A Musicalidade Na Formação Do Ator

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Importante referência para musicalização de atores com conceitos próprio do teatro.

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    A musicalidade na formao do ator: a produo de alguns pesquisadores

    brasileiros da ltima dcada

    Simone Nogueira Rasslan [email protected]

    Faculdade de Educao FACED/UFRGS Leda de Albuquerque Maffioletti

    [email protected] Faculdade de Educao FACED/UFRGS

    Resumo: Este texto apresenta algumas reflexes sobre a musicalidade presente no trabalho do ator e a partir dos resultados de investigaes j realizadas por pesquisadores brasileiros ao longo da ltima dcada, relaciona a produo de narrativas de si na pesquisa (auto)biogrfica como tcnica de ascese, subjetivao do discurso musical e constituio do sujeito. Palavras-chave: musicalidade; formao do ator; narrativas de si.

    Abstract: This paper presents some reflections on musicality that is in the work of the actor and from the results of Brazilian previous researches along the last decade. Also relates the production of self-narratives in biographical research as technique of ascesis, subjectivaction of the musical speech and the constitution of the subject. Keywords: musicality; formation of the actor; narratives of the self.

    Nem a loucura do amor, da maconha, do p,

    do tabaco e do lcool Vale a loucura do ator

    quando abre-se em flor sob as luzes no palco

    (Caetano Veloso)

    Introduo

    A investigao da musicalidade na ao cnica um trajeto j trilhado por

    alguns pesquisadores brasileiros. Na tentativa de inserir essa pesquisa como mais

    uma produo que trafega entre os estudos voltados para a musicalidade no teatro,

    detivemo-nos a olhar alguns trabalhos j realizados e publicados, a partir do ano de

    2000, na sua maioria, no portal da Associao Brasileira de Pesquisa e Ps-

    Graduao em Artes Cnicas - ABRACE nos Anais dos Congressos e Reunies

    Cientficas.

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    Desenvolvimento: o que demonstram as pesquisas?

    Alguns pesquisadores (MALETTA, 2005; CINTRA, 2006; OLIVEIRA, 2008;

    FERNANDINO, 2008; MOREIRA, 2012;) concebem a musicalidade da cena como

    elemento estruturante e no complementar e o trabalho do ator como espao de

    interseco de vrios fazeres artsticos, incluindo a msica como elemento importante

    dessa produo.

    A pesquisa feita por Jussara Fernandino, em 2008, constituindo sua

    dissertao de mestrado, percorre a literatura elaborada, at ento, sobre a interao

    entre msica e teatro, dando nfase musicalidade da cena em sua relao dialgica

    e no isolando a funo musical. Ela consultou as produes acadmicas dos Anais

    dos Congressos e Reunies Cientficas promovidos pela Associao Brasileira de

    Pesquisa e Ps-Graduao em Artes Cnicas ABRACE, encontrando, na poca da

    elaborao de sua pesquisa, apenas um trabalho que versava sobre o estudo rtmico

    na esttica teatral. Ampliando sua investigao, a autora decidiu expandir o espectro

    de palavras-chave, averiguando os acervos das Universidades Brasileiras que

    ofereciam o curso de Artes Cnicas. Encontrou, na poca, treze trabalhos

    acadmicos. Dentre eles, duas teses de doutorado, dez dissertaes de mestrado e

    um trabalho de iniciao cientfica. A maioria dos trabalhos destacava a voz

    relacionada rea fonoaudiolgica ou direcionada expresso vocal textual, quatro

    trabalhos sobre rtmica, apenas um trabalho voltado para a educao musical do ator

    e outro para aplicao de exerccios de musicalizao para formao do ator.

