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A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA Arte e Relações Internacionais no Século XX

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA · austríaco simplifica o seu posicionamento com a afirmação de que Znão existe algo que se possa chamar de arte. Existem apenas artistas. Esses, entre

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A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA

Arte e Relações Internacionais no Século XX

Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

História das Relações Internacionais II

A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA

Arte e Relações Internacionais no Século XX

Bárbara Ohrana Rocha Mariano

Geórgia Cristina Leite Chaves

Luiza Fernanda Pereira Santos

Coimbra, 27 de maio de 2016.

Sumário 1. Introdução ................................................................................................................................. 4

2. O Breve Século XX ..................................................................................................................... 5

2.1 (1914-1945) ......................................................................................................................... 5

2.1.1 A Primeira Guerra Mundial ou Trágica Decisão ........................................................... 5

2.1.2. Revolução Russa ou Outubro: 10 dias que abalaram o mundo. ................................. 6

2.1.3 O Entreguerras ou Desencanto .................................................................................... 7

2.1.4 A Segunda Guerra Mundial ou Apocalypse Now ......................................................... 9

2.2. (1946-1989) ...................................................................................................................... 10

2.2.1 A Guerra Fria ou Quanto Mais Quente Melhor .......................................................... 10

2.3. O Fluxo das Artes ou ...E o Vento Levou .......................................................................... 13

2.4. (1989-1991) ..................................................................................................................... 17

2.4.1 Pós Guerra Fria ou Chinatown ................................................................................... 17

2.4.2 O Fim da História ou Um Sonho de Liberdade ........................................................... 17

3. Conclusão ................................................................................................................................ 18

4. Bibliografia .............................................................................................................................. 19

5. Anexos ..................................................................................................................................... 21

1. Introdução

A integração econômica a qual o mundo estava sujeito ao fim do longo século XIX viria

a ter seu curso – temporariamente – interrompido com acontecimentos que hoje são

classificados como grandes marcos da história. Duas guerras mundiais, uma grande

depressão, uma guerra fria, e todos os eventos desencadeados por ela, moldaram o

sistema internacional direcionando para o que hoje é conhecido.

Contrariando a premissa de Oscar Wilde de que a vida imita mais a arte do que o

oposto, artistas de diversas partes retrataram, com intensidade, aquilo que se passava

no mundo. Guernica (figura 001), do gênio Pablo Picasso, talvez seja o melhor dos

exemplos, mas não o único. Paul Delvaux em La Ville Inquiète (figura 002) mostra o

tormento de uma França ocupada. Frida Kahlo, o nacionalismo mexicano. Tarsila do

Amaral, representante do cubismo brasileiro, é acusada de subversão e presa por seu

envolvimento com a esquerda após uma viagem à URSS. No ano seguinte, ela pinta

Operários (figura 003) e Segunda Classe (figura 004). Vinícius de Moraes, na literatura,

escreve Operário em Construção e, em um contexto mais global, A Rosa de Hiroxima.

E o interesse pelo que se passava no meio cultural à época não chega ao fim com a

atualidade. O filme Meia-Noite em Paris, do cineasta Woody Allen, põe em cena de

forma surreal a chamada Escola de Paris. Gertrude Stein, Ernest Hemingway, Scott e

Zelda Fitzgerald, Luis Buñuel. Diferentes personalidades e nacionalidades que se

encontraram na cidade cultural do momento, em uma fusão que chega ao fim com a

eclosão da Segunda Guerra Mundial, segundo James Voorhies, responsável pelo

departamento de Pinturas Europeias do Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

Esse turbulento período incluiu apropriação indevida de coleções particulares na

Alemanha Nazista, além do confisco e destruição de obras modernistas. Medidas

preventivas foram tomadas pela Europa para a preservação do patrimônio, rendendo

mais tarde um mínimo reconhecimento àqueles que as haviam arquitetado. Para as

obras cuja proteção falhou, o programa Monuments, Fine Arts, and Archives foi

responsável por sua localização e recuperação. Os chamados The Monuments Men,

atuam até os dias de hoje, por meio de sucessores, em busca das peças ainda

desaparecidas em uma combinação que mostra haver, definitivamente, arte na guerra.

Para Ernst Gombrich (1999: 15), o conceito de arte pode assumir características

extremamente distintas de acordo com o contexto em que se encontra. O historiador

austríaco simplifica o seu posicionamento com a afirmação de que ‘não existe algo que

se possa chamar de arte. Existem apenas artistas. ’ Esses, entre os quais fizeram parte

aqueles que ilustravam as paredes das cavernas e aqueles que hoje criam os cartazes

para o metrô, buscavam retratar a realidade a sua volta. O afresco Inspecionando os

5

campos para Nebaum, datado em aproximadamente 1350 a.C., mostra, por exemplo,

como se dava a agricultura no corpo social egípcio.

Paul Klee, com propriedade de quem é internacionalmente reconhecido como artista,

diz que ‘a arte não reproduz o visível, ela torna visível’. Seja para os contemporâneos

ou para quem procura interpretar os acontecimentos retrospectivamente, o trabalho

resultante de um lapso de inspiração torna eterno aquilo que não se quer lembrar ou

talvez, não se possa esquecer.

2. O Breve Século XX

A expressão criada pelo ex-presidente da Academia Húngara de Ciências, Ivan Berend

(Hobsbawm, 1995: 10), e popularizada pelo historiador britânico Eric Hobsbawn capta

de forma sintética os acontecimentos da época. O chamado ‘breve século XX’ começa

com uma guerra que se previa, mas não se esperava e termina com o fim de uma

guerra que, eurocentricamente, nem começou. Setenta e sete anos em que as

transformações eram vistas não somente no cenário internacional, mas no cotidiano

daqueles que as presenciavam. As mulheres, as quais em 1914 estavam sujeitas à

repressão não só dos espartilhos ganham progressiva liberdade ao ocuparem postos

no mercado de trabalho durante as guerras. Nos anos 60, nos países ditos do ‘terceiro

mundo’, os métodos de controle de natalidade eram incentivados, e o uso da pílula

anticoncepcional foi autorizado no Brasil anteriormente à França1. Nos anos 90, elas já

eram retratadas em programas de televisão falando abertamente sobre a própria

sexualidade. Com novas experiências tocando a realidade, era de se esperar que os

movimentos artísticos e culturais os acompanhassem.

