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WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO RAMATIS VOZNIAK DE ALMEIDA A PERÍCIA E A PROVA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: ASPECTOS RELEVANTES RIO BRANCO 2009

A perícia e a Prova de Investigação Criminal

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Medicina Legal

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS E SOCIAIS APLICADAS CURSO DE GRADUAO EM DIREITO

    RAMATIS VOZNIAK DE ALMEIDA

    A PERCIA E A PROVA NA INVESTIGAO CRIMINAL: ASPECTOS RELEVANTES

    RIO BRANCO 2009

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    RAMATIS VOZNIAK DE ALMEIDA

    A PERCIA E A PROVA NA INVESTIGAO CRIMINAL: ASPECTOS RELEVANTES

    Monografia apresentada ao Centro de Cincias Jurdicas e Sociais Aplicadas, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de graduao Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Acre.

    Orientador: Prof. MSc. Danilo Lovisaro do Nascimento

    RIO BRANCO 2009

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    RAMATIS VOZNIAK DE ALMEIDA

    A PERCIA E A PROVA NA INVESTIGAO CRIMINAL: ASPECTOS RELEVANTES

    Monografia apresentada ao Centro de Cincias Jurdicas e Sociais Aplicadas, como parte dos requisitos para obteno

    do ttulo de graduao Bacharelado em Direito pela Universidade Federal do Acre.

    Aprovada em 23 de outubro de 2009, atualmente contendo modificaes e atualizaes com colaborao e sugestes de Iracema Buonafina Alves de Lima.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________ Prof. MSc. Danilo Lavisaro do Nascimento

    Presidente e Orientador

    _______________________________________ Prof. MSc. Vinicius Menandro E. de Souza

    Membro

    ______________________________________ Prof. Especialista Adair Jos Longuini

    Membro

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    Dedico este trabalho a Ftima Maria Silva de

    Almeida, pelo amor que nos une, e a nossos filhos

    Guilherme, Eduardo e Estevo, pelo privilgio de

    sermos seus pais.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus por estar sempre comigo nesta caminhada, fazendo-me, nos

    momentos mais difceis, olhar e perceber que Ele cuida de ns e tem o melhor para aqueles

    que O amam.

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    preciso saber que a presena da percia garante os direitos humanos de todos, porque a defesa da prova cientfica garantia de apurao da verdade com imparcialidade (Roosevelt Leadebal Jr. preciso comear a mudar. Revista Percia Federal).

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    RESUMO

    A maioria das sociedades vem reclamando uma interveno mais clere e eficaz dos

    governos face aos altos ndices de criminalidade e s mais diversas abordagens de atuao

    criminosa. A sociedade brasileira, em particular, atravessa uma crise relativa falta de

    segurana pblica, ao sucateamento de boa parte das polcias, ao descaso dos governantes,

    morosidade e ineficincia da justia, o que aumenta sensivelmente a impunidade no pas. Para

    acabar ou ao menos minimizar os impactos desse cenrio, deve-se pensar num trabalho de

    investigao cientfica autnomo, bem equipado e com incentivos consistentes para os

    profissionais da rea. Especificamente, no que tange percia, os peritos, oficiais ou no,

    devem ter suporte tecnolgico atualizado e de ponta, e programa de capacitao continuada

    para realizar, com segurana tcnico-cientfica e confiabilidade tica, no s todo o trabalho

    de cadeia de custdia dos vestgios materiais de um crime, mas tambm uma atuao

    preventiva e decisiva no combate impunidade, pois assim, acredita-se, ganharo a relevncia

    que lhes devida na persecuo penal e estaro ainda mais imparciais na produo de laudos

    com provas consistentes na busca da verdade real, auxiliando o trabalho de cognio do

    magistrado para formao da certeza jurdica. Nesse sentido, a percia seria vista no apenas

    como um meio de prova, mas como instrumento indispensvel no combate impunidade, mas

    uma funo essencial justia.

    Palavras-chave: Percia. Investigao. Justia.

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    RESUMEN

    La mayora de las sociedades viene reclamando una intervencin ms clere y eficaz

    de los gobiernos frente al altos ndices de criminalidad y a las ms diversas formas de

    actuacin criminosa. La sociedad brasilea, en particular, atraviesa una crisis relativa a la falta

    de seguridad pblica, a la falta de inversin en buena parte de las policas, al menoscabo de

    los gobernantes, a la morosidad e ineficiencia de la justicia, lo que aumenta sensiblemente la

    impunidad en el pas. Para poner fin o al menos minimizar los impactos de ese escenario, se

    debe pensar en un trabajo de investigacin cientfica autnomo, bien equipado y con

    incentivos consistentes para los profesionales del rea. Especficamente, con respecto a la

    pericia, los peritos, oficiales o no, deben tener suporte tecnolgico actualizado y puntero con

    programa de capacitacin continuada para realizar, con seguridad tcnico-cientfica y

    confiabilidad tica, no slo todo el trabajo de cadena de custodia de los vestigios materiales

    de un crimen, como tambin una actuacin preventiva en el combate a la impunidad, puesto

    que de esa manera, se supone, ganarn la relevancia que es debida a ellos en la persecucin

    penal y estarn an ms imparciales en la produccin de laudos con pruebas consistentes en la

    bsqueda de la verdad real, ayudando al trabajo de cognicin del magistrado para formacin

    de la certeza jurdica. En ese sentido, la pericia sera vista no slo como un medio de prueba,

    pero como instrumento indispensable en el combate a la impunidad, pero como una funcin

    esencial a la justicia.

    Palabras Clave: Pericia. Investigacin. Justicia.

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABC Associao Brasileira de Criminalstica

    ACP Ao Civil Pblica

    ADIn Ao Direta de Inconstitucionalidade

    CC Cdigo Civil

    CD Compact Disc

    CCJ Comisso de Constituio e Justia

    CF Constituio Federal

    CGCOR Coordenao Geral de Corregedoria

    CGU Controladoria Geral da Unio

    CNJ Conselho Nacional de Justia

    CNMP Conselho Nacional do Ministrio Pblico

    COGER Corregedoria Geral

    CP Cdigo Penal

    CPC Cdigo de Processo Civil

    CPMI Comisso Parlamentar Mista de Inqurito

    CPP Cdigo de Processo Penal

    DG/DPF Direo Geral do Departamento de Polcia Federal

    DICOR Diviso de Corregedoria

    DJ Dirio da Justia

    EC Emenda Constitucional

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FENAPPI Federao Nacional dos Policiais Papiloscopistas

    FONAJE Forum Nacional dos Juizados Especiais

    GOL Gol Linhas Areas Inteligentes

    HC Habeas Corpus

    IBRACOM Instituto dos Auditores Independentes do Brasil

    INC Instituto Nacional de Criminalstica

    INMETRO Instituto Nacional de Metrologia

    INTERPOL Internacional Police (Polcia Internacional)

    LRF Lei de Responsabilidade Fiscal

    MJ Ministrio da Justia

    MP Ministrio Pblico

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    MPF Ministrio Pblico Federal

    OAB Ordem dos Advogados do Brasil

    PC/DF Polcia Civil do Distrito Federal

    PEC Proposta de Emenda Constitucional

    PL Projeto de Lei

    PLC Projeto de Lei da Cmara dos Deputados

    PLS- Projeto de Lei do Senado

    PRONASCI Programa Nacional de Segurana Pblica

    RHC Recusro em Habeas Corpus

    SELP Secretaria Especial de Legislao e Pareceres

    SENASP Secretaria Nacional de Segurana Pblica

    STF Supremo Tribunal Federal

    STJ Superior Tribunal de Justia

    TAM Transportes Areos Meridionais

    UNB Universidade de Braslia

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    SUMRIO

    INTRODUO --------------------------------------------------------------------------------------- 13

    1 Histrico da Investigao Criminal --------------------------------------------------------- 22 1.1 Um passeio pela origem e evoluo da Criminalstica --------------------------------------- 22

    1.2 Consideraes sobre a Teoria do Garantismo Penal ----------------------------------------- 26

    2 Das Provas ---------------------------------------------------------------------------------------- 27 2.1 Conceito -------------------------------------------------------------------------------------------- 27

    2.2 Meios de Prova ------------------------------------------------------------------------------------ 30

    2.3 nus de Provar ------------------------------------------------------------------------------------ 35

    2.4 Etapas da Atividade Probatria ----------------------------------------------------------------- 37

    2.5 Sistema de Apreciao de Provas --------------------------------------------------------------- 39

    2.6 Princpios Gerais das Provas -------------------------------------------------------------------- 40

    2.7 Classificao das Provas ------------------------------------------------------------------------- 41

    3 Percia Criminal --------------------------------------------------------------------------------- 43 3.1 Conceito -------------------------------------------------------------------------------------------- 43

    3.2 Natureza Jurdica das percias-------------------------------------------------------------------- 43

    3.3 Requisitos das percias---------------------------------------------------------------------------- 44

    3.4 Determinao das percias------------------------------------------------------------------------ 46

    3.5 Tipos de Percias ---------------------------------------------------------------------------------- 46

    3.6 Exames de Corpo de Delito ---------------------------------------------------------------------- 47

    3.6.1 Exame de Corpo de Delito X Corpo de Delito --------------------------------------------- 47

    3.7 Dos Vestgios -------------------------------------------------------------------------------------- 48

    3.7.1 Vestgios X Indcios --------------------------------------------------------------------------- 48

    3.7.2 Classificao das Evidncias Materiais ----------------------------------------------------- 49

    3.7.3 Princpio de Locard --------------------------------------------------------------------------- 48

    3.8 Procedimento Legal da Percia ------------------------------------------------------------------ 51

    3.9 Importncia do Papel do Perito na Persecuo Penal e no Combate Impunidade ------ 56

    3.10 A problemtica da Padronizao da Percia -------------------------------------------------- 60

    3.11 Breves Comentrios a Projetos de Lei envolvendo a figura do perito e

    suas implicaes para o ordenamento jurdico --------------------------------------------- 62

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    CONCLUSO ----------------------------------------------------------------------------------------- 88

    REFERNCIAS -------------------------------------------------------------------------------------- 90

  • 13

    INTRODUO

    A humanidade, j poca das antigas civilizaes greco-romanas, visava a anlises

    mais acuradas de fatos que impunham relevncia para a sociedade e para determinados

    grupos. Mas foi com o pensamento renascentista que tais anlises ganharam contornos

    metodolgicos, bem como principiolgicos inerentes a um trabalho de natureza cientfica.

