública. Foi uma compra direta da Rei-toria, sem ônus para o orçamento da ECO, com o valor total em torno de 50 mil reais.

Existe mais alguma novidade em ter-mos espaciais na Mostra desse ano?Espacial, não; técnico, sim. Final-mente vai entrar em uso a mesa de comando de iluminação digital rece-bida em 2003 por um programa de reequipamento das universidades fe-derais, chamado Prorecon. Na ocasião, o MEC cometeu um erro e não enviou os dimmers digitais que operam junto com a mesa, tornando-a inútil. Durante anos tentamos essa compra, que afinal se realizou no ano passado, mas não mais a tempo da Mostra 2010, que ain-da foi operada em comando analógico.

Outra novidade operacional é a partici-pação, junto aos técnicos contratados para a Mostra, da equipe SUAT (Sis-tema Universitário de Apoio Teatral), coordenada por mim e formada por alunos de Direção Teatral, Radialismo, Cenografia, Arquitetura e Enegenharia Elétrica. São bolsistas ou voluntários que têm atuado na logística de eventos em toda a universidade, aplicando os conhecimentos que adquirem em aula à produção técnica das manifestações culturais da UFRJ.

Qual é a expectativa para uma Mos-tra com novas estruturas e um am-biente mais versátil e flexível? Será uma experiência muito interes-sante, pois os alunos-diretores terão que aprimorar sua reflexão sobre o uso do espaço, que tem sido relativa-mente pobre nos anos anteriores.

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XIMostra

de Teatroda UFRJ

XI Mostra de Teatro da UFRJ11/11 a 18/12/2011, de terça a domingo, às 20hLocal: Escola de Comunicação (ECO) – Campus da Praia VermelhaSala Oduwaldo Vianna Filho (Vianninha)ENTRADA FRANCA(Distribuição de senhas 1 hora antes de cada apresentação)

Resumo da programação

11, 12 e 13/11/2011 (SEX, SAB e DOM)“Eu sou Ernesto”, baseado em “I’m Herberth”, de Robert AndersonDireção: Lívia Nascimento

15, 16 e 17/11/2011 (TER, QUA e QUI)“Deus [ex-sietemiun]”, criação coletiva baseada na obra “God (a play)” de Woody AllenDireção: Ticiano Diógenes

18, 19 e 20/11/2011 (SEX, SAB e DOM)“Sinfonia sonho”, de Diogo LiberanoDireção: Diogo Liberano

22, 23 e 24/11/2011 (TER, QUA e QUI)“No Natal a gente vem te buscar”, de Naum Alves de SouzaDireção: Thiago Paciência

25, 26 e 27/11/2011 (SEX, SAB e DOM)Três turmas do Segundo Ano do Ensino Médio do CAp-UFRJ, sob a direção dos alunos do quarto período do Curso de Direção Teatral, apresentam: “EncenAÇÃO 2011”“Terror e Miséria no III Reich”, de Bertolt Brecht, “Plutus”, de Aristófanes e “Liberdade, Liberdade”, de Millôr Fernandes e Flavio RangelDireção: Davi Palmeira

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“Antígona”, de Sófocles, e “Roda Viva”, de Chico BuarqueDireção: Edney Paiva

“Lisístrata”, de Aristófanes, “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna e “Os Saltimbancos”, de Chico BuarqueDireção: Manuel Rosa

29, 30/11 e 01/12/2011 (TER, QUA e QUI)“Sonho, logo não existo”, criação coletivaDireção: Olivia Zisman

02, 03 e 04/12/2011 (SEX, SAB e DOM)“4:48h Psicose”, de Sarah KaneDireção: Gleise Nana

06, 07 e 08/12/2011 (TER, QUA e QUI)“Em trânsito”, criação coletivaDireção: Natássia Vello

09, 10 e 11/12/2011 (SEX, SAB e DOM)“Estufa”, criação coletivaDireção: Nina Balbi

13, 14 e 15/12/2011 (TER, QUA e QUI)“Feito pra acabar”, de Vanessa SilveiraDireção: Ricardo Libertini

16, 17 e 18/12/2011 (SEX, SAB e DOM)“Por trás do acaso vivem os insetos”, de Dominique Arantes (a partir de processo colaborativo)Direção: Dominique Arantes

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Meu avô me diz ao telefone que minha avó está brava e quer falar comigo. Eu não entendo e peço que ele passe o telefone para ela. Ouço, então, ele a chamando, dizendo que eu estou brava e quero

falar com ela. Ela não entende. Ele gargalha escancaradamente com a confusão que criou, dizendo que o que vale é causar intriga... e ri... Eles estão casados há 53 anos e para mim sempre foram o casal de velhinhos mais fofo do mundo. Junto com outros parentes e amigos, que são idosos desde que eu nasci, eles me fazem refletir,e observar coisas sobre o cotidiano, o passado e o futuro.

Parti, então, em busca de uma base; um diálogo entre dois velhinhos, em que pudéssemos acrescentar ao texto o que julgássemos pertinente ao tema. Encontrei Eu sou Ernesto, e tirei os dois das cadeiras de balanço em que ficavam o tempo todo no texto original para fazê-los viver. Como representar um dia inteiro em cerca de uma hora? De que forma fazer 20 anos se tornarem 80, sem perder a lucidez e a sagacidade típicas dos anos rebeldes? Quando falar e quando deixar a pausa provocar a tensão no público, respeitando os limites precisos de tempo de uma comédia? As perguntas eram muitas, e o tempo era curto.

A equipe de cenografia lhes deu uma casa; as figurinistas, roupas, acessórios e rugas; os preparadores corporais deram aos jovens atores o peso dos anos vividos; os iluminadores fizeram acontecer o dia e a noite, e a produção deu todo o apoio para tudo isso acontecer. Os atores, é claro, deram vida às palavras escritas e pesquisadas, encontrando pausas, gestos e novas piadas. Os orientadores - todos eles - nos auxiliaram a lapidar o que queríamos pôr em cena. Nada do que será visto seria possível sem a ajuda preciosa de cada pessoa da equipe, à qual sou extremamente grata.

O texto vai ganhando sons, movimentos e vida. A cada descoberta, uma anotação, um comentário. Impossível não rir nos ensaios. Conversando com idosos, vendo filmes e tentando ao máximo dialogar com tudo o que a idade acarreta, acabamos pensando também no tipo de velhinhos que desejamos um dia ser. Problemas existem. O joelho dói, o chão puxa e às vezes o simples movimento de levantar exige uma concentração muito maior do que a que utilizamos hoje. Mas acreditamos também que tudo pode ser superado, se a base de uma vida boa – alegria e amor – permanecerem conosco.

Abrimos a Mostra de Teatro da UFRJ deste ano com o desejo de que o espectador entenda, como nós entendemos, que o importante é se manter feliz. Que maravilhoso é sabermos que a dor existirá, na vida e na velhice, mas que temos que saber rir. Aprendido isso, tudo fica mais fácil. Eu, pelo menos, sei que quero estar com 80 anos como meus avós estão hoje – fazendo hidroginástica, viajando e, sobretudo, rindo. Porque uma coisa é certa: é o riso que os mantém vivos. E assim são Marta e Ernesto... todas as peças do quebra-cabeças então se encaixam pra que, no final do dia, eles durmam felizes.

Final felizPor Livia de Almeida Nascimento

“Eu Sou ERNESto”baseado em “I’m Herberth”, de Robert AndersonDireçãoLívia Nascimentoorientação de direçãoLauro Goés e José Henrique MoreiraElencoArthur Ienzura e Jéssika MenkelIluminaçãoDavi Giordano, Eduardo Diaz, Marcos Mazzaro, Maria Paula de Oliveira, Rachel Mourão, Renan GuedesCenografia: Vanessa Alves Assistência de cenografiaTaiana de Oliveiraorientação de cenografiaAndré SanchesFigurino e CaracterizaçãoDaniele Gabriel, Isabel de Lima e Rafaely Victerorientação de figurino e caracterizaçãoMadson OliveiraPreparação CorporalCecilia NascimentoProduçãoDavi Giordano

Classificação etáriaLivre

11, 12 e 13/11/2011 (SEX, SAB e DoM),

às 20h

Livia arma com delicadeza o quebra-cabeça que inclui detalhes de relacionamentos, nomes de antigos parceiros e situações vividas por Marta e Ernesto. Cujas vidas são como as de qualquer um. Com histórias dentro de his-tórias, o que não haveria de ser diferente. Um sorriso no canto de sua boca reflete que o trabalho da diretora com as personagens está fluindo. A peça nos faz crer que não importa se Ernesto ou Marta estão certos sobre o amor

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Eterno recomeço

Por Vinícius Cunha

O retorno de Muriel do banheiro, inteiramente maquiada, surpreende Ernesto. Ele a mira com seu binóculos parecendo não acreditar no que vê. “E eu lá vou esperar pela morte feia?”, retruca ela, ao olhar incrédulo do marido. Gabriel García Marquez dizia que “o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”. À primeira vista, a distância marca a relação das personagens, mas parece que a surdez que a idade traz impediu que o casal de Eu sou Herbert - que nesta adaptação atendem por Marta

e Ernesto -, escutasse as palavras do escritor colombiano.

As memórias claudicantes, que flutuam do passado para o presente, são responsáveis por manter acesas, por meio de gestos, palavras e até objetos, a graça do relacionamento do casal de idosos. Ciente das associações, Livia Nascimento observa seu par de jovens atores a ensaiar, únicos no tablado. Por trás de cuidadoso olhar, ela os faz acreditar que, a cada fala, Ernesto e Marta são eles e que o relógio biológico se desconcertou fazendo da arte a vida.

Livia arma com delicadeza o quebra-cabeça que inclui detalhes de relacionamentos, nomes de antigos parceiros e situações vividas por Marta e Ernesto. Suas vidas são como as de qualquer um. Com histórias dentro de histórias, o que não haveria de ser diferente. Um

sorriso no canto de sua boca reflete que o trabalho da diretora com as personagens está fluindo. A peça nos faz crer que não importa se Ernesto ou Marta estão certos sobre o amor, porque o passado é pequeno demais diante da comunhão em que a vida se tornou. Despertar e adormecer ao lado de um companheiro, mais que amante, é o essencial quando se envelhece.

Trabalhar entre a fronteira do riso e do drama requer cuidado e, com o primor dos mestres, Lívia guia seu teatro explorando a condição humana e as relações que estabelecemos com um humor sutil. A velhice não deve ser encarada como o fim de um ciclo, mas como a maior invenção da vida. Desfrutar deste eterno recomeço é vantagem de poucos. Como Ernesto e Marta, que têm, nas mãos enrugadas pelo tempo, seu porto seguro.

Livia arma com delicadeza o quebra-cabeça que inclui detalhes de relacionamentos, nomes de antigos parceiros e situações vividas por Marta e Ernesto. Cujas vidas são como as de qualquer um. Com histórias dentro de his-tórias, o que não haveria de ser diferente. Um sorriso no canto de sua boca reflete que o trabalho da diretora com as personagens está fluindo. A peça nos faz crer que não importa se Ernesto ou Marta estão certos sobre o amor

Lívia Nascimento

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O teatro, a mim, se parece com uma proposta de ensaio para a vida, de compartilhamento de visão de mundo, de proposta a uma nova saída mágica para nos entendermos como espelhos – de identidade e

alteridade – uns dos outros e do cosmos. A representação está mais ligada a “ser um representante” do que em “desempenhar a mimesis” de algo. Um processo de construção sistêmica de espaço que gera corpo, que gera pensamento, que gera linguagem, que gera espaço (retornando o ciclo), para dar a ver como nossos estados mentais criam territórios ao nosso redor, como redes de afetos, de percepções e sensações. Isto é o que chamamos de deus ex-sietemiun, que surge da tensão entre fluxos de linguagem, em contraponto ao deus ex-machina, dispositivo que pretende causar um efeito final, ao surgir dos céus e resolver os problemas, trágicos e dramatúrgicos, como algo exterior ao que acontece na cena.

Esse deus ex-sietemiun é um hiperfluxo de ação para criação tendo como base a equação T(E) = v/a, onde a energia fatorada pelo tempo é igual à velocidade dividida pela arquitetura. Daí podemos pensar as medidas que “Deus” pode ter, onde se fixam seus ritornelos, qual a proporção áurea dentro da dramaturgia deste espetáculo. Tudo é número, e as operações são tão variáveis quanto as diferenças entre um ator e outro. As possibilidades de jogo são infinitas! Nós estamos no meio dele, ele está no meio de nós. E aqui é cartografado pela sinestesia de linguagens, por metalinguagem, para ir a fundo nas bases do pensamento filosófico ocidental e sair pelo outro lado, romper as fronteiras e voltar sobre elas modificado, a fim de pensar o pensamento, fazer a peça dentro da peça dentro da peça, dentro da vida. Evocar e plasmar a construção de territórios mentais através dos trabalhos sobre o tempo e o espaço.

A máxima ocidental da lógica do pensamento causal, que se abre, em nossos tempos, para dar lugar a uma cultura da eficácia, onde não importa muito de onde vêm ou para onde vão as coisas, mas apenas para que elas servem, nos afirma que, se perdemos o paraíso com a morte de Deus, o con-tato com a transcendência fica salvaguardado pelas interfaces entre o corpo e as novas tecnologias de máquinas, que substituem o potencial natural da criatividade e dos esforços coletivos. Esse comportamento aparece como a mais recente etapa da história humana, desde que houve o divórcio entre a cultura e a natureza – quando a filosofia preconizou o pensamento como processo exclusivo do homem, e que esta produção nada tinha a ver com a natureza, transformando-a, assim, em nada mais que “recursos naturais”. Esse deus ex-machina que falha e me retorna à falha das máquinas de sal-vação do capital, da globalização, da atitude blasé pós-moderna, é a nossa era parodiada. E nessa comédia, que leva o nome de Deus, sem pecado de dizê-lo em vão (afinal, qual o nome de Deus? Se Deus não se chamasse Deus, qual nome ele teria?), vamos compor o cordão de um novo riso, atualizado e esperançoso por uma nova visão e um novo entendimento do pensamento e do verbo livres, em amor à humanidade e em homenagem a Prometeu, o titã que já sabia desde o início qual seria o nosso destino: nos reencontrarmos com os deuses através da linguagem.

