257
Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Departamento de Geografia Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia Josélia Carvalho de Araújo A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL Natal/RN 2017

A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL€¦ · Ao longo do caminho, por ocasião do processo de Qualificação, pude contar com as contribuições acadêmicas da professora Ione

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade Federal do Rio Grande do NorteCentro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Departamento de GeografiaPrograma de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia

Josélia Carvalho de Araújo

A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL

Natal/RN2017

Josélia Carvalho de Araújo

A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, na área de concentração Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do Território, como requisito para obtenção do título de doutora em geografia. ORIENTADORA: Profª Drª Rita de Cássia da Conceição Gomes

Natal/RN 2017

Araújo, Josélia Carvalho de. A natureza da centralidade urbana em Natal / Josélia Carvalhode Araújo. - 2017. 255f.: il.

Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande doNorte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa dePós-Graduação e Pesquisa em Geografia. Natal, RN, 2017. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rita de Cássia da Conceição Gomes.

1. Centralidade Urbana. 2. Natureza da Centralidade. 3.Multicentralidade. 4. Espaço Urbano. 5. Economia Terciária. I.Gomes, Rita de Cássia da Conceição. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 911.375.1(813.2)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRNSistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -CCHLA

Josélia Carvalho de Araújo

A NATUREZA DA CENTRALIDADE URBANA EM NATAL

Tese de doutorado entregue ao Programa de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia, na área de concentração Dinâmica Socioambiental e Reestruturação do Território, como requisito para obtenção do título de doutora em geografia.

Aprovada em 10/04/2017.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Profª Drª Rita de Cássia da Conceição Gomes

Presidente-Orientadora (PPGEO-UFRN)

________________________________________ Prof Dr Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva

Examinador externo (PPEUR-UFRN)

________________________________________

Prof Dr Ademir Araújo da Costa Examinador interno (PPGEO-UFRN)

________________________________________ Profª Drª Virgínia Célia Cavalcante de Holanda

Examinador externo (PPGEO-UVA)

________________________________________ Prof Dr Lincoln da Silva Diniz

Examinador externo (DGE-UFCG)

A Nina Carvalho, minha mãe, que, respondendo à minha primeira pergunta de conhecimento, alfabetizou-me.

A Rita de Cássia, minha orientadora, que sempre me ensinou a elaborar novas perguntas, e investigar suas respostas.

AGRADECIMENTOS

“De graça recebestes, de graça dai.” (Mt 10, 8b)

Com a epígrafe, firmo um pacto de gratidão àqueles que contribuíram para a

realização deste trabalho. Firmar esse pacto não significa tão somente evocar

palavras de gratidão. O que seria fácil. Isto porque sei que não foi fácil o

empreendimento de cada um que ora elenco, para que pudesse prestar-me auxílio

neste trabalho. Certamente, cada um disponibilizou-me o que tinha de melhor entre

as suas habilidades, seja fazendo além do profissional, seja fazendo por plena

gratuidade. Em suma, o pacto consiste num compromisso de gratidão que perdurará

por quantas vezes outras tantas pessoas precisarem do meu auxílio, especialmente,

aqueles que me auxiliaram.

Sou grata aos meus colegas do Departamento de Geografia, Campus

Central, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Verdadeiramente, eles não mediram esforços para assumir minhas atividades

laborais, enquanto estive afastada para qualificação.

À UERN também agradeço, tanto o período de quatro anos de liberação

para cursar o doutorado quanto o auxílio sob a forma de Bolsa, que teve

contribuição decisiva para que o trabalho chegasse ao final.

Aos colegas da turma de doutorado, agradeço os saberes compartilhados e

os aprazíveis momentos ao longo do curso: Kelson (in memoriam), Edseisy,

Jacimária, Eduardo e Erimar.

Aos funcionários da secretaria do PPGE-UFRN, Elaine e André, pela

competência irretocável e gentileza constante.

Aos colegas de orientação, agradeço pelas parcerias firmadas e pela

amizade: Rosa sempre foi presença, cooperação e carinho, querendo saber em que

ainda poderia contribuir; Soneide transforma quase tudo em solicitude, indo aonde

preciso for para alcançar o bem desejado a cada membro do nosso grupo de

orientandos; Moacir, além das parcerias acadêmicas firmadas, desde a UERN,

enquanto orientando, teima em seguir meus passos na academia, como um

colaborador vitalício.

Quanto à forma que um trabalho acadêmico deve obedecer, tenho alguns

amigos aos quais agradecer. Josenildo, que mobilizou seus conhecimentos

linguísticos em outros idiomas, e cuidou da tradução do resumo; Paulo Bruno, que

sempre esteve disponível, via mensagem instantânea, para sanar dúvidas com

relação à Norma Culta Brasileira, indicando também fontes de consulta; Valéria, de

modo semelhante, “deu plantão” com relação à normatização segundo a Associação

Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), também esclarecendo dúvidas e

disponibilizando todas as normas das quais necessitei.

Quanto aos serviços técnicos, agradeço a dois amigos profissionais, que

produzem mapas com profissionalismo e dedicação. Helô, que elaborou o mapa da

área de estudo com bastante profissionalismo, tendo dedicado tempo em diversos

encontros para este fim; Juninho, que elaborou os mapas em AutoCad, com

precisão técnica e capacidade de quem se dispõe mesmo a servir.

Ao longo do caminho, por ocasião do processo de Qualificação, pude contar

com as contribuições acadêmicas da professora Ione e do professor Ademir, os

quais indicaram caminhos significativos a serem trilhados para a realização da

pesquisa.

Não por último, antes, como sinal de continuidade, expresso minha gratidão

a Rita, minha orientadora por três vezes, não custa lembrar: bacharelado, mestrado

e doutorado. Acolher um orientando não significa apenas acolher uma pessoa, mas

também suas ideias, as quais são ainda muito tênues em relação ao processo

investigativo ao qual se está propondo. Eis que Rita consegue mobilizar os seus

conhecimentos, sua bondade e a sua amizade em prol dos seus orientandos, e fazer

um percurso intelectual conosco, caminhando passo a passo, o que me impele neste

momento a refletir, questionando: como prescindir da sua orientação, Rita de

Cássia?!

O “quadrilátero central de Natal” sintetiza e dialoga, de forma gráfica, com as mais diversas expressões de centralidade urbana, porque, para ele e por ele, converge a maioria dos fluxos que dinamizam a vida na cidade.

RESUMO

Este trabalho versa sobre a natureza da centralidade urbana em Natal. Apresenta como pressuposto de tese que a natureza da centralidade urbana é diversa em seus conteúdos, processos e formas, por ser o espaço urbano permeado por igual diversidade. Objetiva explicitar a natureza da centralidade urbana em Natal, considerando os conteúdos, processos e formas que a constituem, bem como os fatores concorrentes para a sua diversificação. Para atingir o objetivo estabelecido, orienta-se pela teoria da produção do espaço, de Henri Lefebvre, buscando apreender os processos que vêm se desencadeando no contexto urbano de Natal, desde a década de 1980 à atualidade, sob uma perspectiva dialética. Como auxílio à leitura da realidade, baseia-se em importantes aportes teóricos atinentes à temática da centralidade urbana, espaço urbano e economia terciária; não descuidando da produção acadêmica sobre a temática, e sobre a Cidade do Natal, do exame a documentos que também tratam da história da referida cidade, arquivos oficiais junto a órgãos públicos, bancos de dados, pesquisa de campo, entrevistas junto a gestores públicos e líderes de organizações da sociedade civil organizada. Como resultado do processo investigativo, explicita que a natureza da centralidade urbana em Natal é diversa e multicêntrica. Diversa, por terem sido reveladas várias dimensões de centralidade, em conformidade com a natureza dos seus conteúdos: histórica, cultural, simbólica, ideológica e econômica; sendo a dimensão econômica da centralidade urbana proeminente no espaço urbano, e estando a mesma permeada junto às demais, dado que a cidade é lugar de trocas, onde o fator econômico se faz proeminente, e preside a produção do espaço urbano. Multicêntrica, pelos vários centros urbanos que vêm se conformando desde a formação do Núcleo do Centro histórico de Natal à atualidade, com as novas centralidades, decorrentes do processo de expansão do terciário moderno na cidade. Palavras-chave: Centralidade Urbana. Natureza da Centralidade. Multicentralidade.

Espaço Urbano. Economia Terciária.

ABSTRACT

This paper deals with the nature of urban centrality in Natal. It presents as a thesis assumption that the nature of urban centrality is diverse in its contents, processes and forms, since it is the urban space permeated by equal diversity. It aims to explain the nature of urban centrality in Natal, considering the contents, processes and forms that constitute it, as well as the factors competing for its diversification. In order to reach the established goal, Henri Lefebvre's theory of Space Production seeks to understand the processes that have been unfolding in the urban context of Natal, from the 1980s to the present, from a dialectical perspective. It is as an aid to the reading of reality, it is based on important theoretical contributions concerning the theme of urban centrality, urban space and tertiary economy; it’s not neglecting the academic production on the subject, and on the City of Natal, from examining documents that also deal with the history of the city, official files with public agencies, databases, field research, interviews with public managers and leaders of organized civil society organizations. As a result of the investigative process, he explains that the nature of urban centrality in Natal is diverse and multicentric. Diverse, for having been revealed several dimensions of centrality, according to the nature of its contents: historical, cultural, symbolic, ideological and economic; It’s being the economic dimension of urban centrality prominent in urban space, and being permeated with the others, given that the city is a place of exchanges, in which the economic one becomes prominent, and presides over the production of the urban space. Multicentric, by the various urban centers that have been conforming since the formation of the nucleus of the historical center of Natal to the present, with the new centralities, resulting from the process of expansion of the modern tertiary in the city. Keywords: Urban Centrality. Nature of Centrality. Multicentrality. Urban Space.

Tertiary Economics.

RESUMEN

Este trabajo se ocupa de la naturaleza del centro urbano en Natal. Presenta una tesis de que la naturaleza de la centralidad urbana es diversa en sus contenidos, procesos y formas, como el espacio urbano impregnado de la misma diversidad. Objetivo de aclarar la naturaleza del centro urbano en Natal, teniendo en cuenta los contenidos, procesos y formas que la componen, así como los factores que compiten por la diversificación. Para lograr el objetivo establecido, guiado por la teoría de la producción del espacio por Henri Lefebvre, buscando entender los procesos que se han desencadenado en el contexto urbano de Natal, desde la década de 1980 hasta la actualidad, en una perspectiva dialéctica. Como una ayuda para la lectura de la realidad, sobre la base de las contribuciones teóricas importantes relacionados con el tema de la centralidad urbana, espacio urbano y la economía de servicios; sin descuidar la literatura académica sobre el tema, y la Ciudad de Nata, el examen de los documentos también se ocupan de la historia de esa ciudad, los archivos oficiales con organismos públicos, bases de datos, la investigación de campo, entrevistas con los funcionarios públicos y organizaciones de líderes de organizaciones de la sociedad civil. Como resultado del proceso de investigación, explica que la naturaleza de la centralidad urbana en Natal es diversa y multicéntrica. Diversa, se puso de manifiesto varias dimensiones centrales, de acuerdo con la naturaleza de su contenido: históricos, culturales, simbólicos, ideológicos y económicos; y la dimensión económica del destacado centro urbano en el espacio urbano, y siendo el mismo impregnado con los otros, ya que la ciudad es un lugar de intercambio, en el que se convierte en la económica prominente, y preside la producción del espacio urbano. Multicéntrico, por varios centros urbanos que han ido configurando desde la formación del núcleo del centro histórico de la Ciudad de Natal con el presente, con nuevos centros de derivados del proceso de expansión terciaria moderno de la ciudad. Palabras clave: Centralización Urbana. La naturaleza de la centralización.

Multicentralidade. El espacio urbano. Economía Terciaria.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEBA – Associação dos Empresários do Bairro do Alecrim ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas Av Avenida BANDERN Banco do Estado do RN BR – Rodovia Federal DIN – Distrito Industrial de Natal DR. – Doutor EDT – Eixos Dinamizadores do Terciário

FECOMÉRCIO-RN – Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN

FIART – Feira Internacional do Artesanato FLIN – Festival Literário de Natal IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional LOBRAS – Lojas Brasileiras m² – Metro quadrado MEI – Microempreendedores Individuais N S Nossa Senhora

PDITS – Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável

R.A. – Região Administrativa RMN Região Metropolitana de Natal RN – Rio Grande do Norte S.C. – Shopping Centers SEMOB – Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal SEMSUR – Secretaria Municipal de Serviços Urbanos SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo SEMUT – Secretaria Municipal de Tributação SFH – Sistema Financeiro de Habitação SIMPURB – Simpósio Nacional de Geografia Urbana SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste TLC – Teoria das Localidades Centrais UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Antiga Catedral de Natal com o obelisco da fundação de Natal 77

Figura 02 – Praça André de Albuquerque 78

Figura 03 – Banco do Brasil 86

Figura 04 – Praça Presidente Kennedy 88

Figura 05 – Ducal Palace Hotel 88

Figura 06 – Artesões e Lojas C&A 89

Figura 07 – Praça das Mães 92

Figura 08 – Assembleia Legislativa do RN 94

Figura 09 – Tribunal de Justiça do RN 94

Figura 10 – Prefeitura Municipal de Natal 95

Figura 11 – Palácio Episcopal 96

Figura 12 – Igreja Presbiteriana de Natal, primeira igreja protestante do RN 96

Figura 13 – Palácio da Cultura 97

Figura 14 – Rua Chile, na década de 1940 (esquerda), e em 2006 (direita) 99

Figura 15 – Palácio da Ribeira 101

Figura 16 – Grande Ponto, 1950 (esquerda), e em 2016 (direita) 148

Figura 17 – Esquema do corredor cultural de Natal 158

Figura 18 – Edifício Leite (à esquerda) e Praça Gentil Ferreira (à direita) 165

Figura 19 – Camelódromo do Alecrim 166

Figura 20 – Shopping popular (camelódromo) da Cidade Alta 167

Figura 21 – Mercado das Rocas 180

Figura 22 – Feira das Rocas 181

Figura 23 – Esquema das Regiões Administrativas de Natal 208

Figura 24 – Esquema dos bairros por Regiões Administrativas de Natal 210

LISTA DE MAPAS

Mapa 01 – Área de estudo 40

Mapa 02 – Demarcação inicial de Natal 75

Mapa 03 – Perímetro comercial da Cidade Alta 98

Mapa 04 – Centro Histórico de Natal 108

Mapa 05 – Eixos Dinamizadores do Terciário em Natal 123

Mapa 06 – Ruas do comércio inicial na Ribeira 142

Mapa 07 – Perímetro comercial inicial e ruas especializadas do Alecrim 164

Mapa 08 – Quadrilátero Central de Natal 239

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Mercados públicos em Natal 176

Quadro 02 – Feiras livres em Natal 184

Quadro 03 – Shopping Centers em Natal 197

Quadro 04 – Comércio atacadista e varejista por região administrativa em Natal

220

Quadro 05 – Bairros centrais para o turismo em Natal 235

Quadro 06 – Corredores do turismo em Natal 236

LISTA DE TABELAS

Tabela 01A – Renda média mensal por bairro e por região administrativa em Natal

186

Tabela 01 – Atividades econômicas em Natal 206

Tabela 02 – Serviços por região administrativa em Natal 208

Tabela 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal 211

Tabela 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal 213

Tabela 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal 215

Tabela 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal 216

Tabela 07 – Comércio por região administrativa de Natal 218

Tabela 08 – Comércio atacadista por região administrativa em Natal 220

Tabela 09 – Comércio varejista por região administrativa em Natal 220

Tabela 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal 221

Tabela 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal 223

Tabela 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal 225

Tabela 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal 227

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Atividades econômicas em Natal 206

Gráfico 02 – Serviços por região administrativa em Natal 209

Gráfico 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal 211

Gráfico 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal 213

Gráfico 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal 215

Gráfico 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal 216

Gráfico 07 – Comércio por região administrativa de Natal 218

Gráfico 08 – Comércio atacadista por região administrativa em Natal 220

Gráfico 09 – Comércio varejista por região administrativa em Natal 220

Gráfico 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal 222

Gráfico 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal 223

Gráfico 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal 226

Gráfico 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal 227

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17 1 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS À CENTRALIDADE URBANA 21 1.1 Da Teoria das Localidades Centrais às novas expressões da

centralidade 21

1.2 A diversificação da natureza da centralidade urbana por seus

conteúdos processos e formas 41

2 A CENTRALIDADE EM NATAL E SUA DINÂMICA 74 2.1 Evoluções urbanas em Natal e seus respectivos centros 74 2.2 Eventos e processos geradores de centralidades urbanas em Natal 112 3 A NATUREZA DIVERSA DA CENTRALIDADE URBANA 137 3.1 Conteúdos, processos e formas da centralidade urbana em Natal 137 3.2 Expressões e conformações contemporâneas da centralidade

urbana em Natal 191

4 PROPOSIÇÃO À APREENSÃO DA CENTRALIDADE URBANA 201 4.1 Evidências contemporâneas de centralidade urbana em Natal 201 4.2 Meandros da centralidade urbana como proposta metodológica 229 CONSIDERAÇÕES FINAIS 243 REFERÊNCIAS 248

17

INTRODUÇÃO

A temática centralidade urbana remonta à clássica Teoria das Localidades

Centrais (TLC), de Walter Christaller, em 1933, sob a perspectiva quantitativista

neopositivista da geografia. No Brasil, a repercussão da referida teoria se fez notar,

principalmente, com o pensamento de Milton Santos, por meio das seguintes obras:

O centro da cidade de Salvador, em 1959 (SANTOS, 2012); Economia espacial, em

1979 (SANTOS, 2003) e O espaço dividido, em 1979 (SANTOS, 2008); também com

o pensamento de Roberto Lobato Corrêa, em seu texto “Repensando a Teoria das

Localidades Centrais”, em obra organizada por Moreira (1982), bem como em

diversos artigos publicados em eventos e periódicos científicos.

Por ser uma teoria já com um vasto lapso temporal, ao chegar ao Brasil,

ambos os pensadores – Santos e Corrêa – fizeram eco em seus trabalhos, propondo

uma revisão da mesma, defendendo que aquele espaço urbano para o qual a Teoria

de Christaller havia se voltado passara por profundas transformações, demandando

novas leituras.

A referida demanda surgiu em função de novas expressões de centralidade

urbana, o que significava ir além do chamado “Hexágono de Christaller”, como o

modelo da sua teoria é conhecido. Isto porque, ao chegar ao Brasil, por volta da

década de 1980, a Teoria das Localidades Centrais estava sendo retomada nos

estudos da geografia urbana, enquanto manifestação teórica; assim como esse é o

momento do processo de descentralização que passou a ser verificado e estudado

no espaço urbano, configurando-se na manifestação empírica da referida teoria.

Assim, ela chega ao Brasil em momento oportuno, tanto do ponto de vista teórico,

porque estava sendo reinserida no debate acadêmico; quanto do ponto de vista

empírico, porque o espaço urbano ora em curso demandava alguns aportes teóricos

para sua apreensão.

Seguindo os rumos de uma nova abordagem de centralidade urbana é que o

pensamento de Sposito (2010) vem à tona, trazendo novas discussões e

possibilidades de leitura para as dinâmicas que se processam no espaço urbano. Do

pensamento da referida autora, o conceito de multicentralidade figurou como

oportuno ao nosso trabalho, haja vista permitir falar da multiplicação de centros

urbanos dentro de uma mesma cidade, segundo uma dinâmica de

complementaridade, fugindo à discussão centrada no centro único.

18

Nesse trabalho, a problemática principal partiu do pressuposto que, sendo o

espaço urbano permeado de uma gama imensurável de conteúdos, processos e

formas, a centralidade urbana carece de ser apreendida em sua natureza diversa. A

diversidade da natureza da centralidade urbana se constitui, em primeiro lugar, pelos

seus conteúdos, os quais se configuram na razão de ser da centralidade, haja vista

serem eles que atraem fluxos de pessoas aos centros. Isto porque temos claro, a

partir do diálogo com a literatura atinente à temática centralidade urbana, que sua

razão de ser consiste na atração de fluxos.

Essa problemática, no caso da centralidade urbana em Natal, pode ser

identificada desde a formação do Núcleo do Centro histórico de Natal, pela condição

de complementaridade das atividades terciárias entre os três bairros constituintes:

Cidade Alta, Ribeira e Alecrim. Resultante dessa condição de complementaridade é

que podemos depreender que os diversos centros estiveram, desde o início, sob

uma condição de multicentralidade.

Já a partir dos anos 1980, com a expansão do varejo moderno na cidade, a

centralidade urbana iniciou seu processo de dispersão, gerando novas

centralidades, as quais guardam, em sua natureza, a condição de multicentralidade,

porque não rivalizam entre si, não formando assim uma hierarquia (SPOSITO,

2010). O que ora constatamos, na conformação de novas centralidades urbanas em

Natal, é uma clara projeção do processo de reprodução do capital, viabilizado na

constituição de modernos centros de comércio e de serviços, sendo os shopping

centers uma das suas expressões excelentes. Consoante a essa afirmação,

constatamos, tanto na realidade estudada quanto em documentos oficiais e nos

discursos dos gestores públicos entrevistados, uma clara preocupação voltando a

atenção da municipalidade para o que denominam de “corredor dos shopping

centers”, que é uma das áreas mais expressivas de novas centralidades.

Ao admitirmos a diversidade da natureza da centralidade urbana, tendo seus

conteúdos como definidores, é que podemos elencar que estas podem ser de

natureza histórica, cultural, simbólica, econômica e ideológica, as quais se

manifestam em dado momento ou lapso de tempo, no qual uma figura como

definidora de uma dada centralidade, mas não desprezando as possibilidades de

relações mútuas entre as mesmas. Ademais, é importante ressaltarmos o caráter

proeminente da centralidade de natureza econômica no meio urbano, posto que a

cidade se configura com um lugar de trocas.

19

Em suma, nossa tese é de que a natureza da centralidade urbana é,

essencialmente, diversa, porque diversos são os conteúdos, processos e formas que

concorrem para a constituição da mesma.

Desse modo, face a essa problemática, nosso objetivo, nesse trabalho, foi

explicitar a natureza da centralidade urbana em Natal, considerando os conteúdos,

processos e formas que a constituem, bem como os fatores concorrentes para a sua

diversificação.

A metodologia adotada para atingir esse objetivo teve por base a teoria da

produção do espaço, de Henri Lefebvre, sob uma orientação dialética, para então

compreendermos os processos que se desencadeiam no espaço urbano capitalista.

E, ao lançarmos mão dessa postura, apreendermos o processo de formação da

centralidade urbana em Natal, bem como sua dispersão, que teve início a partir da

década de 1980, até o momento, quando ainda identificamos novas centralidades

em seu processo formação. Como procedimentos metodológicos, voltamos nossos

esforços para o exame dos conceitos norteadores das discussões teóricas, como:

centralidade urbana; natureza da centralidade; multicentralidade; espaço urbano; e

economia terciária.

Ainda quanto aos procedimentos metodológicos, empreendemos minucioso

levantamento de materiais que dessem conta da formação da Cidade do Natal ao

longo da história, da constituição do seu espaço na atualidade, bem como da

conformação das atividades que movimentam essa cidade, para assim

apreendermos a sua dinâmica, e compreender as suas expressões de centralidade.

Nesse sentido, estabelecemos importante diálogo junto a secretarias e órgãos

municipais, secretarias e órgãos estaduais do Rio Grande do Norte (RN), e ainda

junto a órgãos federais, e à sociedade civil organizada.

Os resultados obtidos por ocasião da pesquisa de campo junto a essas

secretarias e órgãos, em sua maioria, foram elucidativos para a principal questão

que conduzíamos ao entrevistarmos o agente público, que era: como este órgão

planeja sua ação na Cidade do Natal, ao considerar o centro da cidade. A partir

dessa pergunta, obtivemos algumas posturas interessantes em relação ao que

possa ser centro em Natal, e foram reveladas diversas práticas de centralidade

urbana na cidade, algumas das quais concordantes entre si, e até mesmo

consoantes aos rumos elucidativos da nossa pesquisa.

O percurso investigativo da natureza da centralidade urbana se justifica ter

20

sido desenvolvido na Cidade de Natal, RN, por ser uma cidade que, desde a década

de 1980, vem passando por transformações significativas na estruturação das

atividades terciárias, consoante, portanto, à projeção das discussões teóricas de

centralidade nos estudos de geografia urbana, e sua manifestação no plano

empírico; igualmente se justifica por ser junto ao espaço urbano natalense que

temos dedicado esforços de análise em estudos anteriores, configurando-se assim

como a continuidade de um processo acadêmico investigativo.

Como resultados dos esforços empreendidos na pesquisa é que ora

apresentamos o texto, estruturado em quatro seções. A primeira, intitulada “Aportes

teórico-metodológicos à centralidade urbana”, que revisita a Teoria das Localidades

Centrais, e lança as bases teóricas da temática centralidade urbana, para então

dialogar com novas discussões acadêmicas com as quais pudemos contar para a

leitura da realidade, como a ideia da multicentrelidade, presente no pensamento de

Sposito (2010).

A segunda seção traz como título, “A centralidade urbana e sua dinâmica”,

volta-se para a formação da centralidade urbana, desde a gênese do Núcleo do

Centro histórico de Natal, até a formação das novas centralidades.

A terceira seção versa sobre “A natureza diversa da centralidade urbana”,

buscando explicitar os conteúdos, processos e formas que concorreram para a

formação da centralidade urbana em Natal, sua consolidação no Núcleo do Centro

histórico de Natal, e sua dispersão contemporânea para novas áreas da cidade.

Por fim, a quarta seção, que traz como título “Proposição à apreensão da

centralidade urbana”, expõe os resultados do percurso investigativo, indicando as

áreas de Natal que expressam o processo de dispersão da centralidade urbana,

traduzido sob a forma de novas centralidades urbanas.

21

1 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS À CENTRALIDADE URBANA

Esta seção lança as bases teóricas deste trabalho, partindo da Teoria das

Localidades Centrais (TLC), como forma de lançar um olhar sobre os primórdios das

discussões de centralidade urbana, bem como pela importância da contribuição do

pensamento de Walter Christaller aos estudos urbanorregionais, apesar de o nosso

foco ser o meio intraurbano. Mas o diálogo avança, adotando novas contribuições à

temática, como o pensamento de Sposito (2010).

A partir das considerações iniciais da citada teoria, apresenta as discussões

e repercussões da TLC no meio acadêmico da geografia brasileira; bem como

apresenta outros aportes teórico-conceituais que servirão de base para o

desenvolvimento do texto; ao longo da seção, o pressuposto da tese, de que a

centralidade urbana é diversa em seus conteúdos, processos e formas por ser o

espaço urbano igualmente diverso, é enunciado sempre que julgado necessário ou

oportuno, como forma de estabelecer um fio condutor entre o trabalho investigativo

ao qual nos propusemos, e o resultado que ora apresentamos.

1.1 Da Teoria das Localidades Centrais às novas expressões da centralidade

Apesar do extenso lapso de tempo, desde a formulação da Teoria das

Localidades Centrais, de Walter Christaller, em 1933, o tema centralidade urbana é

um tema ainda impreciso e cambiante em suas discussões contemporâneas,

segundo as diversas realidades para as quais a TLC é utilizada como aporte teórico

de apreensão empírica do urbano (CHRISTALLER, 1981).

Apontamos centralidade urbana como um tema impreciso, em função dos

diversos contornos que lhes são atribuídos no debate acadêmico, uma vez que

percebemos isso ao examinarmos publicações, seja de eventos científicos ou de

publicações periódicas. Igualmente, vemos o tema de modo cambiante na

atualidade, por ser ainda carente de uma definição precisa, adquirindo diversas

interpretações. Dessa forma, tem sido apreendido por meio de expressões materiais

de centralidade, como: centro histórico; centro comercial; rua especializada em um

tipo específico de comércio ou serviços; shopping center; condomínio (edifício) de

serviços. Mas também sua apreensão tem sido feita por meio de manifestações

imateriais, como: usos diversos de um mesmo centro, segundo uma escala temporal

22

variável ao longo do dia, da semana, do mês, e até mesmo do ano, por ocasião de

eventos já consagrados pela sociedade, como as datas comemorativas, que

estimulam grupos diversos de pessoas a irem às compras, à procura de serviços, ou

irem ao lazer; representação simbólica de certas áreas da cidade, reservadas às

expressões e manifestações da cultura e do sagrado por parte da sociedade; centro

político ou arena de manifestações políticas, configurando-se como uma

centralidade de natureza ideológica, entre outras formas de expressões imateriais de

centralidade urbana.

Neste sentido, tomamos como referência o pressuposto de que a natureza

da centralidade urbana é diversa, de acordo com os componentes que concorrem

para a sua formação, quais sejam: conteúdos, processos e formas. E por estarmos

falando do contexto urbano, entendemos que a centralidade está em contínua

conformação, requerendo, por sua vez, uma contínua apreensão ou leitura, sempre

à baila dos processos que se desencadeiam na produção do espaço urbano.

Ademais, podemos também vislumbrar a centralidade urbana como relativa, por sua

variação frente a grupos sociais diversos, que lhes são simultaneamente geradores

e usuários. Em outras palavras, a centralidade depende do estrato social a ela

atraído, segundo o conteúdo que determinado centro comporta em sua forma,

gerando um processo de atração no sentido de atender a uma demanda.

Ao afirmarmos que a centralidade urbana é diversa em sua natureza, e

relativa em sua forma de apropriação, identificamos nela um caráter de

simultaneidade, estruturando-se e manifestando-se em suas diversas expressões,

configurando-se nas seguintes dimensões: histórica, cultural, simbólica, econômica e

ideológica, havendo sempre a proeminência de uma destas, mas não perdendo de

vista que as demais podem estar presentes na conformação de uma centralidade

urbana, sob uma expressão mais tênue.

Após estas considerações preliminares, optamos por iniciar o aporte teórico

à centralidade urbana, conduzindo nossa discussão a partir da origem do tema, qual

seja: lançando um olhar sobre a TLC apenas como ponto de partida, porque

entendemos que não podemos prescindir do exame da referida teoria. Mas, dado

que o tema centralidade urbana demanda uma leitura continuamente atual e

criteriosa, optamos por encaminhar nossas reflexões em torno das novas

expressões de centralidade.

A TLC versou sobre os centros urbanos enquanto fornecedores de bens e

23

serviços no sul da Alemanha, apresentando assim uma importante contribuição aos

estudos sobre o sistema urbano. Isto porque consistiu numa investigação geográfica

de cunho econômico acerca da regularidade do número, distribuição e tamanho das

localidades urbanas representadas, na prática, pela Alemanha do Sul

(CHRISTALLER, 1981).

A diversidade ou aparente desordem identificada por Christaller, em 1933,

entre as cidades do sul da Alemanha foi a questão chave que o inquietou em busca

do princípio que regeria o seu arranjo espacial, resultando na formulação de um

modelo hipotético, graficamente representado por um hexágono. Por meio desse

hexágono, o referido autor apresentou sua formulação da distribuição de bens,

considerando o limiar, enquanto raio inicial de abrangência da distribuição de um

dado bem, no qual seria obtido o máximo de lucro, que decaía gradativamente, à

medida que a distribuição se deslocava do centro do hexágono, em função dos

custos com transporte; considerando também o alcance, enquanto raio final de

abrangência do processo de distribuição de um dado bem, no qual os lucros, tendo

decaído gradativamente desde o limiar, já se tornariam insignificantes, igualmente

em função dos custos de transporte, cessando assim a área de abrangência da

distribuição de um bem.

Empreender essa explicação se fez necessário porque, sendo o espaço

geográfico de natureza heterogênea, dada a diversidade dos elementos e funções

que o constituem, igualmente diversos são os centros urbanos distribuidores de

bens e serviços que conformam este espaço. Eis por que Walter Christaller se

inquietou com a já referida desordem, almejando dar à mesma uma explicação,

buscando princípios que regeriam o número, o tamanho e a distribuição de certos

lugares centrais no sul da Alemanha. Como decorrência do esforço de análise do

referido estudioso, vem-nos suas contribuições aos estudos de rede e hierarquia

urbanas.

Mas a Teoria das Localidades Centrais tem sido simultaneamente cara e

controversa nos debates acadêmicos, no âmbito da geografia urbana. Adentrando à

referida teoria, cotejemos o contexto descrito pelo seu autor:

Las cosas son distintas em la ciudad. En uma misma región

24

encontramos1 ciudades grandes y pequeñas de todas las categorias. En algunas zonas se amontonan de forma espectacular, aparentemente sin motivo lógico, mientras que em otras amplias áreas no existe ninguna población que merezca la denominación de ciudad, muchas veces ni siquiera la de centro de mercado. Se insiste siempre en que las relaciones entre la ciudad y la actividad laboral de sus habitantes no son casuales, sino fundadas en su propia naturaleza; pero, entonces, ?por qué hay ciudades grandes y pequenas?, y ?por qué están tan irregularmente distribuídas?2 (CHRISTALLER , 1982, p. 396).

Claro está, a partir da descrição da distribuição de algumas cidades no sul

da Alemanha e das questões levantadas, que o referido contexto é o ponto de

partida para instigar o autor citado a inquietar-se em busca de uma explicação, e

formular assim a sua proposição de explicação dessa realidade, por meio da Teoria

das Localidades Centrais. Descortinou-se então uma realidade que incitava o

observador a formular uma base teórica para explicá-la. Esse foi o desafio aceito por

Walter Christaller face à realidade.

Vemos então que a preocupação inicial, o ponto de partida do referido

estudioso foi encontrar uma explicação para a heterogeneidade – ou, no seu modo

de dizer, a “irregularidade” – presente no espaço geográfico, especificamente, entre

as cidades de uma mesma região, que, como pondera o autor, muitas vezes, não há

motivo aparente para tal discrepância entre o tamanho e a importância funcional das

cidades de uma mesma região, algumas das quais nem podendo ser denominadas

cidades.

Insiste Walter Christaller em que, se há uma relação entre a cidade e as

atividades laborais dos seus habitantes, por que então há cidades pequenas e

cidades grandes, e tão mal distribuídas em uma mesma região? Para responder a

esta questão ele propõe:

1 NOTA: apesar de algumas palavras das citações em espanhol se apresentarem em

português, mantivemos conforme o original, em respeito aos autores que organizaram o livro, e fizeram a tradução da tese de Christaller, de 1933. 2 As coisas são distintas, na cidade. Em uma mesma região, encontramos cidades grandes e pequenas de todas as categorias. Em algumas áreas, elas se distribuem de forma espetacular, sem razão aparentemente lógica, enquanto que em outras grandes áreas, não há um povoado que mereça o nome de cidade, muitas vezes, nem mesmo há um centro do mercado. Insiste-se sempre que as relações entre a cidade e o trabalho de seus habitantes não são aleatórias, mas fundadas em sua própria natureza. Mas então, por que existem grandes e pequenas cidades? E por que são tão irregularmente distribuídas? (CHRISTALLER , 1982, p. 396, tradução nossa).

25

Nosotros tratamos de buscar uma respuesta a esta pregunta; buscamos la razón por la que uma ciudad es grande o pequena, porque creemos que en la distribuición tiene que prevalecer algún principio ordenador que hasta ahora no hemos podido reconocer3 (CHRISTALLER , 1982, p. 396).

E buscou essa explicação para além das forças da natureza, antes, por

interferência da ação humana, por acreditar que “No es posible dar una explicación

sobre el número ni sobre la distribuición o el tamaño de las ciudades, basándose

unicamente en las circunstancias geográficas naturales4” (CHRISTALLER, 1981, p.

397, grifos nossos). Neste sentido, atribuiu a razão do arranjo espacial à economia:

Para la existência de la ciudad, los factores económicos son, pues, decisivos [...]. Por esta razón, la geografia de los asentamientos forma parte de la geografia económica. Hay que recurrir a la teoria económica para explicar la naturaliza de las ciudades, y si existen leyes em la teoria económica, también tiene que haber leyes em la geografia de los asentamientos5 (CHRISTALLER, 1982, p. 397).

Seguindo o seu propósito em busca de uma explicação para o tamanho dos

lugares centrais, aponta: “Llegados a este punto, es necessário estabelecer si

realmente son leyes las que determinan el tamaño y la distribución de las ciudades y

si es posible reconocerlas6” (CHRISTALLER, 1982, p. 397). E, como geógrafo,

delegou o desafio de tal explicação à geografia:

Pero nosotros somos de la opinión de que la geografia de los asentamientos es uma disciplina de las ciências sociales, claramente determinante para el nacimiento, desarrollo y decadência de las ciudades, es la actividad de sua habitantes, que encuentran allí su

3 Tentamos encontrar uma resposta a esta pergunta; buscamos a razão pela qual uma cidade é grande ou pequena, porque acreditamos que em um processo de distribuição deve prevalecer algum princípio de ordem que até agora não pudemos reconhecer (CHRISTALLER , 1982, p. 396, tradução nossa). 4 Não é possível dar uma explicação sobre o número, a distribuição ou o tamanho das cidades, com base apenas em circunstâncias geográficas naturais (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa). 5 Para a existência da cidade, os fatores econômicos são, por conseguinte, determinantes [...]. Por esta razão, a geografia dos assentamentos faz parte da geografia econômica. Devemos usar a teoria econômica para explicar a natureza das cidades, e se existem leis em teoria econômica, também deve haver leis na geografia dos assentamentos (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa). 6 Neste ponto, é necessário reconhecer se realmente são as leis que determinam o tamanho e distribuição das cidades, e se possível reconhecê-las (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa).

26

media de vida7 (CHRISTALLER, 1982, p. 397).

Vendo então um nexo entre a geografia e a economia, o referido autor

reafirmou o seu propósito de buscar leis ou princípios que explicassem o arranjo

espacial entre centros urbanos:

Nos parece suficiente retener el hecho de que existen leyes económicas que determinam la vida económica, y, em consecuencia, que también tiene que haber leyes específicamente económico-geográficas que determinem el tamaño, el número y la distribución de las ciedades. Por lo tanto, no nos parece inútil buscar tales leyes8 (CHRISTALLER, 1982, p. 398).

A hipótese de um princípio explicativo para o tamanho, o número e a

distribuição das cidades, tendo como por base a ação do ser humano ao reproduzir

sua sobrevivência, nas palavras do autor, em função da sua atividade laboral,

remete então aos aspectos econômicos, os quais se desenvolvem em função da

busca do ser humano pela sua sobrevivência. E nessa relação entre geografia e

economia, estaria assim configurado um efetivo processo de produção do espaço

geográfico. Ao retomarmos a última afirmação citada, vemos que o autor defende

não ser inútil buscar o princípio ou as leis que regem o arranjo espacial que se

conforma em torno de centros urbanos.

E mesmo deixando claro seu propósito, de que “La finalidade del trabajo, sin

embargo, es muy concreta: descobrir y explicar los hechos relativos al tamaño,

número y distribuición de las ciudades em la Alemania del Sur9 (CHRISTALLER,

1982, p. 398), sua contribuição às bases teóricas para a geografia urbana adquiriu

repercussão para além do que projetara, tendo repercutido inclusive no Brasil, a

partir da década de 1980, com o pensamento de Milton Santos, entre outros

geógrafos que aportaram sua análise espacial na Teoria das Localidades Centrais,

7 Mas nós somos da opinião de que a geografia dos assentamentos é uma disciplina das ciências sociais, claramente decisiva para o nascimento, crescimento e decadência das cidades, e as atividades de seus habitantes, que encontraram ali o seu meio de vida (CHRISTALLER, 1982, p. 397, tradução nossa). 8 Parece suficiente para admitir o fato de que existem leis econômicas que determinam a vida econômica, e em consequência, que tem também há leis especificamente econômico-geográficas que determinem tamanho, número e distribuição das cidades. Portanto, não parece inútil procurar tais leis (CHRISTALLER, 1982, p. 398, tradução nossa). 9 O objetivo do trabalho, no entanto, é muito específico: para descobrir e explicar os fatos do

tamanho, número e distribuição de cidades na Alemanha do Sul (CHRISTALLER, 1982, p. 398, tradução nossa).

27

inspirando estudos de cunho econômico, sob a perspectiva quantitativista

neopositivista da geografia brasileira (REIS JÚNIOR; CAMARGO, 2003).

Tendo como variáveis o número, o tamanho e a distribuição, Walter

Christaller projetou então seu estudo para além da escala intraurbana, buscando

também a zona de influência das cidades, hierarquizando-as segundo o grau de

centralidade, focando, portanto, o sistema urbano:

Entre la parte teórica y la parte regional hemos tenido que introducir y princípios com a ayuda de los cuales se puede determinar concretamente los núcleos que em este momento desempeãnn una función de ciudades, representar numericamente su tamaño y hasta donde llega su zona de influencia10 (CHRISTALLER, 1982, p. 399).

Ressaltamos a contribuição de Christaller para os estudos urbanorregionais,

haja vista ter voltado seu olhar para a região sul da Alemanha, preocupando-se com

algumas cidades daquela região enquanto centros distribuidores de produtos, aos

quais chamou de “localidades centrais”, o que resultou na clássica Teoria das

Localidades Centrais. E assim, Christaller tentou explicar as relações espaciais

engendradas em função das atividades econômicas, principalmente, em função das

trocas de bens entre a população presente nas localidades, levando em

consideração os princípios do abastecimento e da circulação, expressos

matematicamente pelo limiar e pelo alcance de um bem ao ser distribuído no

mercado formado entre núcleos de um dado sistema urbano.

A teoria de Christaller teve sua repercussão no meio acadêmico, cujos

desdobramentos vieram das discussões empreendidas por alguns os estudiosos,

como: Clark (1991); Santos (1979; 2003); e Corrêa (1997; 2005).

Clark (1991, p. 137), ao discutir a Teoria das Localidades Centrais, em seu

clássico manual de geografia urbana, intitulado “Introdução à Geografia Urbana”,

expõe que “[...] haverá uma hierarquia funcional dos centros de serviço, consistindo

em teias de povoamento, cada nível contendo locais que oferecem tipos

semelhantes de bens e serviços para áreas de mercado com tamanhos

semelhantes”. O autor faz uma interpretação da Teoria das Localidades Centrais ao

10 Entre a parte teórica e a parte regional, tivemos que introduzir princípios para determinar concretamente núcleos que em algum momento desempenham uma função de cidade, representando numericamente seu tamanho e sua zona de influência (CHRISTALLER , 1982, p. 399, tradução nossa).

28

afirmar que há uma “hierarquia funcional”; e faz referência, certamente, à “planície

isotrópica” da teoria de Christaller, ao falar de “teias de povoamento”. Enfim, ao

nosso ver, a teoria de Christaller fora bem aceita por Clark (1991). É como se o

referido autor concordasse com a “ordem geográfica” – mesmo que hipotética –

apresentada por Christaller para explicar a conformação das cidades no sul da

Alemanha.

Esse esforço empreendido por Christaller, em 1933, no sentido de encontrar

uma ordem geográfica em torno do número, tamanho e distribuição dos núcleos

urbanos constituintes de um dado sistema de lugares centrais propiciou uma

explicação para a referida ordem geográfica da distribuição de cidades enquanto

centros de distribuição de bens. Isto porque as ligações entre as cidades, segundo

suas especializações, é que suscitam funcionalidades e consequentes hierarquias

urbanas, formando assim um sistema urbano, temática que pode ser indicada como

um contributo da teoria aos estudos urbanos.

Segundo nossa compreensão, um sistema urbano se configura a partir das

relações funcionais estabelecidas entre as cidades constituintes de um mesmo

território, gerando uma hierarquia urbana, a qual se faz por meio do atendimento às

demandas da população ali presente, via fluxos; ou, no dizer de Clark (1991), via

“contatos”. Neste sentido, o referido autor aponta: “Os contatos entre cidades

apresentam uma variedade de modos, e incluem movimentos de pessoas, de

mercadorias e de idéias11” (CLARK, 1991, p. 168, grifo nosso).

Os fluxos que se estabelecem entre as áreas de recursos naturais, os

centros industriais e as áreas comerciais criam fortes laços de interdependência

econômica dentro de certo sistema urbano. Conforma-se assim uma centralidade, a

qual é definida por Queiroz; Braga (1999, p. 13) como uma “[...] articulação regional

que se traduz em um forte fluxo de pessoas, bens e serviços”. Observemos que há

uma consonância entre o pensamento destes últimos autores referidos e o de Clark

(1991), com relação ao fluxo de pessoas e bens entre centros urbanos, porque essa

“[...] centralidade será definida pela sua capacidade de oferecer bens e serviços para

outras localidades” (QUEIROZ; BRAGA, 1999, p. 2).

Todavia, ao anunciarmos preliminarmente essa condição da centralidade,

11 A palavra ora grifada está fora da norma culta vigente na língua portuguesa brasileira (BRASIL, 2014a). Mas optamos por não indicar a expressão “[sic!]” quando da ocorrência de citações com grafias supostamente erradas ou não mais vigentes por opção de estilo textual.

29

que é de atrair fluxos, em função do que tem a oferecer, concordando com autores

citados, julgamos importante destacar um caráter dual da centralidade urbana, que

consiste também em irradiar fluxos. E assim, atraindo e irradiando fluxos entre

centros urbanos, termina por intercambiar, e não somente atrair esses fluxos, como

é afirmação corrente nas definições até então evocadas sobre centralidade urbana.

Entendemos que se estabelece aí uma relação de reciprocidade entre os

centros hierarquicamente arranjados num dado sistema urbano, em se tratando de

diferentes cidades; ou entre diferentes áreas de uma cidade, ao nos referirmos a um

dado espaço intraurbano, razão pela qual sinalizamos com o caráter dual da

centralidade, porque a vislumbramos sua condição de intercambiar fluxos.

Ademais, para a centralidade urbana, nem perdura essa concepção de

caráter dual, tendo em vista as diversas possibilidades de relações que se

estabelecem no contexto urbano, seja em função da circulação de bens e serviços,

seja em função das relações cotidianas contemporâneas. E assim, almejamos, ao

examinar mais adiante a natureza da centralidade urbana, indicar a sua diversidade,

o que lhe acrescentará outras nuances, indo além da já consagrada afirmação na

literatura, que a define por sua capacidade de atrair fluxos. Porquanto, afirmamos: a

centralidade não só atrai, mas também irradia fluxos, configurando-se num

verdadeiro intercâmbio de pessoas, bens e informações entre centros urbanos.

Desses fluxos que se estabelecem entre lugares centrais é que surgiu,

segundo a TLC, uma forma de representação: o “hexágono de Christaller”. Tendo

presente a demanda por parte da sociedade quanto à satisfação das suas

necessidades ao adquirir bens necessários à sua sobrevivência, e que estes bens

sejam adquiridos o mais próximo possível ao seu lugar de convívio, resgatamos o

pensamento de Clark (1991) acerca da teoria de Christaller, ao afirmar que, “Tendo

proposto um padrão de provisionamento de mercadorias e serviços, a teoria do lugar

central considera o arranjo espacial das áreas de mercado” (CLARK, 1991, p. 133).

E este arranjo espacial, como já assinalamos, foi apresentado segundo a figura

geométrica de um hexágono:

As áreas hexagonais de mercado representam o melhor compromisso entre o ideal econômico e a realidade geográfica, e

produzem uma rede hierárquica de áreas de mercado com seis lados. Nessa rede, nenhum consumidor deixa de ser servido e nenhuma mercadoria é comprada por um preço totalmente inaceitável (CLARK, 1991, p. 134, grifos nossos).

30

Mas, ao nos debruçamos sobre estas últimas afirmações citadas,

comparando-as à realidade contemporânea, percebemos que não é

necessariamente assim que se desenvolve a dinâmica do sistema capitalista. Na

verdade, o “hexágono de Christaller”, como é assim conhecido, ao tentar ser uma

leitura ou uma apreensão da realidade, voltada para o sul da Alemanha, terminou

por ser uma antecipação idealista desta realidade.

Julgamos importante retomarmos a citação anterior de Clark (1991, p. 134),

na qual o referido autor defende, expondo o pensamento de Christaller, que as áreas

hexagonais seriam o “melhor compromisso” com o consumidor, o qual mediaria

relações entre o ideal econômico e a realidade geográfica, possibilitando que

nenhum consumidor deixasse de ser servido.

Mas não é demais lembrar que estamos analisando um contexto capitalista.

E não é tendo por base apenas a disposição de produtos no mercado que faz com

que os consumidores sejam servidos, como o autor supracitado afirma. Há um

componente que foi esquecido em seu pensamento: o dinheiro – enquanto poder de

compra –, o qual media e até preside a compra de um bem; que também insere ou

exclui o consumidor em certo centro comercial; enfim, é o poder de compra que, na

sociedade capitalista, define as semelhanças e diferenças entre consumidores.

Logo, entre o “ideal econômico” e a “realidade geográfica”, desenvolvem-se uma

infinidade de práticas espaciais, influenciando sobremaneira a produção do espaço

urbano cada vez mais heterogêneo, permeado de centralidades urbanas de

natureza diversa, segundo a sua constituição, em seus conteúdos, processos e

formas.

Mas o legado da formulação da teoria de Christaller não fora apenas a

representação em forma de hexágono. Tal representação esteve embasada em

algumas condições, sejam de natureza material ou imaterial. São elas:

1) planície ilimitada, com recursos uniformes;

2) distribuição igual da população e do poder de compra;

3) liberdade igual de movimento em todas as direções;

4) custos de transportes proporcionais à distância percorrida;

5) mercadorias com preços idênticos em qualquer um dos centros (CLARK,

1991).

Essas condições ora citadas renderam à Teoria das Localidades Centrais,

31

desde o seu lançamento, várias interpretações, adaptações e até mesmo refutações.

Pelo seu enunciado, vemos que tais condições compõem um modelo hipotético, que

simplifica o sistema de mercado capitalista. E como podemos depreender do

cotejamento das condições supracitadas, tal modelo não corresponde efetivamente

a uma realidade. Apenas pretendeu ser uma proposição explicativa ao arranjo

espacial às localidades centrais do sul da Alemanha.

Passemos então ao exame das condições da proposição de Christaller,

buscando entender em que consiste cada uma, verificando em que medida essas

condições podiam ser consideradas válidas para explicar uma possível “ordem

geográfica” das localidades centrais do sul da Alemanha; e ainda, se podem

contribuir para o debate sobre lugares centrais; ou, numa acepção mais atual, em

que medida sua formulação contribui para o debate contemporâneo tema da

centralidade. Eis as condições elencadas por Christaller, segundo a Teoria do Lugar

Central:

1. planície ilimitada, com recursos uniformes – não há “ilimitadas” áreas

planas, mas uma diversidade topográfica, até mesmo dentro de uma mesma cidade

– ou numa região, para onde se voltou o modelo de Christaller –, o que nega a

possibilidade da “planície homogênea”; e os recursos naturais são diversos,

dependendo da localização; e ainda, há que considerarmos o nível técnico segundo

o qual tem se desenvolvido a humanidade, o que implica variações nos custos de

produção e, consequentemente, na formulação dos preços;

2. distribuição igual da população e do poder de compra – não há um critério

uniforme para a distribuição da população na superfície terrestre, havendo vazios

demográficos ao lado de altas densidades demográficas; igualmente diverso é o

poder de compra desta população, o qual se configura muito mais em função da

posição que cada indivíduo ocupa na escala de estratificação social, em função do

nível de qualificação, do grau de desenvolvimento intelectual e cultural, do tipo de

ocupação, entre outras condições;

3. liberdade igual de movimento em todas as direções – não há uma

liberdade igual de movimento entre as pessoas, pois estas dependem de meios

técnicos e condições físicas, sendo uma experiência diversa para cada um; e se não

há um “movimento igual em todas as direções”, a opção de comprar seus bens num

ou em outro centro fica a critério de cada pessoa, sendo imprevisível, e não uniforme

este descolamento; há que considerarmos ainda, na contemporaneidade, as

32

inúmeras formas de aquisição de bens, face à evolução dos meios de comunicação,

como o caso do e-commerce, pelo qual as pessoas podem adquirir bens via Internet,

conectando o local ao global, até mesmo subsumindo as hierarquias regionais e a

logística dos centros de distribuição;

4. custos de transportes proporcionais à distância percorrida – também em

função das condições físicas do meio e das técnicas de transportes, não podemos

prever custos de transporte idênticos e proporcionais à distância percorrida, pois em

função da técnica, a distância se torna relativa, repercutindo na variação dos custos

com transportes;

5. mercadorias com preços idênticos em qualquer um dos centros – os

preços não são idênticos em todos os centros, haja vista a lei da oferta-demanda ser

um fator determinante no mercado capitalista, em oposição ao critério da

“concorrência perfeita” proposto por Christaller (CLARK, 1991). Ademais, há que

considerarmos outro componente, que é o crédito, o qual amplia o poder de compra

das pessoas, figurando como um critério de escolha por ocasião da aquisição de

bens e serviços, esmaecendo essa condição de “concorrência perfeita”.

Diante do exposto, vemos que por ser um modelo considerado um tanto

audacioso, ao tentar explicar uma realidade a partir de uma formulação hipotética,

sem uma estrita correspondente realidade, a Teoria dos Lugares Centrais despertou

apreciações ora favoráveis, ora negativas, muitas vezes, partindo de um mesmo

autor, como vemos em Clark (1991), que segundo nossa interpretação, ora aceita a

referida teoria, ora a critica por sua natureza restritiva, face às cinco condições

expostas, as quais não apresentam consonância entre o modelo da TLC e a

realidade.

Mas é o mesmo Clark (1991, p. 147) que exalta: “O maior valor da teoria

[dos lugares centrais] é que, independente de seus insumos restritivos, ela

satisfatoriamente explica muitas das características funcionais e de distribuição dos

centros de serviços [...]”. E prossegue em sua defesa: “O que a teoria do lugar

central salienta é que os sistemas de centros de serviços não são totalmente

desestruturados e desordenados. Existe regularidade na distribuição dos centros de

mercado, e nas funções que eles desempenham [...]” (CLARK, 1991, p. 147).

Vejamos que o autor supracitado, nestes dois últimos trechos, defende a

aplicabilidade e/ou utilidade da Teoria dos Lugares Centrais para explicar os centros

de distribuição, como se já houvesse uma correspondência entre teoria e realidade.

33

Ou, como buscava o próprio Christaller, Clark (1991) fala de uma “regularidade”

entre os centros de mercado. E era isso que o autor da referida teoria almejava:

explicar a ordem, a regularidade que presidia a distribuição das localidades centrais

no sul da Alemanha.

Atualizando o debate sobre a TLC ao estudarem a hierarquia urbana entre

algumas cidades mineiras, Centro-Sul do Brasil, Queiroz; Braga (1999, p. 1) não

negligenciaram a referida teoria. Ao contrário, ressaltam os autores que

A base teórica da hierarquia funcional dos centros urbanos é a ‘Teoria do Lugar Central’ desenvolvida, basicamente, por três autores: Lösch, Boudeville e Christaller. [...] Esta teoria tem o objetivo de explicar as causas da formação e desenvolvimento dos centros urbanos a partir da idéia de importância que um centro urbano tem em relação às demais localidades devido a uma série de características próprias como: poderio econômico, área de mercado

etc (grifo nosso).

Observemos que a referida teoria vai ganhando sempre novas

interpretações, apesar de manter algumas. No último trecho citado, mantém o foco

ao tentar explicar o desenvolvimento de centros urbanos; e inova na forma de falar

da “área de mercado”, o que está posto na teoria de Christaller segundo os

conceitos de limiar e alcance; e ainda, ao referir-se ao poder econômico, algo que foi

buscado de forma muito profunda na clássica teoria, porque não há, neste sentido,

uma discussão clara, a não ser quando Christaller se refere a lugares de “elevada

centralidade”, o que seria já uma aproximação forçada, em nossa compreensão.

Dando continuidade ao debate sobre a Teoria das Localidades Centrais no

Brasil, indicamos como um expoente neste sentido Roberto Lobato Corrêa,

estudioso da geografia urbana, com o texto “Repensando a Teoria das Localidades

Centrais”, em obra organizada por Moreira (1982); assim como por ocasião do IX

Simpósio Nacional de Geografia Urbana (SIMPURB), em 2005, ao publicar o

trabalho “Área central – mudanças e permanências: uma introdução”. Em suas

discussões, Corrêa (1982; 2005) afirma que a teoria de Christaller foi incorporada à

“Nova Geografia” entre 1960-1970, destacando, no Brasil, a contribuição de Milton

Santos, com a obra “O espaço dividido”, em 1979, que versa sobre os dois circuitos

da economia urbana, o inferior e o superior.

Já mencionado e reconhecido por Corrêa (1997; 2005), Santos (2003), em

“Economia espacial”, dedica também um capítulo a “Uma revisão da teoria dos

34

lugares centrais”, e afirma que é preciso entender o “hexágono de Christaller” de

forma diferente, com o princípio da comercialização própria dos países

subdesenvolvidos, considerando os dois circuitos na economia urbana.

É-nos imperativo, após fazermos referência ao pensamento destes dois

estudiosos – Milton Santos e Roberto Lobato Corrêa –, assumirmos uma postura de

que devemos, ao discutir centralidade urbana, proceder a uma minuciosa revisão

dos enunciados da Teoria dos Lugares Centrais. Observemos que os dois referidos

autores trazem uma defesa uníssona em torno desta postura, por meio dos títulos

dos capítulos que dedicam à discussão da TLC: “Uma revisão da teoria dos lugares

centrais” (SANTOS, 2003) e “Repensando a Teoria das Localidades Centrais”

(CORRÊA, 1997).

Assim, entender a referida teoria de forma “diferente”, como postula Santos

(2003), consiste em proceder à sua revisão e/ou nova apreensão, aproximando-a do

atual contexto capitalista, tendo presente particularidades espaço-temporais para o

recorte empírico sobre o qual estamos nos debruçando, qual seja, o espaço urbano

de Natal. Essa visão é partilhada por Corrêa (1997), ao criticar a teoria em questão,

alertando para o fato de que a mesma se mantém num nível positivista,

considerando as trocas entre os seres, como se estes pertencessem a uma só

classe, sem considerar as desigualdades, como já ponderamos anteriormente. Isto

porque, como sabemos, num contexto capitalista, há, na verdade, uma estratificação

de classes.

Neste sentido, Corrêa (1997) propõe uma “revisão da Teoria das

Localidades Centrais”, apontando que a discussão ainda não se esgotou, nem

tampouco foi devidamente elucidada. Fazemos eco às palavras do autor junto à

afirmação de que sua teoria ainda não foi devidamente elucidada. Reafirmamos o

que já anunciamos anteriormente: são muitas as leituras que são feitas a respeito da

centralidade urbana, algumas e muitas delas imprecisas e cambiantes, demandando

ainda um profícuo debate acadêmico, e suas adequadas incursões empíricas.

Partindo então destes aportes críticos, se voltamos nosso olhar à obra “O

espaço dividido”, de Santos (2008), que trata do circuito inferior, periférico, e do

superior, moderno, encontramos ressonância na postura de Corrêa (2005), ao

defender que o debate em torno da TLC ainda não se esgotou. Ademais, não nos

parece surpreendente que teóricos apontem a natureza da desigualdade na

sociedade capitalista. Afinal, é a partir da desigualdade que este sistema se

35

reproduz.

Santos (2008), ao propor uma análise a partir dos dois circuitos da economia

urbana – o inferior e o superior –, apreende a heterogeneidade do espaço, razão

pela qual nos debruçaremos sobre as ponderações deste autor a respeito da não

“aplicabilidade” da Teoria das Localidades Centrais num contexto de

subdesenvolvimento, o que reafirma para nós a carência de sua revisão, releitura ou

nova apreensão. Ele defende que

O reconhecimento da existência dos dois circuitos obriga a uma nova discussão das teorias já consagradas, tais como a da base econômica (exportações urbanas), dos lugares centrais, e dos pólos de crescimento, que até agora serviram de base a outras tantas teorias de planificação regional (SANTOS, 2008, p. 22-23, grifos nossos).

Importa-nos, sim, o pensamento, as considerações de Santos (2008) acerca

da Teoria das Localidades Centrais, dada a sua importância enquanto teórico no

campo da geografia brasileira, até mesmo mundial. Mas há que acrescentarmos

algumas ponderações face ao diálogo com a obra de Santos (2008). Desde a

primeira edição de “O espaço dividido”, já transcorreram quase quatro décadas, o

que sinaliza para nós que muita mudança ocorreu nesse lapso de tempo na

construção do pensamento humano e da ciência geográfica; os “dois circuitos”,

como são assim conhecidos, já não são considerados tão duais ou díspares. Antes,

o debate acadêmico aponta para um tênue imbricamento das atividades dos dois

circuitos, ou até mesmo subdivisões destes. São assim leituras que demandam

serem sempre renovadas, que vão sendo feitas à teoria de Christaller, algumas

vezes, necessariamente consorciadas a outras teorias, e vão sendo apropriadas e

adaptadas para assim poder responder a um determinado fim e/ou auxiliar a

compreender uma dada realidade.

Retomemos o debate com Santos (2008) a respeito dos dois circuitos da

economia urbana, em sua clássica obra “O espaço dividido”, quanto aos elementos

constitutivos desta realidade. O autor afirma:

[...] pode-se apresentar o circuito superior como constituído pelos

bancos, comércio e indústria de exportação, indústria moderna, serviços modernos, atacadistas e transportadores. O circuito inferior é constituído essencialmente por formas de fabricação não-

‘capital intensivo’, pelos serviços não modernos fornecidos a ‘varejo’

36

e pelo comércio não-moderno e de pequena dimensão (SANTOS, 2008, p. 40, grifos nossos).

Mas, apesar de ambos os circuitos terem conteúdos e fins distintos, eles não

são excludentes entre si, e “[...] não são dois sistemas isolados e impermeáveis

entre si, mas, ao contrário, estão em permanente interação. [Porque] Relações de

complementaridade e concorrência resumem toda a vida do sistema urbano”

(SANTOS, 2008, p. 261).

Na verdade, como podemos depreender do trecho citado, a não dualidade

entre os dois circuitos já estava anunciada desde a primeira edição da obra em

discussão. O que faltou foi clareza ao debate acadêmico para entender que ambos –

o circuito superior e o inferior – não eram excludentes, não eram duais. Ousamos

ponderar que ambos os circuitos podem até ser considerados duais entre si quanto

à forma, à aparência; mas, quanto à função, à cooperação, à solidariedade, ambos

são interdependentes. Eis por que permeáveis entre si.

Há então que precisarmos melhor estes dois circuitos. Para Santos (2008),

“O circuito superior originou-se [...] da modernização tecnológica e seus elementos

mais representativos hoje são os monopólios. O essencial das suas relações ocorre

fora da cidade e da região que os abrigam e tem por cenário o país ou o exterior”

(SANTOS, 2008, p. 22); enquanto que “O circuito inferior, formado de atividades de

pequena dimensão e interessando principalmente às populações pobres, é, ao

contrário, bem enraizado e mantém relações privilegiadas com sua região”

(SANTOS, 2008, p. 22). E assim, enquanto o primeiro abrange as escalas nacional e

global; o segundo, apenas a escala local, o interior da cidade, da sua periferia até o

seu entorno.