    Assim, a curiosidade do homem em conhecer os fenmenos naturais, os fatos sociais

    e, sobremaneira, a prpria natureza humana, impulsionou-o a desenvolver tcnicas de anlise

    que justificassem, de forma palpvel, com base na razo e no mais na f, tais fatos e os

    eventos naturais. Da nasceu o que se entende por percia.

    O termo percia, originrio do latim peritia, quer dizer habilidade especial. Na

    verdade, a tcnica especializada para se realizar uma anlise detida, minuciosa, numa

    determinada rea de conhecimento, podendo-se, para tanto, valer de conhecimentos

    particulares a reas diversas a do objeto em estudo, a fim de respaldar cientificamente o

    trabalho investigativo.

    O trabalho pericial e a figura do perito tm recebido, h um bom tempo, expresso

    singular em razo da importncia para a sociedade em geral, inclusive respaldo jurdico,

    principalmente por tentar recompor, na seara criminal, a verdade real, e no a formal. Ou seja,

    atravs da percia, a comunidade jurdica tem se deparado com propostas razoveis,

    ponderadas e mais propensas a, dentre outros, recompor o que provavelmente ocorreu em

    cada caso ou a descrever, com certo grau de certeza, o que de fato era o objeto ou a situao

    em anlise. O perito, sem dvida, tem papel de suma relevncia no trabalho cognitivo do juiz

    quando da valorao das provas, em questes que o magistrado - embora douto, porm

    humano - no detenha a habilidade e conhecimento tcnico suficiente para motivar sua

    deciso.

    por isso que o perito precisa apresentar um perfil compatvel com sua misso: a de

    auxiliar do juzo. Assim, alm de demonstrar sua habilidade em determinada rea, precisa

    considerar seu conhecimento adquirido, bem como as experincias de outros experts e, ainda,

    respaldar-se nas normas e princpios estabelecidos pelo ordenamento jurdico ptrio.

    No Brasil em particular, as regras da percia foram promulgadas em 1939, no Cdigo

    de Processo Civil, mas foi com o Cdigo de 1973 que se apresentaram mais de forma mais

    ampla, transparente e mais tranqila no que toca sua aplicabilidade.

    Na esfera penal, o Cdigo de Processo Penal previu desde 1940 as regras que

    normatizam a atuao do perito nesse campo.

  • 14

    Por ser basicamente uma tcnica investigativa, a percia abraa as mais variadas reas

    do conhecimento. Da existir percia cvel, criminal, trabalhista, contbil, comercial, eleitoral,

    qumica, ambiental, merceolgica, em veculos, em local de crime, dentre outras. E, em razo

    disso, h uma gama de legislaes, como leis e instrues normativas de entidades, para

    embasar-lhe o trabalho.

    Porm, pergunta-se: O que as pessoas pensam quando se lhes apresenta a percia ou se

    lhes fala sobre as provas de um crime? Possivelmente pensem em balstica, em impresses

    digitais, ou, por exemplo, em crimes contra a pessoa. A percia pode ser isso e muito mais.

    Faz parte de um ramo da tcnica e cincia aplicada conhecida como a disciplina de

    Criminalstica, ou Cincia Forense, que utilizada pelo quadro de peritos criminais oficiais do

    aparelho estatal e por pessoas que realizam percias de maneira incidental, como nas percias

    cveis (solicitados pelos juzes) ou como assistentes tcnicos das partes em processos

    judiciais. um ramo da cincia oficial capaz de suprir com provas tcnicas as necessidades da

    justia no mister de solucionar seus processos. Logo, no mero meio de prova, mas meio

    subsidirio para a verificao e formao do corpo de delito (art. 158, CPP), que o conjunto

    de vestgios deixados pelo crime.

    O que se deseja a descoberta da verdade real. Para isso os peritos esto inseridos no

    sistema judicial como auxiliares da justia (e por que no aduzir: do prprio Ministrio

    Pblico), esto sujeitos disciplina judiciria (art. 275, CPP) e suspeio dos juzes (art.

    280, CPP). O vetusto Nelson Hungria j se referia prova pericial como a rainha das provas

    e mencionava o Laudo Pericial, que o meio formal de apresentao desta prova, como o

    prembulo de uma sentena, o que com freqncia o , pelo menos na discusso das questes

    de fato. o perito ento uma espcie de juiz preliminar. A legislao atual (art. 159, do CPP,

    com a redao da Lei 11.690/08), possibilita aos peritos subscreverem os Laudos

    solitariamente, isto , somente por um perito, exceto se o assunto for considerado complexo (a

    Smula 361 do STF, comporta impedimento do perito que participou da apreenso em

    elaborar o laudo, a qual considerada nulidade relativa), o que pode torna o trabalho menos

    rido se comparado com as decises, em geral solitrias, de um juiz de primeira instncia o

    fato de que, na prtica, muitos Laudos terminam por serem discutidos por pelo menos dois

    peritos, ou mais, pois em muitos casos h percias multidisciplinares, o que torna o resultado

    dos trabalhos provavelmente melhores.

    Respondem os peritos, em seus Laudos, aos quesitos formulados pelos delegados de

    polcia, pelas partes (entre elas pode estar o Ministrio Pblico ou a Defensoria Pblica), ou

    mesmo o juiz ou outros interessados no processo, a depender dos fatos e do direito discutido.

  • 15

    No o mais comum, mas um Laudo pode eventualmente conter testemunhos colhidos, por

    exemplo, em local de crime, e nem sempre os peritos tem condies de oferecerem respostas

    absolutamente conclusivas (h exames de corpo de delito indireto feito com testemunhas,

    conforme o art. 167, CPP). Pode haver insuficincia de elementos para tal, ou algum quesito

    restar prejudicado, no ser adequado, no haver elementos para se elaborar uma resposta, etc.

    O laudo Pericial contm em sua estrutura geral um prembulo (espcie de histrico), a

    exposio dos exames, uma discusso dos fatos e uma concluso ou respostas aos quesitos. A

    prova, cuja previso legal no exaustiva, pode ser plena ou no plena (suficiente para

    medidas preliminares como priso preventiva, apreenses, etc.). Fatos notrios, intuitivos,

    incontroversos e presumidos no precisam ser provados.

    O sistema de apreciao das provas utilizado em nosso meio o do livre

    convencimento do juiz, podendo-se atribuir percia, qui, um toque de persuaso racional

    na relao entre o juiz e o que demonstrado no Laudo, pelo menos em processos criminais,

    embora todas as provas sejam consideradas relativas e nenhuma delas ter maior prestgio que

    a outra, em tese. No absoluta a regra de que o nus da prova cabe a quem fizer a alegao.

    O juiz poder, no curso da instruo penal, ou antes de proferir a sentena, determinar, de

    ofcio, diligncias para dirimir dvidas sobre pontos relevantes (interpretao do art. 156 - 2

    parte, CPP). Pode o juiz ordenar diligncias para sanar qualquer nulidade ou suprir falta que

    prejudique o esclarecimento da verdade (art. 502, caput, CPP). Ocorre, por exemplo, do juiz

    solicitar uma complementao de Laudo (art. 181, CPP), uma reproduo simulada dos fatos,

    ou exumaes, embora o juiz procure conservar sua imparcialidade no processo. Em ocasio

    prpria, a parte deve requerer a prova a ser produzida. Isso pode se dar no oferecimento da

    denncia ou queixa, no prazo para a defesa prvia (art. 395, CPP), na audincia de instruo e

    julgamento (AIJ), ou no final da instruo (art. 499). H a ressalva da possibilidade de

    negativa do deferimento do exame pericial, conforme o art. 184, do CPP. O Laudo pericial

    pode ser utilizado para a produo antecipada de provas, no processo civil, cautelarmente (art.

    846 e 848, caput, do CC).

    comum os peritos serem instados a emitirem Pareceres ou Informaes Tcnicas,

    alm de Laudos Periciais, auxiliando na compreenso de detalhes necessrios. Os peritos no

    discutem o direito a ser provado, discutem os fatos e circunstncias envolvidas, embora seus

    Laudos possam trazer novos elementos discusso do direito. Por exemplo, ao se deparar

    com uma pretensa cena de crime, os peritos podem eventualmente concluir tratar-se de um

    acidente. Em casos assim, a comprovao pode se dar por exame dos elementos objetivos do

  • 16

    tipo penal, quando os exames periciais verificaro as possibilidades de enquadramento nos

    tipos penais.

    As provas no pertencem s partes, mas sim ao processo, sendo que as partes podem

    delas se utilizar (uma das partes no processo utilizar as provas produzidas pela outra parte),

    assim como o juiz no interesse da justia (princpio da comunho dos meios de prova). No

    admissvel o cerceamento de defesa ou de acusao para nenhuma das partes, nem podem os

    peritos se utilizarem de meio ilcitos, quais sejam, os que contrariam as normas do Direito

    Substantivo, ou de meios ilegtimos, aqueles que afrontam as normas do Direito Adjetivo.

    Lembremo-nos de que o juiz aprecia o Laudo pelo sistema liberatrio, podendo aceit-lo ou

    no (art. 182, CPP). O exame pericial realizado antes ou durante a inqurito policial e/ou do

    processo judicial ser juntado aos autos, exceto em crime de ao privada, sendo requerido

    por medida cautelar, quando dever ser entregue ao requerente, se o solicitar, mediante

    traslado (art. 183, CPP, c.c. o art. 19). Os exames de crimes com o rompimento de obstculos,

    por meio de escalada (art. 171, CPP), e os de incndio (art. 173, CPP) contm diversas

    peculiariedades.

    Atualmente cresce o papel da certeza cientfica na investigao judicial da verdade, o

    que se traduz numa transio paradigmtica na produo moderna das provas, relevando-se

    quase que a um segundo plano a convico judicial, haja vista, os exames de DNA em

    investigaes de paternidade, a utilizao geoprocessamento em percias de meio-ambiente,

    etc.. Os tipos atuais mais freqentes de percias, no caso das percias relativas ao Sistema

    Judicirio Federal, so as laboratoriais na anlise de drogas (inclusive os Laudos

    Preliminares), as contbeis, as de informtica, as grafotcnicas (para o desempenho das quais

    passam a existir cursos e cmaras de estudos especficos, e inclusive certificaes), as de

    Engenharia, cotizando, por exemplo, os custos com as obras efetivamente construdas, as de

    crimes ambientais (alguns com valorao de dano), as merceolgicas (sendo a disciplina de

    Merceologia afeita aos trabalhos de alfndega, que analisa mercadorias), as de moeda falsa, as

    de armas e munies, e as de falsidade documental.