Da ação para a criaçãoPor ticiano Diógenes

“DEuS [EX-SIEtEMIuN]”criação coletiva baseada na obra“God (a play)”de Woody AllenDireçãoTiciano Diógenesorientação de direçãoAdriana SchneiderAssistência de direçãoNina BalbiElencoChico Rondon, Danielle Ribeiro, Lucas Bueno, Luciana de Oliveira, Pedro Conrado, Pedro Poema, Pedro Poncioni, Rosa Antunes, Thiago Carvalho IluminaçãoDavi Giordano, Eduardo Diaz, Marcos Mazzaro, Maria Paula de Oliveira, Rachel Mourão, Renan Guedes Direção de arteVinícius Lugon Assistência de cenografiaFelipe Tomaz, Flávia Cristino, Nathália Borges, Laura Storino, Samanta Toledo, Samuel Ramos e Yuri Azevedoorientação de cenografia e figurinoAndréa RenckVisagismoRosa AntunesPesquisa SonoraTarso Gusmão, Letto e Phillipe Maia  ProduçãoRenan Guedes

Classificação etária14 anos

15, 16 e 17/11/2011 (tER, QuA e QuI),

às 20h

Para os gregos, o teatro é a representação da cidade e espetáculo significa espelho. O que iremos ver na estréia da peça é o espelho de nossa própria alma. “Não vejo sentido em finalizar uma obra, marcar uma peça e entregar algo pronto no palco. Tem muito mais a ver com o laboratório, treinar e aperfeiçoar nossa precisão de ação e nossa decisão de ação sobre o texto. Investigar quais são as maneiras de exercer essa ação consciente sobre esse mapa”

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Para os gregos, o teatro é a representação da cidade e espetáculo significa espelho. O que iremos ver na estréia da peça é o espelho de nossa própria alma. “Não vejo sentido em finalizar uma obra, marcar uma peça e entregar algo pronto no palco. Tem muito mais a ver com o laboratório, treinar e aperfeiçoar nossa precisão de ação e nossa decisão de ação sobre o texto. Investigar quais são as maneiras de exercer essa ação consciente sobre esse mapa”

Danielle Ribeiro

Deus está mortoPor tais Carvalho

A peça Deus, escrita por Woody Allen, foi publicada no livro Sem plumas, que traz textos variados do genial diretor. O texto começa com o diálogo do autor da peça com seu ator sobre o final ainda inexistente da história. Elementos conhecidos de Woody Allen estão presentes: diálogos rápidos e ácidos, humor, filosofia, sexo, ironia.

Mas nenhum desses elementos influenciou o diretor Ticiano Diógenes, que nunca viu um filme de Allen. Ele se apaixonou pela peça há dez anos, quando estudava teatro, e teve contato

com a montagem de 1992. Foi quando o ator e diretor Antônio Pedro Borges, que participava da peça, presenteou Ticiano com uma cópia autografada do texto. Agora, dentro do curso de direção teatral, o momento de dar vida a Deus chegou.

Dez anos de muitas referências e estudos tornaram o processo mais leve. Como influências, foram usadas teorias quânticas científicas e filosóficas mais do que cinematográficas. Na roda feita para a nossa conversa sobre o processo, falamos sobre Gilles Deleuze, Félix Guattari, Luigi Pirandello e Pitágoras. Referências tão diversas quanto o elenco: além de atores, encontramos artistas plásticos, vidografistas, produtores musicais e até um historiador.

Ticiano iniciou os ensaios propondo discussões teóricas sobre os quatro pilares que sustentam esse espetáculo: espaço, pensamento, linguagem e corpo. Outra técnica citada foi o viewpoints, que coloca em relação nove pontos de vista que envolvem questões de tempo e espaço: quatro de tempo e cinco de espaço. “A relação entre eles são intermináveis e infinitas. O texto pode ser trabalhado em vários tempos, como um mapa, e encaixado de diversas maneiras”, explica.

O texto, provocativo, evoca questões tão antigas quanto a própria humanidade (Para onde vamos? Quem somos?) e tão atuais como colocar em xeque todos os sistemas, quando todas as respostas falham. Nesse momento invocamos o deus ex-machina, que surgiria dos céus para resolver nossos problemas. Um final Hollywoodiano, decreta Woody Allen. Mas o que acontece quando a máquina quebra?

Para os gregos, o teatro é a representação da cidade e espetáculo significa espelho. O que iremos ver na estréia da peça é o espelho de nossa própria alma. “Não vejo sentido em finalizar uma obra, marcar uma peça e entregar algo pronto no palco. Tem muito mais a ver com o laboratório, treinar e aperfeiçoar nossa precisão de ação e nossa decisão de ação sobre o texto. Investigar quais são as maneiras de exercer essa ação consciente sobre esse mapa”, declara Ticiano, convocando todos a provar essa experiência coletiva de teatro e vida.

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3500 caracteres. É muita coisa. O que dizer? Que se trata de uma peça de formatura? Que neste exato momento (domingo, dois de outubro de dois mil e onze, treze horas e quarenta minutos), Sinfonia Sonho é

mais sonho do que sinfonia, é mais desejo do que outra coisa? Que ainda te-nho algumas semanas para escrever e encenar esta pequena história cosida a muitas mãos? Que com a formatura a gente fica ainda mais abusado? Que a gente acha que pode? A gente acha que tá tudo bem, a nossa propensão ao impossível dispara e só cresce. A gente fica abusado. Eu fico! Não posso negar. Essa formatura me devolve a mim mesmo e me faz reconhecer como este tempo todo de graduação me fez maior, melhor e mais destemido. Não é lindo? O que uma formação pode fazer? Não quer dizer ser bom ou ruim, pior ou melhor (esta graduação faliu em mim trocentas dicotomias, faliu todos os nomes e conceitos). Quer dizer que essa graduação me fez ser alguém disposto ao absurdo, disposto a comprar briga com dragões e seres outros deste mundo. Esta graduação me calibrou na medida em que exigiu de mim resultados. E me fez olhar para o caminho tentando assimilar o porquê de alguns passos dados. Eu, sem medo de dizer, saio daqui – de fato – abusadíssimo. Querendo comprar briga. Saio carregado de tudo: pessoas, encontros, referências, dúvidas e impaciências. Eu saio ainda mais pilhado do que quando entrei.

Ao elenco e equipe desta criação, não vale agradecer. Ainda precisamos correr juntos este mistério que inventamos sem saber. O que virá lá na fren-te: eu não sei dizer. Mas, então, eu peço: vamos juntos. A gente, junto, pode se escorar. A gente, junto, pode. Isso é certo. Absolutamente certo. Somos inesgotáveis. Essa é a minha certeza.

Por último, aos amigos da turma Máquina 2 (aquela que ingressou em dois mil e seis barra um). Agradeço a vocês, amigos, pela presença. Ela me engrandece e ilumina. Ela volta em 2016, com Jogos na Hora da Sesta (exa-tamente dez anos depois de nossa estreia, no segundo período). Agradeço muitíssimo aos meus professores. Peço perdão pelo “meus”, mas não vou me privar de tê-los para mim. Todos vocês: de um extremo ao outro. Vocês foram – cada um a sua maneira – peças chaves. Vocês foram catalisadores, desesperadores, instigadores e problematizadores. Sem vocês eu teria sido apenas alguém satisfeito com o mundo. Obrigado pela diferença a mim im-posta, pela divergência, pelos encontros sim, mas sobretudo pelo atritar das opiniões. Sem isso, eu sairia desta Universidade alguém sem formação: bobo, desinformado e vago.

Sinfonia Sonho é um somatório de pequenos pedaços. É um quebra ca-beças. Pura Bricolagem. Quer dizer: pequenas peças cortantes e capazes de sumir e ou se esconder. É um jogo de tentativas (mais uma vez). É alguma possibilidade de se expressar o impossível. É o horror concentrado e sob o foco (preciso) da nossa atenção. É a descoberta de que o teatro é crueldade e não solução. É a aposta de que a crueza desta crueldade se converterá – quem sabe? – em escuta, espelho e ou distorção. É pura poesia. E pura in-venção. É puro sentido ainda a ser descoberto. Caminho e não construção. É revelação matemática e auscultação. Esta peça apresenta uma criança de nove anos – Kevin – na busca por aquilo que a capturou sem pedir sua autorização. Uma criança capturada por um desejo. Essa peça é um terror. Eu não gosto dela, de antemão. Mas tudo bem. Eu não preciso gostar. Ela não foi feita para mim. Eu não estou aqui para gostar de nada. Você está?

DRAMATORGIA

“SINFoNIA SoNHo”de Diogo LiberanoDireção e dramaturgiaDiogo Liberanoorientação de direçãoEleonora FabiãoAssistência de direçãoThaís BarrosElencoAdassa Martins, Andrêas Gatto, Dan Marins, Gunnar Borges, Laura Nielsen, Márcio Machado e Virgínia MariaCenografiaLeandro Ribeiroorientação de cenografiaRonald TeixeiraFigurino e visagismo: Isadhora Müller e Marina DalgalarrondoAssistentes de figurinoMarcela Diniz de Barros e Sabrina Paraíso Pessoaorientação de figurino: Desirée BastosIluminaçãoCarolina Calcavecchia, Davi Palmeira, Felipe Bibian, Helder Agostini, Pedro Rothe e Thaís BarrosDireção de movimentoHelena CantidioDireção musicalPhilippe BaptistePreparação vocalVerônica MachadoProduçãoGunnar BorgesCo-realizaçãoTeatro Inominável

Classificação etária16 anos

18, 19 e 20/11/2011 (SEX, SAB e DoM),

às 20h

Por Diogo Liberano

Perguntado sobre que tipo de mensagem gostaria de transmitir com a sua criação, Diogo Liberano afirmou não ser muito fã de passar mensagens e não acreditar ter essa obrigação como diretor teatral. “É muito difícil apostar no que estamos dizendo com um espetáculo. É um organismo sensível. Cada espectador lê o mesmo de uma forma distinta. Não quero dizer que há alguma coisa a ser lida. Quero saber o que foi que cada um leu ao assistir o espetáculo”

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O Espetáculo como organismo sensívelPor Janaina Dórea

Andar pelo mundo. Observá-lo. Enxergar suas cores belas e não ficar cego às tragédias cotidianas. Não é difícil constatar que tudo – absolutamente tudo – o que nos rodeia, independente de como e por que, tem um potencial latente para inspirar novas obras e novas formas de contar histórias.

As inspirações iniciais do diretor Diogo Liberano vieram a partir da leitura de dois livros. O Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, e Precisamos falar sobre Kevin, escrito por Lionel Shriver. O primeiro, escrito em 1968, combina elementos de diferentes campos do conhecimento, tais como filosofia, psicanálise, literatura, política e antropologia da arte. O segundo conta a história de um menino de 16 anos que, durante uma chacina no colégio em que estudava nos Estados Unidos, matou sete colegas, uma professora e um servente.

Como alguém que assistiu de fora à parte do processo de criação, posso dizer que foram essas as impressões que tive de Sinfonia sonho. Uma peça sobre pessoas e para pessoas. Mas que leva, porém, questões completamente humanas a extremos tão intensos que fazem com que os espectadores não se identifiquem, necessariamente, com o que está sendo contado. O que não é visto como um problema pelo diretor.

Segundo Diogo Liberano, As personagens vivem dramas que

extrapolam os dramas cotidianos. “Não quer dizer que aquilo que elas vivem não faz sentido, é falso. Não é isso. Quer dizer apenas que o seu sentir vem em uma medida que soa, aos espectadores, algo maior, além, over, fora de medida. Acredito que essa intensificação nos distancia de alguma forma de tais personagens”, afirma. Podemos sentir terror e piedade em relação a elas. Por isso, seus dramas parecem tão maiores..No final das contas, estou falando de dramas muito humanos, elevados, porém, a uma potência desconhecida, artificial, inventada.”

Sinfonia sonho tem seis personagens. Eva (Virgínia Maria) e Franklin (Daniel Carfa), que são os pais de Célia (Adassa Martins) e Kevin (Márcio Machado). Além de Corley (Andrêas Gatto) e Moira (Laura Nielsen), seus mais novos vizinhos. Eva foi promovida à diretoria de uma escola municipal fora de sua cidade e, por isso, precisou se mudar com a família. A mudança afeta não só a seu marido Franklin, que ainda está em luto pela morte do pai, mas também a seus filhos, Célia e Kevin.

Com apenas 9 anos, o menino Kevin acorda e, de um dia para o outro, se convence de que é preciso se tornar música. Esse desejo o consome de forma pujante, mostrando que não é apenas uma brincadeira de criança. A sua busca transtorna a relação familiar até o momento em que o seu deseja se concretiza. Mas qual é o significado de “virar música”? Será que existe alguma resposta para tal pergunta? E, se existir, será que são muitas ou apenas uma única e absoluta?

Perguntado sobre que tipo de mensagem gostaria de transmitir com a sua criação, Diogo Liberano afirmou não ser muito fã de passar mensagens e não acreditar ter essa obrigação como diretor teatral. “É muito difícil apostar no que estamos dizendo com um espetáculo. É um organismo sensível. Cada espectador lê o mesmo de uma forma distinta. Não quero dizer que há alguma coisa a ser lida. Quero saber o que foi que cada um leu ao assistir o espetáculo.” Então, acredito que seja essa a pergunta que realmente importa fazer. Qual foi a sua leitura de Sinfonia sonho? Com que olhos você a viu?

