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    Raymundo Faoro - Machado de Assis:

    A Pirmide e o Trapzio1Machado de Assis: The Piramid and the Trapeze

    Raimundo Faoro Machado de Assis: La Pirmidey el Trapecio

    FAORO, Raymundo. Machado de Assis:a pirmide e o trapzio. So Paulo: Globo, 4ed., Revista, 2001, 557 p.

    MARIA LCIA LEVY MALTA

    Mestranda na UNIMEP. Julgador Tributrio naDelegacia Tributria de Julgamento de Campinas, daSecretaria de Estado dos Negcios da Fazenda de SoPaulo. Especialista em Direito Tributrio pelaPUCCAMP. Especialista em Administrao de

    Marketing (Direito da Tecnologia da Informao) pelasFaculdades Integradas Anchieta de Jundia.

    RAIMUNDO FAORO, advogado, foi presena marcante na presidncia da Ordem dosAdvogados do Brasil ao transform-la em ponto de resistncia contra a ditadura militar e guardi damantena do Estado soberano, do Estado de Direito.

    FAOROno foi s jurista, foi ensasta, com estilo marcado pela elegncia literria e requinte depreciosismo vocabular.Em 23/11/2000 foi eleito Imortal, para ocupar a Cadeira n. 6 da Academia Brasileira de Letras,

    cujo Patrono foi Casimiro de Abreu, o fundador Teixeira de Melo, seus antecessores, Artur Jaceguai,Goulart de Andrade e Barbosa Lima Sobrinho, a quem sucedeu. Em 15/5/2003, a Cadeira n. 6 ficouvaga.

    Com suas obras: OS DONOS DO PODER: FORMAO DO PATRONATO POLTICOBRASILEIRO; EXISTE UM PENSAMENTO BRASILEIRO?, ASSEMBLIA CONSTITUINTE: ALEGITIMIDADE RESGATADA, exerceu influncia no mundo cultural, por exemplo: a professora KATIAMENDONA, da Universidade Federal do Par, doutora cum laudepela USP, em sua obra:A salvao

    pelo espetculo: mito do heri e poltica no Brasil, reconhece a influncia da obra de RAYMUNDOFAOROem seu trabalho e advoga, na trilha aberta por Emmanuel Lvinas e outros, a necessidade desubordinao da poltica tica. (www.portaldoscondomnios.com.br).

    O site Observatrio da Imprensa em nota sobre a partida do Imortal RAYMUNDO FAORO,

    disse que a literatura deixada por esse autor "era a dimenso que ele tinha do valor dos smbolos na vidahumana. E que s tem essa percepo quem penetra no mundo dos conceitos".Das obras de FAORO a mais interessante : MACHADO DE ASSIS: A PIRMIDE E O

    TRAPZIO,no s porque Machado de Assis e Franz Kafka viveram na mesma poca, em realidadesdiferentes, porm, ambos expem a verdade crua com humor ou ironia, cuidam da dvida, do bem e domal, da autodefinio da personalidade, a loucura um tema constante, e vo revelando a vida em simesma, a vida social e a vida poltica de sua poca, da qual descende a nossa contemporaneidade, como

    1A importncia da retomada da leitura da obra Machado de Assis: a Pirmide e o Trapzio est na homenagem que prestamos ao

    jurista RAYMUNDO FAORO, desvelando o ngulo pouco conhecido do ensasta que nele reside, e reafirmando a imortalidade deseus saberes.

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    tambm pela originalidade do vis enfocado pelo autor em comento, cuja escolha foi por ele prprioexplicada: "Reside a, nesse sentimento de importncia e na inelutvel avalanche que desaba sobre ohomem, o senso trgico da existncia, que impregna a arte de Machado de Assis."

    A Pirmide e o Trapzioteve sua 1 edio em 1974, (mesmo ano em que Os Donos do Poderera reeditada, revista e ampliada), hoje essa obra est na 4 edio de 2001.

    Para escrever o ensaio sobre a obra de MACHADO DE ASSIS, FAORO levou em conta osestudos machadianos at os anos 70. A prpria Academia Brasileira de Letras faz referncia aos dilogoshavidos entre FAORO e AUGUSTO MEYER, EUGNIO GOMES, ASTROGILDO PEREIRA,RAIMUNDO MAGALHES JNIOR e SILVIO ROMERO.