    Embora a doutrina Jurdica entenda, em sua maioria, que o perito ao realizar uma

    percia documental, deva ater-se falsidade material, ocorre que em certas percias de

    documentos so encontradas falsidades ideolgicas, a exemplo de passaportes, documentos de

    identidade e documentos alterados de veculos. provvel que fosse o caso de se repensar

    numa mais efetiva valorao de prova pericial atestando uma falsidade ideolgica em

    documentos, mesmo no sendo a priori exigvel prova pericial em falsidade ideolgica.

  • 17

    Os meio tecnolgicos disposio dos peritos passam a receber sensveis melhoras,

    inclusive a cadeia de custdia, embora o quadro de pessoal em alguns locais carea de

    aumento de efetivo, o que pode avolumar os trabalhos devido considervel aumento da

    demanda por percias. A falta de espao fsico adequado aos trabalhos pode ser um

    empecilho, e a preparao do pessoal para o exerccio do cargo de Perito Criminal em suas

    diversas especialidades, pelo menos na esfera federal, na Academia Nacional de Polcia, tem

    um custo relativamente elevado, devido a desejada formao policial para o caso dos peritos

    criminais, que vai alm de sua bagagem tcnico/cientfica, chegando ao apelo arte.

    Hodiernamente, no dispe os peritos oficiais em geral de um tratamento legislativo e

    salarial considerado o mais adequado pelos mesmos. A situao dos peritos criminais federais

    um tanto melhor, pois atualmente possuem equiparao salarial aos delegados de polcia

    federal, o que no se pode dizer dos peritos estaduais, e que pode no permanecer assim com

    o advento de aprovao congressual de nova lei orgnica do Departamento de Polcia Federal.

    No possuem um tratamento constitucional conferindo-lhes independncia funcional como

    rgo pericial parte, e nem so tratados como autoridade pericial, ou o que o valha, em

    comparao com os delegados de polcia, que so tratados pelo Cdigo de Processo Penal

    como autoridade policial, sem esquecer de vrios outros cargos pblicos atualmente muito

    valorizados e reconhecidos. Carece a percia, qui, de uma gesto integrada como num

    modelo dum Departamento de Justia na similaridade da prxis norteamericana. Poderia ser

    realizado estudo econmico aplicado para se averiguar quanto se economizaria em segurana

    pblica com investimentos em percia, sendo esta relevante garantia de represso ao crime

    num modelo garantista penal, ou mesmo educativa e preventiva, uma vez que se estima em

    cerca de 300 bilhes de reais os prejuzos diretos e indiretos causados pela criminalidade

    anuais no Brasil, e em investimentos de cerca de 1,8 bilho em segurana pblica, algo muito

    desproporcional. Estima-se em 864 comunidades periciais distintas no Brasil atual, sem

    considerar a percia Federal, com arquiteturas estruturais diversas, num ambiente de 28

    unidade de segurana clssicas, alm das unidades federais e cerca de 600 unidades de

    Guardas Municipais1. O povo poderia contar com a percia para solucionar seus casos,

    poderia ser educado a cobrar isso, talvez atravs de campanha miditica.

    O tratamento como rgo pericial parte, independente, recomendado por

    organismos internacionais, como a ONU, na similaridade de uma Advocacia ou de uma 1 BARROSO, Edson Wagner de Souza. I Encontro dos Peritos Criminais no Acre (Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP). Palestra proferida em 28/11/2009 no anfiteatro da Justia Federal em Rio BrancoAC.

  • 18

    Defensoria Pblica, entretanto suas conseqncias na carreira podem no ser as mais

    auspiciosas no ambiente atual, especialmente no caso dos peritos federais, uma vez que estes

    desfrutem internamente de considervel autonomia funcional e administrativa, o que tem lhes

    permitido estarem razoavelmente bem equipados, conforme conceitos da criminalstica

    internacional e desfrutarem do esprito de corpo da organizao que a Polcia Federal. A

    Inglaterra, por exemplo, possui um modelo privatista da percia, o que no resultou em ganhos

    para a carreira, mas at mesmo em desestmulo. H casos em que a independncia do rgo

    pericial levou seus membros a um estado profissional quase catico, colhendo a indiferena

    estatal, como ocorreu no Estado de Santa Catarina. Pode-se pensar onde seria a localizao

    ideal do servio de percia, no Poder Executivo, dentro ou fora das polcias, no Poder

    Judicirio, ou existir separadamente, como o Ministrio Pblico, dentro do formato

    republicano de diviso do poder? H os que propugnam pela futura designao dos servios

    periciais como sendo Polcias Cientficas, sem que os profissionais percam a condio de

    policiais, sua prerrogativa de aposentadoria especial, e tenham seus trabalhos mais

    reconhecidos pela populao e imprensa, como j ocorre nos Estados de So Paulo, Gois,

    Paran, Pernambuco, Amap e Tocantins. Em outros Estados ela existe como Polcia Tcnica

    ou Tcnico-Cientfica. A Polcia Cientfica existe como tal na Frana, Portugal, Itlia,

    Blgica, Espanha e, semelhantemente, na Finlndia, a Polcia Tcnica. Os peritos procuram

    por mais reconhecimento da profisso que tem um perfil beirando o excessivamente discreto.

    Os peritos Criminais Federais, particularmente, tm obtido sucesso no controle

    absoluto de toda a documentao que produzem atravs do uso de programa de informtica

    chamado Sistema Nacional de Atividades de Criminalstica do Departamento de Polcia

    Federal especialmente elaborado por um grupo de peritos, e que recentemente foi premiado

    no 13 Concurso de Inovao na Gesto Pblica Federal. No tocante a investimentos a

    SENASP - Secretaria Nacional de Segurana Pblica vem recentemente encampando

    programa de investimento sistemtico nas instituies de polcia cientfica, atravs do

    PRONASCI - Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania e do Fundo Nacional

    de Segurana Pblica, promovendo a emisso de certificao internacional e futura emisso

    de selos de qualidade, coordenados pelo INMETRO, o que se coaduna com os princpios e

    diretrizes da 1 Conferncia Nacional de Segurana Pblica, e suas ordens de prioridade. No

    surpresa que existe a necessidade de melhorias nos servios periciais, pois mesmo nos EUA

    comenta-se que a cincia forense necessita passar por procedimentos mais criteriosos, para as

    validaes de seus mtodos e processos de tomada de deciso, como expoente da cincia

    oficial, mas que nem por isso atualmente seria uma cincia ruim. Isso passa por uma anlise

  • 19

    das dimenses estruturais, temporais e funcionais do servio pericial, o que vem sendo feito j

    h algumas dcadas, principalmente nos EUA, desde os anos 1970, quando a percia vem

    significativamente se destacando, especialmente no ambiente policial.2

    Quanto ao tratamento criminal, os peritos oficiais, os designados pelo juiz (peritos

    judiciais) ou os peritos ad hoc, podem ser tipicamente enquadrados no crime de falsa

    percia, por exemplo, mas no se tem registrado no Cdigo Penal ou em outras leis igual ou

    similar tratamento para os assistentes tcnicos das partes, a menos que os juzes em sua

    jurisprudncia, por qualquer que fosse o mtodo, assim o decidissem. A existncia de peritos

    ad hoc desvaloriza a percia e a substitui por outros profissionais pouco afeitos com os

    conhecimentos e a prxis da Cincia Forense. O Ministrio Pblico j passou por situao

    semelhante no passado, com a figura do promotor ad hoc o que foi modificado com o

    advento da Constituio Federal de 1988, com a eliminao de tal figura.

    Vale a pena destacar que o Plano Nacional de Segurana Pblica prev a autonomia

    dos rgos periciais como uma questo imprescindvel no s para se conferir neutralidade

    aos laudos, mas tambm para se combater a impunidade. Para tanto, reafirma a importncia da

    interao da percia com outros rgos, como o Judicirio e centros de pesquisas, afim de que

    se fortalea o sistema de segurana pblica, como se v nos excertos extrados do referido

    Plano:

    A percia vital para a persecuo penal. Os Institutos de Criminalstica e os Institutos Mdico Legal devem ser constitudos e organizados de forma autnoma, de tal modo que toda a ingerncia nos laudos produzidos seja neutralizada. Uma aproximao maior desses rgos com as universidades, centros de pesquisas e com o Poder Judicirio fundamental para o Sistema Integrado de Segurana Pblica que se pretende instituir.

    Sem o trabalho dos peritos, a investigao policial fica restrita coleta de depoimentos

    e ao concurso de informantes, limitando suas possibilidades e tornando perigosamente

    decisivos os interrogatrios dos suspeitos, pelo menos o que alguns operadores da segurana

    pblica e do direito atualmente pensam, no sem razo.

    O presente trabalho objetiva ater-se a uma abordagem da percia em seus aspectos

    funcionais e polticos, apresentando suas caractersticas e nuances, bem como sua relevncia 2 BARROSO, Edson Wagner de Souza. I Encontro dos Peritos Criminais no Acre (Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP). Palestra proferida em 28/11/2009 no anfiteatro da Justia Federal em Rio Branco - AC.

  • 20

    para o ordenamento jurdico, na busca da verdade real, de forma tcnica e cientfica, com

    imparcialidade e tica, na produo de prova para abalizar a convico do juiz, a fim de que

    este possa obter a certeza jurdica indispensvel a uma condenao ou uma absolvio,

    minimizando a impunidade e respondendo aos reclames e anseios sociais. O que aqui se

    escreve reflete a mera opinio do autor, pelo que este assume inteira responsabilidade, e tem o

    condo de mera reflexo, sem a pretenso de esgotar o assunto ou de marcar posio absoluta

    em qualquer ponto.

    Em respeito aparente prolixidade deste texto, vale mencionar que, certa vez, Karl

    Marx, em correspondncia a Friedrich Engels, disse que lhe havia escrito uma carta longa e

    no uma mais curta porque no dispusera de tempo.3

    Para tanto, no captulo 1, foi reservada a tarefa de dissertar, de forma panormica,

    sobre a origem e evoluo da Criminalstica, englobando alguns entraves existentes na percia

    brasileira.

    Em seguida, no captulo 2, fez-se uma abordagem sobre provas, com classificao,

    princpios, sistemas de apreciao, dentre outros, para adentra-se na percia.

    O captulo 3 foi reservado ao estudo da percia criminal, apresentando-se conceito,

    natureza jurdica, requisitos, tipos, diferena entre corpo de delito e exame de corpo de delito,

    teoria dos vestgios, procedimento pericial, bem como importncia do papel do perito na

    persecuo penal, a problemtica da padronizao da percia, seu status poltico e funcional.