    A autora conclui essa parte de sua pesquisa, verificando

    que a produo acadmica relativa s contribuies musicais no Teatro ainda incipiente. Observou-se, ainda, que a maioria dos trabalhos encontrados se detm em um tema de carter musical especfico e, confirmando uma constatao anterior, concentram-se em questes rtmicas e vocais. Apesar da inegvel contribuio desses trabalhos para o meio teatral e da afinidade com o campo de investigao da presente pesquisa, corroborou-se a necessidade de um estudo da musicalidade no Teatro de carter panormico, que no se detenha em um foco determinado, mas que possibilite uma viso geral da realidade e das possibilidades dessa relao (FERNANDINO, 2008, p.14)

    A parte mais densa de sua pesquisa situa-se na investigao das estticas dos

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    encenadores do sc. XX como Dalcroze, Stanislavski, Meyerhold, Artaud, Decroux,

    Brecht, Grotowski, Eugenio Barba entre outros. Na concluso final de sua

    dissertao, demonstra a potncia existente entre msica e teatro e a necessidade de

    uma pedagogia que estabelea interaes e que ultrapasse a aplicao de atividades

    musicais pr-estabelecidas no contexto teatral, e vice-versa (FERNANDINO, 2008,

    p. 137). Salienta que, na formao musical do ator, de maneira geral, as metodologias

    ou prticas pedaggicas esto desvinculadas das demais disciplinas e relacionadas

    ao contexto musical tonal-mtrico, no atendendo a um universo musical mais amplo.

    (FERNANDINO, 2008). Sobre essa opo pelo sistema tonal-mtrico, ainda h toda

    uma provocao desenvolvida por Livio Tragtenberg no que tange ao ofcio do

    compositor da msica de cena. Profissional que seria alm de um arteso ecltico-

    um digestor de procedimentos, jeitos e formas e manhas sonoras. (TRAGTENBERG,

    2008, p.171). Muito mais do que escrever a msica de cena, o compositor deve

    procurar estar aberto para ouvir as possibilidades que a cena oferece. Uma

    abordagem mais ampla que aponta para uma diversidade do fenmeno sonoro.

    O conceito de atuao polifnica, desenvolvido por Ernani Maletta, em sua

    tese de doutorado, d nfase constituio mltipla do ator e necessidade de

    apropriao e incorporao das vrias formas de manifestao artstica, no como

    formao de um profissional de atuao tcnica virtuosstica, mas como

    possibilidades de compreenso aprofundada de sua prtica. (MALETTA, 2005). Ele

    explica essa forma de atuao como

    aquela em que o ator, incorporando os conceitos fundamentais das diversas linguagens artsticas (literatura, msica, artes corporais, artes plsticas, alm das teorias e gramticas da atuao), capaz de, conscientemente, se apropriar deles, construindo um discurso cnico por meio do contraponto entre os mltiplos discursos provenientes dessas linguagens; ou seja, pode atuar polifonicamente apropriando-se das vrias vozes autoras desses discursos: os outros atores, o autor, os diversos diretores (cnico, musical, vocal, corporal), o cengrafo, o figurinista, o iluminador e os demais criadores do espetculo. ( MALETTA, 2009, p. 404)

    O termo polifonia usado na Msica como as vrias vozes independentes de

    uma composio, atravs de melodias que se entrelaam numa linguagem horizontal

    que, soando conjuntamente, formam uma harmonia. Mas esse termo tambm

    empregado na Literatura e na Lingustica e, no caso do trabalho de Maletta, a

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    expresso polifonia est fundamentada na obra de Bakhtin, sendo empregada

    como a caracterstica que identifica os discursos que incorporam dialogicamente

    muitos pontos de vista diferentes, apropriando-se deles. (MALETTA, 2010, p. 404).

    importante ressaltar que esse trabalho de pesquisa est em contnuo

    desenvolvimento. Alm do grupo Galpo, que tem como referncia em suas

    montagens a msica vocal e instrumental executada ao vivo pelos atores, a

    investigao prossegue e se sistematiza na atuao de Maletta como professor

    pesquisador na graduao e ps-graduao da Universidade Federal de Minas

    Gerais.