Mas sabemos que o debate em torno dos “circuitos da economia urbana”, de

Santos (2008) não se encerra nesta citação. Afinal, ocorrem atividades do circuito

superior também no interior da cidade. Se atividades modernas é que constituem

este circuito, hoje, sabemos da importância das cidades como nós dos sistemas

urbanos regionais, projetando-se em cadeias à escala global.

Desta forma, há que atualizarmos a discussão à luz de como vem se

desencadeando na realidade. Diríamos então que o circuito superior tem sua ação

e/ou influência mais voltada para o exterior da cidade, mas não que ele prescinda de

estar presente no interior da cidade. É com base na gama de recursos técnicos

37

necessariamente ancorados na cidade, e o período no qual a humanidade está

inserida, que o próprio Santos (1999) anuncia em sua obra “A natureza do espaço”,

que o “meio técnico-científico-informacional”, ao prescindir da cidade, significaria

desmanchar solidariedades, relações necessariamente estabelecidas em função das

hierarquias entre os centros de um mesmo sistema urbano. Portanto, sustentamos

nosso ponto de vista de que o circuito superior se faz presente também na escala

local, qual seja, no meio intraurbano.

Mas, a propósito do pensamento de Santos (2008), essa abrangência dos

dois circuitos da economia urbana nos interessa porque

[...] cada cidade tem, na realidade, duas áreas de mercado, correspondendo cada uma delas a um dos circuitos da economia urbana. Mesmo nas regiões de influência urbana mais ricas dos países subdesenvolvidos mais avançados, reconhece-se a existência desses dois subsistemas econômicos [...]. A influência territorial de uma aglomeração divide-se entre os dois circuitos da economia urbana. Cada cidade tem, portanto, duas zonas de influência de dimensões diferentes, e cada zona varia em função do tipo de aglomeração, do mesmo modo que o comportamento de cada um dos circuitos (SANTOS, 2008, p. 353).

E é a partir dessa abrangência ou zona de influência dos circuitos da

economia urbana que Santos (2008) questiona a validade da Teoria dos Lugares

Centrais para países subdesenvolvidos, defendendo categoricamente: “A teoria dos

lugares centrais, tal como é proposta, atualmente, não se aplica aos países

subdesenvolvidos” (SANTOS, 2008, p. 353, grifos nossos). E a forma segundo a

qual a teoria de Christaller é proposta, na interpretação de Santos (2008), é sobre as

proposições de “limiar” e de “alcance” que o referido autor recomenda: “[...] as

noções de limiar [...] e de alcance [...] devem ser revistas por causa da existência

do circuito interior inferior” (SANTOS, 2008, p. 359, grifos nossos).

E assim, se da forma como a referida teoria foi enunciada, não há viabilidade

em utilizarmos suas proposições para compreender o tamanho, o número e a

distribuição dos centros de um dado sistema urbano num país subdesenvolvido,

Santos (2008) propõe então que o “hexágono de Christaller” seja apresentado de

forma diferente, levando-se em conta a existência dos dois circuitos da economia

urbana, por ele defendidos. Isto porque, além da crítica à aplicabilidade da Teoria

dos Lugares Centrais em países subdesenvolvidos por vários autores, recai também

sobre essa teoria a discussão sobre as noções de limiar e alcance, igualmente

38

criticadas por outros tantos autores, os quais são apresentados por Santos (2008),

sobre os quais não julgamos oportuno discorrer neste momento.

Sabemos que Christaller, em 1933, com a sua teoria, lançou um olhar sobre

as cidades do sul da Alemanha, uma proposição urbanorregional, portanto. Mas,

igualmente sabemos que o espaço intraurbano, de 1933 à atualidade, passou por

significativas transformações, adquirindo uma complexidade equivalente, até mesmo

superior à complexidade que envolve uma região, desde a época do lançamento da

TLC. Isto posto, lançamos mão do pensamento de Queiroz; Braga (1999, p. 2), que

precisam:

A teoria do lugar central desenvolvida por Christaller [...] não se preocupa com a questão da localização mas sim com a organização do espaço, ou seja, como uma cidade devido a uma série de características próprias possui uma centralidade em relação às demais localidades do seu entorno.

Com isso, esses autores projetam, ao nosso ver, a Teoria dos Lugares

Centrais para o espaço intraurbano, igualmente a Santos (2008), ao confrontar as

proposições da referida teoria com a presença dos dois circuitos da economia

urbana no interior de cada cidade.

Entretanto, não queremos dizer com isto que possamos agora limitar a teoria

de Christaller ao espaço intraurbano, nem tampouco proceder a uma simplória

transposição. Mas, na verdade, partir do intraurbano para o seu entorno, o

urbanorregional. Ademais, uma teoria que se prestou a explicar o espaço não

haveria de limitar-se a apenas uma escala – a regional –, principalmente na

contemporaneidade, em tempos de intenso processo de globalização, quando os

meios técnicos subsumem as distâncias, e as relações de trocas não seguem à risca

uma hierarquia entre escalas geográficas.

Este esforço de uma leitura da TLC, transpondo-a do urbanorregional para o

intraurbano, faz-se necessário pelo fato de o nosso recorte espacial ser o espaço

urbano da Cidade do Natal, passando ainda por uma delimitação que considera

áreas consagradas como centrais, que abrangem os bairros: Cidade Alta, Ribeira e

Alecrim, aos quais denominamos Núcleo do Centro histórico de Natal; Tirol e

Petrópolis, bairros concentradores serviços privados de saúde (TAVARES, 2010) e

de comércio; e corredores de tráfego, representados pelas Avenidas Hermes da

Fonseca, Senador Salgado Filho e Engenheiro Roberto Freire, enquanto “corredor

39

dos shopping centers”; e ainda pelas Avenidas Prudente de Morais e Doutor João

Medeiros Filho, concentradoras de comércio e serviços. Essa é a área de estudo,

para a qual voltaremos nossa atenção nesse trabalho (Mapa 01).

40

Mapa 01 – Área de estudo

FONTE: INSTITUTO BRASILEIRO..., 2010; Elaboração: Heloísa Cruz/Geógrafa

41

Retomamos a discussão sobre a projeção da Teoria das Localidades

Centrais entre as escalas geográficas, considerando ainda que a cidade “[...] vem

seguindo os contornos da economia mundial atual, e os efeitos da globalização

sobre o espaço tomam formas e se expressam com maior intensidade nela, visto

que é o ‘locus’ da produção capitalista” (ARAÚJO, 2004a, p. 49). Neste sentido,

A cidade atual ganha importância na economia globalizada por sua condição em concentrar estruturas e processos que atendem à atual fase de produção/reprodução capitalista – a acumulação flexível. Ela concentra os serviços especializados de apoio à produção, infra-estruturas de telecomunicações e transportes avançados; enfim, ela é o nó da rede mundial da produção capitalista (grifo da autora).

Reafirmamos então que não podemos, apesar de estarmos focando o

espaço intraurbano, prescindir da referida teoria de Christaller, tão somente porque a

mesma fora concebida numa escala geográfica urbanorregional. Há, sim, que

dialogarmos com os seus enunciados, bem como estabelecer pontes com diálogos

acadêmicos mais contemporâneos sobre a temática centralidade urbana, os quais

indicam abordagens diversas para o tema, tendo por base processos que se

desencadeiam na produção do espaço urbano, e que geram diversas possibilidades

de apreensão da centralidade urbana contemporânea. E assim, face à

heterogeneidade do espaço urbano, permeado de conteúdos e formas diversas,

resultantes de processos igualmente diversos, a centralidade então que se conforma

nesse espaço se faz de natureza diversa. É sobre o que pretendemos discorrer na

próxima subseção.

1.2 A diversificação da natureza da centralidade urbana por seus conteúdos processos e formas

Tendo por base que tomamos como ponto de partida a Teoria dos Lugares

Centrais, a qual voltou seu olhar para o espaço urbanorregional, por tratar dos

lugares centrais do sul da Alemanha, nossa direção a partir de então persegue o

esforço de examinar a natureza da centralidade urbana em Natal, elegendo a partir

de então o espaço intraurbano. É o momento de verticalizarmos as discussões,

voltando-nos aos conteúdos, processos e formas que engendram a centralidade

urbana, apreendida em sua dinâmica no contexto da produção do espaço.

A natureza da centralidade urbana, ou seja, o que a constitui, a sua

42

essência, pode apresentar-se tão diversa o quão são os processos desencadeados

na produção e/ou apropriação do espaço urbano. E para darmos continuidade à

discussão desse conceito, buscamos nos apropriar do conceito de natureza, o qual,

precisamente, segundo acepção filosófica, é “Aquilo que compõe a substância do

ser; essência” (HOUAISS, 2009, não paginado).

Assim, a natureza, a essência, esse é, ao nosso ver, o ponto de partida para

compreendermos a dinâmica da centralidade; uma natureza prenhe de movimento,

de fluxos, de trocas, de encontros. E a centralidade urbana pode ser ora

convergente, por sua capacidade atrativa de fluxos; ora divergente, por sua

capacidade, tanto de influenciar, por meio do atendimento às demandas da

sociedade quanto a bens e serviços, os quais, algumas vezes, terão seu consumo

efetivado fora do centro no qual incide certa centralidade; quanto pelo seu processo

de deslocamento, o qual parte de um centro e se dirige à periferia – vista enquanto

área de expansão para onde se dispersam as centralidades urbanas.

Lançaremos um olhar sobre algumas discussões acerca do conceito de

natureza, num intercâmbio dialógico com o conceito de natureza da centralidade, por

sua importância neste estudo. Iniciamos a partir do conceito de natureza, que vem

de Raimundo Lúlio, filósofo da Ilha Maiorca, do arquipélago leste da Espanha, o qual

viveu entre 1232-1316 d.C. Lúlio “[...] lutou toda a sua vida para tornar conhecido um

novo método de ver a realidade” (JAULENT, 2014, p. 2). E como sabemos, a

realidade é sempre mutável, está sempre a se refazer, uma vez que é modificada

pelo ser humano, que, igualmente, apresenta-se sempre um ser incompleto, em

busca de completude. Daí, Jaulent (2014), ao revisitar o conceito clássico de

natureza, segue o pensamento de Aristóteles, filósofo grego que viveu entre 384-322

a. C., e nos diz que

[...] a filosofia tradicional sempre entendeu por natureza de uma substância ‘um princípio intrínseco de movimento’. Portanto, a

noção de natureza, segundo essa interpretação, terá de ser análoga: algumas vezes será a forma da substância, outras a matéria e, na maioria dos casos, uma vez que princípio e fim se correspondem, a essência – aquilo que se gera –, por ser esta o fim dos movimentos naturais da geração (JAULENT, 2014, p. 2-3, grifos

nossos).

Ao resgatemos o pensamento do autor seguindo nossos grifos, identificamos

uma semelhança do pensamento do autor ao que vimos defendendo, de que

43

centralidade urbana, em sua essência, é movimento, é fluxo, pela função que tem,

de acordo com a oferta de bens e serviços a serem trocados na cidade. Já esta

centralidade se expressa materialmente por meio dos centros intraurbanos, os quais

se conformam na cidade, que por sua vez, é igualmente dinâmica, permeada de

movimentos de troca, do ir e vir cotidiano da sociedade nela presente. Temos então

que centralidade, por sua natureza, sua essência, é movimento. A centralidade

urbana é então gestada no movimento. É o movimento da vida urbana que gera e

refaz a centralidade continuamente, à baila da dinâmica da cidade, porque “A cidade

autêntica, constantemente se refaz” (FERNANDES, 2014, Informação Verbal12).

Anunciamos então nossa tese acerca da natureza da centralidade, propondo

que a mesma é, essencialmente, diversa. Isto significa dizer que, partindo do

pressuposto de que o espaço urbano é permeado de uma gama imensurável de

conteúdos, processos e formas, os quais são resultantes da ação dos vários estratos

sociais presentes nesse espaço, agindo segundo suas demandas e/ou interesses, a

centralidade urbana, enquanto ponto de convergência e/ou atratividade da ação

humana, seja no âmbito simbólico ou econômico, igualmente se configura numa

diversidade.

Os conteúdos da centralidade são os bens e serviços nela postos ao

movimento da troca, do atendimento à demanda por parte da sociedade, a qual é

atraída para as centralidades urbanas, pelos conteúdos que as mesmas têm a

oferecer. Enquanto que as formas são o aparato material no qual esses conteúdos

estão dispostos para troca, ou seja, as formas comerciais, as quais se apresentam

através de centros e/ou alamedas comerciais, shopping centers, hipermercados,

atacarejos, galerias de lojas, ruas de comércio, “camelódromos”, edifícios

empresariais, lojas particulares, lojas de franquias – as quais consistem em

repetições de espaços comerciais (PINTAUDI, 2015, Informação verbal)13 –, entre

outras.

Mas a diversidade da natureza da centralidade não reside tão somente na

diversidade de seus conteúdos, processos e formas. Há que aprofundarmos um

pouco mais o conceito de natureza. Ao buscarmos a natureza da centralidade

urbana, estamos buscando a sua constituição, a sua essência. Assim, “Tenha-se em

12 Aula-palestra ministrada por José Alberto Rio Fernandes, em Natal, em dezembro de 2014. 13 Aula ministrada por Silvana Maria Pintaudi, em Natal, em março de 2015.

44

conta que a essência expressa, num entre concreto, as razões do ato de ser desse

ente e, portanto, pertence a uma ordem distinta do ser. A essência é abstrata; o

existente, concreto” (JAULENT, 2014, p. 3).

Neste sentido da diversidade da natureza da centralidade, se o espaço

urbano adquire complexidade e/ou heterogeneidade por seus conteúdos, processos

e formas, expressos tanto de forma material quanto abstrata, diversa é a apreensão

deste espaço, se o analisamos sob a ótica da centralidade, a qual é abstrata, é

movimento, é condição de atratividade às atividades desenvolvidas nos centros da

cidade.

Isto significa dizer que, de acordo como se configuram os conteúdos,

processos e formas da centralidade urbana, expressos por meio do centro de uma

cidade, juntamente com seus subcentros, é que a natureza da centralidade se

apresenta diversa, porque são estes conteúdos, estes processos e estas formas que

concorrem para que a natureza da centralidade se constitua de forma diversa,

conforme já expusemos anteriormente, ao explicitarmos o pressuposto da nossa

tese. Ou ainda, reforçando sobre a natureza da centralidade, significa dizer que lhe é

próprio ser diversa, pelo fato de esta integrar o contexto urbano em toda a sua

dinamicidade, por ser peculiar ao processo de produção-reprodução do espaço

urbano capitalista.

Nosso interesse é apreender a natureza diversa dessa centralidade que se

conforma no espaço urbano de Natal, segundo seus conteúdos, processos e formas,

que, segundo literatura atinente à temática, configura-se na contemporaneidade

como um “multipolicentrismo” (SPOSITO, 2010). Para explicar e caracterizar essa

condição de multipolicentrismo que se conforma no espaço urbano, a autora aponta

que

A redefinição da centralidade urbana, no interior das cidades, ganha cada vez mais importância em função de quatro dinâmicas que marcam as transformações em curso neste fin-de-siècle14: 1. As novas localizações dos equipamentos comerciais e de serviços concentrados levam a mudanças na estrutura e no papel do centro principal ou tradicional, o que provoca uma redefinição do centro, da periferia e da relação centro-periferia; 2. A rapidez das transformações econômicas que marcam a passagem do sistema produtivo fordista para formas de produção flexíveis impõe mudanças na estrutura interna das cidades e nas

14

Fim de século (tradução nossa).

45

relações entre as cidades de uma mesma rede; 3. A redefinição da centralidade urbana não é uma dinâmica nova, porém adquire novas dimensões se consideramos o impacto das transformações atuais, não somente nas metrópoles e grandes cidades, mas também nas cidades de média importância; 4. A difusão do uso do automóvel e o aumento da importância do lazer e do tempo destinado ao consumo reorganizam o quotidiano das pessoas e a lógica de localização dos equipamentos comerciais e de serviços (SPOSITO, 2010, p. 199, grifos nossos).

Em função do exposto na citação, retomamos alguns pontos que podem ser

cotejados em nosso objeto de estudo. Da primeira dinâmica indicada pela autora

sobre as novas localizações do comércio e dos serviços, observamos que essa

dinâmica vem se desenvolvendo no espaço urbano de Natal desde a instalação do

Hiper Bompreço Lagoa Nova, na década de 1980, que desencadeou um processo

deimplantação de shopping centers, os quais já conseguem consolidar uma imagem

de “corredor dos shopping centers”, até mesmo junto ao poder público, num eixo

viário formado pelas avenidas: Hermes da Fonseca, Salgado Filho e Roberto Freire,

o qual consiste num dos focos da nossa pesquisa empírica, dada a sua importância

para a centralidade urbana em Natal. Mas, além dos shopping centers, outras

formas comerciais se conformam em Natal, como lojas de atacado de ampla

superfície e autosserviço – os “atacarejos”; corredores de tráfego, margeados de

lojas de conveniência e serviços diversos; áreas especializadas em serviços

médicos e de ensino, entre outras formas.

Essas conformações que a centralidade vem adquirindo no espaço urbano,

representadas na segunda dinâmica apontada por Sposito (2010), decorrente da

fase de acumulação flexível, causando “mudanças na estrutura interna” da Cidade

do Natal, podem ser identificadas na forma como o centro tradicional da cidade se

espraia de forma descontínua, criando vários centros, segundo uma configuração de

policentrismo, porque não solidários ou complementares entre si, antes,

concorrentes, como indica Sposito (2010, p. 205):

As zonas rivalizam entre si na medida em que cada uma delas tenta ampliar sua capacidade de atração. Essa competição entre interesses, indicando um nível de articulação que não corresponde sempre a uma complementaridade, pode permitir-nos falar de policentralidade.

Sabemos que esse processo se configura nas cidades contemporâneas,

46

representado, como já indicamos, evidenciado por uma concorrência entre o centro

tradicional e as áreas especializadas em comércio e serviços, áreas essas que

expandem o tecido urbano da cidade, à baila da localização de novas áreas de

moradia, dos eixos de integração urbanorregionais, da implantação de grandes

superfícies de centros de distribuição ou da valorização imobiliária no entorno

ameno da cidade, entre outros fatores.

Ainda sobre essa relação entre novas configurações da estrutura interna da

cidade, gerando multi e poli centralidade, a autora explica: “[...] se constatamos a

existência de mais de um centro, temos uma multicentralidade. Se constatamos

diferentes níveis de especialização e importância entre esses centros, estamos em

face de uma policentralidade” (SPOSITO, 2010, p. 205, grifos em itálico e

sublinhado: da autora). Identificamos relação entre essa explicação e a terceira

dinâmica por que passa a centralidade urbana, e da qual fala a autora citada, ao

dizer que são as novas dimensões da centralidade: “Os novos centros comerciais

multiplicam a centralidade, mas não reproduzem a polaridade do centro principal”

(SPOSITO, 2010, p. 213).

Na verdade, ao concordamos com o pensamento da autora, estamos

admitindo a diversificação da natureza da centralidade, a qual não se faz somente

em função de um centro uno, forjado pelas funções comercial e histórica, mas

estamos, na contemporaneidade, diante da conformação de um centro diverso, em

oposição ao centro uno. E esse centro é diverso exatamente porque os conteúdos,

processos e formas que se desencadeiam no espaço urbano os são. Igualmente, já

não há mais uma polaridade centro-periferia nas cidades, porque são diversos os

centros, e diversas igualmente são as periferias. Há, sim, “A tendência crescente à

especialização espacial, que a nova redistribuição das atividades comerciais e de

serviços conduz, expressa pela multi(poli)centralidade urbana, [e que] leva a

reconsiderar a relação entre centro e periferia” (SPOSITO, 2010, p. 213).

E por fim, a quarta dinâmica de redefinição da centralidade urbana defendida

pela autora, que ressalta o uso do automóvel, bem como a importância que a

sociedade dedica ao lazer, e o tempo que esta sociedade ocupa para o consumo.

Estas três condições são bastante visíveis e influentes na conformação da

centralidade urbana em Natal. E para evidenciarmos essa afirmação, apenas

retomaremos o que já defendemos anteriormente: as novas formas comerciais

espraiaram o tecido urbano da cidade, dotado-o de equipamentos de comércio e de

47

serviços, requerendo assim o uso do automóvel nos deslocamentos diários, sendo

também esse mesmo uso do automóvel fomentador de novas formas de

centralidade; a importância dada ao lazer, na cidade em tela, é um dos fatores

geradores de centralidade, face à atividade turística, que é parte integrante da

economia natalense; o tempo que se destina ao consumo é outra evidência, face ao

“eixos dos shopping centers”, sobre o qual já falamos, indicando que estes

equipamentos reúnem, ao mesmo tempo, consumo e lazer. Mas essas são

evidências empíricas sobre as quais discorremos em seções posteriores, de posse

de evidências mais plausíveis, como dados resultantes do trabalho de campo.

Retomamos a tese de que a natureza da centralidade urbana é diversa, por

seus conteúdos, processos e formas. E que, para atrair-irradiar fluxos, a centralidade

urbana conta com a referida diversidade da sua natureza, a qual, necessariamente,

há que ter:

a) conteúdos – que possam atrair pessoas interessados nas trocas destes;

b) processos – os quais dão movimento, vida ao centro, configurando-se

assim em relações de encontros de qualquer natureza;

c) formas – as quais abrigam os encontros, as relações de troca, onde os

bens são dispostos, onde os encontros são marcados, enfim, a forma física, a

expressão visível da centralidade, numa palavra, o centro por excelência.

Entendemos que esses três componentes – conteúdos processos e formas –

concorrem de modo interdependente para a conformação da natureza da

centralidade urbana. E sendo estes diversos, igualmente é diversa a centralidade

urbana. Dessa forma,

A cidade centraliza porque concentra atividades econômicas e lúdicas, porque ela é o espaço do exercício e da representação do poder e da cultura de uma sociedade. O centro é, pois, o espaço de excelência e a expressão dessa concentração; ele é o ponto de

integração geográfica e social (SPOSITO, 2010, p. 201, grifos nossos).

Fazendo uma “ponte” entre as recentes leituras que vem sendo

desencadeadas no meio acadêmico acerca da centralidade urbana e a clássica

teoria de Christaller, em 1933, buscamos nem tampouco passar ao largo do clássico

“Hexágono de Christaller”, nem tanto pretender aplicar a referida teoria para explicar

uma realidade de vasto lapso de espaço-temporal.

48

Reforçamos que apesar de nosso objetivo principal ser explicitar a natureza

da centralidade urbana em Natal, considerando os conteúdos, processos e formas

que a constituem, bem como os fatores concorrentes para a sua diversificação, e

que o processo investigativo se orienta pela teoria da produção do espaço, não

podemos prescindir de um exame criterioso à clássica Teoria das Localidades

Centrais, sob pena de não termos nos provido adequadamente do ponto de vista

teórico, ou não termos cumprido bem nossa missão neste trabalho. Enfim, há algo

que nos impele a isto.

Neste sentido, seguimos em nossa reflexão, sobre qual seria a contribuição

contemporânea da teoria de Christaller para, partindo dela, propormos uma

apreensão ideal para analisar o espaço urbano, permeado por uma infinidade de

elementos e relações, que vão desde a escala local à global. Ao nosso ver, o

caminho se daria por meio de um enfoque centrado nos conteúdos, processos e

formas presentes no processo de produção do espaço urbano.

E para tratarmos as novas expressões de centralidade, nosso olhar teórico-

empírico abrange desde a década de 1980 – início da estruturação deste processo –

à contemporaneidade, visto que tal período corresponde, tanto no âmbito teórico

quanto no empírico, respectivamente, a partir de quando o tema “centralidade” foi

retomado na geografia urbana, e de quando o processo de descentralização passou

a ser visualizado no espaço urbano em geral.

A respeito da inserção das discussões teóricas acerca da temática

centralidade na geografia urbana, Reis (2007) trata do assunto, ao desenvolver sua

tese de doutoramento, sob os conceitos de descentralização e desdobramento do

núcleo central; e, mais diretamente, por ocasião do IX SIMPURB, ao dizer que há

uma “[...] retomada dos estudos sobre a centralidade intra-urbana, a partir de uma

perspectiva analítica dedicada à identificação dos padrões de localização da

atividade terciária [...], de forma significativa, a partir dos anos 1980” (REIS, 2005, p.

7).

Concordando com outros autores sobre o período de projeção destes

estudos na análise espacial intraurbana, Reis (2005, p. 8) defende que “Se, por um

lado, é possível reconhecer que as manifestações do fenômeno [...] remete à

década de 1970, as primeiras formulações teóricas mais gerais serão, contudo,

elaboradas e disponibilizadas ao longo da década de 1980.” Ressaltamos aqui as

palavras de Corrêa (1997; 2005), ao reconhecer que é com Milton Santos, em “O

49

espaço dividido” (2008), que tal discussão se inseriu no Brasil. Eis por que a

projeção da nossa investigação se faz a partir da década de 1980.

Nesse contexto, a relevância da proposta de uma revisão da Teoria das

Localidades Centrais no âmbito da geografia urbana não é recente, visto que

perdura do último quartel do século XX. Mas é atual, por não se ter ainda esgotado

nos âmbitos empírico e teórico, haja vista sua projeção na realidade urbana requerer

novas leituras para a temática centralidade.

Entendemos que, dada a notável formação de novas centralidades, analisar

o espaço urbano segundo essa temática é uma forma de apreender a atualidade da

produção e estruturação do espaço urbano, o qual se apresenta geralmente de

forma fragmentada, demandando uma gama de apreensões.

Na contemporaneidade, o tema centralidade urbana ganha destaque nos

estudos voltados ao urbano, precisamente, alinhado a temas como o comércio, o

consumo e os serviços. Eis então porque julgamos prudente aproximarmo-nos

inicialmente da teoria Christaller, procedermos a um exame da mesma para então

tentar construir “pontes” junto aos debates acadêmicos contemporâneos, e

podermos assim contribuir para uma leitura razoável acerca da diversidade da

natureza da centralidade urbana presente na Cidade do Natal.

Da aproximação com a temática, descortinam-se conceitos como

centralidade, centro e descentralização, os quais se inserem em diversos contextos

urbanos que concentram a maior parte da humanidade, configurando-se assim como

espaços de trocas, de fruição e de sociabilidade. Conceitos estes continuamente

presentes nos debates acadêmicos em torno da centralidade urbana. Neste sentido,

por entendermos que tais conceitos emanam principalmente da realidade urbana,

cumpre-nos discorrer a respeito do processo de produção desse espaço.

A respeito do processo de produção do espaço, Carlos (1982, p. 105) nos

diz que “O espaço geográfico é produzido concomitantemente ao processo de

produção da existência humana. Portanto, não é estático, nem acabado, mas uma

produção humana ininterrupta.” Ao abordar o movimento contínuo de produção,

visando a atender à reprodução da sociedade e do capital, a referida autora nos

conduz à reflexão a respeito também da reprodução do espaço. Propõe então

Carlos (1994, p. 34) que para apreendermos o

[...] espaço como produto social e histórico se faz necessário articular

50

dois processos: o de produção e o de reprodução. Enquanto que o primeiro se refere ao processo específico, o segundo considera a acumulação do capital através de sua reprodução, permitindo apreender a divisão do trabalho em seu movimento.

O espaço geográfico capitalista é, dessa forma, resultado da dinâmica de

reprodução do capital e da sociedade. Para este fim, tanto o capital quanto a

sociedade se utilizam do espaço como substrato, como base logística de seu

processo de reprodução.

Consideramos então, concordando com Carlos (1994, p. 90) que, no

processo de produção-apropriação, o espaço apresenta dois “modos de uso”: o

primeiro se refere ao uso para o capital, enquanto espaço da produção; ao passo

que o segundo modo de uso é próprio do uso por parte da sociedade, enquanto

espaço do consumo.

Destes dois modos de produção-apropriação é que resulta a condição de

heterogeneidade do espaço geográfico, dado que são interesses, processos e usos

diversos que estão em jogo contínuo por parte da sociedade, resultando igualmente

na reprodução deste mesmo espaço.

Veremos mais adiante que estes “modos de uso” estarão presentes nas

discussões acerca dos centros de distribuição de bens junto à sociedade, refletindo-

se, portanto, no consumo; bem como naquelas discussões em relação à reprodução

do capital, dado que é, na comercialização para o consumo, que o processo de

reprodução do capital completa o seu ciclo, por meio do lucro.

Ademais, veremos que são os atributos, as peculiaridades do espaço que

irão fazer com que este seja valorizado, vendido e apropriado em fragmentos ou

parcelas do espaço, segundo os níveis de renda de quem pode comprar.

E por ser produzido no sentido de atender a esses dois focos de interesse –

reprodução do capital e reprodução da sociedade –, a produção do espaço ocorre

de forma dinâmica e contraditória, em permanente processo de produção-

reprodução.

Configuram-se então, sucessivamente, formas e processos diversos, os

quais constituem a heterogeneidade do espaço. Neste sentido, concordamos com

Andrade (1984, p. 17), que em sua obra “Poder Político e Produção do Espaço” nos

diz que

51

O processo de produção do espaço é [...] dinâmico, está permanentemente em ação e permanentemente em reformulação. Em sendo dinâmico é também dialético, de vez que a evolução da sociedade e a ação do Estado que a representa não se procedem de forma linear, mas sofrem contestações, contradições que reformulam os princípios e as ações.

Essa condição de dinamismo do espaço se faz em função dos interesses

engendrados pelos agentes produtores do espaço – proprietários dos meios de

produção; proprietários fundiários; promotores imobiliários; Estado; excluídos

(CORRÊA, 1989) – pela apropriação que fazem deste espaço, visto que o mesmo é

produzido no sentido de atender às necessidades do processo de reprodução de

entes detentores de interesses antagônicos, quais sejam: o capital e a sociedade.

Fazendo eco às palavras de Andrade (1984), e sendo contemporâneo no

debate acadêmico, Corrêa (1989), cujo pensamento invocamos anteriormente,

apresentou-nos assim os “agentes produtores do espaço”, em sua obra “O espaço

urbano”, discorrendo claramente como o poder político se projeta na produção do

espaço urbano.

Para atender às necessidades de reprodução do capital e da sociedade, o

espaço geográfico é

[...] um produto material em relação com outros elementos materiais – entre outros, os homens, que entram também em relações sociais determinadas, que dão ao espaço (bem como a outros elementos da combinação) uma forma, uma função e uma significação social (CASTELLS, 1983, p. 146, grifos do autor).

E a respeito dos elementos do espaço aludidos nesse trecho, há que

estabelecermos um diálogo com o pensamento de Santos (1988, p. 6), o qual

elenca, define e/ou aponta as funções de cada um dos elementos do espaço:

Os homens são elementos do espaço, seja na qualidade de

fornecedores de trabalho, seja na de candidatos a isso [...]. As firmas têm como função essencial a produção de bens, serviços e ideias. As instituições por seu turno produzem normas, ordens e legitimações. O meio ecológico é o conjunto de complexos territoriais que constituem a base física do trabalho humano. As infra-estruturas são o trabalho humano materializado e

geografizado na forma de casas, plantações, caminhos, etc (Grifos nossos).

52

Entendemos que estes cinco elementos – homens, firmas, instituições, meio

ecológico e infraestruturas – estão presentes em nossa discussão, mesmo que em

intensidade variável entre si. Identificamos a presença de tais elementos da seguinte

maneira:

1) os homens – enquanto agentes produtores do espaço, pela sua força de

trabalho; e enquanto consumidores, em função da sua reprodução dessa força de

trabalho;

2) as firmas – que influenciam no uso do solo, seja para o comércio, os

serviços, a habitação, o lazer, entre outros usos, configurando-se uma diversidade

na natureza das atividades produtoras de espaço;

3) as instituições – as quais influenciam a produção e o consumo do espaço

no plano jurídico-político, por meio dos planos e projetos capitaneados pelo Estado;

4) o meio ecológico – que em nosso caso, corresponde ao contexto urbano

de Natal, tendo como foco seus centros e centralidades que se conformaram à baila

da evolução das atividades econômicas desenvolvidas na cidade ao longo do

processo de produção-reprodução do espaço urbano;

5) as infra-estruturas – que concorrem de forma significativa para o

desenvolvimento e/ou fechamento – isolamento, fragmentação – de centros de

comércio e de serviços, e que se conformam ao elemento ‘instituições’, dado que

são uma expressão da ação das mesmas.

A produção do espaço geográfico se faz então por meio de processos, os

quais resultam na criação de formas, que são recriadas segundo eventos

sucessivos. A respeito das formas, é importante resgatarmos o pensamento de

Santos (1999, p. 83), ao afirmar que

A idéia de forma-conteúdo une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa idéia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistema de objetos e sistemas de ações.

Essas noções nos dão uma visão de um espaço heterogêneo, produzido e

apropriado por atores sociais diversos, segundo interesses igualmente distintos.

Desse modo, aduz-nos a estabelecer uma relação da ideia de “forma-conteúdo” com

o tema centralidade urbana, o qual tem, em sua condição de atrair-irradiar fluxos,

representados o conteúdo e o processo; enquanto que nas formas comerciais – ou

53

centros de comercialização –, a representação da forma, a qual é resultado ou

expressão material do referido processo.

E como próprio do processo de produção do espaço sob a égide do

capitalismo, é um espaço de contradições e conflitos entre grupos sociais, políticos e

econômicos. Isto porque

[...] o processo de produção do espaço fundado nas relações de trabalho entre os homens e a natureza coloca-se como uma relação que deve ser entendida em suas várias determinações, econômica, política, social, ideológica, jurídica, cultural, filosófica (CARLOS, 1994, p. 23).

Assim, o capital se consolida e cria novos espaços – no caso em tela, as

novas centralidades, expressas por seus centros de comercialização –, gerando

potencialidades a serem incorporadas em seu circuito produtivo.

Lembramos que a produção do espaço se insere no contexto de produção-

reprodução desigual e combinado do capital. Mesmo porque

[...] se desenvolve de modo antagônico e contraditório, [assim], o processo de produção também apresentará esses mesmos antagonismos, o que implica, em última análise, num desenvolvimento espacial desigual; fenômeno este comandado e determinado pelo processo de acumulação do capital (CARLOS, 1982, p. 108).

O urbano, lócus privilegiado de reprodução do capital, esta desigualdade se

expressa segundo as diversas formas de apropriação e consumo do espaço, de

acordo com a estratificação social de classes e a gradação de níveis de renda da

sociedade presente neste espaço.

A centralidade urbana é uma das formas expoentes da concentração de

capital, em seu processo de reprodução, sendo igualmente uma estratégia

importante nesse processo. Por ter o comércio estreita relação com a centralidade

urbana, Pintaudi (2009), enquanto estudiosa do comércio e das práticas de consumo

no Brasil, ao desenvolver suas investigações e reflexões, enfatiza a importância que

o conceito de centralidade assume face ao sistema financeiro. Mesmo porque,

[...] no Brasil, no que tange aos espaços comerciais, destaca-se uma concentração que não é apenas territorial, mas também financeira, evidenciando esses lugares como produtos da acumulação do

54

capital. A tendência à concentração se acentua com o passar do tempo, e é condição para a elaboração de novos espaços, novas sociabilidades, novos modos de vida (PINTAUDI, 2009, p. 58).

E assim, em função da reprodução do capital, segundo as palavras da

referida autora, a produção do espaço urbano segue em seu processo contínuo,

gerando novos espaços, sociabilidades e modos de vida. Eis por que novas

centralidades são continuamente criadas, requerendo não mais apenas uma única

leitura da centralidade, com base em um modelo hipotético, estático, como o de

Christaller, mas apropriando-se do que o referido autor pôde oferecer, e com ele

estabelecendo diálogo, consorciando seu pensamento às discussões acadêmicas

contemporâneas, devidamente cotejadas pela realidade foco da pesquisa à qual nos

propomos a desenvolver.

Ao empreendermos esse diálogo, procederemos a novas leituras do

conceito de centralidade urbana, uma vez que o referido conceito se alinha ao

processo de reprodução do capital e da sociedade, fomentador de novas formas

comerciais, as quais indicam novas centralidades em gênese contínua no espaço

urbano.

A respeito da relação entre a dinâmica urbana e centralidade, Pintaudi

(2009, p. 58) defende:

Se, num primeiro momento da expansão urbana, o surgimento de novas centralidades acompanhava novas áreas ocupadas, isto não se verifica na atualidade: hipermercados e shopping centers são

capazes de criar e se antecedam à própria expansão da cidade, melhor dizendo, se antecipam à cidade. São determinantes na criação do entorno e lhe conferem sentido (grifos da autora).

Também o pensamento de Corrêa (2005, p. 2), em suas discussões por

ocasião do IX SIMPURB, alinha-se a essa discussão, ao enfatizar: “Os shopping

centers, os distritos administrativos e os novos centros empresariais difundem-se,

alterando a organização espacial de grande parte da cidade, em particular a sua

Área Central.”

Apresentada essa discussão inicial sobre a importância da centralidade no

contexto urbano atual, voltemo-nos à sua forma de expressão material, que é o

centro. Este é considerado o “[...] principal foco da economia da cidade, que

concentra de maneira singular a mais diversificada, maior e melhor oferta de funções

55

centrais e que possui os mais elevados valores de uso do solo urbano” (REIS, 2005,

p. 5). A definição de centro, para o autor em diálogo, está relacionada

exclusivamente à dimensão econômica da centralidade. E esta é uma tendência no

pensamento de tantos outros autores cujas obras examinamos. Indica assim que o

econômico é proeminente no espaço urbano, figurando como a natureza excelente

de centralidade urbana face às demais, apesar de não prescindir das mesmas,

porque há uma condição de mutualidade que perpassa entre as diversas expressões

de centralidade urbana, conforme a natureza de cada uma.

Já na discussão sobre centro e centralidade, Pintaudi (2009, p. 58)

estabelece uma diferença:

O centro urbano é aquele que guarda a memória da cidade, [é] histórico, permanece. [...] Já a centralidade é mutável no tempo, embora vários aspectos concorram para a sua permanência, tais como a rede viária e a própria produção do espaço para determinados usos (grifos nossos).

Vemos que a preocupação da autora se volta para a inércia do centro, em

oposição à dinâmica da centralidade. Inércia esta que vai muito além da forma, a

qual nem sempre permanece, sendo, na maioria das vezes, modificada em reformas

que visam a dar um ar de modernidade ao centro comercial. A inércia da qual a

autora fala se refere à memória, à condição de ser centro, por guardar a memória, o

patrimônio histórico e cultural do lugar, até mesmo perdendo sua condição de

centralidade comercial.

Já a centralidade é defendida pela autora como algo em movimento, mutável

ao longo do tempo, porque segue à baila dos processos dinâmicos que se

conformam no espaço urbano, quase sempre, capitaneados pela dinâmica do

comércio e dos serviços. E a centralidade é mutável no tempo não só pela

transferência de centros comerciais e de serviços no tecido urbano da cidade, mas

também pela conformação que a centralidade vai adquirindo. Isto porque a

centralidade não é mutável apenas no espaço, mas também no tempo, como é o

caso dos períodos cíclicos de comércio e serviços – períodos natalino, de veraneio,

“volta às aulas”, entre outros –, só para citar uma das formas de expressão que a

centralidade adquire.

Urge-nos concordar com o pensamento de Pintaudi (2009) a respeito das

suas definições sobre os conceitos de centro e centralidade, em que o primeiro é

56

estático; já o segundo, dinâmico. Ao nosso ver, essa discussão é clara e quase

unânime na literatura acerca da temática centralidade. Em suma, enquanto que o

centro é definido pela forma, portanto, estático; a centralidade, pela função, portanto,

dinâmica.

Mas também não podemos encerrar ambos – centro e centralidade –

respectivamente, em ser exclusivamente estático e exclusivamente dinâmico.

Identificamos então uma condição dialética na apreensão de ambos. Há, então,

certa mutabilidade para o centro; assim como há certa inércia para a centralidade.

Senão, vejamos. O centro, por estático que seja, pelo fato de ser forma,

ganha, continuamente, novas formas ao longo do tempo, ao passar por algumas

reformas, seguindo tendências urbanísticas, de higienização, entre outras. Enquanto

que a centralidade, por sua própria natureza funcional, há que ser sempre dinâmica.

Mas, contrariando sua própria dinâmica, a natureza da centralidade requer certa

identidade, particularidade e/ou peculiaridade; ou seja, para atrair-irradiar fluxos há

que ser conhecida por algo que lhe identifique por um dado lapso de tempo, como é

o caso de algumas centralidades que oferecem serviços voltados para o turismo

e/ou as “centralidades temáticas” (FERNANDES, 2014, informação verbal) – como

ruas de comércio especializado. Essa é a razão pela qual sinalizamos com um

mínimo de inércia para o conceito de centralidade. Reafirmamos: há certa dialética

nas condições permanência e mudança que identificamos em centro e centralidade,

respectivamente.

Os dois últimos conceitos – centro e centralidade – nos aproximam do

diálogo com os conceitos de forma e função. Assim, diríamos que o centro,

parafraseando Santos (1999), seria a forma; enquanto a centralidade, a função.

Ampliando a discussão de centro e centralidade com Reis (2005, p. 5),

temos que

O processo de centralização, que produziu a Área Central, gerando uma cidade monocêntrica, foi já no primeiro quartel do século XX, concorrenciado pelo processo de descentralização, [...] indicando a existência de sub-centros comerciais e artérias de tráfego dotadas de comércio e serviços.

Cabe destacar que a existência anterior de uma cidade monocêntrica deu

lugar a outra, policêntrica, como resultado do contínuo processo de

descentralização, o qual cria sub-centros de comércio e de serviços, denominadas

57

por nós de “novas centralidades”. Assim denominamos as novas conformações e/ou

expressões de centralidade decorrentes do processo de descentralização, porque

entendemos que o “novo” das novas centralidades emana da diversidade dos seus

conteúdos, processos e formas, requerendo sempre novas leituras e/ou apreensões.

Eis por que o caminho metodológico para o estudo da centralidade urbana, na

contemporaneidade, não pode mais limitar-se ao clássico “Hexágono de Christaller”.

Antes, há que dialogar com as mais recentes discussões e com a realidade sobre a

qual versar a análise.

À baila da dinâmica capitalista do espaço urbano, teremos novas

centralidades surgindo, dependendo das demandas que vão sendo criadas pela

dinâmica de reprodução do capital e da sociedade. E as novas centralidades são

sempre expressas sob a forma de novos centros comerciais, os quais ganham, cada

vez mais, diversas formas, a depender do contexto urbano no qual se inserem, quais

sejam: shopping centers, edifícios comerciais, galerias de lojas, corredores viários

margeados por comércios e serviços, ruas de comércio, entre outras.

Ao falarmos da diversidade de formas comerciais, remetemo-nos a dois

conceitos que concorrem para a sua formação. São os conceitos de centralização-

descentralização. A este respeito, Reis (2005, p. 15) afirma que,

Tradicionalmente, na teoria da geografia urbana, o conceito de núcleo central de negócios e o conceito de descentralização correspondem a distintos estágios da realização histórico-geográfica da centralidade na organização interna da cidade. O núcleo central de negócios corresponde à apreensão de uma forma derivada da

realização da centralidade num primeiro estágio de sua realização histórico-geográfica, qual seja, a centralização. A descentralização, por sua vez, corresponde a um segundo estágio da realização histórico-geográfica da centralidade objetivada desde a dimensão processual deste fenômeno (grifos do autor).

E assim, não perdemos de vista nossa posição em relação à compreensão

de centro enquanto forma; e centralidade enquanto processo; antes, encontramos

ressonância no pensamento do autor. Observemos que em suas palavras, o centro

é apenas a forma de apreensão ou expressão da centralidade; enquanto que a

descentralização se configura como processo, que segundo uma relação espaço-

temporal gera novas centralidades, e por sua vez, novos centros comerciais,

detentores de centralidade.

O processo, por ser movimento, é então a razão de ser da centralidade, a

58

natureza dela em si, o que a gera, o que a conforma. Processo esse que se verifica

no movimento das trocas comerciais e da prestação dos serviços; no ir e vir do

cotidiano da sociedade; enfim, a vida urbana que pulsa na cidade; a fluidez da vida

urbana; o fluxo de pessoas, mercadorias, capitais, informações e ideias.

Enquanto que a forma – o centro – é a expressão desta centralidade, o que

testemunha a sua existência num dado momento, e que pode adquirir formas

diversas, em função dos interesses que se fazem presentes no espaço urbano,

permanecendo enquanto centro, dado que é estático, e não dinâmico o quanto a

centralidade. Eis por que o centro é sempre suplantado por outros novos centros,

porque já não comporta em si a centralidade, a qual ganha, continuamente, novos

conteúdos e processos, requerendo novos “recipientes” ou formas, quais sejam, os

novos centros comerciais e de serviços.

Pelo exposto, identificamos, entre centro e centralidade, uma solidariedade

contínua, em que um comporta o outro; mas, igualmente, um par dialético, em que

um concorrencia ou nega o outro. Configura-se um processo como se a

centralidade, sempre efêmera, procurasse prescindir do centro, buscando novos

centros, que lhe deem nova razão de ser e/ou realizar-se. E assim, o acontecer da

descentralização.

Corrêa (2005, p. 2), contextualizando o processo de descentralização, nos

diz que foi

[...] após a Segunda Guerra Mundial que a Área Central começa, de forma mais efetiva, a perder importância. Este processo de perda, e simultaneamente de emergência de focos secundários de comércio, é um processo complexo, influenciado por vários fatores, entre eles, o tamanho da cidade, a localização excêntrica ou não da Área Central, o sítio e o plano da cidade, as funções urbanas e o nível de renda da população. A complexidade traduz-se em momentos iniciais distintos nos quais a cidade monocêntrica começa a se transformar (grifos nossos).

A apreensão do processo de descentralização feita pelo referido autor indica

já, ao nosso ver, uma forma mais atualizada de explicar a emergência de lugares

centrais – ou sub-centros comerciais, segundo as palavras do autor, “focos

secundários de comércio”.

A atualidade da apreensão em tela exige ir além do que propôs Christaller,

que buscou, para aquele momento, o tamanho, a distribuição e o número de lugares

59

centrais no sul da Alemanha. Observemos que entram em cena novos fatores, como

“funções urbanas” e “nível de renda da população”.

Assim, sendo o processo de descentralização da centralidade analisado

segundo uma abordagem espaço-temporal, não poderá prescindir de um adequado

estudo empírico, o qual se preocupará com o contexto urbano ao qual se refere, e o

período de tempo delimitado para a análise. Em nosso caso, a Cidade do Natal,

desde a década de 1980 à atualidade, por motivos que já expusemos anteriormente.

E apesar do processo de descentralização, “A Área Central, contudo, ainda

se mantém, de longe, como o principal foco de negócios da cidade” (CORRÊA 2005,

p. 2). Essa defesa encontra respaldo no pensamento de Reis (2005, p. 6-7), ao

afirmar que

[...] a despeito do processo de descentralização, o núcleo central da área central preserva sua supremacia na hierarquia de centros intra-urbanos, sendo a única área que oferece todo o espectro de bens e serviços na hierarquia dos centros intra-urbanos.

Concordamos com a postura dos dois autores, de que o centro de uma

cidade ou a área central não perde sua importância. E isto se faz por força dos

aspectos histórico e simbólico que a referida área central detém. Afinal, não há como

apagar a cultura construída pela sociedade num contexto de intensas trocas,

relações e sociabilidades, como é o ambiente urbano que se constrói e se projeta

em certa cidade.

Mas devemos ampliar a leitura sobre a centralidade urbana face aos

processos segundo os quais as transações de bens ocorrem. Se no diálogo com

Reis (2005), estamos entendendo o centro como o núcleo da área central de uma

cidade – aquela porção remanescente, histórica –, urge-nos propor uma discussão

sobre esta posição.

E assim, cumpre-nos questionar até que ponto a supremacia da área central

se mantém, diante das transações via Internet, o chamado e-commerce; e da

distribuição estratégica de lojas de serviços, shopping centers e hipermercados no

entorno de eixos viários e/ou das “vias expressas de circulação” – no dizer de

Gomes; Silva; Silva (2000) – que articulam diversos bairros de uma mesma cidade,

abrangendo até mesmo uma concentração metropolitana.

Considerando o caso de Natal e de tantas outras cidades, essas e outras

60

formas de comercialização desbancam a tese da supremacia da área central. Esta

supremacia perdura, sim, mas apenas no plano simbólico, segundo as

representações e significados que o centro histórico de certa cidade tem para os

seus citadinos.

Tal configuração empírica nos impele a reafirmar que a natureza da

centralidade urbana é diversa e também relativa. Isto é, a condição de ser central

atribuída a um dado centro perdura sempre em função de certa centralidade, a qual

é dinâmica, momentânea e efêmera, não importando a duração do lapso de tempo;

antes, os conteúdos, processos e formas que constituem determinado centro, em

sua capacidade de atrair-irradiar fluxos. Aí, sim, é que perdura a centralidade; e, por

sua vez, a condição de ser central de um dado centro. Isto nos encoraja a afirmar

que a centralidade é condição para que haja centro; enquanto que, de forma

solidária, o centro é, para a centralidade, estrutura, arcabouço sem o qual a

centralidade não tem como ancorar sua dinâmica.

Mas há que atentarmos também para aspectos como o histórico, o cultural e

o simbólico, os quais propiciam outras leituras de centralidade urbana, não à parte

daquela cujo foco é a distribuição de bens – a comercial –, antes, consorciada a ela.

E assim, descortina-se a possibilidade de uma “leitura” de centralidade não apenas

do ponto de vista comercial, da distribuição de bens nos lugares centrais, para além

do que propôs Christaller, sendo essa uma forma de aproximar o debate com novas

discussões acerca da temática centralidade.

Temos ainda que atentar para as expressões imateriais de centralidade que

se conformam ao longo do tempo (SPOSITO, 2013, Informação Verbal15), seja no

intervalo de um dia, um mês, um ano, ou em tantos outros lapsos de tempo. E

assim, “A centralidade é redefinida continuamente, inclusive em escalas temporais

de curto prazo, pelos fluxos que desenham através da circulação das pessoas, das

mercadorias, das informações, das idéias e dos valores” (SPOSITO, 2001, p. 238). A

autora ainda recomenda observarmos a dinâmica presente num shopping center,

por exemplo, quanto à diversificação de atividades que são programadas para

períodos distintos ao longo do dia, a correlação aos distintos grupos de pessoas que

frequentam essas atividades, e suas respectivas rendas. A dinâmica que preside os

índices de frequentação, nesse caso, é definida por fatores como faixa etária; grau

15 Seminário ministrado por Maria do Carmo Beltrão Sposito, em Natal, em setembro de 2013, por ocasião da disciplina Colóquios Temáticos.

61

de instrução; nível de renda e poder aquisitivo; e tipo de ocupação do público alvo.

O centro – ou os centros – de uma cidade, então, já não mais pode ser visto

apenas como “lugar central” da distribuição de bens, mesmo porque a cidade

contemporânea já não se presta tão somente à função de trocas de produtos,

configurando-se como aquele ponto de troca do excedente agrícola, como em seus

primórdios. Antes, é o lugar do encontro, da vivência, da sociabilidade, do lazer,

apesar de não deixar de ser ainda lugar da troca – do consumo, gerado até mesmo

por todos estes usos supracitados. Veremos mais adiante que outras “leituras” ou

nuances de centro e de centralidade irão surgindo à medida ampliarmos a

discussão.

E por falar das nuances que as temáticas de centro e centralidade podem

apresentar, vejamos que diante da sua complexidade, bem como da ampla leitura

que a mesma pode adquirir, um mesmo autor apresenta, em um mesmo texto,

posturas diferentes, até mesmo discordantes. Vejamos o que nos diz Reis (2005),

em seu trabalho intitulado “O Desdobramento do núcleo central de negócios e a

crise de significado da área central”, por ocasião do IX SIMPURB:

O sub-centro, como a mais expressiva materialização do processo de descentralização, oferece um conjunto de funções centrais mais limitado do que o núcleo central de negócios, constituindo, portanto, um centro hierarquicamente submetido ao núcleo central (p. 7, grifos nossos).

Em seguida, ao tratar do efeito do processo de descentralização, o mesmo

autor afirma que o

[...] efeito que a descentralização possui sobre a área central, é identificado através da constatação de que a policentralidade, resultante do referido processo, passa a ser caracterizada pela emergência de estruturas de comércio e serviços que desempenham um papel equivalente ou, mesmo, superior ao papel até então exclusivamente atribuído à área central na hierarquia dos centros urbanos (REIS, 2005, p. 8, grifos nossos).

Ao nosso ver, as supracitadas posições do autor são claramente

discordantes. E, segundo o que vimos discutindo até o momento acerca da relação

centro-descentralização, mesmo reafirmando a posição de supremacia do centro, o

referido autor termina por elevar a igual ou superior categoria os subcentros

62

comerciais ao tratar da policentralidade, em cuja temática se inserem as novas

centralidades.

E apesar de não ser nossa pretensão julgar um possível erro ou equívoco

teórico no caso em discussão, na verdade, é que a temática ainda é bastante tenra,

havendo assim uma situação de “nebulosidade conceitual”, e uma certa imprecisão.

Eis por que, reafirmamos, há que enveredarmos por um processo de ampliação da

discussão e aprofundamento desses conceitos, para então apreendermos a

diversidade da natureza da centralidade urbana, a qual termina por adquirir

configurações e/ou natureza diversa.

Entendemos, sim, que o centro não perde a sua importância apenas no que

concerne às suas representações históricas; à sua forma, muitas vezes, preservada;

e também à sua função, enquanto memória cultural de uma cidade. E tudo isso se

projeta num plano puramente abstrato e subjetivo.

Mas, de forma objetiva, ao pensarmos a cidade em sua função de dar vida e

movimento à sociedade nela presente, sendo igualmente construída por ela, por

meio das relações de produção de bens e do consumo desta sociedade, a função do

centro passa por uma condição de relatividade frente aos novos centros. Isto

porque são diversos os interesses presentes no contexto urbano, sendo igualmente

diversos os processos de produção e apropriação do espaço urbano, de acordo com

os diversos estratos sociais presentes neste espaço, e seus respectivos níveis de

renda. E assim, as novas centralidades passam a ganhar importância nesse novo

arranjo espacial urbano que se desenha na contemporaneidade.

Reafirmamos que o centro não perde o seu valor simbólico em função do

surgimento de novas centralidades, mesmo que estas disponham de uma estrutura

terciária mais sofisticada. Mesmo porque

O conceito de descentralização [...] designa um estágio posterior, historicamente, à centralização, enquanto realização da centralidade no espaço urbano. Seu significado para a estruturação do espaço urbano abarca uma enorme diversidade de aspectos. Em linhas gerais pode-se considerar seu efeito mais imediato como sendo o de tornar o espaço urbano mais complexo através da emergência de vários núcleos secundários de comércio e serviços, que distinguem-se, entre si, tanto no que diz respeito à forma quanto à função (REIS, 2005, p 15-16).

Como já dissemos, há uma estratificação de classes sociais presentes no

63

espaço urbano. Daí, os núcleos secundários aos quais o autor se refere adquirem

formas e funções diferenciadas, de acordo com o atendimento às demandas

diversas; ou, visto de outro ângulo, segundo os nichos de oportunidades de

reprodução do capital. Assim, a relatividade da importância do centro em relação às

novas centralidades se faz também pelo atendimento diverso que um e outro centro

oferece em relação às demandas dessas classes.

Reafirmando a nossa tese, podemos dizer que é na diversidade de estratos

da sociedade, dos jogos de interesse presentes nos processos de produção e de

apropriação do espaço urbano, de reprodução do capital e da sociedade, que se

configura o que assinalamos como diversidade da natureza da centralidade.

Com isso, podemos apreender a centralidade como um processo de

atração-irradiação de fluxos diversos, porque a natureza da centralidade é

constituída de uma gama de demandas a serem atendidas por parte da sociedade.

Enfim, resta-nos afirmar que a centralidade urbana contemporânea se nos apresenta

diversa em sua essência, dado que se insere num contexto urbano igualmente

diverso, e em processo contínuo, razão pela qual entendemos que a centralidade

urbana demanda sempre novas leituras, porque estará sempre em constante

processo de renovação, à baila do processo de produção-reprodução do espaço

urbano.

E assim, ao entendermos a centralidade como a capacidade que

determinado lugar – ou “Lugar Central”, no dizer de Christaller – tem em atrair-

irradiar fluxos, a diversidade da natureza da centralidade se faz em função dos

processos de produção-reprodução e consumo do espaço urbano por parte dos

igualmente diversos estratos sociais, e suas respectivas rendas, as quais incidirão

sua influência sobre o consumo, via de regra, razão precípua da centralidade

urbana.

A leitura de centralidade urbana que propomos, neste trabalho, desenvolve-

se por meio do que estabelecemos como seus três componentes interrelacionados,

quais sejam: conteúdos, processos e formas, sobre os quais discorreremos a seguir.

O primeiro componente que indicamos para que a centralidade urbana seja

apreendida em sua diversidade são os conteúdos, os quais podem ser

representados, essencialmente, pelos bens que são trocados, sejam eles materiais –

as mercadorias; ou imateriais – os serviços. Os conteúdos – principalmente, os

materiais – são, juntamente com a forma, a expressão visível da centralidade

64

urbana. Os conteúdos seduzem, atraem os consumidores, dão o colorido que o

centro precisa para evidenciar a face da sua centralidade. Mais uma vez,

reafirmamos: esse terceiro componente – os conteúdos – apontam que a

centralidade urbana é diversa em sua natureza.

Apontamos então como segundo componente da centralidade urbana os

processos que se desenvolvem em um centro, e podem ser assim elencados:

relações de compra e venda; pagamentos de contas; serviços de consertos; serviços

de higiene e beleza; serviços de alimentação; encontros cotidianos; manifestações

culturais e políticas; visitas turísticas e pedagógicas; serviços administrativos. Esses

processos, na verdade, congregam uma infinidade de tantos outros; fomentam

fluxos diversos, mobilizam trabalhadores, consumidores, visitantes, transeuntes,

enfim, cidadãos que dinamizam o centro, dando vida a este, concorrendo assim para

diversificar a natureza da centralidade urbana.

Como terceiro componente da centralidade urbana, as formas comerciais

são bastante diversas, conformando-se geralmente em: shopping centers; espaços

voltados para o lazer, associado àqueles voltados para a gastronomia e a

hospedagem; hipermercados, os quais vêm se desenvolvendo no espaço urbano de

Natal desde a década de 1980; corredores de tráfego, margeados por lojas, na

maioria das vezes, especializadas em certos produtos, os quais atendem às

demandas de um estrato social específico – um caso ilustrativo e recente, em Natal,

são as lojas de ambientação; ruas de comércio, algumas especializadas em

produtos de grifes; em outro polo, os centros de comercialização de produtos

voltados aos estratos de baixa renda – o chamado “comércio popular”. E assim, o

setor terciário segue, em certa medida, a estruturação destes novos tipos de espaço,

que são, na verdade, uma forma de estratificação do espaço urbano, ou melhor,

uma forma de fragmentação deste espaço, conforme as regras de jogo do mercado.

Mas sabemos que o centro não perdura apenas por sua forma, antes, por sua

função, sua centralidade, pelo que ele tem a oferecer, ou, mais precisamente, a

atrair-irradiar.

Após termos procedido a essa exposição da conformação de cada um dos

três componentes da centralidade urbana, reafirmamos que a mesma é constituída

de forma diversa em sua natureza, por suas formas, seus processos e seus

conteúdos.

Entendemos que é na estruturação destes três componentes da centralidade

65

urbana – conteúdos, processos e formas – que o capital encontra a sua

possibilidade de reprodução, promovendo assim a formação de novas centralidades,

as quais se caracterizam por ser de natureza comercial, expressas por meio de

shopping centers, hipermercados, atacarejos e outras formas comerciais amplas,

próprias da prática comercial do varejo moderno desenvolvido no Brasil, e

especialmente em Natal, a partir da década de 1980.

À medida que o centro urbano tradicional vai perdendo importância, novas

centralidades vão surgindo, atendendo às mais diversas demandas, e à baila dos

estratos dos níveis de renda que compõem a sociedade presente na cidade.

Sabemos que se evidenciam, entre dois pólos, o comércio de elite e o comércio

popular; mas sabemos, igualmente, que há uma gama de empreendimentos de

oferta de bens voltados para atender àquelas pessoas das faixas medianas de

renda.

Dentre estes, novos e seletivos espaços – aqueles voltados para os estratos

de mais alta renda – passam a configurar um novo arranjo, cabendo ao centro já

degradado atender às demandas da população de baixa renda, que reside na

periferia pobre da cidade. Isto porque permanecem no centro tradicional degradado

aqueles bens destinados a esse estrato da população, que em sua maioria, depende

do transporte coletivo para o seu deslocamento.

No tocante aos transportes, sabemos que acorre aos espaços seletivos a

parcela de população que faz o uso pessoal do automóvel, e tem deslocamento

próprio, condição que abrange um número cada vez maior de pessoas, face à

dinâmica do capital financeiro, com suas facilidades creditícias, facultando-lhes o

uso do automóvel, cada vez menos familiar e mais individualizado.

Essa condição do uso do automóvel fomenta, em Natal, a gênese de uma

forma de centralidade que se conforma ao longo das “vias expressas de circulação”

(GOMES; SILVA; SILVA, 2000), as quais apresentam uma diversidade de lojas de

alto padrão, postos de combustíveis, lojas de conveniência, panificadoras, clínicas

médicas, escolas privadas, farmácias, entre outros estabelecimentos. Pelos tipos de

lojas indicados pelos autores supracitados, depreendemos que a instalação das

mesmas se faz aproveitando a facilidade de tráfego facultado pela via, o que

viabiliza a formação de uma centralidade de natureza econômica sob a forma de

eixo.

E esta é uma das razões pelas quais se estruturam as novas centralidades,

66

as quais margeiam as principais artérias de tráfego dos centros urbanos, fugindo, na

medida do possível, dos congestionamentos de trânsito, sendo igualmente lugar de

passagem, ponto de ligação entre diversos centros urbanos de uma mesma área

metropolitana. Enquanto isso, o centro histórico permanece receptor dos fluxos de

transportes coletivos, recebendo a população de classe de renda inferior.

Assim, dada a heterogeneidade presente na estruturação do espaço urbano,

a correspondente heterogeneidade de faixas de renda da população, que de forma

diversa constrói este espaço, encontra seu respaldo na forma “democrática” como o

capital disponibiliza seus bens e serviços para o consumo por parte da população,

segundo as diversas funções desempenhadas pelas partes fragmentadas da cidade.

E é deste processo de formação de novas centralidades que se configura

um processo de descentralização. E assim, surgem

[...] novas áreas da cidade que passam a receber investimentos públicos e privados, o que possibilita o surgimento de novas centralidades, mais especializadas e seletivas. Esse processo de expansão da centralidade resultado do crescimento da então centralidade única e da sua impossibilidade, ao menos momentânea, de responder espacialmente e em tempo real às novas necessidades postas (ALVES, 2005, p. 3).