    Foi tambm estabelecida, no transcorrer das discusses, uma breve comparao acerca

    das percias cvel e criminal, sobretudo no que tange aos princpios da verdade real e da

    verdade formal.

    Recebeu igual destaque a importncia da percia na valorao da prova no juzo

    criminal, a problemtica da insero de assistentes tcnicos na percia criminal, a relevncia

    da autonomia dos rgos periciais, dos investimentos tecnolgicos e da formao continuada

    dos peritos, trazidas baila num breve comentrio aos Projetos de Lei de nmeros

    3.653/1997, 3.888/2000, 1.183/2007 e 1.229/2007, dentre outros, que tramitam no Congresso

    Nacional.

    Por fim, foi traada uma sntese breve, em razo da prpria natureza deste trabalho,

    acerca de pontos cruciais levantados sobre a percia criminal, seu procedimento e relevncia

    3 BARROSO, Edson Wagner de Souza (Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP). I Encontro dos Peritos Criminais no Acre. Palestra proferida em 28/11/2009 no anfiteatro da Justia Federal em Rio BrancoAC.

  • 21

    para o ordenamento jurdico e, por conseqncia, para a sociedade, sendo certo que muito h

    por se debruar nessa seara investigativa.

  • 22

    1 Histrico da Investigao Criminal

    1.1 Um breve passeio pela origem e evoluo da Criminalstica

    A Criminalstica, em sntese bem apertada, trata-se da disciplina que estuda os

    vestgios materiais relacionados ao crime e ao criminoso, a partir do reconhecimento e

    interpretao desses elementos, luz de tcnicas cientficas de reas diversas, como a

    Medicina Legal, a Fsica, a Informtica, a Bioqumica, bem como as que lhe so prprias.

    A atuao investigativa de natureza tcnico-cientfica da polcia bem atual. De

    acordo com os dados histricos, at o sculo XIX, ela se valia, basicamente, dos

    conhecimentos e da atuao da Medicina Legal. Por isso, a maioria das anlises limitava-se

    aos crimes cometidos contra a pessoa. Quando ocorria um homicdio, havia, pois, uma

    exigncia de se identificar a causa mortis; quando eram constatadas leses corporais, visava-

    se analise da extenso do dano e do instrumento que provavelmente fora utilizado para lesar

    a vtima. Diversas tcnicas de percia foram unificadas na Idade Mdia, e com o renascimento

    cientfico e cultural dos sculos XV e XVI, comea a surgir a Criminalstica, especializando-

    se, ramificando-se, sendo os ramos mais antigos os da Medicina Legal, da Odontologia e da

    Papiloscopia Forense, remontando-se Idade Moderna. Atualmente h cerca de 32

    especialidades forenses no Brasil.4

    Como dito, ao longo do tempo, foram registradas vrias tcnicas vinculadas anlise

    da integridade fsica do homem. Como exemplo, tem-se o estudo e classificao da impresso

    digital para identificao criminal, em 1892, por Juan Vucetich, utilizado na Amrica Latina,

    e o de Edward Richard Henry, em 1896, bastante difundido na Europa e na Amrica do Norte.

    Vale destacar que os chineses analisavam impresses digitais para identificar documentos

    desde os anos 700, sem que houvesse qualquer sistema de classificao, e que Sir Willian

    Herschel, em 1856, iniciou a tcnica de usar digital de polegares com o fito de substituir a

    assinatura de analfabetos.

    Ainda a ttulo de exemplo, tem-se a identificao de tipos sangneos, em 1900, por

    Karl Landsteiner, e adaptada por Max Richter para anlise das manchas de sangue.

    4 BARROSO, Edson Wagner de Souza. I Encontro dos Peritos Criminais no Acre (Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP). Palestra proferida em 28/11/2009 no anfiteatro da Justia Federal em Rio Branco - AC.

  • 23

    A Criminalstica ganhou destaque com o alemo Hans Gross (ele prprio um jurista

    austraco de renome), em 1891, ao publicar a primeira literatura sobre essa disciplina e, nesse

    trabalho, valeu-se de evidncias fsicas para descrever e solucionar crimes. Mas essa

    terminologia s foi originada em 1893 com o seu Tratado de Criminalstica, sendo ele

    considerado por muitos como o principal precursor da Criminalstica em seu vis cientfico.

    Pode-se destacar tambm a obra de Sir Francis Galton, intitulada Fingerprints, de 1892, no

    sentido de estudo de aplicao criminalstica5.

    Igual destaque merecem as inovadoras poca do sculo XIX - tcnicas de

    investigao desenvolvidas na Frana e na Inglaterra, por irem alm das que envolviam os

    crimes contra a pessoa. Surgia, ento, a anlise tcnico-cientfica em documentos falsificados,

    a Documentoscopia, tcnica prpria da Criminalstica. No se pretende aqui fazer injustia em

    no destacar as contribuies da Amrica latina em pioneirismo nos trabalhos periciais,

    especialmente na Argentina, no Brasil, e no Chile, desde o incio do sculos XX. Entretanto,

    isso mereceria um denso estudo parte, especialmente em se tratando dos relatos histricos

    das percias estaduais e federais brasileiras.

    Alm dessas, houve outras inovaes relevantes para a formao do que hoje se

    entende por Criminalstica. Talvez urja uma reunificao das percias forenses, mas, sem

    dvida, em razo da complexidade e celeridade - sobretudo no que concerne s invenes

    tecnolgicas e s variadas estruturas sociais - inerentes s sociedades contemporneas, bem

    como em face da fragilidade de provas, como a confisso e o testemunho, e da diversificao

    das prticas delituosas, houve uma necessidade de se desenvolver novas tcnicas para a

    investigao e combate a crimes como a lavagem de dinheiro, o dano ao meio ambiente, as

    infraes via Internet, reconhecimento de voz de locutor, etc. Alguns estudiosos consideram

    ramos da cincia oficial como a psiquiatria, a psicologia, a psicopatologia, a antropologia, a

    sociologia, e a prpria poltica, ramos afeitos criminologia, atualmente ainda subutilizadas

    para fins periciais. Outros consideram at o uso da parapsicologia e de pessoas sensitivas,

    psicografia, psicometria, etc. A percia poderia ser reescrita, enfocando-a em seu

    sacerdcio, sua proficincia. Deve-se considerar que o modelo policial e pericial atual

    encontra-se em mutao, realizando sua ruptura epidrmica.6

    5 BARROSO, Edson Wagner de Souza. I Encontro dos Peritos Criminais no Acre (Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP). Palestra proferida em 28/11/2009 no anfiteatro da Justia Federal em Rio Branco - AC.

    6Idem item 4.

  • 24

    Por isso que a Criminalstica avanou no sentido de ir para alm de uma abordagem de

    crimes contra pessoa, incorporando tcnicas de outros ramos da cincia, criando tambm

    tcnicas exclusivas, como dito alhures, pois sempre se ocupou da linha investigativa para

    resoluo tcnico-cientfica de crimes e, por conseqncia, para o combate impunidade.

    Nesse sentido, destaca Rabelo sobre a Criminalstica:

    [...] uma disciplina tcnico-cientfica por natureza e jurdico-penal por destinao (grifou-se), a qual concorre para a elucidao e a prova das infraes penais e da identidade dos autores respectivos, por meio da pesquisa, do adequado exame e da interpretao correta dos vestgios materiais dessas infraes. 7

    H, pois, uma necessidade de se entrar em sintonia com a modernidade da percia,

    fruto do trabalho investigativo de natureza tcnico-cientfica, est bem estruturada

    organizacionalmente, de ter uma autonomia para livrar-se da possvel parcialidade num

    estudo de caso em litgio. preciso fomentar o investimento material, bem como humano

    como tm feito a Frana, a Inglaterra, a Alemanha, a Espanha, os Estados Unidos da Amrica,

    dentre outros, mesmo do mundo oriental. preciso estabelecer um lxico comum, uma

    retrica nacional e universal, uma compreenso dos fatores reais de poder da percia, uma

    metrologia forense, um programa de certificao de qualidade para a admissibilidade das

    provas em juzo. Necessrio se faria o estudo dos princpios para a admissibilidade das provas

    em juzo, aliado com a aplicao de ISOs como a 17020, para locais de crime, e da 17025

    para exames laboratoriais. Isso envolveria, no mnimo, a Associao Brasileira de Normas

    Tcnicas ABNT e o instituto Nacional de Metrologia INMETRO, seno outros, alm do

    ambiente da segurana pblica. Esses princpios j vem sendo discutidos nos EUA e Canad

    em casos como Daubert v. Merrell Dow Pharmaceuticals, Inc,. General Electric v. Joiner,

    Gross v. Comissioner, KW Plastics v. United States Can. Co., The Cayuga Indian Nation of

    New York v. George E. Pataki, Frye v. USA, Kumho Tire Company, Ltd., v. Carmichael,

    Berry v.CSX Transportaion, INC, R. v. Blanckard. No caso da percia, como sendo atividade

    tcnico-cientfica, pode-se ponderar a conjugao desses princpios com o princpio da

    incerteza ou da determinao, de Werner Heisenberg, no tocante capacidade de medirmos

    7 RABELO, Eraldo. Curso de criminalstica. Porto Alegre: Sagra Luzzato. 1996. p. 12.

  • 25

    ou determinarmos algo (apontado inclusive por Sigmund Freud em seus estudos sobre o

    psiquismo humano).8

    nessa sintonia que o Brasil precisa estar, afinal as polcias investigativas reclamam

    por melhorias, sobretudo as da esfera estadual, por se encontrarem algumas em estado de

    calamidade pblica, acarretando vrios problemas sociais como o aumento de crimes em

    razo da certeza da impunidade. Porm, no se pode negar que a de nvel federal vem obtendo

    maior expresso justamente por haver uma luta incessante dos peritos para melhoria

    institucional como um todo e por isso tem conseguido mostrar respostas cleres e cientficas

    sociedade, sendo certo que ainda h muito por se conquistar. 9

    Sob outros pontos de vista um tanto quanto metafsicos ou jusfilosficos, poder-se-ia

    pensar a percia antropologicamente ou sociologicamente, percebendo que os peritos precisam

    ser atores da histria, precisam pensar diferente do enfoque da maioria dos cidados comuns,

    precisam ver e sentir diferente (como poderia afirmar Michel Foucault), ou que atuam de

    forma neopositivista (referente aos estudos de Karl Popper), realizando uma reconstruo

    racional dos fatos a partir das evidncias coletadas, tratando a tcnica como procedimento,

    modo, e o mtodo como estratgia de abordar o objeto. Marilena Chau, em seus estudos dos

    princpios da razo, poderia afirmar que os peritos construram uma vivncia que abarca o

    sujeito, objeto e ao num mesmo momento. Alguns diriam que a percia, como cincia, deve

    afirmar, revolucionar. Temos que pensar em como se sentem os peritos como profissionais:

    Angustiados, perseverantes, insatisfeitos, incompletos? Se a percia um paciente, do que ela

    precisa? A segurana pblica e a percia precisam completar seu amadurecimento no Brasil.10

    Um cargo de auxiliar de percias certamente que necessita, em funo de acmulos de

    trabalhos e de desvios de tempo e energia dos profissionais em tarefas menores, quando

    poderiam ser delegadas a auxiliares.

