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A POÉTICA NA ESQUIZOFRENIA
Jorge Antonio Silva
Curso de Formação
Quarto Semestre Quintas Feiras
Manhã
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Eu preciso destas palavras. Escrita. Arthur Bispo do Rosário
A psicose é um quadro de desordem mental, historicamente descrito
como loucura. Modernamente, coube à Psiquiatria a ampliação da terapêurica
medicamentosa de seu tratamento que se expande com a avidez criativa da
indústria química. Uma de suas especificidades é esquizofrenia. A palavra é a
junção dos termos gregos `schizo` para significar cisão e `phrenos` definindo
espírito, sendo este último entendido, pela Filosofia, como razão e
capacidade humana de entendimento. Ampliando o conceito de demência
precoce de Emil Kraepelin (1856/1926), o psiquiatra suiço Eugen Bleuler
(1857/1939) foi o primeiro a utilizar esse termo em 1911, para designar
pacientes com desligmento dos processos formais de pensamento e
embotamento afetivo. Caracteriza-se pela fragmentação das formas de
pensamento e da incapacidade de se estabelecer distinção entre vivências
internas e externas. De sintomatologia variada como alucinações, labilidade
afetiva e delírios, esquizofrenia é um impeditivo para que o sujeito estabeleça
laços sociais e afetivos. Dissociação, demência, discordância e produção
fantasmática, deterioração intelectual a identificam, mais o sintoma acessório
do isolamento. Sigmund Freud (1856/1939) cunhou o termo “parafrenia”,
entendendo-o mais proximo da matriz “paranóia.” Sua etiologia é incerta,
embora seja consenso que seu desencadeamento ocorre por razões internas e
ambientais um deles comum na atualidade: as substâncias psicoativas. Seu
tratamento passou por mudanças significativas a partir doSéculo XVIII e, com
o advento da Psicanálise expandiu-se em novos quadros terapêuticos com a
potencialização do processo comunicacional pautado na linguagem posta no
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binômio fala/escuta. A partir de 1900, com a publicação de A Interpretação
dos Sonhos, de Sigmund Freud (1856/1939), revelou-se o inconsciente e
instituiu-se o homem como ser de subjetividade eclética, identificatória e
plural. Emergiu o homem em sua estrutura mental trádica e a humanidade
inaugurou um novo paradigma para o entendimento do sujeito. A
complexidade dessa afecção, a psicose, fez com que se desenvolvesse um
conjunto de saberes que se conjugam no tratamento, sabendo-se não se tratar
de uma manifestação comportamental monolítica. Expressa-se em uma
diversidade de sintomas com reflexos comportamentais em um conjunto de
distúrbios que se entrelaçam como o delírio de ciúmes, a megalomania, o
isolamento, o fervor messiânico, quebras de sentido na fala, a exaltação
persecutória e a erotomania. O diagnóstico psiquiátrico fixa a patologia e,
não raro esquece essas sutiliezas e fronteiras que demandam atenção vária
uma vez que na esquizofrenia, a forma mais aguda de psicose, não há um
agente patognomônico. Seus fenômenos são variados e mutantes.
Aparentemente incompatíveis, esquizofrenia e estética guardam estreita
relação no que diz respeito a criatividade, segundo o crítico de artes,
psiquiatra e antropólogo austriaco Leo Navratil (1921/2006). Entende o autor
de Schizophrénie et Art , ainda, que o pensamento criativo é um pensamento
metafórico
“Podemos dizer que o pensamento criativo é um pensamento
metafórico. É por isso que considero a capacidade de se estabelecer uma
relação entre as imagens distantes umas das outras, de as contaminar e de as
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confundir, a capacidade de inventar símbolos, como uma função fundamental
da criatividade.” (tradução do autor)
Pacientes psiquiátricos com afecções mentais graves que lhes limitam a
fala, como os catatônicos, podem se expressar-se em outras linguagens e
nelas estarão presentes dados relevantes para a condução terapêutica, em
especial para o psicanalista, cujo acervo clínico constitui-se na pluralidade
das linguagens. Falas, gestos, expressões faciais, tudo se agrega para a
decodificação sutil do sujeito. E o desenho, a pintura, a escultura mais todas
as expressões da arte bi ou tridimensional são formas expressivas de grande
importância no processo analítico. A extirpação da orelha por Vincent Van
Gogh (1853/1890) é um dado visceral para o entendimento de sua passagem
ao ato. Assim como Estamira (1941/2011), personagem do filme brasileiro
homônimo que fez do lixo seu objeto de sentido para suportar o insuportável.
