A mulher serva do Diabo

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  • 7/25/2019 A mulher serva do Diabo

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    Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. ST1001

    A MULHER SERVA DO DIABO: A INTERPRETAO DA MULHER NAIDADE MDIA

    Alexandre Bueno Salom de SouzaMestrando

    Universidade Presbiteriana [email protected] CAPES

    ST 10GNERO E RELIGIO: TENDNCIAS E DEBATES

    Resumo:Essa pesquisa tem como objetivo mostrar que ao longo da idade mdia a mulher foiencarada como um ser diablico, criatura imperfeita por natureza, hospedeira do mal e dafornicao. Atravs da anlise de vrios autores de diversas formaes acadmicas, foiconstatado que a Igreja Catlica interpretou constantemente a mulher como portal exclusivo doDemnio, herdeira do pecado original, culpada de todos os males e pecados do Mundo. Destainterpretao histrica do ser feminino resultariam diversas reaes diretas na Idade Mdia esobrevivncias ainda observadas nos dias atuais. Concluise que a mulher sempre foi alvo doerrado, do frgil e do enganador.

    Palavras-chave:Mulher; Diabo; Idade Mdia; Pecado; Feminino; Bruxaria.

    Anais do V Congresso da ANPTECREReligio, Direitos Humanos e Laicidade

    ISSN:2175-9685

    Licenciado sob uma Licena

    Creative Commons

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    Durante sculos a mulher foi vista como um nada, diablica, imperfeita, culpada de

    todos os males da humanidade, hospedeira do pecado, da orgia e do mal.

    Segundo o seu texto (NOGUEIRA, 1991, 100) a sexualidade, origem da queda do

    homem, , para o cristianismo, o pecado por excelncia, e, para a mentalidade

    eclesistica, a luxria compunha o cenrio privilegiado onde se desenvolvia o drama

    demonaco; essa mulher era vista pela igreja sempre como objeto de pecado e do erro.

    Intimamente ligada s fronteiras gastronmicas est a revolta ertica, uma das faces,

    segundo Finn, da revolta contra a igreja e as autoridades civis. Os declnios sensuais

    preocupam os grupos dominantes, a ponto de vrios eclesisticos discorrem sobre as

    questes da natureza e do prazer ou o desprazer, experimentados nos coitos entre

    bruxas e demnios.( NOGUEIRA, 1991, 101)

    O historiador Nogueira (1991,101), afirma que a orgia uma parte indissocivel das

    cerimnias de bruxaria; e que a sexualidade feminina o elo mais importante em

    relao a sensualidade e o mundo mgico. Em suas pesquisas o historiador esclarece

    que a mulher um diabo domstico e sempre infiel, ftil, viciosa e namoradeira e diz

    que enquanto se multiplicam exausto os insultos e os discursos contra a mulher, o

    homem sempre exaltado; para o historiador estes homens so protegidos do crime

    (mesmo assassinando essas mulheres), pois Jesus foi homem.As mulheres sozinhas so vistas com suspeio e ameaam a coletividade, o que pode

    explicar por que as acusadas mais frequentes nos processos de bruxaria no eram

    casadas ou eram vivas. Situao que obviamente incrementava as suspeitas sobre as

    mulheres sozinhas por trazer consigo as decorrncias da solido: a melancolia e o

    isolamento. (NOGUEIRA, 1991, 108)

    Para (NOGUEIRA, 1991, 104), o medo mulher tem uma longa tradio que

    remonta aos hebraicos e antiguidade clssica. Para os gregos, foi Pandora, o

    presente dado aos homens por Zeus, um mal em que todos, no fundo do corao, sedeleitaro em rodear de amor sua prpria desgraa, foi a responsvel pela introduo

    de todos os males do mundo.

    Mergulhando na bblia sagrada, analisaremos o mito da criao, para compreendermosmelhor a perseguio da mulher ao longo dos tempos, nele a historiadora NereidaSoares Martins em seu artigo A Maldio das filhas de Eva: Uma histria de culpa eRepresso ao feminino na cultura judaicoCrist, afirma que a primeira mulher criada,

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    foi seduzida pelo diabo e induzida a desobedecer ordenao divina segundo a qualdeveria se abster de comer o fruto da rvore do conhecimento, e que Eva, levou apecar o primeiro e mais puro dos homens.

    A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos que o senhor Deus tinhaformado, ela disse mulher: verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda arvore do jardim? A mulher respondeu lhe : Podemos comer dos fruto das arvores do

    jardim, mas do fruto da rvore que est no meio do jardim, Deus disse: Vs no comereisdele, nem o tocareis, para que no morrais. Oh, no! tornou a serpente vs nomorrereis! Mas Deus bem sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos olhos seabriro, e sereis como deuses, conhecedores do bem e do mal. A mulher, vendo que ofruto da rvore era bom para comer, de agradvel aspecto e mui apropriado para abrir ainteligncia, tomou dele, comeu, e o apresentou tambm ao seu marido, que comeuigualmente.(Gnesis Cap. 3;1,6)

    Em seu artigo a autora analisa a mulher dentro do mito da criao, ressaltando quea mesma dentro do contexto religioso objeto simblico do mal e da fraqueza humana.