    8BARROSO, Edson Wagner de Souza. I Encontro dos Peritos Criminais no Acre (Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP). Palestra proferida em 28/11/2009 no anfiteatro da Justia Federal em Rio Branco - AC..

    9 BEZERRA NETO, Ageu Lemos. Peritos em Sintonia com a Modernidade. Revista Percia Federal. Jun./Jul. 2003. p. 13-17. 10 BARROSO, Edson Wagner de Souza. I Encontro dos Peritos Criminais no Acre (Secretaria Nacional de Segurana Pblica SENASP). Palestra proferida em 28/11/2009 no anfiteatro da Justia Federal em Rio BrancoAC.

  • 26

    1.2 Consideraes sobre a Teoria do Garantismo Penal

    A idia do garantismo de um modo geral, a busca de uma melhor adequao dos

    acontecimentos do mundo emprico s prescries normativas oficiais.

    Cria-se, pois, uma divergncia entre a normatividade e a efetividade, e o garantismo

    seria forma de fazer a juno entre elas. Claro que o garantismo teria influncia no apenas no

    campo jurdico, mas tambm na esfera poltica, minimizando a violncia e ampliando a

    liberdade, a partir de um arcabouo de normas jurdicas que d poder ao Estado de punir em

    troca da garantia dos direitos dos cidados.

    Ou seja, o sistema seria mais garantista quando conseguisse minimizar a distncia

    existente entre o texto da norma e a sua aplicao ao mundo emprico, o que uma

    preocupao prpria de muitas outras teorias do direito.

    Garantismo, pois, vem do verbo garantir. Seria, no entender de Ferrajoli11, uma forma

    de direito que se preocupa com aspectos formais e substanciais que devem sempre existir para

    que o direito seja vlido. Essa juno de aspectos formais e substanciais teria a funo de

    resgatar a possibilidade de se garantir, efetivamente, aos sujeitos de direito, todos os direitos

    fundamentais existentes. como se a categoria dos direitos fundamentais fosse um dado

    ontolgico para que se pudesse aferir a existncia ou no de um direito; em outras palavras, se

    uma norma ou no vlida.

    Logo, como o garantismo no pode ser medido apenas por um referencial. Ferrajoli

    fala em graus de garantismo, pois para ele seria melhor se observssemos apenas as normas

    estatais vigentes sobre os direitos sociais em um pas como o Brasil. Todavia, se o ponto de

    observao for o de sua aplicabilidade, o grau de garantismo diminui. Percebe-se, ento, que o

    grau de garantismo depende do ponto de partida de observao do analista. Tomemos, ento,

    a Teoria do Garantismo Penal como teoria de base a este trabalho.

    11 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo, Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. P. 482-497, 683- 686.

  • 27

    2 Das Provas

    Para compreender melhor o que a percia criminal, mister se faz passear, ainda que

    brevemente, pelos contornos prprios da prova, verificando, dentre outros aspectos, suas

    classificaes e os princpios a ela inerentes.

    2.1 Conceito

    Provar o ato de demonstrar, de apresentar a existncia da verdade. o meio pelo

    qual se busca comprovar a existncia ou no de um fato, bem como a veracidade ou a mentira

    de uma afirmao.

    A prova, originria do latim probatio, rene, do ponto de vista jurdico, os

    mecanismos utilizados pelas partes ou pelo juiz para tentar estabelecer a veracidade ou no de

    alegao ou fato que se impe como bice no processo. Como destaca o processualista

    Tourinho Filho, o instrumento de verificao do thema probandum.12

    Em razo disso, tem por fim primeiro formar a convico do magistrado sobre o que

    versa a causa. O objeto do litgio precisa ser-lhe conhecido para que sua fundamentao, no

    momento decisrio, seja arrazoada, acertada, enfim, seja palpvel face questo e aos

    elementos essenciais que se apresentam como prova.

    Da constituir o objeto de anlise da prova todo fato, alegao ou mesmo

    circunstancias afetas lide que suscitam dvidas e, por isso, precisam ser demonstrados em

    juzo, de forma idnea e legtima. Mas, reitera-se, precisam ser provados fatos ou afirmaes

    que realmente sejam cruciais para o deslinde da causa em nome do princpio da economia

    processual. dever do juiz dispensar provas que em nada influenciam para o deslinde do

    litgio e as que se apresentam meramente protelatrias (art.14, IV, CPC).

    Ademais, o prprio Cdigo de Processo Civil vigente (CPC), disciplinador das regras

    gerais da prova, prev fatos que independem de prova no artigo 334, in verbis:

    Art. 334. No dependem de prova os fatos: I - Notrios; II - Afirmados por uma parte e confessados pela parte contrria; III - Admitidos, no processo, como incontroversos; IV - Em cujo favor milita presuno legal de existncia ou de veracidade.

    12 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. So Paulo: Saraiva. 2002. p. 448.

  • 28

    Fatos notrios so os que ganharam relevncia na mdia, na impressa. , pois, a

    verdade sabida por todos ou, de acordo com Theotonio Negro e Gouva, conhecida por certo

    grupo social, como se destaca:

    A circunstncia de o fato encontrar certa publicidade na impressa no basta para t-lo como notrio, de maneira a dispensar a prova. Necessrio que seu conhecimento integre o comumente sabido, ao menos em determinado estrato social, por parcela da populao a que interesse.13

    Os fatos afirmados por uma parte e mesmo confessados pela parte contrria

    constituem peso no momento decisrio. No processo civil, a confisso pode ser ficta, ou seja,

    mesmo que a parte intimada no comparea em juzo, ou comparecendo, recusar-se a depor, o

    magistrado imputa-lhe pena de confisso, como reza o art. 343 CPC.

    Entretanto, na seara criminal, mesmo que a vtima afirme o fato e o acusado ratifique-

    o, o juiz no pode dispensar a prova, em razo do princpio da verdade real. preciso provar

    o que de fato aconteceu, no bastando a mera confisso ou o alegado pela parte ofendida.

    Ressalta-se que o princpio da verdade real visa, como o prprio nome indica, busca

    do que realmente aconteceu, como o fato se passou, ao menos no que for possvel, sem

    considerar fices ou presunes processuais como ocorre no processo civil.

    Assim, ainda que o ru seja revel ou confesse o fato que lhe foi imputado, necessria

    a prova cabal para que haja condenao. em razo desse princpio que o juiz pode

    determinar, de ofcio, a produo de provas relevantes no seu entender, a fim de sanar dvidas

    sobre pontos cruciais (art. 156, in fini, do CPP). certo que esse princpio no absoluto,

    sofrendo algumas limitaes, as quais sero discutidas mais adiante.

    O mesmo raciocnio pode ser considerado na anlise de fatos incontroverso, isto , dos

    fatos que apresentam um grau de certeza por se ter conhecimento sobre algo, por serem

    considerados evidentes.

    Assim, no processo penal, o juiz pode e deve fomentar a produo de provas para

    dirimir algumas questes que possam, por exemplo, influenciar na majorao ou diminuio

    da pena, ainda que seja a questo incontroversa, como, por exemplo, a certeza de que

    determinado atropelamento tenha causado a morte da vtima, como apontam testemunhas e as

    cmeras de vdeo. preciso conhecer se a vtima deu causa ao fato, se o condutor do veculo 13 NEGRO, Theotonio; GOUVA, Jos Roberto F. Cdigo de Processo Civil e Legislao Processual em Vigor. 39. ed. So Paulo: Saraiva. 2007. p. 477.

  • 29

    estava na conta-mo ou, mesmo na mo correta, encontrava-se alcoolizado ou se um terceiro

    elemento ocasionou o infortnio.

    Como refora Tourinho Filho, os fatos incontroversos em princpio no exigiriam

    provas. Contudo, a circunstncia de acusador e defensor acordarem quanto existncia ou

    inexistncia no priva o juiz de fazer diligncias a respeito, tal como lhe permite a segunda

    parte do art. 156 do CPP.14 A prova pericial um dos tipos de prova aceitas em nosso sistema,

    e submetida ao contraditrio, podendo at mesmo ser utilizada como prova emprestada em

    outro processo, desde que relacionada a processo entre as mesmas partes e ter sido produzida

    perante o mesmo juiz15. A prova produzida de forma pr-processual, no caso atual do

    Inqurito Policial, por exemplo, aps judicializada, isto , depois de submetida ao

    contraditrio, pode funcionar como prova orbitante do juzo (obiter dicta), isto , mesmo que

    considerada no absoluta, mas possuindo o condo de nortear a deciso sentencial do juiz,

    com muita segurana16. Parece, ento, encaixar-se bem no contexto da heterocomposio

    processual, uma vez que o perito externo s partes e ao juiz, uma vez judicializada a prova.

    Quanto aos fatos cuja existncia ou veracidade tenha presuno legal, so os que

    guarnecem de presuno na lei (juris et de jure) e por isso dispensam prova, no s no mbito

    cvel como criminal. Dessa feita, no h que se provar a inimputabilidade de um infrator

    menor de 18 anos, vez que assim reza a norma do art. 27 do Cdigo Penal em vigor.

    Enfim, pode-se perceber o quanto relevante a prova na seara processual para

    formao da convico do magistrado, como se depreende nas palavras do professor e

    criminalista Fernando Capez:

    Sem dvida alguma, o tema referente prova o mais importante de toda a cincia processual, j que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialtica processual. Sem provas idneas e vlidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinrios e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurdicos, pois a discusso no ter objeto.17

    14 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 449. 15 CINTRA, Antnio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25. ed. So Paulo. Malheiros. 2009. p. 373 a 377. 16 NASCIMENTO, Danilo Lovisaro do. O Papel do Magistrado na Produo da Prova Ps-Reforma do Processo Penal. Palestra proferida em 07/07/2009 no anfiteatro da UFAC-Universidade Federal do Acre. 17 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. So Paulo: Saraiva: 2007. p. 260.