O profeta Gentileza com suas escritas pela cidade do Rio de Janeiro e Arthur
Bispo do Rosário (19091/1989) com sua tentativa de tecer seu próprio mundo a
partir do surto. Contudo, o que Jean Dubuffet (1981/1985) cunhou como art
brüt não é um encadeamento dedutivo da loucura. Para que essas produções
sejam qualificadas como faturas criativas da arte é preciso que sejam
realizadas por pacientes capazes de originalidade na construção de
metáforas ou simbologias inéditas. rejeitados pelo status quo.
Arthur Bispo do Rosário (1909/1989) é um caso emblemático na junção
de criatividade e esquizofrenia paranóide. Apesar do reconhecimento
internacional da crítica e das academias, ainda que com exposições nos
espaços mais reconhecidos da arte no Brasil e no exterior, Bispo ainda é visto
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por boa parcela de pessoas como um exotismo particular, uma extravagância
pós moderna, uma aberração plástica. A justificativa teórica que confere
aestatuto de arte aos seus feitos paradoxais está n`A Obra Aberta, de
Umberto Eco (1932/2016);
“Obra Aberta como proposta de possibilidades interpretativas, como
configuração de estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de
maneira a induzir o fruidor a uma série de “leituras” sempre variáveis;
estrutura, enfim, como “constelação” de elementos que se prestam a diversas
relações recíprocas. É nesse sentido que o informal na pintura se liga às
estruturas musicais abertas da música pós weberiana, bem como àquela
poesia “novíssima que já aceitou, por admissão de seus representantes, a
definição de informal.” (1971:150)
Inicialmente a obra de Bispo toma o fruidor por um sentimento de
terror, um incômodo inexplicável, dúvida sobre o que é arte e, rejeição. A
brutalidade de suas montagens, arquitetadas com materiais encontrados ao
acaso, muitas vezes lixo, vão tomando de compaixão o olhar incrédulo na
mdida em que se reconhece o esforço e a capacidade inventiva do autor. Ao
deparar-se com os lençóis bordados e com os estandartes, essa feição torna-
se afeto. A obra é autônoma, significa por si mas sua interpretação depende
da história manicomial do artista. Seu itinerário de vida e artístico plasmam-
se na obra com o molde da esquizofrenia ditando uma esteticidade pungente
em estímulos perceptuais para o fruidor. Bispo foi um desses pacientes em
luta constante para retomar a posse do consciente afogado pelo inconsciente
em jorros. E conseguiu fazê-lo signicamente ao codificar na expressão
plástica traços de interioridade dilacerantes, incomuns no padrão. Pelo
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exercício da arte tridimensional construiu metáforas que o tempo vai se
incumbindo de estudar e dar-lhes fundamentos artísticos e psicanalíticos.
Viveu 51 anos intermitentes interno na Colônia Juliano Moreira em
Jacarepaguá onde, naturalmente, fomentou a idéia de que era um ser
articulado com Deus e com a Virgem Maria. Advogava para si poderes divinos,
como consta em seu prontuário:
“Apesar de poder nos ajudar muito em serviços internos e supervisionar
doentes, ajudar na alimentação, etc., este paciente está apenas em
contato muito superficial com a realidade. Ele tem diversos delírios
místicos e de grandeza, se crê um enviado de Deus, e pessoa “muito
especial”. Perguntou se eu conseguia ver, através dele, as suas
especialidades. Se crê o “médico dos médicos”, etc. Ele se nega a
responder perguntas, baseado em seus privilégios especiais. As
perguntas que ele responde, são com respostas delirantes, tangenciais,
e irrelevantes. Diz que trabalha quando dá vontade. Por outro lado, ele é
capaz de chefiar a equipe de trabalhadores e sente o problema pungente
de falta de cigarro para recompensar os seus ajudantes.”i
O diagnóstico psiquiátrico reza : Esquizofrenia paranóide, paranóide
(código 295.3 da Organização Mundial de Saúde). Essa foi a forma de se fixar a
patologia. Na esquizofrenia há uma desorganização do eu em relação ao
mundo. Nela, a demarcação entre o eu e os objetos se desfaz. Desordena-se a
linguagem e o pensamento se desconecta. Bispo manufaturou um universo
significante nas onze salas que ocupou com seus tridimensionais no esforço
para reorganizar-se usando uma fala mnemônica. Sua poiesis é a mesma pela
qual passa o psicótico, em delírio criativo na forma de “passagem ao ato”. Em