Entendemos que o processo de descentralização adquire um estágio mais

avançado diante da conformação de novas centralidades. E é aí que surge a “[...]

policentralidade, [que] derivada do referido processo é caracterizada pela

emergência de estruturas de comércio e serviços de importância equivalente ou,

mesmo, superior àquela tradicionalmente atribuída à área central no espaço urbano”

(REIS, 2005, p. 1). Donde então resulta a policentralidade, do desdobramento do

núcleo central da cidade, via processo de descentralização (REIS, 2005). E assim,

buscando a sua afirmação frente ao centro tradicional, “Nesse processo de

policentralidade, as centralidades ao mesmo tempo concorrem entre si e se

articulam no processo” (ALVES, 2005, p. 8).

E apesar de apresentarmos essa discussão teórica entre os autores

supracitados, não significa dizer que, em Natal, verifica-se tal configuração.

Preferimos concordar, antes, com Sposito (2010), que trata, além da

policentralidade, da multicentralidade. E essa é a conformação da centralidade

urbana que conseguimos indicar para a realidade natalense.

67

Mas, no debate acadêmico, este não é um consenso entre estudiosos da

temática centralidade, o fato de o processo de descentralização configurar-se em um

desdobramento do núcleo central. Há muita reflexão ainda a ser elabora neste

sentido.

No âmbito empírico, Sposito (1991), enquanto estudiosa da temática, aponta

a cidade de São Paulo como recorte espacial básico para “empiricizar” o

desdobramento do centro. Isso aparece como um consenso, face à diversidade de

estudos sobre centralidade que se debruçam sobre esta cidade, a qual é uma

referência neste sentido no Brasil, dada a sua centralidade – efetivamente – na

economia nacional, e até mundial. Já no âmbito teórico, o debate encontra suas

divergências.

Um vasto debate sobre a temática do policentrismo e/ou novas centralidades

nos é apresentado na tese de Reis (2007), sinalizando algumas divergências. O

referido autor expõe que Sposito (1991) e Cordeiro (1978) discordam em relação

aos conceitos de desdobramento e descentralização do centro. Esta última autora

não diferencia descentralização de desdobramento, como Sposito (1991). A autora

supracitada afirma que, no trabalho em tela, sob o título “O centro e as formas de

expressão da centralidade urbana”, tem por objetivo

[...] discutir novas expressões da centralidade urbana, que

aparentemente poderiam ser interpretadas como decorrentes de um processo de descentralização, mas que se constituem num reforço da centralidade, ao reproduzi-la, ao recriá-la, através de um processo de separação sócio espacial das funções comerciais, de serviços e

de gestão no interior da cidade (SPOSITO, 1991, p. 1, grifos nossos).

Claro está que a autora vê, no processo de descentralização, a formação de

‘novas centralidades’, por meio de uma ‘separação socioespacial’. Decorrente desta

última expressão urge-nos creditar a esta autora a ideia de policentrismo via

descentralização, expressa por uma separação, uma recriação da centralidade.

Enquanto que Cordeiro (1978) apresenta esta mesma temática, vendo o

desdobramento como “[...] uma forma de descentralização com transbordamento”

(CORDEIRO, 1978, p. 98), podendo definir como centro expandido, por ser

resultante de um transbordamento, diferente da expansão da área central sob a

forma de subcentros, como defende Sposito (1991).

No debate acadêmico, Reis (2007, p. 64) defende que “[...] se trata de um

68

‘tipo’ específico de descentralização, a saber, o desdobramento”, aproximando

ambos os termos, apresentando o desdobramento do centro como resultando da

sua descentralização. E acrescenta: “Ambos, a descentralização e o

desdobramento, e suas respectivas formas, o subcentro e o centro expandido, não

são, portanto, fenômenos excludentes entre si” (REIS, 2007, p. 64), mas há “[...]

complementaridade entre os processos de descentralização e de desdobramento

pela objetivação das formas que os referidos processos engendram,

respectivamente, a constituição de subcentros e do centro expandido” (REIS, 2007,

p. 64). E indica ser esta complementaridade vislumbrada no decorrer do tempo:

Aponta-se para a importância fundamental de se levar em conta a temporalidade que, no plano analítico da temática em tela, deve ser resguardada na devida articulação entre processos e formas, admitindo a possibilidade, bastante plausível, de se reconhecer o subcentro como o embrião do que pode, eventualmente, se constituir, no decorrer da história da cidade, um centro expandido

(REIS, 2007, p. 65, grifos nossos).

Vemos então, segundo o referido autor, que a expressão material do

processo de descentralização é o subcentro; enquanto que a do desdobramento é o

centro expandido. Segundo este pensamento, o processo de descentralização, que

se projeta na forma material de um subcentro, guarda entre o centro principal e os

novos centros – os subcentros – uma relação de dependência do segundo em

relação ao primeiro, face ao prefixo “sub”.

Mas eis que a literatura atinente à temática centralidade é recorrente em

definir os subcentros como estruturas de comércio e serviços, dotados de

importância ‘igual’ ou ‘superior’ à da área central de uma cidade.

Já o processo de desdobramento é representado em sua forma material pelo

centro expandido, que segundo o pensamento de Reis (2007) é resultante da

intensificação da descentralização, conforme esse autor explica:

Indica-se aqui a possibilidade de considerar que o desdobramento do centro verifica-se quando, por uma série de fatores, se desenvolve uma intensificação do processo de descentralização, que passa a incidir de maneira acentuada sobre um determinado setor da cidade que abarca um subcentro; o efeito desta intensificação é o rompimento deste padrão de localização (o subcentro) manifestado no transbordamento das funções de comércio e serviços para além dos limites do que até então constituía o subcentro, com uma intensidade tal que a área comercial

69

decorrente desse transbordamento [...] que constitui a forma característica de um Centro Expandido (REIS, 2007, p. 65, grifos nossos).

Em suma, podemos inferir, a partir das posições ora divergentes, ora

convergentes até então expostas, que o processo de descentralização presente no

espaço urbano contemporâneo ainda está em curso, e o referido processo ainda não

se esgotou nem no âmbito empírico nem no teórico, como defendem diversos

estudiosos da temática.

Igualmente, julgamos que tal processo de descentralização não se

cristalizará, passando a ganhar uma forma definitiva, visto que o centro – ou os

centros – comporta a centralidade, cuja dinâmica é inerente ao contexto urbano

capitalista, e está em permanente mudança. Logo, o curso do processo de

descentralização do centro urbano, que leva consigo a gênese de novas

centralidades, pela própria condição do contexto urbano capitalista, caminha sempre

à jusante do curso do processo de acumulação capitalista, razão da sua existência.

Eis por que a descentralização e a formação de novas centralidades serão sempre

dois processos perenes, uma vez que se inserem e são contributos ao processo de

reprodução do capital.

Entendemos, assim, ser inevitável e imperativo concordar com Reis (2007),

haja vista a temática centralidade demandar uma contínua e renovada leitura,

decorrente da sua natureza diversa, por ser ela resultante da dinâmica capitalista

própria espaço urbano. Eis por que defendemos que há uma diversificação da

natureza da centralidade urbana, por seus sempre novos conteúdos, processos e

formas, demandando sempre novas abordagens.

Ao enveredarmos pelo âmbito teórico, na tentativa de elucidar as

divergências sobre “descentralização” e “desdobramento” do centro, anteriormente

apontadas, e indicar de forma mais precisa nossa postura, voltamo-nos ao

significado de ambos os termos, tendo por base a consulta a diversos dicionários da

língua portuguesa. Iniciemos então a comparação do significado de ambos os

termos. Descentralizar significa “afastar do centro”, “separar”, “dar autonomia a”;

enquanto que desdobrar traz como significado “estender”, “expandir”, “tornar mais

complexo”.

Optamos então por aproximar o nosso pensamento ao de Cordeiro (1978) e

ao de Reis (2007), os quais apontam o desdobramento do centro como derivado da

70

intensificação do processo de descentralização. Logo, ambos os processos não são

idênticos entre si, não têm o mesmo significado; e, mesmo sendo diferentes, não

são estanques, mas simultâneos, um sendo decorrente, sendo o aprofundamento do

outro, porque, como já apontamos, os subcentros são estruturas “iguais” ou

“superiores” – com assim já foram referidas – ao centro principal, ficando então esta

equivalência muito mais a cargo de uma averiguação empírica, pela verificação da

intensidade da centralidade, a partir de uma metodologia definida para determinado

recorte espacial, do que por meio de uma formulação teórica, a qual seria aplicada a

todo e qualquer realidade.

Retomando ainda o debate, a propósito do conceito de descentralização,

entendemos que este é um “[...] processo que promove a emergência de sub-

centros comerciais submetidos à supremacia da área central” (REIS, 2005, p. 16),

estando esta diretamente relacionada com o desdobramento do núcleo central,

processo este considerado “[...] uma manifestação da intensificação do processo de

descentralização no espaço urbano, que promove a emergência de estruturas de

comércio e serviços de porte equivalente ou superior à área central” (REIS, 2005, p.

16). São assim as novas centralidades, detentoras de “[...] uma economia de

aglomeração que passa a atrair as funções que tradicionalmente eram exclusividade

do núcleo central de negócios” (REIS, 2005, p. 12).

Como resultante desse processo, “[...] o desdobramento do núcleo central de

negócios pode ser apreendido, conceitualmente, como uma entidade que possui um

significado equivalente ao new downtown [novo centro] numa estrutura de cidade

policêntrica” (REIS, 2005, p. 13, grifos do autor).

E assim, a policentralidade, formada por meio do processo de

descentralização, e a correspondente formação de novas centralidades pode ser

apresentada em sua gênese e caracterizada da seguinte maneira:

Na cidade policêntrica, a policenralidade, derivada do processo de descentralização, é marcada pela emergência de estruturas de comércio e serviços que possuem um significado equivalente ou superior à área central na hierarquia de centros intra-urbanos (REIS, 2005, p. 28).

Por fim, acerca do debate acadêmico sobre desdobramento e/ou

descentralização do centro de uma cidade, se não há um consenso, muito ainda há

o que ser discutido e investigado, enveredando segundo uma relação teoria-empiria,

71

pela qual a primeira serve de aporte para compreender e explicar a segunda.

Enquanto que no âmbito empírico, as manifestações destas formulações

teóricas apresentam a mesma temporalidade, pois “[...] a descentralização se

manifesta a partir do último quartel do século XX, com importante repercussão sobre

o significado da área central na organização interna da cidade” (REIS, 2005, p. 1).

E assim, ao examinarmos o pensamento de Corrêa (2005), vemos que

A temporalidade do processo de descentralização é ampla e ainda não se esgotou plenamente. Nem a força da Área Central, cuja temporalidade estende-se, sob novas configurações, ao início do século XXI. Permanências e mudanças compõem o quadro econômico, político e cultural da Área Central (p. 2).

Alves (2005), ao apresentar o trabalho “As centralidade da cidade de São

Paulo”, por ocasião do IX Simpósio Nacional de Geografia Urbana, em 2005, trata

do processo de criação de novas centralidades, e nos diz que

Esse processo de valorização-desvalorização de partes da cidade e, em particular, de centralidades existentes na cidade, é fundamental ao processo de reprodução do capital, que, em escala mundial, tem hoje o espaço como elemento fundamental para sua reprodução (p. 2).

Ainda sobre o processo de descentralização, reafirmarmos a tendência ao

multipolicentrismo que os centros urbanos têm apresentado nas últimas décadas,

quando não mais é possível estabelecer apenas um centro, mas centralidades de

natureza diversa, detentoras de uma dinâmica própria, dotadas de conteúdos,

processos e formas igualmente diversos, porque próprios da dinâmica do contexto

urbano capitalista contemporâneo. A respeito da constituição da natureza da

centralidade urbana em sua diversidade, por estes conteúdos, processos e formas

diversos é que iremos discorrer a seguir.

Compreendemos que conteúdos, processos e formas se configuram como

componentes que estabelecem relação solidária na conformação da centralidade

urbana. E neste sentido, cada um desses componentes assume funções ao mesmo

tempo distintas e complementares.

Assim, os conteúdos da centralidade urbana, vista segundo a dimensão

econômica, que é nosso enfoque principal, consistem na gama de bens e serviços

que estão postos às trocas, se concordamos com Pintaudi (2015) de que as “As

72

cidades são essencialmente comerciais”, ou com Fernandes (2014), de que “As

cidades são lugares de trocas”. O conteúdo, segundo a dimensão econômica da

centralidade urbana, é então decisivo para a expressão da sua natureza.

Entendemos, concordando com as últimas afirmações dos autores citados,

que o conteúdo da centralidade é decisivo para a expressão da sua natureza, por se

configurar no que a constitui, sendo a razão da atratividade de atividades para

determinado centro. Isto consiste em dizer que determinada parcela da população

de uma cidade que acorre a determinado centro pelo que ele tem o oferecer, em

suma, pelo seu conteúdo.

Podemos acrescentar ainda que outros componentes concorrem para que

determinados bens e serviços gerem centralidade. São fatores como preço: crédito,

marcas, demanda por bens e serviços, divulgação, entre outros. E assim, seguindo

seus conteúdos e fatores influentes para a geração de centralidade, teremos

diversos gradientes de centralidade, segundo os estratos de renda da sociedade,

variando entre aquelas de caráter popular a elitista.

Enquanto que os processos desencadeados em função da centralidade

figuram como “motor” da mesma. São os processos que dão vida à centralidade,

que a põem em movimento. E são, essencialmente, os processos de compra e

venda de bens e serviços, numa palavra, trocas. Entendemos que os processos

unem o conteúdo e a forma, por viabilizarem o acontecer da centralidade.

Identificamos, além do processo de trocas, outros processos presentes na

centralidade, como: os encontros próprios das trocas, os quais se estabelecem entre

os pares que estão em relação no sentido da compra e venda de bens e serviços; os

encontros de trabalho, os quais há que serem considerados, haja vista serem o

suporte ao processo de compra e venda; as operações de crédito; a divulgação;

aqueles ligados ao controle do Estado, como as regulamentações comerciais e de

uso do espaço urbano; os de manutenção da ordem pública; os de conservação,

entre outros.

Por fim, as formas, as quais são expressas principalmente pelas estruturas

comerciais, são um terceiro elemento da centralidade urbana, interrelacionadas

entre os conteúdos e os processos. São as formas que abrigam tanto os conteúdos

quanto os processos. Nelas, estão dispostos os bens e serviços que são postos às

trocas comerciais; nelas, desencadeiam-se os processos que dão vida e movimento

à centralidade.

73

Vemos que as formas comerciais também têm seu peso para a gênese e

manutenção de uma centralidade urbana, dado o seu caráter de chamariz, o qual

atrai o consumidor pelo olhar, seduzindo-o ao processo de troca, essencialmente,

pela aparência ou design. Reside aí o processo de renovação das fachadas das

lojas, apresentando sempre mais um apelo ao consumo, seduzindo por um jogo de

cores e informações diversas; os processos de reformas também internas de

espaços comerciais, colocando os produtos cada vez mais próximos à ação tátil do

consumidor, em nome do autosserviço e da liberdade da experiência; reformas

também em nome do conforto, da segurança e do bem estar do consumidor; e

ainda, mudanças no layout geral das lojas, dando às mesmas um tom de elegância

e ostentação do belo, quiçá, uma sutileza em prol da autoafirmação, face aos

clientes e à concorrência.

Em suma, temos que conteúdos, processos e formas se arranjam,

concorrendo para a diversidade da natureza da centralidade; e em função dela, de

forma solidária, cujas implicações mútuas concorrem desde a sua gênese até a sua

inevitável e necessária decadência ou superação, dado o caráter sempre renovador

e efêmero da capital, quando então uma nova centralidade já estará sendo gerada,

seja naquele ou em um novo centro, no qual a gênese de uma nova centralidade já

se conforma. Esse é um processo sempre dinâmico, o qual pretendemos examinar

sua evolução na Cidade do Natal.

74

2 A CENTRALIDADE EM NATAL E SUA DINÂMICA

A preocupação aqui é apresentar a produção do espaço urbano de Natal em

função da centralidade urbana, desde a gênese do que denominamos de Núcleo do

Centro histórico de Natal, indicando os seus núcleos urbanos constituintes. Ao

desenvolver essa discussão, apresentamos o desenvolvimento de cada um desses

núcleos, quais sejam: a Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim, em sua função comercial,

principalmente. Ao propor esse conjunto de bairros como Núcleo do Centro Histórico

de Natal, dialogamos com o que foi estabelecido como “Centro Histórico de Natal”,

pelo Instituto o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Na segunda subseção, ao tratar dos eventos e processos geradores de

centralidades urbanas em Natal, voltamos a atenção para a formação de novas

centralidades, aquelas afeitas à expansão do varejo moderno no território natalense,

e à estruturação das atividades turísticas. Apontamos ainda a formação de novas

áreas nas quais as centralidades urbanas vêm se estruturando, seja em forma de

áreas, seja em forma de eixos, o que resultou na elaboração do que denominamos

de Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT).

2.1 Evoluções urbanas em Natal e seus respectivos centros

A Cidade do Natal nasceu sob o signo da colonização do Brasil. E a cidade,

como sabemos, define-se como lugar de encontro, de trocas; lugar do exercício da

cidadania e da gestão do território, entre outras funções.

Sobre a demarcação inicial da cidade, Cascudo (1999, p. 143) indica os

limites da urbe natalense

A demarcação inicial e sumária seria a chantação de duas cruzes, marcando o sítio da futura cidade, os limites sagrados da urbe. As cruzes foram fincadas nos aclives da colina. A cruz do norte ficou perto do square Pedro Velho, e a rua que levava à Ribeira, [a qual], Em março de 1896 passou a ser o que está sendo, rua Junqueira Aires. A cruz do sul estava perto do [...] rio do Baldo, sendo

festejada religiosamente como sendo a Santa Cruz da Bica, transportada para a pracinha atual (grifos em negrito: nossos; grifos em itálico: do autor).

Tal configuração inicial pode ser elucidada a seguir (Mapa 02).

75

Mapa 02 – Demarcação inicial de Natal

FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: PEREIRA, 2015;

Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7

76

Ao resgatarmos algumas informações contidas na citação anterior de

Cascudo (1999), iniciamos por identificar um quê de “sagrado” no tratamento e/ou

gestão do espaço urbano, pela referência feita às cruzes, como símbolos válidos na

demarcação do território. Isto porque, quando da fundação de Natal – 1599 – ainda

não havia ocorrido a passagem da “cidade de Deus à cidade dos homens”, como

assim denomina Teixeira (2009) ao processo de secularização do espaço urbano no

RN. Em seguida, reforçamos que a então demarcação do sítio urbano de Natal

corresponde, na atualidade, ao trecho entre o Viaduto do Baldo e a Praça 7 de

Setembro.

O sítio urbano inicial da formação de Natal é descrito por Cascudo (1999, p.

51-52) para indicar a demarcação seus limites:

O chão elevado e firme à margem direita do rio que os portugueses chamavam Rio Grande e os potiguares Potengi compreende o pequeno platô da colina que sobe pela rua Junqueira Aires e desce pela avenida Rio Branco até o Baldo, praça Carlos Gomes. A

demarcação foi feita com os cruzeiros da posse, tão comuns (grifos nossos).

Os grifos da citação indicam os limites de Natal à época da sua fundação,

em 1599, e ainda podem ser identificados no bairro Cidade Alta, no qual a cidade se

originou. Foi “A lei Provincial nº 118, de 9 de novembro de 1844, [que] fixou os

limites urbanos de Natal” (TEIXEIRA, 2009, p. 498). Na atualidade, o trecho

compreendido entre a Avenida Junqueira Aires, o Viaduto do Baldo e a Avenida Rio

Branco, referido anteriormente, comporta uma parte do que é considerado “Centro

da Cidade”. Centro esse que tem passado por mudanças significativas na forma de

uso e ocupação do solo por parte do comércio e dos serviços, enquanto atividades

expressivas na produção do espaço urbano, e mesmo assim, essa parte histórica da

cidade guarda a sua condição de ser central.

Como as cidades formadas no período colonial tinham sempre uma igreja

católica como um dos elementos indicadores do seu centro, juntamente com uma

praça, em Natal, a conformação destes dois, e outros elementos do espaço urbano

foi a seguinte:

Onde ficou a Catedral [antiga catedral, atual Matriz de Nossa

Senhora da Apresentação] construiu-se a capelinha, velocidade inicial. Presidia a praça, ruas, a cidade. [...] Foi a primeira rua. Teve

77

nome pomposo. Rua Grande. Praça André d’Albuquerque depois de ser praça da Matriz. Erguia-se a cadeia, com o Senado da Câmara no andar superior, desde 1722. Havia ali o sobrado do Governo, depois da cadeia, em lugar inidentificável (CASCUDO,

1999, p. 143).

A “capelinha” a respeito da qual expõe o trecho citado, com a estruturação

do poder religioso católico no RN tornando-se Arquidiocese de Natal, passou a ser

chamada Catedral Metropolitana de Natal (Figura 01), na Praça André de

Albuquerque (Figura 02) – assim denominada ainda hoje, que abriga o marco zero

da Cidade do Natal, representado pelo obelisco de fundação cidade; a cadeia; o

Senado da Câmara; o sobrado do Governo. Estes eram elementos urbanos – alguns

dos quais não mais identificáveis na paisagem natalense – indispensáveis à gestão

do território ora em formação. Tais elementos são formas criadas pelo ser humano,

as quais comportam funções e processos que medeiam suas relações cotidianas de

exercício do poder. Deste modo, desde a fundação da cidade, até então, é nesse

espaço que vem se estruturando o poder, tanto em nível estadual quanto em nível

municipal, por comportar diversas instituições dessas instâncias ainda hoje. A antiga

Catedral Metropolitana de Natal e o obelisco de fundação da cidade são dois desses

elementos ainda bem visíveis e contemplados na paisagem natalense.

Figura 01 – Antiga Catedral de Natal com o obelisco da fundação de Natal

FONTE: NATAL..., 2006

78

Figura 02 – Praça André de Albuquerque

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

Mas alguns estudos, a exemplo de “A história da cidade do Natal”, do

folclorista e historiador Câmara Cascudo, sobre o início do processo da formação da

Cidade do Natal são, ao nosso ver, excessivamente críticos, ao afirmarem que Natal

não era verdadeiramente cidade: “Os trinta e quatro anos de cidade, 1599-1633,

foram lentos, difíceis, paupérrimos. Interessava ao Rei o forte [Forte dos Reis

Magos], a situação estratégica, o ponto militar de defensão territorial. [...] Cidade

apenas no nome” (CASCUDO, 1999, p. 58, grifos nossos). Vemos que o autor

citado, ao se referir a um curto período de tempo, pouco mais de três décadas do

início da formação da cidade, lança um olhar negativo acerca do desenvolvimento

urbano de Natal. E apesar de aparentemente culpabilizar o colonizador, de que só

estaria interessado na condição estratégica do sítio de Natal, termina por negar a

sua condição de cidade, a qual estaria indicada apenas em seu nome.

Mas esse mesmo autor, de forma aparentemente contraditória ao

pessimismo anteriormente exposto, ao falar dos diversos nomes que a cidade teve

para chegar ao atual, refere-se à mesma de forma um tanto poética: “A Cidade

guardou o nome mais bonito e fácil, Natal. Cidade do Natal” (CASCUDO, 1999, p.

54, grifos nossos). Apesar da aparente contradição na defesa do autor de ser Natal

cidade ou não, seja no nome, seja na função e na forma urbanas, tal postura aponta

79

para um diálogo com o pensamento de Teixeira (2009), ao defender que Natal não

passara pelas etapas de freguesia, povoação e vila, anteriores à formação dos

núcleos urbanos no Brasil enquanto cidades, etapas essa próprias do período da

colonização.

Por já ter nascido como cidade, não passando antes pelas etapas de

freguesia, povoação e vila, conforme indica Teixeira (2009), Natal instiga

observações acerca do seu desempenho ou da sua legitimidade enquanto cidade:

“Quinze dias depois de fundada ainda estava deserta. [...] D. Diogo de Meneses [...]

escreveu ‘a povoação que está feita não tem gente’ ”(CASCUDO, 1999, p. 52, grifos

do autor).

Após quase quinze anos de sua fundação, “Em fevereiro de 1614, Natal

possuía...doze casas” (CASCUDO, 1999, p. 52), aparece mais uma vez uma análise

que clama por um efetivo desenvolvimento urbano: “Com quinze anos de vida, a

Cidade do Natal do Rio Grande tinha mais nome que número de moradas”

(CASCUDO, 1999, p. 52). Isto porque, comparando matematicamente o nome

“Cidade do Natal”, com treze letras, às doze casas que a cidade possuía, quinze

anos após sua fundação, apresentava-se, segundo o pensamento do autor, inferior à

quantidade de letras do seu nome. Entre metáfora e discrepância, o esforço de

Cascudo (1999) revela um discurso corrente, que consiste em afirmar que Natal

nasceu cidade sem sê-la, se julgada segundo as etapas elencadas por Teixeira

(2009) para a formação de uma cidade no contexto da colonização brasileira, as

quais eram: freguesia, povoação, vila e, por fim, cidade.

Essa exposição objetivou explicitar o processo de formação do espaço

urbano natalense, por ocasião de sua fundação, tomando como referência o

desenvolvimento das suas atividades econômicas. Nesse sentido, dialogaremos a

princípio com dois autores, quais sejam: Cascudo (1999) e Teixeira (2009). O

primeiro, considerado importante por sua contribuição à cultura e à história local;

enquanto que o segundo, muito mais focado na formação do fato urbano no RN,

investigando o transcurso da transformação do espaço “sagrado”, sob o domínio da

Igreja Católica, em espaço “secular”, quando esse domínio passou para o Estado

republicano. Essa contribuição advém de sua obra intitulada “Da cidade de Deus à

cidade dos homens”.

Foi desse espaço embrionário que Natal se fez cidade. A princípio, a sua

evolução urbana se fez em consonância ao cotidiano da sociedade, como é próprio

80

do espaço urbano, produzido e apropriado por esta mesma sociedade. Essa

condição embrionária de cidade fortalece a defesa de que “Natal nasceu cidade sem

sê-la”. Isto porque o conhecimento acerca desse cotidiano natalense aponta para a

vida simples dos seus moradores, que era marcado por atividades muito mais

agropastoris que comerciais ou de serviços, o que seria próprio de um espaço rural,

e não citadino.

É em busca da evolução urbana de Natal, da gênese do seu centro histórico,

e da formação de novos centros, gerando novas centralidades, é que enveredamos

agora por uma exposição sobre as atividades econômicas que concorreram para a

produção do espaço urbano natalense.

Cascudo (1999, p. 58) nos apresenta uma descrição da forma urbana e do

cotidiano de Natal, permeados de práticas asseguradoras da sobrevivência dos

moradores de então:

Uma capelinha de taipa forrada de palhas e os moradores viviam espalhados nos sítios ao redor, plantando roças, caçando, colhendo frutos nos tabuleiros, pouca criação de gado que se

desenvolveria vertiginosamente a ponto de ter 20.000 cabeças em 1633, e as pescarias de anzol, rede e curral. Havia o sal, colhido nas marinhas do outro lado do rio, Igapó, Aldeia Velha, antigas malocas dos potiguares. O peixe salgado e seco foi um dos produtos mais rapidamente divulgados, com mercados abundantes e fáceis (grifos nossos).

Retomando as palavras de Cascudo (1999), identificamos produtos oriundos

do setor agropastoril, da pesca e da coleta. Tal descrição nos aponta um cotidiano

marcado pelo trabalho de subsistência familiar, exceto o último produto anunciado, o

“peixe seco e salgado”, o qual era vendido, o que nos indica uma primeira

manifestação da prática do comércio na cidade. E sabemos igualmente que além do

peixe, o sal também era comercializado.

Dando continuidade a essa descrição do cotidiano do natalense, marcado

pela atividade de subsistência, Cascudo (1999, p. 87) nos diz que

A sociedade natalense no século XVII era a sociedade portuguesa rural. O pai-de-família governava com direito de alta e baixa justiça. A mulher dirigia a casa. As moças dormiam nas camarinhas e eram analfabetas para que não escrevessem aos futuros namorados. Os escravos carregavam água do Baldo, lenha dos morros e frutos dos tabuleiros. Mantinham as roças de mandioca, feijão, jerimum, milho, inhame, cará e pescavam, de anzol, covo, jequi e despescavam os

81

currais em certas épocas, especialmente na Quaresma (grifos do

autor).

A partir do conteúdo da citação, podemos compreender a afirmação corrente

de que Natal, quando fundada, não era considerada ainda cidade. Isto porque o seu

cotidiano era marcado por atividades que não se coadunavam a uma cidade, cujo

conceito é, nas palavras de Pintaudi (2015), essencialmente, lugar do comércio;

enquanto que, nas palavras de Fernandes (2014), lugar de trocas. Comércio e trocas

existiam, sim, em Natal, mas não formavam ainda o foco das suas atividades

econômicas, as quais se aproximavam muito mais da subsistência familiar.

Assim sendo, podemos afirmar que o cotidiano que se reproduzia em Natal

era muito pouco urbano. É o que nos confirma, em sua obra, o trecho escrito por

Cascudo (1999, p. 87), de que

Quase todos possuíam sítios próximos, num raio de quinze quilômetros, criando cabras, porcos, ovelhas e gados. Porcos e galinhas eram também urbanos, andando pelas ruas, fossando uns

e beliscando outros os monturos nos quintais sem muros, raramente defendidos pelas cercas de faxina, coroadas de cascas de ovos e enfeitadas de melões de São Caetano, maracujás e chuchus (grifos nossos).

As formas então descritas, supostamente urbanas, presentes na Cidade do

Natal eram muito mais afeitas a um ambiente tipicamente rural. Até mesmo Cascudo

(1999) indica um quê de ironia ao dizer, conforme grifos nossos na citação, que

alguns animais eram “urbanos”.

Eis que esse ambiente pouco urbano começou a mudar, conforme relata

Cascudo (1999, p. 87-88, grifos do autor):

As transformações vieram lentamente, com a navegação direta, na influência francesa do chapéu alto, do casaco de talho mais apertado. Natal, cidade pobre, não tinha exigências. A obrigação da roupa bonita era dominical, para ver a Deus, para assistir às festas religiosas, Natal, com excelência, ou participar das alegrias oficiais e públicas decretadas por El-Rei [...].

Tais mudanças se iniciaram a partir do que conhecemos como Período

Pombalino ou Era de Pombal, entre 1750 a 1777. Foi quando Dom José I nomeou

para primeiro-ministro português Sebastião José de Carvalho e Melo – o Marquês de

82

Pombal. A preocupação da administração de Pombal era reerguer Portugal da

decadência, e reduzir o hiato do seu desenvolvimento em relação às demais

potências europeias. Pombal promoveu então uma reforma administrativa na relação

colônia-metrópole (VAINFAS, 2008; FAUSTO, 2012).

O pensamento de Teixeira (2009, p. 445) também aponta para essas

mudanças, ao ressaltar o que presidia a transformação em curso:

Desde a era de Pombal, constatamos que os centros urbanos

exerciam funções que se distanciavam progressivamente da influência dos aspectos religiosos, ou pelo menos era o que expressavam determinadas intenções particularmente visíveis nas elites imbuídas do pensamento iluminista (grifos nossos).

A exemplo de Cascudo (1999), Teixeira (2009) também faz referência às

transformações por que passava o espaço natalense, as quais eram decorrentes da

Era de Pombal. O autor supracitado vai além: estabelece relação dessas mudanças

com o Iluminismo (1650 a 1700), mostrando, inclusive, a passagem de um espaço

urbano, influenciado pelo domínio do pensamento sagrado, a uma administração

secular, aberta à Era das Luzes ou da Razão, como ficou conhecido o Iluminismo. A

repercussão dessas mudanças junto à sociedade natalense veio se manifestar,

certamente, sobre o modo de vida em sociedade, o seu cotidiano.

Sendo uma cidade com pouca ou nenhuma atividade econômica, seja de

cunho industrial, comercial ou de serviços, em Natal, a “Ausência de mercado

determinava as reservas na despensa e a indústria caseira do aproveitamento de

fruta, do leite e das mantas de carne” (CASCUDO, 1999, p. 88, grifo do autor); e “Até

o século XVIII quem tinha dinheiro possuía reservas alimentícias em casa”

(CASCUDO, 1999, p. 157). Essas informações nos indicam a escassez da prática da

atividade comercial entre os habitantes de Natal, à época, bem como a inexistência

de mercado, enquanto forma física para comercialização de bens e serviços.

Em função da inexpressiva presença das trocas comerciais no espaço

urbano de Natal, seja em função do abastecimento das demandas da sociedade,

seja em função da sobrevivência desta mesma sociedade, como atividade

econômica, depreendemos que vigoravam as atividades de subsistência, como

aponta Cascudo (1999), mesmo num ambiente supostamente urbano, que deveria

expressar-se sob a forma de uma cidade. Eis por que a defesa do referido autor de

que “Natal nasceu cidade sem sê-la”, em parte, pode ser considerada pertinente,

83

dado que o urbano era materialmente inexpressivo.

Sobre a ausência da forma física do mercado na cidade do Natal Cascudo

(1999) é mais enfático ainda: “Ninguém vai perder tempo perguntando a história dos

mercados públicos da cidade. Que lembrasse, mesmo vagamente um mercado,

nada tivemos até meados do século XIX” (p. 157). Já quanto à função comercial que

a cidade passou a apresentar, Teixeira (2009, p. 438) precisa que “A atividade

comercial das aglomerações é uma tendência que se desenvolve e se estabelece

definitivamente entre 1822 a 1889. Natal, em particular, integra a função comercial

ao mesmo tempo em que mantém antigas funções”. E assim, a partir deste período,

a Cidade do Natal adquiriu também função comercial em seu espaço urbano.

A expressão da atividade comercial vem à tona com mais ênfase, tendo por

base a informação de Cascudo (1999, p. 157), de que, pela ausência de um

mercado público, “Carnes, aves, frutas, raízes, eram vendidas debaixo das árvores

frondosas da praça da Alegria, rua Grande e noutros pontos. A Câmara Municipal

denominava esses locais de mercados [...]” (grifo do autor). Como veremos adiante,

a municipalidade à frente do poder de então não se interessava por investir na

construção de um mercado público.

Entendemos que a ausência de um mercado público não se configurava

uma lacuna ou falha na estruturação do espaço urbano de Natal. Antes, uma forma

como a sociedade se coadunava ao incipiente mercado de trocas. Isto porque, como

informa Cascudo (1999, p. 157), “O consumo de frutas e verduras não era grande.

[...] O regime era essencialmente carnívoro, carnes assadas e cozidas e o pescado,

abundante, no rio e no mar, especialmente apanhado em currais”.

E na clara ausência de uma estrutura física de mercado e da falta de

interesse por parte da municipalidade em providenciar um mercado público no qual

os produtos a serem consumidos pela sociedade fossem disponibilizados,

A iniciativa privada corrigiu a falta de mercado. Joaquim Inácio Pereira, em agosto de 1839, dizendo-se ‘excitado pelo amor do aumento e progressivo engrandecimento desta Capital’ dirigiu-se à Câmara Municipal oferecendo ‘para aliviar o ônus pecuniário imposto às pessoas que para a extração dos seus gêneros procuram a Casa do Mercado e Açougue Público deste Município, uma parte do edifício de sua propriedade que está acabando de construir na rua da Conceição, para Mercado e Talho Público, independente de estipêndio algum do Cofre Municipal ou dos povos e ainda se obrigava a fornecer balanças de capacidade, pesos aferidos, e mais arranjos necessários aos misteres para que se destina a parte da

84

casa’ (CASCUDO, 1999, p. 157-158, grifos em negrito: nossos; grifos

em itálico: do autor).

Como nos indica a citação, a Cidade do Natal já se encontrava no século

XIX, e ainda sem um mercado, um dos principais elementos indicadores da função

essencial de uma cidade, que é a de comercialização (PINTAUDI, 2015) ou de

trocas (FERNANDES, 2014). Ademais, a presença do mercado facultaria não só a

troca, mas também fomentaria já a formação de um mercado de trabalho, bem como

o encontro entre os citadinos, contribuindo assim no desenvolvimento da urbe

natalense.

Ao que nos parece, essa carência de um mercado público era uma condição

incômoda a certo estrato social da época, formado pelos comerciantes, mesmo que

individualizados em seus negócios, já que partiu da iniciativa privada superar tal

condição da ausência de mercado em Natal.

Sobre o processo de concessão da estrutura do mercado por parte da

iniciativa privada, Cascudo (1999) relata que, um ano após ter sido feita a oferta, “A

Câmara Municipal, em sessão ordinária de 18 de agosto de 1840, aceitou o

oferecimento, mas que todos os concorrentes pagariam o imposto previsto no

orçamento [...]” (CASCUDO, 1999, p. 158, grifos nossos). Aceitando a oferta, sem

abrir mão dos impostos devidos por parte dos comerciantes, a municipalidade estava

demonstrando, ao mesmo tempo, desinteresse em prover a cidade de um mercado

público, e pouca vontade em firmar parceria com a iniciativa privada. Insatisfeito,

“Joaquim Inácio escreveu um ofício [...] e tornou sem efeito o seu gesto”

(CASCUDO, 1999, p. 158), permanecendo assim a cidade sem nenhum mercado no

qual pudesse dispor seus bens à troca.

Mas a iniciativa privada continuou a perseguir seu interesse por um

mercado. Assim,

Vencido pela imponência da Câmara Municipal, Joaquim Inácio peticionou à Assembléia Provincial16 [...]. E declara que ‘é geralmente sabido que não há nesta Capital uma Casa do Mercado Público onde se encontre a necessária comodidade, segurança e asseio’. Reavivava o oferecimento e pedia a dispensa dos impostos

para os negociantes que expusessem gênero do país nessa nova e futura instalação, gratuita e habilmente proveitosa por fixar o comércio derredor do seu estabelecimento. A Assembléia

16

Correlata à atual Assembleia Legislativa do RN.

85

Provincial aceitou tudo (CASCUDO, 1999, p. 158, grifos em

negrito: nossos; grifos em itálico: do autor).

Esta é a primeira expressão material de mercado público na Cidade do

Natal: uma casa particular, cujo proprietário, comerciante, colocou à disposição do

poder público para que a sociedade natalense pudesse utilizar como mercado. Esse

mercado era localizado na Rua da Conceição, onde atualmente se localiza da Praça

7 de Setembro, no bairro Cidade Alta (CASCUDO, 1999).

A respeito dessa casa particular que servira como mercado público, Teixeira

(2009, p. 442) reforça: “Em Natal, uma casa funcionava como mercado situado na

rua da Conceição. Era, no entanto, uma casa privada. A construção do primeiro

mercado verdadeiramente público somente se inicia em 1860 e se prolonga por 32

anos.” Vemos assim que tanto Teixeira (2009) quanto Cascudo (1999) expõem em

relação à utilização de uma casa privada como mercado público, assim como em

relação ao ano do início da construção do mercado público, que se deu em 1860.

Mas esse não era ainda o mercado público da cidade. E então, “[...] a

Câmara Municipal ficou ruminando a derrota” (CASCUDO, 1999, p. 158). O que o

autor denomina de “derrota” se refere tanto à perda da cobrança de impostos junto

aos comerciantes, como resultado das negociações que foram firmadas entre a

Assembleia Provincial e os comerciantes, quanto ao fato de os comerciantes terem

obtido tal conquista junto a uma instância superior ao nível municipal, porque se deu

em nível de Província do RN.

E assim, “Somente a 7 de junho de 1860 o presidente José Bento da Cunha

Figueiredo Júnior, com discurso solene, punha a primeira pedra para o edifício do

Mercado Público na Cidade Alta, ao lado do Quartel da Tropa de Linha”, que

corresponde atualmente às instalações da Escola Estadual Winston Churchill, na

Avenida Rio Branco, bairro Cidade Alta (CASCUDO, 1999, p. 158, grifos nossos).

Após terem decorrido vinte anos do início da mobilização no sentido instalação de

um mercado – 1840 a 1860 –, o poder público municipal passou a se interessar pela

matéria “mercado público”, após a iniciativa privada ter dado o primeiro passo.

Esse “[...] mercado demorou trinta e dois anos a erguer-se” (CASCUDO,

1999, p. 159), quando “Finalmente a 7 de fevereiro de 1892, no regime republicano,

a Junta Governativa [...] inaugurou o mercado” (CASCUDO, 1999, p. 159, grifos

nossos). Ao considerarmos o ano da inauguração do mercado público, já houvera

86

decorrido cinquenta e dois anos entre o interesse da iniciativa privada e o do poder

público.

Há ainda que acrescentarmos em relação à cronologia do Mercado Público

da Cidade Alta, não só pelo equipamento forma por si só, mas pelo que o mesmo

representava enquanto centralidade no referido bairro, em cada período. Esse

mercado foi demolido por volta da década de 1930, sendo reconstruído na gestão do

prefeito Gentil Ferreira, e inaugurado em 1937. Entretanto, em 1967, um incêndio

pôs fim a essa forma que outrora representava lugar de encontro para a sociedade

natalense. Atualmente, o local onde se erguia o referido mercado abriga o Banco do

Brasil (Figura 03), com duas agências conjugadas.

Figura 03 – Banco do Brasil

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

Se, por um lado, a municipalidade demonstrava pouco interesse em oferecer

à atividade comercial uma estrutura física adequada, por outro, zelava para com a

regulação desta mesma atividade. É o que depreendemos ao examinar o que

defende Teixeira (2009, p. 438), de que,

No que se refere à legislação, a regulamentação da atividade comercial constitui objeto de uma atenção particular por parte dos

oficiais da Câmara e do governo da província. Os legisladores das posturas municipais, ansiosos por tudo controlar, se dedicarão de

87

maneira especial à atividade comercial urbana. As prescrições

legais, inúmeras, se resumem essencialmente aos seguintes pontos: os horários e os dias de abertura dos comércios; os impostos dos produtos importados e vendidos; os pesos e medidas a utilizar nas transações; a autorização para o exercício da profissão para vendedores estrangeiros à localidade; a regulamentação das feiras, da utilização do mercado e do matadouro público, as multas e infrações, entre outros (grifos nossos).

Do que foi exposto pelo autor, dá para identificar o interesse do poder

público pelo controle da atividade comercial e pela arrecadação dos impostos que

incidiam sobre a referida atividade, ainda que esse poder não tenha se interessado

pelos pleitos apresentados pelos comerciantes com vistas à implantação de um

mercado público. A ênfase na legislação se fazia porque, na visão dos legisladores

da Câmara e do Governo da Província, “Do ponto de vista da legislação, portanto,

era a motivação comercial que deveria contribuir para o desenvolvimento das

cidades” (TEIXEIRA, 2009, p. 438-439).

Em sua inquietação sobre a ausência de mercado no espaço urbano

natalense, Cascudo (1999) pergunta como era antes da inauguração do mercado,

sendo ele mesmo quem responde em seguida: “E antes da inauguração? A Câmara

alugava casas na Cidade Alta e Ribeira, e havia a Quitanda no cruzamento da rua

João Pessoa com a Avenida Rio Branco, então rua do Sarmento e Rua Nova”

(CASCUDO, 1999, p. 159). Na literatura de Câmara Cascudo, já encontramos

referência ao bairro da Ribeira como integrante da dinâmica comercial da Cidade do

Natal, juntamente com o bairro Cidade Alta, mesmo que a ênfase seja dada a este

último, por citar o cruzamento da Rua João Pessoa com a Avenida Rio Branco.

Retomando as informações supracitadas, identificamos já esse segundo núcleo

urbano entrando no cenário comercial de Natal: a Ribeira, a qual sempre dividiu

atenção no cenário da centralidade urbana em Natal frente à Cidade Alta, pelas

funções que sempre desempenhou, e sobre as quais discorreremos adiante.

Com o objetivo de precisar sobre a estruturação das atividades de comércio

e de serviços nesse trecho do no bairro Cidade Alta, no “cruzamento da rua João

Pessoa com a avenida Rio Branco”, acrescentamos que corresponde, na atualidade,

de um dos lados da Avenida Rio Branco, à Praça Presidente Kennedy (Figura 04),

sendo ainda uma área de forte concentração comercial e de serviços no centro

histórico de Natal.

88

Figura 04 – Praça Presidente Kennedy

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

Nessa Praça, está localizado o Ducal Palace Hotel (Figura 05), importante

equipamento quando do início da estruturação da atividade turística na Cidade do

Natal, a partir da década de 1980.

Figura 05 – Ducal Palace Hotel

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

89

Enquanto que do outro lado da referida Avenida, em alguns períodos do

mês, como por ocasião do pagamento dos servidores públicos ou em período

festivos, ocorre uma intensa dinâmica comercial, com produtos expostos ao ar livre,

com a presença de artesões que vendem seus produtos, somando-se às lojas ali

instaladas regularmente, como a Lojas C&A, cadeia de lojas de abrangência

nacional (Figura 06).

Figura 06 – Artesões e Lojas C&A

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

Já sobre o mercado público que havia sido inaugurado em 1892, com o

passar do tempo, relata Cascudo (1999, p. 159) que,

Nove anos depois o mercado estava uma ruína. Ninguém tinha o atrevimento de demorar por perto, temendo o desabamento. [O mesmo foi reformado] e houve a inauguração outra vez solene na manhã de novembro de 1901. O mercado media dezesseis metros por dezesseis e muita gente achou que era um despropósito de grande (grifos nossos).

Retomaremos a seguir alguns pontos destacados na citação, com vistas à

discussão. O primeiro é de que um mercado público, cuja vida útil foi de menos de

uma década, e já se encontrava em ruínas, indica a pouca importância que o poder

público dedicava ao trato com as atividades econômicas da cidade, as quais tinham

90

como foco o comércio. Já o segundo, ao informar Cascudo (1999) que, quando da

reinauguração do referido mercado, em 1901, considerando sua área total de 256m²

(metros quadrados), já era motivo de admiração por parte da sociedade.

Esses dois aspectos nos indicam a pouca importância que a atividade

comercial adquiria na Cidade do Natal, seja pela pouca atenção do poder público,

seja pela pouca expressividade que era esperada da forma física de um mercado.

Se de um lado o poder público investia pouco em instalações físicas para comportar

a atividade comercial; de outro, a própria sociedade, por uma visão consoante à

baixa expressividade da atividade comercial, admirava-se da estrutura do mercado

público, considerando-a um “despropósito”.

Ademais, essa condição de pouca expressividade comercial de Natal não

fica circunscrita ao seu interior. Face ao contexto regional do Nordeste, quem

ganhava destaque no cenário comercial era a cidade de Recife, que recebia a maior

parte dos produtos agropecuários oriundos do sertão potiguar, encaminhando, em

contrapartida, produtos manufaturados para serem comercializados no mercado

natalense.

Com relação à evolução das atividades econômicas em Natal, com foco no

comércio e nos serviços, e como elemento físico o mercado, outros bairros entraram

em cena no processo de produção do espaço urbano: “Os bairros possuem os

mercados: a Ribeira, desde Ferreira Chaves17, o Alecrim, com o Prefeito Gentil18

Ferreira, e o Tirol com o prefeito José Varela19” (CASCUDO, 1999, p. 159, grifos

nossos). E assim, deu-se uma incipiente expansão do núcleo comercial de Natal, até

então concentrado na Cidade Alta, tendo uma significativa expressão também a

Ribeira, que então se estruturava do ponto de vista comercial.

Cidade Alta, Ribeira e o Alecrim são os bairros que se destacam na

formação do Núcleo do Centro histórico de Natal, principalmente, ao considerarmos

a prática cotidiana da sociedade natalense. Podemos considerar então, ser nesses

três bairros que se conformam as mais remotas expressões de centralidade urbana

em Natal.

Mas, ao focarmos nosso olhar sobre os bairros Ribeira e Cidade Alta, por

serem os mais antigos, relatos históricos expõem a dualidade entre ambos, ora pela

17 Eleito governado do RN em 1895 (FUNDAÇÃO..., 2016). 18 Prefeito de Natal entre 1931-1932 (NATAL..., 2015). 19 Prefeito de Natal entre 1943-1946 (NATAL..., 2015).

91

presença de instituições importantes da gestão, ora pela importância econômica de

um e de outro no cenário urbano; ou ainda, pela rivalidade entre “xarias” e

“canguleiros”20, como relata Cascudo (1999, p. 233-234):

Entre xarias e canguleiros a rivalidade era velha e durou dezenas

de anos. Moleques, valentões, meninos de escola, desocupados, praças do Exército e do então Batalhão de Segurança mantinham o fogo sagrado dessa separação inexplicável. Naturalmente as famílias da Cidade e da Ribeira conviviam com afeto. Os meninos, os criados, esses, encontrando gente de um bairro no outro lado, iam às vias de fato, infalivelmente. O grito de guerra era: Xaria não desce! Canguleiro não sobe! (grifos em negrito: nossos; grifos em itálico: do

autor).

Ambos os grupos tinham um motivo próprio para o seu nome: “Canguleiro

era o comedor de cangulo e xaria era o comedor de xaréu. Os apelidos vieram

dessa simpatia gastronômica” (CASCUDO, 1999, p. 234). Eles também viviam em

territórios distintamente demarcados: “Da ponte para cima [na Ribeira] viviam os

xarias. Da ponte para baixo moravam os canguleiros” (CASCUDO, 1999, p. 233).

Apesar da contemporaneidade no desenvolvimento das atividades urbanas

na Cidade do Natal, entre os bairros Ribeira e Cidade Alta, é este último quem

guarda o “marco zero” da formação da cidade, símbolo de sua fundação. Falar do

início da formação de Natal é falar do bairro Cidade Alta. É este bairro, ainda hoje, o

“Centro” por excelência da Cidade do Natal. Quando os citadinos natalenses se

referem a “ir ao centro”, estão dizendo que irão à Cidade Alta, bairro este

essencialmente comercial e de serviços, mas também de caráter histórico e

simbólico na formação da identidade dos citadinos natalenses. Em linguagem

coloquial, essa expressão de “ir ao centro” ou “ir às compras” (FERNANDES, 2014),

em Natal, transforma-se em “ir à cidade”, como se estivesse fora dela, tal é o peso

da representação dessa porção do espaço urbano de Natal para seus citadinos, que

adquire expressões sob a forma de metonímia – “ir à cidade”, “comprar na cidade”,

“estar na cidade” –, causando certo estranhamento do ponto de vista conceitual

quanto à utilização uso do termo “cidade”.

Na verdade, o uso do termo “centro” aplicado ao bairro Cidade Alta não

corresponde a toda a extensão territorial do referido bairro, mas à porção na qual

20 Xarias: moradores do bairro Cidade Alta, razão da expressão “xaria não desce!”; Canguleiros: moradores dos bairros das Rocas e Ribeira, razão da expressão “canguleiro não sobe!”.

92

são mais evidentes as atividades de comércio, serviços e gestão, principalmente.

Essa conduta só reforça a defesa corrente na literatura sobre centralidade, de que o

centro, para sê-lo, há que ser dinâmico, há que ter movimento, enfim, ser lugar de

encontro de pessoas, as quais são atraídas pelo conteúdo que esse centro tem a

oferecer.

Como relata Cascudo (1999, p. 233, grifo do autor). Precisamente, “A

Cidade Alta, começava numa colina, vértice do ângulo formado pela junção de duas

ruas, Junqueira Aires/Avenida Câmara Cascudo e Padre João Manuel, no square21

de Pedro Velho [localizado na Praça das Mães]” (Figura 07).

Figura 07 – Praça das Mães

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

O referido autor ainda acrescenta que “A Cidade Alta era o bairro residencial

e comercial por excelência” (CASCUDO, 1999, p. 151). E mesmo esta sendo uma

característica do início da sua formação, o bairro ainda preserva essas duas

funções, haja vista concentrar o comércio histórico da cidade, consorciado ainda a

muitas residências, mesmo que algumas em condições precárias, principalmente, no

21

O “square de Pedro Velho” consistia numa porção delimitada em forma de quadrado, na Praça das Mães, no bairro Cidade Alta, contendo um monumento em homenagem a Pedro Velho, primeiro governador do RN. Atualmente, esse monumento está instalado na Praça Pedro Velho ou Praça Cívica, no bairro Petrópolis (CASCUCO, 1999).

93

que se refere à acessibilidade e à segurança.

A partir desse “vértice” ao qual Cascudo (1999) se refere no trecho

anteriormente citado, seguindo em direção nordeste, está localizado o bairro da

Ribeira, núcleo urbano com o qual a Cidade Alta sempre dividiu a atenção no

contexto urbano natalense, em termos históricos, comerciais e de gestão. Conforme

indica o referido autor, “Natal sempre se dividiu em dois bairros veteranos de seu

povoamento: Cidade Alta e Ribeira” (CASCUDO, 1999, p. 233).

Interessante notar que apesar de a literatura sobre a história de Natal

sempre fazer referência apenas aos bairros Cidade Alta e Ribeira, enquanto bairros

formadores do centro de Natal, ao aprofundarmo-nos nas discussões, identificamos

a participação de um terceiro bairro, o Alecrim, nesse processo, razão pela qual

decidimos denominar a esses três bairros, em conjunto, de Núcleo do Centro

Histórico de Natal. Ainda assim, dentre esses três bairros, o que prevaleceu como

“centro”, denominado e reconhecido desta forma pela população, efetivamente, foi a

Cidade Alta. Certamente, o caráter histórico foi determinante, por ter sido nesse

bairro que se deu a fundação da cidade. Mas também o comércio contribui para

consagrar à Cidade Alta a denominação de “Centro de Natal”, haja vista essa

atividade perdurar até então, com forte expressividade. Dessa forma, falar do centro

de Natal é falar da Cidade Alta, independente de quaisquer pontos de vista. Para

este fim, o que conta é a experiência do vivido.

Ainda sobre a dualidade existente entre a Ribeira e a Cidade Alta, podemos

dizer que até mesmo “A vida social se [...] [dividia] entre o Forte e a cidade

pequenina. Ambos os centros eram ribeirinhos [...]” (CASCUDO, 1999, p. 57). Natal,

a “cidade pequenina”, no dizer do autor, corresponde ao bairro Cidade Alta;

ribeirinha, porque margeada pelo estuário do Rio Potengi. Já o Forte, enquanto

marco de referência para a Ribeira, igualmente numa condição ribeirinha, por seus

alagadiços, e também pela proximidade ao Oceano Atlântico, no qual foi erigido o

Forte dos Reis Magos, quando da fundação de Natal.

A Cidade Alta reúne três das principais expressões ou dimensões da

centralidade urbana: a histórica, a simbólica e a comercial. Isto porque, além de

abrigar o centro histórico de Natal, é neste bairro que estão as sedes de alguns

importantes equipamentos de gestão, como a Assembleia Legislativa do RN, o

Tribunal de Justiça do RN e a Prefeitura Municipal de Natal (Figuras 08, 09 e 10),

concentradas no entorno da Praça 7 de Setembro, importante símbolo da

94

estruturação do espaço urbano de Natal, juntamente com a Praça André de

Albuquerque.

Figura 08 – Assembleia Legislativa do RN

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

Figura 09 – Tribunal de Justiça do RN

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

95

Figura 10 – Prefeitura Municipal de Natal

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

É também no entorno desta praça que se fez presente o poder religioso,

representado pela Catedral Metropolitana de Natal, sede do governo arquidiocesano

da Igreja Católica até 1988, e o Palácio Episcopal (Figura 11), presente até então. Já

no entorno da Praça 7 de Setembro, outro símbolo do poder religioso é a presença

da Igreja Presbiteriana de Natal, primeira igreja protestante do RN (Figura 12). Ainda

quanto ao aspecto simbólico, nesse mesmo perímetro, encontram-se o Palácio da

Cultura/Pinacoteca Potiguar (Figura 13), que até a década de 1980 foi sede do

governo do estado, e alguns museus, como o Museu de Arte Sacra, na Igreja Santo

Antônio ou “Igreja do Galo” e o Museu Café Filho.

96

Figura 11 – Palácio Episcopal

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

Figura 12 – Igreja Presbiteriana de Natal, primeira igreja protestante do RN

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

97

Figura 13 – Palácio da Cultura

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

Ademais, essa porção da Cidade Alta é considerada como o centro de Natal,

por oferecer a mais tradicional concentração de comércio e de serviços, cujo foco

principal é a Avenida Rio Branco, mas tem sua abrangência compreendida, no

sentido oeste/leste, entre a Praça André de Albuquerque e a Avenida Deodoro da

Fonseca; e sentido sul/norte, entre as Ruas Apodi e Correia Teles, formando um

perímetro comercial dinâmico e de forte identidade (Mapa 03).

98

Mapa 03 – Perímetro comercial da Cidade Alta

FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: SPINOLA, 2016;

Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7

99

Porém, o Núcleo do Centro Histórico de Natal não é constituído apenas do

bairro Cidade Alta. Também fazem parte deste núcleo os bairros da Ribeira e do

Alecrim. Assim, o bairro da Ribeira, como um dos núcleos urbanos formadores do

Núcleo do Centro Histórico de Natal, cujo nome “Ribeira”, como afirma Cascudo

(1999, p. 233), “[...] denuncia um alagadiço d’água salobra que se espraiava por

toda a praça Augusto Severo, também conhecido como o Salgado” (grifo do autor),

por “[...] ser um bairro residencial e com maior comércio” (CASCUDO, 1999, p. 105),

dividia com a Cidade Alta a importância comercial na cidade até o pós Segunda

Guerra Mundial.

Dada a importância da atividade comercial no bairro da Ribeira, houve um

incremento na sua estrutura física. E, “A partir de 1850 construíram os prédios de

pedra-e-cal na rua do Comércio, alvoroço da venda e compra de açúcar e

algodão” (CASCUDO, 1999, p. 152, grifos nossos). Resgatamos os destaques feitos

na citação, reforçando que ter uma rua com o nome “rua do comércio” – atual Rua

Chile (Figura 14) –, à época, era uma forma de evidenciar a importância daquela

atividade para o bairro; já outro resgate a ser feito é quanto ao açúcar e ao algodão,

estes eram dois dos principais produtos de exportação que eram escoados pela

Ribeira, cuja importância recai sobre o Porto de Natal, criado no ano de 1932

(CODERN..., 2015).

Figura 14 – Rua Chile, na década de 1940 (esquerda), e em 2006 (direita)

FONTE: NATAL..., 2006

Quanto à nomenclatura das ruas, em especial, da “Rua do Comércio” na

Ribeira, revelando a importância da atividade econômica vigente, nosso pensamento

é reforçado por Teixeira (2009, p. 444) ao dizer que

100

[...] a atividade comercial que parece constituir a razão de ser dos centros urbanos se manifesta na própria nomenclatura das ruas. À medida que as cidades se organizam, que as ruas e os edifícios se tornam paulatinamente o objeto de atenção do poder público, laico, ganham importância a denominação das ruas e a numeração das edificações. [...] As ruas, os largos e as praças batizadas ‘do comércio’ ou ‘do mercado’ são frequentes.

E assim, a importância do bairro da Ribeira figura não só para a Cidade do

Natal, antes, para a Província do RN, pela sua importância no processo de

exportação do algodão e do açúcar.

O referido bairro ampliou ainda mais sua importância quando,

Em 1869, o presidente da Província, Pedro de Barros Cavalcanti de Albuquerque, mandou fazer o Cais 10 de Junho, atualmente Tavares

de Lira, e no ano seguinte transferiu a sede da administração provincial para o sobradão da rua do Comércio, deixando o palácio de taipa-e-pedra da rua da Conceição [na Cidade Alta] (CASCUDO, 1999, p. 152, grifos do autor).

E assim, como informa Cascudo (1999, p. 152-153, grifos do autor), “A

Ribeira ficou toda orgulhosa e deu para zombar da Cidade Alta. Creio que desse

tempo surgiu a conhecida rivalidade acesa e os apelidos para os moradores dos

dois bairros, canguleiros para a Ribeira e xarias para a Cidade Alta”.

Dessa forma, a rivalidade que já perdurava entre a Cidade Alta e a Ribeira

se transferia do âmbito da sociedade ao da gestão. Na verdade, e certamente, uma

demanda por parte da atividade comercial, centrada nas atividades de exportação,

dada sua importância à época. Mas que a rivalidade estava oficializada, essa é uma

asserção que não podemos desconhecer, haja vista ter passado da esfera do

cotidiano da sociedade para a esfera da gestão pública.

Resultante da importância da atividade exportadora do algodão e do açúcar,

e da presença da gestão da Província do Estado do RN,

A Ribeira conservou os grandes hotéis da época, as casas comerciais, armarinhos, alfaiates, farmácias, clubes de danças, o primeiro cinematógrafo da cidade, o Politeama, de Petronilo de Paiva, inaugurado a 8 de dezembro 1911 e que resistiu vinte anos (CASCUDO, 1999, p. 154-155).

A Ribeira assumiu a condição de centro da gestão provincial, e depois do

governo do estado por trinta e três anos – entre 1870 a 1902 –, transcorrendo esse

101

período entre o Brasil Império (1822 a 1889) e o Brasil República (desde 1889),

quando “Somente em março de 1902 o governador Alberto Maranhão transferiu a

sede administrativa do palácio da Ribeira (Figura 15), casarão particular alugado,

para o prédio da Assembléia e do Tesouro, oficial, onde ficou até hoje [1990]”

(CASCUDO, 1999, p. 154-155).

Figura 15 – Palácio da Ribeira

FONTE: NATAL..., 2006

Na verdade, julgamos importante esclarecer alguns pontos nessa

informação supracitada. O prédio da “Assembléia e do Tesouro” ao qual Cascudo

(1999) faz referência corresponde ao Palácio Potengi, que fora inaugurado em 1873;

em 1902, passou a ser sede do governo do RN, o qual se transferiu para a

Governadoria, no Centro Administrativo de Natal, em 1997 (NATAL..., 2008a). Hoje,

o referido prédio é conhecido como Palácio da Cultura, abrigando a Pinacoteca

Potiguar, e sediando diversas exposições e apresentações culturais ao longo do

ano.

Tendo por base esses relatos, sob um misto de memória histórica e memória

da atividade comercial, vemos sempre em cena, na conformação do Núcleo do

Centro Histórico de Natal, os bairros Ribeira e Cidade Alta. Esses dois bairros, como

já dissemos, e o pensamento de Cascudo (1999) ratifica, disputavam a condição de

centralidade urbana na Cidade do Natal, ora por abrigar instituições da gestão

102

pública, ora por apresentar, um ou outro, maior expressividade comercial.

Além da Cidade Alta, “A Ribeira fixou o comércio. Foi seu domínio. A

primeira rua paralela ao rio [Potengi] se disse rua do Comércio (rua Chile), onde os

armazéns se erguiam, recebendo pau-brasil, algodão, açúcar, tatajuba, peixe seco,

etc.” (CASCUDO, 1999, p. 237).