    Para que o artista cnico possa apropriar-se de conceitos musicais bsicos

    para sua atuao, o autor ressalta dois pontos que fundamentam sua proposta

    pedaggico-metodolgica: a necessidade de uma estratgia de formao musical

    prpria do discurso cnico, distinta daquela em que os msicos profissionais so

    formados e a condio da experincia corporal como elemento fundamental do

    aprendizado dos parmetros sonoros.

    Cintra prope alguns caminhos para uma pedagogia musical no teatro partindo

    do princpio de que a cena pode ser entendida como uma partitura, um acontecimento

    conduzido e alicerado sobre bases musicais, especialmente pela proximidade na

    compreenso e percepo do tempo no teatro e na msica (CINTRA, 2006, p.6). Ele

    utiliza o conceito grego de mousik, que vem da ideia de ordem, organizao no

    tempo-espao ou equilbrio entre elementos distintos, para explicar o que acontece no

    teatro. Ento, o som, silencio, luz, movimento e palavra interagem no espao- tempo.

    Uma mousik seria a reunio desses elementos de forma equilibrada. Mas, no teatro,

    h tambm o elemento que no sonoro, mas intrnseco ao som e musicalidade,

    como o gesto, a luz, etc. O autor recorre, ento, ao que Patrice Pavis j havia

    nominado de cronotropo artstico.

    O cronotropo a verso cnica da mousik: um totum que tem como elementos interdependentes o tempo, o espao e a ao. Qualquer acontecimento teatral pode ser analisado a partir da, e nosso foco justamente a possibilidade de explorao, experimentao e composio, enfim de interveno musical na cena, incluindo todos os seus elementos, e no apenas os sonoros. (CINTRA, 2010, p.411).

    A abordagem metodolgica apontada por Cintra est baseada na improvisao

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    e utiliza o trip Escuta-Escrita-Execuo como atividades de manipulao do

    material sonoro que podem acontecer no processo de composio atravs da

    improvisao, execuo de melodias cantadas, atividades de canto coral, audio de obras musicais, propostas de resoluo de cenas atravs do tempo-ritmo, criao de cenas a partir de propostas musicais, aprendizado de leitura de partituras, leitura de textos sobre msica e outras, de natureza semelhante.( CINTRA, 2006, p. 206)

    No h dissociao entre aprendizagem e processo criativo. So simultneos.

    Para Cintra o processo de criao , de fato, para o ator assim como para qualquer

    artista, o prprio processo de educao. intrnseca ao trabalho de criao do ator a

    avaliao de resultados e do valor dos caminhos experimentados. (CINTRA, 2010,

    p.413)

    Tanto Cintra como Maletta fundamentam-se nos estudos de Emile Dalcroze

    para dar formato sua pedagogia musical para o ator tendo a vivncia corporal como

    elemento essencial. Outro ponto de contato entre os autores seria a ideia de

    multiplicidade na ao do ator, que aparece no conceito de mousik e cronotropo

    desenvolvido por Cintra e de atuao polifnica elaborado por Maletta.

    Outra pesquisa realizada procurando um olhar interdisciplinar sobre o fazer

    cnico, focando as noes de musicalidade, dinamismo e plasticidade, o trabalho

    de Jacyan Oliveira. Para ela, esses elementos,

    essenciais porque so verdadeiramente estruturantes do fenmeno teatral, so ainda hoje relegados a segundo plano como constituintes da potica do espetculo, considerados como aspectos ornamentais e complementares da composio. (OLIVEIRA, 2008, p.7).

    O trabalho de Oliveira procura verificar que o ritmo, que engloba a dinmica

    da obra teatral, ferramenta de produo de sentido, alado da condio de

    significante a pleno signo na constituio da obra (OLIVEIRA, 2008, p.7).

    A autora provoca a reflexo e prope o uso da palavra musicalidade para

    designar a habilidade de articular intencionalmente os signos de uma obra artstica

    (OLIVEIRA, 2008, p. 27).