alucinação Bispo foi orientado por vozes a reconstruir o mundo ao redor,
perdido para a desgraça da imoralidade. Seu feito estético é uma obra em
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progresso, uma construção delirante bem sucedida. É de se lembrar o Caso
Schreber que se disse “a mulher de Deus.”, em claro esforço para a instituição
de bordas para os excessos do inconsciente sobre a razão. A análise psíquica
relata Bispo como doente parcialmente orientado em todas as esferas:
“Uma pessoa com um dom artístico muito aguçado e que, segundo ele,
está guardando e construindo os instrumentos do homem para uma
nova era. Sua avalilação médica apresenta um exame físico com estado
de nutrição ausência de lesões traumáticas, pressão arterial de 140/80
mm Hg., pulso de 80 b/min., freqüência cardíaca 80. Não apresenta
deficiência física nem doença orgânica. Como tratamentos realizados,
registram-se entre os medicamentos os psicotrópicos e médico-clínicos,
nenhum tratamento biológico (ECT ou insulina), nenhum tratamento
psicoterápico, nenhum tratamento praxiterápico, observando-se, porém,
que o paciente já tem atividade praxiterápica.”
Na anamnese é inserido um registro de nome “Súmula Psicológica”, no
qual constam dados que confirmam observações anteriores, como
“capacidade volitiva deficiente, nexos afetivos presentes, presença de
alucinação, ausência de agressividade em relação a si e a outros e ausência
de estado de desorientação”.
A esquizofrenia é o quadro mais agudo de psicose e esta pode ser
entendida em cinco formas delirantes: psicose de ciúmes, erotomania,
megalomania, delírios místicos e delírios de perseguição. Em Bispo
manifestaram-se as articulações delirantes da grandeza e o delírio místico,
evidentemente presentes na obra que, para ele não era arte mas, uma tarefa a
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ser cumprida por ordem das vozes. Estas são comuns na esquizofrenia e
representam a presença de um olhar atento ao paciente. Sua vontade de
grandeza configurou-se na tarefa de produzir um manto ricamente bordado
que vestiria um dia para se apresentar a Deus, de quem era enviado.
Manto da Apresentação
O delírio é uma forma de se estabelecer certezas. Bispo se tinha como o
juiz dos humanos porque tocado pela certeza hierofânica de que era um ser
enviado especial. A supervalorização mórbida de si com predileção pelo
majestoso o fez desenvolver uma pungente obra paradoxal. Nela há
recorrências temáticas e segmentos que se diferenciam enquanto
procedimento. Embora o contato com a obra revelasse de imediato o caos, o
quadro classificatório abaixo (feito pelo autor deste artigo) mostra a
repetência e as intersecções de procedimentos como um anagrama que se
explica in totum
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Quando, nos anos oitenta, houve um movimento de humanização nos
espaços de reclusão Bispo, que vivia no Pavilhão Ulisses Caldas, separado
dos outros pacientes, recusou-se a se socializar. Sua vontade de afastamento
do convívio justifica seu diagnóstico inicial. Ocupava uma das onze salas de
dois por dois metros onde foi lotado, por ser um paciente rebelde na
juventude. De repente viu-se só. Aos poucos foi ocupando as salas vazias e
nelas montou uma trama significante feita de objetos que já haviam cumprido
sua finalidade no mundo das utilidades.
Pavilhão Ulisses Viana
Suas bases materiais eram-lhe trazidas por outros pacientes que nele
reconheciam alguém especial. A obra foi uma forma delirante de organização
psíquica que lhe permitiu posicionar-se frente à realidade que lhe escapava e
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que se confundia com suas vivências interiores. O paciente engendrou signos
que lhe reorganizavam lembranças e reconstituia seu passado em narrativa
particularíssima. Em placas de rua esculpidas em madeira revestida de fios de
lâ fixou a toponímia onde viveu a juventude, quando chegou ao Rio de Janeiro
vindo de Japaratuba (AL). Queria uma taxonomia do universo onde pudesse
se posicionar espaçotemporalmente. O que lhe faltou no inconsciente a “céu
aberto” (as categorias de tempo e espaço), foram sendo signicamente
reorganizados, marcados em ordenação constante de um cosmos particular e
íntimo a quem poucos tinham acesso, a menos que entrassem no seu delírio.