  • 30

    Valendo-se ainda das palavras de Capez, a prova para ser vlida deve obedecer s

    normas do ordenamento jurdico e aos princpios inerentes rea em que se firma. Para que o

    juiz aceite a prova levada aos autos, deve ela no s ser pertinente para resoluo do litgio,

    mas tambm ter sido obtida por meios lcitos e possveis.

    Interessante tambm ver o outro lado da questo, ou seja, se o fato depender de prova,

    se o meio usado para sua obteno foi admissvel, pertinente, possvel, a prova deve ser

    concedida. Caso contrrio, haver flagrante ilegalidade acarretada pelo juiz, passvel de

    correio parcial em virtude de erro no procedimento (error in procedendo).

    2.2 Meios de Prova

    Configuram-se meios de prova todos os instrumentos, maneiras legais, e mesmo os

    no previstos em lei, que possam ser admissveis no processo, ou seja, tudo que se possa

    obter, direta ou indiretamente, a prova, sem que se fira a sistemtica jurdica vigente nem se

    macule a ordem moral.

    De acordo com o art. 332 do CPC, todos os meios legais, bem como os moralmente

    legtimos, ainda que no especificados neste Cdigo, so hbeis para provar a verdade dos

    fatos, em que se funda a ao ou a defesa.

    A norma processualista elenca alguns tipos de provas, dentre as quais se encontram a

    testemunhal, a documental e a pericial. pacfico na doutrina e na jurisprudncia ser o rol

    meramente exemplificativo, em razo do teor do art. 332 do CPC, que apenas limita a prova

    quanto sua ilegalidade e imoralidade, e no ao seu tipo.

    A limitao pode ser claramente extrada da redao do art. 155 do CPP ao versar que

    no juzo penal, somente quanto ao estado das pessoas, sero observadas as restries prova

    estabelecidas na lei civil. Assim, mesmo que a prova tenha sido originada a partir de meios

    idneos e legais, quando versar sobre estado de pessoas, deve restringir-se aos documentos

    pblicos probantes, isto , s certides civis.

    Diante das restries prova, ensina Nucci, ao comentar a redao do art. 155 do CPP:

    Todas as provas que no contrariarem o ordenamento jurdico podem ser produzidas no processo penal, salvo as que disserem respeito, por expressa vedao deste artigo, ao estado das pessoas (casamento, menoridade, filiao, cidadania, entre outros). Nesta hiptese, deve-se acatar o disposto na lei civil. Exemplo disso a prova do estado de casado, que somente se faz pela apresentao da certido do registro

  • 31

    civil, de nada valendo outro meio probatrio. No mais, as restries fixadas na lei civil no valem no processo penal.18

    Mas, resta claro que, no processo penal, as provas no se restringem s elencadas nos

    arts. 158 a 250 do CPP.

    Dessa feita, meios como fotografias, filmagens, animaes, etc., embora no elencados

    na norma, podem servir como elementos de prova. Por no figurarem no rol da norma

    processual, so chamadas de prova inominadas.

    Essa amplitude conceitual da expresso meios de prova d-se sobremaneira por causa

    do princpio da verdade real, acima comentado, justamente porque a rea penal lida com

    direitos fundamentais indisponveis como a liberdade humana.

    Entretanto, certo que esse princpio no confere s partes e ao juiz o direito de burlar

    as normas penais e processuais para obter provas e inseri-las como pea dos autos. Por isso,

    existem algumas limitaes ao princpio da liberdade probatria, limitaes estas previstas

    no s no Cdigo Processo Penal, mas tambm na Constituio Federal de 1988 em vigor

    (CF) e leis esparsas.

    Segundo os ditames da Carta Magna de 1988, so inadmissveis no processo as provas

    obtidas por meios ilcitos (art. 5, LVI). Na doutrina, entende-se por provas proibidas ou

    vedadas as ilcitas e as ilegtimas.

    As provas ilcitas so aquelas obtidas a partir de infrao a normas de direito material,

    quer na rea cvel, quer na penal, comercial, administrativa, dentre outras. Infringe, portanto,

    um direito j tutelado de um indivduo, independente de instaurao de processo. Tem-se

    como exemplo a realizao de uma percia obtida com a violao de domiclio (art.5, XI, CF

    c/c art. 150 CP).

    Provas derivadas de provas ilcitas tambm no tm aparo no ordenamento jurdico

    ptrio. a teoria de fruto da rvore proibida (fruits of the poisonous tree). Assim, mesmo que

    a prova oriunda da ilcita no apresente mcula de per si, ser rechaada em razo de sua

    fonte nefasta. Deve, portanto, ser desentranhada a prova ilcita por derivao. A exemplo,

    tem-se uma percia feita em documentos apreendidos em um carro abordado por agentes que

    souberam do elemento probatrio atravs de interceptao telefnica em desconformidade

    com as determinaes constitucionais (art. 5, XII, CF) e as infraconstitucionais (Lei n

    9.296/96). 18 NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo de Processo Penal Comentado. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 342.

  • 32

    Provas ilegtimas so as obtidas atravs da violao de regras do direito processual.

    Aqui, violam-se normas que garantem o desenvolvimento regular do processo, ou seja, que

    asseguram o devido processo legal, salvaguardado pela Carta Magna no art. 5, incisos LIV e

    LV, CF/88.

    Torna-se ilegtima, por exemplo, qualquer prova que no a de exame de corpo de

    delito quando o fato punvel pela legislao repressiva deixar vestgio, por haver flagrante

    infrao ao art. 158 do CPP. Nesse tipo de crime, a ausncia do exame de corpo de delito gera

    nulidade processual (art. 564, III, b, CPP).

    Interessante destacar que a norma que no admite a produo e insero de provas

    ilcitas, quer ilegais quer ilegtimas, apresenta por parte da doutrina uma flexibilizao, em

    caso de extrema gravidade ou quando o princpio da prova ilcita mostrar-se em conflito com

    outros valores amparados pelo ordenamento jurdico.

    Para esses doutrinadores, o referido princpio no deve ser percebido como absoluto e

    deve ser ponderado com o princpio da proporcionalidade dos valores contrastantes, difundido

    pela jurisprudncia alem do ps-guerra, para se evitar injustias.

    A ttulo de ilustrao do problema em questo, o processualista Fernando Capez

    opina:

    Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, a qual seria dirigida ao chefe de uma poderosa rede de narcotrfico internacional, com extensas ramificaes com o crime organizado. Seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondncia epistolar, do qual se serve para planejar crimes, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuio de drogas, a qual ceifa milhes de vidas de crianas e jovens? Certamente no.19

    O ministro Celso de Mello, em sede de Habeas Corpus, vislumbrou a possibilidade de

    a administrao penitenciria poder proceder, em carter excepcional, a interceptao de

    correspondncias endereadas aos confinados. O ministro, em sntese apertada, alegou que,

    com fundamento na segurana pblica, o sigilo das correspondncias no pode ser consagrado

    para respaldar prticas ilcitas.20

    19 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal.12. ed. So Paulo: Saraiva: 2005. p. 270. 20 MELO, Celso de. Supremo Tribunal Federal. 1 Turma. Habeas Corpus 70.814-5 - SP. DJU, 24 Jun 1994.

  • 33

    nesse sentido que parte da doutrina entende no haver garantia constitucional

    absoluta que possa fulminar outra de igual valor. Mas, como dito, s parte da doutrina admite

    essa possibilidade de flexibilizao da prova.

    Doutra parte, doutrinadores h que aniquilam esse entendimento, alegando infrao a

    normas constitucionais, como: os direitos fundamentais, o devido processo legal, enfim, as

    estruturas basilares para consagrao de um Estado Democrtico de Direito.

    Diante dessa questo to delicada quanto obteno de provas, o processualista

    Tourinho Filho comenta, apropriadamente, sobre a posio da Suprema Corte Norte-mericana

    no caso Schmerber v. Califrnia, que, segundo o autor, parece estar em conformidade com

    o princpio da razoabilidade, qual seja:

    A citada corte posicionou-se em duas classes de procedimentos coativos, sendo:

    a) a primeira, a que exigiria a participao direta, ativa, do acusado, como mandar-lhe

    escrever a prprio punho para se fazer uma percia grafolgica por ser suspeito de assinar

    cheque desviando dinheiro pblico. O que seria ntida afronta ao princpio de que o acusado

    no est obrigado a produzir prova contra si, sendo prefervel, que o acusado da infrao

    reste livre.

    b) a segunda, a contrrio senso, a que no exigiria postura ativa do acusado, sendo este

    mera fonte passiva de elementos de prova contra si mesmo. Assim, se o acusado est

    portando arma de fogo e o detector de metal sinaliza, no impede de lev-lo a uma sala

    reservada para averiguaes. Por saber da existncia da mquina, no h se falar em

    violao da intimidade pessoal nem o expe a situao vexatria. Antes, seria um caso de

    flagrncia como se d com a possibilidade de entrar em domiclio e no configurar a

    invaso. 21

    Como se v, a questo realmente complexa quando h conflito de princpios e

    valores de mesmo grau. no caso concreto que se pode decidir sobre este ou aquele princpio,

    considerando-se o princpio da proporcionalidade pro reo, como demonstra posio unnime

    na doutrina. Entretanto defende Fernando Capez que o referido princpio deve considerar a

    sociedade: o princpio da proporcionalidade deve tambm ser admitido pro societate [...] A

    acusao, principalmente a promovida pelo Ministrio Pblico, visa a resguardar valores

    fundamentais para a coletividade, tutelados pela norma penal.22 O princpio da razoabilidade

    21 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. So Paulo: Saraiva. 2002. p. 455. 22 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. So Paulo: Saraiva, 2005. p. 270.

  • 34

    foi assim chamado pelo STF, no Brasil, at a dcada de 1970, quando passou a ser tratado

    com princpio da proporcionalidade, mais celebrado pela doutrina jurdica alem.

    Pensemos em como difcil uma percia de reconhecimento de voz de locutor ocorrer

    velozmente, de forma a conseguir acompanhar a velocidade real das investigaes, ela prpria

    sendo uma investigao, mesmo que com o aparato tecnolgico atualmente disponvel,

    embora com pouco pessoal e ainda que com treinamento razovel para esse tipo de percia,

    pois que o volume de gravaes das conversas se acumulam, especialmente no caso brasileiro,

    e, por vezes, h entraves de ordem prtica e legal para o andamento dos trabalhos.