    Para que haja intencionalidade nessa articulao, necessria a preocupao

    com a formao da musicalidade do ator/criador. Atribuir musicalidade papel

    estruturante da obra teatral obriga, necessariamente, a produo de conhecimento

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    musical do ator envolvendo a conscincia de sua musicalidade.

    Interessada na musicalidade da cena, mas com o foco voltado para o teatro de

    rua, Jussara Moreira desenvolve sua investigao desde 1998. Acompanha, desde

    ento, o processo de trabalho e de criao do grupo T na Rua, do Rio de Janeiro,

    que tem como diretor Amir Haddad. A metodologia do grupo se d pela improvisao

    coletiva realizada atravs de estmulos musicais, denominada pelo diretor como

    Oficina de Despressurizao. Esse estudo revelou o papel fundamental que as

    msicas desempenham nas oficinas. Segundo a autora, naqueles encontros os atores

    eram ativados corporalmente pelos diferentes gneros musicais, concretizando a

    trajetria sonora em seu corpo e dando, dessa forma, significado e sentido dramtico

    a partir da percepo auditiva. A a funo da msica, no seria de apoio. Ela o

    principal elemento condutor dos processos de criao cnica. (MOREIRA, 2007,

    p.93).

    Moreira sugere em sua tese de doutorado compreender

    a musicalidade do ator como a extensa gama de aspectos presentes no ofcio atoral que, embora possam ser atribudos esfera da msica, encontram-se to entranhados na atuao que, de certo modo, parecem diluir-se em favor de uma recepo estritamente visual do que apresentado. Proponho, ento, agregar sob esta denominao, tanto habilidades musicais mais explcitas, tais como afinao vocal, execuo de instrumentos musicais, coordenao rtmico-motora etc, quanto o domnio tcnico de aspectos musicais menos bvios, como o ritmo da cena, a percepo do ambiente sonoro que envolve o espetculo, a entonao da voz do personagem, a criao de uma partitura de movimentos e outras maneiras pelas quais a msica pode se manifestar no trabalho do ator. ( MOREIRA, 2012, p.54)

    Moreira observou que na formao teatral acadmica, a educao musical

    desenvolvida pelos estabelecimentos oficiais, visando o conhecimento estritamente

    musical com uma pedagogia que evidencia objetivos musicais e no teatrais. O

    contexto em que os contedos musicais so abordados est distanciado da prtica

    teatral. Esta situao se agrava para o teatro de rua, que ainda no conquistou

    espaos significativos nas instituies oficiais de ensino de teatro. Portanto, nem

    mesmo essa produo possvel, ficando a cargo dos prprios grupos a elaborao

    de sua formao musical, conseguindo recursos para a contratao de profissionais

    que possam completar essa lacuna sendo, muitas vezes, uma produo temporria.

    (MOREIRA, 2012).

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    Consideraes finais: o que os autores enfocam.

    Fazendo uma sntese das ideias trazidas pelos autores estudados, podemos

    considerar que ainda h pouca produo cientfica sintonizada com uma formao

    musical no e para o teatro, especialmente o teatro de rua. O entendimento da cena

    como uma ao interdisciplinar e tambm essencialmente musical, atribui

    musicalidade um status predominante, o que estabelece para o ofcio do ator uma

    potncia especialmente musical. Para tanto, este profissional precisa ter conscincia

    de sua musicalidade. Isso no quer dizer que sua formao dever abarcar

    habilidades tcnicas especficas da linguagem musical, mas sim uma apropriao de

    seus fundamentos.

    A partir dos trabalhos estudados, compreendemos que a elaborao de

    pedagogias musicais voltadas para a linguagem teatral, em que estejam sempre em

    pauta o corpo, a improvisao e a multiplicidade de linguagens artsticas, intrnsecas

    ao musico-teatral, emergente. Em vista desse carter emergente, preciso

    suspender o conceito de msica como a produo, ou a reproduo de um modelo

    tonal-mtrico, a fim de atribuir ao improviso uma gama maior de possibilidades

    sonoras; conceber o corpo do ator como territrio de apropriao e elemento

    fundamental da experincia de natureza mltipla que lhe atravessa; admitir a

    simultaneidade existente entre o processo criativo e o processo formativo.