Perguntado sobre que tipo de mensagem gostaria de transmitir com a sua criação, Diogo Liberano afirmou não ser muito fã de passar mensagens e não acreditar ter essa obrigação como diretor teatral. “É muito difícil apostar no que estamos dizendo com um espetáculo. É um organismo sensível. Cada espectador lê o mesmo de uma forma distinta. Não quero dizer que há alguma coisa a ser lida. Quero saber o que foi que cada um leu ao assistir o espetáculo”

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Teatro, palavra derivada do latim theatrum, que vem do grego théatron, cuja etimologia significa “lugar de onde se vê”. O palco teatral é o mi-rante que escolhi para observar o mundo ao meu redor. Desse ponto de

vista privilegiado, uso o meu olhar de diretor teatral como lente de aumento e com microscopia secciono a instituição família, dentro desse todo social. Esse é o objetivo da minha montagem de formatura do curso de direção teatral: analisar esse núcleo social, que é a família.

Para isso, enceno a obra do dramaturgo brasileiro Naum Alves de Sou-za, pois considero No Natal a gente vem te buscar, a peça que melhor retra-ta – com muita brasilidade interiorana – as famílias de nosso país. Trata-se de uma obra dramática que desromantiza a instituição familiar, ao dissecar suas relações humanas e ao mostrar, nostalgicamente, a história de uma mulher em busca de seus familiares, na inglória tentativa de se reunir a eles, passando por uma trajetória de “subtração” familiar do qual é vítima.

O mérito do autor é derrubar as paredes de uma casa e arrancar seu telhado, expondo a instituição família aos olhos do público. Como encena-dor, venho enfiar o dedo nessa ferida exposta para que o público faça do riso uma forma de expurgar a dor; e da lágrima um alívio após a catarse. Quem sabe assim essas lágrimas quentes, ao escorrerem pelo rosto, ajudem a derreter as máscaras sociais que usamos no dia-a-dia. Para que, então, sai-bamos dar a cara à tapa e possamos nos olhar sem culpa perante o espelho.

O diretor é o primeiro espectador e ouvinte de uma montagem teatral. Shakespeare dizia: “We will hear a play” (nós ouviremos uma peça). Ser di-retor teatral é ofertar reflexões para quem vem nos assistir todas as noites. Meu interesse nesse ofício, um dos mais racionais que existem, é mobilizar famílias a saírem de casa para o teatro e atrair um público heterogêneo, demo-cratizando o acesso à arte. Diferente dos diretores televisivos, que através da linguagem audiovisual entretêm famílias em casa - lembrando que televisão, em sua etimologia, significa visão à distância -, nós diretores teatrais diminuí-mos as distâncias, tirando as famílias de casa e aproximando-as de nós.

Acho pertinente o tema desta Mostra ser Rio de Janeiro, pois sou natu-ral de Campos dos Goytacazes, região de lavouras canavieiras, banhada por bacias petrolíferas. A distância que separa esses dois municípios, mais que geográfica, é cultural. Ao sair de casa para fazer teatro, desbravei uma longa trajetória humana e acadêmica, iniciada em 2004 e que hoje se encerra. Refa-zer esse percurso por essa estrada memorialista é reunir o real (Campos) e o ficcional (Rio). É buscar em meu pretérito a razão de chegar até aqui.

Ontem, eu ouvia o apito do trem ao longe, carregado de cana-de-açúcar e todas as tardes minha avó me levava até a esquina para ver o trem passar. Eu via minha mãe estendendo lençóis brancos no varal, enquanto eu brin-cava de teatro no quintal de casa, debaixo das goiabeiras, cercado de galos, galinhas e pintinhos. Hoje, ao me formar, realizo um sonho de infância, e esta é a razão de chegar até aqui. Por isso, coloco nos lábios dessa criança que fui as palavras de Paulo Autran: “Sou apenas um homem de teatro. Sempre fui e sempre serei um homem de teatro. Quem é capaz de dedicar toda a vida à humanidade e à paixão existentes nestes metros de tablado, esse é um homem de teatro.”

De casa para o TeatroPor thiago Paciência

“No NAtAL A GENtE VEM tE BuSCAR”de Naum Alves de SouzaDireção Thiago Paciênciaorientação de direçãoAdriana Schneider e Eleonora FabiãoElencoAlan Pellegrino, Ton Martan, Virgínia Castellões, Vivianne InojosaIluminaçãoCarolina Calcavecchia, Davi Palmeira, Felipe Bibian, Helder Agostini, Pedro Rothe, Thaís BarrosCenografiaJoão Luiz Bezerra, Lene Alves e Leandro ViníciusFigurinoAdriana Diniz e Lene Alvesorientação de cenografia e figurinoRonald TeixeiraCostureiraAline NogueiraPesquisa sonoraCaio César Loures e Thiago Paciênciaoperadora de áudioMarcia PaulinoPreparação psicológicaAnamélia RochaProduçãoLene Alves e Pedro Rothe

Classificação etária16 anos

22, 23 e 24/11/2011 (tER, QuA e QuI),

às 20h

Todos os traços essenciais do texto de Naum estão lá: a ausência de nomes nos personagens, a estrutura formada por episódios que relacionam e opõem o passado e o presente da solteirona e os diálogos que alternam drama, ironia e, por vezes, críticas veladas ao regime militar. A montagem segue, ainda, a mesma linha da proposta feita originalmente pelo também cenógrafo Naum. Quatro atores – dois homens e duas mulheres –, quatro cadeiras e nada mais

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Sobre memórias e desencantosPor Rafael Soares

No livro de memórias de Naum Alves de Souza, o presente é implacável, o passado é revelador e o futuro é incerto. Em No Natal a gente vem te buscar, o dramaturgo-memorialista se debruça sobre os efeitos do tempo e do desencanto sobre os laços familiares. Escrito na década de 70, em plena ditadura militar – e extremamente ligado ao contexto no qual estava inserido –, o texto não perde a capacidade de encantar as gerações que não viveram a época. Por isso, se mantém atual num mundo em que a desumanização dos laços afetivos espanta e o significado da palavra família anda cada vez mais fluido.

Thiago Paciência, diretor da montagem que será apresentada na Mostra de Teatro da UFRJ, ainda não era nascido quando a peça foi encenada pela primeira vez, com Marieta Severo no papel principal, em 1979. Mas isso não passou de detalhe quando ele se deparou pela primeira vez com o texto, em 2009. A trajetória da solteirona, que sai em busca do que sobrou de sua

família e acaba percebendo que ela simplesmente não existe mais, pareceu, ironicamente, familiar para o diretor. “A história da família da solteirona, a protagonista, tem muito a ver com a minha história de vida. Por isso, me apaixonei pela peça e decidi encená-la em um momento especial. O momento chegou”, conta.

Talvez pela ligação emocional que extrapola o lado profissional da relação diretor-peça, a direção de Thiago acabe se tornando mais do que uma imersão no texto de Naum, vira uma homenagem. Seu roteiro, abarrotado de anotações e lembretes, e a criteriosa escolha dos atores – “Selecionei as pessoas não só pela aparência física que queria para os personagens, mas também pelo temperamento e pelos traços de personalidade” – são indicativos de uma preocupação com os mínimos detalhes.

Todos os traços essenciais do texto de Naum estão lá: a ausência de nomes nos personagens, a estrutura formada por episódios que relacionam e opõem o passado e o presente da solteirona e os diálogos que alternam drama, ironia e, por vezes, críticas veladas ao regime militar. A montagem segue, ainda, a mesma linha da proposta feita originalmente pelo também cenógrafo Naum. Quatro atores – dois homens

e duas mulheres –, quatro cadeiras e nada mais. O cenário sóbrio e os figurinos, simples, feitos de forma a distinguir os diferentes personagens encarnados pelos atores – só a atriz que interpreta a solteirona não interpreta outros personagens, ela permanece a mesma, enquanto cenários e atores mudam ao seu redor – privilegiam o texto e as atuações.

No entanto, talvez sem perceber e sem querer, Thiago, na ânsia de ir fundo no texto de Naum, encontre um caminho próprio, que se escancara na interpretação do texto, extremamente pessoal, e desemboca no trato com os atores, nos conselhos e nas discussões de cada detalhe dramático das cenas. Na busca por uma maturidade, ele mostra que entende perfeitamente a desilusão do autor: enquanto o mundo ocidental aprendeu a associar família à alegria, sorrisos, porto seguro, fortaleza indestrutível e mesa cheia no Natal regada a peru assado e Coca-Cola, Naum Alves de Souza relaciona a instituição, praticamente inatacável, à desconstrução e a sonhos desmoronados. E acerta no alvo.

Todos os traços essenciais do texto de Naum estão lá: a ausência de nomes nos personagens, a estrutura formada por episódios que relacionam e opõem o passado e o presente da solteirona e os diálogos que alternam drama, ironia e, por vezes, críticas veladas ao regime militar. A montagem segue, ainda, a mesma linha da proposta feita originalmente pelo também cenógrafo Naum. Quatro atores – dois homens e duas mulheres –, quatro cadeiras e nada mais

Daniel terra

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Aqui estamos, mais uma vez. Vitória, já que enfrentamos poucas e boas para chegar aqui. Não, não é charme. É verdade.

Neste ano de 2011, passamos por uma tsunami política e educa-cional. Em março, o susto: 28 professores substitutos sem contrato e sem salário. Turmas ameaçadas de não concluir o ano. Apreensão. Novas expres-sões e siglas passaram a habitar nossas conversas: minuta de portaria do MEC, cortes contingenciais do MPOG1, a famigerada RAP2... O CAp amea-çado de se transformar em escola estadual ou municipal. Resultado: greve.

Escola parada, luta iniciada. Hora de nos mobilizar: realizar assem-bléias, montar comissões, pensar maneiras de divulgar o problema. Como?

Alunos sentam-se conosco, no chão do pátio mesmo, e fazem propostas, lançam ideias. Um grupo se encarregou de informar a imprensa. Outro de fazer cartazes e faixas. Um terceiro sugeriu fazer um Ato-Show, em defesa da escola. E foi assim que, em dois dias, montamos uma banda de rock. O repertório? Beatles, Pink Floyd, Jimmy Hendrix, The Doors e Raul Seixas. Criamos paródias das músicas, narrando os acontecimentos. Tocamos no CAp, na Praia Vermelha, na reitoria.

E não paramos por aí: criamos comunidades e fóruns de discussão nas redes sociais. Realizamos um Seminário Acadêmico em defesa dos CAps, durante o feriado de Corpus Christi. Fomos ao Conselho Universitário: con-seguimos uma resolução a nosso favor.

Até que os 28 professores foram pagos. Receberam salário, mas nada de contrato assinado. Mesmo assim, voltamos ao trabalho. Fechamos o primeiro semestre mesmo sem saber se - e como - a escola funcionaria no segundo.

Durante o recesso do mês de julho, mais uma bomba: o governo lança uma portaria que reduz, drasticamente, o numero de professores substitu-tos. Sem chance para os 28 professores. Outros substitutos, que já tinham a sua situação regularizada, também estavam ameaçados de ir embora. Um buraco, ou melhor, uma cratera na nossa grade curricular.

Começou o nosso “Agosto Vermelho”. Não havia como a escola funcionar. Passamos uma semana reunidos, discutindo alternativas e buscando soluções junto à Reitoria e à Pró-Reitoria de Pessoal. Em 5 de agosto, a boa notícia: de-vido à resolução que havíamos obtido no Consuni, conseguimos, finalmente, honrar os contratos dos 28 professores. Alívio. Voltamos às aulas.

Durante todo este processo insano e caótico, nossos alunos estiveram conosco, tanto online quanto in loco. Participaram ativa – e apaixonadamen-te – das discussões no Facebook, conversaram com amigos e familiares, defenderam a nossa escola com unhas e dentes. Nos deram apoio, ombro, força, quando já não tínhamos fôlego. Foram, não apenas a razão de nossa luta, mas também o combustível, a alavanca, a força motriz. Corroboraram, com suas ações e reflexões, a máxima de Augusto Boal, quando defende que todo teatro é político: “Os que pretendem separar o teatro da política preten-dem conduzir-nos ao erro – e esta é uma atitude política”.

Separar teatro da política? Jamais. Impossível, no nosso caso. Para nós, a política foi o ponto de partida, o cerne da criação. Não à toa, escolhemos Sófocles, Aristófanes, Brecht, Chico Buarque, Suassuna e Millôr Fernandes. Optamos pela força reflexiva e mobilizadora de seus textos em momento mais do que oportuno, quando celebramos o retorno do Projeto EncenAção. Projeto de natureza artística e pedagógica que investiga a produção teatral no espaço escolar, à medida que promove a integração dos alunos da Educa-ção Básica e da universidade. Projeto de cunho político, que se alicerça no esforço coletivo em prol da criação.

EncenAção 2011Teatro e mobilizaçãoPor Andréa Pinheiro,Celeia Machado, Céli Palácios e Fátima Novo

1 Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

2 Relação Aluno-Professor: coeficiente estabelecido pelo

MEC para determinar o número de docentes em cada

instituição.