2.1 (1914-1945)

2.1.1 A Primeira Guerra Mundial ou Trágica Decisão

O pintor expressionista Otto Dix possui em sua trajetória artística as marcas da história

internacional. Nascido em Dresden em 1891, fez parte de uma geração que enfrentou

os percalços de duas guerras mundiais. Ele estava com vinte e dois anos de idade

quando o Arquiduque Francisco Ferdinando foi assassinado. As lembranças cultivadas

1 Pedro, Joana Maria. (2003). A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista

Brasileira de História, 23(45), 239-260. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882003000100010

6

durante o tempo em que serviu na Grande Guerra apresentaram-se ao longo de toda a

sua carreira. 2

O conflito armado de 1914 rompeu um período em que, à exceção da Guerra da

Crimeia, não mais que duas grandes potências conflagraram-se entre si. As origens

desta hostilidade possuem causas distantes e próximas, por vezes difíceis de

concretamente indicar. Tensões imperialistas ou conflitos localizados tentam explicar

aquilo que se inicia com França, Grã-Bretanha e Rússia de um lado, e Alemanha e

Áustria-Hungria do outro (Hobsbawn, 1995: 32).

Dix, como fizeram muitos outros artistas, pinta aquilo que viu. As trincheiras ocuparam

suas telas com traços abruptos, com a dilaceração de somente quem a viu de perto

poderia o fazer. Em 1922, ele desenha ‘Veterano Ferido’ (figura 005), em um possível

retrato de si mesmo e de todos aqueles que sobreviveram, ou não, à luta.

As consequências dos acontecimentos que sucederam ao dia 28 de setembro de 1914

passaram pelo colapso de regimes e impérios, e a criação de um ambiente favorável às

turbulências do fim da década seguinte.

2.1.2. Revolução Russa ou Outubro: 10 dias que abalaram o mundo

A personagem Anastásia Nikolaevna Romanov, filha do czar russo Nicolau II, é

inspiração para produção cinematográfica e literária no século XX. O filme mais

conhecido – Anastásia (1956) – transmite a ideia da sua possível sobrevivência após a

execução do czar e de sua família na Revolução de Fevereiro. A Rússia, no início do

século XX, tinha economia majoritariamente agrícola, e o sistema czarista absolutista

vigente, que exigia altos impostos dos pobres trabalhadores, trazia intensa insatisfação

à classe popular. A entrada do país na Primeira Grande Guerra acarretou escassez de

alimentos, empregos e salários dignos, incitando a população a manifestar-se a pedido

de democracia e fim da monarquia czarista. A Revolução de Fevereiro depõe o czar e

instala um Governo Provisório, e a Revolução de Outubro, liderada pelos bolcheviques

do Exército Vermelho Lenin e Trosky contra o Exército Branco conservador, dá base

para a criação da NEP (Nova Política Econômica) e ascensão do Partido Comunista sob

a liderança de Stalin, depois da morte de Lenin (Pipes, 1995).

Após a Revolução de 1917, o movimento de cultura proletária emerge reivindicando

autonomia na arte, a qual não deveria depender do controle político dos especialistas

burgueses do Partido Comunista. É no contexto stalinista que é produzido o romance

satírico “O Mestre e a Margarida” de Mikhail Bulgakov, cuja crítica ao regime

intolerante faz-se presente. Nas artes visuais, a vanguarda russa é o estilo artístico

2 Biografia (n.d.). Acessado em 24 de maio de 2016, em Otto Dix: http://www.ottodix.org/biography/

7

predominante, e até a ascensão stalinista, foi ferramenta de propaganda

revolucionária. Com as técnicas de arte gráfica construtivistas, El Lissitzky representa

bem a guerra civil entre os exércitos branco e vermelho. Na obra “Beat the Whites

with the Red Wedge” (figura 006), o triângulo vermelho simboliza a força bolchevique

derrotando o oponente3.

2.1.3 O Entreguerras ou Desencanto

Perseguições políticas e religiosas ou precariedades em seus contextos natais fizeram

com que diversos artistas exilassem-se antes e durante o período do entreguerras. O

destino escolhido por muitos foi a capital francesa, que torna-se então um reduto

artístico de produção cultural.

O termo Escola de Paris foi criado por André Warnod, em um artigo de 1925.

Inicialmente, a expressão designaria artistas como Picasso e Matisse, mas acabou se

estendendo aos cerca de 80 expatriados que viviam em Paris na época. Os artistas

advinham essencialmente da Europa, mas também de locais longínquos como o Japão.

A produção não era esteticamente homogênea, nem partilhava dos mesmos objetivos

políticos e sociais. Era por isso considerada um fenômeno social, que teve como legado

algumas das mais célebres obras de arte do século XX (Farthing, 2011: 374).

Pablo Picasso, Henri Matisse, Contantin Bracusi, Amedeo Modigliani, Chaïm Soutine,

Marc Chagall, Piet Mondrian e Wassily Kandinsky. Alguns dos artistas que inovaram a

arte moderna com o fauvismo, o cubismo, o surrealismo e a arte abstrata 4.

Segundo Farthing, o cubismo foi amplamente afetado pelos conflitos bélicos, já que

foram muitos os artistas os quais retrataram o tema ou participaram diretamente da

guerra. A parceria entre Picasso e Braque, por exemplo, foi interrompida quando o

último serviu como sargento de infantaria (2011: 390).

No entanto, assim como guerras mundiais, o movimento cubista não ficou restrito

somente à Europa. No Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi um epítome do

amplo movimento conhecido como modernismo brasileiro. Um rompimento com o

academicismo e com a belle époque francesa, permeado ainda pela aproximação do

centenário da independência, que resultou em uma intensa efervescência cultural. A

antropofagia cultural seria, para Oswald de Andrade, a combinação da cultura

europeia trazida pelo processo colonizador e a cultura africana e indígena. ‘Tupi or not

3 Wolf, Justin (2016). Important Art by El Lissitzky. The Art Story Contributors. Acessado em 23 de maio de 2016. Diponível em: http://www.theartstory.org/artist-lissitzky-el-artworks.htm 4 Escola de Paris (n.d.). Acessado em 22 de maio http://www.tate.org.uk/learn/online-resources/glossary/s/school-of-paris

8

tupi, that’s the question.’ A proposição feita pelo autor em seu Manifesto

Antropofágico sintetiza bem os propósitos da vanguarda, com referências à Hamlet de

Shakespeare e à língua falada por uma parte dos povos indígenas.