    Propomos, em consonncia com Oliveira, que a palavra musicalidade seja

    entendida como motor para articulao intencional dos elementos mltiplos de uma

    obra artstica (OLIVEIRA, 2008). Que o trabalho musical para o ator no fique restrito

    preparao vocal, ou como usualmente nomeado treino vocal ou tcnica vocal.

    Que a msica seja entendida de forma mais ampla, envolvendo toda a cena e o

    personagem principal desse ofcio o ator. Que envolva no apenas sua voz, mas

    todo o seu corpo. Compreender a musicalidade para o teatro compreender cada

    cena que compe o espetculo como clulas que tramadas umas s outras formam

    uma sinfonia. Cada elemento, a sala acstica, a luz, o figurino, os adereos, o texto,

    a respirao, o silncio, compe essa obra. Pensando desse modo, o espectro sonoro

    de ao se amplia, oferecendo ao ator maior possibilidade de jogo e manipulao

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    sonora do seu entorno e do seu prprio som.

    Ainda inserido nesse conceito de musicalidade, onde o ator o protagonista

    consciente do evento musical na cena e para abarcar essa ao precisa significar a

    sua produo, sugerimos abordar a experincia musical como matria que se elabora

    ao longo da vida. Essa produo longitudinal, realizada por cada ator nos seus outros

    espaos de atuao informal, fora do trabalho (com famlia, amigos, na igreja, em

    casa, na escola, festas, bares, shows, discos, televiso, internet, rdio), no est

    separada da sua atuao no trabalho. Esse sem-nmero de interaes musicais que

    constituem a formao dessas pessoas, no momento de seu ofcio, abrem-se em flor

    projetando na cena todas essas experincias trazidas na memria.

    Reconhecer a histria de vida como arcabouo de conhecimento que pode,

    deve, e mais do que isso, inevitavelmente visitada pela memria na produo do

    ator, dar importncia ao conhecimento j alcanado anteriormente como fruto de

    seu tempo e das manifestaes possveis naquele momento. Dessa forma, faz-se um

    deslocamento do domnio da produo musical. Assim, passa a no ser apenas parte

    do ofcio do msico, ou daquele que estudou para fazer msica. Intenta-se suspender

    o conceito de que o campo do conhecimento musical um objeto dado a poucos que

    tiveram seus estudos voltados a ele. O conhecimento musical passa a ter uma gama

    mais ampla de produo.

    O presente trabalho est inserido na discusso que vem sendo proposta pelos

    pesquisadores que se preocupam com a formao musical do ator, encontrando

    vrios pontos de contato e de consonncia com o resultado dessas investigaes.

    Porm, o foco da pesquisa que estamos desenvolvendo consiste em dar voz aos

    atores e, a partir de seus relatos, compreender e evidenciar o conhecimento contido

    nas experincias vividas que os constituem como sujeitos musicais e que aflora

    durante o processo de elaborao de seus espetculos. Ao dar importncia histria

    individual e experincia como conhecimento que se transforma em produo

    musical, a subjetividade contida na narrativa passa a ser a matria principal para

    anlise e compreenso da constituio musical dos sujeitos. A narrativa de si

    realizada pelo ator, nesse trabalho, pode ser vista como uma tcnica da ascese

    filosfica a qual descrita por Foucault em sua clebre aula de 3 de maro de 1982.

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    O objetivo da ascese, aqui entendida - diferentemente daquela ascese crist, em que

    o sujeito faz a renncia de si para encontrar a verdade ou a lei - do sujeito,

    atravs da fala, colocar-se e da maneira mais explcita, mais forte, mais contnua e

    obstinada possvel como fim de sua prpria existncia.. (FOUCAULT, 2011, p.295-

    296).