“ENCENAÇÃo 2011”

tuRMA 22 A“tERRoR E MISéRIA No III REICH”, de Bertolt Brecht, “PLutuS”, de Aristófanes e “LIBERDADE, LIBERDADE”, de Millôr Fernandes e Flavio RangelDireçãoDavi Palmeiraorientação de direçãoAndréa Pinheiro

ElencoAndrey Braga, Beatriz Guerrieri. Irene Niskier, João Silveira, Larissa Domingues, Maria Gabrielle Cerqueira, Mateus Maciel, Renata Siqueira, Sophia Sickermann, Thayana Freitas turma 22 B“ANtíGoNA”, de Sófocles, e “RoDA VIVA”, de Chico BuarqueDireçãoEdney Paivaorientação de direçãoCeli Palácios

ElencoCecília Carvalho, Felipe Gonzales, Julia Auday, Lucas Gabriel, Lucas Oliveira, Maria Clara Vianna, Marieta Vasconcellos, Raphael Rodrigues turma 22 C“LISíStRAtA”, de Aristófanes, “Auto DA CoMPADECIDA”, de Ariano Suassuna e “oS SALtIMBANCoS”, de Chico BuarqueDireçãoManuel Rosaorientação de direçãoCeleia Machado

Elenco:Ana Cordeiro, Carol Cordeiro,Cláudio Mendes, Elisa Zanatta, Fhernanda Yanni, Isabella Rosa, Jéssica Bittencourt, Lucas Continentino, Maria Fernanda Rangel, Mariana Veloso, Rafael Souza

Preparação CorporalDomitila BastosFigurinoMarcela Cantaluppi

Classificação etária12 anos

25, 26 e 27/11/2011 (SEX, SAB e DoM),

às 20h

Desde 2004, as turmas do segundo ano do ensino médio do CAp se apresentam na Mostra de Teatro da UFRJ. Em 2011, em vez de escolherem peças completas, os alunos optaram por encenar trechos de diferentes obras. De acordo com as professoras responsáveis, Andréa Pinheiro e Celeia Machado, essa é uma forma de abranger importantes momentos da história do teatro e de facilitar a divisão dos estudantes, de acordo com suas preferências pessoais. Por conta da recente greve

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Desde 2004, as turmas do segundo ano do ensino médio do CAp se apresentam na Mostra de Teatro da UFRJ. Em 2011, em vez de escolherem peças completas, os alunos optaram por encenar trechos de diferentes obras. De acordo com as professoras responsáveis, Andréa Pinheiro e Celeia Machado, essa é uma forma de abranger importantes momentos da história do teatro e de facilitar a divisão dos estudantes, de acordo com suas preferências pessoais. Por conta da recente greve

A arte de fazer teatro na escolaPor Maria Clara Senra

Fazer teatro na escola é tarefa para corajosos. No Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp), estudantes, professores e diretores teatrais entram em uma verdadeira batalha contra o relógio. É preciso competir com uma série de questões que englobam desde a grade curricular pesada até as infinitas atividades extracurriculares dos alunos, que vão de tiro esportivo a curso técnico de engenharia. Ou seja, contando apenas com uma hora e 40 minutos por semana, esses jovens artistas precisam dar conta de montar um grande espetáculo de final de ano. A palavra de ordem: concentração. É necessário trabalho de equipe e muita dedicação para que tudo esteja perfeito na chegada do grande dia.

Desde 2004, as turmas do segundo ano do ensino médio do CAp se apresentam na Mostra de Teatro da UFRJ. Em 2011, em vez de escolherem peças completas, os alunos optaram por encenar trechos de diferentes obras. De acordo com as professoras responsáveis, Andréa Pinheiro e

Celeia Machado, essa é uma forma de abranger importantes momentos da história do teatro e de facilitar a divisão dos estudantes, segundo suas preferências pessoais. Por conta da recente greve, o grupo optou por um viés político nas escolhas para as montagens. Alguns elegeram textos mais sérios, outros enveredaram por um caminho de humor.

turma 22A – os politizados

Quando o diretor Davi Palmeira sugeriu os primeiros “jogos” de composição de cena (com movimentos de andar para frente e para trás, abaixar e pular) a reação foi como a de qualquer adolescente: eles se entreolharam, riram e nenhum queria dar o primeiro passo. Cinco minutos depois, a história era outra: os meninos não pareciam mais amadores. Concentrados, realizaram cada tarefa. No final da aula, revisaram o texto e sofreram na hora de optar pelos trechos que deveriam ser cortados. “Ai, não sei, são todos tão fortes. Deixamos a parte da constituição? E a do Churchill? A do Voltaire fica. Essa frase do Hitler é bizarra, não dá para cortar”. Decidindo tudo coletivamente, a turma criou uma conexão singular e impressionou o diretor. “Eu pensava que adolescentes não iam levar as coisas a sério”, revelou.

turma 22C – os irreverentes

“Vamos agilizar o tempo que a gente tem que já é pouco. Vamos Claudio, vamos Lucas”. Foi dessa maneira que Celeia Machado deu início ao ensaio da turma. Segundo a professora, os alunos demoram a pegar no tranco, mas logo depois tudo se ajeita e a aula ganha um ritmo intenso com marcações de cena e passagem de texto.

A turma C é inegavelmente mais irreverente que as outras. Essa característica se expressou na escolha das peças e nas alterações que os estudantes fizeram a partir das cenas originais. O fragmento de Os saltimbancos ganhou trechos de músicas atuais. Em o Auto da Compadecida, os alunos interpretam vários personagens, carregando no sotaque e exagerando nas atuações. Mas, por mais que o clima seja de descontração, o trabalho é árduo. Tudo isso para diminuir o friozinho na barriga que todos eles dizem sentir com a proximidade da Mostra.

turma 22B – os questionadores

Até o início de outubro a turma B não estava ensaiando. Foi difícil para a professora Céli Palácios e para o diretor Edney Paiva cativar a moçada com os textos pré-selecionados. Depois de muito debate, os alunos foram finalmente decidindo o que iriam encenar. Roda viva e Antígona foram os finalistas. Para quebrar o clima de tensão no ensaio, os profissionais tinham algumas cartas na manga. Exercícios fizeram os alunos se descontraírem e entenderem os personagens que virão a interpretar. Bela maneira de ensinar a importância de questionar, mas também de compreender.

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Percepções momentâneas individuais, amorfas, fugazes... compartilha-das, foram traduzidas e retalhadas. Depois de todo o trabalho para a captura, era preciso assumir seu status de ideia. Era preciso fixá-las,

mesmo que deturpando seu sabor original. Agora que todos as conhecem, elas estão espalhadas no ar, de forma que ninguém mais as vê ou sente. Estreitaram-se tanto que se tornaram linhas divisórias, parâmetros deter-minantes do conteúdo mental.

O encantamento e o delírio se tornaram experiências pouco relevantes para nossa cultura calcada no conhecimento científico. A pretensão de dar conta da totalidade do real está estampada em todos os canais de televisão, livros didáticos e até nas religiões; cada qual com a sua versão fechada, re-pleta de intencionalidades. Mas tal pretensão não seria também uma ficção? Mais ainda, uma imersão coletiva em um conteúdo programado?

O fluxo da mente responde antes a um dinamismo reflexivo constan-temente atravessado – por imagens, cores, sons, palavras e infinitas re-verberações. Quando sonhamos, são as alterações de entrada de luz, que atravessam nossas pálpebras e atingem as retinas, que sugerem as imagens aos sonhos. E quantas sensações reais!

O que realmente nos importa não são as frias verdades anunciadas pela ciência, mas a criação de ideias que sirvam de alimento às paixões huma-nas. A arte é encantadora justamente por conter um enigma, por aceitar a possibilidade do mistério, por evocar uma percepção individual, pré-social, inexplicável, que não pode ser traduzida. Que, quando cristalizada e trans-formada em ideia, torna-se imediatamente coisa morta.

O palco é o lugar em que se admite a realidade como invenção, o delírio como saber. Assumindo o delírio de uma cultura que tenta simular o real – mas que não passa também de uma criação de valores – estamos recriando nosso próprio delírio. A loucura é apenas um delírio não compartilhado socialmente, que se mantém no campo das percepções, não transfigurado em ideologia.

Menz insana é uma brincadeira com a racionalização do delírio. Eviden-cia as compartimentações psíquicas produzidas nessa cultura – as cisões entre mente e corpo, sanidade e loucura, razão e emoção, realidade e imagi-nação. E, a partir do chamado “plano mental”, demonstra a psicose presente na vida real das personagens, no estilo de vida das cidades e no organismo exploração/consumo.

Realizamos o plano mental em carne e osso. A comunicação é o estímulo à criação, nunca estamos esclarecidos. Transpomos sensações individuais para gerar outras sensações individuais, sempre secretas. E assim transfor-mamos a cena viva e real em sonho. O espaço cênico é o espaço seguro para uma experiência de detecção e liberação dos padrões ocultos. Um ambiente extraordinário.

Para localizar o lugar intangível da mente simplesmente estamos. Tudo o que existe está pois acreditamos ser. Damos o aval à realidade. O louco é aquele que coloca essa realidade em dúvida – ele não sabe porque se com-portar, não responde às mesmas regras.

O percurso? Buscamos nossos sonhos, sensação de preenchimento, completude. Escolher entrar não é enganar-se...

É preciso ser Mateus e Manu.Ian, Duda e Vanessa.Quem são esses seres que surgem?Façamos outros. Sejamos nós.

Quem se permite ao delírio?Por olívia Zisman

“O palco é como um sonho. Lá podemos encontrar pessoas que já morreram, brincar com elas,

abraçá-las, e até dançar com elas”. Tadashi Endo1

1 Dançarino butoh japonês.

“SoNHo, LoGo NÃo EXISto”criação coletivaDireçãoOlivia Zisman orientação de direçãoJosé Henrique MoreiraCo-orientação de direçãoCarmem GadelhaAssistência de direçãoTomás BrauneDramaturgiacriação colaborativa, inspirada no gibi Menz Insana de Cristopher Folwer, no filme Fando e Liz, de Alejandro Jodorowski, lembranças, sonhos e inspirações pessoaisElencoIan Calvet, Manu Mangaravite, Maria Eduarda Magalhães, Mateus Sartori e Vanessa Gomes Participação especialDébora PaganniIluminaçãoFabricio Dorneles, Francisco Caloi, Isabella Almeida, Luiz Carlos de Oliveira, Marianne TeixeiraCenografiaCarol Fortunato e Carol XavierAssistente de cenografiaJuliana Ribeiroorientação de cenografiaGilson MottaFigurinoNatália SilvestreAssistência de figurinoMarcela Cantaluppiorientação de figurinoDesirée BastosAdereçosJorge Allen e Carol XavierPesquisa sonora e banda atuanteCancioneiro Genério do Fim dos Tempos, Lucas Bevilaqua e Tomaz Bevilaquatécnico de somErnesto SenaProjeçãoGustavo Torres e João AzevedoEdição e câmerasDali Schwarz e João GilaProdução Rafael Turatti

Classificação etárialivre

29, 30/11 e 01/12/2011 (tER,

QuA e QuI), às 20h olív

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O enredo é inspirado no gibi norte-americano Menz Insana, que conta a história de dois personagens que vivem em um plano mental. O quadrinho coloca em questão o que é a loucura e se ela realmente existe. “Como tivemos pouco tempo, eu precisava de uma base sobre a qual desenvolver a peça”, conta a diretora. Também influenciaram o roteiro as idéias do diretor de teatro e cinema chileno Alejandro Jodorowsky, conhecido por seus filmes, livros

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Sonho, logo não existoPor Yuri Hutflesz

Como seria descrever a mente humana? Buscar palavras que definam esse “lugar” tão abstrato e tão familiar a todos nós, certamente não é tarefa fácil. Mas a proposta pode ser ainda mais ousada: representar essa mesma mente através da arte. A arte, manifestação subjetiva por excelência, tomando a forma da mente, o refúgio da subjetividade. É a este árduo exercício de metalinguagem que se

propõe a peça Sonho, logo não existo, de Olívia Zisman.

O enredo é inspirado no gibi norte-americano Menz Insana, que conta a história de dois personagens que vivem em um plano mental. O quadrinho coloca em questão o que é a loucura e se ela realmente existe. “Como tivemos pouco tempo, eu precisava de uma base sobre a qual desenvolver a peça”, conta a diretora. Também influenciaram o roteiro as idéias do diretor de teatro e cinema chileno Alejandro Jodorowsky, conhecido por seus filmes, livros, e gibis que tratam de misticismo e espiritualidade.

A proposta da peça é criar um ambiente de imersão, fazendo com que os espectadores se sintam realmente

dentro de um plano mental. Mas mais do que isso: a mente pertence a duas personagens consideradas loucas no mundo exterior.

É a partir desta perspectiva que o modo como cada um enxerga a realidade pode ser questionado. Quando o absurdo fica claro diante dos olhos é mais fácil perceber a condição humana de delírio permanente, na qual o real é efêmero, relativo e, portanto, insubstancial

Consequentemente, a ideia de uma realidade objetiva e imutável se torna o verdadeiro delírio, pois só pode se basear na exclusão de infinitos pontos de vista.

Quando vários pensamentos desse tipo criam um conjunto de normas, nasce uma ideologia. No pensamento de Zisman esta é a verdadeira anomalia – a loucura social, em suas palavras – tão enraizada que leva a pensar que a construção de hospícios nada faz além de separar os loucos de dentro dos loucos de fora. Afinal, faz sentido que regras originadas na mente subjuguem sua própria criadora?

A construção de todo este ambiente envolve música, iluminação, imagens em um telão e a própria movimentação dos atores. Eles poderão aparecer em várias partes da sala e interagir com objetos dos mais variados. Em alguns lugares haverá elásticos esticados, que podem sugerir a flexibilidade dos limites da mente. A organização das cadeiras também foi pensada de modo a criar no espectador a sensação de participação efetiva no espetáculo.

Yuri Hutflesz

Yuri Hutflesz

O enredo é inspirado no gibi norte-americano Menz Insana, que conta a história de dois personagens que vivem em um plano mental. O quadrinho coloca em questão o que é a loucura e se ela realmente existe. “Como tivemos pouco tempo, eu precisava de uma base sobre a qual desenvolver a peça”, conta a diretora. Também influenciaram o roteiro as idéias do diretor de teatro e cinema chileno Alejandro Jodorowsky, conhecido por seus filmes, livros

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Atire a primeira pedra quem nunca tomou um tarja preta!Embora tudo pareça bem, não imaginamos que, no âmago de tantos sorrisos estampados, muitas pessoas escondam suas dores,

medos, frustrações e solidão. Esses sintomas ficam sob controle graças ao uso corrente e disfarçado de “mágicos” medicamentos. Patologias como depressão e ansiedade já são consideradas os “grandes males” do século XXI, que apenas acaba de entrar em sua segunda década.

Sarah Kane quebra, de forma radical e contundente, qualquer tabu sobre este assunto. Sem meios termos nem preconceitos, extravasa, através da personagem, toda sua vivência sobre a terrível angústia de existir.