    Ainda a Academia Brasileira de Letras que, referindo-se a FAORO, diz:

    Este vasto estudo sobre Machado de Assis pode ser visto como uma continuidade e um complemento do ensaioanterior (acrescentamos: Os donos do poder). Seu grande objeto de estudo era ainda o Brasil, pois pretendia captar avida que Machado de Assis infundiu em seus personagens e ao Brasil, o funcionamento concreto e cotidiano da aodos donos do poder e seus agregados, a presena dos valores e das ideologias, os vcios e as virtudes, a constrio dasinstituies (famlia, Estado, igreja), os preconceitos, o amplo e o variadssimo jogo da vida social e individual."

    Passando obra propriamente dita, observamos o ttulo: MACHADO DE ASSIS:A PIRMIDEE O TRAPZIO, onde os dois pontos so a ponte que conduzem obra machadiana.

    O mistrio do TRAPZIO desvendado com a leitura do Captulo II deMemrias Pstumas deBrs Cubas:

    Com efeito, um dia de manh, estando a passear na chcara, pendurou-se-me uma idia no trapzioque eu tinha nocrebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de volatim, que possvel crer. Eu deixei-me estar a c ontempl-la. Sbito, deu um grande salto, estendeu os braos e as pernas, attomar a forma de um X: decifra-me ou devoro-te.

    Ento, esse trapzio onde ficavam penduradas as idias de Machado de Assis utilizado paradesvendar os segredos da estrutura da pirmidesocial brasileira (referncia contida na orelha da capa, daobra).

    FAOROquem analisa: no pice da PIRMIDE esto bares, conselheiros, comendadores,ministros, regentes e patentes da Guarda Nacional, logo a seguir, bem prximo, vm os banqueiros,comerciantes e capitalistas e fazendeiros, aparentemente unidos como em uma s confraria. Atrs, comoque ocultados por esse grupo, sem contornos definidos, esfumaados, h a camada da penumbra, que quem decide os destinos polticos, designa deputados e distribui empregos pblicos, so as "influncias",diramos, eminncias pardas. Esse grupo forma o estamento,grupo social com statusprprio (p. 14).

    So traos caractersticos do estamento: a tradio, o nascimento ilustre, a origem fidalga, omodo de vida e a educao (p. 15).

    O sistema torna-se uma funo da elite, dentro do estamento, s que a sociedade de estamentoscede lugar, dia a dia sociedade de classes(pp. 14/16).

    Na pirmide social, aps o estamento vem a sociedade de classes que comea com os "homensbons", que so os homens do povo enriquecidos que sustentam boa parte da poltica e do estamento.Exemplo: em Anedota Pecuniria do livro Histrias sem Data, a figura do Mateus, combatida edesprezada apesar da opulncia, pois:

    Acabava de construir uma casa suntuosa. S a casa bastava para deter e chamar toda a gente; mas havia mais amoblia, que ele mandara vir da Hungria e da Holanda, segundo contava, e que se podia ver do lado de fora, porqueas janelas viviam abertas -, e o jardim, que era uma obra-prima de arte e de gosto. Esse homem, que enriquecera nofabrico de albardas, tinha tido sempre o sonho de uma casa magnfica, jardim pomposo, moblia rara. No deixou onegcio das albardas, mas repousava dele na contemplao da casa nova, a primeira de Itagua, mais grandiosa doque a Casa Verde, mais nobre do que a Cmara. Entre a gente ilustre da povoao havia choro e ranger de dentes,quando se pensava, ou se falava, ou se louvava a casa do albardeiro um simples albardeiro, Deus do cu! (pp.

    15/16).

    Com o passar do tempo as sociedades de classe foram conseguindo tambm por meios no ticoscompor o estamento. Valiam-se de tudo, engodo, perspiccia, astcia, esperteza, para alcanar aociosidade elegante, a riqueza sem escrpulos, a irradiao do poder (p. 33).

    FAOROdescobre na obra de Machado de Assis a mostra da urbanizao das fortunas rurais,desfazendo uma iluso secularmente repetida (p. 33).