Sobre a exportação do açúcar e do algodão Cascudo (1999, p. 242, grifo

nosso) informa que “Quase todo [...] açúcar era vendido em Guarapes e embarcado

para a Inglaterra, diretamente.” Isto porque, juntamente com o algodão, outra parte

do açúcar era exportada pela Ribeira, sendo intermediado pelo estado de

Pernambuco, enquanto entreposto comercial em relação ao comércio exterior.

Relata Cascudo (1999, p. 242) que

O algodão, com as guerras norte americanas do Norte contra o Sul,

inutilizados os Campos pela luta, ganhou terreno e seduzia como um vício novo. Era uma valorização entontecedora, como os salários da indústria da guerra embriagam. A produção norte-rio-grandense não se multiplicou mas as rendas deslumbravam porque o algodão ganhara preço e a menor quantidade pesava ouro (grifo nosso).

A sociedade da Ribeira era formada, essencialmente, por comerciantes,

como relata Cascudo (1999, p. 241), que “Quando Koster22 visitou Natal, novembro

de 1810, a Ribeira era o bairro dos comerciantes; [...] teria trezentos habitantes. [...]

Eram revendedores, importadores e exportadores.”

E assim, ao compararmos o comércio da Cidade Alta ao da Ribeira,

depreendemos que, enquanto o comércio da Cidade Alta estava voltado para o

suprimento das necessidades básicas da sociedade natalense; o da Ribeira, para a

exportação. Essa diferença fica evidente se compararmos as duas formas físicas

que se estruturavam em cada um dos bairros: na Cidade Alta, a forma principal era o

mercado público e a quitanda, nos quais eram dispostos bens para comercialização

junto à população; já na Ribeira, a estrutura material era representada pelos

armazéns para estocagem de produtos vindos do interior, voltados para a

exportação. Como informa Cascudo (1999, p. 241), em 1854, “Os dois produtos mais

exportados tinham sido o algodão em pluma [...] e o açúcar branco [...] para

Pernambuco”. Vemos assim que o bairro da Ribeira, essencialmente, era voltado à

22 Chamado também de Henrique da Costa, empresário e pintor português, que se tornou senhor de engenho, e fez relatos sobre a Cidade do Natal (CASCUDO, 1999).

103

dinâmica externa da produção do espaço urbano de Natal.

Se para discorrermos acerca dos dois principais bairros reconhecidos como

constituintes do Núcleo do Centro Histórico de Natal, a saber, Cidade Alta, por sua

condição histórica, por ter sido nele que se deu a fundação da Cidade do Natal; e a

Ribeira, por sua condição comercial, voltada para a exportação, lançamos mão das

obras de Cascudo (1999) e de Teixeira (2009).

Para ampliarmos essa apreensão do Núcleo do Centro Histórico de Natal,

incluiremos a partir de então, e com mais veemência, discussões em torno do bairro

Alecrim, mantendo no diálogo, além das obras já citadas, outras, como o trabalho de

Cunha (1987), que trata da expansão territorial urbana de Natal; Lima (2003), que ao

tratar do saneamento e modernização em Natal, foca o Alecrim; e principalmente, o

que obtivemos do exame de uma produção mais específica quanto ao Alecrim, que é

a de Bezerra (2005), o qual estudou o referido bairro, vendo a sua reafirmação

enquanto tal, apreendendo-o, para este fim, desde o início do seu processo de sua

formação, até o momento da referida publicação, estabelecendo diálogo também

com Cascudo (1999) e com outras obras contemporâneas, inclusive, com a

produção de órgãos públicos.

Entendemos e defendemos que se faz necessário essa ampliação da noção

do Centro Histórico de Natal para Núcleo do Centro Histórico de Natal porque a

referida cidade, desde o início da formação do seu centro urbano, apresentou uma

tendência ao multicentrismo, conformando uma expressão territorial múltipla de

centralidade (SPOSITO, 2010). Dessa forma, a apreensão da centralidade do Centro

Histórico de Natal limitada a um bairro se torna inviável, demandando essa

ampliação ora proposta.

Ademais, falar do Centro Histórico de Natal circunscrito tão somente aos

bairros Ribeira e Cidade Alta representa um caráter limitante, pelo fato de volver a

atenção da centralidade urbana ao domínio dos estratos sociais mais abastados,

formados pelos comerciantes, correspondente à classe dirigente à época. Enquanto

que o bairro Alecrim entrou nesse processo de conformação do Núcleo do Centro

Histórico de Natal pelo fato de abrigar os estratos sociais formados pelos

despossuídos, por aqueles que vinham do interior do RN tentar sobreviver na

Capital, atraídos por promissoras oportunidades. Faz-se mister, então,

abandonarmos o discurso de Centro Histórico de Natal, limitado ao bairros Cidade

Alta e Ribeira, porque representa o discurso da elite, e adotarmos a, de forma

104

veemente, a expressão Núcleo do Centro Histórico de Natal, incluindo, além da

Cidade Alta e da Ribeira, o Alecrim. Isto porque este foi, efetivamente, o resultado do

processo de formação da centralidade urbana em Natal.

O bairro do Alecrim, como integrante do Núcleo do Centro Histórico de Natal,

teve sua denominação original como “Refoles” por fazer referência a um corsário

francês, Jaques Riffault-Refoles. E essa informação é consoante, seja entre os

autores com os quais ora estabelecemos diálogo, seja entre tantas outras obras do

conhecimento da academia e da sociedade natalenses.

Diferente da Cidade Alta, que já teve sua gênese para ser “centro”, e Centro

Histórico da cidade então fundada; e diferente também da Ribeira, que teve seu

processo de formação decorrente da presença de ancoradouros de embarcações e

de uma tênue complementaridade comercial em relação à Cidade Alta, o Alecrim se

formou enquanto centro comercial, mas já tendo sua origem sob uma condição

periférica. Numa cidade margeada ou limitada a oeste pelo estuário do Rio Potengi,

e a leste pelo Oceano Atlântico, o bairro Cidade Alta, enquanto centro da Cidade do

Natal que então se formara, gestou dois novos bairros vizinhos: a Ribeira, ao norte;

e o Alecrim, ao sul. E é interessante notar, muito mais adiante na história dessa

cidade, que foi exatamente nestes sentidos – norte e sul – que a maior parte da

expansão urbana de Natal se desenvolveu. Mas essa é uma discussão posterior.

Periférico, inicialmente pouco urbano e pouco comercial, nasceu o bairro do

Alecrim. Sua origem se fez muito mais em função do acesso e da sua proximidade

em relação aos municípios vizinhos a Natal, em especial, Macaíba, como relata

Cascudo (1999, p. 357) que o

Alecrim, com o acesso para o sertão por Macaíba, ficou sendo o bairro sertanejo, sítios que pareciam fazendas, vacarias, feiras, simplicidade de vida, roupa e atividades. Surgiram pequeninos hotéis para os comboios que carregavam e descarregavam. Os primeiros caminhões o algodão, fixavam seus motoristas e patrões acanhados nos alojamentos do Alecrim.

Igualmente a Cascudo (1999), e por ter dialogado com ele, Bezerra (2005)

fala dessa condição do bairro do Alecrim enquanto ligação com o interior do estado

do RN, e enquanto ponto de apoio aos viajantes que vinham a Natal, atraídos a

negócios urbanos. Entre outros argumentos, afirma:

105

No século XIX, o Refoles [Alecrim] era um dos pequenos povoados que davam assistência aos viajantes que se dirigiam para o núcleo urbano natalense. Da localidade, existia um caminho que o ligava à Cidade Alta. Posteriormente, foi construído o prolongamento de duas estradas de ferro que, além de intensificar a vinda dos comerciantes do interior, levavam passageiros e produtos para os estados da Paraíba e de Pernambuco, obra de suma importância para o desenvolvimento do povoado (BEZERRA, 2005, p. 82).

E apesar de Bezerra (2005, p. 85) precisar a data de criação do bairro em

tratamento, que é 23 de outubro de 1911, é Cascudo (1999) quem aponta que o

Alecrim remonta a três séculos antes, o que nos possibilita afirmar ser o referido

bairro constituinte do Núcleo do Centro Histórico de Natal: “O mais antigo documento

mencionando Refoles [Alecrim] como terreno marginal ao Potengi é uma doação de

terras que o Senado da Câmara faz ao capitão Pedro da Costa Falheiro, em 4 de

agosto de 1677 [...].” (CASCUDO, 1999, p. 247, grifo do autor).

Essa condição do Alecrim como parte integrante do Núcleo do Centro

Histórico de Natal se faz, como vemos, muito mais em função do seu conteúdo do

que da sua condição jurídica, haja vista ter sido criado efetivamente muito tempo

depois da fundação da Cidade do Natal e do início do processo de formação do seu

espaço urbano. Mesmo porque, como já expusemos sobre a condição de Natal

enquanto cidade, segundo o pensamento de autores como Cascudo (1999) e

Teixeira (2009), de que apresentava pouco nível de urbanidade, o Alecrim também

apresentava essa mesma característica:

Como o terreno se prestava ao plantio de mandioca, Refoles [Alecrim] teve sempre a presença de agricultores nas residências bem distanciadas e difíceis de união. Era tão longe e tão deserto que os presidentes da Província [do RN] aproveitavam a solidão construindo asilos, barracões de palha, abrigando, como isolamentos, os pobres que adoeciam de varíola (CASCUDO, 1999, p. 248).

Como núcleo urbano em formação, juntamente com os bairros da Cidade

Alta e da Ribeira, o Alecrim apresentava essa singularidade, por suas características

mais afeitas ao rural, como é descrito também por Bezerra (2005, p. 82):

[...] nesta área, existiam sítios, granjas e pequenas criações de animais. [...] Era uma área que se resumia na presença de poucos casebres de taipa, que não chegavam a uma dezena, não muito distante do limite urbano de Natal que se dava ao Norte de um

106

chafariz, localizado no final da Cidade Alta.

Dessa forma, o Alecrim se formou, simultaneamente, como uma extensão do

sertão e da cidade, por seu conteúdo e por sua situação geográfica. Vejamos: por

seu conteúdo, o Alecrim tinha a presença de viajantes que acorriam ao bairro com

produtos agropecuários para colocá-los à troca no comércio local; também por seu

conteúdo, assemelha-se ao bairro Cidade Alta, com suas características de pouca

urbanidade, poucas residências etc; já quanto à sua situação geográfica, o Alecrim

se limitava ao norte com a Cidade Alta, sendo via de acesso a este bairro, e ao sul

com Macaíba, sendo também via de acesso a este município. E essa é ainda, na

atualidade, uma condição do bairro do Alecrim, de ser via de acesso para diversas

áreas de Natal, e até mesmo do interior do RN.

Do que temos indicado como componentes da natureza da centralidade

urbana, a saber: conteúdos, processos e formas, o Alecrim, apesar de ter sua

gênese a partir de um ambiente rural, e por sua condição periférica, tinha presentes

esses três componentes; e além destes, a situação geográfica, que interligava a

cidade ao interior, como fator preponderante para sua condição de participação

solidária na constituição do Núcleo do Centro Histórico de Natal. Como já apontamos

o conteúdo e a situação geográfica do Alecrim anteriormente, cumpre-nos agora

indicar as formas presentes e os processos que se desencadeavam no Alecrim

quando da sua formação.

Cunha (1987), em sua dissertação de mestrado, ao estudar expansão

territorial urbana de Natal, tem o Alecrim como uma das preocupações, e expõe que

o referido bairro recebia a maior parte da população vinda do interior do estado do

RN, que se instalava na Cidade do Natal à procura de sobrevivência. E, para a

autora supracitada, a razão da identificação da população interiorana com o Alecrim

e a escolha em permanecer nesse bairro se devia ao fato de as suas características

parecerem com as do interior: presença de sítios, currais, vacarias, feiras, enfim, um

modo de vida rural, mesmo dentro de uma cidade.

Por atrair um contingente populacional significativo do interior do estado do

RN, o Alecrim, desde sua gênese (LIMA, 2003), tornou-se o bairro mais populoso da

cidade, tendo deixado de sê-lo somente na década de 1980 (BEZERRA, 2005),

quando a Cidade do Natal já vivenciava um intenso processo de expansão urbana a

norte e a sul, capitaneada pela política de habitação do Sistema Financeiro de

107

Habitação Popular, certamente, um dos motivos da perda de população do referido

bairro.

Os aspectos da formação inicial que o Alecrim apresentava eram pouco ou

nada urbanos – sítios, currais, vacarias, chácaras, feiras –, mas foram importantes

até mesmo para o povoamento de Natal, que é outro tema em debate entre

estudiosos da história urbana dessa cidade, que é de ter sido pouco povoada por

longo período, desde o momento da sua fundação.

Sendo via de acesso externo entre Natal e Macaíba, internamente,

viabilizava acesso para aqueles transeuntes que vinham do interior do RN para

negócios na cidade, como relata Bezerra (2005, p. 84):

Apesar de haver indícios de um rápido desenvolvimento, o Alecrim foi, por muito tempo, apenas uma passagem dos que vinham do interior do estado para negociar nos centros do comércio da cidade – Ribeira e Cidade Alta.

Mais uma vez, o bairro do Alecrim figura como integrante do Núcleo do

Centro Histórico de Natal, por ser ele contemporâneo e solidário em alguns dos seus

processos de formação. Não que o Alecrim deva ser reconhecido como o Centro de

Natal, naquele momento, mas que esse bairro contribuiu enquanto centralidade na

formação do Centro de Natal, a qual se expressou na sua capacidade de ser uma

via de ligação da cidade com o interior do estado do RN, e do interior do RN com o

Centro de Natal, representado pelo bairro da Cidade Alta, oficial e historicamente; e

pela Ribeira, por sua condição comercial voltada para exportação.

Ademais, apesar de o Centro Histórico de Natal (Mapa 04), reconhecido,

tombado e demarcado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(IPHAN) desde 2010, e homologado pelo Ministério da Cultura, em 2014, abranger

partes dos bairros Cidade Alta, Ribeira e Rocas (Mapa 03), conforme a Portaria de

Homologação nº 72, de 16 de julho de 2014 (BRASIL..., 2014b), a arquiteta e

superintendente do IPHAN, Andréa Virgínia Freire Costa, por ocasião da nossa

pesquisa de campo, informou que o Alecrim, juntamente com Tirol e Petrópolis,

serão os próximos bairros a terem partes de suas áreas inclusas no Centro Histórico

de Natal (informação verbal23).

23 Entrevista concedida por Andréa Virgínia Freire Costa, superintendente do IPHAN/RN, em 09/03/2016.

108

Mapa 04 – Centro Histórico de Natal

FONTE: Mapas base: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO..., 2010; NATAL..., 2016a

Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7

109

É importante esclarecermos a diferença entre o conjunto de bairros que

definimos, nesse trabalho, como Núcleo do Centro Histórico de Natal, formado pelos

bairros Cidade Alta, Ribeira e Alecrim; e o conjunto de bairros escolhidos pelo

IPHAN para compor o que é denominado “Centro Histórico de Natal”, que é formado

por algumas áreas dos seguintes bairros: Cidade Alta, Ribeira e Rocas. Essa

diferença se estabelece porque, enquanto consideramos a dinâmica da produção do

espaço urbano de Natal ao longo do tempo, tendo como referência as atividades

terciárias, o IPHAN considera o “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”

(PESQUISA DE CAMPO, 2016).

A possibilidade de vir a incorporar esses novos bairros ao perímetro do

Centro Histórico de Natal poderá ocorrer porque, segundo a superintendente do

IPHAN, o estabelecimento de um centro histórico não é um processo acabado, mas

observa-se que além da área do tombamento, a qual não pode passar por

modificação em sua estrutura, há ainda a área do entorno, como forma de

preservação do que já foi tombado; e enquanto se estabelece o processo de

tombamento, outras áreas estão sendo examinadas para serem posteriormente

incluídas no centro histórico.

Retomando nossa exposição a respeito do Alecrim, podemos afirmar que o

bairro passou a adquirir aspectos urbanos, com pequenos comércios, chamados de

mercearias; e um pequeno número de hospedarias, chamadas de pensões. Ambos,

mercearias e pensões, reproduziam o cenário e a prática de comércio e de serviços

vivenciada no interior do RN, e atendia àqueles que vinham a Natal, e necessitavam

de alimentação, hospedagem, bem como a aquisição de bens de consumo.

E mesmo tendo atraído uma população sertaneja, dotada de costumes

camponeses, mas como estes vieram para a Cidade do Natal com o objetivo de

desenvolver atividades laborais que garantissem a sua sobrevivência, logo foram

absorvidos pela atividade de então, que era o comércio, principalmente, seguido de

um tímido setor de serviços, composto por hospedarias, entre outros.

Com essa prática, mesmo tímida, o Alecrim passou a integrar o centro

comercial de Natal, e ganhou significativo impulso ao longo do tempo, sendo hoje

reconhecido pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do RN

(Fecomércio) como o maior centro comercial de Natal, tendo por base o número de

110

lojas, de clientes e de negócios fechados (informação verbal24), nas palavras do

Assessor de Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio RN,

Luciano Kleiber, em entrevista por ocasião da nossa pesquisa de campo.

Diante do exposto, fica patente para nós, mais uma vez, que o conteúdo é

um dos componentes da natureza da centralidade urbana, juntamente com os outros

dois componentes sobre os quais elegemos tratar, quais sejam: os processos e as

formas. Mas esses três componentes da natureza da centralidade urbana não se

expressam necessariamente na mesma medida, nem tampouco simultaneamente,

como podemos observar no caso do Alecrim, em que o conteúdo, representado

pelos bens que eram trocados no comércio, sobrepôs-se às formas, que eram pouco

urbanas, assim como aos processos, os quais ainda eram tímidos, limitados apenas

ao trânsito das pessoas e às trocas comerciais. Dessa forma, o que consagrou o

bairro como parte integrante do Núcleo do Centro Histórico de Natal, quando do

início da sua formação, foi o comércio popular, sendo essa mesma condição que o

reafirma hoje como tal.

Interessante diálogo podemos estabelecer, nesse momento, com o

pensamento de Sposito (2013, informação verbal), que nos alerta para as

expressões imateriais de centralidade urbana, as quais podem ser identificadas, por

exemplo, num shopping center. Observemos então que, cada centro urbano, num

dado momento, guarda um atributo de centralidade, o que configura a sua natureza,

a qual tem a preponderância de um de seus três componentes constituintes, ou dois,

ou até mesmo os três, a depender da realidade que esteja sendo analisada. Importa,

nesse momento, estabelecermos esse diálogo consoante ao pensamento de Sposito

(2013), de que a centralidade urbana é dinâmica, num dado lapso de tempo, tema

sobre o qual já discorremos na primeira seção deste trabalho.

Trazemos à memória que o Alecrim teve sua gênese motivada pela

presença de mercadores sertanejos que vinham do interior do RN, aproveitando o

bairro como via de acesso, transitando por este para se deslocarem à Cidade Alta e

à Ribeira, que eram os bairros comerciais por excelência. Mas essa mesma memória

também lembra-nos o caráter popular do Alecrim, o aspecto humilde, interiorano do

seu ambiente pouco urbano. E são esses atributos que ainda persistem na

contemporaneidade. Falar do Alecrim, na sociedade natalense, é falar do bairro de

24

Entrevista concedida por Luciano Kleiber, Assessor de Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio RN, em 02/03/2016.

111

comércio popular; igualmente, é falar de um significativo número de pessoas

simples, que se deslocam de municípios vizinhos a Natal para comprar no comércio

do Alecrim.

Por fim, resta-nos reafirmar o que indicamos anteriormente como bairros

integrantes do Núcleo do Centro Histórico de Natal, e seus respectivos elementos

preponderantes: Cidade Alta, por seu conteúdo histórico, em ser o bairro da

fundação de Natal; Ribeira, por sua função comercial voltada para exportação; e o

Alecrim, num primeiro momento, por ser via de acesso ao interior do RN e ao centro

comercial de Natal, representado pela Cidade Alta e pela Ribeira, e que adquiriu

função comercial posteriormente.

Dessa forma, a constituição do Núcleo do Centro Histórico de Natal, desde o

princípio, já não foi uno, mas múltiplo. Já se fazia presente a tendência ao

multicentrismo, uma vez constituído de modo contemporâneo e cooperativo entre a

Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim; cada um com sua função, conformando-se assim

uma expressão territorial múltipla da centralidade (SPOSITO, 2010).

Esses bairros não rivalizavam ou concorriam entre si pela capacidade de

atração de cada um, como indica Sposito (2010) para que se configure uma

condição de policentralidade. Logo, afirmamos também que por essa condição,

desde o início da formação, a Cidade do Natal apresentou uma centralidade

característica da multicentralidade, a qual se caracteriza pela cooperação entre

várias centralidades, condição que identificamos ao examinarmos as relações

estabelecidas entre a Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim, quando da gênese do

Núcleo do Centro Histórico de Natal.

Transcrevemos o pensamento de Sposito (2010, p. 204-205), como forma de

esclarecer a respeito da multi e da policentralidade:

A centralidade, assim redefinida, reflete ainda a ideia de concentração. Se temos a multiplicação de centros, podemos nos referir a uma multicentralidade. Porém, é necessário observar que

essas diferentes zonas definem diferentes graus de centralidade. Esses graus articulam-se em função de diferentes níveis de especialização funcional e de segregação socioespacial. As zonas rivalizam entre si na medida em que cada uma delas tenta ampliar sua capacidade de atração. Essa competição entre interesses, indicando um nível de articulação que não corresponde sempre a uma complementaridade, pode permitir-nos falar de policentralidade

(grifos nossos).

112

Para aproximar ainda mais a apreensão que ora fazemos da conformação

do Núcleo do Centro Histórico de Natal ao pensamento da autora então citada,

reforçamos por meio de suas palavras: “[...] se constatamos a existência de mais de

um centro, temos uma multicentralidade. Se constatamos diferentes níveis de

especialização e importância entre esses centros, estamos em face de uma

policentralidade (SPOSITO, 2010, p. 205, grifos da autora). Expostas essas

diferenças, passaremos agora à próxima subseção, que tratará dos “Eventos e

processos geradores de centralidades urbanas em Natal”, os quais irão indicar os

novos centros de Natal e as novas centralidades decorrentes, indicando a formação

de centro múltiplo em Natal, porque formado por meio de uma complementaridade.

2.2 Eventos e processos geradores de centralidades urbanas em Natal

Dado que a análise em tela se volta para o espaço urbano de Natal,

especificamente, à apreensão da natureza da sua centralidade, tendo por base os

seus conteúdos, processos e formas, focaremos a discussão a partir de então sobre

os eventos e processos que concorreram para a gênese da centralidade urbana na

cidade, desde o centro histórico tradicional, até a conformação das novas

centralidades.

Julgamos pertinente tecermos ponderações acerca dos termos que abrem

esta subseção, como forma de indicar a pertinência dos mesmos para a apreensão

da leitura de centralidade que ora desenvolvemos. Os referidos termos são evento e

processo, para os quais buscamos aporte teórico junto ao dicionário da língua

portuguesa. Em seguida, dialogaremos com geógrafos, como Santos (2006) e

Corrêa (2009).

Temos que evento, segundo acepção linguística, significa: “fato, ação,

processo, expressos por um verbo ou por um substantivo deverbal que denota ação”

(HOUAISS, 2009, não paginado); enquanto que processo, também segundo

acepção linguística, refere-se a “evento durativo presente” (HOUAISS, 2009, não

paginado).

Segmentando agora os termos enquanto categorias, na área da geografia,

temos, em “A natureza do espaço”, obra de Santos (2006), que um evento recebe

uma primeira definição como sendo um vetor de mudança, que une objeto e ação,

no sentido da transformação do espaço. O referido autor amplia a discussão,

113

tornando-a bem mais aprofundada e apropriada ao que pretendemos com o termo:

Um evento é o resultado de um feixe de vetores, conduzido por um processo, levando uma nova função ao meio preexistente. Mas o evento só é identificável quando ele é percebido, isto é, quando se

perfaz e se completa. E o evento somente se completa quando integrado no meio. Somente aí há o evento, não antes. [...] Se aquele feixe de vetores pudesse ser parado no caminho, antes de se instalar, não haveria evento. A ação não se dá sem que haja um objeto; e, quando exercida, acaba por se redefinir como ação e por redefinir o objeto. Por isso os eventos estão no próprio coração da interpretação geográfica dos fenômenos sociais (SANTOS, 2006, p. 61, grifos nossos).

A partir dos grifos por nós indicados na citação, podemos estabelecer uma

relação entre evento, meio, processo e objeto. E estas são categorias das quais

careceremos para desenvolver a discussão em tela. Dessa forma, indicamos, ao

longo dessa discussão, os eventos desencadeados no espaço urbano de Natal, e

seus respectivos conteúdos, bem como por meio de quais processos, quais formas

foram resultantes. Feito esse transcurso, conseguiremos indicar as centralidades

urbanas que se conformaram na cidade, desde o centro histórico tradicional, às

novas centralidades.

Para determo-nos sobre processo, segundo o pensamento de geógrafos,

iniciamos o diálogo com Santos (2006, p. 77):

O processo histórico é um processo de separação em coisas particulares, específicas. Cada nova totalização cria novos indivíduos e dá às velhas coisas um novo conteúdo. O processo de totalização conduz da velha à nova totalidade e constitui a base do conhecimento de ambas.

O autor citado faz referência a essa categoria, ao falar da precedência do

processo, indicando sua contribuição deste para a geração de novas coisas. E é

nesse sentido que pretendemos nos apropriar do significado dessa categoria.

Ademais, processo integra o conjunto de categorias do método geográfico no

pensamento de Milton Santos, juntamente com estrutura, forma e função para a

consecução da análise do espaço geográfico (SANTOS, 2012).

Também no sentido do movimento das coisas, resultando na criação de

novas formas, Corrêa (2009, p. 1) nos diz que “Processo é considerado como o

conjunto de mecanismos e ações a partir dos quais a estrutura se movimenta,

114

alterando-se as suas características.” Assim fala o autor, porque está dialogando

com o pensamento de Milton Santos, ao propor a interação dialética entre as quatro

categorias do método geográfico. Interessa-nos, da afirmação de Corrêa (2009),

indicar os mecanismos e ações que de desenrolaram no espaço urbano de Natal

para que as centralidades urbanas fossem criadas.

Ainda uma consideração de Santos (2006, p. 91) sobre processo:

O processo social está sempre deixando heranças que acabam constituindo uma condição para as novas etapas. Uma plantação, um porto, uma estrada mas também a densidade ou a distribuição da população, participam dessa categoria de prático-inerte, a prática depositada nas coisas, tornada condição para novas práticas.

É em função dessa prática, em função do vivido, no dizer Lefebvriano

(LEFEBVRE, 2006; MARTINS, 1996), que se desencadeiam os processos de

produção do espaço. Essa prática e esse vivido podem ser identificados, no contexto

urbano de Natal, nas atividades eminentemente comerciais, seguindo-se as de

serviço. E, em sua evolução, ambas as atividades têm sido propulsoras do

desenvolvimento do centro urbano e da formação de novas centralidades urbanas

nesta cidade.

O comércio varejista na Cidade do Natal teve início então na Cidade Alta, de

forma elementar, por meio da troca de produtos entre os citadinos, como relata

Cascudo (1999, p. 237):

Entreposto colonial e provincial, o cais da Europa como o chamaria Vítor Konder25, Natal se iniciou pela simples troca de produtos entre seus moradores, quando o comércio era o envio de boiadas para o sul, no caminho que se denominou especificamente de estradas de boiadas, para as feiras de Goiana, Pedras de Fogo, Itabaiana e

arredores de Recife (grifos do autor).

Na referência feita por Cascudo (1999) ao comércio varejista natalense, em

seu início, já identificamos os dois tipos de comércio: um voltado para dentro, para o

suprimento das demandas do consumo da sociedade; e outro voltado para fora, para

a exportação, com o envio de boiadas para o Sul do Brasil. Deste último tipo de

comércio, afirma Teixeira (2009, p. 440) de que era “A atividade comercial ligada

25

Ministro da Viação e Obras Públicas no Brasil, entre 1926-1930 (CASCUDO, 1999).

115

notadamente à exportação do gado e à preparação de carne seca”.

Os produtos do comércio interno eram: carne, peixe, sal (CASCUDO, 1999);

enquanto que, “Até a primeira década do século XX o gado era o comércio principal

do Estado. O peixe seco era outro gênero de forte exportação” (CASCUDO, 1999,

p. 237). Assim, “[...] a função comercial das aglomerações acarreta consequências

que se expressam tanto ao nível do território quanto no interior dos centros urbanos

[...]” (TEIXEIRA, 2009, p. 439). E esta, no espaço urbano natalense, é proeminente,

já que “Natal não tinha indústrias e seu porto valia como escoadouro legal, sempre

preterido pela sonegação de outros pontos de embarque clandestino para

Pernambuco” (CASCUDO, 1999, p. 237).

Teixeira (2009), interessado em discutir a estruturação do espaço urbano

das aglomerações norte-rio-grandenses, destaca duas formas principais de

expressão da atividade comercial: a feira e o mercado público. O referido autor

explana:

A emergência da função comercial das aglomerações se verifica igualmente de duas outras formas [...]: o desenvolvimento da feira e do mercado público. O surgimento ou a oficialização desses dois

elementos relacionados ao comércio, que ocorre por volta de 1850 em toda a província, é significativo da consolidação da função comercial dos centros urbanos. O comércio não surgiu, obviamente, no século XIX (TEIXEIRA, 2009, p. 440, grifos nossos).

Enquanto elementos da estruturação comercial, em Natal, a feira precedeu o

mercado público por uma diferença de tempo de quase quatro décadas, sendo este

último elemento inaugurado somente em 1892. Enquanto Teixeira (2009, p. 441)

informa que “Havia uma feira em Natal desde, pelos menos, o início do século XIX”,

é esse mesmo autor que, ao falar da criação formal da feira em Natal, remete já à

segunda metade do século XIX, o que não estariam assim tão distantes entre si, a

feira e o mercado público, já que a feira data de 1853; e o mercado público, de 1892,

conforme vemos a seguir:

A resolução nº 7, de 11 de novembro de 1841, institui a feira em Natal. Essa feira só começou em 1853. A população a abandonou,

contudo, algum tempo depois. Em Natal, as feiras livres eram organizadas em diferentes lugares da cidade. Elas se tornaram realmente populares somente a partir do início do século XX. Com efeito, o comércio se estabeleceu pouco a pouco na capital [...] (TEIXEIRA, 2009, p. 441, grifos nossos).

116

Tal qual o mercado, a feira, além de lugar de troca, adquiria outras funções,

como relata Teixeira (2009, p. 441, grifos nossos): “Como em nossos dias, as feiras

transcendiam os interesses econômicos. Era um momento de encontro, de

celebração o semanal no centro do pequeno burgo.” Ao resgatarmos a expressão

“momento do encontro”, fazendo o autor referência à feira, e tendo nós a

compreensão de que centralidade urbana, em discussão contemporânea, consiste

na capacidade de um dado lugar atrair fluxos, atrair pessoas (SPOSITO, 2010), e se

atrai pessoas, há encontros; e se esses encontros se fazem no sentido do comércio,

“essência da cidade”, no dizer de Pintaudi (2015), como já indicamos na primeira

seção; ou no sentido das trocas, posto que “as cidades são lugares de trocas”,

segundo o pensamento de Fernandes (2014), sobre o qual também já dissertamos

na primeira seção, aí sim, podemos indicar a feira em Natal, como um dos primeiros

eventos ou elementos geradores de centralidade urbana em Natal, em um dado

momento. Um segundo evento ou elemento que podemos indicar como gerador

dessa centralidade é o mercado público. Basta examinarmos a importância que fora

dada à conquista do mesmo, conforme relatos presentes na primeira seção. Ainda

que os trâmites tenham se devido a interesses comerciais, mas representam uma

razão de existir para um mercado, uma demanda para compras, ou melhor, um

índice de frequentação, para podermos assim indicá-lo como uma centralidade

urbana vigente à época.

Nesse início das atividades econômicas de Natal, enquanto a atividade

comercial já se fazia a razão de ser da cidade, a atividade industrial se iniciou de

forma tímida, muito mais ligada à manufatura, como indica o trecho a seguir: “Da

última década do século XVIII são estes regimentos de sapateiros, alfaiate e ferreiro,

tabelando os produtos manufaturados da cidade, denunciando o nível da vida e o

próprio poder aquisitivo da moeda” (CASCUDO, 1999, p. 237).

Uma das primeiras manifestações de atividade industrial em Natal surgiu a

partir do século XIX, sobre a qual Cascudo (1999, p. 244) informa que a primeira

fábrica de tecidos de Natal foi inaugurada em “[...] a 21 de junho de 1888, Fábrica de

Fiação e Tecidos Natal, com 48 teares, 1.600 fusos e ocupando 80 operários. Foi a

primeira e única até [1946] que Natal possuiu [...]” (grifos nossos).

A referida fábrica de tecidos se localizava na Ribeira, mais precisamente,

117

[...] no beco do Tecido, rua Juvino Barreto, extrema atual da freguesia do Bom Jesus das Dores da Ribeira. Dizia-se Tecido a

Fábrica de Tecidos que ficava logo depois do beco. Desta fábrica resta a chaminé [em 1990], com a data: - 1888 (CASCUDO, 1999, p. 233, grifos do autor).

No mesmo período, houve também uma fábrica de sabão, sobre a qual

Cascudo (1999, p. 248) informa que “Em 1896 inaugurou-se a primeira fábrica de

sabão, [...] empregando operários que foram erguendo casinhas de taipa ao redor do

trabalho”. A referida fábrica de sabão foi instalada no bairro do Alecrim, razão pela

qual o autor faz referência a “casinhas de taipa”, que era uma característica do bairro

citado. As informações de Cascudo (1999) sobre a atividade industrial em Natal dão

conta da sua pouca expressividade na produção do espaço urbano da cidade.

A estruturação do espaço urbano de Natal se fez de modo eminentemente

comercial, e com o decorrer do tempo e a evolução das atividades econômicas, os

serviços também passaram a integrar a dinâmica de produção desse espaço, e a

compor o que podemos denominar como setor terciário, o que inclui comércio e

serviços, vistos como elementos propulsores na estruturação do espaço urbano da

cidade e da conformação da sua centralidade urbana, a qual já não mais se

restringe ao Núcleo do Centro Histórico de Natal: Cidade Alta; Ribeira; Alecrim – que

persiste, em função dos seus atributos histórico e simbólico, bem como pelo caráter

popular do seu setor de comércio e de serviços – antes, conforma-se em novas

centralidades, que podem ser identificadas como sendo mais expressivas, as quais

se conformam tanto em área, no caso dos bairros Tirol/Petrópolis; quanto em eixos,

como as Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire; Avenida

Prudente de Morais; e Avenida João Medeiros Filhos.

Ao anunciarmos que a centralidade urbana em Natal já não mais se

restringe ao Núcleo do Centro Histórico de Natal, e que esta se conforma sob a

expressão de novas centralidades, julgamos pertinente indicar nossa postura a

respeito de como apreendemos esse quadro empírico tão dinâmico no meio urbano,

mais ainda discutido na academia, e tão diverso em proposições em modos de

apreensão no debate acadêmico.

No caso da centralidade urbana de Natal, podemos afirmar que vem

ocorrendo, desde aproximadamente a década de 1980, quando dinâmicas mais

expressivas do setor terciário passaram a integrar a produção do seu espaço

urbano, um processo gradativo e contínuo de dispersão da centralidade urbana.

118

Apreendemos tal processo como dispersão porque entendemos que, no caso de

Natal, são novas expressões de centralidade urbana (REIS, 2007) que vêm surgindo

desde então, e a cada dia – eis por que gradativo e contínuo o processo –, sem que

o Núcleo do Centro Histórico de Natal tenha perdido o seu lugar de ser central, na

medida em que é, para o fim ao qual se presta. A respeito dessa discussão sobre a

posição do Núcleo do Centro Histórico de Natal na centralidade urbana de Natal

preocupar-nos-emos mais adiante.

Defendemos como dispersão porque o ser, o ente centralidade urbana em

Natal, que se faz por meio da atividade terciária, como propulsora da produção do

espaço urbano, tem adquirido características claras de dispersão, passando a

ocupar novas áreas, abrangendo novas dinâmicas, mas permanecendo as áreas

pretéritas com a importância que lhe é inerente na dinâmica econômica da cidade,

para os estratos da sociedade aos quais se destina.

Essa proposição de que a centralidade urbana em Natal adquire um caráter

de dispersão é uma inferência obtida na escala do visível, tendo por base as

observações feitas por ocasião da pesquisa de campo, que revelou a localização

dispersa de empreendimentos de comércio e de serviços, ao considerarmos a

natureza da centralidade urbana em sua dimensão econômica. Tal proposição pôde

ser confirmada ao analisarmos os dados sobre a distribuição das empresas de

comércio e de serviços em Natal por bairros, segundo a Secretaria Municipal de

Tributação (SEMUT) da Prefeitura do Natal, cujos resultados serão apresentados na

quarta seção deste trabalho.

Desta forma, tendo por base nosso contato cotidiano com a área foco de

estudo, bem como por meio de uma contínua pesquisa de campo, apreendemos o

índice26 de frequentação e a significação das novas centralidades urbanas em Natal

para seus citadinos. E assim, asseguramos que aquela porção à qual denominamos

Núcleo do Centro Histórico de Natal, formada pelos bairros do Alecrim, Cidade Alta e

Ribeira, continua a receber a importância que lhe é inerente no cenário natalense.

A produção do espaço urbano natelense não foge à lógica capitalista de

produção do espaço, que abrange continuamente novos espaços, como próprio do

seu processo de reprodução. Sendo assim, novas centralidades urbanas em Natal

26 Utilizamos o termo índice em sua acepção semiológica, e a partir da sua etimologia, que

significa indício: “o que indica, com probabilidade, a existência de (algo); indicação, sinal,

traço; marca deixada por; vestígio” (HOUAISS, 2009, não paginado), o que pode ser apreendido pelo contato com a nossa área de estudo.

119

podem ser apreendidas, num primeiro momento, segundo um processo de

dispersão. Mas este processo de dispersão, se adotarmos uma escala mais

ampliada de apreensão do tema, insere-se no processo de reprodução do capital,

que busca abarcar, simultaneamente, diversos espaços, configurando-se como

novas expressões de centralidade, no dizer de Reis (2007). Essa visão de que as

novas centralidades urbanas são estratégias de reprodução do capital emana do

pensamento de Sposito (2013, informação verbal), e se coaduna a outra postura da

mesma autora, de que, uma vez havendo rivalidade entre áreas ou “zonas” – no

dizer da autora –, cada uma tentando ampliar seu potencial de atração, configura-se

uma policentralidade; enquanto que, havendo complementaridade entre essas

áreas, configura-se como multicentralidade (SPOSITO, 2010).

Assim, ante a diferenciação estabelecida pela referida autora, entre

multicentralidade e policentralidade, preferimos apreender a conformação das novas

centralidades urbanas em Natal como uma multiplicentralidade. Isto porque, como já

dissemos, o processo de produção do espaço urbano em Natal, desde o início, fez-

se no sentido de uma centralidade urbana múltipla, formada por diversos núcleos

solidariamente ou “complementarmente” – no dizer de Sposito (2010) – estruturados,

como o caso dos bairros Cidade Alta, Ribeira e Alecrim, os quais se estruturam

conjuntamente em torno de atividades econômicas, e aos quais indicamos que

formaram o Núcleo do Centro Histórico de Natal.

Do exposto com base no pensamento dos dois autores, vem-nos que: se há

novas expressões de centralidade, é porque estas ganham novos conteúdos, geram

novos processos e engendram novas formas. Logo, a apreensão da centralidade

urbana contemporânea passa por novas leituras para além do econômico e do

histórico; donde nos vem a proposição de Sposito (2010; 2013), de acatarmos a

visão de que, a cada nova centralidade gerada, uma nova fronteira ao processo de

reprodução do capital é suplantada. Esse quadro está descortinando-se ao nosso

olhar em Natal, quando vemos, desde a década de 1980, o setor terciário ganhar

novo impulso, abrangendo novas áreas, gerando novas dinâmicas, sem degradar o

Núcleo do Centro histórico de Natal, antes, reinventando-o a cada nova dinâmica

terciária que surge.

E assim, ao aceitarmos a proposição de Sposito (2010), sobre a ideia de

multicentralidade, que se configura por uma complementaridade entre diversas

centralidades urbanas, encontramos respaldo para propor que a centralidade urbana

120

em Natal se conforma segundo um processo de dispersão, compreendido como a

“separação (de pessoas ou coisas) por diferentes lugares ou direções” (HOUAISS,

2009, não paginado).

Assim, tendo presente que a multicentralidade remete à complementaridade

entre centralidades, resultante da formação de novas centralidades, como forma de

reprodução do capital, a razão de ser da multicentralidade supõe a manutenção de

áreas pretéritas da atividade terciária, as quais, em certa medida podem passar, em

algum momento, por um aparente processo de degradação do centro comercial, mas

passa igualmente por momentos de reinvenção, adquirindo novos conteúdos,

processos e formas, gerando novas, ou reafirmando centralidades pretéritas, como

vem ocorrendo com o Núcleo do Centro Histórico de Natal, mais precisamente, na

Cidade Alta, centro urbano sobre o qual discorreremos em “Expressões e

conformações contemporâneas da centralidade urbana em Natal”, terceira seção

deste trabalho.

Do contrário, se ao serem criadas novas centralidades, os centros dinâmicos

das atividades terciárias urbanas fossem abandonados, não teria sentido tudo o que

vem sendo construído na academia sobre a relação produção do espaço-reprodução

do capital, e toda a gama de conhecimentos consequentes, emanados dessa

vertente de pensamento.

Essa é a razão por que entendemos que há uma dispersão da centralidade

urbana em Natal, posto que as atividades terciárias passam a ocupar novas áreas,

levando consigo os mesmos elementos conjuntos: conteúdos, processos e formas,

que integram a centralidade urbana, representada na dinâmica da atividade terciária.

E esta é, talvez, a condição para que o Núcleo do Centro Histórico de Natal não

tenha sido suplantado por novas áreas de comércio e de serviços.

A apreensão dessa dispersão da centralidade urbana fica muita clara, ao

nosso ver, num primeiro momento, pelo simples processo de instalação de filiais de

lojas de comércio e de serviços em diversas áreas da cidade. Esse fato gera novas

dinâmicas comerciais. Num segundo momento da apreensão da dispersão da

centralidade urbana em Natal, identificamos uma maior complexidade, a qual

podemos caracterizar pela mudança do conteúdo, permanecendo os mesmos

processos e formas.

Um quadro empírico bem expressivo pode ser identificado na Avenida

Hermes da Fonseca, na qual vem se instalando, nos últimos cinco anos, diversas

121

lojas de “ambientação/interiores” e escritórios prestadores de serviços de design de

interiores, seguindo a tendência do atendimento a uma clientela com demanda

solvável a esse novo padrão de moradia que tem se verificado na Cidade do Natal,

centrado dos chamados “condomínios exclusivos”, que exige a criação de ambientes

sofisticados.

Desta forma, o conteúdo da centralidade urbana desta avenida deixou de ser

de comércio e de serviços diversificados, e vem se tornando um corredor quase que

exclusivo de serviços, móveis e objetos de decoração voltados para ambientação e

interiores. Entretanto, os processos, que são os de compra e venda, de reprodução

do capital, de satisfação das necessidades humanas, seja pela busca da

sobrevivência ou pelo atendimento ao consumo, estes permanecem. Permanecem

igualmente as formas, representadas pelas estruturas das lojas, as quais passam

apenas por modificações de marketing em sua fachada.

Estabelecendo um diálogo entre o que estamos nos propondo a construir

enquanto pensamento a respeito da centralidade urbana em Natal, e o aporte do

qual nos apropriamos na consecução deste fim, temos que, ao tratarmos o caso em

tela, qual seja, a recente conformação de empresas voltadas para ambientação e

interiores na Avenida Hermes da Fonseca, identificamos, nessa área da cidade, o

que Corrêa (1997), em sua obra “Trajetórias geográficas”, ao tratar dos “processos

espaciais e a cidade”, denomina de “especialização espacial”; ao que Singer (1980),

em “Economia política da urbanização”, defende como “economias de aglomeração”

– apesar de o foco de discussão da referida obra, neste caso, ser a produção e não

a distribuição – mas, como o foco desse estudo ora apresentado é perpassado pela

distribuição, julgamos pertinente citar; ante esse quadro, identificamos o pensamento

de Pintaudi (2015), que defende que “o comércio também produz”; enquanto que

Fernandes (2014), ao analisar um quadro semelhante em Natal, que é o da Rua

Ulisses Caldas, especializada no segmento de óticas, denomina essa configuração

de “centralidade temática”, por ser focado em um tema ou produto. Assim sendo,

tanto a Avenida Hermes da Fonseca quanto a Rua Ulisses Caldas podem ser

consideradas centralidades temáticas, de natureza econômica.

A conformação de novas centralidades urbanas em Natal é expressa sob a

forma de áreas ou de eixos, conforme Mapa 01, da área de estudo, e aponta que a

centralidade urbana se dispersa a partir do Núcleo do Centro Histórico de Natal,

abrangendo novas áreas, como vem ocorrendo nas regiões administrativas norte e

122

sul, enquanto “subcentros” do comércio varejista moderno (PAULA, 2010), porque o

processo de expansão urbana foi capitaneado pela política habitacional do Sistema

Financeira de Habitação (SFH) nos sentidos norte e sul. Logo, o terciário seguiu os

passos dessa expansão, a princípio, como forma de complementação de renda da

população, evoluindo como nova dinâmica socioespacial (ARAÚJO, 2004b). Isto se

faz porque há relação entre as novas centralidades e a produção do espaço pelo

capital; porque a formação de novas centralidades urbanas é uma estratégia de

atração de fluxos de pessoas, mercadorias e capitais; e também porque as

centralidades pretéritas permanecem claramente estruturadas no espaço urbano

natalense, apenas passando por processos de reinvenção, suscitando novas

centralidades urbanas.

Além dessas áreas tidas como “subcentros” comerciais (PAULA, 2010), a

centralidade urbana em Natal se dispersa também ao longo do que denominamos,

neste trabalho, de Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT), conforme Mapa 05, que

corresponde aos principais corredores de tráfego, aqueles que comportam maior

capacidade técnica de fluxo de pessoas e bens, eixos estes aos quais Gomes; Silva;

Silva (2000) denominam “Vias Expressas de Circulação”.

123

Mapa 05: Eixos Dinamizadores do Terciário em Natal

FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: Pesquisa de campo, 2015;

Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7

124

A partir desse diálogo junto ao pensamento de Gomes; Silva; Silva (2000), a

criação da expressão Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT) se fez premente pelo

fato de expressar mais adequadamente o que ora se configura como esforço de

apreensão-exposição da natureza centralidade urbana em Natal. Isto porque, ao

considerarmos um bairro inteiro enquanto centro, vemos que sua centralidade se

expressa efetiva e explicitamente ao longo da sua principal “via expressa de

circulação”, nas palavras de Gomes; Silva; Silva (2000).

Logo, ao utilizarmos a expressão Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT),

estaremos nos referindo, simultaneamente, tanto ao bairro detentor de centralidade

quanto ao seu eixo principal de tráfego. Isto porque, ao falarmos de determinado

centro, já estamos fazendo referência, necessariamente, àquele “eixo”; ou seja, falar

da centralidade de determinada área em Natal é falar de seu respectivo Eixo

Dinamizador do Terciário, por ser uma cidade eminentemente terciária.

O marco fundante da dispersão da centralidade urbana em Natal, partindo

do Núcleo do Centro Histórico de Natal, em direção às novas centralidades, foi a

instalação do Hiper Bompreço Lagoa Nova, na Avenida Prudente de Morais, na

década de 1980. Com esse evento, teve início uma nova prática de comércio

varejista em Natal, centrado no autosserviço de larga escala, com uma vasta

diversidade de produtos, e ampla superfície de loja. Antes, lojas de autosserviço, e

com vasta diversidade de produtos – até então denominadas lojas de departamento

– eram encontradas quase que exclusivamente na Avenida Rio Branco, no bairro

Cidade Alta, por ser o bairro comercial por excelência do Núcleo do Centro Histórico

de Natal. Na Cidade Alta, estavam localizadas: Lojas Americanas, Casas

Pernambucanas e Lojas Brasileiras (Lobras), entre outras.

A partir do surgimento do Hiperbompreço Lagoa Nova, na década de 1980, o

varejo moderno passou a expandir sua prática comercial na Cidade do Natal,

seguindo-se a instalação de outros equipamentos semelhantes de comércio, como:

o Carrefour, o Atacadão, o Makro, o Extra, o Sam’s Club, Assaí, entre outros, sobre

os quais teceremos considerações mais detalhadas na seção seguinte, ao tratarmos

das “expressões e conformações” da centralidade urbana em Natal. Dentre estes,

alguns, como o Carrefour e o Extra, são equipamentos comerciais se conformam

como lojas âncora de shopping centers, tornando a estrutura de comércio e de

serviços ainda mais densa, gerando assim uma centralidade urbana ainda mais

expressiva, dada a mais diversificada gama de bens e serviços que oferece, e a

125

possibilidade de encontros que gera.

Há ainda outros tantos “eventos e processos” que concorreram para que a

centralidade urbana em Natal se conforme segundo um processo de dispersão,

dentre os quais, elegemos tratar a seguir: da atividade turística (FURTADO, 2008),

dos shopping centers (NASCIMENTO, 2003) dos serviços de saúde (TAVARES,

2010) e da expansão do varejo moderno (PAULA, 2010).

A respeito da influência do incremento da atividade turística na Cidade do

Natal para a dispersão da centralidade urbana, é interessante enfatizarmos a

contemporaneidade do processo, que se fez concomitante à expansão do varejo

moderno, representado pela implantação do Hiper Bompreço Lagoa Nova, ao qual já

nos referimos. Neste sentido, Furtado (2008, p. 143) assim caracteriza e demarca o

início do processo da expansão da atividade turística:

Com o boom turístico que ocorreu em Natal, o governo [...] implementou inúmeras medidas como forma de atração de capitais privados para a cidade, visando desenvolver o turismo, o que, na realidade, aconteceu. Dentre as muitas realizações de incentivo ao setor, destaca-se, nessa fase, o Projeto Parque das Dunas-Via Costeira [...], criado pelo Decreto nº 7.538, de 19-01-1979. A Via Costeira, com 8,5 km de extensão, entre as praias urbanas de Areia Preta e Ponta Negra, foi inaugurada em 1983 e constituiu-se no marco mais importante na expansão do turismo em Natal. O

objetivo de projeto era dotar Natal de uma infra-estrutura hoteleira, até antão insuficiente, para consolidar o turismo na cidade e inseri-la no circuito nacional. Atendia, portanto, a necessidade de incrementar a competitividade ao setor turístico local (grifos nossos).

Resgatamos, em primeiro lugar, dentre as informações oferecidas pela

autora supracitada, a data de inauguração da Via Costeira: 1983; logo, vemos que é

mais um evento que concorreu para o início da expansão da economia terciária pelo

território natalense, cuja espacialização vem se caracterizando pela dispersão de

centralidades urbanas.

Quando à faixa territorial de abrangência do projeto Via Costeira, demarcada

entre as ditas praias urbanas de Natal, as quais se estendem da praia de Areia Preta

à de Ponta Negra, há algo de interessante a considerarmos: essa configuração põe

a nova atividade econômica ora em curso – a turística – em relação com atividades

tradicionais, como o comércio do Núcleo do Centro Histórico de Natal, com outras

duas novas atividades, quais sejam, os serviços privados de saúde dos bairros

Tirol/Petrópolis e a atividade comercial desenvolvida no “corredor dos shopping

126

centers”, o qual adquire um arranjo espacial bem característico na contiguidade das

Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire.

Dessa relação da atividade turística com a atividade comercial da cidade,

resultará, ora renovação, no caso do comércio tradicional; ora complementaridade,

no caso dos shopping centers. Nossa visão acerca da renovação da atividade

econômica tradicional pelo turismo é ratificada pelas palavras de Furtado (2008, p.

144), ao afirmar que “[...] políticas públicas diversificadas, algumas associadas ao

turismo, induzem as transformações socioespaciais da cidade de Natal, privilegiando

o capital privado, e contribuem para se reeditarem atividades tradicionais

(modernizadas).”

Encerrando nosso diálogo a partir dos grifos da citação, não há como não

concordarmos com Furtado (2008), parafraseando seu pensamento, de que o

projeto Via Costeira fora mesmo um marco importante na atividade turística para da

Cidade do Natal, mesmo porque, como vemos, uma atividade simultânea no tempo e

no espaço em relação à sua principal dinâmica econômica, até então – década de

1980 – centrada quase que exclusivamente no comércio e em serviços de pouca

expressividade, voltados ao cotidiano da sociedade local.

Com o incremento da atividade turística, os serviços adquiriram uma

condição de excelência na cadeia produtiva da economia natalense, desencadeando

uma gama de outros serviços, como de hospedagem, que se expandiu para além da

Via Costeira, abrangendo também a Avenida Roberto Freire, no bairro de Ponta

Negra; o de gastronomia, que igualmente se concentra na referida avenida, e em

outras áreas, como no trecho das praias urbanas, nos bairros Tirol, Petrópolis e

Lagoa Nova; outros serviços ainda foram fomentados, como o de aluguel de

veículos, de serviços de câmbio, lazer e entretenimento, entre outros, tornando mais

diversificada e complexa a atividade terciária na Cidade do Natal, desencadeando

uma dinâmica de reprodução do espaço urbano, a qual passou a abranger cada vez

mais novos espaços, gerando novas centralidades urbanas em dispersão,

contribuindo assim para a reprodução do capital.

Ao falar da implementação de políticas associadas, voltadas para o turismo,

Furtado (2008, p. 147) indica o vetor, segundo a sua visão, de influência da atividade

em tela:

[...] a implementação dessas políticas, que ensejou o processo de

127

crescimento da cidade, permitiu a continuidade da descentralização espacial de suas atividades econômicas, sobretudo rumo aos três grandes eixos de crescimento da zona Sul (Avenida Prudente de Morais, Avenida Salgado Filho-BR 101 e Avenida Engenheiro Roberto Freire).

Reforçamos que essa é a visão da autora, no trecho citado, com relação ao

vetor do processo de descentralização das atividades econômicas da Cidade do

Natal – ao que estamos denominando de dispersão –, sendo essa visão consoante à

de Nascimento (2003). E reforçamos porque as visões dos autores ora citados, em

certa medida, apresentam dissonância em relação ao que temos exposto até o

momento do texto.

Já ao empreendermos diálogo com outras produções acadêmicas, como:

Araújo (2004b), que aponta para uma nova dinâmica socioespacial da região

administrativa norte; Paula (2010), que examina a expansão do varejo moderno

nessa mesma região; e Tavares (2010), que versa sobre a dispersão dos serviços

privados de saúde nos bairros Petrópolis, Tirol e Lagoa Nova, encontramos

consonância ao nosso modo de pensar quanto à apreensão da dinâmica das novas

centralidades urbanas em Natal.

Ainda sobre a projeção de novas centralidades no espaço urbano de Natal,

encontramos sintonia, dessa vez, entre o nosso pensamento e o de Furtado (2008,

p. 147), ao afirmar que

[...] as tradicionais áreas centrais da cidade, como Ribeira, Alecrim e Cidade Alta, passam a dividir sua hegemonia comercial com os

novos centros. A cidade vai se espraiando, e sua economia, sobretudo no setor de comércio e serviços, vai ganhando novos bairros e construindo novos espaços para neles atuar (grifos

nossos).

Falar dos bairros Ribeira, Alecrim e Cidade Alta, em nosso estudo, é falar do

Núcleo do Centro Histórico de Natal, o qual, como já apontamos, mantém sua

condição de centralidade, conseguindo atrair determinados estratos da sociedade

natalense, ou até mesmo atendendo às demandas de quaisquer estratos sociais em

um dado momento, mesmo que alguns destes estejam frequentando outras

centralidades na cidade, e, eventualmente, careçam de algum conteúdo dessa

centralidade. Logo, no dizer de Furtado (2008), esses bairros da cidade “dividem sua

hegemonia” com outras áreas centrais da cidade, como novos espaços incorporados

128

pelo capital, em seu processo de reprodução.

Em suma, concordamos com a autora, reforçando que o Núcleo do Centro

Histórico de Natal persiste enquanto centralidade face às novas áreas do terciário,

numa condição de “divisão da hegemonia” (FURTADO, 2008), ao que Sposito (2010)

vê rivalidade entre centros, ao tentarem ampliar sua capacidade de atração, e define

essa “rivalidade” como policentralidade, processo esse que vai abrangendo novos

espaços potenciais à reprodução do capital.

Entretanto, no diálogo com ambas as autoras, preferimos inferir que há, na

conformação da centralidade urbana em Natal, uma multicentralidade, indicada por

Sposito (2010) como uma condição oposta à policentralidade, porque se faz por

meio da complementaridade entre áreas ou “zonas”. Assim, concordando com a

autora supracitada, podemos dizer que há uma dispersão da centralidade urbana

pelo território da cidade, porque estas se multiplicam e complementam-se entre si,

cada uma com sua natureza e seus atributos que lhes são peculiares, atendendo,

num dado momento, estratos sociais diversos.

A prática de ir às compras em shopping center em Natal é bem recente,

porque igualmente o é o processo de implantação desse equipamento de comércio.

O evento shopping center como fator de dispersão da centralidade urbana em Natal

se fez mais expressivo a partir da década de 1990. Isto porque,

No Rio Grande do Norte, o verdadeiro conceito de shopping foi implantado com o Natal Shopping Center, fundado em 4 de junho de 1992. Pois, até então, os shopping que os potiguares tinham eram os dois Centros Comerciais Aluízio Bezerra-CCABs (Norte e Sul [em Petrópolis e Capim Macio, respectivamente]) e o Cidade Jardim (1984), que muito mais se assemelhavam a galerias comerciais do que efetivamente a um shopping Center (BARRETO; LIMA, 2007, p. 48).

Assim como Barreto; Lima (2007) relatam sobre o surgimento dos shopping

centers em Natal, em sua obra “Memória do comércio do Rio Grande do Norte”,

Nascimento (2003), ao estudar os shopping centers em Natal, e sua influência na

reprodução do espaço na Zona Sul da cidade, também aponta: “No caso particular

de Natal-RN, os primeiros S.C. [shopping centers] da cidade só vão surgir na década

de [19]90, embora empreendimentos de menor porte já se fizessem presentes desde

a década de [19]80 na cidade [...]” (NASCIMENTO, 2003, p. 30).

Apesar de o referido estudo focar apenas três shopping centers, naquele

129

momento, porque eram os mais expressivos de então, já aponta para um

deslocamento do foco das atividades comerciais, que se dispersa a partir do Núcleo

do Centro Histórico de Natal, dirigindo-se no sentido sul, seguindo, em certa medida,

a dinâmica do turismo, apresentada por Furtado (2008).

Esses dois autores, Nascimento (2003) e Furtado (2008), convergem em

seus estudos, ao apreenderem o processo de reprodução do espaço urbano de

Natal, em que Nascimento (2003) foca os shopping centers, e vê o processo de

reprodução do seu entorno em função da atividade turística, sendo este espaço

frequentado e consumido pelos turistas; enquanto que Furtado (2008), tem sua visão

centrada na atividade turística, percebendo os shopping centers e outros espaços

“de status” como complementares à atividade turística.

Interessante é notar que os ângulos de visão são diferentes, porque os

interesses particulares de estudo e tempo são igualmente diversos. Mas há uma

sincronia no modo de apreender a dinâmica do terciário que vem se conformando no

“corredor dos shoppings” – como é linguagem corrente assim denominar em Natal –,

que é visão de que tem se tornado um espaço voltado para atender à demanda de

estratos de melhor renda da população, e para o desenvolvimento da atividade

turística.

Já com relação ao surgimento dos shopping centers e sua relação com a

descentralização da atividade terciária dos “centros mais antigos e tradicionais”

(NASCIMENTO, 2003, p. 15) – como assim se refere ao bairro Cidade Alta – em

direção aos novos espaços ocupados pelo terciário, o referido autor afirma:

É importante salientar que, à medida que crescem os serviços e o comércio nessa área da cidade, como os novos centros comerciais, os shopping-centers, alguns centros comerciais mais antigos e

tradicionais como o Centro da Cidade, passam a sofrer um processo de descentralização, enfrentando, na atualidade, vários problemas que vão desde a falta de consumidores para muitos serviços que ali são oferecidos, até questões referentes a segurança, estacionamento, trânsito, poluição etc (NASCIMENTO, 2003, p. 89, grifos do autor).

Em nosso diálogo com o autor supracitado, cumpre-nos indicar algumas

posturas. A primeira se faz no sentido de concordar em estabelermos uma relação

entre o surgimento dos shopping centers e a descentralização ou, ao nosso ver,

dispersão das centralidades urbanas em Natal. Enquanto que a segunda postura se

130

faz no sentido de discordar do autor, ao afirmar que o processo de descentralização

se faz em função de problemas relacionados a trânsito e a segurança. Nossa visão

se coaduna mais ao pensamento de Sposito (2010; 2013, informação verbal), ao

defender que as atividades terciárias se deslocam à procura de novas áreas,

gerando novas centralidades, muito mais em função do processo de reprodução do

capital, do que dos problemas de degradação dos centros tradicionais das cidades.

E esse é o quadro que vem se configurando na Cidade do Natal, haja vista o Núcleo

do Centro Histórico de Natal não ter perdido sua condição de centralidade até então,

ao nosso ver, com base na pesquisa de campo desenvolvida para a consecução

deste trabalho, diferente do que defende Nascimento (2003).

Enquanto as contribuições de Nascimento (2003) e Furtado (2008) se fazem

importantes no sentido de compreendermos a estruturação da economia terciária e a

correlata dispersão da centralidade urbana em Natal no sentido sul da cidade, Paula

(2010) desenvolveu estudo semelhante, focando a expansão do comércio varejista

moderno no sentido norte, mais precisamente, nos principais corredores de tráfego

da Região Administrativa Norte de Natal. No caso em tela, nas Avenidas Tomaz

Landim e João Medeiros Filho, como detentoras mais expressivas de novas

centralidades urbanas.

Consoante ao que apreendemos com relação à conformação das atividades

tradicionais de comércio e serviços presentes na Cidade do Natal, abrangendo os

bairros Cidade Alta, Ribeira e Alecrim como Núcleo do Centro Histórico de Natal,

Paula (2010, p. 26) afirma que a cidade “[...] passou a apresentar uma

descentralização de suas atividades (antes restritas às áreas centrais da cidade –

Ribeira, Cidde Alta e Alecrim) [...]”.