“Lembrem-se sempre da luz! Acreditem na luz! Não esqueçam a luz!”4:48 Psicose foi a última peça escrita pela autora inglesa, um mês antes

de seu suicídio, em 1999, 12 anos atrás. Antes de partir, deixou-nos este texto de estrutura e sentido fragmentados e poéticos. Seu lirismo é ácido, porém, belo, pleno de um olhar sarcástico e compassivo sobre a fragilidade da condição humana e do mundo em que estamos inseridos.

O trabalho nos desafia dia após dia. E provavelmente ressoará para sempre em nossas mentes. O que vemos é uma explosão de sentimentos viscerais e sensações passionais ao lado de uma compreensão racional do que poderíamos classificar como insano. O universo textual não é apenas ficcional; foi experimentado pela autora até as últimas consequências. Não há linearidades, elos causais, ações pré-definidas. Entender o escrito como literatura dramática exige um grau razoável de esforço. O conflito se dá entre as diferentes faces da mesma personagem.

Nesta jornada, que tem sido de crescimento, tentamos entender os sentidos ocultos e os signos apropriados para representá-los, as simbologias latentes, as expressões equivalentes e o confronto com o que é inerente a toda existência: seu fim. Estamos descobrindo que nem sempre há respostas seguras e explicações coerentes, apenas os significados parciais e únicos que atribuímos.

Trabalhamos nas fronteiras destas ambigüidades e assumimos estas polaridades sem explicações, porque o que é, é. O que não entendemos, podemos atender, ou simplesmente transcender...

Mesmo que sejam clichês:A VIDA É BELA, É O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA e ENQUANTO HÁ

VIDA, HÁ ESPERANÇA. Por isso vale a pena vivê-la em plenitude. Queremos celebrar a vida e mostrar que, assim como Sarah Kane,

muitas pessoas sofrem profundamente enquanto outros consideram isto bobagem, não entendendo a dor emocional como doença e omitindo o apoio necessário. Podemos estar mais atentos e solidários; e, assim, muitos podem ser ajudados, sem precisar chegar precocemente, por vias próprias, a um trágico fim.

Com este processo concluímos: a cada dia, CARPE DIEM!

Na VeiaPor Gleise Nana

“4:48H PSICoSE”de Sarah KaneDireçãoGleise Nanaorientação de direçãoLívia Flores e Marcellus FerreiraAssistência de direçãoFrancisco Caloi e Rafael QueirozElencoSandra IncuttoIluminaçãoFabricio Dorneles, Francisco Caloi, Isabella Almeida, Luiz Carlos de Oliveira, Marianne TeixeiraCenografiaSamanta ToledoAssistência de cenografiaCarolina Sá, Leandro Rodrigues e Rodrigo Duarteorientação de cenografiaAndré SanchesFigurinoCássia Lima e Day Portoorientação de figurinoDesirée BastosProduçãoFrancisco Caloi e Vitor Hugo

Classificação etária16 anos

02, 03 e 04/12/2011 (SEX, SAB e DoM),

às 20h

O texto de Sara Kane não possui nenhum tipo de indicação: ação, cenário, personagens ou elementos cênicos. “A gente está tentando construir ações para um texto que na verdade é só palavra. Não existe um fazer a não ser o falar. É o maior desafio da peça”, confessa Gleise. O texto é um grande apanhado de emoções, sensações e sintomas psiquiátricos dentro do universo dessa personagem, que passa o tempo todo da peça tomando uma grande decisão

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Dizem que sou loucoPor Livia Sant’ana

A atriz Sandra Incutto começa a se alongar. É o início de mais um dia de ensaios do monólogo 4:48 Psicose. Ouvindo as orientações da diretora Gleise Nana, aluna do curso de Direção Teatral, Sandra opina sobre os elementos da peça e ajuda a definir conceitos – mas não para de se mexer um segundo. Orientações dadas, Sandra passa do alongamento à corrida. Corre, fica ofegante, se descabela. Se joga no colchão que faz parte do cenário ainda improvisado, levanta as pernas, corre mais um pouco, volta a ficar no chão. Seu semblante começa a mudar. Ela se transforma: a atriz doce, que pediu desculpas pelo atraso, começa a virar a personagem inconstante que sofre de problemas psiquiátricos. Ao fundo, uma música agitada do grupo português Madredeus. Os vocais são intensos e a melodia também. “A gente usa essa música para ter estímulos criativos no processo de construção da personagem”, explica Gleise. E, pelo visto, funciona. A essa altura, Sandra já está completamente imersa no mundo da personagem.

4:48 Psicose é uma obra da autora inglesa Sara Kane, que também sofria de distúrbios psiquiátricos. Depois de tentar se suicidar tomando 150 comprimidos, foi resgatada a tempo e decidiu se internar por conta própria numa clínica psiquiátrica. Foi lá que ela escreveu Psicose, sua última peça. “Ela se suicidou exatamente um mês

depois escrever esse texto”, conta Gleise. “Essa peça é considerada por muitas pessoas como espécie de carta de despedida. É uma fronteira entre o ficcional e o não-ficcional, porque a gente percebe muito da Sara Kane na peça. Ela se suicidou exatamente da forma como ela relata em alguns momentos do texto.” A autora se enforcou dentro do quarto da clínica onde estava internada, aos 28 anos de idade.

Na peça, a personagem se refere ao horário 4:48 como uma hora em que algo importante vai acontecer. “É uma hora simbólica, como se fosse um portal mágico em que as coisas tomariam outro rumo na vida dela”, conclui a diretora. “Mas o fato exato não dá pra saber. Então a gente tem que encarar como uma simbologia e criar os nossos sentidos, os nossos significados. Eu acho bonito esse mistério.”

O texto de Sara Kane não possui nenhum tipo de indicação: ação, cenário, personagens ou elementos cênicos. “A gente está tentando construir ações para um texto que na verdade é só palavra. Não existe um fazer a não ser o falar. É o maior desafio da peça”, confessa Gleise. O texto é um grande apanhado de emoções, sensações e sintomas psiquiátricos dentro do universo dessa personagem, que passa o tempo todo da peça tomando uma grande decisão. Entretanto, se muitos espectadores provavelmente encarariam a personagem como louca, a diretora tem outra opinião sobre a natureza dessa mulher. “Em nenhum momento essa personagem é louca. Ela tem a total consciência da existência dela, do ‘eu’ dela, das dores dela. O louco mesmo não tem essa consciência”, ensina.

A diretora decidiu escolher essa peça depois de observar o

comportamento depressivo de uma pessoa próxima, e resolveu tentar entender como esse tipo de doença se manifesta. “Existe uma discussão acadêmica sobre o mal-estar da pós- modernidade”, explica. “A depressão e o pânico estão sendo consideradas as doenças do século. São 300 milhões de receitas anuais de Prozac nos Estados Unidos. No Brasil, são quase 22 milhões de receitas anuais de Rivotril, que é apenas um tipo de calmante. Vi que a taxa de suicídios no Brasil em dez anos aumentou em quase 38%”, revela.

A diretora diz que as pessoas andam nas ruas como se estivesse tudo bem, mas na verdade cada vez mais estão dependentes de medicação – e ninguém fala sobre isso. A sua proposta com essa peça é justamente trazer o assunto à tona. Mostrar por que essa dor se desenvolve, e por que as pessoas chegam ao extremo de sua personagem.

Sara Kane dizia que não fazia teatro para mero entretenimento, pois tinha pavor desse tipo de teatro. Que assim seja.

O texto de Sara Kane não possui nenhum tipo de indicação: ação, cenário, personagens ou elementos cênicos. “A gente está tentando construir ações para um texto que na verdade é só palavra. Não existe um fazer a não ser o falar. É o maior desafio da peça”, confessa Gleise. O texto é um grande apanhado de emoções, sensações e sintomas psiquiátricos dentro do universo dessa personagem, que passa o tempo todo da peça tomando uma grande decisão

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... para movimentar o que ainda pouco compreendemos. Queremos entender quais são os nossos posicionamentos, bagunçar tudo aqui dentro, aqui fora, misturar o interno e o externo, e quem sabe encontrar um “entre”

que nos interessa. No meio do caminho tinha uma pedra, um entulho, pessoas, escadas, ruas, lixo, um funk, um samba. Nesses meios do caminho estamos en-contrando meios para fazer arte com o que o caminho tem. E esse é o nosso desa-fio, trabalhar com o movimento e a impermanência das coisas e de nós mesmas.

Poderia dizer quem somos e o que estamos fazendo, mas prefiro compartilhar quem estamos sendo e por onde transitamos. Por um acaso do destino, e eu sublinho o paradoxo desta afirmação, entre muitos encontros e desencontros, hoje estamos sendo um núcleo de seis mulheres, vale ressaltar, de vozes altas. Poderia ser mais certeiro este acaso? Justamente este trabalho que chamamos Em trânsito ser formado por mulheres? Sendo a mulher símbolo da mudança e da fertilidade, que carrega no seu próprio corpo seus ciclos, e que é provedora da vida. Esta, com certeza, não é uma característica formatadora, que o digam nossos parceiros homens, mas sem dúvida é uma forte constatação do nosso momento. E é aqui que eu retomo o lugar por onde estamos transitando, pois é através da constatação e utilização das potências do nosso momento, desse tempo e espaço que estamos e por onde nos movimentamos que começamos a construir os nossos caminhos de pedras móveis.

Muitos foram os lugares que percorremos. Construímos e desconstruímos formas e conteúdos. Depois da investigação, dissecação e exposição do ato criati-vo, que é premissa deste trabalho, explodimos tudo, até nossas bases e alicerces. E só o que nos resta de toda nossa criação são as ruínas, que é a parte que resiste do nosso discurso de artista, o que realmente nos importa. E são estas nossas ca-racterísticas, nossa incessante busca por algo que só encontramos no movimento que constituem as bases da nossa criação.

A partir de um olhar atento às combinações de afetos e pulsões de cada uma de nós, encontramos os nossos temas, os nossos trânsitos. Encontramos lugar de atuação a partir da percepção da nossa sociedade, do entendimento dos fluxos de morte e nascimento produzidos por ela, a partir da identificação dos fósseis e ruínas que produzimos a todo instante. Construímos este trabalho com os escom-bros, os nossos próprios e com os que constituem a materialidade dos espaços em que estamos atuando. E é destas ruínas, desses escombros, que levantaremos nosso acampamento provisório.

Não quero nomes, rótulos, interessa-me o ser volátil das coisas, o transitório do que é para o que pode ser, sempre o momento de mudança. O que importa, a meu ver é a consciência, a atenção do artista que neste estado de transe-to (trânsito), desestrutura limites e convenções, que permite ao corpo da cena, a experiência de densidade provisória e cambiante. E, neste sentido, se não há limi-tes de definições, o próprio “ser” da arte é volatilizado, portanto, dependendo do momento enquadrado, passível de ser dança, teatro, performance, artes plásticas, ou até mesmo de não ser arte.

Lembro também que esta é a minha formatura. O Em trânsito transita da sala para a rua, atravessa os muros da universidade, assim como eu. E como estou acreditando que este momento não é um fim, apenas um trânsito, assim como não consegui dar um início a este ato (texto), um final não me parece coerente... Não ainda.

Transe entre pedras móveisPor Natássia Vello

“EM tRâNSIto”criação coletivaDireçãoNatássia Velloorientação de direçãoEleonora FabiãoElencoAna Rios, Angela Morelli, Clara Anastácia, Mariana Mordente, TulanihIluminaçãoDenise Mesquita, Luís Felipe Perinei, Manuel Thomas, Nadine Fuchshuber, Andrea Ferrer, Mariana FernandesCenografia e figurinoJoão Lamego e Laura Storino Assistentes de cenografia e figurinoBárbara Martos e Erick Luzorientação de cenografiaAndré Sanchesorientação de figurinoDesirée BastosCaracterizacãoFlavia CristinoDireção e edição de vídeoDiogo Liberano e Pedro BentoDesignerDiogo LiberanoProduçãoErick Volgo

Classificação etáriaLivre

06, 07 e 08/12/2011 (tER, QuA e QuI),

às 20h

Natássia Vello

O modelo de teatro com que estamos acostumados exige história, mensagem, personagens e texto. É um roteiro padronizado que gera interpretações delimitadas. Mas a arte deveria ser mostrada para que cada um tivesse sua própria percepção sobre ela. Afim de quebrar esses padrões, Em trânsito caminha na fronteira entre arte e vida real, vivendo a peça, para mostrar que esse limite não existe. Que a arte pode ser vivida no cotidiano

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Uma experiência sensorialPor Cibele Reschke de Borba

Uma tarde de quinta-feira. Seis estudantes de Direção Teatral se reúnem para discutir conceitos e sensações, sobre os quais determinam uma temática. Pouco tempo depois, as seis caminham em direção a algum lugar escolhido para viver essa temática e causar inquietações no público, composto pelas pessoas que estiverem no local, naquele momento. Nesse constante processo de criação se constituem os ensaios da peça Em trânsito, uma das 11obras a serem exibidas na XI Mostra de Teatro da UFRJ.

Trata-se de uma experimentação sensorial. Não existe uma história, texto ou mensagem final, mas sim uma temática gerada pela inquietação dos corpos das artistas, a qual é chamada de “trânsito”. É uma peça sem personagens e protagonistas. As artistas não necessariamente atuam como atrizes, pois não vivem o papel de outra pessoa. Elas exibem as problemáticas de si mesmas. Dessa forma, não há elenco. Há “atuadoras”.

“Trabalhamos com as potencialidades e a experimentação dos corpos. As formas parem os conteúdos, de modo que as sensações em nossos corpos gerem um trânsito. Demos esse nome à peça porque nossas temáticas estão em constante mudança, e também porque estamos sempre nos deslocando no espaço”, afirma a diretora da obra, Natássia Vello. Segundo ela, por serem compostos por seis mulheres, muitos trânsitos trabalham com a questão feminina. Mas isso não significa que seja uma peça feminista.

