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A Ovelha negra e outras fábulas - Augusto Monterroso / Millôr Fernandes

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Augusto Monterroso nasceu em Honduras, foi criado na Guatemala, mas escolheu o México para viver. Conhecido pela inventividade de seus escritos em forma breve, em "A ovelha negra e outras fábulas" o autor reinventa o consagrado gênero, subvertendo completamente sua forma clássica. Cheias de ironia e de uma simplicidade enganosa, as fábulas de Monterroso transitam pelo universo adulto das relações humanas, da literatura e da política. Os quarenta textos que compõem o livro contam com a tradução de Millôr Fernandes e com projeto gráfico colorido.

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a Ovelha Neg∏a e Out∏as fábulas

augustOmONte∏∏OsOt∏aduçãOmillô∏fe∏NaNdes

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7 agradecimentos 11 O Coelho e o Leão 12 O Macaco que quis ser escritor satírico 15 A Mosca que sonhava ser uma Águia 17 A Fé e as montanhas 19 O véu de Penélope, ou quem engana a quem 21 A Ovelha negra 22 O Sábio que tomou o poder 25 O Espelho que não conseguia dormir 26 A Coruja que queria salvar a humanidade 29 A Tartaruga e Aquiles 30 O Camaleão que afinal não sabia de que cor ficar 33 O apóstata arrependido 35 O Raio que caiu duas vezes no mesmo lugar 36 A Girafa que compreendeu logo que tudo é relativo 39 Os outros seis 41 Monólogo do Mal 43 A Barata sonhadora 45 O salvador ressurgente 46 A Rã que queria ser uma Rã autêntica 48 Pigmalião

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51 Monólogo do Bem 52 O dois rabos, ou o filósofo eclético 55 O Grilo professor 57 Sansão e os filisteus 58 O Porco da criação de Epicuro 61 Cavalo imaginando Deus 63 O Cão que desejava ser um ser humano 65 O Macaco pensa nesse tema 67 O Burro e a Flauta 69 A parte do Leão 71 O Paraíso imperfeito 72 A funda de Davi 75 Gallus aureorum ovorum 77 A boa consciência 79 A Sereia inconformada 81 Os Corvos bem-criados 83 Origem dos anciãos 85 Parênteses 87 O Fabulista e seus críticos 88 A Raposa é mais sábia 93 sobre o autor

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Ag∏AdecimentosEste livro jamais poderia ter sido escrito sem a generosa ajuda e assistência permanente de dom Eugenio Pereda Salazar, entomólogo, dom Alberto Jiménez R., doma-dor, e dom Luis Reta, especialista em hábitos das aves noturnas que aparecem no texto; e muito menos sem o livre acesso que as autoridades do Jardim Zoológico de Chapultepec, da Cidade do México, permitiram ao au-tor, com as devidas precauções em cada caso, a diver-sas jaulas e parques do mesmo, a fim de que pudesse observar in situ determinados aspectos da vida animal que lhe interessavam. A reconhecida modéstia de outras pessoas que o ajudaram com seu inavaliável conselho inclinou-as a pedir que não fossem mencionadas aqui. Sentindo-o, o autor cumpre esse desejo.

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“Os aNimais se pa∏ecem taNtO cOm O hOmem que às vezes é impOssível distiNgui-lOs deste.” K’nyo mobutu

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m célebre Psicanalista encontrou-se certo dia no meio da Selva, semiperdido.Com a força que dão o instinto e o desejo de investiga-

ção, conseguiu facilmente subir numa árvore altíssima da qual pôde observar à vontade não apenas o lento pôr do sol mas também a vida e os costumes de alguns animais, que comparou algumas vezes com os dos humanos.

Ao cair da tarde viu aparecer, por um lado, o Coelho; por outro, o Leão.

A princípio não aconteceu nada digno de mencionar, mas pouco depois ambos os animais sentiram as respec-tivas presenças e, quando toparam um com o outro, cada qual reagiu como desde que o homem é homem.

O Leão estremeceu a Selva com seus rugidos, sacudiu majestosamente a juba como era seu costume e feriu o ar com suas garras enormes; por seu lado, o Coelho res-pirou com mais rapidez, olhou um instante nos olhos do Leão, deu meia-volta e se afastou correndo.

De volta à cidade, o célebre Psicanalista publicou cum laude seu famoso tratado em que demonstra que o Leão é o animal mais infantil e covarde da Selva, e o Coelho, o mais valente e maduro: o Leão ruge e faz gestos e ameaça o universo movido pelo medo; o Coelho percebe isso, conhece sua própria força, e se retira antes de perder a paciência e acabar com aquele ser extravagante e fora de si, a quem ele compreende e que afinal não lhe fez nada.

o coelho e o leão U

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a Selva vivia uma vez um Macaco que quis ser escritor satírico.Estudou muito, mas logo se deu conta de que para

ser escritor satírico lhe faltava conhecer as pessoas e se aplicou em visitar todo mundo e ir a todos os coquetéis e observá-las com o rabo do olho enquanto estavam dis-traídas com o copo na mão.

Como era verdadeiramente muito gracioso e suas pi-ruetas ágeis divertiam os outros animais, era bem rece-bido em toda parte e aperfeiçoou a arte de ser ainda mais bem recebido.

Não havia quem não se encantasse com sua conversa, e quando chegava era recebido com alegria tanto pelas Macacas como pelos esposos das Macacas e pelos outros habitantes da Selva, diante dos quais, por mais contrá-rios que fossem a ele em política internacional, nacional ou municipal, se mostrava invariavelmente compreen-sivo; sempre, claro, com o intuito de investigar a fundo a natureza humana e poder retratá-la em suas sátiras.