Heitor Villa-Lobos, maestro brasileiro participante da Semana de Arte, ficou conhecido

como ‘compositor do Estado Novo’ devido ao seu trabalho junto ao governo de Getúlio

Vargas. Com projetos de educação musical, o artista ajudou a construir a identidade de

um país onde cada localização ou estrato social identificava-se com uma.

“Para Getúlio, esse isolamento cultural, político e até mesmo comunitário,

somado à multiplicidade cultural, idiomática e de identidade pátria

variável, se constituía no maior desafio de seu governo. Para fazer

prosperar sua política nacionalista, deveria haver um ou mais elementos

catalisadores do sentimento de pertencer a uma pátria, a brasileira,

minimizando ou mesmo anulando sentimentos de desagregação pela

ligação emocional, cultural ou de qualquer outra ordem com a nação de

origem.” (Unglaub, 2006: 1)

O presidente brasileiro governava o país em um período cujo cenário internacional era

conturbado. A crise de 1929, que tem seu início marcado com o Crash da Bolsa de

Valores de Nova York em 24 de outubro daquele ano. A Mãe Migrante, de Dorothea

Lange (figura 007), é talvez uma das fotografias mais marcantes da época. Realizada

para um projeto da Farm Security Administration, a artista capta, com pequenos

detalhes, a vida daqueles que padeceram com a crise. A pele desgastada e as unhas

sujas são recursos visuais reais para mostrar a realidade de lavradores migrantes

durante a Grande Depressão. No Brasil, o retrato da situação nacional também não era

positivo.

Assumindo o poder pela primeira vez em 03 de novembro de 1930, Vargas se depara

com uma crise internacional e com os resquícios, políticos e econômicos, que a Grande

Guerra havia causado nos mercados estadunidenses e europeus. Com medidas

intervencionistas, o presidente seguia preceitos do discurso desenvolvimentista, um

dos pilares da Comissão Econômica para América Latina e Caribe, nos anos 50 (Ribeiro,

2014).

Segundo Vargas,

“O protecionismo industrial das matérias-primas do país é fator decisivo,

sem dúvida, ao nosso progresso econômico. É justo, por isso, que se

estimule, mediante política tarifária, conduzida sem excessos. As tabelas

das alfândegas devem refletir estes critérios (apud Ribeiro, 2014: 37) “.

A resposta dada pela sociedade e pelo governo brasileiro à crise foi somente uma das

tendências do sistema internacional na época. A construção de sociais-democracias,

9

em países tradicionalmente capitalistas, com reforço do papel do Estado nas funções

sociais, consolidou-se em alguns países europeus e, ao seu modo, nos Estados Unidos

da América. Entretanto, o momento de crise também permitiu que outra forma de

governo se popularizasse no contexto europeu: os governos autoritários.

2.1.4 A Segunda Guerra Mundial ou Apocalypse Now

Ao contrário da Primeira Grande Guerra, com origens nebulosas, as questões

desencadeadoras da Segunda Guerra Mundial são praticamente consensuais. Segundo

Hobsbwam, ‘nenhum historiador sério jamais duvidou de que a Alemanha, Japão e

(mais hesitante) a Itália foram os agressores’ (1995: 43).

Glorificar a nação ressaltando os atributos físicos do padrão de beleza ariano foi o que

fez Leni Riefensthal em um livro publicado em 1937. Schönheit im Olympischen Kamp,

com fotografias como Após o Mergulho (figura 008), exalta atletas alemães de forma

como nunca antes vista. O livro, no entanto, foi internacionalmente aclamado somente

até ser associado ao regime nazista (Hacking, 2012).

Com a fotografia tendo se tornado mais prática e com os meios para divulgá-las

tornando-se cada vez mais acessíveis e populares, os governos logo passaram a

perceber a importância desse instrumento, especialmente ligados aos conflitos.

Quando a Grã-Bretanha entrou em guerra em 1939, um ministério da Informação logo

foi criado. (Hacking, 2012)

Robert Capa, um célebre artista do século XX, percorreu as operações europeias

durante o conflito. Fotografou o desembarque do Dia D (figura 009), e sobre a

experiência disse que:

“o correspondente de guerra tem sua aposta – sua vida – em suas próprias

mãos, e pode colocá-las nesse ou naquele cavalo, ou pode colocá-la de

volta no bolso no último minuto. [...] Sou um apostador. Decidi ir junto com

a companhia. E na primeira onda.” (Hacking, 2012)

Já Yevgeny Khaldei, era por vezes considerado sua ‘versão soviética’. Com A bandeira

vermelha sobre o Reichtag (figura 010), o autor reencena um momento histórico,

procurando rivalizar com A Old Glory é hasteada no monte Suribachi (figura 011), de

Iwo Jima. Uma ‘competição’ fotográfica que acaba por prever as dinâmicas do sistema

internacional na segunda metade do século, que se iniciaria com o fim da guerra.

Um dos ícones desse momento é a foto onde um marinheiro, em um instante de

euforia, rompe com os padrões comportamentais da época e beija uma enfermeira

(figura 012). Por anos, pensou-se na cena como romântica, mas, felizmente, com a

intensificação do debate acerca da cultura do estupro questiona-se a interpretação já

10

pré-estabelecida da imagem. O modo abrupto como o homem segura, a mais tarde

identificada, Greta Zimmer Friedman, corresponde aquilo que ela diz em seu discurso:

foi agarrada sem consentimento por Geoerge Mendonsa 5.

A guerra entre as potências havia acabado, mas a batalha das mulheres por seus

direitos ainda há de ser ganha.