De acordo com a diretora, nossa sociedade não nos educa para a arte. Nosso senso comum diz que existe um limite entre arte e vida real. Há data e local para a arte ser apresentada. O que Em trânsito propõe é que não existam esses limites, pois a arte é parte de nossas vidas, ela não se distingue de nós mesmos. Nós precisamos viver a arte.

O modelo de teatro com que estamos acostumados exige história, mensagem, personagens e texto. É um roteiro padronizado que gera interpretações delimitadas. Mas a arte deveria ser mostrada para que cada um tivesse sua própria percepção sobre ela. Afim de quebrar esses padrões, Em trânsito caminha na fronteira entre arte e vida real, vivendo a peça, para mostrar que

esse limite não existe. Que a arte pode ser vivida no cotidiano.

Nesse sentido, a performance dessas “atuadoras” não possui início, meio e fim determinados. É o público que decide se quer ou não viver a peça e quando deseja terminá-la. As artistas sentem a energia do local onde estão e trabalham os trânsitos sobre ela. Isso não significa que a peça se realize no improviso. Pelo contrário: as temáticas são premeditadas e contam com elementos anteriormente determinados, como figurino, material cênico, imagens e certas interações com o público. O acaso, no entanto, sempre aparece na performance das artistas.

As autoras dessa criação coletiva não esperam que o público entenda a manifestação artística que elas propõem. “O teatro não funciona para passar uma mensagem, mas sim para causar estímulos no espectador”, afirmam. “Cada um recebe a arte e a compreende do seu jeito. Para entender, no entanto, é preciso estar aberto a uma nova experiência. Não estamos sendo revolucionárias. Apenas tentamos resgatar essa função primordial da arte.”

Complexo? Mas no que consiste a arte, senão em um estímulo à percepção das complexidades que existem dentro de nós mesmos?

O modelo de teatro com que estamos acostumados exige história, mensagem, personagens e texto. É um roteiro padronizado que gera interpretações delimitadas. Mas a arte deveria ser mostrada para que cada um tivesse sua própria percepção sobre ela. Afim de quebrar esses padrões, Em trânsito caminha na fronteira entre arte e vida real, vivendo a peça, para mostrar que esse limite não existe. Que a arte pode ser vivida no cotidiano

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Estufa nasceu como uma intuição que apontava para a cidade, o corpo e os eventos contemporâneos. Desde então assumiu diversas formas, orientadas sempre pela intenção de estudar o corpo como produto de

um processo de produção de realidade. Os interesses foram se alargando e no caminho encontramos produções teóricas de diversas áreas, o que acabou definindo o projeto como uma pesquisa que relacionava a produção intelectual com a sensível, ou, mais precisamente, como trabalhar com a sensibilidade que aquele material teórico nos gerava.

O grupo se uniu em março deste ano para realizar estudos em filosofia, economia e psicanálise - com uma bibliografia definida, ainda que porosa – e passamos quatro meses entre os livros, os cafés e sala de ensaio.

A busca foi pela linguagem da encenação e da dramaturgia – simulta-neamente criadas. Qual forma poderia veicular um tipo de sensibilidade que se dava no encontro entre o corpo e sua consciência de si mesmo? Se não tratamos de sujeitos nomeados, mas movimentos e relações, na transitorie-dade do discurso entre os “eus” que compõem esse movimento (sendo esse “eu” muitas vezes desencarnado) – qual a forma dessa cena? O trabalho se apresentou delicado, escorregadio como as próprias identidades que com-põem a identidade única de um coletivo.

Hoje, temos um objeto cênico, um acontecimento regido, uma ação, que se chama Estufa. Ele ainda é bastante arredio e, como seu próprio objeto, não atende pelo nome. Outras vezes desaparece, e lá só vemos a casca de algo que não está.

Queríamos, afinal, trabalhar sobre o estar em sociedade. Falar sobre o movimento idêntico do micro e do macro, sobre como os movimentos da economia podem ser tomados pelo ponto de vista do corpo e como não há nada no social que não esteja manifesto no privado.

Produção de informação, tempo de giro de mercado, legislação do traba-lho, indústria farmacêutica e cosmética, produção de lixo, oceano de plás-tico, largas escalas produtivas de qualquer coisa conflitam com cenários de escassez. Estamos marchando para onde? Afundados nessa piscina de inanimados, nós ainda sentimos que falta, e que devemos caminhar para mais. Mais o quê? A tragicidade aparece nos números, nas estatísticas, na multidão. Mas eu também a sinto aqui no meu corpo. A tragédia social é a tragédia de um corpo – todo organismo carrega tragicidade.

O que significa um chiclete? Tenha o chiclete em mãos e procure imagi-nar o tipo de máquina que produziria algo assim, a qualidade da boca que o mastiga, o campo de desejos que o gerou. É mais ou menos assim que temos trabalhado. A experiencia social, industrial, está no sangue, literalmente. E do sangue buscamos reescrever essa historia – uma história de hoje, de nós, de todos.

Esse trabalho evidenciou a palavra “processo”. Uma proposta levava a outra, que poderia excluir ou legitimar a anterior. De fato, as coisas foram sendo descobertas na ação e a cena provava o que lhe servia ou não. O que está se mostrando ser o objeto final é um mosaico cauteloso de placas em sobreposição, uma composição de discursos que variam entre um emissor e outro – eu falo, ele fala, nós falamos, e nessa junção podemos ouvir o ruído de um misterioso “todo”, que talvez possamos chamar de sociedade. É curio-so como a cena é seu próprio processo, como todo organismo é um discurso de si mesmo, é seu próprio enunciador.A estufa já está aqui, e é espantoso o esforço necessário para reencontrá-la. É necessário que nos afastemos da cidade para ver a névoa que a cobre. Quero dizer, de forma exata, o que sou e o que sinto, e, para isso, preciso ser outro. Dentro da Estufa nós seremos outros, para que outros possam nos ver como somos. Dentro da Estufa, as regras são outras para que sejam elas mesmas.

A vida na estufaPor Nina balbi

“EStuFA”criação coletivaDireçãoNina Balbiorientação de direçãoAdriana SchneiderAssistência de direçãoIsabella AlmeidaCriaçãoNina Balbi, Pedro Pedruzzi, Isabella Almeida, Tomás Braune, João Orban, Olívia Zisman, Ticiano Diógenes, Julio Castro, Renata Furtado, Ingrid Oliveira, Eloy MachadoDramaturgiaIngrid Oliveira e Nina BalbiElencoIsabella Almeida, Ticiano Diógenes, Julio Castro, Tomás Braune, João Orban, Olívia Zisman.IluminaçãoDenise Mesquita, Luís Felipe Perinei, Manuel Thomas, Nadine Fuchshuber, Andrea Ferrer, Mariana FernandesDireção de arteEloy Machadoorientação de cenografia e figurinoAndréa RenckProduçãoOlívia Zisman e Renata FurtadoColaboradoresLucas Nascimento e Maíra Barillo

Classificação etária14 anos

09, 10 e 11/12/2011 (SEX, SAB e DoM),

às 20h

Isso só foi possível após sete meses de pesquisa e experimentações. Entre paixões, epifanias e muito suor, foram surgindo as cenas que compõem a peça. “A ideia é trabalhar a linguagem acadêmica de forma artística”, conta Nina. No palco, momentos que remetem a pensadores como Deleuze, Guattari e Debord. São abordadas questões importantes como natureza, subjetividade humana e a realidade forjada pelas imagens da propaganda

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Fragmentos do nosso tempoPor Saulo Pereira Guimarães

Cinco pessoas chegam a um lugar e atendem a telefonemas. Daí em diante, tudo pode acontecer. Assim é Estufa, criação coletiva em cartaz na Mostra. A peça combina insatisfação, poder e subserviência em cenas intensas. Ao público, só resta entrar no jogo e desvendar suas regras.

“Temos este lugar e suas leis como uma referência ao mundo em que vivemos”, conta Nina Balbi, diretora do espetáculo. Para dar vida a esse universo paralelo, os atores se desdobram num tipo de interpretação que não se atém tanto à ideia clássica de personagem. “Não sei qual hambúrguer o Romeu de Shakespeare gosta de comer”, ilustra Ticiano Diógenes, um dos artistas envolvidos na empreitada.

Assim, o trabalho se concentra no corpo, nas informações e gestos

do cotidiano. Esses são alguns dos elementos introduzidos pelos atores na complexa colagem em que consiste Estufa. Filmes, fotos, hits do youtube, grandes autores contemporâneos: toda forma de expressão se torna matéria-prima nesse caldeirão vivo de cultura em forma de jogo interpretativo.

Isso só foi possível após sete meses de pesquisa e experimentações. Entre paixões, epifanias e muito suor, foram surgindo as cenas que compõem a peça. “A ideia é trabalhar a linguagem acadêmica de forma artística”, conta Nina. No palco, momentos que remetem a pensadores como Deleuze, Guattari e Debord. São abordadas questões importantes como natureza, subjetividade humana e a realidade forjada pelas imagens da propaganda.

“Trata-se de uma teoria sobre nós mesmos”, resume a diretora. Uma peça sobre uma época em que tudo é produzido e descartado quase simultaneamente: palavras, pensamentos ou desejos. A era dos lixões, dos dejetos atômicos e do lixo eletrônico. Um tempo em eterna construção e destruição.

O elenco começou a ensaiar ainda no primeiro semestre, depois de dois seminários sobre o material pesquisado. A peça caminha agora para os últimos acertos. Faltam três cenas para que o roteiro esteja completo. “Nessa parte, vamos tentar responder às questões postas no começo do espetáculo”, antecipa Nina.

Até lá, essa é uma história em aberto. Nenhum dos envolvidos pode prever como termina esse pequeno conto sobre o nosso tempo. Assim como não podemos imaginar o que nos guarda o dia depois de amanhã. Quem sabe que reflexões e atitudes florescerão nos canteiros dessa estufa? Flores do mal, rosas de Hiroshima ou ultra-violetas? Só mesmo sendo um jardineiro fiel e prestando atenção à esse trabalho. A arte – assim como a vida – é uma obra em construção.

Isso só foi possível após sete meses de pesquisa e experimentações. Entre paixões, epifanias e muito suor, foram surgindo as cenas que compõem a peça. “A ideia é trabalhar a linguagem acadêmica de forma artística”, conta Nina. No palco, momentos que remetem a pensadores como Deleuze, Guattari e Debord. São abordadas questões importantes como natureza, subjetividade humana e a realidade forjada pelas imagens da propaganda

Saulo Guimarãe

Saulo Guimarães

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“FEIto PRA ACABAR”de Vanessa SilveiraDireçãoRicardo Libertini orientação de direçãoGabriela Lírio ElencoDaniel Gnattali e Laura BeckerIluminaçãoErika Saldumbides, Giulia Grandis, Luiza Rangel, Manuela Muzachio, Marília Gurgel, Rúbia RodriguesCenografiaThaynã Lyasak orientação de cenografiaAndréa Renck FigurinoLivia Porch Assistência de figurinoMoara Alcântaraorientação de figurinoDesirée BastosMúsicosBanda Hercólubus Circus - João Resende, Tácito “Towci” Junior, Fernando Neves e Marcelo MarquesAudiovisualCaio Cesar LouresProduçãoLuiz Paulo Barreto

Classificação etária12 anos

13, 14 e 15/12/2011 (tER, QuA e QuI),

às 20h

Quem nunca recebeu um presente? E quem não gosta de receber presentes?Lembro que quando era criança, no dia do meu aniversá-rio, a ansiedade para saber o que tinha dentro das caixas embaladas

com papéis coloridos era tanta que eu não dava muita atenção aos convida-dos. Esquecia até de comer. Meus olhos não desgrudavam dos presentes. Ganhar roupas não me agradava. Eram os brinquedos (carros, bonecos de guerra, etc.) que me faziam esquecer do que acontecia ao meu redor. Com o passar do tempo, entendi que presentear uma pessoa não é uma coisa muito fácil, principalmente se tratando daqueles por quem temos mais es-tima. Quando se presenteia alguém, uma coisa geralmente é certa: será uma surpresa! Algumas agradáveis. Outras nem tanto. E, como qualquer demonstração de carinho, precisa de um cuidado especial. Investe-se em ideias, tempo, dinheiro.

Teatro, para mim, é um presente – e muito especial. É um meio de comunicação e transformação. A experiência teatral conecta dois pontos (quem está em cena e quem está na plateia) dentro de um tempo e espaço. E acontece em instantes afetando seu corpo como um truque de mágica diante de nossos olhos. Coloquei, então, na minha cabeça um objetivo: todo espetáculo deve ser um presente para quem vai assisti-lo. Afinal, se o teatro é conhecido como a arte do encontro, dar presentes é um excelente motivo para se encontrar.

Feito pra acabar surgiu do interesse inicial de reconhecer os espaços que a música preenche em nossas memórias (o nome é livremente inspira-do em uma música de Marcelo Jeneci e letra de José Miguel Wisnik e Paulo Neves). Quando se ouve uma música, o que ela nos traz? Para onde ela nos leva? E para onde ela vai? Somos quem somos por causa das músicas que ouvimos ou as músicas que ouvimos são o que são por causa de nós? O ho-mem ocidental médio raramente deixa de ouvir certo número de horas de música por dia e a maior parte delas não é ouvida; no entanto, afetam-no.

Este trabalho experimental mistura teatro com linguagem do documen-tário cinematográfico, apesar de não ter a ideia centralizada no texto, o que não exclui o cuidado com as palavras e imagens. São usadas narrati-vas de memórias pessoais encontradas em diários, cartas, vídeos, trechos de livros, músicas, fotos e entrevistas de Daniel e Laura. Ele, designer; ela, atriz; os dois, irmãos. E como transformar uma experiência privada em arte? Foi fundamental entender o que não se restringia a um mundo particular, mas que fossem questões do nosso tempo. E foi, assim, através de uma série de tirinhas em quadrinhos feitas pelo próprio Daniel (intitu-lada “em busca de companhia“, no qual o alter ego dele procura por um coadjuvante) que se firmou o ato da criação como mote, acompanhado por músicas (como pano de fundo).