Para se chegar ao seu feito o visitante tinha que responder a pergunta: “Qual
a cor do meu sembrante?” Qualquer cor como resposta significava o
reconhecimento de uma qualidade pessoal que ele se atribuia. Bispo, é o ser
da expressão pura, por isso, um artista. Seu primitivismo é original, embora
não inédito. Contrariando toda a praxis artística realizada fora dos muros da
instituição desenvolveu uma metodologia criativa própria. A linha
demarcatória estabelece o ‘Ser das Vozes’ , instituindo o delírio como a matriz
para a construção da obra. Dentro, quatro seres se dividem na forma
expressiva: o ‘ser da figura real’; o da ‘figura inter-ferida’, o da ‘escrita’ e o da
‘paixão’. Esta não é apenas uma forma enfática e delirante de ciúmes que
desenvolveu por uma estudante de psicologia que o estudou primeiro:
Rosângela Maria Magalhães. É o fervor mórbido passional pautado no delírio
de cíúmes. Enquanto o demiurgo platônico dá forma à matéria desorganizada
do universo, Bispo se anima em uma organização interna, a partir da
categorização do mundo externo. Quer eliminar a fenda psíquica lutando para
entender-se como sujeito único diante da alteridade.
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Registra o espaço intramuros em detalhes, recompõe obsessivamente o
passado, instaura no presente um soma cósmico que se expande pelo motor
de sua vontade. É o rei de um labirinto intransponível. Delírio e obra
entretecem a alteridade interna representada pelo inconsciente indômito a lhe
ordenar ações sobre o mundo que o faz inerte quando submetido à
eletroconvulsoterapia, neurolépticos e insulinoterapia. Produzir somas feitos
de lembranças aplaca a angústia da esquizofrenia paranóide, regula a
labilidade e reconcilia o paciente com o mundo objetal que o inconsciente lhe
extirpou.
A arte é uma via estabilizadora nas psicoses ao demandar o pensamento
criativo, traço de personalidade que se realiza no picoticismo. Segundo Hans
J. Eysenck, “O ímpeto de transformar o traço da criatividade em realizações
concretas por meio, por ecemplo, da atividade artística deriva de aspectos do
temperamento psicótico, sobretudo no estilo de pensamento abrangente
demais.” (2012:321)
Leo Navratil entende que a psicose esquizofrênica não é apenas um
desarranjo do psiquismo, mas uma explosão de criatividade própria da
humanidade inteira. Defende que nas obras assim resultantres encontram-se
as mesmas funções criativas que pautam o processo criativo na cultura
humana. Para ele a ordem criativa está enraizada no psiquismo que se
expressa artisticamente em de circunstâncias exteriores particulares, em par
com a excitação do sistema nervoso central. Define a criatividade humana em
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três funções: Função Fisionomista, Função Formalista e Função Simbolista.
Expressivamente, uma ou outra dessas funções predominam. São verificadas
na arte moderna por razões históricas, sociais e pela própria evolução das
artes. O figurativismo, o mimetismo, o naturalismo, o verismo, ou melhor, a
mimese grega, após a Renascença iniciou um longo caminho em direção à
abstração concretizada com as Vanguardas Estéticas no Século XX. O
progresso tecnológico forjado pela Revolução Industrial, a emergência do
Anarquismo com Mihail Bakunin (1814/1916) cujo conceito de liberdade é a "a
revolta do indivíduo contra todo tipo de autoridade, divina, coletiva ou
individual" influenciou a produção artística em sua conjuntura pensamental e
prática estética. Negar o estilo, esconjurar as pré determinações estilísticas,
rebelar-se contra o classicismo cuja rigidez impunha a mimese como noção
central da estética. Tudo convergiu para que o inconsciente revelado se
fundasse em novas expressões. O inconsciente coletivo já vinha expresso em
Pietr Brueghel (525/1569) Yeronimus Bosch (1450/1516) cuja obra Jardim das
Delícias revela a potencial expressão da subjetividade do Século XVI na forma
de composições formais de animais inexistentes dentro de uma flora e fauna
surreal. A noção maniqueísta contrapondo o pecado à virtude é um aspecto de
desvario messiânico ali revelado plasticamente.