    Esse colocar-se, a que se refere Foucault, pode ser entendido no momento

    em que os sujeitos produzem narrativas de si. Narrativas que fazem parte de um

    momento histrico, fruto das suas possibilidades, envolvidas pelos aspectos social,

    histrico, cultural e, por isso, no dissociadas de um campo discursivo. O que o ator

    narra de si, est atravessado pelo tempo vivido. Julgamos ampliar com nossa

    investigao a discusso sobre formao musical do ator e com isso contribuir para

    novos trabalhos.

    A epgrafe utilizada para introduzir esse texto nos convida a pensar a condio

    do ator no momento de seu ofcio, a sua musicalidade oferecida ao espectador,

    colocada mostra, abre-se em flor, correndo risco. Assim, em Ceclia Meireles, que

    tambm junta-se a esse arcabouo de sensaes com sua poesia e nos ajuda a

    decifrar a potncia da musicalidade no teatro em que pousa sbre sses espetculos

    infatigveis uma sonora ou silenciosa cano: flor do esprito, desinteressada e

    efmera. (MEIRELES, 2006, p.12).

    Referencias: CINTRA, Fabio Cardozo de Mello. A musicalidade como arcabouo da cena: caminhos para uma educao musical do teatro. So Paulo: USP. 231p. Tese (Doutorado em Artes Cnicas) - Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2006. CINTRA, Fbio. Tocando a Vida. Sala Preta, So Paulo, v. 9, n. 1, p. 409-415, maio. 2009. Disponvel em: Acesso: 2013-09-29 FERNANDINO, Jussara Rodrigues. Msica e Cena: uma proposta de delineamento da musicalidade no teatro. Belo Horizonte: UFMG. 151p. Dissertao (Mestrado em Artes) Programa de Ps-Graduao em Artes da Escola de Belas Artes,

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    Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. FOUCAULT, Michel. A Hermenutica do Sujeito. Trad. Marcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. So Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2011. MADUREIRA, Jos Rafael; LEITE, Luci. Dalcroze: msica e educao. Pro-Posies, Campinas, v. 21, n. 1 (61), p. 215-218, jan./abr. 2010. Disponvel em:< http://www.scielo.br/pdf/pp/v21n1/v21n1a14.pdf> Acesso em: 2013-11-05 MALETTA, Ernani. Estratgias para a criao musical nos espetculos do Grupo Galpo e suas relaes com a formao do ator para uma atuao polifnica. Sala Preta, So Paulo, v. 9, n. 1, p. 399-407, maio. 2009. Disponvel em: Acesso: 2013-09-29 MALETTA, Ernani. C. A formao do ator para uma atuao polifnica: princpios e prticas. Belo Horizonte: UFMG. 370 p. Tese (Doutorado em Educao) Faculdade de Educao, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005. MEIRELES, Ceclia. Viagem. Edio: eBooks Brasil, 2006. Disponvel em: Acesso: 2013-10-12 MOREIRA, Jussara Trindade. A pedagogia teatral do grupo Ta Na Rua. Rio de Janeiro: UNIRIO. 138p. Dissertao (Mestrado em Teatro) Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. MOREIRA, Jussara Trindade. A Contemporaneidade do Teatro de Rua: potncias musicais da cena no espao urbano. Rio de Janeiro: UNIRIO. 228p. Tese (Doutorado em Teatro) - Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. OLIVEIRA, Jacyan Castilho. O Ritmo musical na cena teatral: a dinmica do espetculo de teatro. Bahia: UFBA. 339p. Tese (Doutorado em Artes Cnicas) Escola de Teatro e Escola de Dana, Universidade Federal da Bahia, Bahia, 2008. TRAGTENBERG, Livio. Msica de Cena: dramaturgia sonora. So Paulo: Editora Perspectiva, 2008.