Em Feito pra acabar, penso como um compositor que, ao concluir uma música, não a deseja só para si. Deseja partilhá-la. Para esta experiência cê-nica ser um presente, é preciso ser uma surpresa e correr riscos. E, no fim, o que importa é o significado deste presente para a pessoa que vai recebê- lo.

Da arte de presentearPor Ricardo Libertini

O nome da peça veio da música homônima interpretada por Marcelo Jeneci. Na letra, Marcelo canta as dúvidas de um ciclo cuja única certeza é que, no fim, “a gente é feito pra acabar”. Mas, para Ricardo, o fim não impede um novo começo. “Se a gente termina alguma coisa, vai começar uma nova coisa. É um fluxo”, comentou. “Eu queria trabalhar a questão da música sem que precisasse ser uma história sobre um personagem. Foi aí que eu entendi que teria essa possibilidade

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Feito para um novo começoPor Verônica Raner

Você prefere Mini Bis ou Nescau Ball? Eu nunca tinha parado para pensar sobre o assunto, mas assim que entrei no apartamento de Ricardo Libertini, diretor da peça Feito pra acabar, encontrei o ”não ator” principal, Daniel Gnatalli, sentado no sofá com um pote já vazio do chocolate e outro, ainda cheio, nas mãos. “Vocês já comeram Mini Bis?”, perguntou para as duas figurinistas, uma cenógrafa e para mim, enquanto sentávamos no sofá. “É o melhor do universo”, respondeu quando nós ainda refletíamos sobre a pergunta. Quando uma das figurinistas disse que “preferia Nescau Ball”, começou a

discussão que durou 15 minutos. Ali, naquela sala em clima descontraído, começaria, em poucos instantes, um primeiro esboço do que será a apresentação da peça de formatura de Ricardo, na Mostra de Teatro da UFRJ.

Entre tantos textos já prontos, Ricardo decidiu arriscar: iria desenvolver seu próprio projeto. O formando em Direção Teatral pela Escola de Comunicação da UFRJ tinha uma ideia fixa: queria trabalhar com o tema música. Só não sabia exatamente como. Com a ajuda da irmã, Vanessa Silveira, quem assina o projeto, foi moldando suas ideias. “Eu queria entender como a gente é influenciado direta ou indiretamente pela música. Como a música pode me deixar alegre? Ou, como pode me deixar abalado? Que vibração é essa que a gente escuta e lembra de uma viagem, lembra do pai... Que memórias são essas que partem das músicas? Tudo começou aí”, explicou Libertini.

O nome da peça veio da música homônima interpretada por Marcelo Jeneci. Na letra, Marcelo canta as dúvidas de um ciclo cuja única certeza é que, no fim, “a gente é feito pra acabar”. Mas, para Ricardo, o fim não impede um novo começo. “Se a gente termina alguma coisa, vai começar uma nova coisa. É um fluxo”, comentou. “Eu queria trabalhar a questão da música sem que precisasse ser uma história sobre um personagem. Foi aí que eu entendi que teria essa possibilidade ao trabalhar um

documento real de uma pessoa real e a partir disso pensar em uma ficção. Eu busquei muito a pessoa ideal para fazer esse trabalho”, completou.

A pessoa era Daniel. 25 anos, designer por formação, músico por natureza e viciado em desenhar tirinhas em quadrinhos. Gnatalli foi convidado para fazer a peça de surpresa, já que nunca havia atuado. Enquanto foi entrevistado, não cansava de repetir: “Eu não sou ator!” Os dois se conheceram por intermédio de Laura Becker, atriz, irmã mais nova de Daniel e, há anos, amiga de Ricardo. A jovem, que também é percussionista do bloco de carnaval do Sargento Pimenta, divide o palco com Daniel.

Em cena, o desenhista conta algumas histórias de sua vida, mostrando como a música o influenciou. Laura intervém e atua como objeto transformador. Ela cria e recria em cima das histórias do irmão. “A peça é toda baseada em documentos reais dos dois que, quando colocados em cena, ganham uma perspectiva de ficção porque nós selecionamos a realidade que mostraremos”, explicou Ricardo. A peça também mostra a busca incessante de Daniel por um coadjuvante da sua história, alguém com quem ele possa conversar. O escolhido é seu alter ego criado em 14 tirinhas de quadrinhos: Mr. Wood.

Para Ricardo, a peça ainda vai mudar muito até o dia da estreia. O diretor também tem certeza que os três dias de apresentação serão diferentes uns dos outros, devido ao tom de improviso que a peça tem. Que seja mesmo assim: sem definições, sem amarras, sem textos redondinhos. Afinal, “a gente é feito pra dizer que sim” a reinvenções, a novos começos, que só começam com grandes finais.

O nome da peça veio da música homônima interpretada por Marcelo Jeneci. Na letra, Marcelo canta as dúvidas de um ciclo cuja única certeza é que, no fim, “a gente é feito pra acabar”. Mas, para Ricardo, o fim não impede um novo começo. “Se a gente termina alguma coisa, vai começar uma nova coisa. É um fluxo”, comentou. “Eu queria trabalhar a questão da música sem que precisasse ser uma história sobre um personagem. Foi aí que eu entendi que teria essa possibilidade

Daniel Gnatalli

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Despertador, café, banho, um pé, depois o outro. Alguns passos, virar à direita, mais 30 passos, virar à esquerda, pausa para olhar os dois lados da rua, atravessar. Ler o jornal, se espantar, ou não, com as

notícias. Dar bom dia. Cumprir. Um pé, depois o outro, retornar a casa, dormir. Despertador, café, banho, um pé, depois o outro.

Por vezes, caímos em repetição. Mas esta ficção apresenta quatro personagens que se afundam em suas próprias repetições. Sei que estou, agora, repetindo as mesmas palavras, mas é que estou tentando dar conta de escrever sobre o que ainda esta por vir. São quatro atores em cena, cheios de vontade de dizer e com olhares ansiosos. Uma diretora imersa nas suas inquietações, um assistente organizando as ideias, uma produtora sendo base, uma orientadora estimulando e questionando, um cenógrafo e um figurinista, ambos tentando nos dar forma e textura. Uma equipe de produção para fazer 11 atos de um mesmo espetáculo, um curso tornando os corredores universitários um lugar para falar, de formas diversas, sobre nós, todos, os dos corredores e os do outro lado do muro. Todos tentando entender como pulsar em conjunto. Estrear. É só para isso, para termos a sensação de ser possibilidade de mudança. Qualquer. Disseram-me, um dia, que a arte existia para fazer reverberar, em formas, nossas inquietações, então eu acreditei que posso mudar alguma coisa. Ousadia? Pode ser. Ensinaram-me, nessas antigas salas, nas poeiras acumuladas, nos olhares apaixonados, nos questionamentos, no ranger aflito das cadeiras, enfim, ensinaram-me, nesses quase 2190 dias de cadernos, livros e canetas, a não me conformar, a fazer da inquietação um espaço para moradia.

Mas é sobre a peça que deveria falar. Pois então, os quatro personagens esqueceram-se dessa coisa de não se conformar. Eles se conformaram, talvez não tenham tido alguém que os sacudissem, não tiveram tais encontros como tive a sorte de ter. Assim, esses personagens que percorrem o espaço, uma cidade fictícia, se perderam no que procuravam. Mas são eles que criam a topografia desse espaço, pois o mesmo só tem vida quando os cruzamentos ocorrem. Aí a cidade se torna um organismo desorganizado. Por trás do acaso vivem os insetos surgiu da discussão sobre os estados automáticos e os percursos repetidos diariamente. Partimos da incompreensão de nós mesmos. É só uma tentativa. Estamos criando uma ficção para conseguir falar do que somos e do que são os nossos. Então, como atravessar a cidade para que nosso corpo não se torne duro como a ela mesma?

Agora abro meu caderno, o último ensaio, nomeado “ensaio XV”, aconteceu há três dias, mas ele continuará reverberando. Amanhã tem mais. Hoje são 132 folhas rabiscadas, 70 arquivos numa pasta intitulada “Insetos”. Sobre o quê? Coisas: imagens, artigos e tentativas de dramaturgias. Banksy, Antonio Manuel, Cildo Meireles, Deleuze, Morin, Brook, Capra, Harvey, Le Breton etc. Mastigamos as páginas, muitas coisas passaram, mas o que ficou tentamos transformar em movimento. Estamos tentando fazer algo.

Minha proposta é que dancemos, profanemos as esquinas e as grades. Dancemos para experenciar os espaços, mudar as horas. Dancemos sobre o concreto que nos foi imposto. Essa peça é para dizer sobre toda essa vontade de compartilhar. Agradeço e dedico essa construção aos familiares, amigos, amores, a essa turma mais que especial (2006), aos professores, a todos, enfim, que fazem parte de mim. Bom espetáculo!

Para mudar os percursosPor Dominique Arantes

“PoR tRáS Do ACASo VIVEM oS INSEtoS”de Dominique Arantes (a partir de processo colaborativo)Concepção e direçãoDominique Arantesorientação de direçãoGabriela LírioAssistente de direçãoRodrigo ClaroElenco e criaçãoClara Anastácia, Diogo Villa Maior, João Paulo Nóbrega, Julyene BodiniIluminaçãoErika Saldumbides, Giulia Grandis, Luiza Rangel, Manuela Muzachio, Marília Gurgel, Rúbia RodriguesCenografiaLeandro RibeiroAssistência de cenografiaDanielle Oliveiraorientação de cenografiaRonald TeixeiraFigurinoTejota Bastosorientação de figurinoSamuel Abrantestrilha SonoraDiogo Liberano, Phillippe Baptiste Preparação vocalVerônica MachadoProduçãoRúbia Rodrigues

Classificação etária16 anos

16, 17 e 18/12/2011 (SEX, SAB e DoM),

às 20h

O espetáculo pretende trabalhar com a simultaneidade dos acontecimentos e para tal, foi feita a escolha do palco italiano. A presença fundamental da música será contrastada com a potência do silêncio. Além do curso de di-reção teatral, Dominique também estuda Artes Visuais na UERJ e reconhece a importante influência elemento visual no seu trabalho: “Sempre costumo pensar na plasticidade da cena, na imagem criada por ela, como num quadro”.

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Vidas automatizadas

Por Ana Beatriz Rangel

Um corpo que caminha incessantemente pelo espaço, alternando-se entre a velocidade vertiginosa e a completa paralisia. Na cena, o corpo é o da atriz Clara Anastácia. Mas, se olharmos detidamente para o palco, não se trataria de um corpo urbano a que todos nos submetemos, habitantes de uma metrópole? Na peça Por trás do acaso vivem os insetos, a diretora Dominique Arantes pretende colocar o público diante de uma urgência contemporânea: a automatização do corpo, do espaço e do tempo humano pela cidade e seu imperioso fluxo.

A montagem teatral coloca em cena quatro personagens que compartilham a solidão e se reduzem a cumprir a ordem mecânica da vida cotidiana. Em determinado momento, suas estruturas automáticas começam a entrar em colapso e os caminhos solitários se cruzam no grande caos urbano.

Dominique conta que o processo de criação da peça foi baseado na experimentação. A diretora e os atores partiram de discussões teóricas, sobre autores que os interessavam, e chegaram ao mote principal: como criar possíveis rupturas para o espaço da rua? Delimitado o tema, ela então escreveu um roteiro e passou a trazer textos e assuntos para provocar os atores em

composições teatrais livres. A partir das experimentações dos ensaios, Dominique colocou no papel, a dramaturgia da peça.

“Essa montagem é baseada em dramaturgias individuais e em percursos que se cruzam”, afirma a diretora. Ela argumenta que, sob um ponto de vista, trata-se de uma criação coletiva, pois os atores participaram ativamente dos processos de composição. No entanto, foi dela o trabalho individual de criar as falas e interligar as histórias.

O espetáculo pretende trabalhar com a simultaneidade dos acontecimentos e para tal, foi feita a escolha do palco italiano. A presença fundamental da música será contrastada com a potência do silêncio. Além do curso de direção teatral, Dominique também estuda Artes Visuais na UERJ e reconhece a importante influência elemento visual no seu trabalho: “Sempre costumo pensar na plasticidade da cena, na imagem criada por ela, como num quadro”. Na lista das principais influências, ela aponta as obras de Bob Wilson, Marina Abramovic e Banksy.

A atriz Clara Anastácia, que trouxe para sua personagem a angústia de observar o ritmo automático das mulheres de terno no centro da cidade, revela: “O ponto crucial da peça é que qualquer pessoa da plateia vai poder se identificar com as situações apresentadas. Eu mesma me identifico”. Como que diante de uma tela caleidoscópica, seremos todos convidados a nos confrontar com a fratura exposta de nosso tempo.

O espetáculo pretende trabalhar com a simultaneidade dos acontecimentos e para tal, foi feita a escolha do palco italiano. A presença fundamental da música será contrastada com a potência do silêncio. Além do curso de di-reção teatral, Dominique também estuda Artes Visuais na UERJ e reconhece a importante influência elemento visual no seu trabalho: “Sempre costumo pensar na plasticidade da cena, na imagem criada por ela, como num quadro”.

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Se antes o inimigo dos palcos era a televisão, que proporciona diver-são gratuita no conforto da sua casa, o que dizer da internet que mostra tudo de tudo a qualquer hora e qualquer lugar, também de

graça? Mas, para Felipe Barenco, a internet é apenas mais uma ferra-menta para a arte. Instigado por unir teatro e internet, Felipe criou o Drama Diário (www.dramadiario.com) em maio de 2008, um site onde sete dramaturgos postam diariamente textos de sua autoria, consolidan-do uma ponte entre internet e teatro.