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I o oo
o Jardim das Delícias. Yeronimus Bosch
As qualidades estéticas do desatino estão ali, cumprindo toda a
estilistica do Século XV na representação emblemática da loucura. Mitos,
crenças, bestiário, repressão religiosa e salvação presentificam-se com
clareza. Posteriormente, com o Surrealismo, Salvador Dali (1904/1989), René
Magritte (1898/1967) nas visuais e Luis Buñuel (1900/1983) no cinema (Le
Chien Andaluz) retomaram as questões do inconsciente na expressão
plástica. A Persistência da Memória, revela tempo e espaço inexistente, como
inexistente são essas categorias da lógica no inconsciente.
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A Persistência da Memória. Salvador Dali
Leo Navratil interessou-se por uma forma expressiva, pura e
espontâneamente criada na forma de pinturas, esculturas, textos e colagens.
Sua obra Schizophrénie et Art tornou-se um paradigma teórico para os que se
dedicam ao estudo da expressão estética na esquizofrenia. Popularmente
conhecida como primitiva, arte marginal, outsider art ou arte psicopatológica,
não está unívocamente definida por algum tipo específico de desordem
mental. Jean Dubuffet cunhou o termo art brüt, que parece ter sido adotado
como consenso. São expressões plásticas individuais e genuinas, produzidas
por pessoas de alto poder criativo independentemente de seus fenômenos
patológicos. Sua longa e cuidadosa pesquisa com pacientes de diferentres
instituições psiquiátricas austríacas levou-o a definir funções relacionadas à
esteticidade psicopatológica que identificou, na forma de categorias:
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FUNÇÃO FISIONOMISTA (fph)
A primeira função criativa humana dá-se quando o bebê ainda não se
distingue da mãe, quando o mesmo não faz diferenciação entre si e o mundo
objetal. Trata-se de uma percepção difusa, vaga, inarticuada e descontínua da
realidade. É quando primeira infância à mãe os cabem os cuidados, a
organização da vida, o ensino da linguagem, e a educação. As impressões
puras da perceção tomam as formas mais difusas que caracterizarão a
percepção adulta. Não há ainda uma fisionomia stricto sensu mas uma
atividade perceptiva em formação. A obra e Impression soleil Levant, de
Claude Monet (1840/1926) é um indicativo dessa função em que as formas
apenas se sugerem: um amanhecer dourado esparzindo luminosidade
dourada sobre a água onde um barco difuso descansa na parte esquerda,
sobre a água que não se diferencia do céu. Apenas a luz solar indicia o
tempo/espaço corroborados pelo título da obra. Trata-se de feito de grande
expressividade que convoca a o receptor a construir imaginativa e
anonimamente a realidade daquilo que se mostra irreal. Cada qual à sua
maneira.
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Claude Monet - Impression Soleil Levant
Para Navratil, “ É o momento em que o mundo se ressente como qualquer
coisa viva, de forma intensiva e diferenciada, no momento em que as coisas
recebem um “vrosto” é que se exerce a funçao criativa fundamental.”
(tradução do autor). Essa forma é produzida, em geral, sob o efeito de
estados psicóticos. A desproporção nas volumetrias, a falta de lógica na
relações entre objetos, suas sobreposições chapadas, as deformações e a a
ausência gravitacional caracterizam essa função criativa primeira. Bispo não
se dedicou ao desenho ou à pintura, uma vez que a maior parte de sua obra é
feita de assemblages. Seu figurativismo está nos bordados onde essa função
se pressentifica numa miríade de formas aleatoriamente relacionadas e
narrativas com sistemáticas quebras de sentido, como abaixo
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Sem Título. Arthur Bispo do Rosário
Bispo opera nesta categoria, especialmente nas narrativas em bordado
sobre lençóis, onde cria uma miríade de formas misturadas ao grafismo da
escrita em blocos temáticos que não dialogam, tal a sobreposição paratática.
Não há subordinação narrativa, mas uma disposição de elementos por
similaridade. Não há uma relação hipotática na obra.