2.2. (1946-1989)

2.2.1 A Guerra Fria ou Quanto Mais Quente Melhor

Bond, James Bond, é um espião e herói britânico que luta ao lado dos países ocidentais

no contexto da Guerra Fria. O conflito essencialmente ideológico entre os Estados

Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas estava tensionado

por uma corrida armamentista – OTAN e Pacto de Varsóvia -, e espacial – Apollo 11 e

Sputnik -, políticas de combate à ideologia rival – macarthismo e KGB -, divisão da

Alemanha e da Europa pós Segunda Guerra – Muro de Berlim e Cortina de Ferro -,

planos econômicos de ajuda a aliados - Plano Marshall e COMECON –, e participação

indireta de guerras no “Terceiro Mundo” – Guerra da Coreia e do Vietnã. Bond, vai

sobretudo defender o ideal capitalista e os valores ocidentais, carregando

implicitamente sua identidade britânica que, embora ofuscada pela hegemonia

estadunidense, quer ser fortalecida ao salvar o mundo. (Best, 2004)

No final dos anos 50, emerge na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, um movimento

artístico engajado na imagem de cultura popular e de massa marcada pela ironia: a

“Pop art”. Pela publicidade ou por comic books, artistas como Andy Warhol e Roy

Lichtenstein destacaram-se relacionar certo humor a imagem da cultura popular

Americana. Uma das mais conhecidas obras de Warhol é Marilyn Diptych (Figura 013)

na qual identifica que a sociedade poderia ser manufaturada, mercantilizada e

consumida como produtos6. Lichtenstein destaca-se com Drowning Girl (Figura 014)

expressando emoções do cotidiano que dialogavam com a cultura de massa e universo

imagético norte-americano.

Na literatura, o livro “Doutor Jivago” do poeta Boris Pasternak é considerado um dos

maiores legados culturais da Guerra Fria. Banido da União Soviética no século XX, foi

vítima de um plano da CIA como ferramenta de enfraquecimento a URSS. A Obra

apresentava um enorme valor de propaganda pela mensagem intrínseca de natureza

5‘Kissing sailor’ Photo Depicts ‘Sexual Assault, Not Romance’, Says Feminist Website, Blogger (10 de

fevereiro de 2012). Acessado em 25 de maio de 2016, em Huffpost Women: http://www.huffingtonpost.com/2012/10/05/iconic-kissing-sailor-photo-sexual-assault-not-romance_n_1941127.html 6 Artists Right Society (ARS) (2016), The Andy Warhol Foundation for the Visual Arts, Inc. New York and

DACS, London. Disponível em http://www.tate.org.uk/art/artworks/warhol-marilyn-diptych-t03093

11

provocadora que proporcionaria os cidadãos soviéticos conhecimento sobre o que

havia de errado com seu país. “Livros são armas e se uma obra estava indisponível ou

banida na União Soviética, poderia ser usada como propaganda para desafiar a versão

Soviética da realidade”. (Finn, 2014)

Uma relação de diminuição de tensão entre os EUA e a URSS surgiu com a assinatura

de um acordo sobre a limitação de armas estratégicas (Strategic Arms Limitation Talks

– SALT) pelo presidente estadunidense Nixon e o soviético Brejnev. Foi uma tentativa

de congelar e limitar o poder nuclear dos beligerantes através de negociações em

detrimento das confrontações. Na era do desanuviamento, a trocas culturais entre os

EUA e a URSS se mostraram bastante presentes. Em 1959, exposição estadunidense

em Moscou, que inclusive ressaltou as diferenças e entre as artes dos dois países, já

indicava direção ao desanuviamento da Guerra Fria, na qual a diplomacia cultural

estadunidense estava sincronizada com o paradigma histórico modernista.

Nesse período, entretanto, devido a falta de confiança entre as duas potências, o foco

de rivalidade é transcendido para disputas na Ásia, África e Oriente Médio. Mesmo nos

filmes de 007, o espírito da détente é transposto pelo afastamento das temáticas, cada

vez menos politizadas (Best, 2004). Em 1961, Berlim já estava dividido com o muro que

representava física e ideologicamente a separação do ocidente democrata e oriente

comunista. Durante o decorrer da guerra, no próprio muro, a bipolarização era

representada. A expressão de cores do lado ocidental e a falta dela do lado leste

mostra que no primeiro vivia uma sociedade livre e aberta e no segundo uma

sociedade reprimida.

No mundo das histórias em quadrinhos, a característica política não ficou de fora. A

necessidade e vontade de reforçar a ideologia é tamanha que são incorporadas pela

Marvel e DC Comics. Em Quarteto Fantástico (1961), o inimigo era o Doutor Destino,

que possuía uma armadura de ferro aludindo à Cortina de Ferro imposta contra a

URSS. O Incrível Hulk (1962), é um monstro criado no deserto do Novo México por

estar presente no momento do primeiro teste da bomba nuclear norte-americana. O

Homem de Ferro (1963) é aprisionado pelos vietnamitas no contexto da Guerra do

Vietnã, onde fabrica sua armadura de ferro. Wolverine (1974), invulnerável a qualquer

tipo de ferimento, surge no contexto de descredito aos americanos dadas crises de

petróleo e de Watergate.7

O existencialismo de Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir nos tempos do pós-

Segunda Guerra foi contributo indispensável para a literatura, embora para Sartre esta

tinha mais valor utilitário que cultural8. Em Paris no ano de 1977, com a ideia de

7 Official Handbook of the Marvel Universe. Acessado em 25 de Maio de 2016. Disponível em

http://marvel.com/universe/OHOTMU 8 "Le monde peut fort bien se passer de la littérature. Mais il peut se passer de l'homme encore mieux." –

Sartre (1947) em Les Temps Modernes.

12

renovar a cidade com arte e cultura, é inaugurado o Centro Pompidou, apoiado e

nomeado a partir do presidente francês Georges-Pompidou.

O desanuviamento acaba com a invasão soviética no Afeganistão em 1979, o que faz

com o presidente Jimmy Carter anuncie boicote aos Jogos Olímpicos de Moscou de

19809. Nesse mesmo ano, a eleição de Ronald Reagan, dá fim ao período de trégua e

as negociações da SALT são abandonadas (Best, 2004). Mais uma vez, o espião 007

reflete suas ações condizente com a realidade política. “007 – Somente para seus

Olhos”, de 1981, “007 contra Octopussy”, de 1983 e “007 – Marcado para a Morte”, de

1987, são exemplos dos filmes cuja tensão volta a marcar presença, mostrando agora

ações diretas contra os comunistas soviéticos e o “Império do Mal”.