O macacO que quis se∏ esc∏itO∏ satí∏icO

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E assim chegou o momento em que entre os animais ele era o mais profundo conhecedor da natureza humana, da qual não lhe escapava nada.

Então, um dia disse “vou escrever contra os ladrões”, e se fixou na Gralha, e começou a escrever com entusiasmo e gozava e ria e se encarapitava de prazer nas árvores pe-las coisas que lhe ocorriam a respeito da Gralha; porém de repente refletiu que entre os animais de sociedade que o recebiam havia muitas Gralhas e especialmente uma, e que iam se ver retratadas na sua sátira, por mais delicada que a escrevesse, e desistiu de fazê-lo.

Depois quis escrever sobre os oportunistas, e pôs o olho na Serpente, a qual por diferentes meios – auxilia-res na verdade de sua arte adulatória – conseguia sem-pre conservar, ou substituir, por melhores, os cargos que ocupava; mas várias Serpentes amigas suas, e especial-mente uma, se sentiriam aludidas, e desistiu de fazê-lo.

Depois resolveu satirizar os trabalhadores compulsi-vos e se deteve na Abelha, que trabalhava estupidamente

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sem saber para quê nem para quem; porém com medo de que suas amigas dessa espécie, e especialmente uma, se ofendessem, terminou comparando-a favoravelmente com a Cigarra, que egoísta não fazia mais do que cantar bancando a poeta, e desistiu de fazê-lo.

Depois lhe ocorreu escrever contra a promiscuidade sexual e desenvolveu sua sátira contra as Galinhas adúl-teras que andavam o dia inteiro inquietas procurando Frangotes; porém tantas dessas o tinham recebido que teve medo de ofendê-las, e desistiu de fazê-lo.

Finalmente elaborou uma lista completa das debili-dades e defeitos humanos e não encontrou contra quem dirigir suas baterias, pois tudo estava nos amigos que sentavam à sua mesa e nele próprio.

Nesse momento renunciou a ser escritor satírico e co-meçou a se inclinar pela Mística e pelo Amor e coisas as-sim; porém a partir daí, e já se sabe como são as pessoas, todos disseram que ele tinha ficado maluco e já não o re-cebiam tão bem nem com tanto prazer.

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avia uma vez uma Mosca que todas as noites sonhava que era uma Águia e que se encontrava voando pelos

Alpes e pelos Andes.Nos primeiros momentos isso a tornava louca de fe-

licidade; mas passado um tempo lhe causava uma sen-sação de angústia, pois achava as asas grandes demais, o corpo pesado demais, o bico duro demais e as garras fortes demais; bom, todo esse enorme aparato a impedia de pousar a seu gosto sobre deliciosos pastéis ou sobre imundícies humanas, assim como apaziguar a consciên-cia dando cabeçadas contra os vidros do quarto.

Na realidade não queria andar nas grandes alturas ou nos espaços livres, de modo nenhum.

Mas quando voltava a si lamentava com toda a alma não ser uma Águia para sobrevoar montanhas e se sen-tia tristíssima de ser uma Mosca, e por isso voava tanto, ficava tão inquieta, e dava tantas voltas, até que lenta-mente, chegada a noite, voltava a colocar as têmporas no travesseiro.

a mOsca que sONhava se∏ uma águia

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o princípio a Fé removia montanhas só quando era absolutamente necessário, e por isso a paisagem per-

maneceu igual a si mesma durante milênios.Porém quando a Fé começou a propagar-se e as pessoas

começaram a achar divertida a ideia de mover montanhas, estas não faziam outra coisa senão mudar de lugar, e cada vez era mais difícil encontrá-las no lugar em que a gente as tinha deixado na noite anterior: coisa que, se percebe, criava mais dificuldades do que as que resolvia.

A boa gente preferiu então abandonar a Fé, e agora as montanhas geralmente permanecem em seu lugar. Quando numa estrada acontece um desmoronamento debaixo do qual morrem vários viajantes é porque al-guém, muito longe ou por ali mesmo, teve uma ligeirís-sima recaída de Fé.

a fé e as mONtaNhas

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az muitos anos vivia na Grécia um homem chamado Ulisses (que apesar de ser bastante sábio era muito as-

tuto), casado com Penélope, mulher bela e singularmente dotada cujo único defeito era sua exagerada mania de te-cer, costume graças ao qual conseguia ficar sozinha lon-gas temporadas.

Diz a lenda que em cada ocasião em que Ulisses com sua astúcia observava que apesar de suas proibições ela se dis-punha a começar de novo um dos seus intermináveis te-cidos, podia-se vê-lo às noites preparando às escondidas as suas botas e uma boa barca, até que sem dizer nada ia percorrer o mundo em busca de si mesmo.

Dessa maneira ela conseguia mantê-lo afastado enquanto flertava com seus pretendentes, fazendo-os acreditar que tecia enquanto Ulisses viajava e não que Ulisses viajava en-quanto ela tecia, como pode ter acreditado Homero, que, como se sabe, às vezes dormia e não se apercebia de nada.

O véu de PenélOPe, Ou quem engana a quem

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m um país distante existiu faz muitos anos uma Ovelha negra.Foi fuzilada.Um século depois, o rebanho arrependido lhe levantou

uma estátua equestre que ficou muito bem no parque.Assim, sucessivamente, cada vez que apareciam ove-

lhas negras eram rapidamente passadas pelas armas para que as futuras gerações de ovelhas comuns e vulga-res pudessem se exercitar também na escultura.

a Ovelha Neg∏a

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