Estamos então diante da compreensão de que a economia parte desse

Núcleo do Centro Histórico de Natal em direção às novas áreas de centralidades,

passando a se projetar no sentido norte da cidade, no contexto do processo de

dispersão das atividades terciárias, a respeito do qual Reis (2007) afirma

corresponder à segunda etapa do processo de descentralização das atividades

econômicas das cidades, a qual teve início na década de 1970, e perdura até a

atualidade, tendo sua projeção sobre a economia terciária; enquanto que a primeira

etapa, pontua o referido autor, desenvolvera-se entre 1920 e 1970 (REIS, 2007).

A respeito do surgimento e consolidação das atividades terciárias na Região

Administrativa Norte de Natal, Araújo (2004b) já indicara que a partir da segunda

131

metade da década de 1990, a referida região vinha deixando de ser apenas “espaço

de moradia”, passando a ser também “espaço de produção”, com a instalação de

filiais de empresas que antes operavam em outras áreas de Natal. Essa visão é

consoante ao que defende Carlos (1994) a respeito do que denomina “modos de uso

do espaço”, segundo os quais identifica dois modos de uso: para a reprodução da

sociedade, quando voltado para a moradia; e para a reprodução do capital, quando

voltado para a produção. Assim, a referida região estaria, desde a segunda metade

da década de 1990, inserindo-se também no modo de uso voltado para a produção.

Dando continuidade ao exame dos estudos já desenvolvidos sobre a Região

Administrativa Norte de Natal, Paula (2010, p. 62) afirma que

[...] principalmene a partir da segunda metade da década de 1990, a Zona Norte de Natal vem se destacando como espaço do crescimetno desse comércio varejista moderno, refletido por meio da recente construção e instalação de hipermercados, supermercados e shopping centers.

Essas informações atestam que o espaço da Região Administrativa Norte já

não mais se desenvolvia apenas em função da moradia, nem tampouco do pequeno

comércio voltado para a subsistência das famílias, tendo em vista que os

equipamentos de comércio do varejo moderno aos quais Paula (2010) faz referência

se inserem numa escala de reprodução bem mais ampla do capital.

A respeito desse debate é importante resgatarmos o pensamento de

Pintaudi (2009), que defende a ideia de que é dentro da estruturação do terciário

que surgem os equipamentos de comércio, colaborando assim para a transformação

socioespacial, a qual se adapta a cada novo momento de reprodução do capital. E é

interessante também registrar a convergência do pensamento de Pintaudi (2009) ao

de Sposito (2010), nessa seara do debate.

Seguindo os resultados do estudo desenvolvido por Paula (2010) a respeito

da expansão do varejo moderno pelos corredores de tráfego da Região

Adminstrativa Norte da cidade, identificamos a influênica dessa expansão do varejo

moderno para a dispersão da centralidade urbana em Natal, segundo os seguintes

Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT), que são os seguintes na referida região:

Avenidas das Fronteiras, João Medeiros Filho, Itapetinga, Moema Tinôco, Pompéia e

Tomaz Landim. Outros EDTs podem ser acrescentados a esse recorte espacial

definido por Paula (2010), por apresentarem uma dinâmica mais recente em relação

132

ao seu estudo: Avenidas Maranguape, Boa Sorte e da Chegança, que vêm

apresentando um diversificado comércio voltado para necessidades cotidianas, que

variam desde bens de consumo diário, incluindo vestuário, móveis e serviços em

geral (PESQUISA DE CAMPO, 2016).

Entretanto, julgamos pertinente atentarmos para a ênfase caracterizada por

uma certa sobrevalorização da presença dos referidos equipamentos por parte de

Paula (2010), dado que, mesmo seis anos após seu estudo, foram instalados no

espaço em questão apenas dois hipermercados e dois shopping centers, todos na

Avenida João Medeiros Filho, a qual identificamos como um Eixo Dinâmico do

Terciário na Região Administrativa Norte de Natal, eixo que se estende desde a

Avenida Tomaz Landim até o acesso à Ponte Newton Navarro, abrangendo, na

sequência, os bairros Igapó, Potengi, Salinas e Redinha.

Na verdade, ao que Araújo (2004b) denominou de uma incipiente inserção

da Região Administrativa Norte na dinâmica do terciário de Natal, a partir da

segunda metade da década de 1990, expressa pela presença de filiais de empresas

presentes em todo o território natalense, atualmente, podemos afirmar que a

dinâmica expressiva das atividades terciárias presentes nos principais eixos viários

da referida região aponta para uma igualmente “incipiente” consolidação do terciário

na Região Administrativa Norte de Natal, consolidando então o processo de inserção

que fora anunciado no ano de 2004. E reafirmamos como Eixo Dinâmico do

Terciário, principalmente, a Avenida João Medeiros Filho.

É, primordialmente, em torno desse eixo que a dinâmica espacial da Região

Adminstrativa Norte se processa, concentrando: supermercados, hipermercados,

lojas de material de construção, lojas de móveis e eletrodomésticos, farmácias,

serviços de saúde, segurança e educação – tanto públicos quanto privados –,

Central do Cidadão e sua gama de agências de prestação de serviços, shopping

centers, bancos, lojas de automóveis usados, agências dos Correios, entre outros

(Pesquisa de Campo, 2016).

É interessante registrar que apesar da expansão urbana da Cidade do Natal

ter ocorrido simultaneamente, nos sentidos norte e sul, em função da política

habitacional do SFH, as discrepâncias se mantêm entre essas duas regiões

administrativas da cidade, tendo por base o padrão de produção da moradia

(ARAÚJO, 2004b), e ainda se projeta sobre a estruturação econômica de cada uma

das referidas regiões, haja vista a Rregião Administrativa Sul ter sido incorporada,

133

desde o início da sua formação, à dinâmica econômica da cidade do Natal.

Enquanto que à Região Adminsitrativa Norte coube uma inserção tardia,

iniciada em meados da década de 1990, e só então iniciado seu processo de

consolidação uma década após, com a instalação de equipamentos comerciais de

grande porte, como hipermercados e shopping centers. Até então, o que era

verificado, na Região Adminsitrativa Norte, era a instalação, seguida do fechamento

de filiais de empresas que operavam em outras áreas da cidade.

Com esse registro comparativo, importa-nos lembrar a ideia defendida,

aportando-a nos pensamentos de Sposito (2010) e Pintaudi (2009), de que o capital

busca ocupar diversas áreas, abarcando-as em seu processo, para então se

reproduzir, razão pela qual reafirmamos que a formação de novas centralidades

urbanas em Natal consiste num processo de dispersão da centralidade.

Outro evento significativo para o processo de dispersão da centralidade

urbana em Natal se fez por meio dos serviços de saúde, principalmente do setor

privado, e indica enquanto marco temporal, igualmente a década de 1980, conforme

contextualiza Tavares (2010, p. 23):

A partir do final dos anos 1980, expandem-se em todo o país, a estrutura e os serviços prestados à população pelo setor privado de saúde. Tal fato decorre, principalmente, da precariedade assistencial apresentada pelo setor público de saúde, a qual demonstra uma insuficiência de atendimento a demanda populacional. A cidade de Natal também acompanha essa expansão, conforme podemos constatar por intermédio da observação do significativo crescimento de instituições privadas, como hospitais, clínicas e laboratórios, além da ampliação da quantidade de planos de saúde, e do aumento do número de suas carteiras.

Como temos exposto sobre a dispersão da centralidade urbana em Natal, é

todo um conjunto de atividades econômicas que se expandia simultaneamente,

numa relação espaço-temporal. Atividades estas ligadas ao setor de comércio e de

prestação de serviços, face a um contexto de crise em alguns setores da economia,

como no caso do Rio Grando do Norte, resultante da decadência da economia

tradicional sertaneja, fundada na tríade pecuária-algodão-agricultura de

subsistência; enquanto que, para a capital do estado, a Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) já esgotara as tentativas de tornar a Cidade

do Natal uma promissora cidade industrial por meio da implantação do Distrito

Industrial de Natal (DIN) no entorno da Região Adminsitrativa Norte, que terminou

134

por ser incorporada, mesmo que tardiamente, à economia terciária da cidade. E

assim, diante da tendência terciária da economia de Natal, a produção do seu

espaço urbano se faz em conformidade com essa condição, razão pela qual a

referida atividade se dispersa pelo território da cidade.

Enquanto que Gomes; Silva; Silva (20000; 2002) já haviam desenvolvido

estudo e apontado a presença de equipamento privados de saúde e educação ao

longo do que denominam “Via Expressa de Circulação”, nesse caso, representado

pela Avenida Hermes da Fonseca, Tavares (2010) utiliza como recorte espacial de

investigação para examinar a presença dos serviços privados de saúde os bairros

Tirol e Petrópolis, e indica também fatores de localização:

Devido ao bom sistema de engenharia dos bairros à época de criação, as elevadas rendas médias salariais e ao fato de abrigarem umas das primeiras e maiores e ainda mais complexas unidades de serviços públicos de saúde da cidade, os bairros Petrópolis e Tirol, são os primeiros de Natal, a receberem uma significativa quantidade de serviços privados de saúde, quando da sua expansão. Realidade que a cada período vai se acentuando em virtude da própria concentração que os tornam atrativos para a instalação de outras unidades, que se localizam nos bairros, ora promovendo uma competitividade, ora uma complementaridade, formando, em suma uma área de especialização desses serviços na cidade, e um ‘corredor sanitário’ (TAVARES, 2010, p. 25-26).

Os bairros Tirol e Petrópolis foram áreas de Natal para as quais se voltou um

criterioso processo de planejamento urbano por parte da Prefeitura do Natal, desde

o início de século XX, como relata Cascudo (1999), e diversos trabalhos

acadêmicos, que além de Tavares (2010), Costa (2000), Nascimento (2003),

Bezerra (2005), entre outros, discorrem a respeito do processo de planejamento

destes bairros detalhadamente, apontando, inclusive, que ambos se originaram de

um bairro antecessor, que era o bairro Cidade Nova, o terceiro a ser criado na

Cidade do Natal, depois dos bairros Cidade Alta e Ribeira.

O surgimento dos bairros Tirol/Petrópolis, enquanto bairros planejados da

Cidade do Natal, atendeu à necessidade de expansão das atividades terciárias da

cidade, abrindo um promissor mercado de serviços médicos e hospitalares; atendeu

igualmente a um promissor mercado imobiliário voltado para a elite natelense,

expresso na concentração da verticalização nesses bairros (COSTA, 2000),

contribuindo por fim, para a dispersão da centralidade urbana em Natal.

135

Tavares (2010) segue expondo a projeção da dispersão dos equipamentos

do setor privado de saúde pelo território natalense, relacionando-o, inclusive, ao

aumento da população entre os anos 1990 a 2009:

Nesse sentido entendemos que o aumento da população de Natal contribui para a ampliação dos serviços de saúde no território urbano da cidade, pois conforme essa crescia, presenciávamos o aumento do número de estabelecimentos de saúde e a formação de novos pontos de atração para essa atividade, fato comprovado nos bairros Lagoa Nova, Cidade Alta, Alecrim e Igapó, e em menores números, Capim Macio e avenida Airton Senna (p. 133, grifos nossos).

Conforme identificados os bairros segundo destaques feitos no trecho citado,

vemos que o processo de dispersão da centralidade urbana em Natal pelos serviços

privados de saúde passou a abranger, desde o Núcleo do Centro Histórico de Natal,

até às mais recentes áreas de centralidade, dirigindo-se nos sentidos norte e sul da

cidade.

Consideramos ainda como evento do processo de dispersão da centralidade

urbana em Natal os eventos em si, aqueles aos quais chamaríamos de “eventos

efêmeros”, porque relacionados aos períodos festivos ou comemorativos – Natal,

Ano Novo, Carnaval, Festejos Juninos, Férias, Micaretas, entre outros. Estes, em

sua maioria, têm sua localização definida de acordo com a “capacidade técnica” de

cada lugar, segundo informações obtidas em pesquisa de campo junto às seguintes

secretarias do Município de Natal: Secretaria de Cultura; Secretaria de Turismo; e

Secretaria de Esporte e Lazer. Capacidade técnica, segundo as palavras dos

gestores entrevistados, traduz-se na quantidade de pessoas de pessoas de certas

áreas da cidade comportam.

Mesmo assim, da relação entre a infraestrutura que determinadas áreas

apresentam e a tendência a “turistificação” de certas áreas da Cidade do Natal,

como defende Furtado (2008), a tendência de concentração de eventos de turismo e

lazer se faz no sentido do Eixo Dinamizador do Terciário que se estende desde a

Avenida Hermes/Salgado Filho/Roberto Freire, abrangendo ainda pontos focais,

como a Via Costeira, as praias de Ponta Negra e Praia do Meio, e o Complexo

Arena das Dunas, sendo todas essas áreas conformadas no entorno de

Tirol/Petrópolis, dirigindo-se no sentido da Região Administrativa Sul; uma única

área expressiva de eventos comemorativos pode ser registrada na Região

136

Administrativa Norte da cidade, que é o Ginásio de Esportes Nélio Dias, no qual

ocorrem desde competições desportivas a shows artísticos.

Ressaltamos que os eventos que concorrem para o processo de dispersão

da centralidade urbana em Natal são os seguintes: a dinamização das atividades

terciárias, com a implantação de novas estruturas de comércio e de serviços ao

longo dos Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT); o surgimento dos shopping

centers; a consolidação da atividade turística; a concentração dos serviços de saúde

nos bairros Tirol/Petrópolis, seguida de sua dispersão para as Regiões

Administrativas Norte e Sul da cidade; e por fim, a expansão do varejo moderno na

Região Administrativa Norte de Natal.

Reafirmamos ser o processo de dispersão da centralidade urbana em Natal

expressa por meio da conformação de novas centralidades, muito mais que um

processo de suplantação do Núcleo do Centro Histórico de Natal, mas uma

estratégia própria de produção da cidade pelo capital. Desta forma, fica elucidado

para nós que a produção do espaço urbano se faz no sentido de abranger todas as

possíveis áreas do território da cidade, buscando, nesse processo, a sua

reprodução, razão pela qual novas centralidades são continuamente criadas.

137

3 A NATUREZA DIVERSA DA CENTRALIDADE URBANA

A centralidade urbana em Natal é tratada nesta seção a partir do resgate da

formação de cada um dos bairros constituintes do Núcleo do Centro Histórico de

Natal, na sequência do desenvolvimento das atividades comerciais: Ribeira, Cidade

Alta e Alecrim. Dessa forma, discute sobre os conteúdos, processos e formas que

concorreram para a formação de centralidades urbanas em cada um dos bairros,

bem como as expressões de centralidade ainda hoje presentes neles.

Ao tratar das expressões contemporâneas de centralidade urbana em Natal,

volta-se para as atividades terciárias que se dispersam nos sentidos Norte e Sul da

cidade, como resultado da expansão do varejo moderno, bem como das atividades

ligadas ao turismo, as quais se concentram de forma mais expressiva entre as

Regiões Administrativas Leste e Sul da cidade.

3.1 Conteúdos, processos e formas da centralidade urbana em Natal

Ao propormo-nos à apreensão da natureza de centralidade urbana em Natal,

temos claro que tal empreendimento há que ser feito segundo diversas dimensões,

uma vez que indicamos como pressuposto que a centralidade urbana é constituída

de natureza diversa. Diversa em seus conteúdos, processos e formas, os quais

carecem de ser expressos na forma plural, face à sua diversidade.

Iniciamos o desenvolvimento desta subseção tratando do comércio,

enquanto conteúdo norteador ou gerador de centralidade urbana, dada a sua

proeminência na Cidade do Natal, no contexto do desenvolvimento da economia

terciária e da produção do seu espaço urbano. Entretanto, sabemos que outros

conteúdos presentes na dinâmica urbana presidem a conformação de centralidades,

como: o histórico, o cultural, o ideológico, o simbólico, a gestão, dentre outros. Essa

é a razão pela qual defendemos ser a centralidade urbana de natureza diversa.

Temos aludido a respeito da importância do comércio para a cidade, em

momentos anteriores deste trabalho, e reforçamos: o comércio é a razão de ser da

cidade (PINTAUDI, 2015); enquanto que a cidade também pode ser vista como um

lugar de trocas (FERNANDES, 2014). Acrescentamos ainda o pensamento de

Barreto; Lima (2007, p. 21), os quais defendem que

138

No mundo, o surgimento e o crescimento da atividade comercial estão diretamente relacionados ao grau de prosperidade das cidades, tornando-se o principal elemento motivador de investimentos em infra-estrutura, como estradas e transportes. Daí ser caracterizada como uma atividade tipicamente urbana.

O comércio, enquanto atividade terciária proeminente no espaço urbano de

Natal, será então o ponto de partida para apreendermos e explicitarmos a

centralidade urbana, dentre outros conteúdos que lhes são geradores.

Reafirmamos nossa concepção de que fora constituído um Núcleo do Centro

Histórico de Natal, do qual participaram solidariamente os bairros Cidade Alta,

Ribeira e Alecrim, cada um com os atributos que lhes eram inerentes para a

consecução das suas respectivas centralidades. E assim, daremos continuidade a

essa concepção ao tratarmos do desenvolvimento do comércio na Cidade do Natal,

só que, dessa vez, partindo do bairro da Ribeira; seguindo-se com o da Cidade Alta;

e, por fim, abordando o do Alecrim. A razão desta sequência se faz em função da

dinâmica do comércio que nos foi apresentada, ao examinarmos a bibliografia

atinente à temática, bem como ao desenvolvermos a pesquisa de campo.

Ao falarmos da complementaridade entre esses três bairros – Ribeira,

Cidade Alta e Alecrim – na estruturação de um Núcleo do Centro Histórico de Natal,

essa condição de complementaridade nos autoriza a propor que a centralidade

urbana em Natal pode ser apreendida, além da sua diversidade, também por uma

multicentralidade, que consiste na complementaridade entre diversas áreas.

Parafraseando Sposito (2010), diríamos que, se verificamos a multiplicação

de centros, estamos diante de uma multicentralidade, desde que estes centros

estabeleçam entre si relações de complementaridade. Esta condição de

complementaridade na conformação do Núcleo do Centro Histórico de Natal foi por

nós exposta na segunda seção, ao indicarmos que a Cidade Alta deu início à

formação do espaço urbano de Natal, com a fundação da cidade, vindo a

desenvolver em seguida o comércio; que a Ribeira desenvolveu seu comércio

voltado para a exportação-importação, em função do Porto de Natal; e que o Alecrim

estabeleceu contato com o interior do estado do RN, fazendo a ligação entre a

Cidade Alta, a Ribeira e o interior do estado, desenvolvendo também o seu

comércio.

Desta forma, configurou-se uma condição de complementaridade, em que

cada área contribuiu com os atributos que lhes eram inerentes, naquele momento,

139

para a formação do Núcleo do Centro Histórico de Natal. E, ao examinarmos

bibliografia atinente à temática, ao obtermos dados primários, por ocasião da

pesquisa de campo, e também ao analisarmos dados secundários, temos observado

que essa condição de multicentralidade persiste.

A condição oposta à multicentralidade, sobre a qual julgamos pertinente

referir, é a policentralidade, que se configura pela concorrência entre áreas de um

dado espaço urbano, estando estas a procura de exercer cada uma maior poder de

atração em relação às demais (SPOSITO, 2010). Descartamos essa possibilidade

ao nosso objeto de estudo, em função do que segue.

Em primeiro lugar, porque entendemos que os centros que se conformam

em Natal, desde aquele ao qual denominamos Núcleo do Centro Histórico de Natal,

às novas centralidades, cada um apresenta, segundo seus atributos, a centralidade

que lhe é inerente, atendendo a contento àqueles que demandam seus conteúdos,

sejam estes de comércio, de serviços, de caráter histórico, de gestão, entre outros.

Em segundo lugar, porque não estamos enveredando, neste trabalho, por

um trabalho de quantificação, à procura do que venha a ser centro ou subcentro,

segundo uma abordagem de hierarquização dos centros.

Em terceiro lugar, e por fim, porque estamos tratando a centralidade urbana

em sua diversidade, que em certa medida, considera aspectos quantitativos, como

dados de comércio e serviços, índices de fluxos e frequentação, mas que abrange

também aspectos qualitativos e subjetivos, como aqueles ligados às dimensões

histórica, simbólica, até mesmo à dimensão ideológica, como nos foi revelado por

ocasião da pesquisa de campo.

Retomando a discussão sobre a contribuição do comércio para a formação

das centralidades urbanas, defendemos que o mesmo exerce um poder de atração

sobre as pessoas, formando fluxos, gerando centralidades. As pessoas, aqui

tratadas como consumidores, são então atraídas porque se beneficiam no processo

de troca, porque têm suas demandas atendidas, como apontam Barreto; Lima (2007,

p. 19): “A maioria dos economistas aceita a teoria de que o comércio beneficia a

ambos os parceiros, porque se um não fosse beneficiado não participaria da troca, e

rejeita a noção de que toda troca tem implícita a exploração de uma das partes.”

O benefício mencionado no pensamento dos autores citados estaria para o

atendimento à demanda do consumidor, assim como a suposta “exploração” estaria

para o processo de reprodução do capital, representado pela margem de lucro, o

140

que é intrínseco ao ambiente capitalista, e que faz parte do seu processo de

reprodução. Neste trabalho, interessa-nos essa temática à medida que identificamos

estreita relação entre a dispersão da centralidade urbana, com a formação de novas

centralidades, e o processo de reprodução do capital. Ou seja, podemos asseverar

que novas centralidades estão sempre a surgir porque, se de um lado a sociedade

apresenta novas demandas, o capital, igualmente demanda sempre novos espaços

para reproduzir-se. Estes espaços se apresentam então sob a forma de novas

centralidades.

A Ribeira passou a apresentar a função de bairro comercial desde a

segunda metade do século XIX, concomitante ao desenvolvimento do comércio no

RN, conforme expõe a obra “Memória do comércio do Rio Grande do Norte”, de

Barreto; Lima (2007, p. 26): “Há unidade de opinião entre os historiadores potiguares

de que o nosso comércio só veio a assumir um fluxo maior na segunda metade do

Século XIX.”

Pela sua condição natural, margeada pelo estuário do Rio Potengi, o bairro

da Ribeira passou a abrigar o Porto de Natal, o qual foi de importância capital para o

desenvolvimento do comércio no bairro, sendo, naquele momento, o principal centro

comercial da cidade, cuja relação de exportação-importação se estreitava com o

estado de Pernambuco. A respeito dessa relação comercial e do surgimento do

Porto, a matéria publica num jornal local, Tribuna do Norte, sob o título “Ruas

guardam história do comércio”, elucida:

Em meados do século 19 consolidou-se o comércio na região, na maioria de artigos que chegavam e partiam pelo Potengi em uma relação negocial dominada por Pernambuco. Mais tarde, essa vocação para centro de comércio de mercadorias pelos navios se consolidaria com a construção do Porto de Natal (RUAS..., 2016, não paginado).

Ao rememorar o comércio no RN, tendo como foco o referido bairro quando

do início da sua formação comercial, Barreto; Lima (2007, p. 28) assim o

caracterizam:

A Ribeira, conhecida também por Cidade Baixa, nasceu banhada pelas águas do rio Potengi. Seu desenvolvimento urbano foi impulsionado pela construção do porto, cujas obras foram iniciadas no final do século XIX [apesar de criado oficialmente só em 1932]. É importante ressaltar que, a partir da segunda metade do Século XIX,

141

a Ribeira consolidou sua função de bairro comercial, povoado de grandes armazéns onde eram guardadas as mercadorias importadas ou para exportação e a instalação de várias agências bancárias, graças à presença dos soldados americanos nos anos

[19]40 do Século passado (grifos nossos).

Ao resgatarmos algumas informações importantes da citação, temos a

presença do Porto de Natal enquanto forma, cujo processo de exportação-

importação evidenciava o conteúdo da incipiente centralidade urbana em formação,

respeitadas as proporções à época. Outras formas que merecem destaque são os

armazéns, alguns dos quais ainda estão presentes na paisagem urbana do bairro,

testemunhando um período áureo do comércio que se fazia internamente, articulado

ao que se projetava internacionalmente; e as agências bancárias, instaladas

principalmente por ocasião da presença de soldados norte-americanos, no contexto

da Segunda Guerra Mundial.

As ruas dentre as quais se desenvolviam de forma mais expressiva as

atividades comercias ligadas à dinâmica do comércio na Ribeira eram as seguintes

Mapa 06):

a) Rua Doutor Barata, que era conhecida como Rua das Lojas, local do

comércio chique da cidade; abrigava a “Formosa Syria”, em 1927, loja de comércio

sofisticado;

b) “Rua Frei Miguelinho, antes 13 de Maio, é a continuação da Dr. Barata.

Concentrava o comércio e, principalmente, os bancos da cidade [...]” (BARRETO;

LIMA (2007, p. 29);

c) “A Rua Chile, antiga Rua do Comércio, era sinônimo de trabalho e

desenvolvimento” (BARRETO; LIMA, 2007, p. 29).

142

Mapa 06 – Ruas do comércio inicial na Ribeira

FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: BARRETO; LIMA (2007); Pesquisa de Campo, 2016.

Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7

143

Na verdade, ao examinarmos a descrição das ruas ao longo das quais a

atividade comercial se desenvolvia na Ribeira, por ocasião da pujança das

atividades agroexportadoras do RN, tendo como produtos principais o algodão e o

açúcar, vemos que as atividades comerciais se desenvolviam em apenas duas ruas:

a Chile, que era a do Porto; e a Doutor. Barata/Frei Miguelinho. Ademais, apontamos

que esta última, enquanto rua secundária à do Porto, conforma-se paralelamente à

Rua Chile, que é a principal rua do Porto de Natal, a qual “[...] foi desde as primeiras

décadas do Século XX, ou talvez até antes, a artéria que abrigava as maiores firmas

importadoras e exportadoras de Natal, com os seus respectivos armazéns de

depósito” (BARRETO; LIMA, 2007, p. 29).

Mas não só as atividades portuárias concorreram para o desenvolvimento

urbano do bairro da Ribeira. A presença dos soldados norte-americanos, por ocasião

da Segunda Guerra Mundial, associada à movimentação financeira das atividades

comerciais próprias do Porto de Natal, fez impulsionar também a atividade

financeira, com a presença de agências bancárias, assim como a vida noturna, que

desde então legou ao bairro a reputação de boemia, pela presença de seus cabarés,

que passavam a funcionar por volta das vinte e uma horas, quando as famílias da

cidade se recolhiam (CASCUDO, 1999).

Naquele momento de mudanças por que passava o contexto urbano

natalense, na década de 1940, com a presença das tropas norte-americanas,

causando impactos significativos, desde hábitos de consumo a oferta de moradias,

opções de lazer, serviços de alimentação e higiene, entre outros, o ponto de

encontro dos soldados norte-americanos estava focado na Ribeira, movimentando

significativamente a economia dos bares e casas noturnas. Assim, “A Ribeira era o

ponto onde empreendimentos surgiam e carreiras políticas se firmavam. A Guerra

fizera correr ali muito dinheiro” (BARRETO; LIMA, 2007, p. 83, grifos nossos).

Para que possamos reafirmar a posição da Ribeira enquanto bairro

comercial por excelência no contexto urbano de Natal até o fim da Segunda Guerra

Mundial, antecedendo até mesmo o que fora declarado “Centro” – o bairro Cidade

Alta –, por sua condição histórica, indicamos que

A curva do tempo leva [...] à velha Ribeira dos anos [19]40 [...]: o antigo comércio, o porto, os navios. Tudo era na Ribeira. Médico, dentista, tudo era ali lá. Sapatarias, comércio de grosso e varejo.

A elegante loja Paris em Natal era lá. Natal Modelo, também lá. Na

144

Avenida Dr. Barata, na Tavares de Lira e girava o mundo empresarial. Lá também prosperavam os grandes armazéns de estivas e cereais. Os trens abasteciam a cidade com produtos vindos de Recife. Até combustível vinha de trem (BARRETO;

LIMA, 2007, p. 88, grifos nossos).

Um olhar atento sobre o trecho ora citado resume o que discorremos até o

momento do texto a respeito da Ribeira enquanto bairro constituinte do Núcleo do

Centro Histórico de Natal, e sua condição de ser central: o porto, o comércio, a

comunicação via mar com Recife; enfim, o foco das atenções comerciais da Cidade

do Natal estava voltado para a Ribeira.

Mas a expressividade da Ribeira enquanto centro de negócios no espaço

urbano de Natal cedeu lugar ao bairro da Cidade Alta, como relatam Barreto; Lima

(2007, p. 29-30) que

Com o término da II Guerra Mundial, o bairro da Ribeira entrou

num lento processo de redução de suas atividades comerciais, o que foi causado pela fuga dos dólares americanos e, sobretudo, pela transferência de várias firmas comerciais para a Cidade Alta.

Ao rememorarmos o período expressivo da Ribeira enquanto centralidade no

espaço urbano de Natal, indicamos um transcurso entre a segunda metade século

XIX e a primeira metade do século XX. Portanto, um período de uma média de cem

anos, quando então cedeu lugar a uma nova centralidade comercial, representada,

naquele momento do pós Segunda Guerra Mundial, pelo bairro da Cidade Alta.

O bairro Cidade Alta, como já expusemos na seção anterior, teve o atributo

histórico para sua condição de ser central, por ter ocorrido nele a fundação da

Cidade do Natal. Seguiu-se um incipiente processo de produção do espaço,

motivado pela produção da moradia, vindo a adquirir a função comercial de forma

mais expressiva só após a Segunda Guerra Mundial, quando o bairro da Ribeira

entrou em processo de redução da sua importância comercial no contexto urbano de

Natal. O relato a seguir informa que

Era um bairro predominantemente residencial antes da II Guerra Mundial e eram poucas as casas comerciais existentes em suas ruas. O Paço da Pátria era o ponto comercial mais importante da Cidade Alta. Tudo era desembarcado ali, procedente de Macaíba, São Gonçalo, Redinha e de outras povoações (BARRETO; LIMA (2007, p. 30).

145

As reminiscências da função comercial marco zero podem ser depreendidas

do trecho que segue: “O Curral do Açougue, a Praça do Peixe e as quitandas

espalhadas pela antiga rua Nova [Avenida Rio Branco], indicavam a vocação

comercial daquele logradouro público” (CAVALCANTI NETO, 2010, não paginado).

A Avenida Rio Branco foi, desde os seus primórdios, capital para o desenvolvimento

comercial do bairro Cidade Alta, visto que nela se instalaram as primeiras e mais

diversificadas lojas de comércio e serviços, sendo considerada, conforme trecho a

seguir, um “marco” na estruturação do comércio local:

Como marco da expansão comercial da Cidade Alta na década de

[19]40 podemos consignar a abertura na avenida Rio Branco da Loja Brasileiras (agosto de 1940); o Cassino Natal (outubro de 1943); a Fábrica Santa Lígia, de fiação de tecelagem de estopa e fabricação de sacos, de Cavalcanti Moura & Cia (1945); a Sorveteria Rio Branco (maio de 1945), o Bar Bolero, situado em frente ao hoje inexistente Cinema Rex, de Rui Araújo (1947); e o Posto Esso, instalado pela Sandart Oil Company of Brazil (BARRETO; LIMA, 2007, p. 30, grifos nossos).

Estas são apenas algumas das empresas que operavam na Avenida Rio

Branco quando a Cidade Alta passou a ocupar o lugar central no espaço urbano

natalense, que fora perdido pela Ribeira, ainda na década de 1940, com a saída dos

soldados norte-americanos, que representavam demanda solvável para o comércio

e os serviços que eram praticados no entorno do Porto de Natal. Mas, certamente,

outras lojas menos expressivas também desenvolviam suas atividades, tanto na

Avenida Rio Branco quanto em outras ruas paralelas ou transversais a ela, todas no

bairro da Cidade Alta.

Dado que nossa preocupação ora se volta à importância da Avenida Rio

Branco para a estruturação do comércio da Cidade Alta enquanto centralidade no

espaço urbano de Natal, é importante ressaltarmos que a mesma foi prolongada por

duas vezes: em 1916, no seu trecho compreendido entre a Rua Apodi e o Baldo, por

ação do Presidente da Intendência, Romualdo Galvão; e em 1935, fazendo o

prolongamento da referida avenida desde a Cidade Alta até a Ribeira, na gestão do

prefeito Miguel Bilro. Dessa forma, “Surgia assim a segunda via de acesso entre a

Cidade Alta e a Ribeira facilitando o tráfego entre aqueles dois importantes bairros

de Natal” (CAVALCANTI NETO, 2010, não paginado).

146

Atualmente, a Avenida Rio Branco continua a ser de singular importância

para que possamos apontar a Cidade Alta enquanto centralidade no contexto urbano

de Natal, tanto porque continua a apresentar sua função comercial, pela presença

de um conjunto de empresas de comércio e de serviços, quanto porque por ela

passa o mais expressivo número de fluxos de transportes individuais, de cargas e de

transportes coletivos do bairro em tela, articulando fluxos com ruas transversais, e

até mesmo com bairros adjacentes, como: Ribeira, Roca, Tirol, Petrópolis, entre

outros, e até mesmo com toda a cidade. É por razão que estamos denominando,

neste trabalho, a avenidas deste porte como Eixo Dinamizador do Terciário (EDT),

juntamente com outras que adquirem essa mesma função no contexto natalense.

Isto porque, por sua função de dar fluidez ao tráfego de pessoas e mercadorias, por

viabilizar o movimento no espaço urbano, dinamiza a economia terciária de tantos

outros eixos dinâmicos que lhes são secundários.

O bairro Cidade Alta consegue mesclar e preservar seu atributo de

centralidade histórica ao de centralidade comercial, não só pelo fato da fundação da

Cidade do Natal ter sido efetivada nesse bairro, mas também pela memória do

comércio. Um dado que sempre vem à tona, por exemplo, em noticiários, estudos e

entrevistas, é o caso do mercado público do bairro, que teve sua expressividade

interrompida por um incêndio tido como “misterioso”. E esse assunto é recorrente

porque essa forma mercado público dava notoriedade ao centro ora em evidência na

Cidade do Natal, que era a Cidade Alta, havendo mais de cem pontos comerciais no

interior do mercado (PAIVA, 2015). E apesar de sabermos que esses mercados

tradicionais são constituídos de pequenos negócios, mesmo assim, o número

significativo de uma centena de negócios fazia dinamizar uma avenida que já

concentrava as atividades comerciais de então, como a Rio Branco. Assim, como

A população de Natal, que ainda não contava com os modernos recursos da ‘era da máquina’, no campo da conservação de alimentos, era conduzida a adquirir diariamente os gêneros

alimentícios. O Mercado Público tornou-se então um ponto de encontro, um local onde eram divulgados os acontecimentos da Cidade, em primeira mão. Ali comentavam-se os assuntos mais diversos, políticos, sociais e, até mesmo, ‘os ridículos enredos provincianos’ (CAVALCANTI NETO, 2010, não paginado, grifos nossos).

Os destaques feitos na citação nos impelem a contextualizar o assunto em

147

tela, o qual se refere ao incremento quanto à oferta da energia elétrica na Cidade do

Natal, que tendo sido instalada em 1911, passou por melhorias significativas, com a

transmissão da energia da Hidroelétrica de Paulo Afonso, na Bahia, na década de

1960, o que possibilitou àqueles mais abastados da sociedade natalense adquirirem

refrigeradores, possibilitando assim a prática da conservação de alimentos,

dispensando a ida diária ao mercado, para atender seu consumo doméstico. Isto

porque a chegada da energia elétrica estava inserida na política de desenvolvimento

implementada pela SUDENE.

Certamente, é dessa prática cotidiana de ir ao mercado que o bairro Cidade

Alta, mais precisamente, a Avenida Rio Branco, passou a ganhar notoriedade

enquanto centralidade no contexto urbano de Natal. Assim como o Porto de Natal

fora para a Ribeira importante forma no sentido da conformação da centralidade

urbana desde o período agroexportador até à presença dos soldados norte-

americanos, o Mercado Público da Cidade Alta igualmente fora importante forma na

estruturação do comércio, dos serviços, e até mesmo da vida política e social do

bairro Cidade Alta.

O Mercado Público foi mais um equipamento de comércio a auxiliar na

consolidação da formação comercial do bairro, que já vinha se concentrando na

Avenida Rio Branco, que era o lugar de encontro dos citadinos natalenses, como

defendem Barreto; Lima (2007, p. 31) que

Não se pode reconstituir a memória da Cidade Alta sem falar sobre o ‘Café Grande Ponto’, instalado nos anos [19]20 [...]. Foi ponto de

destaque na paisagem da capital potiguar, sobretudo, nas décadas de [19]30, [19]40 e [19]50, quando o negócio fechou (grifos nossos).

A expressão “Grande Ponto” permaneceu consignada na memória das

gerações mais antigas da sociedade natalense, e até mesmo do RN, como sendo o

lugar do encontro da cidade. Encontro, em primeiro lugar, porque nele, no “Grande

Ponto” (Figura 16), esquina entre a Avenida Rio Branco e a Rua João Pessoa, onde

funcionava o “Café Grande Ponte, entre as décadas de 1920 a 1950, encontravam-

se políticos, intelectuais e empresários natalenses; em segundo lugar, porque, nesse

mesmo cruzamento, passavam os bondes elétricos, meio de transporte coletivo à

época, trazendo parte desses frequentadores do Grande Ponto. Esse encontro

cotidiano e político faz da cidade o lugar do encontro, conforme já assinalamos no

148

início dessa subseção.

Figura 16 – Grande Ponto, em 1950 (esquerda), e em 2016 (direita)

FONTE: PAIVA, 2015 (esquerda); Josélia Carvalho, 2016 (direita)

Além da Avenida Rio Branco, outras ruas expressivas de comércio e de

serviços na Cidade Alta, com suas respectivas densidades, em diferentes épocas,

são as seguintes: ruas Princesa Isabel, Apodi, João Pessoa, Ulisses Caldas, Felipe

Camarão, Coronel Cascudo, entre outras que compõem a área densa da

concentração de comércio e de serviços no bairro. Dentre estas,

A rua Princesa Isabel, antiga Rua dos Tocos, onde se instalou entre o final de 1959 e o início de 1960 o Café São Luís, veio sentir de forma mais forte o desenvolvimento comercial na década de [19]70. Em fevereiro de 1974, foi inaugurada uma filial das Lojas Maia. Em novembro de 1975, as Lojas Brasileiras (Lobrás) iniciaram a construção da sua galeria que se estendia entre a Rio Branco e a Princesa Isabel (BARRETO; LIMA, 2007, p. 32, grifos nossos).

Observemos, voltando um pouco no texto, que, com o fechamento do “Café

Grande Ponto”, em 1950, uma década após, surgiu o “Café São Luis”, o qual ainda

funciona no mesmo local, reunindo um público com o mesmo perfil daquele de

outrora: políticos, empresários e intelectuais, que, juntos, debatem sobre o cenário

político e social da cidade, indo, quiçá, à escala internacional.

Esse fato reforça a ideia de que a cidade é o lugar do encontro. Apesar de

ser ínfimo o número de citadinos que podem se encontrar nesse tipo de espaço,

haja vista demandar, para este fim, disponibilidade de ócio e de renda, é ainda uma

forma de relevo no meio urbano enquanto lugar, também, da política. Não é à toa

que os cafés ganharam espaço também nas novas estruturas de convivência da

sociedade moderna, quais sejam: shopping centers, aeroportos, algumas rodoviárias

e algumas livrarias.

149

Os cafés figuram, no espaço urbano, como o ponto de encontro da

intelectualidade, daquele frequentador com demanda solvável para pagar

significativos valores pelo bem ou serviço que lhe é oferecido, num discurso

revestido em nome do “café”; mas, na verdade, o que está sendo pago é o poder

aquisito do encontro, o poder de “consumir” aquele estrato elitizado do espaço

urbano.

Alguns dos frequentadores dos cafés, enquanto integrantes da elite política,

empresarial ou intelectual da cidade, são quem “dão as cartas” nos rumos da cidade,

seja via planejamento urbano, cargos de gestão, decisões empresariais ou decisões

de outra natureza. Por esta peculiaridade que permeia os cafés, eles se instalam em

lugares dotados de atributos capazes de atrair fluxos de pessoas, expressando um

indício de que estamos, simbolicamente, no centro da cidade por excelência. Neste

sentido, uma centralidade simbólica, subsumida numa centralidade mais ampla, que

é o centro comercial da cidade.

É importante ainda destacar a incorporação da Rua Princesa Isabel ao

centro comercial que se estruturava, naquele momento, na Cidade Alta, a partir da

instalação da “Lojas Maia”, que era do ramo de eletrodomésticos, em 1970. A

comercialização desse tipo de produto se tornou viável porque, o RN recebeu um

incremento na oferta de energia elétrica, porque a contar, na década de 1960, com a

transmissão vinda da hidroelétrica de Paulo Afonso, na Bahia (BARRETO; LIMA,

2007). Com isso, o comércio adquiriu novo impulso, e uma nova fase fora

inaugurada na economia do estado.

Outras lojas, como a Lojas Brasileiras e Lojas Americanas foram instaladas

na Avenida Rio Branco, estendendo-se até a Rua Princesa Isabel, sob a forma de

galeria, ambas com dois ou até três pavimentos, abastecidos com produtos diversos,

com atendimento baseado no autosserviço, porque já estamos falando da segunda

metade da década de 1975 em diante, quando essa forma de comercialização

passou a ser praticada no comércio natalense.

O relevo que damos à presença dessas duas lojas deve-se ao fato de elas

inaugurarem a forma galeria no comércio natalense, antes verificada apenas em

edifícios, como no Edifício Barão do Rio Branco e no Edifício Sisal, muito mais

voltados para os serviços, sob a forma de escritórios, com lojas apenas no

pavimento térreo. Essas galerias que foram criadas entre a Avenida Rio Branco e a

Rua Princesa Isabel ainda persistem, e em número de pelo menos seis, nas quais

150

funcionam, ou lojas de eletrodomésticos ou lojas de roupas e acessórios, mas as

galerias são pouco expressivas nas áreas comerciais em Natal. À época em que

foram criadas, serviram para dinamizar significativamente o comércio da Cidade

Alta, por fazerem a interligação entre essas duas ruas, dando mais fluidez aos

clientes, por sua vez, viabilizando um maior volume de compras.

Sobre a Cidade Alta, enquanto centro comercial e de serviços, é importante

considerar a opinião de um comerciante que iniciou seu pequeno negócio de

calçados no referido bairro, em 1963, o qual se transformou em rede de lojas, e

atualmente abrange toda a Cidade do Natal, estando presente tanto no comércio de

rua quanto nos shopping centers. O referido comerciante, Manoel Bezerra de Souza,

relata que

[...] o movimento comercial na Cidade Alta tem seu incremento econômico baseado principalmente na presença de grandes agências bancárias e lojas como Riachuelo, C&A, Americanas e Marisa, e de outros empreendimentos como o Shopping Popular, os camelôs e lojas de produtos de R$ 1,99. Além disso, pelos lugares históricos como a antiga e a nova Catedral de Nossa Senhora da Apresentação, Instituto Histórico e Geográfico, Palácio da Cultura (antigo Palácio Potengi), Prefeitura do Natal e Assembléia Legislativa (SOUZA, apud BARRETO; LIMA, 2007, p. 32-33).

Interessante notar que, enquanto cidadão que vivencia a prática comercial

diária num decurso de mais de quatro décadas, ele conseguiu reunir, em uma só fala

diversos eventos, de tempos diferentes, e até desencontrados, mas bastante

significativos, o desenvolvimento desse centro comercial de Natal. Mais interessante

ainda, é notar que o referido comerciante, enquanto cidadão natalense, não

negligenciou em sua fala outros aspectos da centralidade urbana, como o simbólico,

o histórico, o cultural e o da gestão.

Outras lojas que se destacaram no comércio da Cidade Alta foram a

Formosa Syria e a Rio Center, por iniciativas próprias de inovação na prática

comercial. A Formosa Syria, já tendo se estabelecido na Ribeira desde 1927,

inaugurou sua filial na Avenida Rio Branco, esquina com a Rua Ulisses Caldas, em

1937. Vendia tecidos, artigos de costura e perfumaria. O que essa loja trouxe de

inovação ao comércio natalense é que impressionava pelo tamanho do seu salão de

vendas, e por ser a primeira loja de Natal a ter vitrines. Relatam Barreto; Lima (2007,

p. 75) sobre a presença da vitrine na referida loja, que “Foi tamanho o impacto, que

151

tornou-se uma atração, uma inovação a modificar a feição urbana de uma Natal que

crescia. Logo, todo o comércio a imitava.”

Vitrine, sabemos, é uma estratégia de sedução da parte do comerciante em

relação ao consumidor. O primeiro contato com o produto por meio do olhar já

convida o consumidor a entrar na loja, podendo resultar num processo final de

aquisição da mercadoria. Certamente, se as demais lojas seguiram essa tendência

de expor produtos em vitrines, a inovação trazida pela Formosa Syria, considerada

“[...] o point da elegância de Natal nos anos 1950 e 1960” (BARRETO; LIMA, 2007,

p. 129), não só dinamizou as vendas, mas também o comércio da Cidade Alta como

um todo.

A outra loja a promover inovação na prática comercial na Cidade Alta foi a

Rio Center – antiga Casa Rio –, que passou a expor seus produtos ao alcance dos

consumidores, desde quando foi fundada, na década de 1960. O trecho a seguir

expõe que,

Com a Rio Center Natal conheceu um novo conceito de exposição lojista, em mais uma ação arrojada: as peças eram expostas em ‘araras’, em vez de ficar fechadas em caixas, como nas demais lojas. Podiam ser vistas, tocadas, sentidas pelos clientes. Foi uma

revolução. E todos então o imitaram: lojas de confecções, eletrodomésticos e móveis, até farmácias, todos queriam adotar o estilo Rio Center (BARRETO; LIMA, 2007, p. 102, grifos nossos).

Associada à ideia da vitrina, da Formosa Syria, agora, com a exposição de

produtos com acesso direto ao cliente, o comércio de Natal crescia cada vez mais

em volume de venda. Observemos que os autores são enfáticos sempre em dizer

que, a cada inovação, o comércio todo passava a adotar a referida inovação.

Certamente, com o intuito de aumentar suas vendas e auferir lucros com essas

novas práticas.

Outras duas práticas inovadoras foram inseridas por parte da Rio Center no

sentido de dinamizar as vendas. A primeira foi bem pontual, restrita ao período da

Segunda Guerra Mundial, pelo fato de o proprietário da referida loja, Alcides Araújo,

ter aprendido falar inglês para atender aos soldados norte-americanos que ora

povoavam e compravam no comércio natalense, dado que, nos

[...] anos [19]40, a cidade sofre uma verdadeira revolução em sua economia: veio a Segunda Guerra, o Brasil entrou no conflito e

152

soldados americanos chegaram ao Rio Grande do Norte, montando uma base em Parnamirim, Grande Natal. Os soldados passaram a comprar no comércio local, impulsionando como nunca a economia do Estado (BARRETO; LIMA, 2007, p. 209).

Relatam os autores citados que “Os produtos mais procurados pelos

estrangeiros eram as meias de seda femininas e o perfume Chanel. Os soldados

mandavam os produtos como presentes para suas esposas e namoradas, na

América (BARRETO; LIMA, 2007, p. 100). Esses produtos eram bem específicos do

segmento praticado pela loja em tela, que só mais tarde veio a se tornar

efetivamente uma loja de departamento, com a diversificação dos seus produtos.

Importa-nos nessa informação que, ao ter alguém na loja que falasse o idioma dos

soldados norte-americanos, atrairia os mesmos às compras, aumentando

sobremaneira as vendas, dinamizando assim o comércio natalense.

A segunda prática inovadora inserida no comércio da Cidade Alta por parte

da Loja Rio Center foi a criação de uma forma de crédito próprio, quando o comércio

de Natal entrava na fase das lojas de departamento:

Percorreu [Alcides Araújo] toda a década de 1960 com perseverança, enfrentou o crescimento do comércio de Natal ao longo dos anos [19]70, com ideias modernas, inovador por temperamento, ingressou no segmento de loja de departamentos, com a Rio Center. O ano era 1977. [...] já no ano seguinte a loja lançava seu cartão de crédito, o primeiro de um empreendimento comercial do Rio Grande do Norte. [...] a João Pessoa [local da Rio Center]

ainda não concentrava o comércio do Centro onde as grandes lojas estavam na Ulysses Caldas ou Avenida Rio Branco. Todos diziam

que não daria certo. Estavam errados (BARRETO; LIMA, 2007, p. 101, grifos nossos).

Ressaltamos a importância da Loja Rio Center e sua prática comercial no

cenário natalense, não por ela mesma, mas para indicar as dinâmicas criadas pelo

comércio varejista, as quais terminam por contribuir para o processo de reprodução

do capital, inserindo-se num contexto de produção do espaço urbano.

Ademais, é importante indicar como resultado das estratégias dinâmicas da

loja em tratamento, que a mesma atualmente permanece com sua primeira loja no

bairro Cidade Alta, tendo se expandido em mais duas: uma do tipo mega store, no

bairro Lagoa Nova; e outra como loja âncora, instalada no Natal Shopping Center,

no bairro Candelária. Observando o processo de expansão da referida loja, vemos

153

que a mesma acompanhou a expansão do varejo moderno no em Natal, que se fez

no sentido sul, a partir da instalação do Hiper Bompreço Lagoa Nova, na década de

1980 (PESQUISA DE CAMPO, 2015).

Longe do culto à personalidade, o que nos interessa, ao transcrever esse

trecho da última citação, é indicar três processos que concorreram na consolidação

da Cidade Alta enquanto centralidade no contexto da produção do espaço urbano de

Natal, tendo a economia terciária como força motriz.

O primeiro destes processos é o surgimento das lojas de departamento,

entre as quais, destacavam-se a supracitada Rio Center, a Lojas Brasileira (Lobrás),

a Lojas Americanas e as Casas Pernambucanas, que além de loja de departamento,

vendia também tecidos. Essas lojas eram as mais procuradas pelos consumidores

natalenses, pela diversidade de produtos que podiam ser encontrados. E por essa

gama de produtos, essas lojas de departamentos atraíam, cada vez, um maior

número de consumidores, concorrendo assim para a conformação de uma

centralidade urbana.

Outras lojas ainda podem ser citadas, que eram as especializadas em

tecidos, como: a Casas Cardoso, a C Barros, a José Araújo, a Narciso, a Girafa

Tecidos e a Esplanada. Estas lojas tinham sua importância evidenciada em períodos

festivos, principalmente, quando a sociedade natalense acorria às mesmas para

aquisição de tecidos para confeccionar roupas para festas como Natal, Ano Novo,

período junino, carnaval, entre outras. Isto porque as lojas com roupas prontas

quase inexistiam no cenário comercial natalense.

O segundo processo que resgatamos do último trecho citado, e que pode ser

considerado também uma inovação, é a criação do cartão de crédito próprio da loja,

no ano de 1978, conforme podemos depreender da interpretação do trecho. Até

então, e ainda persiste mesmo que de forma tímida, a prática mais expressiva de

crédito era do tipo “crediário”, que se estabelecia pela assinatura de um contrato, e

se efetivava por meio de um carnê contendo um dado número de folhas, conforme

fosse o número de parcelas.

A criação do referido cartão de crédito veio dar mais fluidez às compras,

igualmente contribuindo para a atração de um maior número de consumidores,

estimulando ainda mais a centralidade no bairro Cidade Alta. Consideramos ser uma

significativa inovação, também, pelo fato de uma loja natalense ter inserido essa

prática do cartão de crédito nas suas transações comerciais pouco menos de três

154

décadas da criação do primeiro cartão de crédito da história, que fora na década de

1950, o “Diners Club Card”, com abrangência internacional (MUSEU..., 2016).

Assim, ao inserir essa forma de crédito nas transações comerciais da sua loja, o

empresário contribuiu para a expansão das transações de vendas no bairro de maior

expressão comercial de Natal à época.

Já o terceiro processo a ser destacado, que concorreu para a formação da

centralidade urbana no bairro Cidade Alta, é a espacialidade do comércio, em seu

processo de expansão, indicando que o mesmo obedeceu à seguinte sequência:

Avenida Rio Branco, Rua Princesa Isabel, Rua Ulisses Caldas e Rua João Pessoa.

É interessante destacar que estas ainda são as principais ruas concentradoras da

maior gama de comércio e de serviços da Cidade Alta, tendo passado apenas por

algumas transformações.

Ainda sobre essa espacialização do comércio e dos serviços na Cidade Alta,

interessante notarmos que em relação à Avenida Rio Branco, sobre os

prolongamentos que foram feitos em 1916, entre a Rua Apodi e o Baldo; e em 1935,

entre a Cidade Alta e a Ribeira, prolongamentos estes sobre os quais já discorremos

anteriormente, na atualidade, esses trechos correspondem a áreas ditas

“degradadas” e indicadoras de um possível esvaziamento do “Centro” de Natal,

conforme defendem Nascimento (2003) e Mazda (2016). Mas entendemos que os

referidos prolongamentos se fizeram necessários muito mais em função da fluidez

do tráfego do que para a expansão de áreas disponíveis ao comércio e aos serviços,

principalmente, porque a condição íngreme da topografia do sítio urbano nesses

trechos não são favoráveis a fins comerciais.

Como já discutimos na seção anterior, discordamos desse pretenso

esvaziamento da Cidade Alta enquanto centralidade urbana no contexto da Cidade

do Natal, além do que já expusemos, porque também não apreendemos a

centralidade urbana limitada à sua nuance comercial, mas de uma forma diversa,

abrangendo atributos histórico, simbólico, cultural, ideológico, entre outros.

Destacamos ainda que no trecho da Avenida Rio Branco, compreendido entre as

Ruas Apodi e Correia Teles (PESQUISA DE CAMPO, 2016), o comércio e os

serviços são bastante intensos, contrariando o que vem sendo divulgado nos meio

acadêmico e jornalístico. É igualmente nesse referido trecho que as ruas adjacentes

e transversais à Avenida Rio Branco apresentam a mais significativa dinâmica da

economia terciária do bairro em tela.

155

A centralidade urbana capitaneada pela atividade terciária que se conformou

no bairro Cidade Alta, no pós Guerra, seguindo-se à efervescência do bairro da

Ribeira, apresentou como formas principais nas quais se desenvolveram o comércio

e os serviços: a Avenida Rio Branco, “berço” do comércio e dos serviços no bairro; o

mercado público municipal; os bancos; e as lojas de departamento.

Já como processos, destacamos a incipiente iniciativa de marketing,

representada pela introdução do que denominamos de “inovações” na prática

comercial de então, com a utilização de vitrine e da exposição dos produtos em

“araras”, bem ao alcance do consumidor, já inaugurando o autosserviço, que é uma

estratégia de atendimento própria das lojas de departamento. Outra inovação foi a

criação do cartão de crédito próprio, introduzido nas transações comerciais de uma

loja de departamento. Associados, vitrine-“arara”-cartão de crédito, formam uma

estratégia solidária de marketing e crédito, respectivamente, criando a necessidade

e antecipando o poder de compra do consumidor, o que resulta num maior volume

de vendas, por atrair um número cada vez maior de consumidores, o que, por sua

vez, potencializa a capacidade de gerar centralidade urbana, por sua capacidade de

atração.

Com relação aos conteúdos, concordamos com Mazda (2016, não

paginado), ao dizer que,

Entre os anos [19]70 e [19]80, o comércio da Cidade Alta era ponto de encontro da família natalense. Reunia grandes lojas de departamentos (Americanas, Brasileiras, Pernambucanas), bancos, cinemas, lanchonetes, cafés. Os quarteirões do centro comercial eram disputados por empresários e profissionais liberais que tinham a área como sinônimo de modernidade e boa localização.

Tendo herdado a centralidade urbana de conteúdo focado no comércio e nos

serviços, que até o fim da Segunda Guerra Mundial fora de domínio da Ribeira, a

Cidade Alta conseguiu atingir maior expressividade até a década de 1980, quando

uma nova centralidade começou a se formar no contexto urbano natalense, que

foram os hipermercados, sobre os quais já mencionamos na segunda seção, e

detalharemos mais especificamente em momento oportuno.

Retomando a última afirmação do trecho citado, de que os empresários e

profissionais liberais disputavam o bairro Cidade Alta, no período indicado, para a

localização de seus empreendimentos, devia-se ao fato de ser o bairro mais central,

156

mais viável, naquele momento, do ponto de vista comercial, por atrair mais

consumidores, configurando-se como uma centralidade urbana bastante expressiva.

Era, portanto, a centralidade comercial excelente na Cidade do Natal.

Além dessa expressividade comercial, o bairro Cidade Alta agregava como

atributos concorrentes para a sua centralidade: o histórico, pela fundação de Natal; o

administrativo, por concentrar as sedes dos poderes: executivo – municipal e

estadual –, o legislativo estadual, e o judiciário; o financeiro, por ter a presença de

agências de bancos importantes, como o Banco do Brasil, e o do Banco do Estado

do RN (BANDERN), “Seguindo a tendência dos anos [19]60, década a partir da qual

a Cidade Alta tornou-se o centro financeiro da capital [...]” (BARRETO; LIMA, 2007,

p. 31).

E assim, pelo fato da centralidade do bairro em discussão ter sua natureza

constituída de forma tão diversa, reunindo atributos como a memória, a gestão, o

comércio e as finanças de toda a Cidade do Natal, quiçá do RN, é que, certamente,

a cidade não pode prescindir desse centro de forma fluida, tão somente porque

outros centros comerciais tenham surgido, ou venham ainda a surgir no tecido

urbano natalense.

No âmbito da memória e da gestão, nosso primeiro olhar se volta para o

bairro Cidade Alta, enquanto bairro constituinte do Núcleo do Centro Histórico de

Natal, por sua importância para a memória da cidade, por guardar o obelisco da

fundação, em 1599, na Praça André de Albuquerque. É no entorno dessa praça,

juntamente com a Praça Sete de Setembro, que se conformam os elementos mais

simbólicos para a centralidade urbana do referido bairro, seja no âmbito da memória,

da gestão ou da cultura.

Paralelo à Praça André de Albuquerque, e defronte à Praça Sete de

Setembro, está o Palácio Potengi, que entre 1902 e 1997, foi sede do governo do

estado do RN, quando então essa instância da gestão estadual foi transferida para o

Centro Administrativo, no bairro Lagoa Nova (NATAL..., 2008a); hoje, o referido

Palácio Potengi abriga o Palácio da Cultura/Pinacoteca Potiguar, dando lugar a

exposições, visitações e espetáculos; defronte ao Palácio Potengi, está a Prefeitura

da Cidade do Natal, lugar da gestão municipal; a leste do prédio da prefeitura, está a

Assembleia Legislativa do RN, como instância integrante da gestão estadual; já

defronte à Assembleia Legislativa, encontra-se o Tribunal de Justiça do RN, órgão

também afeito à gestão, no âmbito judiciário (PESQUISA DE CAMPO, 2015).

157

Ao descrevermos o entorno das Praças André de Albuquerque e Sete de

Setembro, percebemos a densidade de elementos urbanos suscitadores ou

geradores de centralidade, os quais foram ou ainda são ainda bastante funcionais

nesse pequeno fragmento do território do bairro. Ademais, pelo fato de ainda abrigar

o executivo municipal e o legislativo estadual, continua a ser um ponto de

concentração de manifestações políticas, como greves, tanto em nível estadual

quanto municipal; outras manifestações também ganham lugar, principalmente, em

frente à Assembleia Legislativa, pelo caráter de abrangência desse poder; e até

1997, enquanto a sede do executivo estadual esteve presente no Palácio Potengi,

essa Praça Sete de Setembro se configurava no foco das atenções e dos embates

políticos e ideológicos em Natal. Neste sentido, ao persistirem ainda manifestações

dessa natureza, julgamos pertinente afirmar ser essa uma centralidade de natureza

ideológica na cidade; ou, em outras palavras, um centro ideológico, aquele para o

qual convergem os fluxos de caráter ideológico, os quais se expressam por meio de

embates políticos.

Mas o bairro Cidade Alta é rico em centralidade urbana. É nele também que

tem início o Corredor Cultural (Figura 17) da cidade, o qual abrange vinte e nove

edificações históricas no “Roteiro Cidade Alta” (NATAL..., 2008a), e se estende até o

bairro da Ribeira, com mais vinte e quatro edificações históricas, no seu trecho

denominado “Roteiro Ribeira” (NATAL..., 2008a).

158

Figura 17 – Esquema do corredor cultural de Natal

FONTE: NATAL..., 2008a

O referido corredor é local de visitação turística, seja turismo de evento, mas

principalmente, turismo pedagógico/aula de campo. Logo, em alguns momentos,

esse trecho que se estende desde as proximidades da Praça André de Albuquerque,

na Cidade Alta, até a Praça Augusto Severo, na Ribeira, constitui-se,

simultaneamente, numa centralidade de natureza turística, histórica, cultural ou

159

simbólica da Cidade do Natal.

Nesse sentido, em função da estruturação do referido Corredor Cultural, e

do uso que é feito do mesmo, ambos os centros – Cidade Alta e Ribeira –

solidarizam-se na conformação dessa centralidade. Configura-se assim uma

multicentralidade, porque não há polarização, antes, complementaridade no sentido

da atração de fluxos de pessoas (SPOSITO, 2010). E essa complementaridade se

faz não apenas no sentido das trocas comerciais, segunda a dimensão econômica

da centralidade, mas também no sentido da complementaridade pelas diversas

dimensões de centralidade que essa área da Cidade do Natal expressa em sua

natureza.

Já a Ribeira assumiu também a condição de centralidade ligada à gestão,

entre 1869 a 1902, quando o Palácio do Governo esteve então localizado neste

bairro, abrangendo parte do governo provincial, seguindo-se como sede do estadual,

após a Proclamação da República, em 1889. Em 1902, a gestão do governo do

estado do RN voltou para o bairro Cidade Alta, passando a ocupar o Palácio do

Governo, hoje Palácio da Cultura. Mas há outros conteúdos que suscitaram ou ainda

suscitam centralidade urbana no bairro da Ribeira, visto que é um bairro de caráter

eminentemente histórico e cultural, cujas ruas e edificações ajudam a contar a

história da Cidade do Natal, razão pela qual, juntamente com o bairro da Cidade

Alta, compõem a maior parte do que o IPHAN delimitou como “Centro Histórico de

Natal”, entrando nessa delimitação apenas uma pequena parte do bairro das Rocas.

Dessa forma, mais uma vez, identificamos uma expressão de multicentralidade se

configurando entre os centros Ribeira e Cidade Alta, conforme já aludimos

anteriormente.

Por sua vez, o Alecrim, mesmo que de forma menos expressiva, também

teve seu momento áureo de centralidade ligada à gestão, e até mesmo ao aspecto

político-ideológico. O primeiro, quanto à gestão, refere-se à implantação da Base

Naval de Natal, em 1941. Nesse caso, adquiria um caráter militar, e servia como

ponto de apoio ao contingente de soldados norte-americanos presentes em Natal,

por ocasião da Segunda Guerra Mundial.