Enquanto isso, nos países não alinhados, a vivência sob regime militar, incita

manifestações e protestos em nome da música. Entretanto, “não foi a arte que

enfrentou a ditadura: foi a ditadura que enfrentou a arte”10 (Cayses, 2014:115). Na

Argentina, Uruguai e Chile a música contemporânea dotada de crítica social e

posicionamento político se transforma na “canción protesta”. No Brasil, o registro da

ditatura militar fica registrado nas canções de Chico Buarque como em “Roda Viva” ao

pedir voz ao povo: “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar / Mas eis

que chega a roda-viva / E carrega o destino pra lá”. Ademais outros artistas como Raul

Seixas, Tom Jobim, Elis Regina e Gilberto Gil mostraram-se engajados na formação de

um repertório de resistência cultural. “Pra não dizer que não falei das flores” evidencia

diretamente o protesto de Geraldo Vandré contra o regime incitando perseguição

militar e exílio.

Na literatura brasileira, a Poesia Marginal nasce nos anos da Ditadura Militar cuja

essência engajada, rebelde e revolucionária impede sua propagação para não aguçar

os sentimentos de revolta da população. A sátira política de Érico Veríssimo em

“Incidente em Antares”, e a peça teatral de Dias Gomes retrata a situação política

entre os anos 1964 e 1979 e abordam temas como tortura e corrupção com liberdade

e ousadia sem utilizar metáforas e alusões para iludir a censura. Isso mostrou a intensa

resistência popular, sem medo, mesmo com a ameaça de repressão estabelecida no

Ato Institucional nº 5 em 1968, que inclusive foi o que “legitimou” o boicote militar na

X Bienal de São Paulo em 1969 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

A caminho do fim da Guerra, Ronald Reagan lança um programa de iniciativa de defesa

estratégica, também conhecida como Star Wars para desenvolver um sistema de

mísseis antibalísticos a fim de prevenir ataques de outros países, especificamente da

9 Moscow 1980 highlights (2015). Acessado em 24 de Maio de 2016. Disponível em:

http://www.olympic.org/moscow-1980-summer-olympics 10

Cayses, J. B. V. (2014). Isto não é uma obra: Arte e ditadura. Estudos Avançados, 28(80), 115-128.

13

União Soviética.11 O nome referia-se a criação de novas tecnologias de guerra e

combate, fazendo alusão direta ao famoso filme de mesmo nome.

Bandas de punk rock surgiram nos anos 80 atacando governo de Reagan e Thatcher,

como por exemplo, a C.C.C.P. com a música “American-Soviets” na qual os líderes

americano e soviético estariam jogando xadrez em uma tentativa pacífica de resolver

os problemas, referindo-se diretamente à Guerra Fria. Queen, David Bowie, Iron

Maiden, U2, Prince, Ozzy Osbourne, Phil Collins, Billy Joel, Pink Floyd, Metallica, The

Smiths e The Beatles, são alguns exemplos de artistas que, durante a década de 80,

utilizaram do meio artístico para transmitir a ideia da Guerra Fria tal como críticas aos

governos e sistemas vigentes, e mostrar suas posições em relação ao tão esperado fim

da mesma.

2.3. O Fluxo das Artes ou ...E o Vento Levou

O conflito armado, presente quase por completo no século XX, ameaça essencialmente

a propriedade cultural dos países beligerantes, cujo temor da perda de um valor

nacional faz surgir meios de proteção. Submetendo-se a métodos estratégicos como

com a formação de grupos especializados na defesa de obras de arte ou à expatriação

temporária das mesmas.

Em setembro de 1939, declarada Segunda Guerra Mundial, Londres se vê sem

instituições culturais e os londrinos sem entretenimento. A National Galery,

completamente esvaziada devido ao perigo de avariação, dá lugar a performances da

pianista Myra Hess que, ao interpretar músicas clássicas desde Bach à Beethoven, visa

à acessibilidade cultural a todos, e, mesmo durante os 57 dias de intenso

bombardeamento alemão na capital inglesa (The Blitz), não cessam os concertos.12

No mesmo ano, é criada uma agência britânica (The War Artists' Advisory Committee -

WAAC), para que a história britânica fosse devidamente documentada durante a

guerra. Oficialmente, seu propósito era a propaganda, e exibições de arte eram

organizadas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos para promover a imagem britânica

no exterior.

Na Alemanha, uma das principais agências nazistas de pilhagem de objetos de valor

cultural foi a Força Tarefa Especial ou Einsatzstab Reichsleiter Rosenberg (ERR), que

atuava nos territórios ocupados na segunda guerra. O roubo de coleções de arte dos

11

The strategic defense initiative (SDI): Star Wars (2008). Acessado em 22 de Maio de 2016. Disponível em http://www.coldwar.org/articles/80s/SDI-StarWars.asp 12

Bosman, S. (2008). The National Gallery in Wartime. Acessado em 16 Maio de 2016, disponível em https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/history/the-gallery-in-wartime

14

judeus franceses e belgas foi um dos maiores.13 Em 1933, a Gestapo, polícia secreta

nazista, fecha a escola de arte arquitetura e design – Bauhaus – acusando-a de

propaganda antinazista e comunista.