    Explicou o procurador da diviso de investigaes especiais de narcticos de Nova

    York, Daniel Zambrano23, no Congresso Internacional, Organizao Criminosa e meios

    eficazes de Investigao e prova: a evoluo brasileira e a experincia internacional, que nos

    EUA, conversas que no interessam investigao no podem ser gravadas, e os aparelhos

    so desligados nesses momentos. A pessoa que tem a conversa interceptada durante uma

    investigao informada posteriormente, via carta, ainda que no seja investigada. No h

    previso legal para isso no Brasil. Depois que o investigado preso, a gravao repassada a

    ele no prazo de 15 at dias, seno a prova obtida considerada nula. No Brasil, isso pode

    ocorrer de maneira diferente. Os prazos para a interceptao nos EUA so de 30 dias,

    podendo ser indefinidamente prorrogveis (e periodicamente se apresenta relatrios do

    andamento dos trabalhos), em comparao com os prazos brasileiros, que so de 15 dias

    podendo ser prorrogveis. O STJ entende que a interceptao por longos perodos fere o

    princpio da proporcionalidade. Na prtica, longas gravaes continuam ocorrendo, pois a

    jurisprudncia ainda no est consolidada. Por sua vez os norte-americanos privilegiam o

    princpio da razoabilidade. Pode-se perceber a com que tipo de conflitos entre princpios se

    est lidando. Ocorre que no Brasil, muitas pessoas que no esto sendo investigadas tem suas

    conversas expostas em autos de processos (algo de certa sordidez), e mesmo que se faa

    delimitaes de trechos gravados a serem transcritos e periciados, impossvel saber onde

    exatamente est a conversa que interessa, a menos que se escute tudo. Se para se fazer as

    transcries o andamento no dos mais cleres, imagine-se a percia da voz dos locutores. A

    perspectiva norte-americana que norteia no gravar o que no serve investigao pressupe

    o direito privacidade dos que no esto sendo investigados. Maurcio Zanide, advogado e

    professor de Processo Penal, explica que no Brasil, legalmente a autoridade policial que

    23 ZAMBRANO, Daniel. Organizao criminosa e meios eficazes de investigao e prova: a evoluo

    brasileira e a experincia internacional. Revista Consultor Jurdico. Congresso Internacional organizado pelo Ministrio Pblico Federal do Estado do Rio de Janeiro. 6 Mai 2009.

  • 35

    realizou a interceptao tem de entregar a transcrio ao juiz do caso, este deve instaurar um

    incidente probatrio, que um auto apartado, e possibilitar ao Ministrio Pblico e a Defesa

    que se manifestem sobre as transcries que interessam investigao (dentro das regras do

    Inqurito Policial, do processo penal e da Lei de Interceptao Telefnica, Lei 9.296/96, arts.

    8 e 9, durante a fase inquisitorial, processual ou aps esta, por requerimento do Ministrio

    Pblico ou da parte interessada). Disse Zanide que se colocado em prtica a dispensa de

    conversas irrelevantes eliminar-se-ia casos em que h 30 a 40 CDs de conversas gravadas, e

    onde talvez a dcima parte seria relevante. Entretanto, na prtica, no sabe de conversas que

    foram descartadas. Assim, as percias do tipo identificao de voz de locutor, trabalho por si

    s extenuante pois realizado concomitantemente com softwares especiais e ouvidos humanos,

    podem tornar-se demoradas.

    O que resta hialino a certeza de que a percia e qualquer outro meio probatrio, em

    se tratando da seara criminal, no podem esperar para se decidir conflitos complexos como

    estes que ora se impem. No raro, apagam-se os vestgios, desaparecem as testemunhas,

    acusados livram-se de flagrantes, dentre outros. E, sem provas, no h argumentos que se

    sustentem.

    2.3 nus de Provar

    A prova legalmente constituda, admissvel no ordenamento jurdico, configura-se

    como nus processual, e no como obrigao das partes. Dessa feita, no esto obrigadas a

    provarem o alegado, entretanto, no o fazendo, arcaro com os prejuzos decorrentes da

    inrcia.

    Se fosse uma obrigao, como o prprio nome indica, estariam elas no dever de

    produzir os elementos probantes necessrios ao esclarecimento do fato ou circunstncia alvo

    de divergncias, sob pena de infrao s normas do sistema jurdico, o que no prospera.

    A prova constitui-se em nus porque dela pode o juiz formar sua convico para

    prolatar a sentena com a tarefa de condenar ou absolver. , pois, de interesse, no obrigao,

    das partes provar, comprovando ou refutando, o que fora alegado na pea acusatria.

    Destaca-se que embora no processo penal haja uma obrigao para defesa do ru, no

    implica considerar a prova como ato obrigatrio. Ela no se inclui no rol dos atos

    indispensveis, ou melhor, obrigatrios para defesa, a exemplo da presena do acusado nas

    audincias.

  • 36

    Atos defensrios e produo de provas no se confundem. Veja-se. Segundo o

    pargrafo nico do art. 186 do CPP, o silncio no configura confisso nem deve ser

    interpretado em prejuzo para defesa. O chavo popular de que quem cala consente no se

    firma no processo penal. O silncio uma inrcia do acusado que, a depender do caso, pode

    transformar-se na melhor estratgia de defesa, j que no lhe prejudica, ao contrrio dos atos

    defensrios cuja realizao obrigatria sob pena de nulidade.

    Como reza o art. 156 do CPP, o nus da prova cabe a quem o alega. Nesse sentido,

    nus do parquet ou da vtima, a depender da natureza da ao, buscar elementos que

    assegurem o alegado, os fatos constitutivos que geraram a ao penal, restando ao acusado a

    tarefa de contrapor tais alegaes como fatos extintivos, modificativos ou mesmo alegar a sua

    inexistncia como destaca o art. 386, inciso I, CPP.

    O art. 156, in fine, em consonncia com o art. 502, ambos do CPP, permitem que o

    magistrado, de ofcio, determine produo de provas. O que relativiza a obrigatoriedade de

    caber o nus da prova a quem alega. Mas de se atentar para o fato de ser essa determinao

    ex officio pode ser muito til para sanar dvidas, nulidades, dentre outros, que prejudiquem o

    esclarecimento da verdade.

    Merece destaque a lio de Florian:

    O onus probandi no tem, no Processo Penal, aquele alcance que se

    lhe concede na esfera civil, pois, vigorando no Processo Penal o

    princpio da verdade real, o Juiz dispe de faculdades instrutrias para

    suprir a inrcia ou conjurar a astcia das partes.24

    Os juzes podem determinar a produo de provas, embora alguns talvez no o faam

    de forma to freqente ou contundente, acredita-se que visando no ferir o princpio da

    imparcialidade do juzo. No sistema acusatrio, recomendvel que o magistrado se limite a

    participar em hipteses de medidas cautelares, pois uma incurso acentuada deste nas provas

    da fase pr-processual pode significar violao das atribuies do Ministrio Pblico e

    resultar em condenao, caso haja denncia, com violao dos direitos fundamentais dos

    acusados. 25 Restringe-se o MM., em sede de 1 grau, a determinar a produo de elementos

    em uma determinada rea. J, em sede de 2 grau (juzo ad quem), pode ordenar diligncias, 24 FLORIAN. Elementos de Derecho Procesual Penal. Barcelona: Bosch. 2005. p. 320. 25 GONALVES, WAGNER. . Acesso em 13 Nov 2009.

  • 37

    mas os resultados no podem ser utilizados, se ferir o princpio do reformatio in pejus, caso o

    recurso tenha sido movido apenas pela acusao, isto , ainda que as novas provas

    corroborem para condenar ou agravar a condio do ru, no ser possvel aos magistrados

    prolatar acrdo reformando para pior a sentena do juzo a quo, em casos que s a acusao

    recorra. Nessa instncia e nessas condies, frise-se, a verdade real s prevalece para manter

    ou melhorar a situao do ru, como determina o art. 617 do CPP.

    Sobre a reformatio in pejus, comenta Nucci:

    No h possibilidade da parte recorrer contra uma deciso e, ao invs de conseguir a modificao do julgado, segundo sua viso, terminar obtendo uma alterao ainda mais prejudicial do que se no tivesse recorrido. Veda o sistema recursal que a instncia superior, no tendo a parte requerido, empreenda uma reformatio in pejus.26

    2.4 Etapas da Atividade Probatria

    A produo de provas, via de regra, deve seguir quatro etapas bsicas para se firmar

    como tal perante a sistemtica jurdica vigente, a saber:

    a) Proposio: momento de propor as provas, sob pena de precluso. Para a acusao,

    d-se o pedido de produo de provas na pea acusatria. Para a defesa, no momento da

    defesa prvia. Caso se trate de crime cujo procedimento exija o do Tribunal do Jri, devem

    ser propostas as provas em audincia nica. Podem ser requeridas e produzidas durante a fase

    de juzo de preparao do plenrio (segunda fase do processo), e excepcionalmente poder ser

    ajuizada a medida incidental de justificao (a fase da justificao pode ser absorvida pela

    produo de provas, agora viabilizada na segunda fase), mas so produzidas

    preferencialmente na fase de juzo de formao da culpa (primeira fase do processo), dentro

    do processo atual trifsico (a terceira fase o juzo de mrito). O interrogatrio ser realizado

    no final da colheita das provas. obrigatria a oitiva da vtima na produo das provas,

    quando vivel.

    Entretanto, o CPP prev alguns momentos distintos a esses, como nos casos do exame

    de insanidade (art.149 e ss) e da prova documental (art.231 c/c 400), os quais podem ser

    realizados a qualquer tempo da marcha processual.

    26 NUCCI, Guilherme de Souza. Cdigo de Processo Penal Comentado. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 935-936.

  • 38

    Regra importante tambm a prevista no art. 399 do CPP, a qual possibilita de as partes,

    mesmo aps o oferecimento da pea acusatria e da defesa, solicitar provas que entenderem

    convenientes para deslinde do caso.

    b) Admisso: configura-se no momento particular do juiz. , pois, o juzo de

    admissibilidade, cabendo, exclusivamente a ele julgar as provas requeridas pela acusao e as

    pela defesa, podendo deferi-las ou no. Mas, como dito alhures, no indeferi-las ao seu bel

    prazer, antes se apresentarem como ilegais ou at mesmo irrelevantes, impertinentes,

    meramente protelatrias, sob pena de cerceamento de defesa ou de ferir o princpio da

    verdade real, inerentes persecuo penal.

    c) Produo: na verdade, configura-se nos elementos tomados como probatrios

    introduzidos no processo.

    d) Apreciao: o momento em que o magistrado se debrua sobre as provas

    produzidas e levadas aos autos para avali-las, valor-las de acordo com sua convico, sua

    experincia e seu conhecimento jurdico, principalmente no que diz respeito ao sistema de

    valorao das provas adotado pela sistemtica jurdica em vigor. Tudo isso para dar ao

    processo o desfecho prudente, razovel.