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FUNÇÃO FORMALISTA ffo
Identifica-se pela repetição rítmica do movimento que, segundo Navratil
opõe-se às pulsões e emoções. Diz que “C`est dans la répétition rytmique
qu`on retrouve le mécanisme le plus primitif de résistance des pulsions e
d`adaptation. (1978:57). Heinrich Klüver (1897/1979), homenageado com a
nomeação da síndrome de Klüver-Bucy, sustenta que as alucinações visuais
sob o efeito da mescalina, constantemente apresentam-se na forma de
geometrismo. Essas formas oscilam e se repetem, como se repete o
comportamento psicótico em todos os seus domínios. A tendência à
organização comparece no ritmo com vontade de se estabelecer uma regra
que, figurativamente, se impõe pela repetição minimalista de formas como
abaixo:
Montagens . Arthur Bispo do Rosário
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Freud tratou da “compulsão à repetição” em Para Além do Princípio do
Prazer, com exposição de uma dinâmica psíquica em Recordar, Repetir,
Elaborar.
FUNÇÃO SIMBOLISTA frsb
Há nesta função uma fusão de imagens de grande força emocional.
Ocorre pela contaminação de dois ou mais signos à maneira do que Freud
chamou de “condensação”, teorizada em A Interpretação dos Sonhos.
Cadeias associativas plasmam-se no inconsciente como formas significativas
latentes e se impregnam na forma expressiva adotada pelo paciente. É uma
característica do pensamento inconsciente na forma de metáfora na
linguagem. Navratil entende que a vida psiquica dos homens repousa sobre o
pensamento simbolista e metafórico criando formas e reordfenando o caos
das pulsões. Alega, ainda, que pela simbolização o homem atinge seu mais
alto nível intelectivo. Na formação primal define os níveis mítico e mágico, a
partir dos quais inicia-se a formação do eu. Ao atingir o estágio da
simbolização o homem tornou-se capaz da linguagem e, com ela, tornou-se
um ser sígnico e plural na recepção fenomênica do mundo. Em Bispo essa
função está muito clara no Leito de Romeu e Julieta.
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Quando Rosângela Maria Magalhjães estava prestes a finalizar seu
trabalho de formação em Psicologia, Bispo que a tinha recebido e por quem
desenvolveu excessivo ciume apresenta a ela O Leito de Romeu e Julieta.
Convida-a a vestir uma camisola creme que havia conseguido não se sabe
como. Ela recusa a proposta e ele agrega que ela deveria vestir porque iam
representar o drama de Romeu e Julieta. Vendo que sua proposta não teria
sucesso, Bispo se refaz e diz sorridente: “É apenas teatro”. Lendo-se o objeto
ricamente enfeitado com fios colooridos, um dossel branco transparente em
par com o propósito de se realizar um feito dramatúrgico, constata-se a Funçã
Simbolista. Há uma junção de finalidaades. Bispo produziu, na realidade, uma
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metáfora de sua vida com Rosângela e foi além. Impregnou sua ação com um
feito literário universalmente conhecido como a tragédia de um amor não
realizado. Exatamente como em sua relação com a estudante. Ele mesmo,
ciumento, havia caido em simpatia pela estudante e simbolizou seu afeto
como metáfora da metáfora, adotando William Shakespeare (1564/1616) para
convencê-la. A separação foi inevitável. Isso marcou o início da morte de
Bispo. Deixou de se alimentar. Só queria trabalhar em sua tarefa de
reconstruir o mundo. Rosânagela se foi. Com os dias, o rosto do artista
transformou-se esquálida expressão da loucura. Os períodos de abstinência
haviam-no tornado uma face ressecada, sustentada por um pescoço frágil,
afinado e lento. A carapinha mantinha ainda um resquício de negro brilhante,
ressaltado por chumaços brancos. A boca conservava uns poucos dentes
atrás de lábios finos e de desenho impreciso. As mãos eram grossas,
resultado dos mais de 70 anos de história escrita pelo trabalho artesanal, pela
reclusão e pela vontade de superação. A voz mansa tinha quebras
sintomáticas de sentido. Tudo eram “coisas do céu”. Os olhos conservavam a
expressão de distanciamento, e a fala era plena de certezas, certezas de que o
homem havia cumprido a função para a qual teria vindo à terra: reconstruir,
remontar, refazer em nome da Salvação. Arthur Bispo do Rosário morreu em
05/07/1989. Foi enterrado como indigente.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Martins Fontes, 1986
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1981
WARNOCK, M. La Imaginación, Cidade do México, EFE, 1976