No contexto de anexação da Áustria e da Tchecoslováquia em 1938 e invasão da

França em 1940, iniciaram-se a transferência das principais obras de arte na França em

caso de conflito pelos diretores dos museus. Os maiores tesouros do país, agora

ameaçados, seriam levados para longe dos possíveis alvos do exército inimigo, as mais

renomadas para o Castelo de Chambord. Do Louvre, 3.691 pinturas - incluindo a Mona

Lisa - foram levadas. Como diretor dos Museus Nacionais Franceses, Jacques Jaujard

foi indispensável para a salvaguarda de grande parte das artes do Louvre. Apenas dez

dias anteriores à eclosão da Segunda Guerra Mundial, foi capaz de deslocá-las e

escondê-las do conflito. Em 1938, o mesmo havia sido feito em Madrid para proteção

da Guerra Civil Espanhola. Após o dia D e a liberação de Paris, as coleções de arte

públicas começaram lentamente a retornar aos museus originais, sem nenhuma peça

danificada.14

Ainda ao decorrer da Segunda Grande Guerra, em 1943, são criados programas de

salvaguarda da arte, monumentos e outros tesouros culturais a fim de impedir a

destruição e o roubo a mando dos nazistas e do próprio Hitler, como o programa “The

Monuments, Fine Arts, and Archives (MFAA)” pelo setor de Assuntos Civis e Governo

Militar das tropas Aliadas. Os chamados “monuments men” foram responsáveis pelo

sucesso do programa. Em 1951, em torno de cinco milhões de objetos culturais foram

repatriados, como a famosa escultura Madonna De Bruges de Michelangelo. Ademais,

no tempo das desavenças, não deixaram que a arte fosse esquecida ao organizar

desde exposições temporárias à concertos musicais. Hoje, a fundação “Monuments

Men Foundation For the Preservation of Art” tem o papel de honrar o trabalho heroico

feito e completar a missão de recuperar obras perdidas desde a guerra. Como em

2006, que desaparecida por 50 anos, o retrato de Eleonora de Toledo oferecida como

um presente de casamento e trocada por dois sacos de batatas para produção de

vodka, voltou ao museu de origem em Berlim. Seu repatriamento mostrou a esperança

do retorno de outras obras perdidas.15

Em 1937 em Munique, os nazistas organizaram uma exposição – Arte Degenerada -

para obras consideradas inadequadas para a raça ariana, ridicularizando-as. Dentre os

artistas das artes depravadas, que não exaltavam “the Aryan way of life”, estavam

Wassily Kandinsky, Edvard Munch e Pablo Picasso. O confisco destas das mãos judias

13

Cultural Plunder by the Einsatzstab Reichsleiter Rosenberg. (2015). Acessado em 12 de Maio de 2016. Disponível em http://www.errproject.org/jeudepaume/ 14

Devillers, J., & Pochart, P. (Diretores) (2015). Illustre et Inconnu Comment Jacques Jaujard a sauvé le Louvre [Filme]. França: France 3. 15

The Monuments Men. Acessado em 16 de Maio de 2016. Disponível em http://www.monumentsmenfoundation.org/the-heroes/the-monuments-men

15

era justificado pelo desvio do modo de pensamento de Hitler nas obras,

principalmente tratando-se de arte moderna. Assim, da necessidade de moeda

estrangeira, a venda das mesmas no exterior foi um bom negócio para os nazistas, e a

maioria delas destinou-se a coleções privadas nos EUA. Antes de invadir os países

vizinhos, Hitler tinha interesse no patrimônio artístico que era alemão por origem.16

Dados eventos decorridos na Segunda Guerra Mundial, representantes das Nações

Unidas responderam adotando, em 1954, a Convenção de Haia junto a UNESCO para

Proteção de Bens Culturais em Caso de Conflito Armado - incluindo conflitos internos

como guerras civis e de libertação nacional - que inclusive estabelecia como uma das

obrigações a cooperação entre nações nesse contexto.

Uma invasão russa na Alemanha, sem objetivo de incitar conflito armado, mas serem

indenizados pela guerra, faria com que houvesse busca e pilhagem de toda e qualquer

obra de arte que possuísse algum valor. É assim que obras de Van Gogh, Renoir,

Picasso, Degas, Manet e Matisse acabaram no Museu Hermitage em São Petersburgo.

Para Chalmers Johnson (2003) no continente asiático, governo imperial japonês pode

ser comparado com a agressora Alemanha. Os alemães mataram por volta de seis

milhões de judeus e 20 milhões de russos; os japoneses, 30 milhões de Filipinos,

Malásios, Vietnamitas, Cambojanos, indonésios e Birmaneses, nos quais pelo menos 23

milhões de etnia chinesa. As duas nações saquearam os países conquistados numa

escala monumental, mas o Japão o fez mais que os nazistas. Em 1937, o massacre de

Nanquim – invasão japonesa na capital da China – revela uma das maiores pilhagens

por parte dos japoneses, os quais retinham tudo aquilo que desejavam. Com a derrota

dos países do Eixo no final da guerra, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha realizaram

papel fundamental na repatriação das obras saqueadas e dos criminais de guerra por

parte nazista. Entretanto, quando se tratou do Japão, o governo americano buscou

eximir o Imperador de qualquer responsabilidade de guerra. Ação política e

visivelmente estratégica no desejo de formar relações amistosas entre EUA e Japão

contra ideologias comunistas, o que foi um dos primeiros passos de demonstração da

futura bipolaridade mundial.17

Na China, em meados da década de 60, o líder chinês Mao Tsé-Tung mostra uma

posição de descontentamento com sistema vigente, lançando assim, em 1966, a

Revolução Cultural. Com esta, tinha o intuito de corrigir políticas do Partido Comunista

Chinês (PCC) e principalmente de tornar o sistema cultural, de saúde e de educação

mais acessíveis e menos elitistas. Ao permitir uma juventude revolucionária, forma-se

16

Harvad Law School (2004). Art in Time of War: Pillage, Plunder, Repression, Reparations & Restitution. Acessado em 17 de maio de 2016. Disponível em:

http://www.law.harvard.edu/faculty/martin/art_law/war.htm#bibliography 17

Johnson, C. (2003). The Looting of Asia. [Review of the book Gold Warriors: America’s Secret Recovery of Yamashita’s Gold.] London Review of Books, 25(22), 3-6. Disponível em: http://www.lrb.co.uk/v25/n22/chalmers-johnson/the-looting-of-asia.

16

o grupo dos Guardas Vermelhos a fim de combater o culto “reacionário” confucionista

e a vandalizar monumentos históricos. Uma adaptação das artes foi um método de

propagação da ideologia desejada. A ópera de Pequim tradicional foi proibida por ser

considerada burguesa e feudal, sendo adaptada pela ópera revolucionária como

propaganda da ideologia comunista. Como ferramenta de campanha e comunicação

em massa, utilizaram a arte em cartazes e panfletos educando o público com os

valores definidos pelo PCC (King et al, 2010). Artistas como Feng Zikai, Shi Lu, and Pan

Tianshou foram perseguidos sob a meta dos revolucionários de cessar os “Four Olds:

Old Customs, Old Culture, Old Habits, and Old Ideas”, tradições que estariam

envenenando as mentes da população a milhares de anos (Lu, 2004).