    Vale destacar que possvel, no processo penal, haver a insero de provas j

    produzidas em outros autos, inclusive cveis. a chamada prova emprestada ou trasladada.

    Contudo, no basta a sua simples insero nos autos de um processo penal, sob pena de se

    violar o princpio do contraditrio.

    Assim, parte da doutrina alega que a prova emprestada no pode produzir efeitos

    contra uma das partes que no participou do processo originrio. Ademais, no se permite

    prova emprestada de outro inqurito policial, haja vista ser pea informativa, sem a presena

    do princpio do contraditrio.

    Frise-se tambm que a prova trasladada, como destaca Capez, embora originalmente

    possa ser testemunhal ou pericial, no momento em que transportada para o novo processo,

    passa a construir mera prova documental.27

    Alm da prova emprestada, mister se faz mencionar um pouco sobre a prova negativa,

    mas conhecida como libi. Constitui em todos os elementos que possam evidenciar estar o

    acusado, como o prprio nome da palavra informa, em outro local, em outra parte,

    27 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. So Paulo: Saraiva. 2007. p. 275.

  • 39

    impossibilitando-o, em princpio, de ter participado do ato criminoso. Ensina Capez que o

    nus de comprovar a veracidade do libi de quem o alega, nos moldes do art. 158 do

    Cdigo de Processo Penal.28

    2.5 Sistema de Apreciao das Provas

    A ltima etapa da atividade probatria, descrita no item anterior, d-se com o juzo de

    valorao das provas trazidas ao processo, juzo este que se configura em ato personalssimo

    do juiz. Muita embora possam as partes auxili-lo, somente o magistrado est apto a valor-

    las numa tarefa delicada e minuciosa, mas bem altura de seu mister.

    Ao longo da histria, o sistema de apreciao das provas ganhou contornos bem

    distintos, vez que reflete o entendimento e as convices polticas, sociais, jurdicas, culturais,

    de cada povo.

    Em princpio, vigorava o sistema de ordlios, ou seja, as normas ditadas pelos Juzos

    de Deus. Esse sistema tpico da antigidade, supersticioso e cruel, determinava a condenao

    ou a absolvio do acusado a caminhar descalo sobre um ferro em brasa, braseiros, ou

    jogado em um rio com os ps e/ou mos amarradas, pois, s com esses tipos de prova, poder-

    se-ia aferir sua responsabilidade.

    Em 1215, precisamente no III Conclio de Latro, poca do Papado de Inocncio III,

    aboliu-se o sistema dos ordlios. Instituiu-se o sistema da ntima convico, aperfeioado

    posteriormente pelo incio do Due Process of Law ingls (Devido Processo Legal, leia-se

    Devido Processo de Direito), em 1354.

    O sistema da ntima convico ou da certeza moral do juiz, tambm denominado da

    prova livre, permite que o magistrado valha-se de sua ntima conscincia ao julgar as provas,

    admitindo, inclusive, valorao sem que haja prova nos autos. Sua fundamentao realmente

    fundada na sua mais ntima convico.

    Esse sistema de valorao s tem abrigo no atual ordenamento jurdico brasileiro

    apenas quando se trata de julgamentos submetidos ao Tribunal do Jri, em que os jurados

    decidem com base, estes sim, na sua ntima convico, sem obrigatoriedade de fundamentar

    seu voto, o qual, esclarea-se, sigiloso.

    28 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. So Paulo: Saraiva. 2007. p. 275.

  • 40

    Como lembra Capez, esse sistema vigora entre ns, como exceo, nas decises

    proferidas pelo jri popular, nas quais o jurado profere seu voto, sem necessidade de

    fundamentao.29

    Com o colapso do sistema da ntima convico que, embora conferisse inteira

    confiana no juiz, dava asas a decises pessoais, particulares, no raro preconceituosas, enfim,

    injustas, surgiu o sistema das provas legais ou da certeza moral do legislador, o qual foi

    difundido nos sculos XIII a XVIII.

    O sistema das provas legais, ao contrrio do sistema da ntima convico, limitava a

    atuao do julgador que deveria restringir sua deciso ao contedo extrado das provas

    existentes nos autos. Havia, inclusive, a previso legal da valorizao de determinadas provas.

    Como lembra Tourinho Filho, tinha inteira aplicao o brocardo testis unus testis nullus, isto

    , um s testemunho no tem valor. 30 Por essa no flexibilizao, esse sistema tambm faliu,

    dando abertura ao sistema da livre convico do juiz ou persuaso racional do magistrado.

    Diante desse cenrio, para afastar no s as decises particulares do sistema da

    valorao pela ntima convico, como tambm as decises engessadas, em sua maioria

    padronizadas, pelas limitaes impostas pelo sistema das provas legais, inaugurou-se o

    sistema da livre (e no da ntima) convico ou persuaso racional, o qual prioriza a liberdade

    do juiz para valorar as provas levadas ao processo, inclusive sua experincia ou qualquer

    elemento que possa servir para persecuo da verdade real. Entretanto, essa liberdade no

    pode extrapolar os contornos argumentativos razoveis, plausveis face ao contexto ftico e s

    provas insertos nos autos.

    Ressalta-se que, via de regra, nesse sistema, so admitidos todos os meios de provas, a

    fim de se ampliar, e no cercear, os caminhos da acusao e da defesa, assegurando princpios

    de alta monta num sistema democrtico de direito: o da ampla defesa e o do contraditrio.

    Esse sistema da livre convico adotado em muitos ordenamentos jurdicos

    modernos, inclusive pelo ordenamento ptrio (art. 157 do CPP).

    2.6 Princpios Gerais das Provas

    As provas apresentam princpios bsicos, alguns dos quais j mencionados nesse

    trabalho, mas neste ponto sero elencados e sistematizados de forma breve.

    29 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed. So Paulo: Saraiva. 2007. p. 276. 30 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. So Paulo: Saraiva. 2002. p. 461.

  • 41

    a) Princpio da auto-responsabilidade das partes: como esclarece o nome do princpio,

    cabe s partes assumir a responsabilidade pela produo de provas legais ou ilegais ou mesmo

    por sua inrcia, haja vista ser a prova um nus e no uma obrigao processual.

    b) Princpio da audincia contraditria: a cada prova deve haver sua contraprova ou ao

    menos a possibilidade de defesa. Produzir prova e lev-las aos autos sem o devido

    conhecimento da outra parte no admissvel no ordenamento jurdico brasileiro por ntida

    burla ao princpio do contraditrio.

    c) Princpio da aquisio ou comunho da prova: embora as partes produzam as

    provas, e em carter de exceo possam ser determinadas pelo magistrado, elas no pertencem

    a uma, a esta ou quela parte, antes ao processo para o interesse da justia no que toca etapa

    da formao da convico do magistrado.

    d) Princpio da oralidade: no processo penal ou cvel atual, deve haver um certo

    destaque para a palavra oral, quer nos debates, quer nos depoimentos, testemunhos, alegaes,

    sem que se possa fazer uso de textos escritos para serem lidos. E desse princpio surgem o da

    imediatidade do juiz para com as partes e com as provas e o da concentrao.

    e) Princpio da concentrao: como reza o art. 336 do CPC, salvo disposio especial

    em contrrio, as provas devem ser produzidas em audincia. V-se que esse princpio se firma

    como conseqncia do princpio da oralidade.

    f) Princpio da Publicidade: devem ser pblicos todos os atos judiciais, assim como a

    produo de provas, configurando-se como exceo apenas os que esto protegidos pelo

    manto do segredo de justia, como dispe o art. 155 do CPC.

    g) Princpio do livre convencimento motivado: como j traado, esse sistema dispensa

    a valorao, a taxonomia da prova previamente determinada pela legislao, como era no

    sistema das provas legais. Antes, considera a liberdade do juiz em apreciar as provas,

    restringindo, como dito alhures, apenas anlise ftica e s provas levadas aos autos.

    2.7 Classificao das Provas

    Existem vrias classificaes da prova. Elencam-se, a seguir, as mais comuns.

    No que concerne ao objeto, isto , no que toca aos fatos, de primeira ou de segunda

    ordem, que precisam judicialmente ser provados, tem-se:

    a) direta justamente a prova que demonstra o fato principal a ser provado.

    b) indireta a prova que, por outros contornos como o do raciocnio lgico e a prova

    do libi, chega-se ao fato principal.

  • 42

    Quanto ao efeito da prova, pode ser classificada como:

    a) plena: quando a prova consegue de per si contemplar a certeza necessria

    convico do juzo. Segundo Capez, quando a prova se mostrar inverossmil, prevalecer o

    princpio do in dubio pro reo.31

    b) no plena ou indiciria: quando a prova apenas apontar indcios, mera probabilidade

    do fato, o que leva a impetrao de medidas judiciais em razo do princpio do in dubio pro

    societate.

    No que se relaciona ao sujeito ou causa, a prova distingue-se em:

    a) real: prova que se materializa sem a necessidade da pessoa, figura-se externa ao

    sujeito, atestando determinado fato ou circunstncia, a exemplo do local do crime e dos

    instrumentos utilizados pelo pretenso acusado.

    b) pessoal: prova extrada do sujeito, de determinada pessoa que possa influenciar na

    resoluo do conflito, como acontece com os depoimentos de testemunhas oculares.

    No que toca forma, a prova pode ser entendida como:

    a) testemunhal: nasce justamente do testemunho, do depoimento de pessoa alheia ao

    processo, mas que conhece de fatos que possam promover o deslinde do litgio.

    b) documental: realizada por meio de documentos.

    c) material: produzida por pessoas especializadas, como engenheiro, ambientalista,

    contadores, dentre outros, ou seja, provas produzidas por peritos, expertos em determinadas

    reas do conhecimento cientfico para, por exemplo, realizar exames, vistorias. Matria objeto

    de anlise do presente trabalho monogrfico, a ser discorrida no prximo tpico.

    31 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 12. ed .So Paulo: Saraiva. 2007. p. 271.

  • 43

    3 PERCIA CRIMINAL

    Este captulo foi reservado anlise da percia na seara criminal, suas caractersticas,

    questes complexas que a permeiam como a padronizao, entre outros. O que no implica

    consid