Já o segundo, quanto ao aspecto político-ideológico, foi por muito tempo,

lugar de convergência de fluxos de pessoas em manifestações políticas, seja de

caráter político-partidário, seja em movimentos grevistas. A referida praça veio a

perder esse poder de centralidade só a partir do momento em que a Cidade do Natal

160

começou a expandir seu território para as Regiões Administrativas Sul e Norte,

quando então novos espaços, inclusive, mais amplos, passaram a ganhar

notoriedade. Mesmo assim, a Praça Gentil Ferreira ainda guarda algum resquício de

centralidade, sendo ainda incorporada em momentos de manifestações populares,

como se fez recentemente, neste ano de 2017, tendo sido foco das manifestações

contra as reformas propostas pelo governo federal.

O Alecrim, enquanto bairro integrante do Núcleo do Centro Histórico de

Natal, juntamente com a Ribeira e a Cidade Alta, também tem sua importância

comercial para a conformação da centralidade urbana. E se, sob a dimensão

histórica da centralidade urbana, fora considerado como participante desse núcleo

numa condição periférica, por servir apenas como ponto de ligação entre o interior

do estado do RN e os outros dois bairros, tidos como mais expoentes – Cidade Alta

e Ribeira –, pelo fato de já se encontrarem em processo de urbanização mais

avançado, do ponto de vista comercial, o referido bairro se destaca frente aos

demais integrantes do Núcleo do Centro Histórico de Natal:

O comércio do Alecrim, cartão postal do bairro, é considerado a maior concentração de estabelecimentos e de pessoas envolvidas na atividade comercial em todo o Rio Grande do Norte. É bastante comum encontrar pessoas oriundas de diversas cidades do estado comprando nas lojas e camelôs do Alecrim (BEZERRA,

2005, p. 109, grifos nossos).

Já havíamos indicado, na segunda seção, a condição de o centro comercial

do Alecrim ser o maior da Cidade do Natal, segundo as palavras do Assessor de

Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio RN, Luciano

Kleiber, em entrevista por ocasião da pesquisa de campo. Enquanto que na última

citação feita, segundo as palavras de Bezerra (2005), a escala de análise da

informação se amplia, e abrange o estado do RN. Mas como o foco do nosso

trabalho se restringe ao espaço urbano de Natal, a informação advinda do trabalho

deste último autor citado serve tão somente para reforçar a visão de que o centro

comercial do Alecrim pode ser considerado a mais expressiva centralidade urbana

de natureza econômica em Natal, e que esta abrange uma área de influência para

além do tecido urbano da cidade.

Ademais, ratificamos a segunda informação, também do trecho citado de

Bezerra (2005), de que pessoas de outras cidades do RN vêm ao Alecrim fazer

161

compras. Essa informação nós constatamos por ocasião da pesquisa de campo. E

acrescentamos: são, quase sempre, comerciantes, que vêm comprar em atacado no

comércio do Alecrim, para então abastecer suas lojas, e revender em suas cidades

de origem. Dessa forma, o Alecrim se configura como uma centralidade que exerce

influência para além do território natalense.

Mas, ao resgatarmos o início da formação desse centro comercial, vemos

que fora marcado por uma expressão tímida da atividade terciária, que se

estruturava no sentido de oferecer apoio aos viajantes mercadores que vinham do

interior do RN, os quais podiam dispor dos bens e serviços oferecidos em pensões,

mercearias e lanchonetes (LIMA, 2003; BEZERRA, 2005).

Esse número de mercadores que acorriam a Natal enquanto entreposto

comercial passou a aumentar, requerendo uma ampliação da oferta de serviços de

apoio, como alimentação a hospedagem. E como já expusemos na segunda seção,

desde sua condição provinciana, o RN apresentava uma condição comercial pífia,

baseada na exportação de produtos primários, os quais eram exportados por

intermédio do estado de Pernambuco, que dominava o comércio ultramarino, e do

qual o RN adquiria produtos manufaturados. Assim,

Com o aumento do número de viajantes, devido ao crescimento dos negócios desenvolvidos em Natal, pequenos hotéis e estabelecimentos que serviam refeições foram se instalando na localidade [Alecrim] para assistir, principalmente, àqueles que transportavam os produtos para Paraíba e Pernambuco (BEZERRA, 2005, p. 83).

Interessante notar que é da condição histórica pretérita do bairro do Alecrim,

pelo fato de participar da conformação do Núcleo do Centro Histórico de Natal, como

via de acesso ao interior e aos estados vizinhos, que o referido bairro desencadeou

novos processos de inserção nesse mesmo núcleo, dessa vez, tendo como

conteúdo da centralidade urbana o comércio e os serviços, os quais se iniciaram

pelas mercearias e pensões, seguindo-se da feira livre e do mercado.

Estas duas últimas formas comercias – a feira e o mercado – são marcantes

na estruturação da atividade terciária no bairro do Alecrim. Dentre as feiras de Natal,

a mais tradicional é a do Alecrim, datando de 1920. Enquanto que o mercado público

só fora construído em 1938, próximo à Praça Gentil Ferreira (Pesquisa de Campo).

Essa praça é um marco na memória do Alecrim, constituindo-se como lugar

162

de encontro na cidade do Natal, porque por ela passavam os diversos fluxos de

transportes intra e interurbanos; era nela, onde as pessoas marcavam encontros de

negócios e de lazer; e também nela, onde se conformavam os embates políticos por

ocasião das campanhas eleitorais (BEZERRA, 2005). A Praça Gentil Ferreira, por si

só, já se apresentava como uma forma a viabilizar centralidade, pela possibilidade

de encontros que facultava no contexto urbano natalense. Configura-se, portanto,

como uma centralidade simbólica, pelo significado que representava na formação

desse centro comercial de Natal. Não que a referida praça tenha perdido em sua

totalidade essa condição, antes, referimo-nos ao seu momento mais expressivo,

fazendo-a figurar de modo mais central como lugar de encontro no bairro Alecrim, e

até mesmo na Cidade do Natal.

Em substituição ao primeiro mercado público do Alecrim, em 1970, um novo

foi construído na Rua dos Canindés, conhecida com Avenida 6, donde resulta o

nome “Mercado da Seis”. Esse novo mercado passou a abrigar os comerciantes do

antigo mercado do Alecrim, bem como os do antigo mercado da Cidade Alta, aquele

que fora incendiado em 1967.

A feira, o mercado, a escala temporal de conformação da atividade

comercial. Estes são alguns pontos de semelhança entre o Alecrim e a Cidade Alta,

porque foi entre as décadas de 1950 e 1960 que o comércio se tornou mais

expressivo no Alecrim, passando então a se instalarem lojas como a Casa

Sarmento, a Casas Cardoso e a Girafa Tecidos, algumas das quais também se

faziam presentes no bairro cidade Alta. Já na década de 1970, a importância

comercial se fez notar sobre o setor de varejo, com a instalação do Supermercado

Nordestão, em 1972 (BARRETO; LIMA, 2007).

Vemos que, na escala temporal, o comércio do Alecrim é contemporâneo ao

da Cidade Alta, e ambos são posteriores ao da Ribeira, que entrou em decadência

após o fim da Segunda Guerra Mundial. Ambos os centros comerciais – Alecrim e

Cidade Alta – também apresentaram o comércio varejista como característica em

comum, desde a sua formação, em oposição ao comércio da Ribeira, que era

atacadista, voltado para a exportação de produtos primários e importação de

produtos manufaturados, por sua vez, para abastecer aqueles centros voltados para

o varejo. Concordamos com o pensamento de Bezerra (2005, p. 114) sobre essa

semelhança comercial entre os bairros em discussão, ao dizer o autor citado que

“Os bairros de Cidade Alta e Alecrim foram conhecidos tradicionalmente por

163

abrigarem os principais focos da atividade comercial da cidade.” Ao pensamento do

autor, acrescentamos que ambos os bairros tiveram sua atividade comercial

estruturada a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, e voltada para o comércio

varejista.

Assim como a Ribeira teve suas atividades terciárias desenvolvidas no

entorno do Porto de Natal; e a Cidade Alta teve a Avenida Rio Branco como rua

principal na dinâmica das atividades terciárias; no Alecrim,

Desde o início, as atividades comerciais [...] ocupam a Rua Amaro Barreto, as avenidas Presidente Quaresma, Presidente Bandeira e Coronel Estevam. A Avenida Presidente Quaresma onde se realiza a Feira do Alecrim, está cheia, por exemplo, de armazéns de cereais (BARRETO; LIMA, 2007, p. 34, grifos nossos).

Destacamos dentre estas, a Avenida Coronel Estevam, por considerarmos,

neste trabalho, como um Eixo Dinamizador do Terciário (EDT), porque por esta

avenida passam os fluxos de transporte de pessoas e mercadorias, os quais são

decisivos para a dinâmica da atividade econômica terciária das ruas adjacentes do

bairro do Alecrim, e até mesmo de outros bairros, haja vista a referida avenida tanto

estender-se por outros bairros, quanto conduzir fluxos até outros bairros,

dinamizando assim o terciário natalense como um todo.

Outras ruas ainda que se destacam no cenário do comércio do Alecrim, por

apresentarem a condição de especialização espacial. São as seguintes: a Rua

Doutor Luiz Dutra, com a presença do comércio de ferramentas e produtos voltados

para a agropecuária; a Avenida Presidente Bento, com lojas de som e imagem;

enquanto que a Avenida Manoel Miranda tem suas lojas voltadas para os segmentos

de peças de automóveis e de tintas (BEZERRA, 2005; PESQUISA DE CAMPO,

2016).

O perímetro comercial inicial que se formou no Alecrim, entre as ruas

destacadas na citação anterior, bem como as ruas especializadas que citamos

anteriormente podem ser visualizadas no Mapa 07, a seguir.

164

Mapa 07 – Perímetro comercial inicial e ruas especializadas do Alecrim

FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: BARRETO; LIMA (2007); Pesquisa de Campo, 2016.

Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7

165

Também por ocasião da pesquisa de campo, constatamos ainda, na Rua

Doutor Luiz Dutra, que em um de seus lados, e limitado a um dado trecho, vem se

tornando especializado no segmento de óticas, característica correlata à da Avenida

Ulisses Caldas, no bairro Cidade Alta. Lembramos aqui, porque já apontamos na

seção segunda, quando então expusemos que Fernandes (2014) analisa o quadro

empírico da Rua Ulisses Caldas, denominando-a de “centralidade temática”, porque

focada num produto ou segmento de mercado. Desta forma, em um tempo mais

recente, configura-se agora, também no Alecrim, uma “centralidade temática” do

segmento de óticas.

Já indicamos como formas expressivas de centralidade urbana no bairro do

Alecrim a feira, o mercado e a Praça Gentil Ferreira. Mas esse bairro é rico em

tantas outras formas, como por exemplo, o Edifício Leite, a Praça Gentil Ferreira

(Figura 18) e o Camelódromo do Alecrim (Figura 19). Ambas as formas recém

citadas se conformam no entorno da Praça Gentil Ferreira, que desde o início da

estruturação comercial, guardou o caráter de centralidade no bairro.

Figura 18 – Edifício Leite (à esquerda) e Praça Gentil Ferreira (à direita)

FONTE: NASCIMENTO, 2011

166

Figura 19 – Camelódromo do Alecrim

FONTE: MAZDA, 2015

A respeito desse tradicional edifício presente na paisagem comercial do

Alecrim, Barreto; Lima (2007, p. 34) enaltecem-no: “O símbolo maior do comércio do

Alecrim é, ainda hoje, o edifício Leite, de dois andares (fora o térreo) construído da

Avenida Presidente Bandeira, com a Rua Manoel Miranda, pelo comerciante Leonel

Leite, proprietário da Casa Leite.” O referido edifício foi inaugurado em maio de

1947, quando as atividades terciárias iniciavam uma fase de maior expressão no

referido bairro, e ainda hoje comporta um significativo número de lojas em seu

térreo e salas comerciais nos pavimentos superiores (Pesquisa de Campo).

Já o Camelódromo do Alecrim, considerado o “[...] maior ponto de camelôs

de Natal, construído na década de [19]80, num trecho da Rua Presidente Bandeira,

reúne os vendedores antes situados ou amontoados na Praça Gentil Ferreira e

demais calçadas do bairro (BARRETO; LIMA, 2007, p. 34). Contemporâneo ao

camelódromo do bairro Cidade Alta (Figura 20), veio a ser, na década de 1980, uma

solução à distribuição desordenada de bancas de comércio até então considerado

“informal” pelas calçadas de ambos os bairros, o que ainda persiste na atualidade,

apesar das cíclicas intervenções por parte da municipalidade natalense, seja

apresentando soluções negociadas, como por ocasião da criação dos

camelódromos, seja por meio de aplicação da lei e da apreensão de mercadorias.

167

Figura 20 – Shopping popular (camelódromo) da Cidade Alta

FONTE: Josélia Carvalho, 2016

O que motivou a criação dos camelódromos foi uma prática comercial que

dificultava o deslocamento dos transeuntes pelas calçadas; despertava inquietação,

e até mesmo revolta por parte dos lojistas que, com suas atividades comerciais e de

serviços devidamente formalizadas, pagavam tributos às esferas municipal, estadual

e até mesmo federal; enquanto que os ditos não formalizados auferiam seus lucros

sem ônus algum, dificultando, inclusive, a venda nas lojas, bem como atrapalhando

o trânsito de veículos no local, configurando-se num risco iminente de acidentes.

Essas eram as discussões veiculadas nos meios de comunicação quando se deu a

implantação dos referidos camelódromos.

A respeito da implantação dos camelódromos, Bezerra (2005, p. 116) assim

se posicionou:

A criação dos camelódromos do Alecrim e do Centro Comercial da Cidade Alta [...] não veio resolver a questão da presença dos camelôs nas calçadas da cidade. A obra causou muita discussão entre o poder público e a população da cidade, pois sua localização e a forma como foi construída trouxeram profundas implicações socioespaciais para o bairro do Alecrim. No final, percebemos que a iniciativa não alcançou os resultados almejados.

Quanto ao foco da nossa discussão, o que nos interessa não é o

ordenamento da atividade comercial em si, seja do ponto de vista tributário, seja do

espacial, nem tampouco o nosso foco passa pelo planejamento urbano. Interessa-

nos, ao citar o esse trecho de Bezerra (2005), apontar o “centro nevrálgico” do

168

comércio do Alecrim. É principalmente essa forma camelódromo que consigna ao

Alecrim, de forma visível, seu atributo de “comércio popular”, propalado pela

sociedade natalense, e experienciado predominantemente pelos estratos

populacionais de menores rendas.

Sabemos ser essa discussão de “comércio popular” um debate acadêmico

ainda inconcluso. Mas, como essa característica ficou consignada ao comércio do

bairro do Alecrim, tanto por parte da sociedade natalense quanto por meio de

produções bibliográficas e publicações nos meios de comunicação, apresentaremos

nossas ponderações a respeito, mesmo porque vislumbramos essa característica

como um atributo à afirmação dessa tão expressiva centralidade do espaço urbano

natalense.

Neste sentido, iniciamos essa discussão por definir o termo popular, em

duas acepções adjetivas semelhantes: “dirigido às massas consumidoras”; e “ao

alcance dos não ricos; barato” (HOUAISS, não paginado). Essas são definições que

se adequam ao conceito que foi construído pela sociedade natalense em relação ao

comércio do Alecrim, ao longo do tempo: um lugar onde “as coisas são baratas”. É

com essa expressão que pessoas, em sua maioria, dos estratos menos abastados

da sociedade natalense justificam sua escolha por fazerem suas compras no

Alecrim.

No âmbito do debate acadêmico ou da produção bibliográfica também há

consonância quanto à designação de “comércio popular” em relação ao Alecrim. Ao

contextualizarem o emergência do Alecrim enquanto bairro comercial, Barreto; Lima

(2007, p. 115) lembram que

[...] quando Natal vivia um processo acelerado de expansão, com a Segunda Guerra. Soldado americano por todo lado, o comércio cresceu. O Alecrim já despontava como um bairro populoso, mas de uma população de baixa renda, ao contrário da Ribeira, onde cintilava o comércio de lojas chiques, alargavam-se os grandes

armazéns, brindavam e gargalhavam os bares e cabarés (grifos nossos).

Conforme já expusemos nesta subseção, identificamos uma aproximação

entre a Cidade Alta e o Alecrim, por sua condição temporal, de terem estruturado

sua dinâmica terciária após a Segunda Guerra Mundial. Mas, ao considerarmos o

conteúdo do seu setor terciário, há uma clara discrepância do Alecrim em relação à

169

Ribeira, conforme podemos depreender da última citação, bem como em relação à

Cidade Alta, ao considerarmos a afirmação que segue:

[...] paralelo ao bairro Cidade Alta, o Alecrim surgiu como uma opção para a procura de artigos mais populares, mantendo sua representatividade frente ao contexto da reestruturação urbana da cidade. Sua representatividade no contexto socioespacial de Natal impulsionou a centralidade do bairro (BEZERRA, 2005, p. 154).

Essa discrepância do ponto de vista do conteúdo entre o Alecrim e a Cidade

Alta perdurou até a década de 1980, quando este último figurou, no cenário

natalense, como o centro comercial dos estratos mais abastados da sociedade

natalense, vindo a perder essa condição de melhor centro comercial de Natal

quando novas centralidades passaram a conformar no contexto urbano natalense,

como os shopping centers, os hipermercados e as lojas de grife.

Enquanto que segundo a defesa de Bezerra (2005, p. 117),

A ligaçao do Alecrim com o comércio popular prova que a

presença maciça deste setor faz emergir a grande popularidade adquirida ao longo do tempo no bairro, movida pelo fluxo de pessoas que transitam pelas suas ruas, vindas de toda parte do estado

(grifos nossos).

Ao resgatarmos a memória do bairro, enquanto participante da formação do

Núcleo do Centro Histórico de Natal, reconhecemos essa ligação entre o Alecrim e

um significativo número de pessoas vindas do interior do estado do RN, que

terminaram por estabelecer moradia no referido bairro; pessoas que vinham em

busca de produtos não encontrados nos seus municípios de origem, ou que vinham

para tratar de assuntos relacionados à gestão, tendo Natal, num primeiro momento,

como sede da Província do RN, seguindo-se como capital do RN, ou até mesmo

para tratamentos de saúde, o que ainda ocorre na atualidade. Não é demais

ressaltar ainda que o Alecrim abrange segmentos de mercado voltados para a

agropecuária, o tratamento veterinário, o suprimento em grãos e utensílios afeitos ao

ambiente rural.

Dessa forma, ao reunirmos os relatos do início da formação do bairro, de

que fora voltado para abrigar pessoas vindas do interior do RN, mais as

características da sua formação comercial, conseguimos identificar o caráter

“popular” designado ao seu comércio, porque construído, ao longo da sua história,

170

por pessoas simples.

Uma cena cotidiana é bem descrita no trabalho desenvolvido por Bezerra

(2005, p. 117), que versou sobre o Alecrim:

[...] este é o bairro do povão, tendo em vista a disputa dos comerciantes pelo freguês, oferecendo suas mercadorias através do grito, situação que ocasiona um desconforto tanto para os moradores quanto para quem trafega pela área comercial do bairro. Esse aspecto popular é uma demonstração viva da atração que o bairro exerce sobre um tipo de população que termina por caracterizá-lo (grifos nossos).

Ao resgatarmos algumas afirmações da parte do autor supracitado, as quais

podem parecer exageradas, temos a intenção de estabelecer um diálogo. Em

primeiro lugar, quanto à expressão “bairro do povão”. Não é inadequado o uso do

termo, posto que se refere à “classe mais humilde, oposta às classes média e alta”

(HOUAISS, não paginado). E como sabemos, a maioria das pessoas que circulam e

compram no Alecrim são aquelas dos mais baixos estratos de renda da sociedade

natalense.

Já quanto à segunda afirmação, de o comerciante oferecer a mercadoria “no

grito”, presenciamos cenas assim por ocasião da pesquisa de campo, bem como por

nossa vivência com a área. Ademais, buscamos estabelecer alguns contatos via

telefone, à procura de mercadorias, como forma de comprovar se a experiência se

repetia, e o “assédio comercial” foi o mesmo, em diversas lojas, de segmentos

diversos: a insistência de reservar o produto, de baixar o preço, entre outras formas

de “fechar negócio” a todo custo se repetiu.

Acrescentamos que essa estratégia de venda “no grito” se verifica em feiras

livres, principalmente, ao seu final, quando os produtos baixam de preço. Dessa

forma, ficou consignado dizer, na cultura popular, “a hora do grito”, referindo-se ao

final da feira. Em Natal, essa venda “no grito” ocorre ainda nas áreas dos

camelódromos, no Alecrim e na Cidade Alta, bem como na Rua Coronel Cascudo,

no bairro Cidade Alta, em algumas lojas de artigos “populares”. Nessas áreas,

vendedores ficam abordando cada pessoa que passa, insistindo para que entre e

compre seus produtos.

O uso adequado ou não do termo “popular” designado ao centro comercial

que é o Alecrim depende dos critérios estabelecidos. Fizemos nosso percurso

171

discursivo, por meio de acepções linguísticas, do discurso da sociedade e da

produção bibliográfica, para só então poder assim indicar esse atributo do referido

bairro. E assim fizemos, porque entendemos que isso importa ao buscarmos

apreender a natureza da centralidade urbana que se conforma nesse centro

comercial: uma natureza de caráter eminentemente comercial, de perfil popular. Um

bairro que é exaltado como “o maior centro comercial de Natal”, como se fosse uma

vantagem, quando, na verdade, essa condição de grandeza se faz pelo elevado

número de consumidores, porque, como sabemos, na sociedade capitalista, há

sempre um número maior de pessoas com menores rendas. E são estas pessoas,

em sua maioria, que circulam pelo bairro do Alecrim.

Na verdade, podemos afirmar ser o Alecrim um centro comercial singular.

Isto porque, se o comparamos frente aos demais, ele tem algumas peculiaridades,

alguns atributos, que não são verificados nos demais. Um destes atributos, o qual é

propalado por agências de marketing, em suas campanhas publicitárias, bem como

por entusiastas do comércio do bairro, é a diversidade, conforme palavras do

Presidente da Associação dos Empresários do Bairro do Alecrim (AEBA), Francisco

Denerval de Sá, a seguir: “O ponto fundamental para manter o bom ritmo do

comércio no Alecrim é o grande número de lojas e, principalmente, a variedade dos

produtos. Aqui o cliente encontra tudo o que lhe interessa.” (SÁ apud BARRETO;

LIMA, 2007, p. 35). Vemos que entra em cena um novo discurso: o da diversidade. E

assim, da interface entre o “popular” e o “diversificado”, a centralidade do Alecrim

ganha mais vigor no cenário natalense.

Da mesma forma como as pessoas dizem que compram no Alecrim porque

é “mais barato”, acrescentam que vão às compras no Alecrim porque têm certeza

que encontrarão o que querem, porque “no Alecrim tem de tudo”. A respeito disso,

julgamos oportuno citar uma informação, diríamos até mesmo uma anedota, referida

pelo Assessor de Comunicação e Marketing da Presidência do Sistema Fecomércio

RN, Luciano Kleiber, em entrevista por ocasião da pesquisa de campo, ao dizer que

as pessoas que convivem no comércio do bairro dizem que “se não encontrou no

Google, procure no comércio do Alecrim, que tem”. Seguindo essa linha, o portal de

marketing “comprenoalecrim.com.br” traz os seguintes anúncios, em banners

móveis: “Não encontro no Centro?”, “Não encontro em Petrópolis?”, “Não encontrou

na Zona Norte?”, “Não encontrou na Grande Natal?”. E assim, a cada pergunta, o

banner móvel conduz a um banner fixo, que diz: “Visite o comprenoalecrim.com.br”.

172

Por sua vez, é no referido site que se encontram anúncios de diversas lojas do

Alecrim, inclusive do “Mercado da Seis”, sobre o qual já discorremos

(INSTITUCIONAL..., 2016).

Esse quadro empírico nos impele a reafirmar nossa visão de que o raio de

influência da atividade terciária do Alecrim abrange para além do território natalense,

haja vista o marketing a respeito do bairro se dirigir à Grande Natal. Assim como o

teor veiculado nos anúncios anteriormente citados, associado à existência da

associação de empresários do Alecrim, aponta para o caráter ideológico da

centralidade do bairro. Podemos então afirmar ser o Alecrim não somente uma

centralidade comercial em Natal, mas também histórica, por sua participação na

formação do Núcleo do Centro Histórico de Natal; cultural ou simbólica, pela

presença marcante da feira livre, do mercado e da Praça Gentil Ferreira; e

ideológica, pela presença da Associação dos Empresários do Bairro do Alecrim

(AEBA), como apenas uma de suas manifestações ideológicas de reafirmação do

bairro.

Fizemos essa incursão pela vida comercial dos bairros constituintes do

Núcleo do Centro Histórico de Natal, os quais foram apresentados numa sequência

consoante à posição que cada um ocupou no cenário da dinâmica da produção do

espaço natalense, a saber: Ribeira, apresentado primeiro; Cidade Alta e Alecrim,

apresentados em segundo e terceiro lugares, apesar de figurarem como

contemporâneos. Expor a dinâmica de cada bairro, tendo a atividade terciária como

pano de fundo da dinâmica da produção do espaço urbano, serviu para apreender o

quão central cada bairro se fez – ou ainda se faz – em cada momento na Cidade do

Natal.

Como temos afirmado que a natureza da centralidade urbana se constitui

diversa, face aos seus conteúdos, processos e formas, prosseguiremos na

exposição da dinâmica da produção do espaço natalense, focando a seguir dois

grandes grupos de conteúdos, processos e formas por meio dos quais essa

dinâmica pode ser identificada. O primeiro grupo se refere a formas mais

tradicionais, ligadas ao comércio e à gestão, e são: os mercados, as feiras e os

edifícios da gestão pública, e serão tratados ainda nesta subseção em discussão.

Enquanto que o segundo grupo se refere a formas afeitas às novas

expressões de centralidade urbana em Natal, ligadas à dinâmica segundo a qual a

atividade terciária vem se conformando desde a década de 1980, e são: os

173

hipermercados e atacarejos; os shopping centers; as formas que comportam

atividades voltadas para o turismo – gastronomia, lazer e hospedagem. Este

segundo grupo de conteúdos, processos e formas será tratado na subseção

seguinte, ao propormos uma discussão acerca das “Expressões e conformações

contemporâneas da centralidade urbana em Natal”.

Os mercados e as feiras em Natal remontam à memória deste espaço ainda

na condição de Província do RN. Desde então, e seguindo-se enquanto capital do

RN, com a Proclamação da República, em 1889, herdou a condição periférica

pretérita, de um comércio local de pouco expressividade, que perdia lugar no cenário

regional para os estados de Pernambuco e Paraíba.

Diante desse contexto, a economia natalense era pouco expressiva, voltada

para abastecer apenas necessidades imediatas e diárias da sociedade natalense,

razão pela qual, mesmo face ao contexto de pouco expressividade em sua

economia, o mercado era a forma excelente na qual as trocas comerciais diárias se

realizavam na Cidade do Natal. Teixeira (2009, p. 442) avalia a presença dessa

forma comercial no seguinte trecho: “o mercado público oferece um bom critério de

avaliação da importância da atividade comercial nascente.”

Ao discorrer sobre atividade comercial nos núcleos urbano do RN, Teixeira

(2009) pontua que ambas essas formas – a feira e o mercado – emergiram de forma

significativa em toda a Província do RN, por volta de 1850, expressando assim a

função comercial. E confirma o que temos afirmado acerca da incipiente atividade

comercial em Natal: “[...] a atividade comercial urbana é ínfima até então,

notadamente nos centros urbanos nascentes (TEIXEIRA, 2009, p. 440). Mas, “De

qualquer modo, a feira e o mercado aparecem a posteriori na evolução das

aglomerações do Rio Grande do Norte. É somente quando o arruado se torna

povoado que a feira começa a tomar corpo (TEIXEIRA, 2009, p. 440).

É igualmente importante considerarmos o pensamento de Pintaudi (2006)

sobre essa forma comercial que já teve seu lugar de centralidade no espaço urbano.

Com um trabalho intitulado “Os mercados públicos: metamorfoses de um espaço na

história urbana”, a referida autora utiliza a análise histórica como método aplicado ao

estudo do mercado público, buscando apreender suas metamorfoses ao longo do

tempo. E assim, demarca:

Os mercados públicos constituem-se em uma das primeiras formas

174

que marcam a separação homem/natureza, ou seja, do momento em que o homem deixa de produzir sua própria existência, anunciando outros ritmos para o tempo/espaço social, através da troca de produtos (PINTAUDI, 2006, p. 81).

Esse foi o momento em que, como sabemos, o excedente agrícola passou a

ser comercializado na cidade, junto àqueles que então se ocupavam de novas e

mais específicas funções, como os artesões. Manifesta-se assim como uma das

primeiras formas de divisão social do trabalho.

Em Natal, autores como Cascudo (1999), Teixeira (2009) e Barreto; Lima

(2007) fazem referência à comercialização de produtos de ligados à agricultura e à

pecuária; inicialmente, debaixo de árvores, locais com expressão em forma de feira

livre, alguns vindo a se tornarem mais tarde mercados. Encontramos respaldo a

essa discussão na exposição de Pintaudi (2006, p. 84), de que: “Muito dos mercados

tiveram sua gênese nas feiras que terminaram perpetuando-se, materializando em

construções porque a reprodução da vida na cidade e/ou região necessitava de um

contínuo suprimento de víveres”.

Referindo-se ao que chamaríamos de “marco zero” do comércio em Natal,

Barreto; Lima (2007, p. 43) expõem que

O comércio de Natal nos seus primórdios, quando não existiam super e hiper-mercados, lojas de departamento ou shopping centers, tinha os principais pontos de comércio nas vendas e

bodegas, em sua maioria instaladas na casa do próprio comerciante (grifos nossos).

Resgatamos os grifos no trecho, a fim de precisar que estas são formas

comercias que datam da segunda metade do século XX, quando os mercados

públicos já perdera sua expressividade no cenário comercial brasileiro, conforme

defende Pintaudi (2007), repercutindo também no espaço urbano natalense.

Acrescentamos que, em Natal,

Os mercados surgiram sempre com a formação de uma comunidade e neles tinha ‘quase’ tudo: farinha, feijão, carne, peixe,

verdura, e frutas. E até bancas que serviam almoços, sopas e também bebidas, transformando-os em ponto de reunião de boêmios. No entanto, diferentemente das feiras que estão vivas, os mercados com suas características tradicionais estão chegando ao fim, pois, além da concorrência acirrada com as outras lojas da vizinhança (supermercados e mercadinhos), os consumidores estão

175

cada vez mais exigentes com preço e qualidade dos produtos (BARRETO; LIMA, 2007, p. 43, grifos nossos).

Certamente, é dessa condição de surgir junto a uma comunidade, que os

mercados públicos em Natal adquiriram sempre a denominação do bairro, mesmo

que lhe tenha sido atribuído um nome próprio; são exemplos de mercados com

nomes de comunidades: “Mercado da Cidade Alta”, quando existia; “Mercado da

seis”, ao referir-se ao mercado público da Avenida 6, no Alecrim; “Mercado das

Rocas”, entre outros. Outra explicação para o fato de os mercados em Natal

surgirem sempre junto a uma comunidade, tendo sempre apenas um mercado para

cada comunidade, talvez esteja na carência do provimento da população à sua

sobrevivência, principalmente, quando do início da formação urbana da cidade.

Outra discussão que podemos resgatar do trecho citado é acerca das feiras.

Interessante notar que se estas precederam os mercados em Natal, conforme já

expusemos, entretanto são as feiras que “permanecem vivas”, no dizer dos autores

citados. E constatamos essa informação ao consultarmos o site da Secretaria

Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR), da Prefeitura Municipal de Natal. Nesse

site, consta um link denominado “Feiras Livres”, o qual apresenta a programação

semanal, indicando o dia de realização da feira, o local ou nome da feira, o número

de bancas e o de feirantes (NATAL..., 2016b).

Em contrapartida, a mesma secretaria, a qual é responsável por ambas as

formas comerciais na cidade, não dedica nenhuma informação sobre os mercados

públicos, nem mesmo uma listagem com os nomes dos mesmos, tanto menos sua

programação, apesar de ainda funcionarem, mesmo com enfoques e importância

diversificados entre eles.

O que há de publicação da municipalidade natalense com relação aos

mercados é apenas o número dos mesmos, num documento da Secretaria Municipal

de Meio Ambiente e Urbanismo (SEMURB), intitulado “Natal em detalhes”, no

capítulo a respeito dos equipamentos urbanos. Assim, estão indicados os mercados

ainda presentes na paisagem urbana de Natal, segundo sua região administrativa,

bairro e quantidade deles, conforme o Quadro 01, a seguir.

176

QUADRO 01 – Mercados públicos em Natal

REGIÃO ADMINISTRATIVA BAIRRO QUANTIDADE

Norte Redinha 01

Leste

Rocas 02

Petrópolis 01

Alecrim 01

Oeste Quintas 01

Sul - -

TOTAL 06

FONTE: NATAL..., 2009

Quanto ao número de mercados públicos em Natal, encontramos

dissonância entre os dados oficiais e a literatura sobre a atividade comercial no RN,

ao observarmos as informações trazidas por Barreto; Lima (2007, p. 44):

Em Natal, existiam outrora apenas os mercados da Cidade Alta, do Alecrim e das Rocas. Hoje, eles são oito, contando com a Feira do Fogo [esquina da Rua Presidente Quaresma com a Avenida Coronel Estevam], considerada mercado porque é permanente (são os remanescentes do antigo Mercado da Cidade Alta que pegou fogo, no dia 27 de janeiro de 1967). São eles: Mercado das Rocas, Mercado de Petrópolis, Mercado do Peixe (Rocas), [reformado e entregue em 2015], Mercado das Quintas, Mercado da Redinha, Mercado da Avenida 6 e Mercado da Avenida 4, no Alecrim (grifos

nossos).

A dissonância se faz pela presença da Feira do Fogo, que é considerado

mercado, no Alecrim; e também de outro mercado no mesmo bairro, o da Avenida 4,

conhecido também como o “Mercado da Pedra”. Dessa forma, ao considerarmos

esse dado oficioso – mas real –, o Alecrim passaria a contar com três mercados.

Esse dado revela, em certa medida, a força da cultura popular, e até mesmo o

caráter ideológico do significado do mercado para uma dada comunidade, posto ser

essa forma, desde a sua gênese, um lugar de encontro.

Mas ainda há que retomarmos os dados oficiais também. Observemos que

há discrepância quanto à ocorrência de mercados públicos entre as regiões

administrativas em Natal. Enquanto a Região Administrativa Leste, a que comporta o

Núcleo do Centro Histórico de Natal, figura com quatro mercados; a Região

Administrativa Norte tem apenas um; assim como a Região Administrativa Oeste

também tem um; já a Região Administrativa Sul não tem mercado público.

Ao nosso ver, a explicação para a ausência de mercado na Região

Administrativa Sul se faz pelo fato de ser uma área de expansão urbana de Natal, no

177

contexto da reestruturação da atividade terciária, cujas formas comerciais seguiram

uma tendência mais moderna, voltada para os shopping centers, os hipermercados,

atacarejos, entre outros.

Pintaudi (2006) aponta esse rompimento do significado do mercado público

no espaço urbano para meados do século XX, quando espaços de vendas a varejo

romperam com a estrutura comercial até então vigente, e surgiram os

supermercados, hipermercados e shopping centers.

Mas, antes de apontar para a subsunção dos mercados públicos em relação

às formas modernas de comércio, aquelas ditas de “grande superfície”, como as

supracitadas, Pintaudi (2006, p. 86) precisa a importância do mercado, desde a

cidade medieval:

Quanto aos pórticos públicos ou centros de armazenamento, como o nome já diz, eram locais onde se guardavam as mercadorias a serem trocadas. O local mais importante, contudo, era o do mercado, onde se realizava a maior parte das transações comerciais. [...] Assim, antes de se tornar perene o mercado era realizado em praças, no mesmo local que, em outro momento, se desenrolava a festa ou a execução de sentenças (grifos nossos).

Esse lugar de destaque foi dado aos mercados do Peixe, nas Rocas e ao da

Cidade Alta, bairro no qual foi fundada a Cidade do Natal, e até então considerado,

simbolicamente, o “Centro de Natal”. Localizado na Avenida Rio Branco, esta se

revestiu de importância que ainda hoje persiste no cenário da dinâmica urbana da

cidade.

Agora, aproximando as informações de Pintaudi (2006), sobre os usos que

eram feitos em torno dos mercados, à realidade do que ocorria em Natal, em torno

do mercado da Cidade Alta, Cascudo (1999, p. 162) relata que

A forca em Natal era armada na praça ou largo do Quartel da Tropa de Linha [atual Escola Estadual Winston Churchill] (praça Tomás de Araújo Pereira. [...] Também ergueram a forca ao lado, onde era o mercado do peixe [Rocas], englobado na construção do atual edifício do mercado público da Cidade Alta. Não ficava armada

[...]. A lei mandava desarmá-la logo após o suplício. E sua construção era rápida [...]. As despesas seriam pagas pelo governo da Província (grifos nossos).

O mercado público, a praça e a forca. Este último elemento, mesmo que

178

itinerante pelos dois centros mais tradicionais de Natal – Rocas e Cidade Alta –,

juntamente com os demais elementos, indicam a importância que o mercado público

tinha como lugar central na cidade, lugar do encontro dos cidadãos. Era,

simultaneamente, lugar da reprodução da vida, tanto para aqueles que labutavam,

garantindo sua sobrevivência, quanto para aqueles que adquiriam os bens

necessários à sua sobrevivência; lugar da sociabilidade e da política, permeado de

representações, dado que por ali eram veiculadas as discussões dos

acontecimentos em curso na cidade; mas era também lugar da tragédia, visto que,

segundo Cascudo (1999), houve pena de morte em Natal, com execução pública em

forca, na praça, ao lado dos mercados da Cidade Alta e das Rocas.

A centralidade da forma mercado, em tempos remotos, é confirmada por

Pintaudi (2006, p. 97), ao dizer que: “[...] o local do mercado, na sua gênese,

configura-se como um ponto de encontro no centro das cidades, comandado pelo

poder público, organizado e, de certa forma, garantindo o abastecimento urbano.”

Mas, ao examinar a importância do mercado público ao longo da história, a

referida autora mostra, diríamos, a sua ascensão e sua decadência, apresentando,

num primeiro momento, a função de forma como local de abastecimento:

A presença do mercado público na cidade ou fora de seus muros (quando eles existiam), seja de forma temporária ou perene, nunca foi questionado como local de abastecimento de produtos,

enquanto, em diferentes sociedades, perdurou o costume de ali realizarem as trocas necessárias à reprodução da vida (PINTAUDI, 2006, p. 82, grifos nossos).

Já o segundo momento da presença do mercado no meio urbano aponta

para uma ruptura, conforme indicado nas palavras de Pintaudi (2006, p. 82):

O questionamento dessa forma emerge, justamente quando ela

passa a se desfazer, quando ela chega aos limites de sua existência enquanto forma (incluída sua estrutura e função) reconhecida e apropriada socialmente para a reprodução da sociedade. Quando esse costume sofre uma ruptura com a presença de outras formas de abastecimento, mais modernas, surgem como possibilidades a metamorfose do mercado público, que passa a ser apropriado como lugar ‘tradicional’, onde se pretende produzir uma ‘identidade’ para a sociedade, ou então o desaparecimento dessa forma na paisagem urbana e, conseqüentemente, do imaginário (grifos nossos).

Assim, o mercado público, entre forma marcante no centro das cidades, e

179

forma subsumida em meio a outras formas, mais modernas e aprazíveis, vem

passando por um processo de reconfiguração do seu conteúdo, e buscando gerar

novos processos para poder manter-se.

Um caso exemplar é o Mercado Público das Rocas, o Francisca Barros de

Morais, que esteve fechado por sete anos, em reforma, foi reinaugurado em 2015, e

até 2016, por ocasião da nossa pesquisa de campo, ainda não funcionava

satisfatoriamente, tendo pouquíssimos boxes abertos, dentre os oitenta e três

disponíveis (PESQUISA DE CAMPO, 2016). Esse quadro empírico demanda a nós

uma análise, face ao que temos proposto, de que, para a conformação de uma

centralidade, entram em cena conteúdos, processos e formas. Mas não havíamos

tido ainda a oportunidade para elucidar que, necessariamente, não há como os três

componentes concorreram para a formação da centralidade urbana com igual força

ou intensidade. Antes, diríamos que, em dado momento, um ou outro elemento se

sobressairá, enquanto outro, não. É o caso do mercado em tela: uma forma, porém,

por suas precárias instalações funcionais, de escasso conteúdo, escassos

processos, consequentemente, desprovido de centralidade (ALEXANDRE, 2016).

E assim, essa forma que foi uma das primeiras expressões de centralidade

urbana, vê-se agora subsumida face às novas racionalidades da história humana:

O mercado público foi, desde os primórdios do capitalismo, uma forma de centralizar o comércio num determinado lugar, o que facilitava o controle sobre as trocas de mercadorias que ali se efetuavam, como também sobre as fontes abastecedoras de produtos (PINTAUDI, 2006, p. 86-87).

Das palavras da autora citada, depreendemos que o mercado público

“nasceu” para ser central. E, uma vez deixando de sê-lo, é porque, certamente,

outras formas ocuparam o seu lugar central. Diante do vasto leque de novas e

modernas formas comerciais e de serviços, como shopping centers, galerias, ruas

de grife, camelódromos, supermercados, hipermercados, atacarejos, entre outros,

“Hoje, do ponto de vista econômico, esse espaço tornou-se desinteressante porque

cada vez mais se prioriza a reprodução do capital de maneira privada e suas

relações de dominação. O espaço do mercado pertence a um outro tempo social.”

(PINTAUDI, 2006, p. 97). Diríamos, concordando com a autora em diálogo, que o

mercado público pertence ao tempo da fruição da cidade por parte do cidadão. Indo

mais adiante, diríamos que o mercado antecipou o shopping center.

180

Pintaudi (2006, p. 84) afirma ainda que “O mercado público é forma de

intercâmbio de produtos encontrada em cidades da antiguidade e se hoje tem

continuidade no espaço, isto certamente se deve ao fato de poderem dialogar com

outras formas comerciais mais modernas.”

Em Natal, esse “diálogo” nem sempre é possível, como é o caso que pode

ser identificado entre o Mercado das Rocas (Figura 21) e a feira das Rocas (Figura

22), ambos conformados lado a lado, no largo do mercado. A Feira das Rocas

ocorre às segundas-feiras, com 370 bancas, 370 feirantes (NATAL..., 2016b), com

significativo número de frequentadores, figurando como uma centralidade urbana; o

que não ocorre com o Mercado das Rocas, que apresenta uma forma moderna,

quiçá, pomposa, diante da forma feira livre das Rocas, estruturada com simples

bancas e tendas, mas que consegue exercer seu poder de atração junto aos

consumidores.

Figura 21 – Mercado das Rocas

FONTE: RÉGIS..., 2016

181

Figura 22 – Feira das Rocas

FONTE: DOUGLAS, 2016 (direita)

De outra sorte, podemos identificar o diálogo aventado por Pintaudi (2006)

entre mercado público e outras formas comerciais, ao voltarmos nosso olhar para o

Mercado da Seis, no Alecrim. Como já referimos antes, esse mercado consegue

manter-se funcionando, estabelecendo até mesmo diálogo, tanto com outras formas

comerciais presentes no bairro quanto um diálogo sob a forma de marketing com as

redes sociais, ao anunciar seus produtos no portal “comprenoalecrim.com.br”.

Ainda nessa linha do diálogo com outras formas comerciais, outro mercado

que merece nossa atenção é o Mercado de Petrópolis, que costuma albergar

eventos culturais, exposições com certa frequência, além da sua atividade diária,

contendo produtos com foco em antiguidades, artesanatos, pintura, cultura e

esculturas. Em 2015, um projeto de autoria do vereador Ubaldo Fernandes iniciou

um processo para tornar o Mercado de Petrópolis patrimônio cultural de Natal

(PESQUISA DE CAMPO, 2016).

O caso exemplar do Mercado de Petrópolis pode ter sua forma de uso

compreendida ao refletirmos sobre o pensamento de Pintaudi (2006, p. 98): “Os

mercados públicos, formas ainda presentes na paisagem urbana, estão procurando

gerar uma imagem de ‘tradição’ (onde os novos fregueses podem simular um

comportamento ‘tradicional’).”

E nesse bojo de “tradicional”, também pode ser incluído o Mercado Público

da Redinha, por sua tradição gastronômica da “ginga com tapioca”, prato típico

propagado no cardápio da visitação turística. Comungando com o pensamento de

182

Pintaudi (2006), Barreto; Lima (2007, p. 43-44) afirmam que “Hoje, os mercados

estão deixando de ser lugar de abastecimento popular para se transformar em

centros comerciais de vendas de artesanato e comidas típicas, como é o caso do

mercado da Redinha, em Natal.”

Como vemos, para manter-se enquanto forma comercial na

contemporaneidade, o mercado público não pode prescindir do diálogo com outras

formas comerciais, como asseverou Pintaudi (2006), seja incorporando o que há de

mais moderno, e inovando, lançando mão do uso das redes sociais; seja

afeiçoando-se a algum atributo cultural de relevo, para revestir-se de “tradicional”,

por meio de atributos culturais marcantes.

Quantos às feiras livres, a literatura atinente à atividade comercial aponta

que as mesmas precedem os mercados na economia urbana. Em Natal, segundo o

que constamos, ao examinar a literatura sobre a história da cidade, bem como

produções acadêmicas, as mesmas ratificam essa informação, e até mesmo

indicam, em alguns casos, algumas feiras terem sido substituídas por alguns

mercados públicos.

Quanto à sua origem, as feiras existem desde a Antiguidade – 2000 a.C –,

na Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma antigos (AZEVEDO; QUEIROZ, 2013). Já

quanto à sua função inicial, as feiras surgiram tanto para o atendimento à

sobrevivência material quanto para as trocas de produtos entre os povos, conforme

podemos inferir do que dizem Pierri; Valente (2006, p. 11), ao afirmarem que “Feiras

livres são eventos periódicos, que ocorrem em espaços públicos, aonde homens e

mulheres realizam trocas comerciais de mercadorias, com a finalidade de garantir

suas condições materiais de vida”. Ainda nessa linha de raciocínio, Barreto; Lima

(2007, p. 36) acrescentam que, “Historicamente, as primeiras feiras surgiram para

satisfazer as necessidades de troca entre as pessoas. A partir e ao redor delas

surgiram as comunidades e as cidades.”

Em resumo, o pensamento dos autores citados nos diz que: as feiras livres

vêm desde a Antiguidade, e ainda persistem nos dias atuais; a exemplo do mercado

público, a feira livre consiste num espaço no qual ocorre a troca de bens e a busca

da sobrevivência material dos envolvidos; por envolver um dado número de pessoas,

conforma-se num dado contexto urbano, passando a ser importante para o

desenvolvimento da economia urbana.

Uma significativa contextualização da feira livre, desde o seu surgimento, até

183

a sua atualidade, em Natal, é feita por Azevedo; Queiroz (2013), autores dos quais

lançaremos mão de alguns aportes a seguir, estabelecendo diálogo com outros

autores.

Azevedo; Queiroz (2013), depois de contextualizarem o surgimento da feira

livre no Brasil, desde a expansão marítima e comercial europeia, afirmam ser elas

heranças medievais portuguesas. Os referidos autores precisam quanto à sua

primeira manifestação no Brasil:

O primeiro registro oficial da existência de feira no Brasil data de 1732, a feira de Capoame, localizada no Recôncavo Baiano. Sabe-se da existência de feiras livres, nos séculos XVIII e XIX, nos atuais estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. As feiras livres emergem no Nordeste

brasileiro associadas à estrutura econômica da região dos séculos XVIII e XIX. De um lado a economia da cana de açúcar na Zona da Mata e, do outro lado, a atividade pecuarista e da cotonicultura no Sertão. O gado também era trocado e vendido nas feiras livres semanais, que eram realizadas em pontos de encontro das rotas entre o Sertão e a Zona da Mata, sendo denominadas de feiras de gado (não paginado, grifos nossos).

Não é sem motivo que temos afirmado que as feiras livres cumprem o papel

de garantir a sobrevivência de parte da população de um dado lugar. E no caso do

nordeste brasileiro, os produtos oriundos da agropecuária sertaneja presidiam o

conteúdo das trocas, assim como suscitava o surgimento até mesmo de algumas

cidades, como afirmam Azevedo; Queiroz (2013, não paginado): “O surgimento de

povoações, vilas, e cidades nordestinas são causa e consequência das feiras de

gado.” Também são os referidos autores que defendem serem as feiras livres

“museus vivos” da história e da cultura nordestinas. Dessa forma, podemos inferir

que as feiras livres contribuem na conformação do espaço urbanorregional no RN.

Em Natal, as feiras livres datam do século XIX. Essa afirmação é consenso

na literatura examinada, como em Cascudo (1999), Barreto; Lima (2007), Teixeira

(2009) e Azevedo; Queiroz (2013). Que as feiras livres surgem antes, e até mesmo

dão lugar a alguns mercados, como já dissemos, também é consenso. Entretanto,

ao buscarmos construir uma sequência da estruturação das feiras livres em Natal,

vendo desde as que surgiram primeiro, até as mais atuais, as discrepâncias se

fizeram tão amplas entre os autores, até mesmo entre documentos oficiais da

municipalidade natalense, que se tornou inviável empreendermos uma discussão

184

razoável.

Desta forma, importa o atual contexto das feiras livres de Natal, o qual

apresentamos por cada região administrativa da cidade, localidade/nome da feira,

dia da semana, número de bancas e número de feirantes, conforme o Quadro 02.

QUADRO 02 – Feiras livres em Natal

REGIÃO ADMINISTRATIVA

NOME DIA DA

SEMANA NÚMERO DE

BANCAS FEIRANTES

Norte

Nova Natal

domingo

550 283

Gramoré 96 65

Nova República 40 21

Igapó terça-feira 415 255

Aliança quarta-feira

229 186

Santarém 27 14

Panorama quinta-feira 332 196

Parque dos Coqueiros sexta-feira

450 298

Cidade Praia 112 77

Santa Catarina/Soledade sábado

490 223

Pajuçara 62 32

Leste

Lagoa Seca domingo

206 122

Mãe Luiza 99 67

Rocas segunda-feira

370 370

Alecrim sábado 836 437

Oeste

Quintas domingo

232 144

Cidade da Esperança 386 406

Carrasco quarta-feira 819 477

Planalto quinta-feira 186 97

Felipe Camarão sábado

85 53

Cidade Nova 58 29

Sul Pirangi domingo 30 23

TOTAL 22 FEIRAS LIVRES - 6.110 3.785

FONTE: NATAL..., 2016b

As informações dispostas no quadro 02 têm por base dados do site da

Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR), da Prefeitura Municipal do

Natal, uma vez que as outras fontes com quais dialogamos apresentam

discrepâncias. Logo, nossa decisão foi optar pelos dados oficiais.

Ao fazermos uma leitura do referido quadro 02, vemos que algumas

discussões anteriores se confirmam. Por exemplo, o número de feiras livres é maior

nas Regiões Administrativas Norte – com 11 feiras – e Oeste – com 6 feiras –, que

são as que concentram população de mais baixa renda; logo em seguida, quanto ao

número de feiras, vem a Região Administrativa Leste, que concentra os bairros mais

antigos de Natal, com 4 feiras livres; já a Região Administrativa Sul, que juntamente

185

com a Região Administrativa Leste, concentra a população de mais alta renda, tem

apenas 01 feira livre. Isto porque, conforme já apontamos, a prática comercial por

parte dos feirantes se pauta muito em função do sustento da sua vida material. Do

mesmo modo, o “ir às compras” na feira livre é também uma cotidianidade própria

dos estratos sociais menos abastados.

Para uma compreensão da distribuição das feiras livres entre os bairros e

regiões administrativas da cidade, é importante considerarmos os dados da Tabela

01A, que mostra a renda média mensal, por Salários Mínimos, da população por

bairro e por região administrativa da cidade.

186

Tabela 01A27 – Renda média mensal por bairro e por região administrativa em Natal

R. A. NORTE/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS

Igapó 2 a 4

Lagoa Azul 2 a 4

N S da Apresentação 2 a 4

Pajuçara 2 a 4

Potengi 2 a 4

Redinha 2 a 4

Salinas menos de 2

R. A. SUL/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS

Capim Macio mais de 15

Candelária 11 a 15

Lagoa Nova 11 a 15

Pitimbu 8 a 11

Ponta Negra 8 a 11

Neópolis 6 a 8

Nova Descoberta 6 a 8

R. A. LESTE/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS

Barro Vermelho mais de 15

Petrópolis mais de 15

Tirol mais de 15

Areia Preta 11 a 15

Ribeira 11 a 15

Cidade Alta 8 a 11

Lagoa Seca 6 a 8

Alecrim 4 a 6

Praia do Meio 4 a 6

Rocas 4 a 6

Mãe Luiza 2 a 4

Santos Reis 2 a 4

R. A. OESTE/BAIRROS SALÁRIOS MÍNIMOS

N S de Nazaré 4 a 6

Bom Pastor 2 a 4

Cidade da Esperança 2 a 4

Cidade Nova 2 a 4

Dix-Sept Rosado 2 a 4

Felipe Camarão 2 a 4

Nordeste 2 a 4

Planalto 2 a 4

Quintas 2 a 4

Guarapes menos de 2

FONTE: NATAL..., 2008b

27

Fez-se necessário apresentarmos o número indicativo desta tabela no formato “01A" para manter a unidade temática entre as tabelas apresentadas sob os números 01 a 13 e seus respectivos gráficos, os quais igualmente são indicados sob os números 01 a 13.

187

Ao examinarmos os dados constantes na Tabela 01A, vemos que se

evidencia uma relação inversa entre nível de renda e a ocorrência de feiras livres; ou

seja, nas regiões administrativas nas quais as rendas são mais altas, que são as

R.A. Leste e Sul, há um menor número de feiras livres, enquanto que nas R.A. de

rendas mais baixas, que são as R.A. Norte e Oeste, há um maior número de feiras

livres. Um caso bem exemplar é o da R.A. Norte, que além de ter o maior número de

feiras livres em Natal, é a que realiza essa prática comercial em quase todos os dias

da semana, excetuando-se apenas a segunda-feira.

Ainda quanto aos dias em que ocorrem feiras livres em Natal, é notável que

a maior ocorrência verifica-se entre o sábado e o domingo. Mas, como os feirantes

são itinerantes entre as feiras de Natal, conforme informação obtida junto à

Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR), em pesquisa de campo, em

2015, de que os feirantes podem participar de diversas, ou até mesmo de todas as

feiras livres.

Um dado curioso é que o número de bancas é sempre superior ao de

feirantes, o que pode indicar que um mesmo feirante tem mais de uma banca, como

forma de expandir seu negócio para poder garantir sua subsistência. Ademais, no rol

desses feirantes, há ainda aqueles tidos como “ambulantes” ou “sazonais” – os que

não têm bancas –, que se fazem presentes igualmente nas feiras livres, que não

figuram nos dados expostos, mas não deixam de influenciar a dinâmica econômica

local.

Apesar da importância da feira livre para a sobrevivência dos feirantes, a sua

localização, na atualidade, está muito mais ligada à clientela do que aos feirantes, o

que reforça sua condição de centralidade enquanto capacidade de atrair fluxos de

pessoas, segundo o conteúdo que tem a oferecer. Podemos depreender isso da

informação de Azevedo; Queiroz (2013, não paginado), ao indicarem que os

feirantes se originam de municípios para além do território natalense:

Todas as feiras são formadas, principalmente, por feirantes que residem nos municípios da Região Metropolitana de Natal (RMN) – Natal, Parnamirim, Macaíba, São Gonçalo do Amarante, Extremoz, São José do Mipibu, Monte Alegre, Vera Cruz, Ceará Mirim, Nísia Floresta – e de alguns outros municípios do estado, próximos a RMN, evidenciando-se a importância das feiras livres de Natal para a dinâmica socioeconômica regional.

188

Certamente, a origem dos feirantes diz muito dos tipos dos produtos, que

são, em sua maioria, ligados à produção agropecuária. Ir à feira, apesar das novas

práticas do varejo moderno, ainda significa ir à busca de produtos frescos, a preços

baixos, comprados diretos – ou quase – do produtor. São produtos que chegam para

a comercialização, com pouco ou nenhum controle de qualidade, razão pela qual

afasta desse ambiente os consumidores de perfil mais exigente, que podem pagar

por produtos certificados, a preços mais elevados.

Visando a resolver a precariedade de estrutura e higiene,

As feiras das Rocas, Carrasco, Alecrim, Lagoa Seca, e Cidade da Esperança, foram beneficiadas com a padronização e turistificação iniciada em 2006. Mas, a negligência por parte dos governos municipais fez com que o projeto não fosse concluído, e as primeiras feiras com tendas padronizadas já estão precisando de uma nova manutenção (AZEVEDO; QUEIROZ, 2013, não paginado).

Essa teria sido uma forma de sanar a precariedade que é tão discutida em

relação às feiras livres de Natal, e que afugenta a sociedade em direção aos

supermercados, hipermercados, atacarejos e similares, os quais apresentam uma

estrutura visivelmente limpa; em sua maioria, são climatizados; com facilidades de

crédito; estacionamento amplo, entre outros atributos. Estas novas formas

comerciais terminam por se configurar como novas centralidades do varejo moderno

em Natal, e sobre a qual focaremos na subseção seguinte.

Como nosso propósito nesse trabalho é explicitar a natureza da centralidade

urbana em Natal, ao tratarmos das feiras livres, entendemos ser importante

evidenciar em que medida estas se constituem centralidades. Neste sentido, tendo

claro que a centralidade urbana consiste na capacidade de atrair fluxos que

convergem para determinado lugar, pelo que o mesmo tem de atrativo, por seus

conteúdos, processos e formas, conforme temos defendido, a afirmação de

Azevedo; Queiroz (2013, não paginado), ao caracterizarem as feiras brasileiras,

indica essa condição de centralidade das feiras livres:

As feiras brasileiras, denominadas popularmente de feiras livres, se constituem em um ponto ou nó de encontro de fluxos de pessoas, mercadorias, informações, capitais, com diferentes dimensões socioespaciais, realizadas ao ar livre, em ruas, praças ou terrenos baldios, com produtos expostos em barracas ou no chão, intercaladas geralmente no intervalo de uma semana, ou num

189

interstício menor, que podem ter uma área de influência local ou regional (grifos nossos).

Esse “nó” representado pelas feiras livres em Natal, geralmente, está

localizado ou em alguns bairros mais antigos da cidade ou em comunidades que

concentram população de renda baixa (BARRETO; LIMA, 2007), como as Regiões

Administrativas Norte e Oeste (NATAL..., 2016b). Dessa forma, elucida-se a defesa

de que a feira livre se volta à sobrevivência material de alguns estratos da

sociedade, e de que é um lugar de trocas de mercadorias, muito pautado ainda no

contato pessoal, fazendo parte da cultura e do imaginário social da comunidade.

Pierri; Valente (2006, p. 12) assim descrevem:

Os vínculos sociais nas relações comerciais são estreitos: há oportunidade para a proximidade, para a conversa e a negociação e a possibilidade de contato direto entre o produtor de um bem e o seu consumidor final. São lugares de vivência, de agregação e de comunicação. Podem ser ricas em tradições e cultura, onde uma identidade pode ficar impressa, contando a história de um lugar.

Essa é outra dimensão da feira livre, a dimensão simbólica, cultural, que por

sua vez, rebate-se na constituição da natureza da centralidade. Hoje, falar de feira

livre em Natal, por exemplo, no seu imaginário social, remete a falar, talvez, em

primeiro lugar, na Feira do Alecrim, mesmo que outras feiras livres possam ser

citadas a seguir. Vejamos como a literatura se refere à mesma:

Feira do Alecrim: considerada a mais tradicional feira livre da cidade, começou em 1920 [...]. O ponto de concentração é a

Avenida Presidente Quaresma [...]. Hoje, a feira do Alecrim possui 515 metros de cobertura (tendas), banheiros químicos, lixeiras e placas de identificação de produtos que estão separados por tipo (BARRETO; LIMA, 2007, p. 39, grifos nossos).

Ser propalada como a mais tradicional, e resistir às nuances por que passa o

setor varejista na sociedade moderna em Natal, é um discurso corrente também no

trabalho de Bezerra (2005), ao tratar da Feira do Alecrim, apontando-a como um

marco no comércio natalense.

Esse atributo cultural-simbólico da feira livre indica a presença de um forte

conteúdo, que mesmo sob uma forma física um tanto fluida e efêmera, caracterizada

pela inexistência da loja física (PIERRI; VALENTE, 2006), consegue engendrar

190

processos de comercialização de produtos, revestidos de todo um simbolismo

sociocultural impregnado na vida de uma comunidade, figurando assim como uma

centralidade que se conforma semanalmente, em cada lugar da Cidade do Natal

para o qual cada feira livre está programada.

No contexto da expansão do varejo moderno, pós década de 1980, as feiras

livres, juntamente com os mercados e outras formas comerciais menos expressivas,

como as mercearias, abasteceram a despensa caseira do natalense, até o momento

em que uma nova dinâmica do terciário entrou em cena, capitaneada pelo Hiper

Bompreço Lagoa Nova, na década de 1980, como já citamos, no bojo das

transformações do varejo moderno no contexto comercial no Brasil, conforme

apontou Pintaudi (2006). Para demarcar a transição nesse momento de “ruptura”

entre o varejo tradicional e o moderno, citamos o que dizem Azevedo; Queiroz

(2013, não paginado), a respeito:

[...] a dinâmica socioeconômica da cidade de Natal, sobretudo a partir do sistema de comércio, girava em torno das feiras livres e mercados, a exemplo das Rocas, Carrasco, Alecrim, Quintas, Cidade da Esperança, e Lagoa Seca. Situação que permaneceu até a chegada dos vetores comerciais modernos da globalização, na década de 1980.

Ainda assim, as feiras livres podem ser consideradas formas detentoras de

centralidade urbana, porque atraem fluxos de pessoas, semanalmente, para

consumirem os produtos nelas oferecidos. Também podem ser consideradas

centralidades porque,

Apesar da construção de um imaginário no qual os supermercados e outros elementos do circuito superior se mostram como confortáveis, climatizados, e com diversificadas e melhores formas de pagamento [...] As feiras livres são ainda vivenciadas e frequentadas por pessoas que buscam reviver e rememorar a história, o passado, o lugar, consumindo e interagindo nesses fenômenos socioespaciais (AZEVEDO; QUEIROZ, 2013, não paginado).

Desta forma, reafirmamos a centralidade, da feira livre, constituída em sua

natureza, tanto pelo conteúdo, ligado ao terciário, pelos bens e serviços que são

oferecidos; quanto pelo caráter cultural-simbólico, por exercer atração sobre

determinados estratos sociais, já não mais apenas os de mais baixa renda, mas

também sobre o imaginário daqueles para quem a feira livre é aprazível.