    O Brasil seria, no sculo XIX, a aristocracia rural - dona do acar e depois do caf, os sucessivos produtos essenciaisda economia, o senhor de terras e escravos formavam os plos dinmicos da sociedade. Refletiriam um apndice deriqueza rural, emprios de mercadorias, fornecedoras de produtos importados, centro de trfico de escravos. [...] A

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    sociedade agrria um reflexo da sociedade urbana diga-se em oposio corrente dominante na histria brasileira.Ela aparece no contexto de problemas que no so seus, ou em virtude de crises que a cidade alimenta e projeta nocampo. (pp. 33/35).

    Interessante tambm o destaque do exibicionismo das pessoas por meio do transporte. FAOROmostra que a fico de Machado de Assis est interessada no homem, no seu destino individual,

    psicologicamente visualizado (p. 53):

    As aes sofrem o contnuo processo de desmascaramento, em proveito dos mecanismos ntimos e ocultos da alma.[...] Assim Machado de Assis elegeu as carruagens para representar a realidade, em lugar do homem. A presente asimbologia do transporte e do luxo (pp. 53/54).O coup, um carro com trao de dois animais, fez carreira, sobreviveu ao Imprio, foi fabricado no Brasil evulgarizado para o transporte de passageiros pelo Decreto n. 665, de 19/1/1851 (p. 60).Do coche ao bonde toda a sociedade do Imprio sobretudo a do 2 Reinado, que se expressa e se caracteriza. Pelocarro se conhece o homem: smbolo de opulncia, da mediania e da pobreza. A carruagem fazia supor as cocheiras, oexrcito de criados e escravos, tudo articulado para o luxo ostentatrio das ruas e praas. O bonde, no outro extremo, a sociedade democrtica que se expande e cresce sociedade mal-educada, que cospe no cho e fala alto. O carroesconde e dissimula cabedais; o carro ostenta e pe a nu o homem, com seus vcios e sua pobreza. Eles se digladiamnas ruas, com impulsos prprios, honra e prestgio derivado das parelhas num painel autntico do que vale cadahomem no conceito de outro homem. (pp. 65/66).

    Esses so os aspectos mais inovadores, porm a obra de leitura indispensvel, muitoagradvel e oferece um cem nmero de possibilidades de debates, de pesquisas e de anlises.

    S para dar uma idia do interesse que a obra desperta, basta observar, ainda que de passagem, a

    composio dos demais captulos:

    a) pavo e a guia(poltica):

    A galeria dos polticos est predisposta a exemplificar a stira de Machado de Assis. Os oradoresocupam a tribuna, com solenidade e circunspeco, para dizer coisas triviais ou para os vos que o autorqualifica de metafsicos. H os dois extremos e os dois estilos: o terra-a-terra, que discute o oramento eas nomeaes, e a guia que no se preocupa com as moscas. Joo Brs (Histrias sem data, GaleriaPstuma) fez discursos bons, no brilhantes, mas slidos, cheios de fatos e refletidos (pp. 188/189);

    b) patres e cocheiros(moeda):

    O HOMEM MUDA por efeito do dinheiro: h uma situao de classe, de camada social quecondiciona a conduta, o estilo de vida e os sentimentos. Lucidamente, denuncia-o o sensvel microscpioda anlise psicolgica, na perspectiva do julgamento moral, fino, encoberto e irnico. Sem obedincia anenhuma doutrina social, longe de qualquer reminiscncia de teses sustentadas desde Aristteles, o

    primado da economia, entre as foras de comando da sociedade, sobressai no estudo da personagem, desua ao, e, sobretudo, de sua motivao ntima. Em geral, a situao no mundo cobre totalmente a

    personalidade o romancista se diverte quando registra, na alma humana, esse miolo gaiato. (p. 370);

    c) basto e a espadilha(movimentao das camadas sociais):