    Durante sculos a Bblia foi escrita, lida e interpretada por homens; ultimamente se tem

    feito sentir a necessidade de uma releitura dos textos sagrados pertencentes a tradioreligiosa crist, de acordo com uma nova hermenutica histrico bblica que leve emconsiderao o fato de processo de produo e bens simblicos no interiro docristianismo tem se voltado ao longo dos sculos para a manuteno do predomniomasculino sobre o sagrado. (SILVA, 2008)

    Para (SILVA, 2008), o pecado original, a expulso da mulher do paraso e os

    castigos e tambm maldies sobre as geraes futuras tem sido constantemente

    alegados para justificar o poder do homem sobre a mulher. Segundo a historiadora, a

    mulher se v sempre diminuda, desde o momento de seu nascimento. Ao longo da

    histria a mulher aps comer o fruto proibido amaldioada at mesmo por Deus:

    Disse mulher: Multiplicarei os sofrimentos do teu parto; dars luz com dores, teus

    desejos te impeliro para o teu marido e tua estars sob o seu domnio. (Gnesis, Cap.

    3; 16)

    A autora conclui que alm de passvel a seduo diablica, Eva, tornase a prpria

    cmplice do mal ao incitar seu marido ao pecado (SILVA, 2008).

    Ao longo dos sculos a narrativa mtica do Gnesis tem amparado, simbolicamente, aconstruo histrica de um pensamento misgino que afirma a inferioridade feminina e anecessidade de sua submisso ao domnio masculino. Mas no se pode compreender oque tem sido dito em relao ao feminino na cultura crist, sem considerar as dimenses

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    simblicas e mticas que esto em suas origens. A narrativa do Gnesis o relatofundador da cultura judaico crist; um mito e enquanto tal cumpre o papel deestabelecer as normas de convivncia entre os homens, fornecendo modelos decomportamentos e atuando na construo de uma identidade individual e coletiva. (SILVA, 2008)

    Michelangelo: O Pecado Original e a Expulso do Paraso - Anatomia da Regio Cervical

    Entretanto (NOGUEIRA, 1991, 104) diz que a misoginia medieval como sendoa origem da bruxaria utiliza se de teorias pseudopsicolgicas, ou argumentos deordem biolgica, para afirmar que as mulheres apresentam uma tendncia fsica que as

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    predispe, mais do que os homens, ao fantstico, ao sobrenatural, que as transforma

    em um ser delirante.

    A mulher e o diaboDurer, 1943

    Caminhando sobre essa anlise, conforme as pesquisas de Nogueira, a tradio

    crist desde seu inicio incorporou as tradies do judasmo e da civilizao Greco

    romana, e as intensificou pelas suspeitas que tinha os primeiros padres da igreja, em

    relao s relaes sexuais. Janua diabolio porto por onde entrava o Diabo era o

    epteto patristico para a mulher, herdeira direta de Eva, a mulher toda tero.

    (RUSSEL, 1972 Apud, NOGUEIRA, 1991, 104)

    A razo natural que ela mais carnal que o homem, sendo justificvel, a seus

    olhos, a maioria das abominaes carnais. E deve ser notado que existiu um defeito na

    formao da primeira mulher, uma vez que ela foi formada de uma costela curva, ou seja,

    a costela do peito, a qual arqueada como se fosse em direo contrria a um homem.

    Em consequncia ela mostra que duvida e tem pouca f na palavra de Deus. Portanto,uma mulher por sua natureza mais rpida em hesitar em sua f, e consequentemente

    mais rpida em abjurar a f, que a causa da bruxaria. (NOGUEIRA, 1991, 106)

    O historiador afirma que, a sensualidade e a sexualidade, basicamente ss e

    naturais, reprimidas e sufocadas na tentativa de viver - e fazer com que os outros

    vivessemum ideal de vida sublime, criam uma tenso emocional na coletividade. Em

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    todo o mental coletivo paira a imagem de seres frgeis, ineptos e que devem ser

    tutelados: as mulheres. (NOGUEIRA, 1991, 112). Contudo, Nogueira, considera que

    desde a antiguidade a mulher conhecedora de segredos mgicos, e por isso torna

    se artes do demnio, pois o mundo que a cercava no admitia outra magia que no ado mal.

    Todavia, a historiadora Silva, esclarece que:

    O medo mulher no uma inveno crist, mas antes foi incorporada de forma intensa

    ao seu imaginrio. A origem da desigualdade dos sexos, fundamentada no momento da

    criao, levou os telogos cristos a formularem a ideia de que, a primeira orientao da

    alma, voltada para o reino dos cus, e, portanto, para Deus, est associada ao elemento

    masculino. A segunda, na qual cede aos desejos terrenos e, portanto, ao diabo, estrelacionada natureza feminina.(SILVA, 2008)

    Ainda segundo Silva (2008), a hostilidade ao feminino pode ser vista em vrias

    passagens do antigo testamento bblico, sobretudo no livro dos provrbios onde podem

    ser encontrados edificantes conselhos a respeito do trato com as mulheres, sempre

    inclinadas ao pecado. A historiadora ainda ressalta que mensagens machistas e

    estereotipadas de uma mulher diablica so encontradas numa ampla literatura

    medieval, leis cannicas, tratados de demonologia, entre outros. No entregues tuaalma ao domnio de tua mulher, para que ela no usurpe tua autoridade e fiques

    humilhado. (Eclesistico, Cap. 9; 2).