191

Em suma, os conteúdos, processos e formas da centralidade urbana em

Natal, no decorrer do tempo, conformaram-se, em primeiro lugar, a partir da

atividade terciária, com foco no comércio entre os bairros da Ribeira, da Cidade Alta

e do Alecrim, vindo em seguida os serviços. E, no âmbito dos serviços, também aí

se incluem aqueles ligados à gestão, que também concorrem para a conformação da

centralidade urbana. Como nosso recorte espacial principal nesta subseção se

voltou para os três centros constituintes do Núcleo do Centro Histórico de Natal –

Cidade Alta, Ribeira e Alecrim –, voltamos nossa análise para as centralidades

urbanas de natureza histórica, cultural ou simbólica.

Mas, face à dinâmica do espaço urbano, novos olhares e novas análises se

descortinam para novas dinâmicas que se engendraram na Cidade do Natal a partir

da década de 1980, o que veio a gerar o vem sendo denominado, na literatura

atinente à temática, de “novas centralidades”. Esse será o foco da nossa

preocupação na subseção a seguir.

3.2 Expressões e conformações contemporâneas da centralidade urbana em Natal

Tendo nos debruçado sobre a dinâmica da centralidade urbana referente ao

Núcleo do Centro Histórico de Natal, nosso olhar agora se volta para o que

denominamos de novas centralidades em Natal, tendo como foco de conteúdo das

atividades terciárias.

Entendemos ser importante precisar nossa compreensão acerca dessas

novas centralidades neste ponto do texto. Ora, se dissemos anteriormente, que as

atividades terciárias se dispersam a partir do centro tradicional, como uma forma de

o capital abarcar sempre novas porções do território da cidade, para então

reproduzir-se, gerando assim novas centralidades, logo, as centralidades são

sempre novas no dado momento da sua gênese.

Configura-se então uma inquietação utilizarmos a expressão novas

centralidades, pelo menos, aparentemente, diante do que vimos argumentando

neste trabalho. Mas, para evitar uma possível confusão linguística, lançaremos mão

de aportes teóricos atinentes à temática centralidade. O pensamento de Sposito

(2010) é elucidativo nesse sentido. Após discutir sobre temas como: expansão do

tecido urbano, deslocamentos diários na cidade, deslocamentos diários de membros

192

de uma mesma família e até mesmo entre vizinhos, e política de localização de

equipamentos de comércio e de serviços, a referida autora aponta:

Essa multiplicidade de necessidades e possibilidades de deslocamentos e fluxos no interior da cidade leva à diminuição do papel relativo do centro urbano, mas reforça a ideia de que a desconcentração no interior da cidade se traduz na produção de novos pontos de concentração e, portanto, de novas centralidades

(SPOSITO, 2010, p. 219, grifos nossos).

Essas novas centralidades serão assim “lidas” como novas cotidianidades

para a sociedade, produzidas após o capital ter suplantado novas fronteiras, em seu

contínuo processo de reprodução, e ter criado novos espaços de consumo e de

convivência na cidade. E tais centralidades serão “novas” até que outras novas

centralidades surjam, figurando serem mais aprazíveis a certos estratos da

sociedade, pois, “Toda nova centralidade produzida no interior da cidade traduz um

nível de polaridade, constitui também um nó de fluxos e exprime uma escolha da

sociedade” (SPOSITO, 2010, p. 215). Como vemos, não estão em jogo os conceitos

de “velho” e de “novo”, antes, escolhas feitas por parte da sociedade, segundo

lógicas estabelecidas com base em atributos que determinada centralidade tem num

dado momento.

Em Natal, ao tratarmos das “expressões e conformações contemporâneas

da centralidade urbana”, podemos estabelecer, enquanto marco temporal, desde

década de 1980 à atualidade, quando a economia terciária apresentou eventos

significativos, que foram a implantação de hipermercados, a expansão dos

supermercados e o surgimento dos shopping centers; além do incremento dos

serviços, com as atividades ligadas ao turismo, que passou a influenciar nos

serviços de hospedagem, lazer e gastronomia. Cabe ainda lembrar outro serviço que

se expandiu consideravelmente a partir da década de 1980, que foi o de saúde,

principalmente, como serviço privado.

Para alcançarmos a discussão à qual nos propusemos, resta-nos priorizar os

recortes espaciais que faltam ser contemplados, os quais, ao nosso ver, são os que

abrigam as novas centralidades: Tirol/Petrópolis; Hermes da Fonseca/Salgado

Filho/Roberto Freire; Prudente de Morais; João Medeiros Filho. Nosso objetivo é

apontar em que medida as áreas supracitadas revelam centralidade urbana em

Natal.

193

A respeito das áreas detentoras de novas centralidades na Cidade do Natal,

cabe um esclarecimento. A área consorciada entre os bairros “Tirol/Petrópolis”,

configura como uma centralidade em área, por serem bairros, inclusive, dois bairros

vizinhos, cuja dinâmica urbana é bastante solidária e complementar, razão pela qual

preferimos apresentá-los em seu conjunto; já as demais áreas se apresentam como

centralidades em eixo, uma vez que se conformam no entorno de Eixos

Dinamizadores do Terciário (EDT). Ademais, vale ainda acrescentar mais um

esclarecimento: “Tirol/Petrópolis”, por sua vez, é uma centralidade em área,

contornada por centralidades em eixo, que são o eixo Prudente de Morais, e parte

do eixo Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire.

Diversos autores que trabalham com a discussão da produção do espaço

urbano sob a perspectiva das relações de comércio e consumo convergem entre si

quanto a demarcar a década de 1980, tida como o início expressivo das

transformações. Para Pintaudi (2006), um marco dessas transformações se fez com

a passagem das práticas de consumo tradicional para a expansão do varejo

moderno, com a implantação das novas formas comerciais, como os

supermercados, hipermercados e shopping centers. Outros autores seguem nessa

mesma linha de raciocínio, concordando com esse marco temporal, e seu respectivo

conteúdo, variando apenas quanto aos enfoques. Os autores Azevedo; Queiroz

(2013) são exemplos, ao examinarem as feiras livres em Natal, além de

concordarem também com Gomes; Silva; Silva (2000; 2002), sobre a espacialidade

do setor terciário, que se faz, em certa medida, ao longo das “vias expressas de

circulação”; Barreto; Lima (2007), ao apresentarem uma memória do comércio do

RN, falam dessa expansão do espaço urbano de Natal, seguindo os passos do

terciário; Nascimento (2003) também mostra em seu trabalho, voltado para os

shopping centers, como o espaço da Região Administrativa Sul foi sendo produzido

concomitante à expansão deste novo equipamento de comércio.

Neste sentido, Sposito (2010, p. 207, grifos nossos) nos diz que

No que concerne às novas formas de expansão territorial da cidade, podemos dizer que a evolução da política de localização do

aparelho comercial e de serviços acompanha a tendência de localização da função residencial no interior da cidade – um crescimento urbano centrífugo [...].

A defesa da autora se adéqua bem à realidade natalense, haja vista ter

194

desenvolvido sua política habitacional baseada na expansão horizontal da moradia a

norte e a sul (ARAÚJO, 2004b; BEZERRA, 2005), uma expansão territorial urbana,

portanto, centrífuga, porque feita do centro para as “bordas” da cidade.

Antes mesmo de a política habitacional capitanear a expansão do território

natalense, os equipamentos de comércio e de serviços iniciaram sua contribuição

nesse processo. Barreto; Lima (2007, p. 173) afirmam, de forma um tanto taxativa:

“Natal, literalmente, terminava nas imediações do Estádio Machadão” [atual Arena

das Dunas, no bairro Lagoa Nova], referindo-se os autores ao ano de 1973. Os

referidos autores enfatizam mais ainda essa relação entre equipamento de comércio

e expansão urbana, ao dizerem que o então proprietário do Shopping Center Cidade

Jardim, inaugurado em 1984, “inventou a zona sul de Natal”. Isso porque ele ampliou

o tecido urbano da cidade no sentido sul, ao optar pela construção desse shopping

center, que foi o primeiro de Natal.

Apesar da enfática defesa da parte dos autores citados, temos claro que a

ação de um empresário não se sobrepõe à municipalidade, não podendo ser

tributado a este a criação de uma região da cidade, principalmente, porque a

expansão da Política Habitacional já se fazia presente no sentido sul de Natal.

Esse evento da implantação do Shopping Cidade Jardim é contemporâneo à

implantação do Hipermercado Bompreço, em Lagoa Nova, na década de 1980

(GOMES; SILVA; SILVA, 2000), equipamento para o qual os autores supracitados

apontam como “uma nova era no comércio em Natal”. Isto porque, se alinharmos ao

pensamento de Pintaudi (2006), evidenciamos que além de outros rebatimentos,

esses eventos demarcam a ruptura entre as antigas e as novas práticas do comércio

varejista na cidade.

Seguindo um raciocínio semelhante na análise referente à expansão urbana

de Natal, Azevedo; Queiroz (2013, não paginado) expõem que

A expansão da cidade fez com que o setor terciário também se estendesse pelas vias de fluxo intenso, que cruzam essas áreas de expansão residencial. Assim, nesse contexto, há também a expansão do setor terciário moderno em Natal, que são criados e instalados, ao longo das principais avenidas da cidade, as ‘vias expressas de circulação’.

Com essa exposição, os autores citados, além de concordarem com a

relação estabelecida entre a expansão do tecido urbano via moradia e expansão do

195

terciário em Natal, ao que estamos analisando como áreas detentoras de novas

centralidades, os mesmos apontam consonância ao pensamento de Gomes; Silva;

Silva (2000), de que esse processo se desenvolve no ao longo das “vias expressas

de circulação”.

A respeito dessa relação entre moradia e equipamentos de comércio e de

serviços é importante considerarmos a ideia defendida por Sposito (2010), de que os

locais residenciais no Brasil foram instalados com caráter monofuncional, atendendo

apenas à função da moradia, sem articulação com centros comerciais.

Em Natal, um estudo que evidencia esse pensamento é o de Araújo (2004b),

que estudou a produção do espaço da Região Administrativa Norte e sua relação

com a política do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) desde a década de 1970,

voltada para os estratos de menores rendas da sociedade natalense, apontando que

o referido espaço foi produzido tão somente no sentido de atender à demanda por

moradia.

Ainda indica o referido estudo que somente após vinte e cinco anos – por

volta da segunda metade da década de 1990 –, é que uma nova dinâmica passou a

se configurar na referida região administrativa da cidade, tanto para atender ao

consumo da sociedade quanto para prover sua reprodução material da vida.

Em consonância a essas constatações, Paula (2010) ratificou o que Araújo

(2004b) defendera, ao estudar a dinâmica territorial do comércio varejista moderno

na mesma área, apresentando a espacialização dessa atividade, apontando que

uma das áreas mais dinâmicas é a Avenida Doutor João Medeiros Filho, a qual,

neste trabalho que ora apresentamos, corresponde a um dos Eixos Dinamizadores

do Terciário (EDT), e que abrange os bairros Igapó, Potengi, Pajuçara e Redinha,

além de fazer a ligação de Natal com municípios vizinhos, como São Gonçalo do

Amarante e Extremoz.

É neste sentido que Sposito (2010) afirma que, com a expansão horizontal

da moradia até os limites da cidade, o espaço periurbano cria sua própria

centralidade. Essa afirmação, para a Região Administrativa Norte, confirma-se a

partir da informação fornecida pelo Agente de Mobilidade Urbana, João Paulo de

Oliveira, da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana, da Prefeitura Municipal do

Natal, obtida em pesquisa de campo, de que “40% dos deslocamentos da população

da Zona Norte se faz por circulação interna à região, daí porque há linhas que fazem

196

o percurso dentro da própria Zona Norte” (informação verbal28).

Ainda sobre dispersão das atividades terciárias e a expansão do tecido

urbano de Natal nos sentidos a norte e a sul, retomando o pensamento de Sposito

(2010, p. 209), podemos concordar que “[...] os interesses comerciais e imobiliários

tornam viável o desenvolvimento de novas escalas de distribuição pela instalação de

grandes centros comerciais e/ou hipermercados na periferia das cidades e em certos

nós rodoviários.”

É neste contexto que vêm se conformando as novas centralidades, porque,

uma vez expandido o tecido urbano da cidade, mais deslocamentos se fazem em

função, além do trabalho, do consumo, lazer, de serviços administrativos, de

atividades culturais etc (SPOSITO, 2010). A referida autora também argumenta que

houve um aumento da mobilidade no interior da família, sendo este ocasionado pelo

deslocamento de cada membro de modo individual, de casa para o trabalho, ou para

realizar outras atividades. Esta realidade pode ser comprovada pela presença de

mais de um automóvel na garagem de muitas residências, ou até mesmo por meio

dos anúncios publicitários de mais de uma vaga de garagem como vantagem para a

venda de imóveis. Esses fatos revelam novas práticas de deslocamentos na cidade,

os quais se intensificam também com os deslocamentos das crianças e

adolescentes para a realização de novas atividades, como: prática de esportes,

frequência a aulas de dança, de música, de um segundo idioma, entre outras

atividades. O fato é que o ir e vir das crianças e adolescentes da sociedade atual já

não mais se limita ao ir à escola.

Enfim, os tempos sociais no interior de uma família se tornaram diferentes,

defende Sposito (2010). Até mesmo a diminuição dos laços de vizinhança também

reforçou os deslocamentos, cujas relações se dão em outros contextos, que não o

da vizinhança, reforça a referida autora. No contexto dessas mudanças, os laços de

sociabilidade são construídos distante dos laços de moradia. Ademais, esses novos

laços de sociabilidade também geram novos deslocamentos no interior da cidade.

Ao intensificarem-se os deslocamentos, a estrutura viária da cidade já não

mais atende à demanda. Desta forma, a multiplicação dos centros de comércio e

serviços deve-se ao fato de a estrutura viária não atender aos fluxos de transportes

como um todo, e aos transportes coletivos não atenderem às demandas do volume

28 Entrevista concedida pelo Agente de Mobilidade Urbana, João Paulo de Oliveira, em Natal, em 15 de abril de 2016.

197

de passageiros a serem transportados, gerando como solução deslocamentos

intrabairros, como os que ocorrem na Região Administrativa Norte de Natal.

Em Natal, esses centros de comércio e de serviços, surgidos no contexto da

expansão do varejo moderno, a partir da década de 1980, vem se conformando,

principalmente, nas áreas de expansão urbana já consolidada a norte e a sul da

cidade, e ao longo dos grandes eixos de tráfego, configurando-se assim como novas

centralidades. Desta forma, ao indicarmos a localização e o ano de fundação dos

shopping centers, por exemplo, configura-se uma centralidade de natureza comercial

e de serviços no sentido da Região Administrativa Sul, em face da concentração

destes equipamentos, entre as décadas de 1980 a 2010, conforme apresentado no

Quadro 03.

QUADRO 03 – Shopping Centers em Natal

NOME LOCALIZAÇÃO ANO DE FUNDAÇÃO

Shopping Cidade Jardim Av. Engenheiro Roberto Freire 1984

Shopping Natal Sul Av. Prudente de Morais 1986

Natal Shopping Av. Senador Salgado Filho 1992

Shopping Via Direta Av. Senador Salgado Filho 1995

Praia Shopping Av. Engenheiro Roberto Freire 1997

Shopping 10 Rua Leonel Leite, Alecrim 2001

Midway Mall Av. Hermes da Fonseca 2005

Shopping do Artesanato Potiguar Av. Engenheiro Roberto Freire 2005

Vilarte Shopping do Artesanato Av. Engenheiro Roberto Freire 2006

Partage Norte Shopping Natal Av. Doutor João Medeiros Filho 2007

Shopping Estação Av. Doutor João Medeiros Filho 2008

FONTE: PESQUISA DE CAMPO..., 2016

A partir da leitura das informações contidas no Quadro 03, identificamos a

maior concentração de shopping centers na Região Administrativa Sul (08), sendo

07 destes no Eixo Dinamizador do Terciário (EDT) conformado pela continuidade

das Avenidas: Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, e apenas 01 no

EDT que se conforma na Avenida Prudente de Morais; 02 destes shopping centers

ocupam o EDT da Avenida Doutor João Medeiros Filho, na Região Administrativa

Norte; já a Região Administrativa Leste apresenta apenas 01 shopping center, no

bairro Alecrim. O shopping center presente no bairro Alecrim tem perfil popular,

consorciado ao perfil comercial do referido bairro, apesar de ser contemplado com

os mesmos espaços de vivência dos demais shopping centers, como um mix de

lojas, praça da alimentação e serviços.

Ao identificarmos essa maior concentração de shopping centers no sentido

198

da Região Administrativa Sul de Natal, seguido, de forma distante, da concentração

que se conforma na Região Administrativa Norte, concordamos com Sposito (2010,

p. 219, grifos da autora), ao dizer que “As novas centralidades produzidas pela

abertura de shopping centers e de hipermercados estão [...] associados à

‘periferização’ da função residencial e ao uso do automóvel.”

Dois outros shopping centers dentre os que estão dispostos no Quadro 03,

que merecem destaque, são: o Shopping do Artesanato Potiguar e o Vilarte

Shopping do Artesanato, ambos localizados na Avenida Engenheiro Roberto Freire,

portanto, uma forma de a atividade comercial da cidade estabelecer diálogo com a

atividade turística, dado que se configura como espaços de visitação turística,

porque seu rol de produtos está focado para essa atividade. No Plano de

Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS), da Secretaria

Municipal de Turismo, a referida avenida é considerada como o “Corredor 3”, assim

caracterizado:

Principal acesso a Ponta Negra, onde está localizada a maior quantidade de equipamentos turísticos de hospedagem, alimentação e pontos de venda de artesanato, o corredor 3 também possibilita a integração com as praias do sul da cidade, pertencentes aos municípios próximos (NATAL..., 2013, p. 26).

Essa caracterização da Avenida Roberto Freire, feita no trecho citado

anteriormente, confirma o que fora dito nos trabalhos de Nascimento (2003) e de

Furtado (2008), de que aquele espaço tinha sua produção voltada ao atendimento

de uma demanda turística.

Já os demais shopping centers então citados no Quadro 03 estão voltados

para o comércio varejista e para os serviços. Dentre estes, alguns mais confortáveis

e sofisticados, a exemplo do Natal Shopping, que é considerado, na literatura local

examinada, o “conceito de shopping center” em Natal. Isto porque,

[...] diante da quantidade de opções aliadas ao conforto, praticidade e sofisticação que os shopping centers oferecem à sua clientela, não poderíamos esperar outra coisa que não fosse o sucesso da sua aceitação por parte das crianças, jovens e adultos que ali vão comprar, ou simplesmente se divertir (BARRETO; LIMA, 2007, p. 49).

Na contramão desse “conceito de shopping center”, outros destes estão

voltados quase que exclusivamente para as vendas, sendo desprovidos de conforto

199

e sofisticação. Aliás, em Natal, esses dois atributos enaltecidos por estudiosos da

temática, para que se firme um razoável conceito de shopping center, e este venha a

ter uma considerável frequentação, traduz-se tão somente em climatização e design

arrojado.

Interessante ressaltar que é nos shopping centers menos providos de

conforto e menos sofisticados que estão presentes duas das três Centrais do

Cidadão em Natal, garantindo assim um considerável índice de frequentação diária,

pela gama de serviços que a referida central tem a oferecer. Isto porque cada uma

dessas Centrais do Cidadão atende, diariamente, uma média de 28 mil pessoas

(PESQUISA DE CAMPO, 2015).

Outros equipamentos comerciais de grandes superfícies que concorrem para

a conformação das novas centralidades em Natal, ligadas à expansão da economia

terciária, são os hipermercados, supermercados e atacarejos. Os hipermercados

estão assim distribuídos: Hiperbompreço, nas Avenidas Prudente de Morais e

Engenheiro Roberto Freire; Extra, nas Avenidas Bernardo Vieira/Hermes da Fonseca

e Engenheiro Roberto Freire; Carrefour, nas Avenidas Senador Salgado Filho e

Doutor João Medeiros Filho. Essas mesmas avenidas concentram filiais de

supermercados, como: Nordestão, nas Avenidas Senador Salgado Filho e

Engenheiro Roberto Freire; Favorito, na Avenida Engenheiro Roberto Freire.

Enquanto que os atacarejos – superfícies comerciais amplas, que congregam a

vendas no atacado e no varejo – estão localizados: o Atacadão, na BR-101/304 e na

Avenida Doutor João Medeiros Filho; o Sam’s Club, o Makro e o Assaí, esses três na

BR-101/304.

Exposta a localização das amplas superfícies comerciais do atacado e do

varejo moderno em Natal, a partir da década de 1980, confirmam-se algumas

proposições que vimos apresentando ao longo deste trabalho. Uma primeira

proposição é de que essas amplas superfícies comerciais buscam localização em

áreas da cidade, onde há maior fluidez de tráfego, para onde parte da moradia está

consolidando sua expansão, próximo aos nós viários (SPOSITO, 2010).

Uma segunda proposição que se confirma é de que as grandes superfícies

são formas detentoras de centralidade urbana porque, tendo a oferecer conteúdos

de natureza comercial ou terciária, atraem para si fluxos de pessoas, configurando-

se esses fluxos em processos de comercialização de produtos e serviços. Logo,

conformam-se nessas áreas novas centralidades, as quais, por seus conteúdos,

200

processos e formas, expressam a centralidade urbana que se evidencia na

contemporaneidade dos espaços em sociedades capitalistas. Sendo assim, a

Cidade do Natal se apresenta como favorável à compreensão e à apreensão dessa

centralidade urbana. É esse o investimento proposto na discussão da seção que

segue.

201

4 PROPOSIÇÃO À APREENSÃO DA CENTRALIDADE URBANA

Esta seção apresenta os resultados da pesquisa de campo, de modo mais

concentrado. Na primeira subseção, expõe os dados de comércio e de serviços, e

sua distribuição entre as regiões administrativas e bairros de Natal, buscando

evidenciar expressões de centralidade urbana.

Já a segunda subseção apresenta os resultados obtidos, conforme os rumos

que a pesquisa de campo revelou. Dessa forma, ao denominarmos de “meandros”,

os vários rumos trilhados contribuíram para enriquecer os resultados com relação ao

que pode ser considerado como central em Natal, melhor dizendo, como

centralidade urbana em Natal.

4.1 Evidências contemporâneas de centralidade urbana em Natal

A depender do foco de análise, a centralidade urbana em Natal pode revelar

sua evidência por meio de um dado conteúdo, num dado momento. E apesar de

defendermos a tese de que conteúdos, processos e formas concorrem para que a

natureza da centralidade urbana seja considerada de natureza diversa, entendemos

que a apreensão desta centralidade se faz, primordialmente, pelos conteúdos, os

quais são a razão precípua de centralidade, por serem esses conteúdos que mais

exercem o poder de atração. De igual modo, entendemos que os conteúdos que

constituem e definem a natureza da centralidade urbana, para serem atraentes, há

que serem, em primeiro lugar, evidentes.

Dessa forma, os focos de análise podem variar segundo as dimensões:

a) histórica, direcionada principalmente ao centro histórico e aos

monumentos que contam a história da cidade;

b) cultural, representada pelos monumentos, manifestações e eventos

culturais, bem como pelos espaços promotores de cultura;

c) simbólica, ligada às representações do sagrado e da memória da cidade;

d) ideológica, expressa na consagração de determinados lugares, tidos

como pontos de convergência de lutas e embates político-ideológicos, nos quais se

processam manifestações políticas;

e) econômico, abrangendo o comércio, os serviços, o turismo e os eventos,

consideradas atividades proeminentes na centralidade urbana, porque dinamizam a

202

produção do espaço na Cidade do Natal.

Feita a exposição da nossa compreensão sobre o que denominamos de

dimensões da centralidade urbana, segundo as quais podemos apreender a sua

natureza diversa, acrescentamos que entendemos que haverá sempre uma ou outra

dimensão da centralidade a apresentar maior expressividade ou evidência num dado

momento, a depender do foco de análise.

De igual modo, um ou outro lugar, tornar-se-á mais expressivo de

centralidade em relação a outro, a depender dos conteúdos da sua centralidade,

atraindo um maior fluxo de pessoas ou promovendo um maior número de encontros,

bem como do público para o qual seus conteúdos são ofertados.

Excetuando-se aquelas suscitadas pelo comércio e pelos serviços de

consumo cotidiano, podemos exemplificar essas afirmações com relação às

centralidades de natureza histórica, cultural, simbólica e ideológica, as quais se

voltam para públicos específicos, num dado momento. Dessa forma, reafirma-se

nossa proposição de que a natureza da centralidade urbana é diversa por seus

conteúdos; gera processos igualmente diversos; e se conforma ou se expressa

segundo formas também diversas.

Em Natal, podemos apreender as “evidências contemporâneas da

centralidade urbana” em dois grandes grupos. Um primeiro, que reúne a natureza

histórica, a cultural, a simbólica e a ideológica. E um segundo, ligado à natureza

econômica da centralidade urbana, agregando as atividades de comércio e de

serviços, com um destaque para o turismo.

Mas apesar de propormos a apreensão de evidências da centralidade

urbana em Natal segundo esses dois grandes grupos, não os vemos de forma

estanque. Antes, identificamos reciprocidade entre ambos, sendo, por exemplo, a

centralidade de natureza histórica vetor para dinamização da atividade turística, por

sua vez, fomentando a centralidade de natureza econômica.

Ao estabelecer o “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”

(PESQUISA DE CAMPO, 2016), o IPHAN não só cumpriu o seu papel de preservar

do patrimônio histórico da cidade (BRASIL..., 2014b), mas também passou a

fomentar a visitação turística, suscitando assim centralidades de natureza também

econômica.

Configura-se então a reciprocidade entre os dois grandes grupos segundos

os quais estamos propondo que se proceda à apreensão da centralidade urbana em

203

Natal, mesmo porque não há como estudarmos uma realidade apenas por meio de

uma particularidade ou um processo. Há uma vida que pulsa na cidade, que

dinamiza o urbano, o qual não pode ser apreendido por meio apenas de um

processo.

Podemos dizer ser uma evidência de centralidade urbana em Natal o próprio

centro histórico, aquele demarcado pelo IPHAN, que compreende partes dos bairros

Cidade Alta, Ribeira e Rocas. Compreende “partes” porque não abrange todo o

bairro, porque não interessa ao IPHAN a dinâmica do bairro, a produção do espaço

urbano. Seu interesse é pelo “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”; sua

missão é preservar a história e a memória da cidade. Mesmo assim, por ser a

instituição que tem autoridade para este fim, que é o de estabelecer o centro

histórico de uma cidade, termina também por consagrar práticas cotidianas, como a

que reconhece em Natal, por exemplo, como centro histórico, o bairro Cidade Alta.

Enquanto para o IPHAN Cidade Alta, Ribeira e Rocas são os três bairros

constituintes do Centro Histórico de Natal, para o cidadão natalense somente

importa o bairro Cidade Alta, o qual se resume à “Cidade”, tendo gerado uma

metonímia sobre a qual já aludimos de que, ao utilizar um natalense expressões

como “ir à cidade” ou “na cidade”, está ele falando do bairro Cidade Alta, do “Centro

da Cidade”, ou simplesmente do “Centro”. Essas informações nos foram reveladas

tanto pela vivência com esse espaço urbano quanto pela pesquisa de campo, pelo

exame às fontes bibliográficas e aos noticiários. Nesse sentido, ser “centro” de uma

cidade remete à dinâmica comercial, lugar clássico do “ir às compras”, aquele

precedente às modernas estruturas do varejo, dentre as quais o shopping center

passou a ganhar lugar de relevo em Natal.

Ainda que pareça inerte, o “conjunto arquitetônico, urbanístico e

paisagístico” fixado pelo IPHAN como Centro Histórico de Natal, traz em si uma

dinâmica, pois reafirma a bairro Cidade Alta enquanto bairro comercial e histórico,

consagrando assim a prática cotidiana do ir às compras, da função essencial da

cidade enquanto lugar de trocas ou do comércio; e ainda, fomenta a visitação

turística, que termina por suscitar processos de compra de bens e de prestação de

serviços. Dessa forma, ao estabelecer uma centralidade de natureza histórica,

aparentemente inerte, o IPHAN termina por suscitar uma centralidade de natureza

comercial, dinâmica, contribuindo sobremaneira para a produção do espaço urbano

em Natal, o qual passa a voltar-se ora para o turismo, ora para o comércio e os

204

serviços.

O centro histórico estabelecido pelo IPHAN traz à tona ainda uma

particularidade da centralidade urbana em Natal: a de ser, desde o início,

multicêntrica. Como já indicamos em seções anteriores, defendemos que houve a

formação de um Núcleo do Centro Histórico de Natal, sendo composto o referido

núcleo por Cidade Alta, Ribeira e Alecrim, por terem sido os três bairros dinâmicos

do comércio e dos serviços, os quais serviram para a produção do espaço urbano da

cidade, desde o seu início.

Dessa forma, apreendemos a centralidade urbana em Natal já de forma

multicêntrica, porque dispersa segundo esses três centros. De igual modo, o IPHAN

também, ao estabelecer o Centro Histórico de Natal, apreende a centralidade urbana

de natureza histórica dispersa em três bairros: Cidade Alta, Ribeira e Rocas. E

apesar de o foco de análise do IPHAN ser diferente do nosso, a multicentralidade se

faz presente na forma de apreensão da centralidade urbana na cidade em tela.

Diante do exposto, entendemos que não há como afirmar que a centralidade

urbana em Natal se faz apenas por meio de um centro, ou do seu centro histórico,

representado apenas por um bairro. Mas, sim, devemos afirmar que há uma

centralidade histórica multicêntrica, desde o início, a qual é ratificada até pelo

estabelecimento do seu centro histórico pelo IPHAN. Assim, ser uma cidade

multicêntrica figura como sendo uma condição da evidência da centralidade urbana

em Natal, que por sua vez, evidencia a condição de multicentralidade. Veremos mais

adiante que esta multicentralidade se torna ainda mais evidente com a formação de

novas centralidades, com a expansão das atividades terciárias.

Mas as evidências de centralidade urbana em Natal são tão diversas o

quanto são as abordagens e as práticas discursivas ou até mesmo as intervenções

da gestão, principalmente, as que incidem a partir do nível municipal. Veremos, no

desenvolvimento desta subseção, que ao expormos os resultados de diálogos

estabelecidos junto a diversas secretarias da municipalidade natalense, diversas

serão as formas segundo as quais se dá a apreensão da centralidade urbana,

conforme os focos de interesse, face às temáticas de cada secretaria.

Para a Secretaria de Cultura e Arte de Natal, o Centro Histórico de Natal

corresponde ao trecho formado por diversas ruas entre o “Beco da Lama” e a

205

Prefeitura de Natal (informação verbal29), como expôs o Secretário Executivo,

Lenilton Teixeira. Dessa forma, a referida secretaria planeja seus eventos culturais

durante o ano, contemplando o carnaval, os festejos juninos, o Natal e o Ano Novo,

sempre tendo como referência esse trecho ao qual considera como centro histórico,

e que, em certa medida, corresponde a uma parte do que estabeleceu o IPHAN, e

ao que a sociedade natalense reconhece como tal.

Ainda com relação à contribuição do Centro Histórico de Natal enquanto

evidência de centralidade urbana, há que destacarmos o conjunto de prédios e

monumentos que fazem parte do “corredor histórico-cultural”, o qual se inicia no

bairro Cidade Alta e se estende até a Ribeira, sendo, ao mesmo tempo, espaço de

visitação turística e de aulas de campo/turismo pedagógico, por guardarem a

memória histórica e cultural da cidade. Por esta função enquanto centralidade de

natureza histórica, também promove uma dinâmica no âmbito do comércio e dos

serviços, posto que a visitação requer uma certa demanda a ser atendida.

Assim, ao defendermos que há uma proeminência das atividades do setor

terciário para a centralidade urbana em Natal, não estamos negligenciando as

centralidades cuja natureza não seja a econômica. A proeminência à qual nos

referimos diz respeito à dinâmica urbana de produção de espaço desencadeada

pelas atividades terciárias, porque é a vida dinâmica da cidade que é produzida por

meia das referidas atividades, e que passaram a se desenvolver com mais

intensidade desde a década de 1980 à atualidade.

Assim, ao darmos início à discussão sobre as atividades terciárias na Cidade

do Natal, entendemos ser importante caracterizar as atividades econômicas em

geral na cidade. Para uma leitura mais contundente com relação às atividades

econômicas de Natal, e a participação de cada uma na reprodução da economia da

cidade, os dados da Tabela 01 estão sob a forma de percentual no Gráfico 01.

Ambas as formas de apresentação da realidade econômica apreendida confirmam o

que temos afirmado ao longo do trabalho, de que a Cidade do Natal tem sua

economia baseada nas atividades terciárias.

Desta forma, conforme dados obtidos por ocasião da pesquisa de campo,

junto à Secretaria Municipal de Tributação de Natal (SEMUT), em 2016, temos o

29

Entrevista concedida por Lenilton Teixeira, Secretário Executivo da Secretaria de Cultura e Arte da Prefeitura de Natal, em 22/02/2016.

206

seguinte, conforme Tabela 01 e Gráfico 0130.

Tabela 01 – Atividades econômicas em Natal

SETOR NÚMERO DE EMPRESAS

Serviços 50.229

Comércio 20.771

MEI31 13.412

Indústria 877

TOTAL 85.289

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 01 – Atividades econômicas em Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Ao cotejarmos os dados em relação ao número de empresas por setor de

atividade econômica, identificamos em destaque os serviços, com 50.229 empresas

(Tabela 01), respondendo por 58,89% (Gráfico 01) do total das empresas de Natal,

que é de 85.289 (Tabela 01). Em segundo lugar, na economia natalense, aparecem

as empresas de comércio, em número de 20.771 (Tabela 01), respondendo por

24,35% (Gráfico 01) face ao número total de empresas da cidade, que é de 85.289.

Essa realidade na qual se destacam as atividades de serviço e de comércio

assegura-nos a afirmar que a economia natalense é focada nas atividades terciárias,

as quais se configuram como vetores da dinâmica de produção do espaço urbano. E

são também essas mesmas atividades que, principalmente, a partir da década de

30

Optamos por apresentar as tabelas e os gráficos de um mesmo conjunto de dados seguindo-se um ao outro ao longo do trabalho, sem a ocorrência de texto verbal discursivo entre ambos. 31

“MEI” são os Microempreendedores Individuais.

207

1980, têm fomentado o surgimento de novas centralidades urbanas, com o advento

de novas estruturas do varejo moderno na cidade, o qual teve como marco inicial a

implantação do Hipermercado Bompreço Lagoa Nova, na década de 1980, vindo a

desencadear uma série de novos processos dinamizadores do terciário.

Os Microempreendedores Individuais (MEI) são o terceiro grupo de

atividades econômicas em Natal, com 13.412 empresas (Tabela 01), representando

15,73% (Gráfico 01) do total das atividades econômicas da cidade, que é de 85.289

empresas. Interessante ressaltar que apesar de ser uma criação nova, essa

classificação “MEI”, enquanto grupo de atividade econômica, na Cidade do Natal,

destaca-se frente à atividade industrial, o que reforça, mais uma vez, o caráter

terciário da economia natalense. Isto porque os MEI reúnem pessoas que trabalham

individualmente e por conta própria, abrangendo atividades de comércio, de indústria

e de prestação de serviços, que faturam até 60 mil reais ao ano, e que resolveram

legalizar-se como pequeno empresário a partir de 2008, o que fora oportunizado por

meio da Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008, que criou condições

especiais para que o trabalhador informal viesse a tornar-se um trabalhador

legalizado ou um MEI, ou seja, microempreendedor individual (BRASIL..., 2016).

A atividade industrial em Natal responde por apenas um 1,03% (Gráfico 01)

do total de empresas registradas na cidade, que é em número de 85.289, tendo

apenas 877 indústrias cadastradas junto à SEMUT. Esse dado revela que apesar

dos esforços da SUDENE, até mesmo com a tentativa de implantação do Distrito

Industrial de Natal (DIN) no entorno da Região Administrativa Norte, abrangendo

parte dos municípios vizinhos de Extremoz e de São Gonçalo do Amarante, a

atividade industrial é muito tímida (ARAÚJO, 2004b).

Fizemos a exposição dos dados relativos às atividades econômicas globais

na Cidade do Natal. Seguiremos com a exposição segundo suas Regiões

Administrativas Norte, Sul, Leste e Oeste (Figura 23), criadas conforme a Lei

Ordinária número 3.878/89 (NUNES et al, 2015, p. 29).

208

Figura 23 – Esquema das Regiões Administrativas32 de Natal

FONTE: NUNES et al, 2015, p. 29

Apesar de expormos sempre todos os dados que obtivemos, abrangendo

comércio, serviços, MEI e indústria, nosso foco principal de análise e discussão será

voltado, a partir de então, para o comércio e os serviços, procurando ver em que

medida estas atividades concorrem para a conformação da centralidade urbana em

Natal. Tendo por base os dados da Tabela 01, obedeceremos a ordem de

importância das atividades na economia natalense, qual seja: serviços, comércio,

MEI e indústria.

Os serviços adquirem a seguinte distribuição na Cidade do Natal, conforme

Tabela 02 e Gráfico 02, a seguir.

Tabela 02 – Serviços por região administrativa em Natal

REGIÃO ADMINISTRATIVA NÚMERO DE EMPRESAS

Sul 19.089

Leste 14.917

Norte 8.546

Oeste 7.747

TOTAL 50.299

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

32

R.A. – utilizaremos essa abreviatura para designar Região Administrativa.

209

Gráfico 02 – Serviços por região administrativa em Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Enquanto conteúdos geradores de centralidade urbana, os serviços são

mais evidentes nas Regiões Administrativas (R.A.) Sul e Leste, as quais

apresentam, respectivamente, 19.089 e 14.917 (Tabela 02) empresas registradas;

correspondendo, em números relativos, respectivamente, a 37,97% e 29,66% para

as R.A. Sul e Leste (Gráfico 02) do total de empresas de serviços em Natal, que é

em número de 50.299 (Tabela 02). Mas os serviços não se destacam somente

nestas duas regiões administrativas de Natal em relação às demais. Há uma

significativa diferença de 4.172 empresas de serviços da R.A. Sul em relação à R.A.

Leste (Tabela 02), mesmo sendo ambas as regiões concentradoras dos serviços na

cidade.

Esse dado explicita a expansão das atividades terciárias voltadas para o

turismo e o lazer, cujas formas mais expressivas, na R. A. Sul, podem ser

identificadas na Via Costeira e na Avenida Engenheiro Roberto Freire, pela presença

de empresas de hospedagem e de gastronomia, bem como os shopping centers, os

quais oferecem uma gama de serviços. E, conforme defenderam Nascimento (2003)

e Furtado (2008), há uma sincronia entre o turismo e os shopping centers, no sentido

da produção do espaço da R. A. Sul de Natal.

Ademais, o shopping center, em Natal, além de equipamento comercial, fez-

se lugar de encontros, os quais cada vez mais vêm se deslocando das praças da

cidade para as praças da alimentação dos shopping centers, fazendo desse

equipamento de comércio uma “quase cidade” dentro da cidade.

Em situação inversa às R. A. Sul e Leste, figuram as R. A. Norte e Oeste,

concentrando números bem inferiores de empresas de serviços. Estas últimas

210

apresentam, respectivamente, 8.546 e 7.747 (Tabela 02) registros de empresas

prestadoras de serviços, respondendo por 16,99% e 15,40% (Gráfico 02),

respectivamente, de um total de 50.299 (Tabela 02) empresas dessa natureza de

atividade. Pelos dados expostos, fica evidente que as novas centralidades urbanas

de natureza econômica, e voltadas para a prestação de serviços não adquirem

significativa importância face à economia terciária na Cidade do Natal, nestas duas

últimas regiões administrativas em discussão, se comparadas às demais.

Focaremos nossa análise a seguir na distribuição do número de empresas

de serviços por bairro em Natal, segundo as regiões administrativas, na seguinte

ordem: Sul, Leste, Norte e Oeste, tendo por base a importância dessa atividade em

cada uma delas. As regiões administrativas e seus respectivos bairros estão

dispostos conforme a Figura 24, cujo esquema de cores guiará a apresentação dos

gráficos referentes aos bairros de cada região administrativa.

Figura 24 – Esquema dos bairros por Regiões Administrativas de Natal

FONTE: NUNES et al, 2015, p. 29

211

A Região Administrativa Sul apresenta a seguinte distribuição do número

absoluto (Tabela 03 e Gráfico 03) e relativo (Tabela 03) de empresas de serviços

entre os bairros.

Tabela 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal

BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Lagoa Nova 6.723 35,22%

Ponta Negra 2.775 14,54%

Capim Macio 2.743 14,37%

Candelária 2.427 12,71%

Neópolis 1.889 9,90%

Pitimbu 1.844 9,66%

Nova Descoberta 688 3,60%

TOTAL 19.089 100,00%

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 03 – Serviços por bairros da R. A. Sul de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Dentre os bairros da Região Administrativa Sul, a evidência de centralidade

urbana gerada pela presença de empresas de serviços se faz ver no bairro Lagoa

Nova, com 35,22% (Tabela 03) de um total de 19.089 do número de empresas

nessa região, sobrepondo-se aos demais com vasta diferença. O que pode explicar

essa presença significativa dos serviços em Lagoa Nova é a expansão, nas últimas

décadas, dos serviços de saúde, conforme indicou Tavares (2010), ao que

acrescentamos também a respeito da expansão dos serviços de educação,

abrangendo desde os níveis da Educação Básica à Educação Superior, com a

instalação de faculdades privadas.

212

Em segundo lugar em relação à concentração de empresas de serviços na

Região Administrativa Sul, os dados apontam para os bairros Ponta Negra e Capim

Macio, respectivamente, com 14,54% e 14,37% (Tabela 03) das 19.089 empresas

de serviços registradas nessa região. É importante ressaltarmos a função turística

desses dois bairros, os quais estão margeados por uma parte do Eixo Dinamizador

do Terciário (EDT) Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, que se liga à

Via Costeira, a qual se configura como importante instrumento de promoção da

atividade turística na Cidade do Natal.

A Avenida Engenheiro Roberto Freire, enquanto integrante do referido EDT,

integra o “Corredor 3”, no Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo

Sustentável (PDITS), da Secretaria Municipal de Turismo e Desenvolvimento

Econômico da Prefeitura do Natal. Esse “Corredor 3” tem sua importância para a

atividade turística na cidade, porque, formado pela RN-063 (Rota do Sol Sul) e

Avenida Engenheiro Roberto Freire,

Corresponde ao principal acesso de regiões com grande potencial e desenvolvimento turístico à cidade de Natal, ligando as praias do litoral Sul (Cotovelo, Pirangi, Búzios, Tabatinga, Barreta e, etc.) e os bairros de Ponta Negra e Capim Macio à Avenida Senador Salgado Filho (NATAL..., 2013, p. 26).

Dessa forma, por deter essas condições de acesso às praias do litoral leste

do RN, em sua porção sul, esse EDT que é a Avenida Roberto Freire, apresenta

evidências de centralidades voltadas ao turismo, igualmente por concentrar uma

diversidade de empresas de hospedagem, de gastronomia e de entretenimento.

Mas esse EDT não aponta sua importância apenas para as praias dos

municípios vizinhos à Natal. Observemos que o trecho supracitado faz alusão à

integração com os bairros Ponta Negra, Capim Macio e com a Avenida Senador

Salgado Filho.

Pensando nessa integração foi que decidimos pensar esse Eixo Dinâmico do

Terciário assim integrado: Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, uma

vez que concentra uma gama de equipamentos modernos de comércio e de serviços

que vêm contribuindo, desde a década de 1980 à atualidade, para a formação de

novas centralidades urbanas na Cidade do Natal, cujas empresas vêm se instalando

no entorno desse eixo.

A Região Administrativa Sul, ao concentrar o maior número de empresas de

213

serviços na Cidade do Natal, e em seus bairros mais ao sul da própria região,

reafirma a discussão desenvolvida ao longo desse trabalho acerca da tendência do

deslocamento das estruturas amplas e modernas do terciário, passando a ocupar os

EDTs, pela condição de maior fluidez do tráfego, e por se configurarem como nós de

grandes eixos viários, que é condição significativa para a formação de uma

centralidade. Outra condição para a conformação dessa realidade é também a

presença de amplas áreas para estacionamento para clientes em compras.

Quanto aos serviços, a Região Administrativa Leste tem a seguinte

distribuição do número absoluto (Tabela 04 e Gráfico 04) e relativo (Tabela 04) de

empresas de serviços entre seus bairros.

Tabela 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal

BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Alecrim 3.406 22,83%

Tirol 3.365 22,56%

Cidade Alta 2.646 17,74%

Petrópolis 1.395 9,35%

Barro Vermelho 1.121 7,51%

Lagoa Seca 1.091 7,31%

Ribeira 671 4,50%

Rocas 412 2,76%

Mãe Luiza 266 1,78%

Praia do Meio 235 1,58%

Areia Preta 186 1,25%

Santos Reis 123 0,82%

TOTAL 14.917 100,00%

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 04 – Serviços por bairros da R. A. Leste de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

214

O Alecrim, com 3.406 empresas de serviços, correspondendo a 22,83% do

total de 14.917 empresas dessa natureza na R.A. Leste; Tirol, com 3.365, e 22,56%

do total; e Cidade Alta, com 2.646, e 17,74% desse mesmo total, são os três

primeiro bairros que evidenciam as centralidades que se conformam em torno da

prestação de serviços na região administrativa em discussão.

Ressaltamos que, dentre esses três bairros, o Alecrim e a Cidade Alta, além

de apresentarem essa tendência à concentração dos serviços, são também

detentores da centralidade do comércio. Já o bairro Tirol tem como particularidade,

principalmente, a centralidade dos serviços de saúde (TAVARES, 2010), bem como

os de educação, e ainda alguns ligados à gestão.

Num segundo grupo, figuram os bairros Petrópolis, com 9,35% do total de

empresas; Barro Vermelho, com 7,51%; e Lagoa Seca, com 7,31% do total de

empresas prestadoras de serviços na R.A. Leste, que é em número de 14.917.

Dentre estes, evidenciam-se em Petrópolis, a exemplo do Tirol, os serviços de

saúde, principalmente, seguidos do serviço de educação e o de gestão, razão pela

qual aparece em primeiro lugar nesse segundo grupo.

Há ainda que destacarmos o bairro da Ribeira, na R.A. Leste, que apesar de

concentrar apenas 4,50% das empresas de serviços de Natal, expressa ainda

significativa importância, por sediar diversos serviços dos níveis municipal, estadual

e federal do Estado, bem como a atividade portuária do RN. Dessa forma, o referido

bairro, senão em quantidade, mas em especificidade, ainda se configura como uma

centralidade urbana de natureza focada nos serviços.

Para a R.A. Norte, a distribuição dos serviços entre os bairros constituintes

dessa região é a seguinte, em números absolutos (Tabela 05 e Gráfico 05) e

relativos (Tabela 05).

215

Tabela 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal

BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Potengi 2.561 29,97%

N S da Apresentação 1.758 20,57%

Pajuçara 1.585 18,55%

Lagoa Azul 1.270 14,86%

Igapó 924 10,81%

Redinha 448 5,24%

Salinas 0 0,00%

TOTAL 8.546 100,00

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 05 – Serviços por bairros da R. A. Norte de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

No que concerne à distribuição dos serviços na R.A. Norte, o bairro Potengi

se evidencia como o mais expressivo frente aos demais na região administrativa em

discussão, concentrando 2.561 empresas prestadoras de serviços, o que

corresponde a 29,97% do total destas na R.A. Norte, que é número de 8.546

empresas. Esse é o bairro a partir do qual se deu a expansão da política

habitacional na Cidade do Natal, no sentido norte (ARAÚJO, 2004b), tendo sido nele

inaugurado, ainda na década de 1970, o primeiro conjunto habitacional da Região

Administrativa Norte.

É por esse bairro que se estende o Eixo Dinamizador do Terciário (EDT)

formado pela Avenida Doutor João Medeiros Filho, também conhecida como Estrada

da Redinha, EDT esse que abrange ainda os bairros Igapó e Redinha, ambos de

formação pretérita à implantação da política habitacional. O referido eixo se liga

transversalmente a outros eixos, os quais conduzem aos demais bairros que

apresentam evidências de empresas de serviços, quais sejam: o bairro N S da

Apresentação, com 1.758 empresas de serviços, e 20,57%, de um total de 8.546

216

empresas na região; o Pajuçara, com 1.585, e 18,55% desse total; e ainda o bairro

Lagoa Azul, com 1.270 empresas, correspondendo a 14,86% dos serviços na R.A.

Norte. Pela exposição dos dados, fica evidente que o bairro Potengi é o que

evidencia a centralidade urbana voltada para os serviços na região em discussão.

A Região Administrativa Oeste é aquela onde ocorre a menor presença de

empresas prestadores de serviços. É valido lembrar que se trata de um espaço

ocupado, historicamente, por uma população de baixa renda, quadro que se mantém

até os dias atuais, embora tenha parte dessa região habitada por população de

renda média. Desse modo, na R.A. Oeste, os serviços têm uma distribuição bastante

regular, se considerarmos os bairros, como pode ser visto por meio dos números

absolutos, apresentados na Tabela 06 e Gráfico 06; e relativos, na Tabela 06.

Tabela 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal

BAIRROS NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Cidade da Esperança 1.151 14,83%

Planalto 1.129 14,57%

Felipe Camarão 1.108 14,30%

Quintas 1.087 14,03%

N S de Nazaré 1.061 13,70%

Dix-Sept Rosado 929 11,99%

Bom Pastor 506 6,53%

Cidade Nova 391 5,05%

Nordeste 324 4,18%

Guarapes 61 0,79%

TOTAL 7.747 100,00%

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 06 – Serviços por bairros da R. A. Oeste de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

217

Os serviços, na R.A. Oeste, apresentam certa regularidade em sua

distribuição, haja vista a maioria dos bairros apresentarem pouca discrepância

relativa do número de empresas prestadoras de serviços. Observamos, ao cotejar os

dados constantes na Tabela 06 e no Gráfico 06, a seguinte distribuição do número

de empresas entre os bairros dessa região: Cidade da Esperança, com 1.151

empresas, e 14,83% do total destas na região, que é em número de 7.747; Planalto,

com 1.129 empresas, e 14,57%; Felipe Camarão, com 1.108 empresas, e 14,30%;

Quintas, com 1.087, e 14,03%; N S de Nazaré, com 1.061, e 13,70%; e, ainda,

nesse grupo de maior evidência de empresas de serviços, Dixp-Sept Rosado, com

929, correspondendo a 11,99% do total das empresas prestadoras de serviços na

R.A. Oeste. Esse se apresenta como o grupo de maior evidência dos serviços na

referida região. Mas não há como destacar um bairro, e designá-lo com evidência de

centralidade de natureza voltada aos serviços, face a essa regular distribuição,

embora discrepante em relação ao bairro Guarapes. Certamente, são serviços mais

voltados para o atendimento imediato das demandas locais.

Encerrando essa análise referente à distribuição dos serviços por bairros, e

segundo as regiões de Natal, ao observarmos os Gráficos 03 e 04, referentes,

respectivamente, às R.A. Sul e Leste, vemos que diversos bairros apresentam uma

forte evidência da ocorrência de empresas de serviços; já no Gráfico 05, referente à

R.A. Norte, apenas o bairro Potengi apresenta essa evidência, por ser o mais

dinâmico dentre os bairros da região; enquanto que o Gráfico 06, correspondente à

R.A. Oeste, apresenta uma regularidade na ocorrência do número de empresas de

serviços entre diversos bairros, não havendo um ou outro bairro evidente.

Quanto à distribuição das empresas comerciais, os dados apresentados na

Tabela 07 e no Gráfico 07 mostram um destaque para as Regiões Administrativas

Leste e Sul, embora se faça presente de forma significativa também nas outras

regiões administrativas, ou seja, nas R.A. Norte e Oeste também. Convém destacar

que essas duas últimas regiões citadas, além de serem áreas de ocupação recente,

apresentam-se como aquelas ocupadas por população de baixa renda em Natal.

218

Tabela 07 – Comércio por região administrativa de Natal

REGIÃO ADMINISTRATIVA NÚMERO DE EMPRESAS

Leste 7.571

Sul 6.417

Norte 3.685

Oeste 3.098

TOTAL 20.771

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 07 – Comércio por região administrativa de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Conforme demonstram os dados constantes na Tabela 07 e no Gráfico 07,

são as Regiões Administrativas Leste e Sul que se destacam nas atividades

comerciais, concentrando, respectivamente, 7.571 e 6.417 desse ramo de atividade,

o que corresponde, em número relativo de empresas a 36,45% para a R.A. Leste e a

30,89% para a R.A. Sul, de um total de 20.771 empresas comerciais registradas em

Natal, junto à Secretaria Municipal de Tributação. Essas informações evidenciam

que a centralidade urbana de natureza comercial em Natal se conforma,

principalmente, entre as R.A. Leste e Sul.

Importante ressaltar quanto à R.A. Leste, que ela abrange o Núcleo do

Centro Histórico de Natal, tendo ocorrido nela as primeiras expressões de atividades

comerciais na cidade; primeiro, no bairro da Ribeira; seguindo-se nos bairros Cidade

Alta e Alecrim, conforme expusemos na seção três desse trabalho. Dessa forma, a

atividade comercial contribui para a preservação da centralidade urbana própria do

Núcleo do Centro Histórico de Natal, apesar da expansão do varejo moderno desde

a década de 1980, no sentido sul de Natal.

Já quanto à R.A. Sul, por sua segunda posição em relação à distribuição

global das empresas de comércio em Natal, tal fato se observa por ser a região para

219

a qual se dirigiu o processo de expansão do terciário moderno na cidade, haja vista

concentrar de modo proeminente as novas centralidades que vêm se conformando

em Natal, desde a década de 1980, no sentido desta região administrativa.

Grosso modo, as demais regiões administrativas – a Norte e a Oeste –

figuram, nessa distribuição das atividades comerciais na cidade do Natal, com uma

média percentual em torno de 50% em relação às duas primeiras regiões

analisadas, concentrando a R. A. Norte 3.685 empresas, representando 17,74% de

um total de 20.771 de empresas de comércio da cidade; e a R.A. Oeste com 3.098,

correspondendo a 14,92%, desse mesmo total de empresas comerciais instaladas

em Natal. Desse modo, as R.A. Norte e Oeste, se comparadas às R.A. Leste e

Oeste, apresentam pouca expressividade no conjunto das atividades comerciais na

Cidade do Natal.

Entretanto, é importante destacar que as referidas regiões atendem à

demanda do seu entorno imediato. A R.A. Norte, por exemplo, é considerada por

Paula (2010) como um subcentro do comércio varejista moderno em Natal,

aparecendo também em destaque na imprensa local, ao serem veiculadas notícias

referentes à abertura ou fechamento do comércio de rua em Natal, quando são

citados locais como o Alecrim, a Cidade Alta, os shopping centers e a "Zona Norte”.

Isto porque, ao Alecrim e à Cidade Alta corresponde o comércio tradicional de Natal,

aquele já consagrado ao longo da história da cidade; já às R.A. Sul e Norte,

correspondem as novas centralidades de comércio na cidade.

Essas foram expressões da distribuição das empresas de comércio entre as

regiões administrativas de Natal, de uma forma global dessa atividade. Mas

entendemos que também devemos considerar a sua divisão enquanto comércio

atacadista e comércio varejista, o que será exposto nas Tabelas 08 e 09, e Gráficos

08 e 09, agrupados no Quadro 04, com o objetivo de facilitar a comparação.

220

QUADRO 04 – Comércio atacadista e varejista por região administrativa em Natal

Tabela 08 – Comércio atacadista por

região administrativa em Natal

Tabela 09 – Comércio varejista por região

administrativa em Natal

REGIÃO ADMINISTRATIVA

NÚMERO DE EMPRESAS

Leste 429

Sul 347

Oeste 221

Norte 119

TOTAL 1.116

REGIÃO ADMINISTRATIVA

NÚMERO DE EMPRESAS

Leste 7.142

Sul 6.070

Norte 3.566

Oeste 2.877

TOTAL 19.655

Gráfico 08 – Comércio atacadista por

região administrativa em Natal

Gráfico 09 – Comércio varejista por região

administrativa em Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Ao considerarmos os dados expostos no Quadro 04, a concentração da

atividade comercial, seja do tipo atacadista, seja varejista, persiste nas R.A. Leste e

Sul, mantendo a mesma distribuição dos dados globais, em que a R.A. Leste figura

em primeiro, e a Sul em segundo lugar na atividade comercial em Natal. Enquanto

que entre as demais regiões administrativas – Norte e Oeste –, a mesma distribuição

global das atividades de comércio que fora verificada em Natal não se repete.

Quando comparamos os números relativos de empresas de comércio entre

as referidas regiões, identificamos destaque para a R.A. Oeste, com 19,80% das

empresas de comércio atacadista (Gráfico 08), de um total de 1.116 empresas em

Natal, em relação à R.A. Norte, com 10,66% dessas empresas (Gráfico 08), o que

resulta numa diferença percentual de 9,14% a mais para a R.A. Oeste.

Já no que se refere ao comércio varejista, ambas as regiões administrativas

em discussão apresentam pouca diferença percentual, a qual é de apenas 3,50%,

visto que a R.A. Norte apresenta um sutil destaque, por concentrar 18,14% do total

221

das empresas de comércio varejista em Natal, enquanto que a R.A. Oeste concentra

14,64% desse total. Essa tênue semelhança do número de empresas de comércio

varejista entre as referidas regiões indica a ocorrência do comércio voltado para o

atendimento às necessidades mais imediatas da sociedade, portanto, mais

circunscritas à sua própria região. Essa constatação se confirma com o dado que

indicamos na seção três, de que 40% dos deslocamentos feitos por transporte

coletivos com origem na R.A. Norte limitam-se à própria região (OLIVEIRA, 2016,

informação verbal).

Para a exposição e discussão das evidências da centralidade urbana, tendo

como foco a ocorrência da distribuição das empresas de comércio entre os bairros,

em cada uma das regiões administrativas da Cidade do Natal, faremos de acordo

com a sequência com que a atividade comercial adquire importância entre as

referidas regiões, que são: Leste, Sul, Norte e Oeste.

Na R.A. Leste, as empresas de comércio adquirem a seguinte distribuição

entre os bairros, conforme Tabela 10 e Gráfico 10, a seguir.

Tabela 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal

BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Alecrim 2.850 37,64%

Cidade Alta 1.355 17,90%

Tirol 1.084 14,32%

Petrópolis 675 8,92%

Lagoa Seca 515 6,80%

Ribeira 268 3,54%

Barro Vermelho 263 3,47%

Rocas 190 2,51%

Praia do Meio 181 2,39%

Mãe Luiza 70 0,92%

Areia Preta 67 0,88%

Santos Reis 53 0,70%

TOTAL 7.571 100,00%

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

222

Gráfico 10 – Comércio por bairros da R. A. Leste de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Dentre os bairros integrantes da região em tela, três se destacam: Alecrim,

Cidade Alta e Tirol, quanto à concentração de empresas de comércio. Mas a

evidência da centralidade comercial na Cidade do Natal recai sobre o bairro do

Alecrim, o qual apresenta 2.850 empresas comerciais, correspondendo a 37,64% do

total desse ramo de atividade, que é de 7.571 na R.A. Leste (Tabela 10). A evidência

pode ser ainda constatada ao cotejarmos o Gráfico 10, no qual a ocorrência do

bairro do Alecrim se faz visível em relação aos demais.

Outros dois bairros que podemos ainda considerar como detentor de

evidências de centralidade comercial na região em tela são a Cidade Alta, com 1.355

empresas, 17,90% do total; e Tirol, com 1.084, correspondendo a 14,32% das

empresas comerciais na região. A Cidade Alta, apresentando-se em segundo lugar

como bairro comercial nessa região, reafirma a sua condição de centro comercial

desde os primórdios de formação do espaço urbano de Natal, contrariando

proposições acerca de uma possível degradação do “Centro de Natal”, como

aventaram Nascimento (2003) e Mazda (2016).

Enquanto que Tirol pode ter sua condição de figurar em terceiro lugar como

bairro comercial na R.A. Leste por alguns fatores, como: ser nele que se inicia a

conformação do Eixo Dinamizador do Terciário, formado pelas Avenidas Hermes da

Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire; por ser o segundo bairro, nessa mesma

região, quanto à concentração de serviços, o que gera uma gama de atividades

comerciais associadas a tais serviços, principalmente, os serviços médicos,

conforme apontou Tavares (2010); e, por fim, por ser nesse bairro, no qual se

localiza o maior shopping center de Natal e do RN, que é o Midway Mall, contando

com mais de 300 lojas comerciais (PESQUISA DE CAMPO, 2016).

223

Interessante notarmos que, ao considerarmos a centralidade urbana de

natureza comercial na atualidade, dentre aqueles bairros constituintes do que

denominamos de Núcleo do Centro Histórico de Natal, para o qual consideramos

tanto a natureza histórica quanto a comercial, persistem apenas o Alecrim e a

Cidade Alta; a Ribeira já não mais se evidencia como centralidade comercial, mesmo

porque perdeu essa condição de centralidade desde quando emergiram enquanto

tais o Alecrim e a Cidade Alta, por ocasião do contexto pós Segunda Guerra

Mundial. Nesse contexto, é que surgiu uma nova centralidade comercial sob a forma

de bairro, na R.A. Leste, que é Tirol, reafirmando a tendência da expansão das

atividades terciárias modernas no sentido sul de Natal.

Para a R.A. Sul de Natal, a distribuição das empresas de comércio se

apresenta conforme os dados dispostos na Tabela 11 e no Gráfico 11.

Tabela 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal

BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Lagoa Nova 2.243 34,95%

Capim Macio 1.109 17,28%

Ponta Negra 985 15,35%

Candelária 848 13,21%

Neópolis 531 8,27%

Pitimbu 467 7,28%

Nova Descoberta 234 3,65%

TOTAL 6.417 100,00%

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 11 – Comércio por bairros da R. A. Sul de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Ao analisarmos os dados constantes na Tabela 11, em números absolutos e

224

relativos de empresas de comércio na R.A. Sul de Natal, uma evidência se faz

perceber: o bairro Lagoa Nova pode ser considerado a centralidade comercial por

excelência da região em tela. Isto porque, concentrando 2.243 empresas de

natureza comercial, o que corresponde a 34,95% da atividade comercial da região,

cujo número total é de 6.417 empresas, o referido bairro detém mais que o dobro de

empresas em relação ao bairro que se apresenta em segundo lugar na região, que é

Capim Macio, com 1.109 empresas, e 17,28% do total.