A arte africana no século XX foi fortemente marcada pela influência europeia, tanto

com as missões colonizadoras históricas e com as avant-garde contemporâneas, como

com tendências anti-hegemônicas e práticas confrontadoras e críticas do projeto

colonial. Nesse ponto, vê-se o paradoxo à qual a cultura africana estaria subordinada

(Okeke, 2001). A descoberta das artes ocidentais pelos africanos representaria a

expressão da individualidade e consciência sociopolítica. No entanto, a “lentidão” no

desenvolvimento artístico estaria diretamente relacionada com a independência

política visto que uma dada liberdade artística moderna refletiria a antítese do espirito

colonialista. As independências e descolonizações no continente africano são um

exemplo claro da transposição emancipadora política face às artes (Powell, 1997).

A arte africana contemporânea seria um prolongamento da arte europeia com base no

histórico colonialismo cultural involuntário se adequando nacionalmente pelo

mimetismo. William Fagg e Margaret Plass (1964) põe em causa a autenticidade da

arte africana e negam suas capacidades de inovação assumindo que se apropriam de

técnicas e meios de expressão europeias. Os autores desconsideram, porém, o

conceito de Negritude, a expressão da insatisfação colonialista que agia forçadamente

na cultura africana.

O período pós-guerra foi importante para a arte africana dada às migrações de artistas

para a Europa. Na África do Sul, apesar da existência de academias artísticas, a

segregação racial impedia o acesso de negros às instituições. Dessa forma a emigração

foi a única saída para Ernest Mancoba e Gerard Sekoto que partiriam para Paris. O

nigeriano Ben Enwonwu vai para a Inglaterra, onde torna-se o pioneiro da arte

moderna africana ao fundir técnicas ocidentais e tradições indígenas. Em suma, o que

a arte africana moderna apresenta fortemente é um produto convergente de história,

de modernização e de libertação, um modernismo heterogêneo transcendente e

emergente do colonialismo europeu (Okeke, 2011).

Como evidencia Hobsbawm (2013), nomeadamente na segunda metade do século XX,

a revolução tecnocientífica vai transformar as artes, tornando-as onipresentes. A

disseminação das mensagens do De Gaulle via rádio ou a difusão dos discursos do

17

Aiatolá Khomeini durante a Revolução Iraniana, mostra que as consequências trazidas

foram tanto políticas, quanto culturais. A transposição do centro das artes de Paris a

Nova York, evidencia uma intensa descentralização artística europeia. Na arquitetura

isso se mostra mais visível com as peculiares obras modernas de arquitetos como Le

Corbusier e Oscar Niemeyer. Por outro lado, na Europa Ocidental apareceram fontes

de produção cultural profundas como com a indústria de cinema na Polônia,

Tchecoslováquia e Hungria a partir de 1950, caso peculiar que mostra quão

surpreendente foi tal o avanço artístico mesmo sob regime comunista. Nem situações

inflexíveis de conflito armado e falta de financiamento são desculpas para findar as

produções. Para Hosbsbawm, o que guiaria os artistas seria “a sensação de ser

necessário ao seu público [...] a ausência de verdadeira política e imprensa livre [...]

[Os] praticantes das artes eram os únicos que falavam o que o povo [...] pensava e

sentia”.

2.4. (1989-1991)

2.4.1 Pós Guerra Fria ou Chinatown

Em 1989, a queda do Muro de Berlim simboliza o fim da Guerra Fria e o início da

libertação de sociedades sob influência soviética. Todavia, o mesmo ano, é palco de

ápices por todo o mundo: a Pirâmide do Louvre é concluída, é construído o primeiro

McDonald’s em Moscou, a cantora Riva - representando a Iugoslávia - ganha o

Eurovision Song Contest, acontece o Festival Woodstock’89, e o 14º Dalai Lama ganha

o Prêmio Nobel da Paz. A partir da década de 90, o sistema internacional acompanhou

muitas mudanças, tais como o fim do milagre econômico japonês, a emergência da

China como economia de exportação crescente, a criação da União Europeia com o

tratado de Maastricht e – como consequência mais expressiva - a inquestionável

hegemonia estadunidense.

A seguir dos anos, a arte – pós-moderna - vai ser marcada pelas tecnologias

emergentes, dando destaque a contributos do neo-dadaísta Robert Rauschenberg

cujas obras mostravam sinestesia entre arte e tecnologia. Em meio a diversidade de

materiais e maneira de produzir arte, o grafite se dissemina principalmente pela

Europa e Estados Unidos. A grande diversidade de linguagens que o mundo agora

oferecia caracterizaria a Arte Contemporânea, mais uma vez a política e a arte se

encontrariam, transformando a tendência cultural das sociedades concomitante a

transição do sistema internacional.

2.4.2 O Fim da História ou Um Sonho de Liberdade

A década de 90 é marcada por uma crise ideológica mundial, e é nesse contexto que

18

Francis Fukuyama (1989) escreve o artigo “Fim da História?” no qual desenvolve a ideia

da democracia liberal e do livre capitalismo sinalizarem o fim da evolução sociocultural

da humanidade. Não o fim da historicidade, mas o último estágio de avanço

econômico. Para o autor a cultura pode ser interpretada como uma forma de

resistência à transformação de valores tradicionais em nome do liberalismo, pois para

que um povo esteja preparado para aceitar as ideias liberais é necessária a existência

de pré-condições. Para defender essas ideias o autor baseou-se, entre outros, na

filosofia de Hegel, autor este, o qual possui uma tese sobre o “fim da arte”.

Hegel procurava distinguir o significado da arte no mundo moderno e no mundo grego

e oriental. O que teria chegado ao fim, segundo ele, era o modelo de orientação unida

ao mito, à religião e à filosofia. As consequências do afastamento do original seria a

adoção de qualquer estilo e conteúdo pelo artista, e a necessidade de reflexão sobre

as possibilidades expressivas da arte, sua função e sentido após abandono da ideia

clássica (Sánchez, 2011).