    A mulher sempre colocada como submissa ao homem e como algo inferior, para

    Silva (2008) a criao da mulher, em sua qualidade de mera auxiliar, orienta as

    convenes sociais no que diz respeito ao matrimnio, que diante de todos esses

    argumentos justificam a necessidade de obedincia feminina e a cena do pecado

    original s fez piorar para a mulher, colocando a mais uma vez como objeto de erro e

    pecado.

    Da perversidade das mulheres falase no Eclesistico, 25: No h veneno, pior que o

    das serpentes; no, h clera que vena a da mulher. melhor viver com um leo e um

    drago que morar com uma mulher maldosa. (INSTITORIS, 1997, 114)

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    Segundo (NOGUEIRA, 1991, 111), teme se a mulher, pois teme se a

    sexualidade, considerada para a igreja catlica um instrumento de perdio e por

    isso, a mentalidade da poca a ignora e rejeita.

    A mulher... um verdadeiro diabo, um inimigo da paz, uma fonte de impacincia, uma

    ocasio de disputas que o homem deve - se manter afastado se quiser gozar a

    tranquilidade... Aqueles que se casam os que encontram atrativos na companhia de uma

    esposa, no berreiro das crianas e nos tormentos da insnia... para ns, se estivesse em

    nosso poder, ns perpetuaramos o nosso nome pelo talento e no pelo casamento,

    pelos livros e no por filhos, com o auxilio da virtude e no de uma mulher. (

    DELUMEAU, 1973 Apud, NOGUEIRA, 1991, 111)

    Ainda em seu artigo, (SILVA, 2008), afirma que o pensamento Agostiniano foi

    construdo em articulao com a filosofia platnica, no qual o ser humano formado a

    partir de dois princpios; um espiritual e racional, e outro material e sensvel, terreno,

    para ela ceder aos desejos dos sentidos equivale a distanciar se cada vez mais de

    Deus, e para aproximar se a Ele s possvel diante do resguardo e da

    contemplao; a mulher tendo uma caracterstica sensual e terrena torna-se quase

    impossvel desprender - se da vida Mundana, que comandada pelo diabo, tornando -

    se assim alcanar a cidade de Deus. J, So Toms de Aquino se distancia da teoria

    Agostiniana, o mesmo se baseia na doutrina Aristotlica, dedicando se em suas

    pesquisas, ao problema da criao do homem e da mulher e a diviso dos sexos - a

    medida em que ele rejeita a distino de dois momentos para a criao, a historiadora

    afirma que segundo ele, a alma e o corpo foram criados a partir de um nico gesto,

    primeiro o homem depois a mulher, porm os dois criados a imagem de Deus. Silva

    ressalta que a criao masculina proporciona ao homem uma capacidade mais racional

    em relao mulher, e que o corpo da mulher era imperfeito e deficiente, um corpo

    masculino incompleto, refletindo assim em Freud, a inveja da mulher em ter um pnis.

    Concluise que ao longo de toda a idade mdia, e caindo nos dias atuais a mulher

    sempre foi vitima do erro, do pecado e de ser responsvel pela perda do paraso, a

    misoginia evidenciada em todo o perodo medieval repetido hoje no s pelo

    cristianismo, mas por vrias religies, passando pela poltica, pelas famlias e pelas

    profisses, para (SILVA, 2008) que embora a prtica social tenha em grande parte dos

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    casos, se mantida em consonncia com o discurso religioso, no podemos excluir as

    distores e hibridismos gerados a partir do choque entre o cristianismo e elementos do

    imaginrio mtico relacionado ao feminino.

    Referenciais

    BIBLIA SAGRADA, Ave Maria, 71 edio, Edio Claretiana, 1989.

    INSTITORIS, Heinrich, 14301505 - O Martelo das Feiticeiras. Rio de Janeiro

    NOGUEIRA, Carlos Roberto F. Bruxaria e Histria As prticas mgicas no ocidente

    Cristo. So Paulo: Editora tica, 1991.

    MARTINS, Nereida Soares. A Maldio das Filhas de Eva: Uma histria de culpa e

    represso ao feminino na cultura judaico-crist. 2008. Disponvel em:

    http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2008%20-

    %20Nereida%20Soares%20Martins%20da%20Silva%20TC.PDF

    http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2008%20-%20Nereida%20Soares%20Martins%20da%20Silva%20TC.PDFhttp://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2008%20-%20Nereida%20Soares%20Martins%20da%20Silva%20TC.PDFhttp://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2008%20-%20Nereida%20Soares%20Martins%20da%20Silva%20TC.PDFhttp://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2008%20-%20Nereida%20Soares%20Martins%20da%20Silva%20TC.PDFhttp://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2008%20-%20Nereida%20Soares%20Martins%20da%20Silva%20TC.PDF