É importante ponderarmos alguns fatores que concorrem para que o bairro

Lagoa Nova se configure com essa evidência comercial na R.A. Leste: é neste bairro

que se conforma parte o “corredor dos shopping centers”, concentrando assim um

grande número de empresas comerciais em cada um dos shopping centers

instalados no referido corredor; a exemplo dos bairros Tirol e Petrópolis, concentra

uma diversidade de serviços privados de saúde, inclusive, grandes hospitais, razão

pela qual um grande número de firmas comerciais se congregam em torno desse

serviço; é margeado pelo Eixo Dinamizador do Terciário, formado pelas Avenidas

Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, o qual abrange em seu entorno

uma gama de atividades comerciais; e ainda, concentra, desde o início do processo

de expansão do varejo moderno em Natal, uma diversidade de hipermercados e

outras estruturas comerciais de ampla superfície, as quais também abrigam em seu

interior uma diversidade de pequenas firmas comerciais.

Dessa forma, o bairro Lagoa Nova se apresenta, na R.A. Sul, como

importante evidência de centralidade urbana de natureza comercial na Cidade do

Natal, sendo também no sentido dessa área sul da cidade para onde se expandem

as novas centralidades de natureza comercial.

Enquanto que o bairro Capim Macio, figurando em segundo lugar em

importância comercial, ao considerarmos o número de empresas comerciais, sua

evidência se faz perceber em função da conformação da Avenida Engenheiro

Roberto Freire, parte integrante do Eixo Dinamizador do Terciário, formado pelas

Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire. A referida avenida tem

sua importância comercial graças à atividade turística da cidade, concentrando uma

diversidade de empresas de hospedagem, de lazer e de gastronomia; há também

uma diversidade de shopping centers, os quais já citamos na seção três desse

trabalho, instalados no trecho final do “corredor dos shopping centers”; diversas lojas

de eletroeletrônicos, lojas essas de grande porte; hipermercados; lojas de material

225

de construção e interiores, dentre outras firmas comerciais.

Há que considerarmos ainda os bairros Ponta Negra, com 985 firmas

comerciais, correspondendo a 15,35% do total na R.A. Sul, que é em número de

6.417; e o bairro Candelária, com 848 firmas, e 13,21% desse total. A exemplo dos

dois primeiros bairros em destaque na região em discussão, ambos os bairros tem

sua atividade comercial baseada na concentração de shopping centers, mesmo

porque é ainda nesses dois bairros que também se conforma o “corredor dos

shopping centers”; ou pela presença de hipermercados. Ademais, Ponta Negra,

como já apontamos em diversos trechos desse trabalho, é o bairro por excelência da

atividade turística em Natal, o que suscita a formação de centralidades urbanas de

natureza tanto com foco nos serviços quanto no comércio.

Assim, ao observamos os dados constantes na Tabela 11 e no Gráfico 11,

quatro são os bairros que apresentam evidências de centralidade de natureza

comercial na R.A. Sul de Natal: Lagoa Nova, Capim Macio, Candelária e Ponta

Negra.

A distribuição das empresas de comércio pela R.A. Norte adquire a seguinte

configuração entre seus bairros constituintes, conforme dados expostos na Tabela

12 e no Gráfico 12.

Tabela 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal

BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Potengi 1.205 32,70%

N S da Apresentação 676 18,34%

Igapó 600 16,28%

Pajuçara 559 15,17%

Lagoa Azul 468 12,70%

Redinha 177 4,80%

Salinas 0 0,00%

SUBTOTAL 3.685 100,00%

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

226

Gráfico 12 – Comércio por bairros da R. A. Norte de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Dentre os bairros da R.A. Norte, o Potengi se evidencia como centralidade

comercial, porque apresenta maior concentração de empresas comerciais, em

número de 1.205 empresas, correspondendo a 32,70%, de um total de 3.685

empresas instaladas nessa região. A exemplo de sua evidência na concentração

também dos serviços, reafirma-se o seu dinamismo econômico frente aos demais

bairros da R.A. Norte.

Ao observamos o Gráfico 12, constatamos um quase alinhamento entre os

bairros N S da Apresentação, com 676 empresas, e 18,34% do total destas na R. A.

Norte; Igapó, com 600 empresas, correspondendo a 16,28%; Pajuçara, com 559

empresas comerciais, e 15,17% do total; e Lagoa Azul, com 468, e 12,70% do total

de empresas comerciais na região em tela, que é em número de 3.685.

Essa regular distribuição do número de empresas entre a maioria dos bairros

da R.A. Norte, em discrepância em relação ao bairro Potengi, reforça mais uma vez

que a evidência da centralidade comercial, na R.A. Norte, faz-se perceber no bairro

Potengi.

Tal constatação nos impele a considerar o que defendeu Paula (2010) a

respeito da expansão do varejo moderno em Natal. A referida autora considera essa

avenida à qual denominamos, nesse trabalho, como Eixo Dinamizador do Terciário,

formado pela Avenida Doutor João Medeiros Filho, como importante eixo de

concentração das atividades terciárias na Cidade do Natal, que somado a outras

áreas de menor expressão, as quais estão dispostas no interior dos bairros da R.A.

Norte, fazem dessa região um subcentro comercial em Natal, conformando-se como

uma nova centralidade urbana, para onde se expandem novas dinâmicas da

economia terciária da cidade.

227

As empresas comerciais, na R.A. Oeste, apresentam a seguinte distribuição

entre os bairros dessa região, conforme os dados expostos na Tabela 13 e no

Gráfico 13, a seguir.

Tabela 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal

BAIRRO NÚMERO DE EMPRESAS NÚMERO RELATIVO

Quintas 507 16,37%

Cidade da Esperança 483 15,59%

Dix-Sept Rosado 477 15,40%

N S de Nazaré 465 15,01%

Felipe Camarão 374 12,07%

Planalto 315 10,17%

Bom Pastor 203 6,55%

Cidade Nova 131 4,23%

Nordeste 120 3,87%

Guarapes 23 0,74%

TOTAL 3.098 100,00%

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Gráfico 13 – Comércio por bairros da R. A. Oeste de Natal

FONTE: NATAL..., 2016c; Pesquisa de Campo, 2016

Os dados dispostos na Tabela 13 indicam certa regularidade na distribuição

das empresas comerciais entre os bairros da R.A. Oeste, não havendo um ou outro

bairro que se evidencie enquanto centralidade comercial. Há, sim, quatro bairros que

se destacam frente aos demais, formando um primeiro grupo na distribuição das

empresas de comércio. São eles: Quintas, que apresenta 507 firmas registradas,

228

correspondendo a 16,37% do total na região, que é de 3.098; Cidade da Esperança,

com 483 empresas, e 15,59% desse total; Dix-Sept Rosado, com 477 empresas

comerciais, e 15,40% do total delas na região; e N S de Nazaré, com 465 empresas

comerciais, o que corresponde a 15,01% do total de empresas dessa natureza.

Um segundo grupo de bairros que concentram empresas comerciais na R.A.

Oeste pode ser identificado ao cotejarmos os seguintes dados: Felipe Camarão, com

374 empresas, correspondendo a 12,07% do total delas; e Planalto, com 315, e

10,17% do total de empresas comerciais na região em tela.

Ao observarmos o Gráfico 13, identificamos uma regular distribuição das

empresas comerciais entre os bairros da R.A. Oeste, o que não nos autoriza a

apontar bairros detentores de evidências de centralidade comercial, tendo por base

a concentração do número de firmas comerciais.

Dessa forma, a exemplo da distribuição das empresas de serviços entre os

bairros dessa região, podemos afirmar que há uma regular distribuição, o que aponta

que a atividade comercial praticada nesses bairros se volta para mais para atender a

demanda local, haja vista não haver um bairro que apresente evidência enquanto

centro de comércio e de serviços.

Ao finalizar a exposição e discussão da distribuição das empresas de

economia terciária entre os bairros das regiões administrativas de Natal, podemos

indicar como detentoras de evidência de centralidade urbana de natureza comercial

as R.A. Leste e Sul, nessa ordem de importância; enquanto que para a centralidade

urbana de natureza voltada para os serviços a evidência se faz, em primeiro lugar,

em relação à R.A. Sul, seguindo-se da R.A. Leste.

No conjunto das atividades terciárias na Cidade do Natal, são estas duas

regiões administrativas que mais apresentam evidências de centralidade urbana. E,

dentre essas duas regiões, destacam-se os bairros Alecrim, Cidade Alta, Tirol e

Lagoa Nova, enquanto bairros mais expressivos de centralidade urbana, seja ela

focada nos serviços, seja no comércio.

Ainda nas duas regiões em discussão, há que destacarmos o “corredor dos

shopping centers”, que se estende desde o bairro Tirol, até o bairro Ponta Negra, o

qual é influenciado pelo Eixo Dinamizador do Terciário (EDT), formado pelas

Avenidas Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire, que fomenta uma gama

de outras centralidades urbanas de natureza voltada às atividades terciárias,

abrangendo os bairros do seu entorno, os quais se integram a esse EDT de modo

229

transversal.

Por fim, uma evidência de centralidade urbana de natureza comercial e de

serviços se faz perceber na R.A. Norte, e a mesma se conforma no Eixo

Dinamizador do Terciário, formado pela Avenida Doutor João Medeiros Filho, no

bairro Potengi, o qual dinamiza outros eixos de menor expressividade econômica na

região em tela, mas que contribui para a afirmação da mesma como uma área para

onde se expandem novas centralidades urbanas de natureza terciária.

Mas a centralidade urbana não se expressa somente por sua natureza

econômica, pela exposição de dados do comércio e dos serviços. Há uma

diversidade de formas de expressão segundo as quais podemos apreender a

centralidade urbana, a depender dos rumos que tomam a pesquisa. É o que

tentaremos explicitar os na subseção que segue.

4.2 Meandros da centralidade urbana como proposta metodológica

A propósito do termo de abertura desta subseção, entendemos que a

construção de um caminho de leitura da centralidade urbana se faz de forma

sinuosa, tendo que contornar diversas acepções de centralidade, cada uma

emanada, principalmente, do conteúdo que lhe é gerador. Desta forma, estarão, ao

longo do “caminho” de leitura da centralidade urbana, conteúdos como: o histórico, o

cultural, o simbólico, o ideológico e o econômico.

Dentre estes conteúdos, as práticas mais comuns de apreensão da

centralidade urbana sempre focam o histórico ou o econômico. E assim, ao serem

estudados os centros históricos das cidades, como área de interesse de arquitetos e

urbanistas ou geógrafos preocupados com a geografia histórica, o conteúdo histórico

da centralidade urbana define sua dimensão de abordagem; enquanto que as

centralidades de conteúdo econômico definem a dimensão econômica das

centralidades que se conformam nos espaços urbanos, preocupação mais comum

aos geógrafos em geral, ao terem como foco a produção do espaço.

Mas, quase sempre, senão o histórico ou o econômico, outros conteúdos

são negligenciados no estudo da centralidade urbana. E como sabemos, o meio

urbano é formado por uma diversidade, não por uma homogeneidade em seus

conteúdos, razão pela qual defendemos que a natureza da centralidade urbana há

230

que ser apreendida em sua forma diversa, em seus conteúdos, processos e formas.

Ao revisitarmos as origens da temática centralidade urbana, admitiremos ser

ela emanada de uma teoria de base econômica, formulada por Christaller, em 1933

(CHRISTALLER, 1981). Mas, desde então, incontáveis foram as discussões em

torno das proposições defendidas por esse pensador, algumas contra, outras a

favor.

No Brasil, como já anunciamos, duas vozes principais a respeito da tão

propalada “Teoria de Christaller” ou Teoria das Localidades Centrais se fizeram

ecoar do pensamento de Santos (2008; 2003); e Corrêa (1997; 2005), ambos os

autores propondo de forma consoante uma revisão à referida teoria, ao que

concordamos, e tentamos, nesse trabalho, empreender esse desafio.

Entendemos que tal desafio consiste em ir além do econômico,

empreendendo uma leitura de centralidade urbana para além de dados de comércio

e de serviços, buscando apreender o espaço urbano segundo as suas mais diversas

possibilidades de práticas espaciais. Dessa forma, apreendemos o espaço urbano

em sua dinâmica, segundo lapsos de tempo que se descortinam ao nosso olhar,

revelando que as centralidades mudam conforme esses lapsos de tempo, porque os

sujeitos da prática espacial mudam, conforme ponderou Sposito (2010; 2013).

Consiste também em ir além do histórico, porque esse histórico, quase sempre

estabelecido por instituições de preservação do patrimônio histórico, como o IPHAN,

o qual se preocupa tão somente com as fachadas, ou, em seu dizer, com o “conjunto

arquitetônico, urbanístico e paisagístico” (PESQUISA DE CAMPO, 2016).

E mesmo essa dimensão histórica da centralidade, estabelecida com base

numa fachada arquitetônica, aparentemente inerte, apresenta-se ao nosso olhar

como uma forma prenhe de um conteúdo histórico capaz de atrair fluxos e de gerar

processos de visitação, os quais são dinâmicos, e, por sua vez, terminam por

dinamizar a economia da cidade, sob a forma de atividade turística ou de turismo

pedagógico/aula de campo, o que dinamiza o comércio e os serviços em dadas

áreas da cidade.

Assim, vemos que basta colocarmos em diálogo apenas dois dos conteúdos

da centralidade urbana, quais sejam, o histórico e o econômico, para percebermos

que há uma sinuosidade entre os caminhos de leitura da temática, ou seja, que a

mesma não há que ser empreendida apenas por uma via, sob pena de empobrecer

a riqueza de conteúdos que geram a centralidade urbana. Defendemos que há, sim,

231

um entrecruzamento dos conteúdos produzidos e apropriados no espaço urbano, os

quais geram centralidades urbanas que se conformam e se expressam sob diversas

formas, gerando contínuos processos de produção do espaço.

Dentre os diversos conteúdos que concorrem para definir a natureza da

centralidade urbana, como o histórico, o cultural, o simbólico, o ideológico e o

econômico, em algum momento da análise, um ou outro se sobressai, como

optamos por desenvolver na subseção anterior, a qual está centrada na centralidade

de natureza econômica na Cidade do Natal. Mas a opção de quem analisa não pode

esmaecer os outros conteúdos constituintes da centralidade, porque nem sempre ela

se conforma em função apenas de um conteúdo.

Podemos esclarecer essa postura com o seguinte argumento: a propósito

das centralidades de natureza econômica, por exemplo, os bens comercializados

são de natureza diversa. Não são apenas mercadorias tangíveis à reprodução da

vida biológica que definem as centralidades. Alguns fatores são materiais, mas há

também os imateriais, como os preços, que também concorrem para definição de

centralidades. Um exemplo evidente em Natal se configura no Shopping Center

Midway Mall, cujos preços dos bens oferecidos nas lojas aumentam conforme o nível

dos pavimentos, estando as lojas mais populares no primeiro pavimento; as lojas

medianas no segundo pavimento; enquanto que as lojas de bens sofisticados e

preços elevados estão instaladas no terceiro pavimento. Essa condição dos preços

dos bens comercializados termina por gerar centralidades com públicos diversos ao

longo do dia e entre os dias da semana, conforme observou Sposito (2013). Assim,

até mesmo os preços segundo os quais os produtos são oferecidos são uma

representação, uma imaterialidade que também pode concorrer para gerar

centralidade. E apesar de a categoria valor não ser nosso foco de discussão,

trouxemos à tona essa realidade, para evidenciar mais essa expressão da

centralidade.

Assim, basta estabelecermos um ângulo de visão a partir do qual

analisaremos uma centralidade urbana, e um leque de possibilidades se descortina

ao nosso pensamento, porque sabemos que, no meio urbano, os sujeitos que

interagem nas práticas espaciais não estão enclausurados, ora como consumidores

de mercadorias, ora como agentes políticos, ora como gestores. Antes, são cidadãos

que estabelecem relações entre si, e face ao Estado; relações de contínua produção

do espaço, um espaço diverso, heterogêneo, razão pela qual apreendemos, nesse

232

meio, centralidades urbanas de natureza diversa.

Essa postura a respeito da centralidade urbana, de ser apreendida em sua

forma diversa, já era por nós formulada enquanto antecipação metodológica, ao

empreendermos o trabalho em tela, e pudemos constatar ao desenvolvermos a

pesquisa de campo, e estabelecermos diálogo junto a diversos gestores da

municipalidade natalense e a alguns líderes de organizações da sociedade. Dessa

forma, os resultados ora apresentados vêm calhar, indicando que o título dessa

subseção se faz oportuno, e uma metáfora aos rumos empreendidos na pesquisa de

campo.

A análise do discurso desses gestores ou líderes nos dá conta de quais, e

até mesmo quantos “centros” a Cidade do Natal apresenta, e que esse discurso

representa um pensamento, que termina por influenciar um modo de agir e de gerir o

espaço urbano natalense. Mais ainda: que os referidos “centros” que se evidenciam

em Natal não emanam tão somente da municipalidade e dos líderes de

organizações sociais, antes, são também formas de expressão-apropriação do

espaço por parte do cidadão natalense, as quais são acolhidas e consagradas

enquanto centralidades urbanas, ao serem aceitas e publicizadas. Os resultados

obtidos por esses meandros trilhados em nossa pesquisa serão a partir de então

objeto da nossa exposição e análise.

Para o IPHAN, o “Centro Histórico de Natal” abrange parte dos bairros

Cidade Alta, Ribeira e Rocas, cujo mapa foi apresentado na seção dois desse

trabalho. Para o estabelecimento desse centro histórico concorrem aspectos

atinentes ao “conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico”, que guarda a

memória e a cultura da cidade, facultando-nos a definir essa área como detentora de

centralidade de natureza histórica (PESQUISA DE CAMPO, 2016; COSTA, 2016,

informação verbal).

Outras áreas de Natal podem expressar centralidades de natureza histórica,

mas é o IPHAN quem tem autoridade para delimitar o centro histórico de uma

cidade. É o caso de Igapó, por exemplo, bairro da R.A. Norte, conhecido desde o

processo de colonização como “Aldeia Velha” (ARAÚJO, 2004b). Mas o diálogo

estabelecido com o ente primaz da temática em foco, que é a centralidade de

natureza histórica, orienta-nos a admitir o que estabelece o IPHAN, observando o

“Centro Histórico de Natal” circunscrito aos bairros: Cidade Alta, Ribeira e Rocas.

Seguindo essa orientação, a Fundação Cultural Capitania das Artes, em

233

parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo da Prefeitura

Municipal do Natal, estabeleceu o “Corredor Cultural” (NATAL..., 2008a), o qual se

estende desde o bairro Cidade Alta até a Ribeira, contemplando quase toda a área

estabelecida como “Centro Histórico de Natal” pelo IPHAN. Nesse corredor cultural,

desenvolvem-se atividades, como a visitação turística, roteiros pedagógicos,

caminhadas que rememoram a história da cidade, aulas de fotografia, entre outros.

Assim, uma vez estabelecido o centro histórico pelo IPHAN, principalmente, os

bairros Cidade Alta e Ribeira se configuram como centralidades históricas na Cidade

do Natal.

O diálogo com a Secretaria de Cultura e Arte de Natal revelou outras formas

de apreensão da centralidade urbana em Natal, as quais são estabelecidas não

segundo critérios acadêmicos, mas de modo pragmático, porque pela ação dos

gestores públicos. Segundo a visão do Secretário Executivo, Lenilton Teixeira,

central é o lugar dotado de capacidade técnica para comportar grande público,

enquanto “espaço agregador” – no dizer do citado secretário –, haja vista a referida

secretaria trabalhar com eventos culturais, exposições, shows, feiras de livros e

festas comemorativas (TEIXEIRA, 2016, informação verbal).

De acordo com a visão desta secretaria, as centralidades se conformam nos

locais onde estiverem ocorrendo, num dado lapso de tempo, eventos como: o

Festival Literário de Natal (FLIN), que ocorre no Largo do Teatro Alberto Maranhão,

na Ribeira; os festejos juninos, que buscam abranger as quatro regiões

administrativas da cidade; o Natal e o Reveillon, cujos festejos ocorrem nos polos

Redinha e Ponta Negra; e ainda o Carnaval, que ocorre em seis “Polos

Multiculturais”, que são: Polo Ponta Negra, Polo Petrópolis, Polo Redinha, Polo

Centro Histórico, Polo Redinha e Polo Rocas (PESQUISA DE CAMPO, 2016).

Teixeira (2016, informação verbal) aponta como alguns dos “espaços

agregadores” ou centros nos quais se desenvolvem atividades culturais: na R.A. Sul,

o Estádio Arena das Dunas e o seu largo, no bairro Lagoa Nova; na R.A. Norte, o

Ginásio Nélio Dias e o seu largo, no bairro Lagoa Azul; e ainda, o Espaço “Chico

Miséria”, na Área de Lazer do Panatis; na R.A. Leste, no bairro Cidade Alta, o

perímetro entre o Beco da Lama e a Prefeitura Municipal do Natal, ao qual chama de

“centro histórico” cultural; no bairro das Rocas, o largo do Mercado Público Francisca

Barros de Morais ou Mercado das Rocas, à margem da Avenida Duque de Caxias,

onde ocorre o desfile do carnaval; e, por fim, o Largo do Atheneu, no bairro

234

Petrópolis. Esses são alguns exemplos de centros, do ponto de vista da Secretaria

de Cultura e Arte de Natal, nos quais a referida secretaria distribui seus eventos.

Da entrevista realizada junto ao Secretário Executivo da Secretaria de

Cultura e Arte de Natal, ficou claro que há uma preocupação em distribuir os eventos

pelas quatro regiões administrativas da cidade. Mas, para que isso ocorra, a forma,

que detém a condição “capacidade técnica” exigida para realização de eventos, e

que faz de certo lugar um “espaço agregador”, é quem define o que é e o que não é

centro para a referida secretaria. Ou seja, é a forma quem define os conteúdos dos

possíveis centros culturais em Natal. E, uma vez definidos os centros para os quais

são direcionados os eventos, aí sim, os conteúdos passam a ter um caráter definidor

da centralidade daqueles centros, porque se faz o motivo de atração do público ao

qual determinados eventos se destinam, alguns dos quais a toda a sociedade

natalense, como algumas festas universais.

A postura da Secretaria de Turismo de Natal com relação à definição de

centro assemelha-se à da Secretaria de Cultura e Arte, porque também concebe

“centro” como área com capacidade técnica para comportar grande público,

chamando-os igualmente de “Polos Multiculturais”. E assim, distribui suas atividades

nesses polos, o que se faz de modo semelhante entre ambas as secretarias,

algumas vezes, em trabalho consorciado (MARINHO, 2016, informação verbal33).

A essa concepção de centro, que tem por base a capacidade técnica, a

Secretaria de Turismo de Natal acrescenta um critério: a valorização de espaços

relacionados a cenários culturais e polos turísticos. Dessa forma, em torno dos

mesmos “Polos Multiculturais” elencados para Secretaria de Cultura e Arte, e dos

cenários culturais e turísticos de Natal, a Secretaria de Turismo de Natal desenvolve

suas atividades entre dezembro e janeiro de cada ano, tendo como objetivo o

incremento ao turismo, lazer, esporte e entretenimento na cidade (MARINHO, 2016,

informação verbal). Além dos eventos promovidos pela Secretaria de Cultura e Arte,

em prol dos quais a Secretaria de Turismo também trabalha, destaca ainda: o “Natal

em Natal”, que ocorre no Largo da Arena das Dunas; feiras nacionais, regionais e

internacionais, como a Feira Internacional do Artesanato (FIART), que acontece no

Centro de Convenções, na Via Costeira; o Festival Gastronômico, que ocorre no

Largo da Arena das Dunas; e a Festa de Santos Reis, no bairro das Rocas.

33

Entrevista concedida por Daniel Marinho, Diretor de Projetos, da Secretaria de Cultura e Arte de Natal, em 25/02/2016.

235

Em seu Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável

(PDITS), a Secretaria Municipal de Turismo indica os bairros centrais para o turismo

em Natal, por apresentarem maior oferta de produtos e atrativos turísticos, conforme

o Quadro 05, a seguir.

QUADRO 05 – Bairros centrais para o turismo em Natal

REGIÃO ADMINISTRATIVA BAIRROS

Leste Santos Reis, Rocas, Praia do Meio, Areia Preta, Mãe Luiza, Ribeira e Cidade Alta;

Norte Redinha;

Sul Ponta Negra;

Via Costeira/diversos bairros Parque das Dunas.

FONTE: NATAL..., 2013, p. 25; Pesquisa de Campo, 2016

Dentre os bairros indicados no Quadro 05, como detentores de atrativos

turísticos em Natal, alguns deles se confundem com aqueles considerados “Polos

Multiculturais”. Dessa forma, esses dados não apenas reafirmam a prática da

definição das centralidades urbanas voltadas para a cultura e o turismo em Natal,

como também revela que não é apenas a capacidade técnica, no sentido de

comportar grande público, que define esses centros, mas também seus atributos,

sejam eles naturais – as praias e o Parque das Dunas; mas também atributos

culturais – o corredor cultural ou a “ginga com tapioca” da praia da Redinha.

Outras áreas centrais da atividade turística em Natal são concebidas e

praticadas sob a forma de “Corredores do Turismo”, os quais estão elencados no

Quadro 06, a seguir, bem como indicados os seus respectivos atributos turísticos.

236

QUADRO 06 – Corredores do turismo em Natal

CORREDORES ATRIBUTOS TURÍSTICOS

CORREDOR 1: Avenida Prudente de Morais Avenida Omar O’Grady Avenida Nilo Peçanha Avenida Presidente Getúlio Vargas

Acesso à “área central da cidade”, às praia urbanas, ao estuário do Rio Potengi e ao Corredor Cultural; pontos de interesse turístico, como: o Estádio Arena das Dunas, o Parque das Dunas e os principais shopping centers de Natal.

CORREDOR 2: BR-101 Avenida Senador Salgado Filho Avenida Hermes da Fonseca Rua Coronel Joaquim Manoel

Shopping centers, supermercados, escolas e

universidades, igrejas, centros de negócios, hospitais e postos de combustível; possibilita o acesso à “área central” da cidade, ao hoteleiro e a pontos de interesse turístico, como o Estádio Arena das Dunas e o Parque das Dunas.

CORREDOR 3: RN-063 (Rota do Sol Sul) Avenida Engenheiro Roberto Freire

Acesso a áreas de grande potencial turístico, como as praias de Cotovelo, Pirangi, Búzios, Tabatinga e Barreta; acesso a Ponta Negra, Capim Macio e à Avenida Senador Salgado Filho.

CORREDOR 4: Avenida Dinarte Mariz (Via Costeira) Avenida Café Filho Ponte Newton Navarro

Principal percurso utilizado pela demanda turística originada da rede hoteleira de Ponta Negra em direção aos pontos turísticos da R.A. Leste e Norte da cidade; liga Ponta Negra à Ponte Newton Navarro; concentra a rede hoteleira da cidade.

CORREDOR 5: BR-226 Avenida Presidente Ranieri Mazzili Travessa Doutor Napoleão Laureano Avenida Felizardo Moura Ponte de Igapó Avenida João Medeiros Filho

Ligas as R.A. Oeste e Norte; acesso ao Aeroporto de São Gonçalo do Amarante.

FONTE: NATAL..., 2013, p. 25; Pesquisa de Campo, 2016

Dentre os “corredores do turismo” em Natal, os quatro primeiros – do 1 ao 4

– estão localizados entre as R.A. Sul e Leste, o que revela que é no sentido dessas

duas regiões administrativas que se processam as atividades turísticas na cidade,

sendo em torno das referidas regiões que se conformam as centralidades de

natureza turística.

Até mesmo ao analisarmos os “atributos turísticos” indicados para cada um

dos referidos corredores, vemos que quanto ao corredor 5, este não se apresenta

senão como via de acesso; diferente dos demais corredores, que apresentam pontos

de visitação turística, porque neles há atrativos naturais ou culturais, bem como a

promoção de eventos.

É importante ainda destacarmos que o “Corredor 4” é considerado o

corredor turístico da cidade por excelência, haja vista corresponder à Via Costeira,

237

que se configurou em importante projeto de implantação e desenvolvimento do

turismo em Natal e no RN (NATAL..., 2013).

Ao compararmos as concepções de centro – ou centros – na Cidade do

Natal por parte da Secretaria de Cultura e Arte e da Secretaria de Turismo, estas

apontam para “Polos Multiculturais”, revelando, mais uma vez, a diversidade

segundo a qual a centralidade se expressa na cidade, a exemplo da centralidade

que também se conforma a partir das atividades de natureza econômica. Ademais,

os eventos promovidos por ambas as secretarias “fomenta uma cadeia produtiva em

torno dos eventos, da qual o poder público municipal tem ainda que zelar; por

exemplo, os ambulantes”, como defende Teixeira (2016, informação verbal).

Aceitando a concepção de centralidade urbana como a capacidade de

alguns lugares em atrair fluxos, e fluxos de pessoas (SPOSITO, 2010), buscamos

diálogo também junto à Secretaria de Mobilidade Urbana de Natal (SEMOB), com o

objetivo de identificarmos a áreas de maior concentração de fluxos na cidade. Nessa

secretaria, dois departamentos foram consultados: o que trabalha com estudos e

projetos, cuja preocupação se volta para o volume de pessoas transportadas na

cidade, no caso de transportes coletivos; e o que se volta para a engenharia de

trânsito, mais afeito ao volume de veículos em circulação na cidade, preocupado

então com a fluidez e a mobilidade urbana.

Para a SEMOB, a concepção de centro é expressa pelos “polos geradores

de trânsito”, que são: a “Zona Norte”, o Alecrim, a Cidade Alta, o “corredor dos

shopping centers” e a Via Costeira. Esses polos são concebidos a partir do

levantamento da média mensal de passageiros transportados na rede de ônibus em

Natal, principalmente. Dessa forma, é para esses “polos geradores de trânsito” que

se volta a gestão da municipalidade em relação à mobilidade urbana, porque, para

atender à demanda desses polos, precisa de haver fluidez no trânsito e nos

transportes (MAIA; OLIVEIRA, 2016, informação verbal34).

Dessa concepção de centro como “pólo gerador de trânsito”, porque atrai

pessoas, é que resulta o que o Departamento de Engenharia de Trânsito da SEMOB

chama de “Quadrilátero Central de Natal”, definindo-o como o perímetro no qual se

34

Entrevista concedida pela Chefe do Departamento de Estudos e Projetos da SEMOB, Nadja Maia, em 22 de fevereiro de 2016; e pelo Agente de Trânsito, do mesmo departamento, João Paulo de Oliveira, em Natal, em 15 de abril de 2016.

238

concentram os fluxos de trânsito na cidade (SPINOLA, 2016, informação verbal35),

conforme o Mapa 08.

Conforme o Mapa 07

35

Entrevista concedida por Marconi Spinola, Diretor do Departamento de Engenharia de Trânsito da SEMOB, em 27 de janeiro de 2016.

239

MAPA 08 – Quadrilátero Central de Natal

FONTE: Mapa base: NATAL..., 2016a; Informações: SPINOLA, 2016;

Elaboração: Francisco Júnior/CREA 210044763-7

240

O perímetro estabelecido pela SEMOB como “quadrilátero central de Natal”

abrange parte das R.A. Leste e Sul, regiões detentoras da maior concentração de

empresa de comércio e de serviços, conforme expusemos na subseção anterior. Ao

se apresentar sob a forma de um continuum entre as duas regiões mais dinâmicas

da economia terciária da cidade, reafirma o Núcleo do Centro Histórico de Natal

como lugar central clássico na cidade, reafirmando também que fora no sentido sul

de Natal que as atividades terciárias se expandiram, formando assim novas

centralidades.

Na verdade, o referido “quadrilátero” sintetiza e dialoga, de forma gráfica,

com as mais diversas expressões de centralidade urbana em Natal, e seus

respectivos centros, porque, para ele e por ele, converge a maioria dos fluxos que

dinamizam a vida urbana em Natal, não só internamente ao perímetro desse

“quadrilátero”, mas também no seu entorno.

Tendo apresentado os resultados dos “meandros” trilhados com vistas à

apreensão da natureza da centralidade urbana em Natal, os quais contemplaram,

até o momento, conteúdos que expressam centralidades de natureza histórica,

cultural e econômica, entendemos que ainda falta serem contempladas as

expressões de centralidade urbana de natureza simbólica e ideológica. Para este

fim, lançaremos mão do conhecimento obtido em decorrência da vivência pessoal

com o espaço urbano de Natal, além de alguns resultados obtidos por ocasião da

pesquisa de campo.

A respeito da centralidade urbana de natureza simbólica, ao apreendermos

seus conteúdos voltados às expressões da fé ou da religiosidade, podemos dizer

que o bairro Cidade Alta é o que apresenta maior expressividade dessa natureza de

centralidade. Nesse bairro, estão presentes: a primeira Igreja Protestante no RN,

que data de 1896, figurando como importante marco de mudança do eixo

arquitetônico dos templos de Natal, que até então tinha sua expressão limitada ao

domínio do catolicisimo; o Museu de Arte Sacra, instalado no Convento Santo

Antônio”/Igreja Santo Antônio/Igreja do Galo”; a Praça Padre João Maria, com forte

apelo à religiosidade popular; o Palácio Episcopal, enquanto sede do governo da

Arquidiocese de Natal, juntamente com Cúria, na Catedral Metropolitana de Natal,

instalado desde 1929, sob o governo de Dom Marcolino Dantas, até a atualidade,

com Dom Jaime Vieira Rocha (PESQUISA DE CAMPO, 2016). Essas formas

elencadas, por si só, não definem uma expressão de centralidade urbana de

241

natureza simbólica, antes, o seu conteúdo, o qual atrai público, tanto pela visitação

turística quanto pelas diversas manifestações do sagrado que ocorrem em certos

períodos do ano.

Já quanto à centralidade de natureza ideológica, identificamos como

expressão clássica dessa natureza de centralidade a Praça 7 de Setembro,

localizada no bairro Cidade Alta, a qual se configura como centro ideológico para

onde convergem os fluxos políticos e ideológicos, tendo lugar, na referida praça,

greves, acampamentos e manifestações da sociedade civil.

Mas, a exemplo das centralidades de natureza econômica, um novo “centro

ideológico” vem se conformando na Cidade do Natal. É o caso do continuum que

conforma, em dados momentos, abrangendo parte da Avenida Hermes da Fonseca,

tendo como ponto de concentração o Shopping Center Midway Mall, e parte da

Avenida Senador Salgado Filho, tendo como ponto de concentração o Shopping Via

Direta. Neste centro, ganham lugar as mais expressivas manifestações políticas da

sociedade civil natalense, abrangendo lutas com pautas diversificadas, como: contra

aumento de passagens de transportes coletivos; greves de trabalhadores e

estudantes; manifestações de abrangência estadual e nacional; e ainda,

manifestações pontuais, de expressões ideológicas em torno de temáticas como

violência, segurança, questões de gênero, entre outras.

Esse mais novo centro atesta que tal qual a centralidade urbana de natureza

econômica, também a centralidade de natureza ideológica dirigiu o vetor da sua

expansão – ou dispersão – no sentido sul de Natal. Isto porque o econômico é

composto, além de empresas, de pessoas, tanto as que operam estas empresas

quanto as que consomem os produtos ofertados nestas empresas. E essas pessoas

estão imbuídas de ideias políticas, querendo também expressar-se e apropriar-se do

espaço coletivamente construído. Mas também porque se trata de um espaço que

garante visibilidade ao movimento, bem como favorece a participação da sociedade,

uma vez que se localiza entre importantes corredores de tráfego da cidade,

facilitando também o acesso a um maior número de pessoas.

Entendemos que uma busca razoável para a apreensão da centralidade

urbana de faz sob a forma de “meandros”, a propósito do título desta subseção, face

à diversidade da natureza dessa centralidade, a qual traz em si conteúdos de

natureza histórica, cultural, simbólica, ideológica e econômica. E dentre esses

conteúdos que constituem e expressam a natureza da centralidade urbana, o

242

econômico é proeminente no meio urbano pelo fato de ser o comércio a razão de

ser, a essência da cidade.

Desse modo, ao analisarmos a dinâmica econômica que fomenta a

centralidade urbana, identificamos que junto a essa centralidade de natureza

econômica, as centralidades de demais natureza articulam-se a essa que é

proeminente, a centralidade de natureza econômica. Ou, visto de outro ângulo,

quando analisamos as centralidades de natureza diferente da econômica, esta lá se

faz presente, porque é quem dá vida, dá movimento ao urbano.

Por fim, entre meandros e entrecruzamentos de centralidades urbanas de

natureza diversa, é que propomos a sua apreensão, evitando assim análises

estanques em cada uma, buscando, antes, abarcar a sua dinâmica e totalidade.

243

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao propormos como tese que a natureza da centralidade urbana é diversa,

por estar inserida no contexto da produção do espaço urbano, o qual é constituído

de conteúdos, processos e formas igualmente diversos, e termos empreendido

diálogo com o pensamento de Sposito (2010), ratificamos a tese proposta,

apontando ser a centralidade urbana não apenas de natureza diversa, mas também

multicêntrica. Isto porque, ao enveredarmos pela investigação sobre a gênese e a

evolução da centralidade urbana em Natal, constatamos que a multicentralidade

pôde ser identificada desde a gênese do Núcleo do Centro Histórico, tanto pela

presença de múltiplos centros: a Cidade Alta, a Ribeira e o Alecrim, quanto porque

estes se desenvolveram, enquanto centralidades urbanas com relações de

complementaridade.

A ampliação da concepção de Centro Histórico de Natal, buscando

compreendê-lo como Núcleo do Centro Histórico de Natal se fez necessária porque

a referida cidade, desde a gênese do seu centro urbano, apresentou uma tendência

à formação de centralidades urbanas complementares, ao que podemos denominar

multicentrismo, configurando assim uma expressão territorial múltipla de

centralidade. E foi, efetivamente, em torno dos três bairros constituintes do Núcleo

do Centro Histórico de Natal – Ribeira, Cidade Alta e Alecrim – que teve início o

processo de formação da centralidade urbana em Natal.

A multicentralidade expressa pela centralidade urbana decorre da sua

natureza diversa porque a mesma, uma vez fomentada por seus conteúdos diversos,

quais sejam: o histórico, o econômico, o cultural, o simbólico e o ideológico, gera

uma gama de centralidades urbanas, que se entrecruzam no espaço urbano, ora

tendo uma, ora tendo outra como proeminente na conformação de um centro ao qual

as pessoas são atraídas pela sua condição de centralidade.

Assim, a natureza da centralidade urbana é diversa, porque decorrente dos

seus conteúdos, processos e formas, os quais também os são no meio urbano. E

para atrair-irradiar fluxos, há que ter como componentes: conteúdos, representados

pelos bens a serem trocados; processos, que dinamizam o centro, expressos pelas

relações, encontros e práticas espaciais; e formas, que comportam os referidos

encontros, ou seja, a forma física, a expressão visível da centralidade urbana, o

centro por excelência.

244

Decorrente do conteúdo que constitui a natureza de cada centralidade, e por

ser o conteúdo a razão precípua da atração de fluxos, é que a mesma se expressa

sob a forma do que denominamos dimensões, as quais podem ser indicadas como:

dimensão histórica, dimensão econômica, dimensão cultural, dimensão simbólica e

dimensão ideológica. Eis por que ratificamos que a natureza da centralidade urbana

é diversa, porque diversos são seus conteúdos, os quais geram centralidades que

se conformam segundo diversas dimensões, havendo, em alguns momentos, até

mesmo um entrecruzamento entre diversas dimensões de centralidade urbana,

numa dada área da cidade.

Dessa forma, a centralidade urbana originada a partir do Núcleo do Centro

Histórico de Natal, tendo por base a economia terciária da referida cidade, realizou

sua dispersão, no decorrer do tempo, para outras áreas da cidade, principalmente

no sentido da R.A. Sul, com a expansão de empresas do varejo moderno, a partir da

década de 1980. Esse processo de dispersão resultou na formação de novas

centralidades, as quais, complementares entre si, configuram-se como

multicentralidades.

Apreendemos a formação de novas centralidades urbanas em Natal como

dispersão em função dos eventos que concorreram para esse fim, que são os

seguintes: uma intensa dinamização das atividades terciárias, a partir da década de

1980, com a implantação de novas estruturas de comércio e de serviços ao longo

dos Eixos Dinamizadores do Terciário (EDT); a implantação dos shopping centers na

área denominada “corredor dos shoppings centers”; as atividades consorciadas ao

turismo, quais sejam: hospedagem, gastronomia e lazer; a presença dos serviços de

saúde nos bairros Tirol/Petrópolis, os quais se dispersaram as R. A. Norte e Sul da

cidade; e por fim, a consolidação a inserção da R. A. Norte à dinâmica urbana de

Natal, pela expansão e consolidação do varejo moderno na referida região.

Cabe ressaltar outros eventos significativos, ainda a partir da mesma

década. Um desses eventos é o incremento das atividades de hospedagem, lazer e

gastronomia, voltadas ao turismo, com o Projeto Via Costeira, cuja repercussão se

fez ver nas R.A. Leste e Sul. E ainda na década de 1980, também na R.A. Leste,

com empresas especializadas no segmento de serviços privados de saúde, e uma

gama de outras empresas a este segmento consorciadas. Nos últimos anos, os

serviços privados de saúde também passaram a abranger a R.A. Sul. Já no sentido

245

da R.A. Norte, o processo de dispersão da centralidade urbana de Natal se fez notar

a partir da segunda metade dos anos 1990, apresentando-se de forma consolidada

na atualidade, por figurar a referida região administrativa enquanto mais um centro

comercial e de serviços no contexto urbano de Natal.

Decorrente desse processo ao qual denominamos dispersão da centralidade

urbana em Natal é que verificamos, no processo investigativo do presente trabalho,

a formação de novas centralidades, que se conformam ao longo dos Eixos

Dinamizadores do Terciário (EDT), bem como sob a forma de área, em bairros

consorciados, como Tirol/Petrópolis.

O uso da expressão Eixos Dinamizadores do Terciário (EDTs) se refere aos

principais corredores viários da Cidade do Natal pelos quais circulam os fluxos de

pessoas, mercadorias, capitais, ideias e informações, os quais dinamizam a vida na

cidade, e geram novas centralidades urbanas. São esses EDTs que dinamizam

outros eixos de menor densidade de fluxos, assim como centralidades urbanas em

forma de área, como os bairros mais expressivos de centralidade. Assim, falar da

centralidade urbana de certas áreas de Natal remete a falar do seu respectivo EDT,

por ser uma cidade eminentemente terciária, e pelo fato dessas áreas serem

dinamizadas pelos fluxos que para elas convergem e delas divergem por meio

desses EDTs.

Os referidos EDTs por nós constatados em Natal se conformam ao longo

das seguintes avenidas: Coronel Estevam, Rio Branco, Duque de Caxias, João

Medeiros Filho, Hermes da Fonseca/Salgado Filho/Roberto Freire e Prudente de

Morais. Apontar estes EDTs consistiu num esforço de indicar mais adequadamente

nossa apreensão-exposição da natureza centralidade urbana em Natal, porque ao

considerarmos uma área ou bairro como centro, vemos que sua centralidade se

expressa, efetiva e explicitamente, ao longo do seu principal corredor de tráfego,

configurando-se como novas centralidades.

Mas, apesar da formação dessas novas centralidades, constatamos que o

Núcleo do Centro Histórico de Natal perdura, em função dos seus atributos, os quais

ainda fazem de dois dos seus bairros formadores – Cidade Alta e Alecrim – centros

comerciais e de serviços de significativa expressão no contexto urbano de Natal.

Essa realidade reforça a afirmação de que a formação de novas centralidades

urbanas resulta das estratégias de reprodução do capital no espaço urbano, que se

faz pela incorporação de novas áreas.

246

A tendência ao multicentrismo é bem peculiar no espaço urbano de Natal,

desde a sua gênese, apesar de ter-se intensificado nas últimas décadas, quando

não mais podemos apreender apenas um centro, mas centralidades de natureza

diversa, com suas dinâmicas próprias, formadas por seus conteúdos, processos e

formas igualmente diversos, como é próprio do contexto urbano capitalista

contemporâneo.

O curso do processo de dispersão da centralidade urbana, pela própria

condição do espaço urbano capitalista, desenvolve-se sempre à jusante do curso do

processo de acumulação capitalista, sendo a razão da sua existência. Desse modo,

a dispersão e a formação de novas centralidades são identificadas como dois

processos perenes, posto que se inserem e são condição ao processo de

reprodução do capital. Isto porque a produção do espaço urbano se faz no sentido

de abranger todas áreas do território da cidade, buscando então se reproduzir, razão

pela qual novas centralidades são continuamente criadas.

Ao desenvolvermos esse trabalho, “A Natureza da centralidade urbana em

Natal”, deparamo-nos com algumas vozes significativas que versaram sobre a

temática. Tais discussões apontavam sempre para a urgente revisão da Teoria das

Localidades Centrais, de Christaller, em 1933. Empreender esse desafio, consistiu,

ao nosso ver, em ir além do econômico, e apresentar uma leitura de centralidade

urbana diversa, para além de dados de comércio e de serviços, apreendendo o

espaço urbano segundo as suas diversas práticas espaciais. E assim, nossas

discussões se encaminharam em torno da tese da diversidade da natureza da

centralidade, porque resultante da dinâmica do espaço urbano, segundo lapsos de

tempo diferentes, resultando em práticas espaciais e seus respectivos sujeitos

igualmente diversos.

Reafirmamos que a centralidade urbana contemporânea é diversa em sua

essência, uma vez que está inserida num contexto urbano igualmente diverso, em

contínuo processo de conformação, razão pela qual entendemos que demanda

sempre novas leituras, ante a sua renovação constante, expressa pelas novas

centralidades, à baila do processo de produção-reprodução do espaço urbano.

E nesse processo, identificamos um entrecruzamento dos conteúdos

produzidos e apropriados no meio urbano, os quais são a razão da gênese das

centralidades urbanas, as quais se conformam e se expressam em diversas formas,

fomentando contínuos processos de produção do espaço. É então entre meandros e

247

entrecruzamentos de centralidades urbanas diversas, que indicamos como forma

adequada de proceder à sua apreensão, evitando análises estanques, antes,

abrangendo uma análise em sua dinâmica e totalidade.

Pudemos constatar a expressão clara desse entrecruzamento de

centralidades urbanas, em Natal, no perímetro ao qual a SEMOB denomina de

“quadrilátero central de Natal”, que abrange partes das R.A. Leste e Sul, as quais

apresentam a maior concentração de empresas de comércio e de serviços,

conformando-se como um continuum entre as duas regiões mais dinâmicas da

economia terciária da cidade, posto que a dimensão econômica da centralidade é

sempre proeminente. Essa porção do território natalense é assim denominado

porque, pelo referido “quadrilátero” – para ele e por ele – convergem os fluxos que

dinamizam a vida urbana de Natal em quase sua totalidade. O “quadrilátero central

de Natal” se traduz então na expressão gráfica visível da centralidade urbana

contemporânea desta cidade.

248

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Vlademir. Inaugurado com festa em janeiro, Mercado das Rocas continua sem funcionar. AgoraRN, Natal, 19 jul. 2016. Disponível em: <

http://agorarn.com.br/cidades/inaugurado-com-festa-em-janeiro-mercado-das-rocas-continua-sem-funcionar/>. Acesso em: 15 dez. 2016. ALVES, Glória da Anunciação. As Centralidades da cidade de São Paulo: o papel do centro tradicional. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA URBANA, 9. 2005, Manaus. Anais... Manaus: UFAM, 2005.

ANDRADE, Manuel Correia de. Poder político e produção do espaço. Recife:

Massangana, 1984. ARAÚJO, Josélia Carvalho de. O Lugar e o não-lugar da globalização: as nuances da cidade na economia flexível. Sociedade e Território. Natal, v. 16, n.1/2, p. 47-58,

jan./dez., 2004a. ______. Outra leitura do “Outro Lado”: o espaço da Zona Norte em questão. (Dissertação de Mestrado) Mestrado em Geografia. Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2004b. 267 f. AZEVEDO, Francisco Fransualdo de; QUEIROZ, Thiago Augusto Nogueira. As feiras livres e suas (contra)racionalidades: periodização e tendências a partir de Natal-RN-Brasil. Biblio 3W. Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias Sociales. [En línea]. Barcelona: Universidad de Barcelona, 15 de enero de 2013, Vol. XVIII, nº 1009. <http://www.ub.es/geocrit/b3w-1009.htm>. Acesso em: 23 dez. 2016. Não paginado. BARRETO, Emanoel; LIMA, Auricéia Antunes de. Memória do comércio do Rio Grande do Norte. Natal: RN Econômico, 2007. BEZERRA, Josué Alencar. A reafirmação do bairro: um estudo geo-histórico do bairro do Alecrim. (Dissertação de Mestrado) Mestrado em Geografia. Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005. 182f. BRASIL. Educação. Acordo ortográfico só entrará em vigor em 2016. 2014a.

Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2014/12/acordo-ortografico-so-entrara-em-vigor-em-2016>. Acesso em: 24 out. 2015. ______. Portal Brasil. Centro histórico de Natal (RN) é tombado pelo Iphan. 2014b. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cultura/2014/07/centro-historico-de-natal-rn-e-tombado-pelo-iphan>. Acesso em: 15 out. 2016.

______. Portal do Empreendedor – MEI. Disponível em: < http://www.portaldoempreendedor.gov.br/mei-microempreendedor-individual>. Acesso em: dez. 2016.

249

CARLOS, Ana Fani Alessandri. A cidade e a organização do espaço. Revista do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP. São Paulo, n. 1, 1982.

______. A (re)produção do espaço urbano. São Paulo: Edusp, 1994.

CASCUDO, Luís da Câmara. 3. ed. História da Cidade do Natal. Natal/RN: RN

Econômico, 1999. CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CAVALCANTI NETO, Manoel de Oliveira. A Rua Nova (Avenida Rio Branco). Natal de Ontem, Natal, 19 maio 2010. Disponível em:

<http://nataldeontem.blogspot.com.br/2010/05/rua-nova-avenida-rio-branco.html>. Acesso em: 25 nov. 2014.

CHRISTALLER, Walter. Os lugares centrais na Alemanha do Sul. Tradução de

Mário Antonio Eufrasio. São Paulo: [s.n.], 1981. ______. Los Lugares centrales del sur de Alemania: introducion. In: MENDOZA, J. G.; JIMENEZ, J. M.; CANTERO, N. O. (Org.). El pensamiento geográfico: estúdio

interpretativo e antologia de textos (de Humboldt a las tendências radicales). Madrid: Alianza Editorial, 1982. CLARK, David. Introdução à geografia urbana. 2. ed. Tradução de Lúcia Helena

de Oliveira Gerardi e Silvana Maria Pintaudi. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. CODERN. Companhia Docas do Rio Grande do Norte. História. Disponível em: < http://codern.com.br/institucional/historia-2/>. Acesso em: 10 nov. 2015. CORDEIRO, Helena Kohn. O centro da metrópole paulistana: expansão recente.

1978. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1978. CORRÊA, Roberto Lobato. Repensando a Teoria das Localidades Centrais. In: MOREIRA, Ruy (Org.). Geografia: teoria e crítica: o saber posto em questão. Petrópolis/RJ: Vozes, 1982. ______. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989.

______. Trajetórias geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

______. Área central – mudanças e permanências: uma introdução. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA URBANA, 9. 2005, Manaus. Anais... Manaus: UFAM, 2005. ______. Processo, forma e significado uma breve consideração. 2009.

Disponível em: < http://www.ihgrgs.org.br/artigos/contibuicoes/Roberto%20Lobato%20Corr%C3%AAa%20-%20Processo,%20Forma%20e%20Significado.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2016.

250

COSTA, Ademir Araújo da. A Verticalização e as transformações do espaço urbano de Natal-RN. (Tese de Doutorado). UFRJ. Instituto de Geociências.

Programa de Pós-Graduação em Geografia. Rio de Janeiro, 2000. 352f. COSTA, Andréa Virgínia Freire. Centro histórico de Natal. Entrevistadora: Josélia Carvalho de Araújo, 2016. (Anotações de campo). CUNHA, Gersonte Sotero da. Natal: o processo de expansão territorial urbana.

(Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual Paulista. Rio Claro. São Paulo 1987. 196f. DOUGLAS, Ney. Inaugurado há 40 dias, Mercado das Rocas permanece de portas fechadas. AgoraRN, Natal, 15 fev. 2016. Disponível em: < http://agorarn.com.br/videos/video-inaugurado-ha-40-dias-mercado-das-rocas-permanece-de-portas-fechadas/#>. Acesso em: 22 jun. 2016. FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 14. ed. São Paulo: Edusp, 2012. FERNANDES, José Alberto Rio. Cidades, centralidades e centros. Disciplina ministrada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal: [s.n.], 2014. FUNDAÇÃO José Augusto. Personalidade histórica. Disponível em: <http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC000000000113071.PDF>. Acesso: em 18 nov. 2016. FURTADO, Edna Maria. A espacialidade do turismo na cidade de natal-rn. Vivência, n. 34, 2008, p. 143-152. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/vivencia/sumarios/34/PDF%20para%20INTERNET_34/10_Edna%20Maria%20Furtado.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016. GOMES, Rita de Cássia da Conceição; SILVA, Anieres Barbosa da; SILVA, Valdenildo Pedro da. Dinâmica e espacialidade do setor terciário na Cidade do Natal (RN). Sociedade e Território. Natal, v.14, n.1, 2000.

______. O Setor terciário em Natal. In: VALENÇA, Márcio Moraes; GOMES, Rita de Cássia da Conceição. Globalização & desigualdade. Natal, A.S. Editores, 2002. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 (1 CD-rom). INSTITUCIONAL. Nosso negócio é o Alecrim. Disponível em: <

http://www.comprenoalecrim.com.br/institucional.html>. Acesso em: 20 dez. 2016. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Mapas base, 2010. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN). Processo de Tombamento do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico de

251

Natal/RN. IPHAN, 2010. JAULENT, Esteve. O conceito de natureza em Lúlio e sua aplicação ser humano. Disponível em: <http://www.ramonllull.net/sw_studies/studies_ original/bbaa.html>. Acesso em: 25 nov. 2014. KLEIBER, Luciano. O centro comercial do Alecrim. Entrevistadora: Josélia

Carvalho de Araújo, 2016. (Anotações de campo). LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Tradução do grupo “As (im) possibilidades do urbano na metrópole contemporânea, do Núcleo de Geografia Urbana da UFMG (do original: La production de l’ espace. 4. ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: fev/2006. LIMA, Pedro de. Saneamento e modernização em Natal: Januário Cicco 1920.

Natal: Sebo Vermelho, 2003. MAIA, Nadja. Fluxos de trânsito e transportes em Natal. Entrevistadora: Josélia Carvalho de Araújo, 2016. (Anotações de campo). MARINHO, Daniel. Centros turísticos em Natal. Entrevistadora: Josélia Carvalho

de Araújo, 2016. (Anotações de campo). MARTINS, José de Souza. As temporalidades da história na dialética de Lefebvre. In: MARTINS, José de Souza (Org.). Henri Lefebvre e o retorno à dialética. São Paulo: Hucitec, 1996. MAZDA, Aura. #partiu: um mundo chamado Alecrim. Tribuna do Norte Natal, 13 dez. 2015. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/partiu-um-mundo-no-alecrim/332818>. Acesso em: 10 dez. 2016. ______. Cidade Alta em baixa. Tribuna do Norte, Natal, 19 jun. 2016. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/cidade-alta-em-baixa/349629>. Acesso em: 22 jun. 2016. MOREIRA, Ruy (Org.). Geografia: teoria e crítica: o saber posto em questão. Petrópolis/RJ: Vozes, 1982. MUSEU DO CARTÃO DE CRÉDITO. Disponível em: <http://www.museudocartao.com.br/linha_interna.php?id=78>. Acesso em: 5 dez 2016. NASCIMENTO, Gerson Gomes do. Shopping-centers: elementos de (re)produção

urbana na zona sul de Natal-RN. 2003. 174 f. Dissertação. (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2003. NASCIMENTO, Magnus. 100 anos do bairro Alecrim. 2011. Disponível em: <https://magnusnascimento.wordpress.com/2011/10/25/100-anos-do-bairro-do-alecrim/>. Acesso em: dez. 2016.

252

NATAL. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Natal ontem e hoje. Natal: DIPE/SEMURB, 2006.

______. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Natal: história, cultura e turismo. Natal: DIPE/SEMURB, 2008a. ______. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Mapas temáticos. Natal: DIPE/SEMURB, 2008b.

______. Prefeitura Municipal do Natal. Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo. Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2009. Disponível em: < https://natal.rn.gov.br/semurb/paginas/File/Publicacoes/Recentes/NATAL_EM_DETALHES-LIVRO_COMPLETO.pdf.>. Acesso em: 20 dez. 2016. ______. Secretaria Municipal de Turismo e Desenvolvimento Econômico. Plano de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDITS). 1 cd-room. jul.

2013. ______. Prefeitura Municipal do Natal. Galeria de ex-prefeitos de Natal. Disponível em: <http://www.natal.rn.gov.br/gapre/paginas/ctd-395.html>. Acesso em: 18 nov. 2015. ______. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo. Mapas-base de Natal. Natal: DGSIG/SEMURB, 2016b. 1 pendrive. ago.

2016a. ______. Prefeitura Municipal do Natal. Secretaria Municipal de Serviços Urbanos. Feiras livres. Programação das Feiras Livres em Natal. Disponível em: <http://natal.rn.gov.br/semsur/paginas/ctd-40.html>. Acesso em: 20 dez 2016b. _____. Prefeitura Municipal do Natal. Secretaria Municipal de Tributação (SEMUT). Quantitativo de empresas por bairros em Natal. 2016. Ofício nº 682/2016-

GS/SEMUT. Natal, 2016c. NUNES, Danielle Salviano S. N. et al. Anuário Natal 2015. Natal: SEMURB, 2015. OLIVEIRA, João Paulo de. Fluxos de trânsito e transportes em Natal. Entrevistadora: Josélia Carvalho de Araújo, 2016. (Anotações de campo). PAIVA, Lara. O que é Grande Ponto? Brechando, Natal, 24 nov. 2015. Disponível

em: <http://www.brechando.com/2015/11/o-que-e-o-grande-ponto/>. Acesso em: 22 jun. 2016. PAULA, Joseara Lima de. A dinâmica territorial do comércio varejista moderno na Zona Norte de Natal/RN. 2010.196 f. Dissertação. (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010. PEREIRA, Cledivânia. Praças e caminhos de histórias perdidas. Tribuna do Norte,

253

Natal, 30 ago. 2015. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/praa-as-e-caminhos-de-hista-rias-perdidas/323122>. Acesso em: 19 jan. 2017. PIERRI; Maria Clara Queiroz Mauricio; VALENTE, Ana Lucia E. F. A feira livre como canal de comercialização de produtos da agricultura familiar. Disponível

em: <http://www.sober.org.br/palestra/15/234.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2016. PINTAUDI, Silvana Maria. PINTAUDI, SILVANA MARIA. Os mercados públicos: metamorfoses de um espaço na história urbana. CIDADES, v. 3, n. 5, 2006, p. 81-

100. Disponível em: < http://revista.fct.unesp.br/index.php/revistacidades/article/view/505/537>. Acesso em: 15 dez 2016. ______. Anotações sobre o espaço do comércio e do consumo. In: CARRERAS, Carles; PACHECO, Susana Maria Miranda. Cidade e comércio: a rua comercial na

perspectiva internacional. Rio de Janeiro: Armazém das Letras, 2009. ______. O comércio e a cidade. Disciplina ministrada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal: [s.n.], 2015. QUEIROZ, Bernardo Lanza; BRAGA, Tania Moreira. Hierarquia urbana em um contexto de desconcentração econômica e fragmentação do território:

questionamentos a partir do caso da rede de cidades mineiras. 1999. Disponível em: <http://www.demog.berkeley.edu/~lanza/docs/anpur1999.htm>. Acesso em: 6 mar. 2011. RÉGIS, Alex. Após 7 anos fechado, Mercado das Rocas é entregue em Natal. G1, Natal, 5 jan. 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2016/01/apos-7-anos-fechado-mercado-das-rocas-e-entregue-em-natal.html>. Acesso em: 22 jun. 2016. REIS, Luis Carlos Tosta dos. O Desdobramento do núcleo central de negócios e a crise de significado da área central. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE GEOGRAFIA URBANA, 9. 2005, Manaus. Anais... Manaus: UFAM, 2005.

______. Descentralização e desdobramento do núcleo central de negócios na cidade capitalista: estudo comparativo entre Campo Grande e Praia do Canto, na Grande Vitória-ES. (Tese de Doutorado). UFRJ. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Rio de Janeiro, 2007. 287 f. REIS JÚNIOR, Dante Flávio da Costa; CAMARGO José Carlos Godoy. Neopositivismo na geografia brasileira: parafraseando o pensamento de Speridião Faissol (1923-1995). In: GERARDI, Lucia Helena de Oliveira (Org.). Ambientes: estudos de geografia. Rio Claro: Programa de Pós-graduação em Geografia. UNESP/Associação de Geografia Teorética (AGETEO), 2003. RUAS guardam história do comércio. Tribuna do Norte, Natal, 19 jun. 2016. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/ruas-guardam-hista-ria-do-coma-rcio/349630>. Acesso em: 12 set. 2016.

254

SANTOS, Milton. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1988. ______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. ______. Economia espacial: críticas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2003.

______. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São

Paulo: Hucitec, 2006. Disponível em: <http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/1799/A%20natureza%20do%20Espa%C3%A7o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 5 nov. 2016. ______. O espaço dividido: os dois circuitos da economia dos países. Tradução de Myrna T. Rego Viana. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2008. ______. O centro da cidade de Salvador: estudo de geografia urbana. 2. ed. São

Paulo: Edusp, 2012. SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Editora Brasiliense, 1980. SPINOLA, Marconi. Fluxos de trânsito e transportes em Natal. Entrevistadora:

Josélia Carvalho de Araújo, 2016. (Anotações de campo). SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O centro e as formas de expressão da centralidade urbana. In: Revista Geográfica. São Paulo, vol. 10. p. 1 -18. 1991.

______. Novas formas comerciais e redefinição da centralidade intra-urbana. In: SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org.). Textos e contextos para uma leitura geográfica de uma cidade média. Presidente Prudente: Pós-graduação em

Geografia da FCT/UNESP, 2001. ______. Multi(poli)centralidade urbana. In: SPOSITO, Eliseu Savério; SANT'ANNA NETO, João Lima. Uma geografia do movimento. São Paulo: Expressão Popular,

2010. ______. Seminário ministrado junto à disciplina Colóquios Temáticos. Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal: [s.n.], 2013. TAVARES, Edseisy Silva Barbalho. O uso do território pelos serviços privados de saúde em Natal/RN. 2010. 182 f. Dissertação. (Mestrado em Geografia) –

Programa de Pós-Graduação em Geografia. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2010. TEIXEIRA, Lenilton. Centro cultural em Natal. Entrevistadora: Josélia Carvalho de

Araújo, 2016. (Anotações de campo). TEIXEIRA, Rubenilson Brazão. Da cidade de Deus à cidade dos homens: a

255

secularização do uso, da forma e da função urbana. Natal: Edurf, 2009. VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil imperial. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.