    O tenente Porfrio (Histrias da meia-noite, As bodas de Lus Duarte), o major Lopo Alves(Papis avulsos, A chinela turca) o major Siqueira (Quincas Borba) caracterizam, nos traos coincidentes,a figura do oficial do Exrcito. O retrato, que resulta da multido de personagens, sublimado em tipoideal, pode se integrar na classe mdia, na desesperada classe mdia de um pas pr-industrial. O bloqueiolanado contra os militares de terra ter a mesma contextura dos impedimentos opostos ascenso da

    classe mdia. Uma diferena, porm, extrema as duas situaes. Enquanto o homem de classe mdiaaspira e almeja colocar-se numa situao de classe superior, a classe proprietria ou especulativa, omilitar tem outras ambies, que definem e do cor ao seu enquadramento social. Limitado aovencimento fixo, no se expande em sonhos e devaneios de enriquecer ou viver de rendas, que perseguemo pequeno industrial e o pequeno comerciante. Integrado numa corporao, sente-se amparado pelasolidariedade de grupo, visualizando na melhor posio deste a prpria elevao do indivduo.Assemelha-se, no particular, ao funcionrio pblico de linha superior ao bacharel empregado, para oqual se abrem, em potencial, as portas dos sales, do parlamento, das condecoraes e dos ttulosnobilirquicos. Um trao os distingue, bem verdade. Enquanto o caminho ascendente do funcionrio

    pblico est pr-traado, no macio curso que leva s grandezas, a vida do militar est fechada,abruptamente, pela no integrao burocracia dominante ao estamento. (p. 402).

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    d) os santos leos da teologia(religio):

    Abandonados os acidentes de uma vida que transcorre obscura, na outra vertente, onde sedesenvolve a criao potica, a presena do tempo ter autenticidade prpria. O poeta, em torno dosquarenta anos, entre Iai Garcia e Memrias Pstumas, chega ao alto da montanha, e quando ia a descera vertente do oeste, /Viu uma cousa estranha, /uma figura m" (Poesias Completas, No alto). Este omomento da mudana, radical e qualitativa, longamente gestada e que explode subitamente. Era o parto

    de um novo Machado, uma converso s avessas. H converses de vrias naturezas; do ponto de vistacannico, a de Machado s pode ser interpretada como o avesso de uma converso edificante, uma crisede sentido eversivo. (p. 440);

    e) espelho e a lmpada (verdade e moralismo):

    A grande luta pelas eminncias sociais se resume afinal numa falsidade. Sem as notcias nosjornais, o cumprimento dos amigos, as homenagens pblicas, de que valeria o suspirado ttulo de baro deSantos (Esa e Jac)? Tudo se reduz ttulos, nomeada, glria a uma pea do mecanismo que distribuio louvor escrito ou o louvor proclamado nas esquinas e nos sales. Implcito est a o efeito de umatransformao social, registrada numa obscura passagem de Brs Cubas: a arraia-mida acolheu-se sombra do castelo feudal; o castelo caiu e a arraia ficou. Verdade que se fez grada e castel[...] [...]Substitui Machado a simetria sociolgica, j incorporada por Stendhal, Balzac e Zola, a uma construo. a estilizao da sociedade reduo da realidade exterior vontade humana, com formas e modelos

    artificialmente fixados. Machado de Assis no desconhecia nem negava a armadura social. Descreveu-amais de uma vez, percebendo-a entremeada do sentimento de pesar e assombro. O que lhe faltava, e isto oenquadra na linha dos moralistas, era a compreenso da realidade social, como totalidade, nascida nasrelaes exteriores e impregnada na vida interior. (p. 545);

    f) E conclumos com as palavras do prprio RAYMUNDO FAORO:

    A classe proprietria, dourada com a tica do estamento, dita a conduta e a moralidade dasociedade que Machado de Assis revela. Coube-lhe, pela primeira vez na fico brasileira, separar eacentuar a classe da nebulosa do prestgio dos homens que orientam a sociedade, mostrando em linhaevolutiva, a emancipao das relaes de mercado da contextura das convenes. Logo depois de rompero encanto sagrado dos estratos dominantes, com certo rano colonial, assinalando a presena do mercado,que mede todos os valores, preocupou-se em reduzir tudo a dinheiro e a fome de pecnia. H, no processontimo desse desmascaramento, o fio de censuras ticas. (p. 227).

    Palavras-chave: POLTICA MOVIMENTAO DAS CAMADAS SOCIAIS MOEDA VERDADE TICA

    Keywords: POLITICS MOVIMENT OF SOCIAL CLASSES CURRENCY TRUE ETHICS

    Palabras-clave: POLTICA MOVIMIENTO DE LAS CLASES SOCIALES MONEDA -VERDAD TICA