Assim como Fukuyama, Hegel anuncia sua tese no fim de um período histórico.

Fukuyama no fim da Guerra Fria e queda do regime socialista soviético e Hegel na crise

do Antigo Regime. Ambos o associam o ‘fim’ com desilusão e desconfiança em relação

ao futuro do sistema. Para o filósofo Arthur Danto, o “fim da arte” impediria narrativas

da historiografia artística ao atingir um momento de pluralismo estético e sem regras.

Como na arte conceitual – protagonizada por Marcel Duchamp – na qual se valoriza a

ideia a ser transmitida e não na obra em si, que pode ser pluralmente interpretada.

Como defendia Theodor Adorno, a arte “pode ter como seu conteúdo, sua própria

transitoriedade” (Adorno, 1980: 12).

Para Barry Smart mesmo que a pós-modernidade não seja novidade, não deve-se

considerar necessariamente como uma nova etapa, isto é, não representa o fim da

história, da modernidade ou da política, mas uma nova forma de relacionamento com

o mundo.

Por fim, para Guiddens o que se vive não é uma nova idade histórica, mas uma

radicalização da modernidade que definirá uma ordem social multidimensional

ausente na vigilância e no capitalismo (apud Nogueira, 2012).

3. Conclusão

A relação entre arte e relações internacionais não pode mais então ser colocada em

causa. Seja com a vida pessoal dos artistas sendo influenciada por conflitos ou com

diplomacia cultural aplicada, as dinâmicas entre diversas nações acontece, muitas

vezes, de forma não linear.

19

Afirmar uma igualdade de apreciação entre as artes advindas de diversas partes do

planeta é ignorar tudo o que se passou. Apropriá-las culturalmente, transformando em

objeto de moda não é exaltá-las, é novamente colocá-las em um patamar de

inferioridade, como se essas necessitassem da legitimidade do Norte.

Ao dizer-se arte, pensa-se em nomes europeus. Ao falar em música, pensa-se nas

grandes estrelas do pop estadunidense ao tratar-se do presente, e de compositores

alemães, franceses e italianos, sendo o assunto música erudita. Pintores de referência

são Van Gogh, Picasso, Rembrandt, Degas, que além da genialidade tem em comum o

continente de origem.

Ao pesquisar-se sobre arte da África, a vasta maioria de informações disponíveis em

línguas francas resume-se em como artistas europeus fizeram uso de recursos visuais

de elementos africanos. Informações sobre o continente asiático também são difíceis

de extrair, se comparado a outros planos de fundo.

Em países do Sul global, como é o caso do Brasil, o ensino das artes em sala de aula

possui conteúdos programáticos pré-estabelecidos por secretarias de educação

estaduais. Arte indígena, africana e brasileira estão nos tópicos a serem abordados,

mas não são por grande parte das vezes respeitados.

Crianças voltam com um cocar para casa, ‘aprendem’ a dançar capoeira. Obviamente

com exceção a algumas escolas e alguns professores, desconectam-se aulas do

passado de horror.

Veem-se índios tocando seus instrumentos musicais ou vendendo suas cestas nas ruas

e esquece-se de relacionar que não são eles que estão ‘fora do seu ambiente’.

É todo o resto que está.

4. Bibliografia

Gombrich, Ernst H. (1999) La Historia Del Arte, Editorial Diana: Mexico.

Hobsbawm, Eric J. (1995) Era dos Extremos: o breve século XX, Companhia das Letras: São

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Educação e seus Sujeitos na História, Goiânia - GO. A Educação e seus Sujeitos na História.

Goiania/GO : SBHE/UCG, 2006. v. 1.

20

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Getúlio Vargas” in Universitas Humanas, Brasília, v. 11, n. 1, p. 37-46

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Powell, R. J. (1997). Black art and culture in the 20th century. New York, NY: Thames & Hudson.

Fagg, W. B., & Plass, M. W. (1964). African Sculpture. An anthology. London: Studio Vista.

21

5. Anexos

22

A Persistência da Memória, 1931 SALVADOR DALÍ 1904-1989

MoMa, Nova York, EUA

23

001 Guernica 1937

PABLO PICASSO 1881-1973 Museu Reina Sofia, Madri, Espanha

24

002 La Ville Inquiète 1940-1941 PAUL DELVAUX 1897-1994

Acervo Particular

25

003 Os Operários 1933

TARSILA DO AMARAL 1886-1973 Acervo do Governo do Estado de São Paulo

26

004 Segunda Classe 1933

TARSILA DO AMARAL 1886-1973

004 Segunda Classe 1933

TARSILA DO AMARAL 1886-1973 Acervo Particular

27

005 Wounded Veteran 1922

OTTO DIX 1891-1969 Acervo Particular

28

006 Beat the Whites With the Red Wedge, 1919

EL LISSITZKY 1890-1941 Van Abbemuseum, Eindhoven, Países Baixos

29

007 Mãe Migrante, Nipomo, California 1936

DOROTHEA LANGE 1895-1965 Museum of Modern Art, Nova York, EUA

30

008 Após o Mergulho, 1936

ARTHUR GRIMM 1908-1990 LENI RIEFENSTAHL 1902-2003 Acervo Particular

31

009 Praia Omaha, Normandia França 1944

ROBERT CAPA 1913-1954 International Center of Photography,New York, EUA

32

010 A bandeira vermelha sobre o Reichtag, Berlim 1945

YEVGENY KHALDEI 1917-1997 George Eastman House, Rochester, Nova York, EUA.

33

011 A Old Glory é hasteada no monte Suribachi, Iwo Jima, 1945

JOE ROSENTHAL 1911-2006 George Eastman House, Rochester, Nova York, EUA

34

012 Dia V-J em Times Square , 1945

ALFRED EISENSTAEDT 1898-1995 Time Life Picture Magazine/Getty Images

35

013 Marylin Dipytich, 1928

ANDY WARHOL 1928-1987 Tate Modern, Londres, Reino Unido

36

014 Drowing Girl, 1963

ROY LICHTENSTEIN 1923-1997 MoMa, Nova York, Estados Unidos