Felipe Barenco, de 27 anos, estudou direção teatral na Escola de Comunicação da UFRJ. Quando se formou, decidiu criar um projeto que unisse suas duas áreas de interesse: dramaturgia e internet. “Essa questão sempre foi o eixo da minha pesquisa: como dois ambientes tão distintos – o teatro que depende da presença física, e a internet, que é virtual – poderiam dialogar?”, conta Felipe.

De 2008 à 2010, os sete autores – Camilo Pellegrini, Carla Faour, Henrique Tavares, Leandro Muniz, Renata Mizrahi, Rodrigo de Roure e Felipe Barenco – escreviam cenas diárias sobre um mesmo tema. Depois de três anos nesse formato, em 2011 o site inaugurou o “Dramaturgia em Série”, em que cada autor tem um dia da semana para atualizar sua própria narrativa e, sua própria série ao longo de um ano.

Felipe ainda enfrenta muito conservadorismo e preconceito, mas está disposto a levar a frente sua proposta de fazer de webteatro. “Uma vez fizemos uma parceria com o grupo paulista Teatro para Alguém, que filma peças e exibe pela internet, e foi uma experiência incrível. Nós escrevemos cenas sobre internet, a equipe veio para cá e nós exibimos ao vivo para uma plateia que estava em São Paulo num evento sobre o twitter”, conta.

A grande vantagem que o site proporciona é a possibilidade de uma produção independente diretamente conectada com o seu público. “A desvantagem é que a gente quer experimentar tudo no palco também e precisamos de dinheiro para isso”, ri o artista. O site não gera rendimen-tos. O motivo talvez seja o público, que não busca uma forma de consu-mo e sim de conhecimento. “O público do Drama Diário é jovem e grande parte dos internautas é estudante de teatro. Recebemos mensagens de grupos e professores de universidades de todo o Brasil”, diz Felipe.

Segundo ele, fazer teatro no Brasil é uma batalha, principalmente por-que os artistas são desarticulados e têm medo de se posicionarem politi-camente. “Minha luta é para encarar o teatro como uma profissão que dê dinheiro e pague as nossas contas”, afirma. Recentemente, Barenco publicou um manifesto que divulgou em seu twitter (a famosa dona Helio-dora). “Gostaria de contar para vocês a história de um povo apaixonado pelo que faz. Que tem dificuldade em enxergar na própria profissão um

Dramaturgia 2.0Por Patricia Valle

•••“A desvantagem é que a gente quer experimentar tudo no palco também e precisamos de dinheiro para isso”, ri o artista•••

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trabalho, que sobe no palco pela pri-meira vez cheio de ideologias e discur-sos prontos, que se sente ofendido e muitas vezes surpreso quando é pago pelo que faz”, diz ele em um trecho de seu manisfesto.

Felipe considera o Drama Diário um filho, que deu trabalho para criar, mas no final acaba acabou ensinando

muito aos pais. “É um ambiente de muito aprendizado e amadurecimen-to. Com o site eu aprendi a trabalhar melhor em equipe, a pensar como alguém que, além de artista, precisa ser um empreendedor.”

Essa pode ser a maior lição para quem quer começar: seja um empreen-dedor. Mas ele dá outra dica: “A nossa

formação na UFRJ faz muita diferen-ça no mercado e tudo que hoje eu sou capaz de articular, questionar e criar se deve ao que vivi no curso. Mas de-vemos pensar além dos muros da fa-culdade, porque se ficarmos fechados nos corredores da ECO, viveremos em um microcosmo irreal e que desabará quando nos formarmos”.

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Quarta-feira, 21 de Setembro, 19h10 e o Teatro Glauce Rocha se prepara para mais um espetá-culo. O iluminador afina as luzes enquanto alguém testa as projeções, a fotógrafa se posicio-na para fazer os melhores registros e o microfone está pronto para ser utilizado. Apesar de

tantos preparativos, o espetáculo é de improviso. É possível pedir a palavra a qualquer momento, chegar atrasado, sair cedo, pegar o microfone e fazer um discurso acalorado sobre a vida de um artista. Poderia ser uma peça, mas não é. É a segunda reunião da Operação Fomento, encontro carioca de artistas e pensadores de teatro.

À semelhança do que já ocorreu em São Paulo, que tem há quase 10 anos uma lei voltada para espetáculos sem apelo ou fim comercial, agora é a classe artística carioca que se reúne para escrever uma proposta de lei de amparo aos grupos teatrais no Rio. A Operação Fomento surgiu da necessidade das companhias cariocas que não encontram espaço nos editais para a manutenção de seus trabalhos e pesquisas. É uma tentativa de unir os grupos do município do Rio de Janeiro em prol do fomento às artes cênicas e de uma cultura não-comercial. O movimento quer propor uma lei que viabilize o trabalho continuado. Ou seja, que torne possível a manutenção de pesquisas teatrais e não somente espetáculos, para que um grupo possa se aprofundar em um determinado tema, além da formação e desenvolvimento crítico desses grupos de trabalho. Diferentemente do caso paulista, a idéia é fazer uma lei mais abrangente que abrigue não só espetáculos teatrais como artes performativas: dança, circo, performance, interferências urbanas e as demais misturas dessas artes.

A segunda reunião contou com a presença de Sérgio de Carvalho, diretor e dramaturgo da Cia. do Latão, e Luiz Carlos Moreira, integrante do Engenho Teatral. Eles dividiram com os participantes do encontro a experiência de terem feito parte, em São Paulo, do movimento paulista – contra a mer-cantilizacao da cultura – “Arte contra a Barbárie” e da implementação da Lei Municipal de Fomento Paulista, em 2002. As pautas são intermináveis: mercantilização, editais, incentivos. Tudo para ana-lisar as demandas da classe artística e a contribuição da experiência paulista.

“O que acho mais bacana é que a Lei foi algo secundário, fruto de um movimento anterior que não estava visando verba, e sim, um outro paradigma de fomento, de pensamento sobre política cultural e economia criativa”, defende Patrick Sampaio, ator e membro do Brecha Coletivo e um dos idealizadores do movimento carioca. Segundo ele, o mais chato é perceber que o Estado não diferencia muito bem suas ações de estímulo ao mercado e de investimentona cultura. Patrick acrescenta ainda que o pleito de lei municipal é um dos desdobramentos possíveis no Rio de Ja-neiro, mas uma lei no âmbito estadual também é, já que os trabalhos de mapeamento de grupos e pesquisas serão feitos em todo o Estado.

O movimento prevê cinco reuniões principais com debates e votações, além dos pequnos grupos de trabalho formados por voluntários encarregados de sistematizar em forma de lei as medidas suge-ridas pelos artistas. Em seguida, essa proposta será enviada ao governo, já que foi aberto no dia 21 de setembro uma Consulta Pública para receber sugestões de projetos para o Plano Nacional de Cultura. É uma forma da sociedade civil colaborar com o governo na formação de novas políticas públicas.As próximas reuniões devem acontecer nos dias 26 de outubro, 23 de novembro e 14 de dezembro, sempre às 19h, no Teatro Glauce Rocha. Para maiores informações acessem:

www.facebook.com/operacaofomento

Cariocas se mobilizam a favor da culturaPor Michelle Batista

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Criações coletivas:Um novo caminhoPor Julia Ricciardi

Em sua décima primeira edição, a Mostra de Teatro da UFRJ traz na programação uma quantidade de criações coletivas que salta aos olhos. Os espetáculos Sonho, logo não existo, Por trás do acaso vivem os insetos, Em trânsito e Estufa prometem levar aos

palcos um mosaico criativo produzido por jovens diretores, atores, iluminadores, diretores musicais, cenógrafos e até pela plateia.

A peça Sonho, logo não existo, baseada no enredo do gibi Menz Insana (Cristopher Folwer e John Bolton, EUA, 1999), começou a ser criada em encontros onde toda equipe fazia análises filosóficas de materiais sugeridos pela diretora. Logo no início, Olívia Zisman percebeu que “a peça deveria ser um acontecimento onde todos os presentes no espaço fossem atuantes”. Por isso, o roteiro de cenas só foi amarrado a partir dos chamados “ensaios-peça”, que provocaram a interação de todos os elementos cênicos. Olívia destaca a importância do ensino universitário da técnica View Point. Desenvolvida em Nova Iorque pelas diretoras Anne Bogart e Tina Landau, a técnica de improvisação é recente no país e serviu para Olívia como instrumento fundamental para o desenvolvimento da dramaturgia do espetáculo. Em Sonho, logo não existo, o título “cole-tivo” não se refere apenas ao desenvolvimento do texto por um grupo, mas também ao comparti-lhamento de decisões, que provocou a apropriação da criação por todos os envolvidos.

Com o espetáculo Por trás do acaso vivem os insetos não foi diferente. O processo de criação também começou baseado em discussões teóricas feitas pelo grupo, mas os atores logo foram para a sala de ensaio transformar, por meio da experimentação, questões em material drama-túrgico. Quem assina a peça é Dominique Arantes, que criou o texto com base no que surgia nos ensaios, quando alguns motes eram sugeridos aos atores. Como se trata de um trabalho de ficção, Dominique ressalta que os intérpretes não trabalharam com questões pessoais, e sim com formas de potencializar o que seria dito pelos personagens. A intenção de criar a peça de forma coletiva veio da vontade de “ver como o tema pulsava em cada um, na tentativa de dar voz às questões sugeridas pelos atores também”, diz Dominique. Para ela, são fundamentais a quebra de uma hierarquia e a construção de um novo lugar para o ator como questionador da obra.

O processo de criação da peça Em trânsito está estampado no título da obra. Uma grande colagem de temas, conceitos e inquietações que são formulados e reformulados constantemen-te, criando diversas formas finais. Para a diretora Natássia Vello, é impossível pensar em uma criação teatral sem trabalho coletivo, mas em alguns espetáculos ele aparece em maior grau. Esse tipo de criação permitiu que Em trânsito se tornasse uma peça profundamente autoral. Mas o excesso de liberdade também foi um desafio para Natássia: “Quando se pode ir para qualquer lugar, é fácil ficar no mesmo lugar sem saber qual caminho seguir. Tem um momento em que as escolhas devem ser feitas, sem medo de limitar”.

Entre muitas especulações sobre o porquê de tantas obras coletivas nessa mostra de tea-tro, foi unânime o reconhecimento de que diante da imensidão de possibilidades vislumbradas por esses novos artistas, o melhor mesmo era misturar. “Somos todos artistas e temos todos muito o que dizer. A criação coletiva abre espaço para essa voz compartilhada”, explica Domi-nique Arantes. “Tenho compartilhado da idéia de uma arte onde as conexões entre as pessoas são mais evidentes do que as individualidades”, complementou a diretora Natássia Vello. E o público aplaude de pé a construção (coletiva) desse novo caminho.

•••Entre muitas especulações sobre o porquê de tantas obras coletivas nessa mostra de teatro, foi unânime o reconhecimento de que diante da imensidão de possibilidades vislumbradas por esses novos artistas, o melhor mesmo era misturar•••

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ReitorCarlos Antônio Levi da ConceiçãoPró-Reitora de GraduaçãoAngela Rocha dos SantosPró-Reitor de ExtensãoPablo Cesar BenettiDecano do CFCHMarcelo Macedo Corrêa e Castro

ESCoLA DE CoMuNICAÇÃoDiretoraIvana BentesDiretor-Adjunto de GraduaçãoMário FeijóDiretora-Adjunta de AdministraçãoSheila Camlot CarneiroCoordenação de ExtensãoWanelitcha Simonini e Mercia PessoaCoordenação de JornalismoCristiane CostaCoordenação de Rádio/tVAnita LeandroCoordenação de Produção EditorialMário FeijóCoordenação de Publicidade e PropagandaAmaury FernandesCoordenação de Direção teatralEleonora Fabião

Co-REALIZAÇÃo

CAp – Colégio de Aplicação da uFRJDiretora: Celina Maria de Souza Costa

Escola de Belas Artes (EBA)Diretor: Carlos Gonçalves Terra

Fórum de Ciência e CulturaCoordenadorAloisio TeixeiraSuperintendente de Difusão CulturalMilton Flores

Museu NacionalDiretoraCláudia Rodrigues de CarvalhoCoordenadora de ExtensãoRhoneds Aldora Perez

EQuIPE XI MoStRA DE tEAtRo DA uFRJ

Coordenação GeralAdriana SchneiderCoordenação técnica e de IluminaçãoJosé Henrique MoreiraCoordenação de Produção Érika NevesBolsistas de ProduçãoOlívia Zisman, Pedro Rothe e Vitor HugoEquipe S.u.A.t.Amanda Costa, Andrey Mendes, Bruno Lopes, Cristiane Ferreira, Giulia Del-Penho, Luiz Paulo Barreto, Maíra Lemos, Marymília Fatah e Tamara WestFilmagemCPM (ECO)Bolsista de FotografiaRafael TurattiProgramação VisualJosé Antônio de Oliveira (Fórum de Ciência e Cultura)ContrarregraTuto GonçalvezEletricista CênicoRicardo Vianna

CoRPo DoCENtEAdriana Schneider (ECO)André Sanches (EBA)Andrea Pinheiro (CAp)Andréa Renck (EBA)Ângela Leite Lopes (EBA)Antônio Guedes (EBA)Carmem Gadelha (ECO)Celeia Machado (CAp)Céli Palácios (CAp)Desirée Bastos (EBA)Eleonora Fabião (ECO)Fátima Novo (CAp)Gabriela Lírio (ECO)Gilson Motta (EBA)José Dias (EBA)José Henrique Moreira (ECO)Larissa Elias (EBA)Lauro Góes (ECO)Lívia Flores (ECO)Madson Oliveira (EBA)Marcellus Ferreira (ECO)Maria Cristina Volpi (EBA)Ronald Teixeira (EBA)Samuel Abrantes (EBA)

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teatrodireçãoteatral

XIMostra

de Teatroda UFRJ

Universidade Federal do Rio de Janeiro

relaização co-relaização apoio

uFRJ ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

CEPERJF U N D A Ç Ã O

Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas eFormação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro