Upload
phungnga
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
INALDA MARIA DOS SANTOS
ESTUDO ANALÍTICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO: A POLÍTICA DO FUNDEF
NUM MUNICÍPIO NORDESTINO
Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito Parcial para obtenção do grau de Doutora em Educação.
ORIENTADORA: Profª Drª Janete Maria Lins de Azevedo
RECIFE 2008
2
Santos, Inalda Maria dos
Estudo analítico das políticas públicas definanciamento da educação: a política do FUNDEFnum município nordestino / Inalda Maria dos Santos. –Recife: O Autor, 2008.
191f.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CE. Educação, 2008.
1. Política educacional. 2. Financiamento da
Educação - FUNDEF. 3. Educação municipal - Piauí. I. Título.
37 CDU (2.ed.) UFPE 379.2 CDD (22.ed.) CE2008-0068
3
4
Quando eu me encontrava preso na cela de uma cadeia
Foi que eu vi pela primeira vez as tais fotografias
Em que apareces inteira, porém lá não estavas nua, e sim coberta de nuvens
Terra, terra, por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria Ninguém supõe a morena dentro
da estrela azulada Na vertigem do cinema, manda um
abraço pra ti, pequenina Como se eu fosse o saudoso poeta
e fosses a Paraíba
Terra, terra, por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria Eu estou apaixonado por uma
menina terra Signo de elemento terra, do mar
se diz terra à vista Terra, para o pé firmeza, terra,
para a mão carícia
Outros astros lhe são guia Terra, terra, por mais distante o
errante navegante Quem jamais te esqueceria
Eu sou um leão de fogo, sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente e de nada valeria
Acontecer de eu ser gente, e gente é outra alegria, diferente das estrelas
Terra, terra, por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria De onde nem tempo nem espaço
que a força mande coragem Pra gente te dar carinho durante
toda a viagem Que realizas no nada através do
qual carregas o nome da tua carne
Terra, terra, por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria Nas sacadas dos sobrados da velha
São Salvador Há lembranças de donzelas do
tempo do Imperador
Tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem, a Bahia tem um jeito Terra, terra, por mais distante o
errante navegante Quem jamais te esqueceria
TERRA
(Caetano Veloso)
5
DEDICO esta Tese a:
Minha Filha, Sofia Maria dos Santos
Pela dádiva de poder viver plenamente a maternidade,
pela sua presença na minha vida,
pelos os momentos em que não pude dar atenção, mas tive
sempre a impressão de que, de alguma forma, parecia que ela “entendia”
a minha ausência
Quando, por vezes, a minha pequena batia na porta e chamava
“Mamãe! Mamãe!”,
sabia que eu estava ali, debruçada sob o computador, ou mesmo
quando ficava junto a mim e eu a colocava no meu colo e brincávamos...
Por tudo isso e muito mais dedico-lhe a determinação, o esforço e
a e persistência em concluir esse trabalho.
a você meu Amor, todo o meu carinho!
6
Terra de um povo capaz De amor e harmonia
A todos os visitantes Que nos transmite alegria
Sejam bem vindos a terra Do coração de Maria
(Repente em homenagem à cidade de Francisco Santos/PI – Autoria: Joaquim de Béu)
AGRADECIMENTOS
Neste momento agradeço a Deus pela saúde e
perseverança na realização deste trabalho, e
registrar o empenho e o investimento do meu pai
(in memorian) nos meus estudos e o carinho da
minha avô materna (in memorian) pelas suas
orações.
Ao meu marido Luiz Roberto, pelo apoio e dedicação
ao cuidar carinhosamente da nossa filha
A minha família, minha Mãe e meus irmãos Valdenilton e Socorrinha,
7
pelo amor, pelo cuidado e
pela presença na minha vida.
Aos meus sobrinhos, Ana Karine, Alan Bruno, Antônio Eduardo,
Isabela, Érica, Gisleide e Anny Clara
pelo amor e carinho
Ao meu amigo Alexandre Simão de Freitas,
pela presença, pelo incentivo e pela amizade verdadeira
Às minhas amigas Tatiana, Karina, Keyla e Verônica
pelos laços de amizade que vem se firmando
ao longo dos anos.
A minha amiga e comadre Conceição Gislâne e seu marido e compadre
Sandro Guimarães, pela acolhida em sua casa durante o processo de realização
do curso e pela amizade sincera e verdadeira.
As amigas Fátima e Adriana por me acolherem tão gentilmente
em sua casa durante o curso de Doutorado e
pela amizade sincera.
Às colegas do curso de Doutorado,
de maneira especial, a minha amiga Ângela Monteiro, pela sua calorosa
amizade e sua prestimosa atenção todos os momentos em que precisei da sua
ajuda e colaboração.
À Universidade Federal de Alagoas,
8
em especial, ao Centro de Educação pela liberação do meu afastamento das
atividades docentes, para dedicar-me ao curso de Doutorado.
À CAPES,
pela bolsa de estudos, que me proporcionou
as condições materiais para a
dedicação a este tese.
Ao Programa de Pós-graduação em Educação,
em particular ao curso de Doutorado
na pessoa da professora Márcia Ângela
Á Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFPE
pela atenção cordialidade.
Agradeço de forma especial a todos que colaboraram para a realização da pesquisa.
Espero que todos se sintam representados pelas pessoas abaixo nominadas:
Maria Édina Rodrigues dos Santos (in memorian), Secretária Municipal de
Educação de Francisco Santos\PI.
Maria José da Costa e Sales, Diretora de Planejamento da Secretaria Estadual
de Educação e Cultura do Piauí.
Elizângela Cipriano, Presidente do Conselho do FUNDEF no município
Ao Prof. Alfredo Macedo Gomes,
que, na figura de Co-orientador, contribuiu fundamentalmente
com suas sugestões na elaboração da Tese.
À Janete Maria Lins de Azevedo,
meu muito Obrigada pelo exemplo de educadora e profissional,
que de uma forma simples me fez ver os meandros da pesquisa
9
e do trabalho docente.
a você, Janete, a minha profunda admiração!
RESUMO
Este trabalho, desenvolvido no Doutorado em Educação da Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE, buscou conhecer/apreender o modo de funcionamento
da educação municipal de Francisco Santos/PI e, de modo particular, analisar a política
de financiamento por meio do Programa do FUNDEF como uma política pública, de
maior impacto financeiro para a política de educação. Para tanto, partimos do
pressuposto de que a realidade social em foco está enraizada nas nuances da cultura
política brasileira. Nosso objetivo consistiu em saber que acomodações a política
educacional local tem realizado, no sentido de propiciar os canais e mecanismos de
participação e democratização, levando-se em conta a influência da cultura política e do
poder local. De um modo geral, os argumentos que justificam a importância do
FUNDEF foram unânimes em afirmar que este trouxe melhorias para a educação
municipal. Dentre os seus impactos para a realidade, destaca-se uma mudança no
aumento dos salários dos professores e, de certa forma, a exigência legal de criação do
Plano de Cargos e Carreira, que regulamentou a profissão do magistério e suas garantias
trabalhistas. Enfim, o processo de municipalização desencadeado na realidade
investigada vem sendo motivado pelo aumento de recursos financeiros, mas que nem
sempre tem acompanhado com qualidade a ampliação do número de alunos
matriculados no ensino fundamental. A partir dos resultados da pesquisa, inferimos que,
apesar das políticas mais modernizadas (e descentralizadas) serem hoje implementadas
na realidade social (e, no nosso caso, no município investigado), elas se confrontam
com uma política institucionalizada que se reveste das especificidades próprias das
estruturas de poder local.
Palavras-Chave: Políticas Públicas – Financiamento da Educação – FUNDEF.
10
ABSTRACT
This Thesis Work developed under the Doctorate Program in Education of the
Federal University of Pernambuco – UFPE sought to learn how the Municipal
Educational System of the town of Francisco Santos, in the state of Piauí, works. We
specifically analyzed financing policies through the FUNDEF Program, as a public
policy with the greatest financial impact on education policies. For such a research, we
started from the premise that, though the social reality in question is rooted in the
nuances of Brazilian cultural politics, our objective was to find which accommodations
the local education policies made towards providing the channels and mechanisms of
participation and democratization, taking into account the influence of political culture,
as well as local power. In general, the arguments which justify the importance of
FUNDEF are unanimous in assuring that it has brought improvements to Municipal
Education, and that among its impacts on the local reality, the increase in teachers’ pay
stands out, and so does the legal demand for the creation of the Pay scale and Career
Plan, which regulates the profession of teaching and its labor benefits. Finally, the
process of municipalization triggered in Francisco Santos is being motivated by the
increase in financial resources, but it hasn’t necessarily backed up in quality the increase
in the number of students enrolled in basic education. From the results of this study, we
inferred that despite the more modernized [and decentralized] policies being
implemented in the social reality (in this case, in the town examined), they are
confronted with institutionalized policies which are masked by the specificities inherent
to the structure of the local power.
Key Words: Public Policy - Education Financing – FUNDEF.
11
RESUMÉ
Ce travail, développé au Doctorat en Education à l’Université Fédéral de
Pernambuco – UFPE, a recherché connaître/apprendre le moyen de fonctionnement de
l’éducation municipale du Francisco Santos/PI et, particulièrement, analyser la politique
de financement par le Programme du FUNDEF comme une politique publique, de plus
grand impact financier pour la politique d’éducation. Pour autant, nous sommes partis
de la présupposition dont la réalité sociale est enracinée aux nuances de la culture
politique brésilienne. Notre objectif était savoir quelles adaptations la politique
d’éducation locale a réalisées, dans le sens de rendre propice les chemins et les
mécanismes de participation et démocratisation, ayant comme point de référence
l’influence de la culture politique et du pouvoir local. De façon générale, les arguments
qui justifient l’importance du FUNDEF ont été unanimes, car il a apporté des
améliorations pour l’éducation municipale. Parmi leurs impacts pour la réalité se
détache le changement dans l’augmentation des salaires des enseignants et, plus
particulièrement, l’exigence du Plan de Positions et Carrières qui a réglé leurs
professions et aussi leurs garanties de travail. Enfin, nous pouvons en apercevoir que le
processus de municipalisation qui a été déclanché par l'augmentation de ressources
financières n’accompagne pas toujours avec qualité l’augmentation du nombre des
élèves inscrits dans l’enseignement fondamental. A partir des résultats de cette
recherche, nous pouvons inférer que, malgré les politiques plus modernisées (et
décentralisées) soient aujourd’hui mises en pratique dans la réalité sociale, elles se
confrontent à une politique institutionnalisée qui s'enduit des spécificités propres des
structures du pouvoir local.
Mots-clés : Politiques Publiques - Financement de l’Education - FUNDEF
12
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
RESUMÉ
LISTA DE QUADROS E TABELAS ...............................................................
11
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .......................................................
13
INTRODUÇÃO ..................................................................................................
18
- Processo de Pesquisa ...................................................................................
22
- Percurso da Pesquisa ....................................................................................
24
- Os Instrumentos da Coleta de Dados ...........................................................
24
- Sujeitos da Pesquisa .....................................................................................
25
- Análise dos Dados ........................................................................................
26
- Organização da Tese ....................................................................................
31
CAPÍTULO I - O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA: O Caso da Política do FUNDEF ...............................
32
1.1 - O Financiamento da Educação como Política Pública .................................
33
1.2 - O FUNDEF e a Valorização do Magistério no Governo de Fernando Henrique Cardoso ...........................................................................................
35
41
13
1.3 - O Financiamento da Educação: a questão do FUNDEF .............................. 1.3.1 – O FUNDEF em Questão ......................................................................
44
1.3.2 - A Produção Recente sobre a Política de Financiamento do FUNDEF
56
1.3.2.1 - Estudos de caso do FUNDEF no Estado da Paraíba ....................
56
1.3.2.2 - Análise do FUNDEF a partir de seus idealizadores ..................... 58
1.3.2.3 - O FUNDEF no Estado do Rio de Janeiro: a óptica dos perdedores ............................................................................................................
59
1.3.2.4 - Repercussões do FUNDEF em sete Municípios Paulistas ...........
61
1.3.2.5 - Democratização da Política Educacional Brasileira e o FUNDEF: uma análise de suas práticas discursivas – do “dito feito” ao “feito não dito” ...............................................................................................................
63
1.3.2.6 - Conselho do FUNDEF no âmbito da União: um mecanismo de controle social? .....................................................................................................
65
1.3.2.7 - Impactos do FUNDEF: o caso da Bahia ......................................
67
CAPÍTULO II - ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FINANCIAMENTO A PARTIR DE UM NOVO OLHAR SOBRE A RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE: Cultura Política, Poder Local, Descentralização/Democratização e Participação ...........................................
70
2.1 - Considerações Iniciais .................................................................................. 71
2.2 - Perspectivas atuais do Município sob o prisma do poder local e dos processos de descentralização e autonomia das políticas educacionais ...............
74
2.3 - Referencial de política pública na análise da política de financiamento do FUNDEF: a política pública como mediação entre a ação do Estado e a Sociedade ...........................................................................................................
97
2.3.1 - Estudos e pesquisas sobre Estado e Políticas Públicas: breve percurso histórico ...............................................................................................................
100
CAPÍTULO III: CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EMPÍRICO DA PESQUISA: A política educacional do Estado do Piauí e o município de Francisco Santos ................................................................................................
105
3.1 - O Município de Francisco Santos no Contexto da Política Educacional do Estado do Piauí ..................................................................................................
106
14
3.2 - Impacto do FUNDEF no Estado do Piauí ................................................. 109 3.3 - Situação Educacional no Estado do Piauí ..................................................
111
3.4 - Principais Características do Município . ....................................................
116
3.4.1 – Situando o Município de Francisco Santos no Contexto do Território Vale do Rio Guaribas e na Microregião de Picos
118
3.4.2 – A Educação no Município: um começo de história ............................
120
3.4.3 - Estrutura e Funcionamento da Secretaria Municipal de Educação ......
122
3.5 - Situando o Campo de Pesquisa ....................................................................
125
CAPÍTULO IV: IMPACTOS DO FUNDEF NA REALIDADE INVESTIGADA ..................................................................................................
126
4.1- O Processo de Implantação do FUNDEF nas Escolas Municipais ...............
127
4.1.2- O Impacto na Questão Salarial ..............................................................
132
4.1.3- Impacto na Formação/Qualificação do Professor .................................
139
4.1.4- Impacto na Implantação do Plano de Cargos e Carreira .......................
141
4.1.5- Impacto no Conselho do FUNDEF .......................................................
147
4.1.6 – Impacto no Poder Local ......................................................................
158
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................
162
REFERÊNCIAS .................................................................................................
169
DOCUMENTOS .................................................................................................
189
ANEXOS .............................................................................................................
192
15
LISTA DE QUADROS E TABELAS
Quadro 01 − Relação das Entrevistas Realizadas no Município de Francisco Santos, Segundo o Segmento que os Entrevistados Representavam no Conselho do FUNDEF ......................................................................... 26
Quadro 02 − Composição do Conselho do FUNDEF, no âmbito da
União ............................................................................... 67
Tabela 01 − Movimento do FUNDEF do Piauí em 1998 .................. 110
Tabela 02 − Número de Matrículas em Creche por Dependência Administrativa, segundo o Período 2002 – 2006 ............ 113
Tabela 03 − Número de Matrículas em Pré-Escola, por Dependência Administrativa, segundo o período 2002 – 2006 .......... 113
Tabela 3.1 _ Número de Matrículas em Pré-Escola, por Dependência Administrativa, segundo o período 2002 – 2006
114
Tabela 04 Número de Matrículas em Creches e Pré-escolas Públicas no Município de Francisco Santos/PI, segundo o período 2001 – 2006 ....................................................
115
Tabela 05 − Número de Matrículas no Ensino Fundamental, por Dependência Administrativa, segundo o Período 2002 – 2006 ................................................................................. 115
Tabela 5.1 _ Número de Matrículas no Ensino Fundamental, por Dependência Administrativa, segundo o Período 2002 – 2006 .................................................................................
116
16
Tabela 06 Taxa de Atendimento na Rede Pública no Estado do Piauí no período 1980-2000 ............................................
121
Tabela 07 Média de Anos de Estudo da População de 10 anos ou mais de idade (1998-2006) ............................................. 122
Tabela 08 − Evolução das Matrículas no Ensino Fundamental na Rede Pública de Ensino do Município de Francisco Santos (1998-2006) ......................................................... 130
Tabela 09 − Matrículas no Ensino Fundamental nas Redes Públicas de Ensino do Município de Francisco Santos (1998- 2006) .............................................................................. 131
Tabela 10 Transferências de Recursos do FUNDEF para o Município ........................................................................ 132
Tabela 11 Valores Fixados para o período de 1997 a 2006............. 133
Tabela 12 Desempenho dos alunos do ensino fundamental da rede municipal no período de 1999 a 2005 ............................. 138
17
SIGLAS E ABREVIATURAS
PDDE - Programa Dinheiro Direto na Escola
FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira FUNDAP - Fundação para o Desenvolvimento Administrativo IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MEC - Ministério da Educação e do Desporto FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação PIB - Produto Interno Bruto PNE – Plano Nacional de Educação PDET - Plano Decenal de Educação para Todos INSS - Instituto Nacional de Seguro Social SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica FPM - Fundo de Participação dos Municípios – FPM FPE- Fundo de Participação dos Estados – FPE ICMS- Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS IPIexp - Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às Exportações ISS - Imposto sobre Serviço LC 87/96 - Lei Complementar n.87/96
18
RJU - Regime Jurídico Único CLT - Consolidação das Leis do Trabalho ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias EC/14 - Emenda Constitucional n. 14 CEB/CNE - Comissão da Educação Básica do Conselho Nacional de Educação CNE - Conselho Nacional de Educação
CONSED - Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação
CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
FHC - Fernando Henrique Cardoso
TCU – Tribunal de Contas da União
NEPP - Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
ANPOCS – Associação Nacional de Pesquisas Ciências Sociais
CACS-FUNDEF - Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério PCC - Plano de Cargos e Carreira SEDUC - Secretaria Estadual de Educação PT - Partido dos Trabalhadores PNATE - Programa Nacional de Transporte Escolar IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PROFA – Programa de Formação de Alfabetizadores PCN’s - Parâmetros Curriculares Nacionais
19
INTRODUÇÃO
20
INTRODUÇÃO
A motivação inicial para desenvolvermos o presente trabalho de pesquisa tem
suas origens numa trajetória acadêmica iniciada no curso de graduação em Pedagogia.
Desde aquele momento, como bolsista de iniciação científica, passamos a participar do
Núcleo de Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação, do então curso de
Mestrado em Educação da UFPE.
Essa participação inicialmente se deu através de um projeto de pesquisa1 que,
dentre outros aspectos, procurou investigar os novos padrões de gestão educacional que
começaram a ser postos em prática pela política educacional brasileira, principalmente a
partir do primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ocasião em que
começamos a nos interessar pelos estudos sobre a educação como política pública.
A partir da citada pesquisa, novas inquietações foram suscitadas,
particularmente no que concerne ao financiamento da política educacional. Assim
sendo, ao concluirmos a graduação e ingressarmos no Mestrado, nos vinculamos a
outra pesquisa do mesmo Núcleo, intitulada “A Gestão da Educação e a Qualidade do
Ensino no Contexto da Reforma do Estado”. Esta, por sua vez, teve como seus
objetivos principais: identificar as repercussões da reforma administrativa do Estado
brasileiro no setor educação e verificar como nos espaços locais estavam sendo
incorporados à gestão da educação os princípios da descentralização e da participação,
com vistas à sua democratização no alcance da qualidade do ensino (AZEVEDO;
FERREIRA & AGUIAR, 1998).
Desse modo, buscamos aprofundar o conhecimento acerca das repercussões da
reforma do Estado na gestão da educação nos espaços locais, focando as novas formas
de descentralização do financiamento do ensino fundamental neste contexto. Assim,
como um sub-projeto da pesquisa acima citada, realizamos o estudo intitulado “A
Política de Descentralização do Financiamento do Ensino Fundamental e sua
Repercussão nas Unidades Escolares: um Estudo sobre o Programa Dinheiro Direto na
1 O projeto intitula-se “A Qualidade do Ensino e a Política Educacional no Nordeste” e foi desenvolvido no período compreendido entre os anos de 1997 a 1999, sob a orientação da Profa. Dra. Janete Maria Lins de Azevedo.
21
Escola”, cujos resultados foram sistematizados na forma de uma dissertação de Mestrado
(SANTOS, 2001).
O processo de realização da dissertação de Mestrado, os resultados a que
chegamos com a pesquisa, as contribuições da banca examinadora no momento da
defesa e estudos bibliográficos nos mostraram a pertinência de aprofundarmos os
estudos sobre a produção do conhecimento relativo às políticas públicas de educação
sob o ângulo do seu financiamento.
Em relação à nossa dissertação, ao termos investigado as repercussões de um
programa específico – o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) – nas escolas de
um município pernambucano, não nos foi possível dimensionar o alcance financeiro
deste no conjunto dos demais recursos destinados à educação fundamental. Portanto,
mesmo tendo produzido um conhecimento sobre o processo de sua implementação nas
escolas, particularmente em relação aos seus limites e possibilidades para a
viabilização de uma gestão participativo-democrática, os limites em que teve de ser
recortado o objeto, por se tratar de uma dissertação de mestrado, fizeram com que
fossem deixadas de lado questões importantes, além de provocarem o surgimento de
novas questões.
O nosso trabalho no âmbito do Curso de Doutorado em Educação privilegiou, a
partir da análise do FUNDEF (como uma política pública), a apreensão dos
mecanismos que uma política de financiamento poderá acionar, ou não, no sentido de
redimensionar a condução da coisa pública em benefício da escolarização da maior
parte da população, em oposição às práticas e interesses do poder local conservador,
remanescente no País desde períodos mais remotos da nossa história, particularmente
em municípios situados nas regiões geográficas mais pobres. Ou seja, ainda que de
modo limitado, estamos hipotetizando que as novas práticas de regulação social, de
corte descentralizado, que abriram espaço à participação popular, podem ter
propiciado mudanças no padrão de escolarização de determinados municípios,
abalando, em certa medida, às formas de articulação dos interesses e da própria
sustentação das condições de manutenção do poder personalista e das práticas
conservadoras em espaços locais, ou, mais precisamente, em determinadas
municipalidades.
Face ao exposto, a nossa questão de pesquisa consiste em perceber quais
possíveis modificações uma política de financiamento do ensino fundamental trouxe
22
para a educação, num município nordestino, que preserva as características das
relações de poder pautadas nas práticas conservadoras e clientelistas na condução da
coisa pública.
23
Mais especificamente, a nossa intenção consistiu em apreender de que modo o
FUNDEF tem propiciado, ou não, acesso à educação à parte da população que se
encontra ausente do espaço escolar. Ou seja, pretendemos identificar quais mudanças a
implementação da política municipal de educação – de modo particular, o seu
financiamento através do Programa FUNDEF – trouxe para a realidade local,
especialmente para as regiões interioranas do nosso país, em que, historicamente, as
necessidades e carências atingem a maior parte da população, o que inclui o acesso das
crianças e dos adolescentes ao ensino fundamental e a sua permanência nele, seja nas
áreas rurais ou urbanas.
Nesse contexto, justificou-se a escolha do município de Francisco Santos,
situado no Estado do Piauí. Procuramos identificar as diretrizes e políticas
implementadas sob a confluência e os arranjos advindos das orientações do poder
central e local.
A escolha desse município está ligada, num primeiro nível, às nossas referências
pessoais e, num outro, às referências teóricas e práticas inerentes aos processos de
formulação, decisão e implementação da política pública. Nesse sentido, nossas
referências, mesmo reconhecendo que as políticas são articuladas ao planejamento
global da sociedade e, portanto, ao projeto societário em curso, numa abordagem
dialética, leva em conta que a realidade é mutável e, por isso, reconhecem também as
possibilidades de seu redirecionamento durante o processo de sua implementação
(AZEVEDO, 1997).
Neste sentido, é oportuno lembrarmos o planejamento, como assinala Azevedo
(2003, p.06) como:
um instrumento de política pública, materializa as definições
estabelecidas para um determinado setor, refletindo a filosofia de ação
predominante e norteadora dos processos decisórios que conduziram à
sua elaboração. O planejamento expressa também o modo como uma
sociedade está pensando o seu futuro, ou, melhor dizendo: expressa a
representação deste futuro que é própria das forças conjunturalmente
hegemônicas e que, como tais, projetam a manutenção desta sua
condição.
A nossa problemática empírica voltou-se em apreender se as inovações advindas
com a implementação do FUNDEF propiciaram ou não mudanças, considerando que a
24
realidade municipal em foco ainda mantém resquícios das relações conservadoras de
poder, resultante da cultura política brasileira.
Considerando as limitações do fundo, destacamos que o FUNDEF é um modelo
de financiamento que, inclusive, foi aperfeiçoado por meio do FUNDEB (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação). Este, em linhas gerais, consiste num fundo de natureza contábil, que terá
vigência de 14 anos (2006 a 2019) e visa ampliar o atendimento educacional, incluindo
a educação infantil, o ensino médio e a educação de jovens e adultos, especial,
profissionalizante e indígena.
Nessa perspectiva, a nossa tese partiu do pressuposto de que, embora estejam
enraizadas na cultura política do Brasil características como a dominação pessoal, a
prática de favores e a conservação das estruturas de poder baseadas na fidelidade e
lealdade ideológica aos governantes, as políticas educativas, a depender das forças
sociais atuantes nas municipalidades brasileiras, poderão propiciar canais e
mecanismos de participação e incorporação de mudanças na condução de uma
educação pública mais qualificada, que atenda às necessidades de aprendizagens da
população.
Nesse sentido, nossa pesquisa procurou aprofundar o debate sobre a
política de financiamento da educação, considerando tanto o ponto de vista da
concepção da política do FUNDEF quanto os impactos de sua implantação na
realidade investigada, realçando as suas possibilidades e desvelando suas fragilidades
como política pública de educação.
PROCESSO DE PESQUISA O crescente processo de municipalização do ensino fundamental tem respaldo
legal na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), promulgada em 1996, que atribuem aos municípios a responsabilidade de sua
oferta, juntamente com a oferta da educação infantil e de jovens e adultos. A partir
desses respaldos, a criação de programas federais como o FUNDEF e o PDDE
(Programa Dinheiro Direto na Escola) condiciona a distribuição e/ou transferência de
recursos à quantidade de matrículas efetuadas pelas escolas públicas.
Sem desconhecermos as potencialidades de mudança presentes nos
espaços locais, uma dimensão a ser considerada diz respeito à correlação
perversa entre o tamanho dos municípios e os níveis de pobreza neles
25
encontrados, posto que, no Brasil, existe uma dependência dos municípios que
possuem menos de 20 mil habitantes em relação aos recursos transferidos
pelo governo federal, especialmente no atendimento à demanda educacional.
Essa dependência tem repercussão na própria ação da política municipal de
educação e gera uma sensação de paralisia e inércia frente aos desafios
cotidianos.
De acordo com Azevedo (2003), a dependência tem repercussão direta
no processo de escolarização da maior parte dos municípios brasileiros e
resulta do:
quadro político-administrativo que tem reflexo direto nas
condições de oferta do ensino fundamental, sobretudo quando
referido às séries iniciais, que são primordiais para todo o
processo de escolarização. Quase sem fontes de renda própria
que permitam investimentos mais substantivos para a ampliação
da sua estrutura, a maior parte das municipalidades fica a
depender das transferências do poder central para dar conta do
atendimento da demanda por educação. Há localidades aonde o
crescimento das matrículas vem sendo feito sem a expansão da
rede física escolar, e, portanto, através do aumento do número
de alunos por sala de aula, fato que contribui para o
agravamento da precária qualidade da educação e para piorar
as condições de trabalho dos docentes.
Diante desse cenário, buscamos perceber quais mecanismos o poder local tem
acionado para que as políticas educativas advindas do governo federal possam atender
prioritariamente àquela população excluída dos processos formativos, ou para que, ao
menos, essas políticas sejam de fato e de direito disponibilizadas na forma de acesso a
todos, evitando, assim, o uso das políticas públicas em prol dos interesses privados.
Nesse sentido, o nosso estudo pretendeu analisar o processo de
formação/continuidade da sociabilidade em realidades locais que resguardam nas suas
práticas resquícios do conservadorismo, da tradição e da personificação do poder na
26
condução da coisa pública. Buscamos perceber como as orientações de uma política
que pressupõe práticas participativas, definidas na esfera federal, podem possibilitar
mecanismos de mudança na vida dos indivíduos e na coletividade.
Tendo por referência o macro contexto em que o FUNDEF foi concebido e as
formulações analítico-conceituais, objetivamos apreender, no âmbito do município de
Francisco Santos/PI, que formas de acomodação e implementação o Programa teve, e
que impactos trouxe para a tradicional cultura e poder locais e para o próprio ensino
fundamental. Buscamos também saber que percepção os conselheiros do Fundo têm
tido a respeito da atuação do Conselho para a realidade educacional.
Especificamente, nos dispomos a trabalhar a legislação do FUNDEF e
da política municipal, em particular a que legitima o funcionamento do
Conselho do FUNDEF. A ênfase na política do FUNDEF justifica-se por ele
constituir, do ponto de vista financeiro do município, o programa que
disponibiliza um aporte maior de recursos para o ensino fundamental.
PERCURSO DA PESQUISA O nosso primeiro contato com o campo empírico se deu por meio de uma visita à
Secretaria Municipal de Educação, onde entramos em contato com a gestora e
apresentamos o objetivo da pesquisa. Em outro momento de nossa investigação,
voltamos à Secretaria com o propósito de fazer o levantamento de dados sobre a
educação, como informações estatísticas, sobre o quadro de professores (quantidade,
formação, folha de pagamento) e sobre a situação educacional (nº de escolas, modo de
funcionamento e como foi o processo de implantação do FUNDEF no município).
Outro espaço de investigação consistiu em conhecer o Conselho do FUNDEF e
seu modo de funcionamento. Para tanto, contatamos, inicialmente, a Presidente que nos
forneceu documentos e informações relativos à dinâmica do FUNDEF no município.
Dentre os documentos que tivemos acesso e analisamos constam: o Plano de Cargos e
Carreira (PCC), o Projeto de Lei que cria o Conselho Municipal do FUNDEF e o
Regimento Interno do Conselho.
Num terceiro momento da investigação, partimos para a realização das
entrevistas, as quais ocorreram nas respectivas casas de cada conselheiro, após
agendamento prévio.
27
As análises que apresentamos não têm a pretensão de esgotar todas as
possibilidades de interpretar a realidade em foco, mas contribuir com nossas
reflexões sobre as questões aqui propostas, considerando que, dada às
adversidades das realidades sociais, é necessário compreender como estas
acomodam e dão sustentação as suas políticas mediante as condições e
objetivos próprios. Nesse sentido, nossa análise, com base nos dados
coletados, não pretendeu dar conta da complexidade da realidade social, mas
aproximar-se desta a partir de um olhar sobre as políticas de educação em
desenvolvimento.
OS INSTRUMENTOS DA COLETA DE DADOS Para o levantamento dos dados, utilizamos três instrumentos: análise
documental, dados estatísticos e entrevistas.
O primeiro procedimento consistiu no levantamento e na análise do conjunto de
documentos que regulam o FUNDEF, ou seja, a legislação pertinente. O período
demarcado para apreensão dos impactos do FUNDEF no município foi do ano de 1998
a 2006, por compreender o tempo de seu funcionamento, sendo este substituído no ano
de 2007 pelo FUNDEB.
Para o levantamento de informações estatísticas sobre a realidade educacional
do município, procedemos da seguinte forma:
a) Em consulta à home page do INEP, buscamos, no link Censo Escolar, informações
estatísticas sobre a educação do município em destaque;
b) Na home page da Fazenda, fizemos o levantamento das Transferências Constitucionais
para os municípios, com destaque para os valores transferidos do FUNDEF;
c) Na Secretaria de Educação do Município de Francisco Santos, fizemos o levantamento dos
arquivos acerca da situação da formação dos professores;
d) Por fim, realizamos entrevistas semi-estruturadas com integrantes do Conselho do
FUNDEF, procurando atender aos seguintes critérios:
um quantitativo de representantes que atuam no Conselho, ou seja, os diversos segmentos do poder executivo e os representantes da comunidade escolar (pais, alunos, funcionários e professores);
entrevista com a gestora, procurando apreender que ações são implementadas pela Secretaria de Educação, no sentido de se perceber as orientações gerais da política educacional.
28
Optamos por realizar entrevista semi-estruturada, pois a mesma possibilita uma
abertura para formular novas questões a depender do desenrolar da conversa com o
entrevistado. Nesse sentido, durante o percurso das entrevistas, observou-se que havia
alguns sujeitos (conselheiros entrevistados) mais reticentes nas falas, ou seja, que
mantinham discursos diretos e curtos. Por outro lado, outros sujeitos demonstravam
vontade e interesse em discorrer sobre as questões, contando detalhes e fatos do
cotidiano escolar/da educação.
SUJEITOS DA PESQUISA Durante o processo de coleta de dados, quatro (4) integrantes do Conselho do
FUNDEF, de um total de oito (8), participaram diretamente da pesquisa. Optamos por
entrevistar, pelos menos, um representante de cada um dos segmentos que o compõem.
Ou seja: o representante de professores e diretores das escolas, o representante da
Secretaria de Educação, o representante de servidores de escolas públicas e o
representante de pais e alunos. Conforme mostramos no quadro 01, foram realizadas
quatro entrevistas. No conjunto, elas compreenderam um total de cinco entrevistas, ao
considerarmos a que foi realizada com uma diretora da Secretaria Municipal, antes
mencionada.
QUADRO 01 Relação das entrevistas realizadas no Município de Francisco Santos, segundo o segmento que os entrevistados representavam no Conselho do FUNDEF
SEGMENTO QUANTIDADE
REPRESENTANTE DE PROFESSORES E DIRETORES DAS ESCOLAS 01
REPRESENTANTE DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO 01 REPRESENTANTE DOS SERVIDORES DE ESCOLAS
PÚBLICAS 01
REPRESENTANTE DE PAIS E ALUNOS 01 TOTAL 04
Antes de realizar e gravar as entrevistas, foi ressaltado que seria mantido o
sigilo das informações. Com o objetivo de preservar a identidade dos sujeitos
envolvidos diretamente neste estudo, designamos códigos na transcrição de suas falas.
O roteiro da entrevista (em anexo) foi construído de modo que pudéssemos
focalizar, na análise dos dados, os seguintes eixos temáticos:
a) Processo de formação do Conselho do FUNDEF;
29
b) Impactos do FUNDEF na realidade educacional; c) Estrutura e funcionamento do conselho municipal de acompanhamento e controle social do
FUNDEF; d) Forma de articulação entre a rede estadual e municipal de educação; e) O FUNDEF como mecanismo de qualificação e valorização do professor; f) Condições de trabalho, carreira e salário dos professores da rede municipal; g) A cultura política e os processos de participação nas políticas públicas da educação local.
O processo de coleta de dados com a Secretária de Educação do município
ocorreu por meio de questionário, pois a mesma não permitiu o uso da entrevista. Este
questionário versou sobre:
a) os principais problemas que o município vem enfrentando na educação; b) as mudanças trazidas com a implantação do FUNDEF na educação municipal; c) o que o FUNDEF trouxe para o município em termos de questão salarial e formação dos
professores.
ANÁLISE DOS DADOS Para o tratamento e análise das informações, tanto as decorrentes de fontes
secundárias (particularmente as encontradas em documentos) quanto as que
resultaram das entrevistas, utilizamos a análise de conteúdo, de acordo com as
sugestões que são encontradas em Bardin (1977), tendo por referência as categorias
privilegiadas pela pesquisa (cultura política, poder local, descentralização e
participação).
Nesse sentido, consideramos pertinente apresentar em linhas gerais o que é a
análise de conteúdo e em que princípios ela está estruturada. Um primeiro aspecto que
destacaríamos é a própria conceituação do que é a análise de conteúdo. Segundo
Bardin (1977), ela consiste num
conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (p. 42).
Acrescenta ainda que pertencem ao domínio da análise de conteúdo
todas as iniciativas que, a partir de um conjunto de técnicas parciais mas complementares, consistam na explicitação e sistematização do conteúdo das mensagens e da expressão deste conteúdo, com o contributo de índices passíveis ou não de quantificação, a partir de um conjunto de técnicas, que embora parciais, são complementares. Esta
30
abordagem tem por finalidade efetuar deduções lógicas e justificadas, referentes à origem das mensagens tomadas em consideração (o emissor e o seu contexto, ou, eventualmente, os efeitos dessas mensagens) (p. 42).
Como demonstraremos a seguir, a análise de conteúdo é um método que
pode ser aplicado tanto em pesquisa quantitativa quanto em investigação qualitativa.
Ela requer alguns procedimentos como forma de organização das fases constitutivas da
análise, quais sejam:
a) a pré-análise; b) a exploração do material; c) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
A pré-análise constitui a fase de organização do material que será explorado.
Na prática, trata-se do planejamento da análise.
Essa fase de organização consiste na escolha dos documentos (“leitura
flutuante”2), na formulação das hipóteses e dos objetivos e na elaboração de
indicadores que fundamentem a interpretação dos dados.
Com a demarcação dos gêneros de documentos sobre os quais se
efetuará a análise, é necessária a constituição do corpus, o qual consiste no
conjunto dos documentos tidos em conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos. A sua constituição implica, muitas vezes, escolhas, seleções e regras (p. 96-97).
As principais regras são:
a) Regra de exaustividade – consiste em não deixar de fora da seleção de
documentos nenhum dos elementos que não possa ser justificado no plano do rigor.
b) Regra de representatividade – significa dizer que a análise pode efetuar-se
numa amostra, desde que o material a isso se preste, pois nem todo ele é
susceptível de amostragem. Nesse caso, convém reduzir o seu universo. Sobre a
representatividade da amostra, Bardin (1977, p. 97) assinala:
a amostragem diz-se rigorosa se a amostra for uma parte representativa do universo inicial. Neste caso, os resultados obtidos para a amostra serão generalizados ao todo.
c) Regra da homogeneidade – diz respeito aos documentos selecionados. Estes
devem ser homogêneos, ou seja, “devem obedecer a critérios precisos de escolha e 2 A “leitura flutuante” consiste numa primeira atividade de contato com os documentos a analisar e em conhecer o texto, “deixando-se invadir por impressões e orientações” (BARDIN, 1977, p. 96).
31
não apresentar demasiada singularidade fora destes critérios de escolha (BARDIN,
1977, p. 98).
d) Regra de pertinência – refere-se à noção de que os documentos escolhidos
devem ser adequados, como fonte de informação, de modo a corresponder ao
objetivo da análise.
A explicitação dessas regras é pertinente porque elas tratam da construção do
corpus.
Durante o processo de elaboração dos indicadores, que ocorre desde a pré
análise, procede-se a determinadas operações, ou seja, “de recorte do texto em
unidades comparáveis de categorização para análise temática e de modalidade de
codificação para o registro dos dados” (p. 100). Nisso consiste a etapa de exploração
do material, que em última análise é a conhecida “descrição analítica”.
A descrição analítica, que compõe a segunda fase da análise de conteúdo,
“funciona segundo procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens” (p. 34). Nesse contexto, faz-se um estudo aprofundado do corpus,
orientado pelas hipóteses3 e pelo referencial teórico.
Apresentamos, em linhas gerais, o que é o processo de codificação e de
categorização.
Segundo Bardin (1977, p. 103), tratar o material é codificá-lo, e a
codificação corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão, susceptível de esclarecer o analista acerca das características do texto.
O autor acrescenta ainda que a organização da codificação compreende
três escolhas:
1. o recorte: escolha das unidades; 2. a enumeração: escolha das regras de contagem; 3. a classificação e a agregação: escolha das categorias.
Nessa perspectiva, o autor afirma que, a partir do momento em que a análise de
conteúdo decide codificar o seu material, deve produzir um sistema de categorias, pois
3 Segundo Bardin (1977, p. 98), uma hipótese é uma afirmação provisória que nos propomos verificar (confirmar ou infirmar), recorrendo aos procedimentos de análise. Trata-se de uma suposição cuja origem é a intuição e que permanece em suspenso enquanto não for submetida à proa de dados seguros.
32
a maioria dos procedimentos de análise organiza-se em torno do processo de
categorização. Esta, por sua vez, constitui:
uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns destes elementos (BARDIN, 1977, p. 117).
E completa dizendo que:
Classificar elementos em categorias4 impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com outros. O que vai permitir o seu agrupamento é a parte comum existente entre eles (BARDIN, 1977, p. 118).
O autor ressalva ainda que todo processo classificatório possui sua importância
na atividade científica. Afirma também que os critérios de categorização estão
organizados em: semântico (categorias temáticas), sintático (os verbos, os adjetivos),
léxico (classificação das palavras segundo o seu sentido, com emparelhamento dos
sinônimos e dos sentidos próximos) e expressivo. Enfim, adverte:
A análise de conteúdo assenta implicitamente na crença de que a categorização (passagem de dados brutos a dados organizados) não introduz desvios (por excesso ou por recusa) no material, mas que dá a conhecer índices invisíveis, ao nível dos dados brutos (BARDIN, 1977, p. 119).
Por isso,
um bom analista será, talvez, em primeiro lugar, alguém cuja capacidade de categorizar – e de categorizar em função de um material sempre renovado e de teorias evolutivas – está desenvolvida. (p. 119).
A última fase da análise de conteúdo, conhecida como interpretação referencial,
parte da idéia de que, na interação com os materiais, é preciso que o pesquisador não
analise apenas o conteúdo manifesto dos documentos, mas aprofunde sua análise
buscando desvendar o conteúdo latente que eles possuem. Nesse sentido, Bardin (1977,
p. 101) sintetiza:
O analista, tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos
4 O autor destaca que um conjunto de categorias boas deve possuir as seguintes qualidades: a exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a objetividade e a fidelidade e produtividade.
33
objetivos previstos, ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas. Por outro lado, os resultados obtidos, a confrontação sistemática com o material e o tipo de inferências alcançadas, podem servir de base a uma outra análise disposta em torno de novas dimensões teóricas, ou praticada graças a técnicas diferentes.
Após a explicitação das características da análise de conteúdo,
ressaltamos que a nossa escolha por ela pauta-se no entendimento de que a mesma
corresponderia ao nosso objetivo, ou seja, aprender, por meio das falas dos
conselheiros, que impactos estavam sendo atribuídos à política do FUNDEF.
Por fim, salientamos também que, com a pesquisa, em seu conjunto, esperamos
ter produzido um conhecimento que possa vir a contribuir como subsídio para se re-
pensar a pertinência de estudos dessa natureza, no sentido de problematizar questões
relativas à política de financiamento da educação e a seus impactos para a realidade
social, buscando apreender as relações entre a cultua política, o poder local e os
processos de descentralização advindos das orientações das políticas educativas
voltadas, efetivamente, para a melhoria das condições de escolarização da maioria da
população.
Diante do exposto, detalharemos, a seguir, a organização do trabalho de
doutorado que ora apresentamos.
ORGANIZAÇÃO DA TESE No primeiro capítulo, apresentamos uma discussão em torno da problemática
do financiamento da educação como política pública, procurando contextualizá-la
tanto do ponto de vista histórico quanto legal, dando destaque para a política do
FUNDEF – nosso objeto de investigação. Ainda neste capítulo, fizemos uma revisão da
literatura concernente aos estudos realizados em torno dos impactos do FUNDEF em
diversas realidades educacionais do nosso país. Consideramos de suma relevância essa
abordagem, pois ela consiste numa justificativa da escolha do nosso objeto de
investigação, ou seja, a política do FUNDEF na realidade de um município nordestino,
tentando também destacar a pertinência do referido estudo, dado a originalidade do
seu enfoque.
No segundo capítulo, apresentamos as referências teórico-metodológicas que
orientaram a pesquisa. A apresentação dessas referências é feita contemplando,
também, uma abordagem histórica de questões ligadas aos principais conceitos
34
utilizados, além da definição desses conceitos e do detalhamento dos procedimentos e
estratégias metodológicas empregados no estudo.
O terceiro capítulo inicia com uma breve referência sobre a política
educacional do estado do Piauí com suas diretrizes para a educação piauiense como
um todo. Consideramos pertinente situar a política estadual, devido ao fato de o
município de Francisco Santos ser orientado pelo sistema estadual, uma vez que
inexiste sistema municipal de educação naquela realidade. Em seguida, apresentamos
as características do município de Francisco Santos, principal espaço empírico da
nossa pesquisa.
O quarto e último capítulo compõe-se de uma apresentação do campo da
pesquisa e dos resultados encontrados acerca dos impactos do FUNDEF no município,
decorrentes, principalmente, da análise de conteúdo das falas dos conselheiros
entrevistados. Por último, nas considerações finais, apresentamos uma síntese e uma
sistematização do conjunto de resultados obtidos com a investigação.
35
CAPÍTULO I – O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA: O Caso da Política do FUNDEF
1.1- O Financiamento da Educação como Política Pública
A questão do financiamento público constitui-se historicamente num tema
complexo e de restrita discussão e elaboração teórico-conceitual no âmbito acadêmico,
pois, em geral, é encarado como um tema “chato”, desinteressante e demasiadamente
técnico por aqueles que por ventura poderiam ter a intenção de conhecer/entender o
processo de financiamento das políticas públicas, em particular, da política de
financiamento da educação brasileira.
De um modo geral, poucos são os pesquisadores interessados em estudar a
política educacional no Brasil sob o ângulo do seu financiamento. Não estamos dizendo
que inexistem estudos sobre o financiamento da educação no Brasil, mas que são
poucos os que privilegiam a dimensão do financiamento como um dos aspectos
imprescindíveis para se analisar a educação como política pública (AZEVEDO, 1997).
É através da cadeia de relações representadas pelas decisões sobre a alocação de
recursos e dos respectivos gastos que se podem apreender elementos significativos
36
sobre a natureza dos objetivos e metas estabelecidos e sobre as prioridades traçadas
para a política educacional.
Numa revisão preliminar da literatura pertinente, foi possível identificar um
número relativo de estudos sobre o financiamento da educação que, historicamente,
vêm sendo produzidos pelos ou para os órgãos governamentais, através dos seus
técnico-especialistas, como uma ferramenta auxiliar nas decisões do governo. Nesse
quadro, situam-se os trabalhos nascidos no próprio Ministério da Educação, através do
INEP, ou, principalmente, no Ministério do Planejamento, através do IPEA5, a
exemplo de Negri (1997), Xavier (1991), Xavier e Plank (1992), Marques (1991),
Castro (1989), Fagnani (1989), Souza (1979), entre outros.
Trata-se de um quadro que parece ter ligação direta com a própria constituição
do campo disciplinar das políticas públicas no Brasil. Segundo Melo (1999: 6), há um
problema clássico para que seja demarcado o objeto desse campo no interior das
ciências sociais – entre a sociologia e a ciência política (e historicamente em relação ao
campo do direito):
a relativa indistinção entre os cientistas sociais e os especialistas setoriais em políticas públicas debilita o esforço de demarcação da especificidade da análise ancorada disciplinarmente (nas ciências sociais) em relação à análise dos especialistas setoriais em uma área de política pública.
Ainda de acordo com Melo (1999), a institucionalização do campo de estudo
das Políticas Públicas no Brasil é bastante incipiente, e sua genealogia intelectual é
relativamente curta, dada as limitações que esse campo vem enfrentando ao longo da
produção de conhecimento concernente. Nesse sentido, observa-se que muitos estudos,
apesar de estarem se distanciando da gestão de governo, continuam associados a
entidades governamentais. Os que tratam, sobretudo, da avaliação de políticas foram e
continuam sendo realizados por instituições governamentais, como é o caso da
FUNDAP6, em São Paulo, e do IPEA, do Ministério do Planejamento. O autor chama
também a atenção para um duplo risco existente nessa proximidade da disciplina com
os órgãos de governo, devido à “possibilidade da dimensão analítica ser subsumida em
análises normativas e prescritivas e da agenda de pesquisa ser ‘pautada’ pela agenda
de governo” (MELO, 1999, p. 32).
5 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. 6 Fundação para o Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo.
37
Por outro lado, Velloso (2001), a partir de uma pesquisa que mapeou o cenário
sobre os estudos existentes no Brasil a respeito do financiamento da educação, mostra
que tais estudos vêm ganhando autonomia acadêmica, na medida em que estão se
constituindo como tema específico de grupos de pesquisas de programas de pós-
graduação. Desse modo, estão deixando de ser cativos da temática “Economia da
Educação” e passando a integrar o campo do “Financiamento Escolar”.
Na pesquisa, esse autor identifica que os temas mais recorrentes nesse campo
são os que focalizam os anos 90 e que abordam questões como eqüidade, custo-aluno
anual, financiamento das instituições de ensino superior, peso das bolsas de estudos.
Além disso, há alguns estudos que fazem a avaliação de programas específicos do
financiamento, como os que abordam o FUNDEF – Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (VELLOSO,
2001).
Com efeito, o FUNDEF pode ser considerado o programa que mais chamou a
atenção dentre as medidas de política educacional implantadas nos anos 90. Por isso,
tem sido alvo de investigações de mais de uma dezena de pesquisadores, dentre os
quais podemos apontar Alves (2002), Bassi (2001), Davies (1999, 2001), Esteves
(2005), Gil (2005), Menezes (2005), Monlevade & Ferreira (1997, 1998), Oliveira
(2002), Pereira (2006), Rodrigues (2000, 2003), Sales (2001), Sousa Junior
(2001), Verhine (2001). Além dos estudos sobre o FUNDEF, também é possível
localizar outros trabalhos de cunho acadêmico que procuram fornecer uma visão mais
ampliada sobre o financiamento da educação no Brasil. Dentre eles, podemos destacar
os trabalhos de Callegari & Callegari (1997), Dourado (1999), Melchior (1980, 1981,
1997), Pinto (2000, 2002) e Velloso (1985, 1987, 1988, 1992, 1997).
Ao considerarmos as contribuições dos trabalhos citados acima, justificamos a
relevância da pesquisa sobre a realidade educacional do município de Francisco Santos
(PI), na tentativa de apreender as mudanças que vêm ocorrendo após a implementação
do novo padrão de gestão e financiamento que o FUNDEF representou. Nessa
perspectiva, priorizamos, no estudo da literatura concernente, as análises desenvolvidas
sobre os impactos do FUNDEF no cotidiano da escola pública, atentando para a
demanda de financiamento que o sistema de ensino exige e para as minúcias da
estrutura de funcionamento do Fundo.
38
1.2- O FUNDEF e a Valorização do Magistério no Governo de Fernando
Henrique Cardoso
De um modo geral, as reformas educativas implementadas na década de 90
situaram-se como medidas de política educacional que tinham como propósito
promover a autonomia e a democratização da gestão escolar, como um caminho para
se atingir a qualidade do ensino. É este o contexto de implantação do FUNDEF
durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), no quadro do
processo de descentralização das políticas públicas, em articulação direta com a
reforma administrativa do Estado. Em termos de gestão, isso pode ser identificado com
o princípio da descentralização, promovendo a autonomia dos serviços públicos (no
caso a autonomia da escola) e fornecendo condições para a participação da sociedade
nas decisões e no acompanhamento das políticas, o que se traduziu na obrigatoriedade
de criação de canais de participação da comunidade nas decisões escolares.
Esse discurso encontra sintonia com a divulgação da primeira mensagem do
então presidente Fernando Henrique Cardoso ao Congresso Nacional, por ocasião da
abertura dos trabalhos legislativos. Ao apresentar ao poder legislativo as diretrizes de
ação do seu governo para a área social, a descentralização das políticas apareceu como
uma prioridade:
Descentralizar as ações do Governo Federal nas áreas da educação, da saúde, da alimentação e nutrição, da previdência e assistência social, do trabalho e da cultura importa em fornecer a Estados e Municípios informações que lhes confiram maior capacidade de alocar recursos públicos e gerir os problemas e realidades locais (CARDOSO, 1995).
Nesse contexto, o Presidente acenava para as reformas administrativas que iriam
ser feitas, visando a uma redefinição do papel do MEC, ao mesmo tempo em que
enfatizava o novo papel que a escola deveria assumir em relação à gestão:
O Ministério da Educação e do Desporto deverá passar por reformas em sua estrutura interna para deixar de ser um executor e gestor de escolas, e atuar efetivamente como regulador das políticas de educação com vistas à qualidade do ensino; como financiador das prioridades educacionais; e como avaliador do desempenho escolar dos alunos, de modo a propiciar à sociedade e ao Governo informações úteis e confiáveis” [...] A política do Ministério em todos os níveis de ensino deverá primar pelo objetivo de valorizar a escola como unidade de decisão e de utilização de recursos, para que o controle exercido pelo Poder Público sobre a educação dependa cada vez menos da multiplicação de exigências burocráticas e, cada vez mais, da avaliação
39
objetiva do desempenho das diferentes instâncias e unidades da Federação (CARDOSO, 1995).
Naquele período, a mídia foi utilizada como meio de divulgação das políticas
educacionais, e seus resultados têm sido destacados nas diversas “prestações de conta”
que o Ministério da Educação e o próprio Presidente têm feito à sociedade, conforme o
exemplo a seguir:
A prioridade do Governo na área da Educação é o fortalecimento do ensino fundamental, através da valorização da escola, da ampliação da sua autonomia, da descentralização das ações e da redistribuição das responsabilidades entre as diferentes esferas de governo (CARDOSO, 1996).
Como anunciado nos documentos “Mãos à obra Brasil: proposta de
governo” (CARDOSO, 1994) e “Planejamento Político-estratégico – 1995/1998”
(MEC, mai/1995), a prioridade do governo de Fernando Henrique Cardoso foi a escola
de ensino fundamental; para tanto, o esforço foi enfrentar as distorções do sistema
educacional brasileiro, conforme podemos perceber no discurso abaixo:
Todos os estudos e diagnósticos apontam a escola fundamental como a raiz dos problemas educacionais do povo brasileiro. Portanto, a prioridade absoluta será a de promover o fortalecimento da escola de primeiro grau. Há escolas, há vagas, há evasão, há repetência, há professor mal treinado, professor mal pago, há desperdício. Para trilhar um caminho de seriedade, é preciso, acima de tudo, valorizar a escola e tudo o que lhe é próprio: a sala de aula e os professores; o currículo e a formação dos mestres; o resultado da aprendizagem (MEC, 1995, p. 3).
Essa tônica também foi retratada no “Relatório de Atividades de 1995” (MEC,
dez/1995), o qual foi organizado sob a forma de objetivos e resultados, estabelecendo
comparações entre dados de 1994 e 1995.
Segundo análise de Vieira (1998), o referido documento revelou as principais
intenções governamentais:
estão a caminho as reformas prometidas, com especial destaque para aquelas referentes ao ensino fundamental – o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Professor (p. 7-8); a TV Escola (p. 8-10); o repasse de recursos diretamente às escolas (p. 13-14); a reestruturação do SAEB (p. 14-16); os parâmetros curriculares (p. 16-17); e a retomada do Projeto Nordeste (p. 18-20), para citar as ações mais importantes (p. 195).
40
De modo explícito, o discurso governamental passou a defender e a privilegiar a
escola como principal espaço das políticas educativas, de acordo com um modo
próprio de compreender o processo de “descentralização”7, baseando-se “na idéia de
que são os diretores, professores, alunos, pais e funcionários, a comunidade que, enfim,
vive o dia-a-dia da escola quem sabe a melhor maneira de utilizar os recursos”
(MEC/FNDE, S/D). Isso, por sua vez, encontrou coerência com o conjunto de
prioridades do governo, de forma a tornar eficaz a sua ação sobre o sistema como um
todo:
a) prioridade do Governo Federal para o ensino obrigatório de primeiro grau;
b) valorização da escola e de sua autonomia, bem como de sua responsabilidade para com o aluno, a comunidade e a sociedade;
c) promoção da modernização gerencial em todos os níveis e modalidades de ensino, assim como nos órgãos de gestão;
d) utilização e disseminação de modernas tecnologias educacionais; e) progressiva transformação do MEC num organismo eficaz de
formulação, coordenação e acompanhamento de políticas públicas na área educacional, e a conseqüente redução de seu papel executivo (BRASIL, 1995, p. 4).
Assim, entre as orientações presentes nessas medidas governamentais,
encontram-se princípios como “descentralização”, “autonomia das escolas”, “gestão
democrática”, que passam a constituir referência da política educacional brasileira,
como meios para a consolidação da qualidade do ensino. Nesse quadro, portanto,
localizam-se as medidas do governo central que são proclamadas como práticas
descentralizadoras que privilegiam a participação, segundo um novo padrão das
políticas sociais.
Nesse contexto, no âmbito da política educacional do ensino fundamental, situa-
se a instituição do FUNDEF, como uma política direcionada para a valorização do
professor, cuja finalidade reside em investir na melhoria da qualidade da educação e do
trabalho docente através do estabelecimento de um piso profissional digno.
Dentre os preceitos legais que visam a uma ação coordenada envolvendo as três
esferas de governo, através de um regime de colaboração concebido dentro dos moldes
de um Pacto Federativo, por meio do qual a União, os Estados, os Municípios e o
Distrito Federal empreendam esforços no sentido de assegurar a universalização do
ensino com qualidade e oportunize condições de acesso e permanência na escola aos
7 Estudos teóricos e empíricos acerca do princípio da descentralização: cf. Cassassus (1995), Melo (1997), Arretche (2000).
41
cidadãos do nosso país, é que destacamos a Constituição Federal (BRASIL, 1988), a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996a) e a Lei que criou o FUNDEF
(BRASIL, 1996b).
Diante desse cenário e das exigências do trabalho do professor e de sua
necessidade de formação, as prerrogativas delineadas pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, sancionada em 20 de dezembro de 1996, estabelece em seu artigo
67 que:
Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público: I. ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II. aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico remunerado para esse fim; III. piso salarial profissional; IV. progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na
avaliação do desempenho; V. período reservado a estudos, planejamento e avaliação, inclusive na
carga de trabalho; VI. condições adequadas de trabalho.
Além das questões da forma de admissão no serviço público e da necessidade de
qualificação dos seus profissionais, conforme mencionadas acima, destacamos, na Lei
do FUNDEF, o seu artigo 9º, que estabelece aos Estados, aos Municípios e ao Distrito
Federal a obrigação de elaborar Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, de
modo a assegurar:
I – a remuneração condigna dos professores do ensino fundamental público, em efetivo exercício no magistério; II – o estímulo ao trabalho em sala de aula; III – a melhoria da qualidade do ensino.
Dentro dessa determinação para com as diretrizes da carreira no Magistério, o
artigo 10 dessa mesma lei obriga aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal
apresentarem seus Planos de Carreira e Remuneração do Magistério, de acordo com as
diretrizes do Conselho Nacional de Educação, no prazo de seis meses a partir da
vigência da Lei; bem como o fornecimento de informações ao censo escolar para fins de
indicadores educacionais.
Com base na Resolução nº 03, de 08 de outubro de 1997, ficou estabelecido no
seu Art. 2º que:
42
Integram a carreira do Magistério dos Sistemas de Ensino Público os profissionais que exercem atividades de docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades, incluídas as de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional.
Dentre as diretrizes fixadas para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração
para o Magistério, destacamos o Art. 6º, que dispõe das condições de trabalho do
docente:
I. não serão incluídos benefícios que impliquem afastamento da escola, tais como faltas abonadas, justificativas ou licenças, não previstas na Constituição Federal;
II. a cedência para outras funções fora do sistema de ensino só será admitida sem ônus para o sistema de origem do integrante da carreira do magistério;
III. às docentes em exercício de regência de classe nas unidades escolares deverão ser assegurados 45 (quarenta e cinco) dias de férias anuais, distribuídos nos períodos de recesso, conforme o interesse da escola, fazendo jus os demais integrantes do magistério a 30 (trinta) dias por ano;
IV. a jornada de trabalho dos docentes poderá ser de até 40 (quarenta) horas e incluirá uma parte de horas de aula e outra de horas de atividades, estas últimas correspondendo a um percentual entre 20% (vinte por cento) e 25% (vinte e cinco por cento) do total da jornada, consideradas como horas de atividades aquelas destinadas à preparação e avaliação do trabalho didático, à colaboração com a administração da escola, às reuniões pedagógicas, à articulação com a comunidade e ao aperfeiçoamento profissional, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola;
V. a remuneração dos docentes contemplará níveis de titulação, sem que a atribuída aos portadores de diploma de licenciatura plena ultrapasse em mais de 50% (cinqüenta por cento) a que couber aos formados em nível médio;
VI. constituirão incentivos de progressão por qualificação de trabalho docente: a) a dedicação exclusiva ao cargo no sistema de ensino; b) o desempenho no trabalho, mediante avaliação segundo
parâmetros de qualidade do exercício profissional, a serem definidos em cada sistema;
c) a qualificação em instituições credenciadas; d) o tempo de serviço na função docente; e) avaliações periódicas de aferição de conhecimentos na área
curricular em que o professor exerça docência e de conhecimentos pedagógicos.
VII. não deverão ser permitidas incorporações de quaisquer gratificações por funções dentro ou fora do sistema de ensino aos vencimentos e proventos de aposentadoria;
VIII. a passagem do docente de um cargo de atuação para outro só deverá ser permitida mediante concurso, admitido o exercício a título precário apenas quando indispensável para o atendimento à necessidade do serviço.
43
No entanto, é importante estar atento ao modo como estão sendo formulados os
Planos de Carreira para o Magistério, impulsionados por uma exigência legal (Const.
de 1988, LDB – Lei n° 9.394/96 e a Lei do FUNDEF – Lei n° 9.424/96), como nos
chama atenção Valle (2003, p. 143):
A criação ou reformulação dos planos de carreira para o magistério tem-se caracterizado, portanto, por uma multiplicidade de ações, muitas delas apenas com o objetivo de cumprir parte das recomendações emanadas pelas políticas públicas, notadamente as de cunho burocrático. Percebe-se, portanto, que, em várias ocasiões, a elaboração desses planos, ao invés de contemplar a participação dos profissionais da educação, através de suas representações, na discussão para o estabelecimento de metas para a classe, dá-se em um âmbito de gabinete, muitas vezes, nos gabinetes das Secretarias Municipais e Estaduais de Planejamento ou de Fazenda.
Conforme explicitado acima, observa-se que, em termos legais, estão
asseguradas algumas condições fundamentais para a efetivação da valorização dos
professores e dos demais profissionais da educação. Cabe-nos, porém, questionarmos a
viabilidade dessas condições na realidade educacional do nosso país. Isso não significa
dizer que não haja iniciativas governamentais e da própria sociedade em propor
alternativas para a complexidade que envolve o trabalho pedagógico dos professores e a
sua profissionalização.
Quanto ao investimento de maiores recursos para a valorização docente, na
elaboração do próprio PNE isso não foi previsto, o que agravaria a situação atual do
ensino público, se levarmos em conta o tempo de duração do FUNDEF (1997 - 2006) e
do PNE (2001 - 2011), questão sutilmente desconsiderada. Neste contexto, ressalta
Azevedo (2002, p. 10) que:
fica difícil pensarmos a viabilidade de um plano de carreira, num
momento em que a tendência dos estados e municípios tem sido
reduzir o número de funcionários, face às restrições de ordem
econômica, no quadro da flexibilização e desregulamentação
dos contratos de trabalho, fenômeno que tem conduzido os
docentes a assumirem duplas e triplas jornadas de trabalho. As
demais instâncias administrativas dificilmente poderão viabilizar
as diretrizes e metas contidas no Plano, caso não sejam criadas
44
políticas nacionais que ampliem os financiamentos advindos do
FUNDEF.
Por fim, reavaliar e propor alternativas de políticas públicas que visem
resolver/minimizar os dilemas da educação brasileira constitui um dos
pressupostos presentes no Plano Nacional de Educação, o que não significa
secundarizar a questão da valorização do professor e de sua formação
contínua. Portanto, é urgente que as metas estabelecidas no Plano sejam
cumpridas, ou seja, passem do plano das intenções para o plano das ações.
1.3- O Financiamento da Educação: a questão do FUNDEF
Conforme as orientações do Plano Decenal de Educação para Todos (1993 –
2003), ficou definido como meta elevar em 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) os
investimentos na área educacional até 2003. Porém, o que se verifica é que o Brasil tem
aplicado anualmente apenas 3,5% do seu PIB na educação. Nesse sentido, apesar das
reformas educativas empreendidas a partir da década de 1990, constata-se que os
recursos não foram ampliados, mas apenas sofrem alterações na forma da sua
distribuição. Exemplos singulares foram a criação do FUNDEF e a complementação do
valor mínimo pela União, que expressam as alterações sofridas na forma de distribuição.
Por se tratar de um direito público subjetivo, constitucionalmente regulado, o
acesso ao ensino fundamental e ao seu usufruto, a princípio, é um direito social
universal e, como tal, tem reguladas as suas fontes de financiamento.
A principal delas decorre do que é estabelecido pela Constituição Federal,
quando esta determina a obrigatoriedade de vinculação de percentuais dos recursos
públicos de cada ente federativo com gastos com a educação. No seu artigo 212, está
estabelecido que a União aplicará anualmente nunca menos de 18%, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, no mínimo 25% das suas receitas compreendidas e
provenientes de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino
(BRASIL, 1988).
No que se refere especificamente ao ensino fundamental, a Emenda
Constitucional de número 14, que entrou em vigor em 1996, possibilitou as bases legais
para que se operasse uma sub-vinculação de parte desses percentuais vinculados, para
garantir o financiamento exclusivo deste nível de ensino nos estados e municípios.
45
Com efeito, é essa Emenda que criou o Fundo de Manutenção do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, determinando que, nos dez
anos de sua vigência, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem destinar não
menos que 60% dos 25% vinculados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino
fundamental, ficando dos 18% da receita de impostos da União a subvinculação de 30%
destinados à erradicação do analfabetismo e à manutenção e ao desenvolvimento do
ensino fundamental.
Estabeleceu também que, além da distribuição dos recursos desse Fundo no
âmbito de cada Estado e entre este e seus Municípios, que deve se dar de acordo com a
proporção de alunos matriculados nas respectivas redes de ensino fundamental regular
e segundo um custo aluno-anual definido pelo Ministério da Educação, a União passa a
complementar os recursos dos Fundos dos Estados e do Distrito Federal quando estes
não forem suficientes para garantir o financiamento de acordo com o custo aluno
definido nacionalmente.
Convém lembrar que há outra importante fonte de recursos que, juntamente com
o FUNDEF, constitui a estrutura principal de financiamento do nível de ensino aqui em
destaque. Estamos nos reportando ao Salário-Educação.
Com efeito, tal como o FUNDEF, o Salário Educação é uma contribuição social
que a Constituição Federal regulamenta como fonte de recursos destinados ao ensino
fundamental. O seu artigo 212 estabelece que:
O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida, na forma da lei, pelas empresas, que dela poderão deduzir a aplicação realizada no ensino fundamental de seus empregados e dependentes (BRASIL, 1988).
Criado ainda no período da ditadura militar, com a finalidade específica de
financiar o ensino fundamental, o Salário-Educação é uma contribuição social,
obrigatoriamente recolhida pela União, de todas as empresas cadastradas na
Previdência Social, com base no montante mensal de suas folhas de pagamento. De
acordo com o tipo de empresa, há uma variação do total a ser recolhido: para as
comerciais e industriais, a alíquota que deve ser aplicada à folha de salários é de
2,5%; para as empresas agrícolas ou para o produtor ou empregador rural, a alíquota
46
é de 0,8%8. A arrecadação é feita através do Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS), que fica com 1% do total e repassa o restante para o Ministério da Educação
(BRASIL, 1999).
No MEC, esses recursos são gerenciados pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE). Este se encarrega de distribuir a cota estadual
(2/3)9 e fica com a cota federal (1/3) para ser aplicada nos diversos programas que
configuram as ações supletivas do MEC no atendimento ao ensino fundamental
(AZEVEDO, 2002).
Podemos considerar que até antes da sub-vinculação dos recursos, feita através
do FUNDEF, o Salário-Educação representava a fonte mais precisa e visível para o
financiamento da educação fundamental, visto que os percentuais das receitas, no
modo de vinculação anterior, podiam ser destinados a qualquer nível de ensino pelos
entes federativos. Mais recentemente, além de ser um recurso adicional importante
para que os estados e municípios possam ofertar o ensino fundamental, juntamente com
outros recursos do tesouro e os advindos de empréstimos externos, o Salário Educação
se destaca como a fonte de financiamento das ações supletivas do MEC, que se
materializam em forma de programas cujo objetivo é garantir à população o acesso à
educação obrigatória.
Descrita a estrutura do financiamento, é importante lembrarmos que, embora as
oportunidades de acesso à educação fundamental tenham aumentado
significativamente, isso não tem, de fato, levado à escolarização da população. Como
nos chama a atenção Azevedo (2002), embora, em média, 95% da população em idade
escolar esteja freqüentando a escola, os próprios resultados, mesmo que limitados, do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), vêm demonstrando que os alunos
chegam a dominar apenas cerca de 50% das competências e habilidades esperadas e
que aproximadamente 48 milhões de brasileiros formam o contingente dos analfabetos
funcionais e analfabetos.
Em face de tal situação, têm sido inúmeros os programas criados e/ou
reformulados pelo poder central, visando melhorar a qualidade do ensino, através das
ações supletivas e redistributivas da União, voltadas para a assistência técnica e
8 As empresas também podem optar por encarregar-se de oferecer o ensino fundamental aos seus empregados e dependentes, seja em escola própria, seja por meio de aquisição de vagas na rede particular ou ainda através de reembolso de despesas com educação de seus empregados e dependentes. 9 Mais recentemente, no processo de descentralização do ensino fundamental, os estados passaram a transferir uma parte de sua cota para os municípios.
47
financeira às redes públicas de ensino, conforme prescreve a Constituição Federal e a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Por outra parte, ao termos estudado um desses programas, o PDDE (SANTOS,
2001), avaliando suas repercussões nas escolas de um município, observamos que,
apesar de ter sido proclamado como uma medida de descentralização/democratização
da gestão escolar, as decisões mais importantes sobre a sua concepção e sobre as
formas de sua operacionalização foram prescritas centralizadamente, segundo os
parâmetros imprimidos à ação do Estado pelo grupo no poder. Nesse sentido, a pouca
margem de liberdade de ação reservada às escolas apareceu como um dos principais
empecilhos para que pouco contribuísse com a mudança da realidade local.
1.3.1- O FUNDEF em Questão
O FUNDEF foi criado pela Emenda Constitucional n° 14, de 12 de setembro de
1996, e regulamentado pela Lei n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996, e pelo Decreto n°
2.264, de 27 de junho de 1997, implicando em modificações ao financiamento da
educação pública como um todo. O montante total de recursos formadores do Fundo é
originário de:
15% do Fundo de Participação dos Municípios – FPM; 15% do Fundo de Participação dos Estados – FPE; 15% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços –
ICMS; 15% do Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às
Exportações – IPIexp; 15% do ressarcimento da União pela Desoneração de Exportações
(Lei Complementar n° 87/96); e Complementação da União ao Fundef, calculado a partir do valor
mínimo nacional por aluno/ano.
O FUNDEF é um fundo de natureza contábil e determina que serão aplicados no
mínimo 60% do percentual obrigatório de 25% (ou seja 15%) para pagamento de
professores do ensino fundamental, ficando os outros 40% para manutenção e
desenvolvimento do ensino, baseado no número de alunos matriculados segundo o
Censo Escolar do ano anterior. Esses recursos serão repassados automaticamente para
contas únicas e específicas dos Governos Estaduais, do Distrito Federal e dos
Municípios, vinculadas ao Fundo, instituídas para esse fim e mantidas na instituição
financeira (Art. 3°).
48
Consideramos pertinente explicitar o que a legislação do FUNDEF prescreve
sobre a aplicação dos recursos. Nesse sentido, de acordo com o manual de orientação
do FUNDEF (que apresenta uma linguagem clara e objetiva), os recursos do Fundo
devem ser empregados exclusivamente na manutenção e no desenvolvimento do ensino
fundamental público, de modo particular na valorização do magistério. Tais recursos
devem ser aplicados de modo que:
O mínimo de 60%10 seja destinado anualmente à remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício no ensino fundamental público, compreendendo os professores e os profissionais que exercem atividades de suporte pedagógico, tais como: direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional, em efetivo exercício em uma ou mais escolas da respectiva rede de ensino. É importante destacar que a cobertura destas despesas poderá ocorrer, tanto em relação aos profissionais integrantes do Regime Jurídico Único do Estado ou Município, quanto aos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e aos formal e legalmente contratados em caráter temporário, na forma da legislação vigente.
O restante dos recursos (de até 40% do total) seja direcionado para as despesas diversas consideradas como de “manutenção e desenvolvimento do ensino”, na forma prevista no artigo 70 da Lei nº 9.394/96 (LDB). Esse conjunto de despesas compreende:
a) remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e dos profissionais da educação;
b) aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
c) uso e manutenção de bens vinculados ao sistema de ensino;
d) levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;
e) realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento do ensino;
f) concessão de bolsas de estudos a alunos de escolas públicas e privadas;
g) amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos itens acima;
h) aquisição de material didático-escolar e manutenção de transporte escolar11 (MEC, 2004).
10 Até 2001, era permitido o uso dos 60% também para habilitação de professores leigos. A partir de 2002, o apoio financeiro passou a ser com os 40% que compõem o Fundo. 11 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/96, art.10 e art. 11, VI), com a alteração feita pela Lei nº 10.709/03, dispõe que os Governos dos Estados e dos Municípios serão responsáveis pelo transporte escolar dos alunos de suas respectivas redes de ensino (Cf. Manual de Orientação do FUNDEF/MEC, 2004).
49
Um ponto que merece destaque na referida Lei do FUNDEF é o estabelecimento
do padrão de qualidade de ensino definido nacionalmente e previsto no Art. 60, § 4°,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Para se chegar a um valor que
corresponda a um padrão de qualidade de ensino, alguns critérios foram estabelecidos:
I – estabelecimento do número mínimo e máximo de alunos em sala de aula; II – capacitação permanente dos profissionais de educação; III – jornada de trabalho que incorpore os momentos diferenciados das atividades docentes; IV – complexidade de funcionamento; V – localização e atendimento da clientela; VI – busca do aumento do padrão de qualidade do ensino12 (Art. 13°).
O debate em torno do custo aluno/ano é condição importante na definição de
recursos educacionais, em sua redistribuição e no desenho de políticas educativas que
visem à extensão do acesso de todos ao direito à educação. Sem dúvida alguma, a
institucionalização do FUNDEF representou um novo passo no reordenamento da
sistemática de distribuição de recursos públicos, embora haja limites, como a
focalização num único nível de ensino e na alocação de recursos, que, em geral, não
contemplam as especificidades e as desigualdades regionais (FARENZENA, 2005;
MONLEVADE, 200_ ; DAVIES, 1999).
Uma das idéias centrais do FUNDEF consistia em definir um valor mínimo para
o custo aluno/ano, visando corrigir as distorções regionais geradas pela diversidade de
arrecadação de recursos nos estados e municípios, e, assim, buscar uma distribuição
eqüitativa dos mesmos. Para isso:
a metodologia utilizada pelo governo para definir o valor mínimo anual por aluno, deveria levar em consideração, como está previsto na Lei n° 9.424/96, o somatório das receitas do Fundef e a matrícula total no Ensino Fundamental público, no ano anterior ao de referência, acrescida do total estimado de novas matrículas. No entanto, o Governo Federal não executou tal metodologia, fixando valores mínimos por aluno sempre inferiores ao previsto naquela Lei. Essa metodologia deveria ser utilizada até 2001 (cinco anos a partir da vigência da Emenda Constitucional 14/96), tempo de transição para que houvesse um ajuste progressivo do valor mínimo anual por aluno para um valor que correspondesse ao custo do padrão mínimo de qualidade do ensino (OLIVEIRA et al., 2005, p. 134).
12 A definição desse padrão de qualidade do ensino ainda é uma questão aberta, pois nem mesmo a lei n° 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação, define com clareza o padrão mínimo de qualidade do ensino, tal como posto na LDB, uma vez que o Plano se refere apenas à infra-estrutura física das escolas públicas.
50
Em pesquisa realizada em 82 escolas situadas nos Estados do Ceará, de Goiás,
das Minas Gerais, do Pará, do Paraná, do Piauí, do Rio Grande do Sul e de São Paulo,
no ano de 2003 (CAMARGO, 2005), evidenciou-se uma diversidade de custo/aluno,
seja pelas diferenças existentes nas etapas ou modalidades da educação básica, seja
pelas diferenças entre as redes de ensino nos Estados, seja ainda pelas diferenças e
desigualdades regionais que afetam o financiamento e a qualidade da educação. Nesse
sentido, a referida pesquisa constatou que:
não se pode conceber os custos aluno/ano como custo/aluno/qualidade, nem generalizar o custo para a totalidade das escolas dos estados. Essa consideração é importante, tendo em vista o processo de debate nacional que aponta para a necessidade de avançar na discussão sobre a temática, principalmente no momento de redefinição da política de financiamento da Educação Infantil, Fundamental e Média, no contexto de delineamento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) (CAMARGO et al., 2005, p. 211).
Ainda com relação à Lei do FUNDEF, a mesma determina que os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios deverão dispor de um novo Plano de Carreira e
Remuneração do Magistério, de modo a assegurar:
I – a remuneração condigna dos professores do ensino fundamental público, em efetivo exercício no magistério; II – o estímulo ao trabalho em sala de aula; III – a melhoria da qualidade do ensino (Art. 9°).
Dentre as potencialidades que podemos vislumbrar com a implantação do
FUNDEF, Cury (2000) destaca três pontos, na medida em que há uma articulação entre
a Lei do FUNDEF (BRASIL, 1996a) e a Lei da Educação Nacional (LDB) (BRASIL,
1996b), quais sejam:
1. A focalização das leis mencionadas acima estão nos estabelecimentos escolares. Trata-se de uma “descentralização para baixo”, pela qual responsabilidades da União são repassadas para os Estados, destes para os Municípios e de cada ente federativo para os estabelecimentos escolares. A escola torna-se o foco das políticas educacionais e, em certa medida, a grande responsável pelo êxito ou fracasso das avaliações a que serão submetidas (CURY, 2000, p. 42); 2. O controle dos recursos transferidos (dos 40% aplicáveis no desenvolvimento do ensino fundamental) terá como suporte Conselhos que deverão atuar nos três níveis envolvidos no Fundo, quais sejam: o Conselho Nacional do FUNDEF, os Conselhos Estaduais e os Conselhos Municipais; além dos Tribunais de Conta da União e dos Estados. Ambos devem atuar em regime de colaboração; 3. O caráter disciplinador dos recursos da educação escolar trazido pela Lei do Fundo.
51
Entretanto, esse autor também faz críticas ao Programa. Ao abordar a natureza
da política do Fundo, ressalta que a política educacional do governo de Fernando
Henrique Cardoso tratou-se, na realidade, de uma política focalizadora do ensino
fundamental gratuito, obrigatório, presencial, na faixa etária de 7 a 14 anos, cujo
objetivo consistiu em otimizar os recursos destinados a esse nível de ensino como forma
de atingir a eqüidade na educação. Nesse sentido, a focalização foi entendida como “um
modo de priorizar uma etapa do ensino cujo foco pode significar o recuo ou o
amortecimento ou o retardamento quanto à sua universalização de outras etapas da
educação básica e a sua sustentação por meio de recursos suficientes” (CURY, 2000, p.
175).
Com relação à questão posta acima, a Lei que regulamenta o FUNDEB amplia
os níveis e modalidades de atendimento na educação escolar pública. Essa Lei
estabelece que, de acordo com os dados do Censo Escolar do ano anterior, passarão a ter
por base as matrículas relativas ao ensino fundamental presencial, ao ensino médio, à
modalidade de educação especial e à modalidade de jovens e adultos (BRASIL, 2006).
Retomando a discussão sobre o FUNDEF, um outro aspecto que nos chama
atenção diz respeito ao Fundo como modelo para a manutenção e o desenvolvimento do
ensino fundamental, focalizando a prioridade (quase sinônimo de “obrigação”) do
município em investir nesse nível de ensino, o que favoreceu o enfraquecimento e a
desarticulação dos sistemas públicos de ensino como um todo. Trata-se, portanto, de
uma municipalização às pressas, e por vezes recai no fenômeno conhecido por
“prefeiturização”, no qual o poder executivo local se beneficia da política de ensino em
prol de seus interesses políticos eleitoreiros (CURY, 2000; BASSI, 2001; ANDRADE,
1998).
Essa interpretação também foi percebida por Andrade (1998), quando ressalta
que a descentralização, da forma como foi efetuada, não representou uma
democratização real da tomada de decisões. Assim, adverte a autora:
Ao invés de municipalização – um processo que supunha a participação do poder local, em todas as suas vertentes, na tomada de decisões –, ocorre uma prefeiturização, pela força que a tradição política local tem sobre as estruturas político-administrativas. Se há um projeto novo, diferenciado, para os governos locais, no momento atual da história política do Brasil, não há ainda uma consciência e uma aceitação desse novo modelo. Enquanto isso, o velho sobrevive e se reproduz a despeito da nova modelagem institucional (ANDRADE, 1998, p. 145).
52
Essa mesma leitura foi feita por Bassi (2001), quando, ao analisar o processo de
municipalização do ensino no Brasil, identificou essa relação da municipalização como
sinônimo de “prefeiturização”. Nesse sentido, ancora-se nas referências de LOBO
(1990, p. 12), que assim os define:
Municipalizar, para alguns, significa uma articulação das forças do município como um todo (poder local) para a prestação de serviços, ou seja, prefeitura municipal e organizações da sociedade civil como co-responsáveis pela prestação dos serviços. Para outros, municipalizar pode querer dizer ‘prefeiturizar’, entendendo assim a exclusividade da administração municipal no processo.
Nesse mesmo caminho, acrescenta Bassi (2001, p. 12):
A ‘prefeiturização’ é bastante possível, pois em meio à realidade pública municipal brasileira freqüentam práticas políticas do clientelismo, do patrimonialismo e do fisiologismo, consubstanciados ao autoritarimo. Diga-se de passagem que não são práticas restritas apenas a esse nível de governo e que não acometem a todos generalizadamente, mas são práticas oportunistas tradicionais que não podem ser menosprezadas. Ao prevalecer esse oportunismo político, seria frustrado o esperado círculo virtuoso entre descentralização, democracia e justiça social.
Retomando a questão da valorização dos professores, outro ponto que merece
destaque refere-se aos salários que são reconhecidamente baixos e que não despertam
interesse no acesso e permanência na carreira, revelando dimensões contraditórias com
relação aos pequenos municípios brasileiros. O Fundo operou avanços quanto aos
salários dos professores. Porém, atrelado a essa questão estava o problema de otimizar
os recursos do FUNDEF para toda a educação básica, embora é sabido que a lei do
Fundo não incluiu em suas receitas o ensino infantil e a educação de jovens e adultos, o
que gera um campo de tensão entre os direitos proclamados legalmente, o dever do
Estado e a sustentabilidade de ações na área educacional. Isso implica, por sua vez, na
necessidade de uma discussão efetiva sobre o princípio de colaboração recíproca entre
os entes federativos posta na Constituição e na LDB.
Uma outra questão curiosa e crítica é a criação dos Conselhos Fiscais e de
Controle do FUNDEF como instrumentos de cidadania, democracia e controle do
Estado, que têm a função de publicizar as informações e controlar os desmandos do
poder. Mas, contudo, a prática tem revelado que:
nem em todos municípios eles se implantaram e, muitas vezes, onde se constituíram, o que deveria ser transparente e de domínio público acaba
53
se tornando mais um espaço a ser coberto pelo mandonismo e pela troca de favores. Ou seja, um instrumental público que se vê privatizado pelos interesses avessos à transparência do poder (CURY, 2000, p. 176).
Com a presença dos Tribunais de Contas, que passaram a ter uma atuação
distintiva e importante, da qual depende boa parte da liberação de verbas e de
transparências, o questionamento é com relação à pouca circulação das informações dos
Tribunais de Contas pelos Conselhos Fiscais e destes para com a sociedade, além de
medidas legais que estranhamente punem Tribunais de Estados e Municípios quando
transgridem a lei, mas que não prevêem o mesmo para o Tribunal da União.
Numa outra perspectiva, Negri (1997) viu a aprovação da Emenda
Constitucional n° 14 como algo positivo e importante para a implementação de uma
política redistributiva, objetivando corrigir desigualdades regionais e sociais, pois na
sua visão:
aprovou-se uma ‘minirreforma’ tributária, introduzindo nos critérios de partilha e de transferência de parte dos recursos de impostos uma variável educacional – o número de alunos –, equalizando o valor a ser aplicado por aluno no âmbito da unidade da Federação. Essa variável, com certeza, vai reduzir as disparidades na qualidade do ensino, nas condições físicas das escolas e nos salários dos professores, pelo simples fato de a dependência administrativa do sistema escolar do município ser estadual ou municipal. Dentro da unidade da Federação, ela e municípios terão a sua disposição o mesmo valor por aluno/ano (NEGRI, 1997, p. 11).
A avaliação dos alcances do FUNDEF vem polarizando os estudos sobre o
financiamento da educação. Nesse sentido, faremos uma breve incursão acerca dos
pontos críticos que foram assinalados sobre os efeitos dessa política, conforme a
literatura pertinente.
Nesse contexto, situamos a análise de Pinto (2002), ao problematizar a política
de financiamento no governo de Fernando Henrique Cardoso, mais precisamente a
Emenda Constitucional n° 14, de 12 de setembro de 1996, que originou a aprovação na
forma da Lei do FUNDEF.
Antes, contudo, Pinto (2002) chamava atenção para as alterações promovidas
nos incisos I e II do Art. 208 da Constituição Federal:
I – ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva universalização do ensino médio gratuito.
54
Essas alterações denunciam que, ao retirar a obrigatoriedade do Estado em
ofertar educação básica àqueles que não se escolarizaram na idade própria (7 aos 14
anos), o Estado se desobrigou de garantir matrícula para estes. O autor ainda destaca
que:
ao retirar a obrigatoriedade para os alunos, por conseqüência, o Estado também acaba se desobrigando da oferta àqueles que não reivindicam a matrícula. Embora possa parecer antidemocrático obrigar alguém com mais de 20 anos, por exemplo, a freqüentar o ensino fundamental, há que se entender que esta escolarização não deve ocorrer apenas no interesse do indivíduo, mas sim da construção de uma sociedade democrática, daí a importância da obrigatoriedade. Com isso, numa penada, mais de 80 milhões de brasileiros vêem restringido seu acesso à conclusão do ensino fundamental ou o ingresso no ensino médio (PINTO, 2002, p. 114).
Por outro lado, conforme estabelecido no artigo 60 do Ato das Disposições
Transitórias da Constituição de 1988, o ensino fundamental é declarado como uma
prioridade, e o poder público desenvolverá esforços para a eliminação do analfabetismo
e a universalização do mesmo. No entanto, nas suas análises sobre o FUNDEF, Pinto
(2002, p. 115) adverte que:
a União, que nunca cumpriu esse artigo, teve reduzida a sua responsabilidade, assim como foi retirado do texto constitucional o compromisso de erradicar o analfabetismo (cerca de 18 milhões de pessoas com 10 anos ou mais, em 2002) e de assegurar o ensino fundamental para aqueles que a ele não tiverem acesso pela via dos programas presenciais de educação de jovens e adultos. Além disso, o mecanismo de vincular o repasse de uma parcela da receita de impostos ao número de alunos matriculados no ensino fundamental regular desencadeou um processo, em ritmo raramente visto, de municipalização desse nível de ensino, em especial nas regiões mais pobres do país, de tal forma que, de um patamar histórico de 1/3 das matrículas do ensino fundamental público que vigorou até 1996, a rede municipal, hoje, já possui mais alunos que a rede estadual.
Ademais, o autor levanta alguns outros pontos críticos correspondentes à prática
do FUNDEF no governo de Fernando Henrique Cardoso:
1. O não cumprimento do Acordo Nacional de Valorização do Magistério da Educação Básica, instituído no governo de Itamar Franco, que previa a fixação de um Piso Salarial Profissional Nacional de R$ 300,00, em valores de julho de 1994, e entra em vigor um provável Salário Médio de R$ 300,00, em valores de dezembro de 1996; 2. O não cumprimento por parte do governo da fórmula de cálculo do valor mínimo a ser gasto por aluno; 3. O desestímulo provocado nos poderes públicos, em investir na educação infantil, na educação de jovens e adultos e mesmo no ensino médio;
55
4. O incentivo a uma municipalização irresponsável do ensino fundamental (PINTO, 2002).
Por fim, conclui que:
o governo federal divulga relatórios róseos sobre os efeitos do fundo (MEC, 1999), curiosamente, divulgando apenas os ganhos de receitas dos municípios, sem mostrar que estes recursos “ganhos” correspondem exatamente às quantias perdidas pelas redes estaduais, mesmo porque os recursos adicionais federais são ínfimos (menos de 3% dos recursos do fundo). Um outro elemento do qual a propaganda oficial se vale para confundir a opinião pública evidencia-se quando afirma que o FUNDEF amplia os recursos para o ensino no país. O que o FUNDEF fez foi dar mais transparência ao transferi-los para uma conta específica, o que facilita a fiscalização, mas não impede a fraude, como a imprensa largamente tem denunciado no país. Pena que essa transferência ocorra apenas com parte dos recursos já que o fundo abrange menos de 60% dos recursos vinculados ao ensino e, [...] independentemente do fundo, essa transferência deveria ser do total dos recursos (PINTO, 2002, p. 116).
Numa perspectiva semelhante, no livro O FUNDEF e o orçamento da educação:
desvendando a caixa preta, Davies (1999) se propõe a problematizar e discutir, a partir
de dois enfoques, a questão do financiamento da educação pública. Em primeiro lugar,
traça uma análise minuciosa sobre a estrutura do FUNDEF e sua lógica de
funcionamento; em segundo lugar, constrói um manual de análise do orçamento da
educação, contendo tabelas e a legislação da área comentada. Nesse segundo capítulo,
pretendeu fornecer subsídios para que a população conheça, acompanhe e controle os
gastos públicos com a educação.
No que se refere a esta obra, ressaltaremos o capítulo que trata da análise das
formulações do FUNDEF, que, na compreensão do autor, apresenta as seguintes
características:
(1) a participação ínfima do governo federal no financiamento do Fundef e a diminuição da sua responsabilidade financeira constitucional com o ensino fundamental, (2) o não-cumprimento da Lei do Fundef pelo governo federal, ao estipular R$ 315 como o valor anual mínimo por matrícula em 1998 e 1999, quando o legal seria bem superior a R$ 400, (3) o não-aumento de recursos para a educação básica como um todo, não contribuindo para o seu desenvolvimento, (4) o incentivo à superlotação das salas de aula pelos governos, por causa do critério de redistribuição de recursos do Fundef com base em número de matrículas no ensino fundamental regular, (5) o enfraquecimento e desarticulação do sistema de ensino público ao não incluir as matrículas da educação infantil, da educação de jovens e adultos e do ensino médio para a redistribuição dos recursos do Fundef, (6) a não-valorização do magistério com um todo, (7) a fiscalização débil da aplicação dos recursos do Fundef, pelo fato de os Conselhos Federal, Estaduais e Municipais responsáveis por esta tarefa, embora chamados de
56
Acompanhamento e Controle Social, serem dominados por representantes estatais (DAVIES, 1999, p. 3-4).
Para Davies (1999), portanto, a prioridade ao ensino fundamental, conforme
proclamado pelo FUNDEF, constituiu muito mais numa retórica do que numa prática
viável do ponto de vista constitucional, financeiro e político. Isso porque a eficácia de
uma política pública de educação básica depende do reordenamento do pacto federativo,
que não prescinde da responsabilidade conjunta da União, dos Estados e dos Municípios
em garantir o atendimento a esse direito social universal.
Ao analisar a literatura que aborda a discussão sobre o FUNDEF, Amaral (2001)
nos esclarece que o formato que o Fundo apresenta encontra semelhanças com a
proposta de financiamento elaborada pelo professor Anísio Teixeira, na década de 1960,
para o ensino primário na época. Porém, apesar da semelhança quanto à metodologia,
existem diferenças marcantes, quais sejam:
1. Na proposta de Anísio Teixeira o cálculo custo/aluno/ano é definido a partir do salário do professor, enquanto no FUNDEF a definição do custo/aluno/ano é feito a partir do montante de recursos já previamente estabelecido. Portanto, “é preciso ressaltar que na proposta Anísio Teixeira não há um limite previamente estabelecido para o volume total de recursos a ser aplicado no ensino primário obrigatório”; 2. No modelo de financiamento de Anísio Teixeira foi previsto a atuação de um Conselho de Educação forte e com poderes para controlar e não apenas fiscalizar a aplicação dos recursos do fundo, além disso, também “prega uma educação para todos, quando considera todas as pessoas da faixa etária e não apenas as matrículas, e estabelece um fundo de caráter permanente, o que permitiria um contínuo aperfeiçoamento e sua definição, aplicação e fiscalização; [em contrapartida], o caráter temporário do Fundef poderá trazer barreiras intransponíveis para aqueles municípios que recebem volumes substanciais de recursos desse fundo, onde fica uma pergunta: como financiar a educação, quando se encerrar o processo de redistribuição entre municípios?”
3. “O valor do custo/aluno/ano imaginado por Anísio Teixeira foi de R$ 491,43 que não é muito maior dos R$ 423,07 calculado pelo governo federal em 1998, e na prática não foi cumprido como prescreve o art. 6° da Lei n° 9.494/96, pois utilizou o valor de R$ 315,00. O que evidencia que apesar da divulgação dos números e da propalada prioridade com a melhoria da qualidade do ensino e do trabalho docente, o investimento contábil não é compatível com a real demanda da realidade educacional brasileira (AMARAL, 2001, p. 288)”.
De uma perspectiva também crítica, Arelaro (2005) afirma que, apesar de a
proposta da Emenda Constitucional que criou um novo fundo – o FUNDEB (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento de Educação e Valorização dos Profissionais de
57
Educação) – incorporar as diferentes etapas e modalidades de ensino da educação
básica, por não implicar aportes novos de recursos não motiva as prefeituras, como
ocorrera na aprovação do fundo anterior (o FUNDEF).
Destaca ainda que:
a forma tradicional de otimizar recursos na área de educação é bem conhecida, ou seja, amplia-se o número mínimo de alunos em sala de aula, mantendo-se o mesmo número de professores – alternativa esta em pleno uso no Brasil. Pesquisas13 realizadas de qualidade da implantação do Fundef confirmam o aumento desse número de alunos por sala de aula, com a manutenção do mesmo currículo e das mesmas estratégias de ensino (ARELARO, 2005, p. 14-15).
Ainda segundo Arelaro (2005), com o estabelecimento da Resolução CEB/CNE
n° 3, de 8/10/1997, que “fixou Diretrizes para os novos Planos de Carreira e de
Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”,
coloca-se como incentivo de progressão por qualificação pelo trabalho docente:
o desempenho no trabalho, mediante avaliação segundo parâmetros de qualidade do exercício profissional, a serem definidos em cada sistema (b, VI, artigo 6°).
A tradução que tem sido feita em boa parte das redes públicas como forma de
“compensar” o desgaste docente, uma vez que o aumento salarial e a fixação da
professora num único estabelecimento de ensino não se efetivaram no FUNDEF, é o do
incentivo de gratificações, obedecendo, em geral, a três critérios: (1) ao número de
alunos aprovados, (2) aos dias de freqüência dos professores na escola e (3) a não-
evasão dos alunos (ARELARO, 2005).
Diante desse cenário, embora as oportunidades de acesso à educação
fundamental tenham aumentado, isso não significa que o nível de escolarização da
população venha ocorrendo como esperado e proclamado pelas políticas implementadas
na década de 1990 e pela aplicação do FUNDEF.
Ademais, vale ressaltar que o discurso de que a ação do FUNDEF venha tendo o
êxito propagado nem sempre corresponde à realidade, pois, apesar do discurso centrar-
se na melhoria da qualidade do ensino e na valorização do docente, por meio do
implemento de ações ditas descentralizadas e da ampliação da sua gestão, muitas vezes
13 Conferir os Relatórios de Pesquisa “Avaliação da Implantação do Fundef em 24 Municípios Paulistas” e “Avaliação do Fundef no Brasil – uma amostra em 12 Estados”, 1998/2000 e 2000/2002, respectivamente.
58
as mudanças promovidas na realidade das escolas públicas não têm correspondido às
suas expectativas e/ou muitas vezes vêm se caracterizando como mudanças pontuais.
Para além das críticas feitas por setores comprometidos com a qualidade da
educação e seu financiamento, cabe também aqui mencionar os avanços ou expectativas
que o FUNDEF trouxe para a realidade educacional e a valorização do professor,
conforme transcrito abaixo:
destaca-se, como grande inovação trazida pelo Fundef, a forma de repartição dos recursos, principalmente ao efetuar uma equalização do valor do gasto por aluno/ano com base em um indicador educacional, a matrícula, e fixar uma aplicação mínima de recursos para a valorização do magistério (CASTRO, 2001, p. 19). a nova Lei traz explícita a preocupação do governo em reduzir, no campo educacional, as extensas desigualdades inter-regionais tanto em termos de gasto por aluno quanto em termos de salário docente. [E também] em estabelecer dispositivos que disciplinem a distribuição dos recursos educacionais, elegendo como prioritário o desenvolvimento e manutenção do nível de ensino fundamental (DRAIBE, 1998, p. 20).
Em outro depoimento favorável ao FUNDEF, Luce (1998, p. 12) salienta como
aspecto positivo o estabelecimento de parceiras e o estímulo à realização do regime de
colaboração entre os entes federativos, pois essa relação tradicionalmente tem se
constituído de forma frágil e com pouca articulação. Assim, afirma a autora:
A implementação do Fundo obrigará, necessariamente, que haja um entendimento sistemático entre Estados e Municípios, incentivando um planejamento comum, que veja a ‘cidade’ na globalidade e não, simplesmente, as escolas, os alunos, os problemas de uma só rede.
Entretanto, é inegável que houve um aumento quantitativo da oferta do Ensino
Fundamental pelos municípios, como repercussão do FUNDEF, bem como, em algumas
situações, uma ampliação da discussão local sobre as questões educacionais. Levando
em conta essa lógica contraditória, interessa-nos investigar mais de perto os alcances e
possibilidades que a política de financiamento do ensino fundamental trouxe para a
realidade educacional do município de Francisco Santos/PI.
1.3.2- A Produção Recente sobre a Política de Financiamento do FUNDEF
59
A área de conhecimento do financiamento da educação pública vem
ganhando espaço enquanto campo de saber a partir dos anos 90, com a
aprovação da emenda constitucional nº 14, que originou a lei do FUNDEF.
Desde então, as pesquisas que abordam essa temática vêm expandindo-se de
tal forma que, hoje em dia, encontros de pesquisa do campo da educação têm
destinado um grupo de trabalho específico para agrupar os trabalhos e
pesquisas que vêm debruçando-se sobre a questão do financiamento da
educação em seus diversos enfoques, de modo particular sobre o FUNDEF e,
a partir do ano de 2006, com a aprovação do novo fundo da educação, o
FUNDEB, este último como o atual dispositivo normativo que orientará o
financiamento da educação básica.
Nesse sentido, definimos estudar o FUNDEF por considerarmos
relevante para a produção do conhecimento, buscando analisá-lo a partir da
natureza e dos mecanismos acionados pelo poder local ao implementar uma
política pública de transferência de recursos para a educação, objetivando
caracterizar e analisar seus impactos para a realidade social estudada, mas,
também, buscando apreender a lógica interna que tem orientado a política de
financiamento local, para além das condições de funcionamento da política do
FUNDEF, já prescrita na sua formulação.
Antes, porém, de adentrarmos nas nuances da nossa pesquisa,
buscamos fazer uma revisão da produção sobre o FUNDEF em seus diferentes
contextos, até mesmo para reafirmar e justificar a importância do nosso
trabalho. Assim, revisitar alguns desses trabalhos e os alcances de suas
repercussões é condição fundamental para mostrar que cada um deles
contribuiu de alguma forma para explicar/entender a realidade estudada, e que,
hoje, dada a extensão e relevância dessas pesquisas, eles constituem um
acervo considerável acerca do financiamento da educação nos últimos anos.
1.3.2.1- Estudos de caso do FUNDEF no Estado da Paraíba
O trabalho de pesquisa realizado por Sousa Júnior (2003), intitulado
“Descentralização e controle social dos recursos da educação: os conselhos de
Acompanhamento do FUNDEF”, consistiu em investigar a atuação dos
60
Conselhos de Acompanhamento do FUNDEF no Estado da Paraíba, nos
Municípios de João Pessoa, Cajazeiras, Cabedelo e Pombal.
Dentre os resultados encontrados durante o processo de pesquisa
através de estudos de caso, destacaram-se:
1. Um excessivo peso do Poder Público na composição do Conselho, o que
compromete sua atuação exatamente no tocante à questão da fiscalização, e,
portanto, em tornar transparente os gastos públicos;
2. A insuficiência, em geral, das informações prestadas. Tinha-se a sensação
de que as secretarias de finanças do Estado e dos Municípios não se sentiam à
vontade com a fiscalização, agindo com morosidade no fornecimento dessas
informações;
3. A falta de preparo técnico dos conselheiros para acompanhar e fiscalizar os
balancetes governamentais;
4. A continuidade da cultura de apropriação privada dos recursos públicos do
país, sobretudo nas regiões mais pobres, quando ressalta que:
Sem dúvida, a grande maioria dos municípios pequenos convive
com formas conservadoras e autoritárias de poder local, embora
seja verdade que os ‘coronéis’ não detêm o mesmo poder de
tempos atrás. Todavia, seria utópico pensar que velhas ou até
mesmo novas formas de controle das elites não estejam sendo
ainda praticadas (SOUSA JÚNIOR, 2003, p. 14).
Uma contribuição importante deste trabalho é que o autor propõe
algumas medidas como forma de solucionar os problemas identificados nos
estudos de caso da pesquisa. Nesse contexto, estamos no nosso trabalho apostando na contribuição
que pode oferecer ao focalizar os impactos num município com dimensões
geográfica, econômica e social de pequeno porte, ou seja, numa realidade
permeada de dependências, carências e potencialidades próprias da região
Nordeste. Ademais, estamos também aqui levando em conta que os processos
61
de descentralização levaram a um destaque do poder local14 em relação às
políticas de educação.
1.3.2.2- Análise do FUNDEF a partir de seus idealizadores
O trabalho de pesquisa realizado por Menezes (2005) na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, intitulado “O financiamento de educação no Brasil: o
FUNDEF a partir dos relatos de seus idealizadores”, se diferencia pelo enfoque dado, já
que teve por objetivo sistematizar e analisar o processo que abarca da concepção à
implementação do FUNDEF no Brasil.
Do ponto de vista metodológico, teve por referência a análise de conteúdo das
entrevistas dos principais responsáveis pela formulação, e que, no período, atuavam
junto ao Ministério de Educação no Governo de Fernando Henrique Cardoso. A referida
análise, baseada em Bardin (1977), contemplou as seguintes categorias:
concepção e operacionalização;
apresentação e aprovação;
regulamentação (e vetos) e implementação.
Dentre os aspectos identificados na análise de cada categoria, constatou-se que:
a. Quanto à concepção e operacionalização, revelou-se que o FUNDEF representou uma
reforma tributária em prol da educação, tendo se constituído numa política educacional
pública precursora da associação de uma responsabilidade legal ao recebimento de parte
dos recursos constitucionalmente transferidos;
b. A etapa referente à apresentação e aprovação diz respeito ao processo que resultou no
apoio político e social pela passagem e aprovação da Emenda Constitucional nº 14, no
Congresso Nacional. O estudo também identificou que esse processo de conciliação
política (manifesta ou oculta), que resultou na rápida aprovação da Emenda nº 14, teve
como principais motivos: a dificuldade de os parlamentares manifestarem-se
contrariamente a políticas sociais, a coincidência da sua tramitação final com o período
14 A questão do poder local será abordada mais adiante.
62
de eleições municipais, a dificuldade de os parlamentares perceberem que o FUNDEF
trazia em si uma reforma tributária, a flexibilidade na negociação da proposta do Fundo,
a articulação política que envolveu sua aprovação e a fortíssima coalizão política de
centro-direita associada ao governo;
c. E quanto à regulamentação (incluindo aí os vetos), revelou-se que a tramitação da Lei
do FUNDEF (Lei nº 9.424/96) no Congresso Nacional teve sua estrutura central
disposta na própria Emenda nº 14. No que tange à implementação, o grande obstáculo
do FUNDEF constitui-se na definição do valor mínimo por aluno/ano, o que foi
definido por Ato do Presidente da República (MENEZES, 2005).
1.3.2.3- O FUNDEF no Estado do Rio de Janeiro: a óptica dos perdedores
O trabalho de Esteves (2005), intitulado “FUNDEF no RJ: a óptica dos
perdedores”, realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, teve como foco
analisar alguns efeitos do FUNDEF em dez municípios fluminenses – escolhidos entre
aqueles que mais perderam com o Fundo no período entre 01 de janeiro de 1998 a 31 de
dezembro de 2002, tomando como ponto de partida o discurso do “impacto
equalizador” do Fundo. O referido trabalho de pesquisa se propôs a analisar os
percursos de implantação do FUNDEF no contexto do Estado do Rio de Janeiro,
privilegiando um recorte ainda pouco explorado na literatura produzida sobre o tema: a
óptica dos municípios perdedores, ou outsiders, de acordo com o conceito de Norbert
Elias.
A opção em privilegiar a óptica dos municípios perdedores deu-se por ter-se
percebido nos documentos oficiais sobre o FUNDEF certa marginalização dos
municípios “contribuintes”, ou seja, aqueles que, por apresentarem um baixo número de
alunos matriculados no ensino fundamental, perderam aportes de recursos para os
municípios em condição oposta. Por isso, Esteves (2005) chama atenção para a seguinte
situação. Primeiro, a de que, por meio da imputação – velada ou expressa – da pecha de
incompetentes e/ou descompromissadas com o desenvolvimento do ensino
fundamental, procurou-se justificar a retirada de recursos de determinadas redes e seu
conseqüente remanejamento para outras em virtude do cumprimento da chamada
vocação equalizadora do fundo, vocação esta que, na prática, na maior parte dos estados
– aí incluído o estado do Rio de Janeiro – não implicou verbas extras do governo
federal para a educação (ESTEVES, 2005, p. 212-213).
63
E um segundo motivo que justifica a opção do enfoque adotado é a de se saber
se o Fundo estava promovendo algum tipo de justiça social entre as redes públicas
fluminenses. Nesse sentido, o autor afirma:
O que se percebeu durante a implementação do programa foi o acirramento de uma série de contradições preexistentes. Isso porque o remanejamento de verbas promovido pelo FUNDEF penalizou, na maioria das vezes, ou as municipalidades mais pobres ou aquelas situadas nas regiões mais empobrecidas do Rio de Janeiro, cujas populações têm freqüentemente na escola pública a única forma de acesso ao saber sistematizado e/ou espaço de sociabilidade e interação (ESTEVES, 2005, p. 213).
Os postulados que orientaram essa abordagem na condução da pesquisa
buscaram demonstrar que o Estado brasileiro herdou, desde a colônia, a “vocação”
patrimonialista, conjugada hoje com os preceitos neoliberais, fatores esses que
constituíram os principais responsáveis pelos indicadores de desigualdade e injustiça
social.
Dentre o apanhado geral a que chegou o estudo, destacam-se:
1. O fato de que, embora o FUNDEF tenha contribuído para algumas mudanças
positivas no contexto educacional, estas, via de regra, de caráter quantitativo,
acarretaram desequilíbrios em outros segmentos e modalidades de ensino, como, por
exemplo, o caso hoje do ensino médio público;
2. A difusão da imagem do governo de Fernando Henrique Cardoso por meio do
FUNDEF foi a de que o sentido de democratização da educação residia unicamente na
colocação de “toda criança na escola”, ou seja, na questão do acesso ao ensino
fundamental, ficando relegado para segundo plano as condições de ensino e sua
qualidade;
3. No que diz respeito à vocação equalizadora, com base nos dados da pesquisa, ela não
ocorreu, pois municípios com maior poder fiscal sempre tiveram mais verbas para
aplicar na educação, em virtude da sua própria capacidade de arrecadação;
4. Outro aspecto também identificado no estudo dos municípios fluminenses é o que
colaborou para o acirramento das diferenças promovidas pelo FUNDEF entre os
municípios, por incidir, de forma indiscriminada e linear, no Fundo de Participação dos
Municípios – FPM (dedução maior para os municípios populosos), a transferência
fundamental para a sobrevivência da maioria dos municípios brasileiros de pequeno
porte;
64
5. Outra questão que a investigação revelou diz respeito à educação que se processa fora
dos centros urbanos, ou seja, nas escolas rurais.
Nesse sentido, conclui Esteves (2005, p. 229):
ouso dizer que, caso a realidade do campo não se constitua, de fato e no mais breve espaço de tempo, parâmetro determinante na formulação e implemento de políticas públicas comprometidas com a reversão de um quadro marcado pelo abandono e pauperização, reforçado, ao longo dos anos, pelos efeitos de programas autoritários e inadequados como o FUNDEF, se estaria sumariamente condenando uma parte expressiva do país à paralisia, e, pior, roubando-lhe qualquer possibilidade de luta por seu próprio renascimento.
1.3.2.4- Repercussões do FUNDEF em sete Municípios Paulistas
O trabalho de doutorado de Bassi (2001), intitulado “Gestão e
Financiamento da Educação Básica: Repercussões do FUNDEF em sete
Municípios Paulistas”, objetivou examinar as repercussões de financiamento
das redes municipais de educação básica no estado de São Paulo, no período
entre 1994 e 1998, portanto anterior à implantação do FUNDEF, enfatizando as
diferentes características geográficas, educacionais, tributárias e populacionais.
A pesquisa deteve-se inicialmente numa revisão da produção teórico-
conceitual sobre a municipalização do ensino, e num estudo da
descentralização fiscal e educacional no Brasil e no estado de São Paulo.
Esse estudo justifica-se pelo estímulo ao processo de municipalização
que o FUNDEF induziu, dado a priorização ao ensino fundamental regular, pois
o Fundo introduzia em cada unidade da federação um mecanismo automático
de repasse de recursos.
No estado de São Paulo, contexto empírico do trabalho de tese, o efeito
das medidas legais induziu a um intenso processo de municipalização de
matrículas, posto que, antes do FUNDEF, as redes municipais se
responsabilizavam pela oferta da educação infantil, enquanto a rede estadual
dava conta do ensino fundamental (BASSI, 2001).
Logo no início do trabalho, é explicitado que a municipalização do
ensino no Brasil é o tema central da Tese, por entender que é um tema
recorrente quando o assunto é a organização da educação básica. E, portanto,
que em “cada novo contexto que foi defendida envolveu aspectos e conteúdos
65
diferentes da oferta do ensino, obedecendo a determinantes e a interesses
específicos” (BASSI, 2001, p. 5).
Nessa perspectiva, Bassi (2001) chegou à conclusão de que o intenso
processo de municipalização do ensino foi possibilitado, diferentemente da
maioria dos outros estados, porque a rede estadual paulista vinha
concentrando quase todo o atendimento ao ensino fundamental, deixando aos
municípios espaço para o avanço na oferta da educação infantil.
No caso do FUNDEF como política de descentralização de recursos
públicos para a educação, concebido e implantado no contexto do modelo de
reforma do estado brasileiro, mais conhecido como “reforma gerencial”, e que
teve como tônica a aplicação de uma política econômica de contenção fiscal,
acompanhada de uma recentralização de receita no âmbito da União, Bassi
(2001) chegou à seguinte posição sobre o papel do governo federal na
expansão do ensino fundamental:
A expansão do ensino fundamental por meio da municipalização ocorreu
pela remessa dos custos e os encargos pela manutenção da matrícula para
a gestão municipal, compartilhados com os governos estaduais. Fora disso,
o governo federal, como foi demonstrado, se ateve ao papel de
complementar os fundos estaduais que não alcançassem um valor mínimo
por aluno ao ano, cujo valor é arbitrado por ele próprio. Essa posição
apenas consolida o histórico descompromisso financeiro do governo federal
para com o ensino fundamental, nesse caso, transferindo e rateando o ônus
de sua manutenção para os governos subnacionais, sem criar novas fontes
de receita. Aspectos esses encobertos pelo discurso bem articulado de
prioridade ao nível de ensino mencionado, cujo respaldo social foi um outro
grande fator estimulador da expansão do ensino (BASSI, 2001, p. 194).
Por fim, destacamos alguns argumentos construídos com base
nos dados da pesquisa, que consideramos os mais pertinentes no seu trabalho:
1. Um componente determinante que explica a efetividade do
atual processo de descentralização é a sua engenharia
operacional. Ela desenvolveu estratégias que estão estimulando
a expansão do atendimento em algumas regiões do país e
66
induzindo a municipalização do ensino em outras. (...) O Fundef,
a exemplo disso, foi implementado por meio de Emenda
Constitucional. O mecanismo contábil nele embutido, ao lado de
uma seqüência de subvinculações, altera a trajetória de parcela
da receita de impostos que são transferidos automaticamente
dos níveis mais abrangentes de governo para os menos
abrangentes, em benefício dos municípios. São essas mudanças
legais que estão na base da indução do processo de expansão e
de municipalização das matrículas;
2. O aumento da responsabilidade da administração municipal
na oferta do ensino fundamental ocorre numa realidade de
profundas desigualdades econômicas e sociais, na qual o
município brasileiro, de modo geral, é considerado
institucionalmente frágil e destituído da capacitação mínima
requerida para essa tarefa educacional. (...) Ainda assim, o
conjunto das administrações locais é responsável por uma
importante parcela do gasto público consolidado; e por fim,
3. Mesmo que se pudesse avançar no ajuste dessa política
educacional e ampliar o escopo e alcance setorial, isso ainda
seria muito pouco para enfrentar o problema real das profundas
e generalizadas desigualdades econômicas e sociais que, por
sua vez, mantém a pobreza da maior parte da população
brasileira nos níveis conhecidos. Essa questão social brasileira,
e dentro dela a oferta de uma educação básica pública de
qualidade extensiva a todos os brasileiros, passa pela efetiva
distribuição de renda nacional com a conjunção de políticas
67
setoriais sociais simultâneas. Para isso, é preciso reverter o
sentido concentrador da economia brasileira em que menos de
10% da população adquire metade da riqueza produzida a cada
ano (BASSI, 2001).
1.3.2.5- Democratização da Política Educacional Brasileira e o FUNDEF: uma
análise de suas práticas discursivas – do “dito feito” ao “feito não dito”
O trabalho desenvolvido por Pereira (2006), intitulado “Democratização da
Política Educacional Brasileira e o FUNDEF: uma análise de suas práticas discursivas –
do “dito feito” ao “feito não dito”, consistiu num estudo fundamentado na Teoria do
Discurso de Laclau e Mouffe, no qual a política é tomada como uma estrutura
discursiva que fixa significados no jogo entre forças sociais e políticas em ação. Nessa
perspectiva, assumiu o FUNDEF como objeto de estudo e como campo de investigação
Minas Gerais e Paraíba e os municípios de Belo Horizonte, Contagem, João Pessoa e
Conde, que foram selecionados em função das diferenças na implementação do
FUNDEF, entre 1998 e 2002.
Do ponto de vista procedimental, recorreu à abordagem metodológica da Análise
de Discurso Textualmente Orientado (ADTO) de Fairclough, buscando explorar a
interdiscursividade, a intertextualidade e o discurso como prática social em documentos
e entrevistas. Quanto ao universo de sujeitos que participaram da amostra da pesquisa,
constaram de entidades como CONSED e UNDIME, dirigentes municipais e
conselheiros do FUNDEF, visando perceber nos processos os significados atribuídos.
Ao focalizar a pesquisa no FUNDEF, partiu do entendimento de que:
O FUNDEF carrega consigo, além de uma lógica neoliberal voltada para a eficiência e a competitividade, uma lógica democratizante que pode suscitar práticas de solidariedade e de afirmação da cidadania. Carrega consigo, portanto, potencial articulatório distinto do projeto político em que se inscreveu (PEREIRA, 2006, p. 29).
Nesse sentido, e considerando a dimensão do discurso como forma de
construção de sentido(s) e como prática social, assumido como referencial analítico do
trabalho, Pereira (2006, p. 30) visualizou o FUNDEF como:
68
um discurso, como uma política de descentralização-centralizadora, de caráter contábil, firmado numa lógica racional-tecnocrática, mas que constitui um espaço de democratização podendo ganhar tônica própria em função dos novos sentidos que lhe são atribuídos localmente pelas políticas educacionais, mediante práticas articulatórias desenvolvidas no âmbito da disputa por hegemonia.
A partir da premissa de que a descentralização do financiamento da educação,
como indutora da municipalização, constitui fator impulsionador da democratização,
Pereira (2006) tomou como problema de pesquisa a seguinte questão: como se deu o
processo de democratização da política educacional brasileira, no período de 1998 a
2002. Nesse sentido, buscou apreender como se efetivaram as relações entre as
instâncias governamentais na sua implementação, a partir das forças sociais e políticas
em presença e das condições instaladas no âmbito dos Estados e Municípios.
Nessa perspectiva, elegeu como objeto de pesquisa o FUNDEF, considerado
uma política de descentralização do financiamento do ensino fundamental, indutora da
municipalização, como mecanismo de democratização da política educacional. Com
essa clareza acerca da definição do seu objeto, detalhou minuciosamente como adentrar-
se nesse universo. Para isso, buscou:
analisar o seu formato de implementação, sua contribuição ao processo de municipalização, as possíveis interferências político-partidárias, os processos de aderência e de resistência e os resultados por ele produzidos, sobretudo, com relação ao desenvolvimento de práticas democratizantes no âmbito da política educacional (PEREIRA, 2006, p. 31).
De forma sistemática, as análises efetuadas por Pereira (2006) buscaram
desvelar os sentidos articulados nas manifestações de aderência, resistência e
antagonismo em relação ao FUNDEF, e assim podem ser descritas:
1. Nas manifestações de aderência ao FUNDEF foram articulados elementos não diretamente contidos na Lei, como a disputa por recursos financeiros, materializada na “caça alucinada a alunos” por parte dos municípios. O FUNDEF tornado equivalente a dinheiro transformou o aluno em moeda de troca e redefiniu o sentido do acesso à escola como direito social básico. O que importa é proceder à municipalização do ensino, assegurando recursos para investimentos na área educacional, o que raramente tem sido prioridade de políticas municipais. Por outra parte, o FUNDEF tornou-se equivalente a acesso a recursos financeiros pelos municípios, o que permitiu a ressignificação de sua responsabilidade educacional;
2. Aderência ao FUNDEF também foi manifestada na relação de equivalência estabelecida entre este Fundo e a perspectiva de homogeneização e de equalização entre as regiões do país da oferta
69
educacional, redefinindo o sentido de equalização no nível de cada estado para equalização em nível nacional, novo patamar de redefinição do padrão de intervenção do Estado nas políticas educacionais. O FUNDEF ainda tornou equivalente o financiamento educacional e a escolaridade obrigatória, restrita (naquele período) ao Ensino Fundamental, ampliando o seu sentido pela inclusão da Educação Infantil e do Ensino Médio. O estabelecimento desta equivalência foi um dos focos de resistência ao FUNDEF, tornando-se objeto de acirradas lutas consubstanciadas na reivindicação de recursos vinculados para a Educação Básica nos termos definidos pela LDB, o que reforçaria a mobilização de forças sociais e políticas em prol da defesa do FUNDEB (Fundo Nacional de Educação Básica);
3. Outra resistência diz respeito à concepção de que o aluno corresponde a dinheiro, visão denominada economicista, responsável pela introdução da lógica do mercado na política educacional, cristalizada no “jogo do perde/ganha”;
4. Manifestações de diferença também foram evidenciadas em relação ao valor mínimo do custo-aluno-ano, definido pelo Governo Federal. Essa resistência se fixou em torno do valor estipulado pela Lei nº 9. 424/1996, considerado insuficiente para a oferta de um ensino de qualidade, tornando as expectativas de maior aporte de recursos financeiros para a educação em função do FUNDEF, móvel para reiteradas denúncias a respeito da desresponsabilização da União para com a escolaridade obrigatória;
5. Manifestações de antagonismo também foram reveladas em relação ao FUNDEF, impulsionadas, de um lado, pela visão do Fundo como uma política neoliberal que caracteriza a concepção do Estado mínimo, de caráter regulatório e na sua conseqüente desresponsabilização na execução de políticas públicas. (...) De outro lado, manifestações de antagonismo não decorrem necessariamente da defesa de projeto socialista, mas articulam outros elementos como a preservação da autonomia federativa e do montante de recursos alocados à educação, como foi o caso do município de Recife e de alguns municípios de São Paulo;
6. Por fim, o FUNDEF não pode ser visto como oriundo apenas de uma formação discursiva neoliberal, haja vista que os processos articulatórios desencadeados nas diferentes instâncias de sua implementação indicam que conflitos e diferenças são inerentes ao jogo democrático, constituindo motor de mudanças nas formas de exercício do poder, nas concepções sobre educação, introdução de práticas compartilhadas de gestão e no reconhecimento da participação da sociedade civil como elemento de afirmação democrática.
1.3.2.6- Conselho do FUNDEF no âmbito da União: um mecanismo de
controle social?
70
A pesquisa desenvolvida por Gil (2005), no Curso de Doutorado em Educação
da Universidade de São Paulo, consistiu em investigar, no âmbito da União, o
Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério. A escolha
por esse objeto justifica-se pelo fato de que se desconhece a existência de análises
acadêmicas acerca das funções e atuação do Conselho do FUNDEF no âmbito da
União.
O referido estudo questionou “se este Conselho, por ser aquele em que a
criadora da política (a União) intervém diretamente, possui características que
permitam compreender com mais precisão o papel destes órgãos colegiados para a
conformação e efetividade do referido fundo” (GIL, 2005, p. 1).
Resgatando a gênese dos órgãos colegiados do Fundef, o Projeto de Lei
(PL) 2380, elaborado pelo Poder Executivo, que deu origem à Lei 9.424/96, não previa
a existência de Conselho no âmbito da União, mas somente para Estados e Municípios.
Somente após a Lei sancionada, no seu Art. 4º, ficou definido o perfil geral dos
Conselhos do FUNDEF:
Art. 4º - O acompanhamento e o controle social sobre a repartição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo serão exercidos, junto aos respectivos governos, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por Conselhos a serem instituídos em cada esfera no prazo de cento e oitenta dias a contar da vigência desta Lei. § 1º Os Conselhos serão constituídos, de acordo com norma de cada esfera editada para esse fim: I- em nível federal, por no mínimo seis membros, representando respectivamente: (a) o Poder Executivo Federal; (b) o Conselho Nacional de Educação; (c) o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação –
CONSED; (d) a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação –
CNTE; (e) a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação –
UNDIME; (f) os pais de alunos e professores das escolas públicas do ensino
fundamental.
O Art. 5º do Decreto 2264, de 27/06/1997, no âmbito da União, define a
composição do Conselho de Acompanhamento e Controle Social sobre os Fundos de
71
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério, de acordo com o quadro a seguir:
QUADRO 02 Composição do Conselho do FUNDEF no âmbito da União
Representação Quantia Educação (sendo 1 do INEP e 1 do FNDE) 4 Ministério da Fazenda 1 Ministério do Planejamento e Orçamento 1 Conselho Nacional de Educação (CNE) 1 Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação
(CONSED) 1
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
1
União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME)
1
“os pais de alunos e professores das escolas públicas do ensino fundamental” 1
TOTAL 11
Em linhas gerais, o mérito do trabalho reside em problematizar a atuação do
Conselho do FUNDEF, no âmbito da União, e chegou a estas conclusões:
1. O Conselho ou foi concebido à revelia dos criadores do fundo ou não era tido como essencial à política que seria implantada. De qualquer modo, o colegiado apresenta algumas debilidades, como, por exemplo, a ausência de atribuições legais ao órgão, a realização assistemática das reuniões, as quais ocorreram em poucas ocasiões (2 ou 3 vezes ao ano), com a prática de não seguir um regimento interno, o que inclui a ambigüidade acerca da existência ou não deste.
2. Uma das explicações possíveis para estes problemas advém da constatação de que o Conselho do Fundef, no âmbito da União, sofre de semelhantes vieses de composição se comparado aos conselhos estaduais e municipais. A presença majoritária exercida pelo Poder Executivo, que ainda assim não abre mão de centralizar as funções diretivas do órgão, parece prevenir e abortar tentativas, ainda que sutis, de ações mais contundentes.
3. Chama atenção, também, para o fato do Conselho do Fundef, no âmbito da União, possuir atribuições concorrentes em relação ao Conselho Nacional de Educação. Neste caso, questiona-se a necessidade da existência paralela de dois colegiados atuando sobre questões educacionais.
Conclui propondo o aprofundamento do conhecimento e dos debates acerca dos
colegiados gestores de políticas públicas, de sua composição, de sua organização, de seu
72
funcionamento e de suas atribuições. Especial atenção é necessária quanto aos
mecanismos de controle social sobre as verbas públicas destinadas à educação, a
exemplo dos conselhos do FUNDEF, de modo a aperfeiçoar sua intervenção.
1.3.2.7- Impactos do FUNDEF: o caso da Bahia
A pesquisa sobre os “impactos do FUNDEF: o caso da Bahia”, sob a
coordenação de Verhine (2001), participou de uma amostra em âmbito nacional, a qual
teve como objetivo avaliar o desempenho e impacto do FUNDEF, considerando
aspectos quantitativos e qualitativos.
A referida pesquisa desenvolvida em cinco municípios do Estado da
Bahia, no período entre 1996-2000, constatou que houve um crescimento na matrícula
do ensino fundamental de 28,6% no Estado como um todo e 71,4% nas redes
municipais.
No que diz respeito ao processo de municipalização do ensino
fundamental, foi identificado que este movimento teve início antes de 1998. No Estado,
sua expansão foi de 13,95%; nos município de maior população, o índice foi de 22%; e
nos municípios de porte menor, de 65%.
Outro dado revelado foi quanto ao funcionamento dos conselhos de
acompanhamento e controle social do FUNDEF. Tais conselhos não têm conseguido
fiscalizar a ação dos gestores quanto à repartição, transferência e aplicação dos
recursos.
Como nota conclusiva, chama a atenção para três aspectos:
(1) Sem os recursos do Fundo, a receita disponível seria insuficiente para atender o valor mínimo estipulado, exceto no sistema estadual e no município da capital, uma vez que as entidades governamentais apresentam uma maior capacidade de arrecadação. Além disso, foi constatado um aumento significativo na despesa aluno/ano (em torno de 50% depois de corrigido pela inflação) em quatro dos cinco municípios pesquisados;
(2) No que diz respeito à melhoria dos salários, os dados coletados mostraram que, em três
dos casos estudados, no período de 1998-2000, houve um crescimento negativo com relação ao salário-base, alcançando –21,04% na rede estadual. Por outro lado, no município onde ocorreu o maior crescimento (31,78%), isto se deu por incorporação ao salário-base dos 25% de atividades complementares, ocorrendo um reajuste real de apenas 6,78%;
(3) Por fim, fazendo um paralelo entre os indicadores da oferta do ensino fundamental, no que
se refere à dimensão quantitativa, ficou evidente o impacto positivo do FUNDEF, significando aumento da cobertura. Contudo, quanto à dimensão qualitativa, este impacto
73
só pode ser positivo em relação ao crescimento da receita e, conseqüentemente, ao gasto/aluno/ano, em função de o Fundo associar a matrícula aos recursos.
E conclui dizendo que:
a presença de mais recursos não foi condição suficiente para alterar o perfil dos quadros docentes nem o desempenho dos alunos (VERHINE, 2002, p. 2).
O esforço de realizar uma síntese desses trabalhos justifica-se por considerar
relevantes os prismas que cada um dos autores deram na investigação do FUNDEF nas
diversas realidades, como também pelo fato de nosso trabalho somar-se aos demais no
sentido de contribuir para a explicação/interpretação da dimensão que a política de
financiamento tem assumido no contexto das políticas públicas no Brasil.
Nesse sentido, o próximo capítulo tem como propósito apresentar uma discussão
das referências teóricas sobre o campo das políticas públicas e sua relação com as
orientações políticas da educação brasileira nas últimas décadas.
74
CAPÍTULO II – ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FINANCIAMENTO A PARTIR DE UM NOVO OLHAR SOBRE A RELAÇÃO ESTADO E SOCIEDADE: Cultura Política, Poder Local, Descentralização/Democratização e Participação
75
2.1- Considerações Iniciais
Conforme procuramos mostrar no capítulo anterior, a política de financiamento
do FUNDEF consistiu numa das políticas governamentais do campo da educação que
está ligada aos processos de descentralização, os quais, no âmbito da política
educacional, têm sido proclamados como um dos meios de promover a participação da
comunidade no controle dos recursos públicos, a autonomia escolar e a democratização
da gestão, tudo isso visando à melhoria da qualidade do ensino fundamental.
Sem deixarmos de estar atentos a essa realidade e, portanto, ao fato de
que as mudanças em curso requerem uma atenção às novas formas de
estruturação e de relação entre o Estado e a sociedade civil, partimos do
pressuposto de que a política educacional, na qualidade de uma política
pública, tem a sua formulação articulada ao planejamento global da sociedade.
Logo, ela se articula diretamente ao projeto de sociedade que está em
implementação ou que se pretende implementar. Esse projeto, por sua vez,
tem subjacente uma filosofia de ação não monolítica, na medida em que
engloba a síntese possível das negociações expressas pelo jogo de forças dos
grupos e classes em disputa (JOBERT & MULLER, 1987 apud AZEVEDO,
1987).
Nesse sentido, a apreensão dos impactos do FUNDEF, na realidade
investigada, requereu uma abordagem macro da questão. Ou seja, buscamos,
de um lado, estabelecer as conexões entre o programa analisado e as
características que estão presentes na política educacional local e, de outro,
76
entender a lógica que subjaz a essa ação. Dessa forma, há a necessidade de
aprofundar teoricamente conceitos como descentralização, participação e
cultura política, de forma que se possa estabelecer conexões entre as
orientações da política e sua implementação.
Assumindo a política de financiamento da educação como uma política pública,
a qual se insere numa problemática maior da constituição das políticas públicas, temos
como ponto de partida as referências teórico-conceituais que orientaram, analiticamente,
a nossa investigação, de acordo com a problematização que descreveremos no
transcorrer do texto.
Assim, uma das perspectivas teóricas da nossa tese se baseou na categoria
Cultura Política como uma forma de apreender nos tempos atuais a relação Estado e
Sociedade. Especificamente, pretendeu-se, a partir do referencial analítico de Cultura
Política desenvolvido por Cohen & Arato (2000) no livro Sociedade Civil y Teoría
Política, conhecer/identificar como a cultura política poderá ou não interferir/contribuir
nos significados assumidos pela política educacional local, por meio da atuação do
conselho do FUNDEF.
A escolha por esses teóricos se justificam pela relevância da sua produção e
pela contribuição à teoria democrática quando elaboram uma nova definição de
sociedade civil, considerando a complexidade das sociedades contemporâneas. É
inegável o valor da produção de Cohen & Arato (2000) para a Sociologia e a Ciência
Política, por construir um arcabouço teórico sobre a Sociedade Civil e a Teoria
Política, resgatando as raízes da Filosofia Política e trazendo à tona a contribuição de
autores como Hegel, Gramsci e Habermas, para citar alguns.
Cohen & Arato (2000) apostam num conceito normativo e crítico da sociedade
civil. Assim sendo, na definição operativa desse conceito, entendem a:
sociedad civil como una esfera de interacción social entre la economía y el Estado, compuesta ante todo de la esfera íntima (en especial la familia), la esfera de las asociaciones (en especial las asociaciones voluntarias), los movimientos sociales y las formas de comunicación pública (p. 08).
Um dos argumentos desses autores é o de que o ressurgimento do
“discurso da sociedade civil” se encontra no centro de uma nova área do campo da
cultura política contemporânea.
77
Os autores, nas suas elaborações teóricas, aproximam-se da concepção
de democracia participativa por esta possibilitar a participação ativa do governo e dos
governados, ou seja, o exercício do poder, e também a formação da vontade e da
opinião pública. Nesse sentido, enfatizam que:
la democracia le permitirá a todos los ciudadanos, y no solo a las elites, adquirir una cultura política democrática. Porque es mediante la experiencia política como uno dasarrola un concepto de la virtud cívica, aprende a tolerar la diversidad, a moderar el fundamentalismo y el egoísmo, y a ser capaz y estar dispuesto a llegar a compromisos (p.26).
Eles se baseiam nos argumentos de Aléxis Tocqueville, que afirma que,
sem uma participação ativa e igualitária dos cidadãos nas instituições, nas associações
civis, assim como nas organizações políticas, não há forma de manter o caráter
democrático da cultura política das instituições sociais e políticas (COHEN & ARATO,
2000).
Portanto, a obra de Cohen & Arato (2000) apresenta um duplo objetivo: (1)
demonstrar a relevância do conceito de sociedade civil para a teoria política moderna; e
(2) desenvolver uma estrutura de uma teoria de sociedade civil adequada às condições
contemporâneas. Ou seja, construir uma teoria que pressupõe um modelo de sociedade
civil mais adequado para uma política democrática moderna. Para tanto, os autores
apresentam a proposta de uma reconstrução sistemática e normativa que defina a
sociedade civil como o objetivo das lutas pela democratização nas sociedades
contemporâneas.
Desse modo, eles argumentam que muitos regimes que são considerados
democracias liberais, na realidade, não são suficientemente democráticos; pois a
democracia está concebida de forma instrumental15, e, portanto, incompatível com a
concepção de que a sociedade civil é o lugar da legitimidade democrática e dos direitos:
Nosotros concebimos la sociedad civil como el lugar de la legitimidad democrática y de los derechos, compuesta de una esfera privada, pero también de esferas pública y social políticamente relevantes en que los individuos hablan, se reúnen, se asocian y razonan juntos sobre asuntos de interés público, además de actuar en concierto con el fin de influir en la sociedad política e indirectamente en la toma de decisiones (p.636)
15 O argumento dos autores é o de que a idéia de democracia – participar da vida pública, participar das leis e políticas que vivemos – é um ideal de autonomia coletiva que complementa a idéia de autonomia moral.
78
Ademais, entendem que esta concepção rompe com a estrutura dicotômica
público/privado do liberalismo clássico e eleva a democracia a um valor fundamental,
uma vez que desafia todas as concepções monistas das formas e lugares possíveis da
democracia.
A partir desse aporte teórico, pretendeu-se analisar, considerando as
características da sociedade atual, como se movimentam concepções e práticas que se
diferem e que formas de acomodação são dadas face à materialização de políticas
governamentais com orientações políticas/educacionais que nos discursos declaram-se
democráticas e participativas. Nesse sentido, buscamos analisar como essas políticas
atuam em contextos sociais em que ainda mantêm características como clientelismo,
práticas de favores e um reduzido espaço de participação/autonomia, face à história
política local que apresentamos a seguir.
2.2- Perspectivas Atuais do Município sob o Prisma do Poder Local e dos
Processos de Descentralização e Autonomia das Políticas Educacionais
A literatura corrente que aborda a discussão acerca da gênese do processo das
relações sociais e políticas e a questão do poder local nos remete aos estudos clássicos
que abordaremos no decorrer do texto.
Um marco fundamental é certamente o trabalho de Leal (1975), por
constituir-se numa referência teórica na análise das peculiaridades do poder em
regiões e municípios brasileiros, a partir da identificação da sua gênese. Leal (1975)
demonstrou como o sistema coronelista era a base de sustentação do poder nacional,
como um arranjo entre os poderes privado e público, sendo que a legitimidade do
poder público se dava pelo voto, controlado pelos coronéis.
Assim, o autor trabalha o fenômeno do “coronelismo”, que tem suas
raízes na estrutura econômica colonial agrária e que vai provocar a privatização da
esfera pública. Na realidade, a influência do coronel consistiu, sobretudo, em um
compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente
79
fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores
de terras (LEAL, 1975).
Como se sabe, o autor em destaque procurou demonstrar como o
“coronelismo” foi um fenômeno que permitiu a conciliação entre o exercício do poder
privado e a instalação de um sistema político representativo a partir da 1ª República.
No período em que escreveu o seu trabalho16 (década de 1940), Leal acentuou
que o papel da liderança no âmbito local vinha sendo exercido, em grande parte, no
interior do Brasil, pelos bacharéis e doutores que vinham ocupando o cargo de chefe
municipal – prefeito. Estes, em geral, ou eram parentes, ou afins, ou aliados políticos
dos coronéis. Ao analisar o fenômeno, Leal (1975, p. 20) concebeu-o como:
resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa.
É importante destacar que “práticas coronelistas”, mesmo
“modernizadas”, ainda hoje são encontradas, principalmente nas cidades do interior
do Brasil, embora também ocorra nos centros urbanos (cidades metropolitanas). Isto se
manifesta na apropriação do poder público pelo poder privado, ou seja, na não
separação entre os atos da pessoa legalmente escolhida para exercer um cargo público
com os atos da pessoa privada (indivíduo).
Ainda no seu trabalho, Leal (1975) destacou como a dominação se
expressou na cultura política no que se convencionou chamar de “filhotismo”. Uma
das faces do filhotismo – o paternalismo, consistiu na forma de estar no poder e
garantir a vitória na política eleitoral, ou seja, uma forma de se fazer política que
transita entre o legal e o ilícito e que se pauta na prática de uma solidariedade
partidária que “passa sobre todos os pecados uma esponja regeneradora. A definitiva
reabilitação virá com a vitória eleitoral, porque, em política, no seu critério, só há uma
vergonha: perder” (p. 39).
16 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975 [1949].
80
Eis alguns exemplos de paternalismos praticados no passado, que se
manifestaram em diversas realidades dos municípios brasileiros e que, às vezes, ocorre
de forma camuflada nas cidades mais desenvolvidas do nosso país:
Arranjar emprego, emprestar dinheiro, avalizar títulos, contratar advogado, influenciar jurados, estimular e preparar testemunhas, providenciar médico ou hospitalização nas situações mais urgentes, impedir que a polícia tome as armas de seus protegidos, colaborar na legalização de terras, dar pousada e refeição, enfim uma infinidade de préstimos de ordem pessoal, que dependem dele ou de seus serviçais, agregados, amigos ou chefes. Quando o chefe local é advogado, médico, escrivão, sacerdote etc., muitos desses serviços são prestados pessoalmente, mediante remuneração irrisória, ou inteiramente gratuitos (LEAL, 1975, p. 38).
A outra face do “filhotismo” é o mandonismo, que consistiu na
perseguição aos adversários. Nesse caso, serviu o dito popular: “para os amigos pão,
para os inimigos pau”. No princípio do processo eleitoral brasileiro, era explícito o uso
de mecanismos coercitivos e pressões para assumir o compromisso de apoiar
determinado candidato – valia a palavra empenhada, além da prática de intimidação.
Em suma, todas essas formas constituíram, na realidade, formas veladas de violência.
Ainda dentre os estudos clássicos sobre as características do poder local no
Brasil, situamos o trabalho de Franco (1974)17, que buscou desvelar os alicerces que
forjaram o processo de dominação na sociedade brasileira aristocrática, a qual se
pautou numa relação binária Senhor-Escravo. Como uma das características de
sustentação das práticas de favor e proteção oriundas desse período, temos o caso do
compadrio, que mascarava uma aparente quebra das barreiras sociais, estabelecendo
os vínculos do apadrinhamento, que às vezes eram tão ou mais fortes que os de sangue
e se exprimiam numa relação de dependência por meio do batismo cristão católico.
Como afirma Franco (1974, p. 78-79):
não apenas o padrinho era obrigado a tomar o lugar do pai, sempre que necessário, mas tinha que ajudar seu afilhado em várias ocasiões [...]; o afilhado, por sua vez, ajudava o padrinho em tudo o que este necessitava, e freqüentemente tomava o nome da família. [...] Como naturalmente o padrinho deseja cumprir sua promessa com a menor despesa possível, o que de melhor pode fazer senão prover o jovem, tão logo tenha idade adequada, com um emprego público.
17 FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 2ª edição. São Paulo: Ática, 1974.
81
As trocas de compadrio consistem numa relação de dominação e numa
complexa rede de dívidas e obrigações, posto que esse processo se renova a cada
momento político. Se numa primeira instância os compromissos entre padrinho e
afilhado se restringiam às promessas religiosas de encaminhar a criança na vida, numa
segunda instância ampliava-se para o ocultamento das diferenças de posição social por
meio dos princípios de fidelidade e lealdade.
Acerca das questões da fidelidade e lealdade ideologicamente
enraizadas nesse modelo de sociedade, Franco (1974, p. 84) destacou:
Numa sociedade em que o poder assentava sobre uma trama de fidelidades e lealdades pessoais, é imediato compreender por que deveriam ficar excluídos dos processos que decidiam sobre sua atribuição aqueles homens sem posses, que estavam sujeitos a uma grande instabilidade e apresentavam uma intensa mobilidade espacial e em relação aos quais, portanto, muito dificilmente poderiam ser estabelecidos liames duradouros.
Nesse sentido, a lealdade foi compreendida como:
o reconhecimento do benefício recebido, o sentimento de gratidão por ele e o imperativo de sua retribuição equivalente (FRANCO, 1974, p. 87).
Ainda dentro desse quadro explicativo sobre as raízes da sociedade brasileira e a
formação histórica da sua cultura política, situamos também o trabalho desenvolvido
por Faoro (2001)18. Segundo o autor, o aparelhamento burocrático em que se soergueu o
Estado brasileiro, herdeiro que foi da administração colonial portuguesa, tratou-se na
realidade do domínio de um grupo seleto de altos funcionários aliados ao patronato
político, cujos interesses comuns formam um aglomerado de pessoas parasitárias no
poder público. Em muitos casos, esses funcionários, no exercício de suas funções,
adquiriram um poder de mando que lhes permitiram, além do acúmulo de riquezas,
conceber a coisa pública como extensão do seu patrimônio pessoal. Essa máquina
administrativa, por sua vez, controlada pelo “estamento19 burocrático” (que tinha a
nação como tutela), ocupava o lugar, no entender de Faoro (2001), da antiga nobreza
parasitária.
18 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. 3ª ed. Rio de janeiro: Globo, 2001. 19 Foi de Max Weber que Raymundo Faoro tomou emprestado o conceito de estamento, pois faz alusão à sociedade feudal européia que havia sido estruturada com base em três estamentos: o clero, a nobreza e o povo, cada qual com um estatuto jurídico próprio e função social determinada (FAORO, 2001).
82
Para Faoro (2001, p. 831-832), a sociedade brasileira, assim como a portuguesa,
foi tradicionalmente moldada por um estamento patrimonialista, formado, primeiro,
pelos altos funcionários da Coroa, e depois pelo grupo funcional que esteve à frente
como Chefe de Estado, no período republicano. Segundo ele:
O estamento burocrático desenvolve padrões típicos de conduta ante a mudança interna e no ajustamento à ordem internacional. Gravitando em órbita própria não atrai, para fundir-se, o elemento de baixo, vindo de todas as classes. Em lugar de integrar, comanda; não conduz, mas governa. Incorpora as gerações necessárias ao seu serviço, valorizando pedagógica e autoritariamente as reservas para seus quadros, cooptando-os, com a marca de seu cunho tradicional. O brasileiro que se distingue há de ter prestado sua colaboração ao aparelhamento estatal, não na empresa particular, no êxito dos negócios, nas contribuições à cultura, mas numa ética confuciana do bom servidor, com carreira administrativa e curriculum vitae aprovado de cima para baixo.
Por “estamento burocrático”, Faoro (2001) identificou:
um quadro administrativo e estado-maior de domínio característico do patrimonialismo, em que uma minoria comanda, disciplina e controla a economia e os núcleos humanos.
Nesse sentido, o estamento burocrático prepara e educa as gerações novas para
ingressar no serviço público, com a idéia de dever prestar trabalhos ao Estado. Os
membros do estamento sentem-se alheios, vivendo o drama de homens sem raízes, ora
entre a cultura de sua gente ora entre a cultura européia, que constituiu na época a
escola intelectual do pensamento.
O tradicionalismo se reproduziu na formação dos primeiros órgãos da
administração colonial, e teve sustentação no sistema eleitoral restrito baseado na
seleção dos “homens bons” para a composição da máquina administrativa. Estes se
apropriavam das oportunidades econômicas próprias do lugar e do poder que detinham
para desfrutar dos bens, das concessões, dos cargos, confundindo o setor público com o
privado.
Esses elementos encontravam sintonia com o sistema político de um governo de
tipo estamental, que se caracterizava como uma organização política de cunho
autoritário, ou seja:
O único detentor do poder político impõe à comunidade sua decisão política fundamental. Assim, o regime autoritário então, se satisfaz apenas com o controle político do Estado, sem, necessariamente, pretender dominar a totalidade da vida sócio-econômica da
83
comunidade, ou determinar sua atitude espiritual de acordo com sua imagem (FAORO, 2001, p. 741).
A trajetória histórica da cultura política tem nos mostrado que as “raízes do
Brasil” têm mantido suas influências pela continuidade do conservadorismo das elites,
do mandonismo e das práticas de favorecimento próprio da política eleitoral oriunda do
passado, isto é, das origens da formação da sociedade brasileira. Nessas condições,
advertiu Faoro (2001) sobre a impossibilidade de cumprir a promessa de
democratização do Estado e da sociedade brasileira, conforme demonstrou ao analisar
as estruturas de poder daquele período de formação do nosso Estado Nação:
o povo inculto e de costumes primários, ausente do interesse pela coisa pública, mesmo na pequena parcela que vota, não tem sombra de conhecimento da máquina governamental e administrativa. Qual dos homens da rua que freqüenta comícios, saberá se anistia é atribuição do Congresso ou do Presidente da República? Ele votará com entusiasmo no vereador que lhe prometer, se eleito, fazer baixar o imposto de consumo... As nossas pobres eleições sofrem todos os golpes da influência governamental, os votos são comprados em massa ao eleitor pobre que se beneficia com o exercício de seus direitos cívicos. O acesso aos empregos públicos, acima dos níveis inferiores, são exclusividade das clientelas políticas, não raro dos donos do "cabresto" eleitoral. E, finalmente, como manifesta o povo a confiança, ou a desconfiança, nos governantes?
Diante das idéias expostas aqui acerca do processo de formação da
sociabilidade brasileira, a história tem nos mostrado que algumas
municipalidades ainda carregam de forma velada resquícios do coronelismo, do
clientelismo e das práticas de favores. Neste contexto, caberia uma reflexão
acerca das características e formas de democratização do Estado e da
sociedade brasileira, bem como o conhecimento dos mecanismos legais que
normatizam a existência e o funcionamento das práticas político-institucionais.
Numa perspectiva teórica e contemporânea do poder local, buscamos
situá-la a partir das contribuições de Bourdin (2001), que compreende a
localidade como expressão, por um lado, da proximidade e o do encontro diário
e, por outro, da existência de um conjunto de especificidades sociais e culturais
compartilhadas. Assim, se posiciona o autor (2001, p. 12):
não minimizo a importância da localidade e das reivindicações
locais; pelo contrário, afirmo que, uma vez recebidas assim
como são, no primeiro grau, elas nada significam e convém
84
interpretá-las referindo-as a contextos que não são
necessariamente locais.
Uma questão central na problematização de como se configura hoje o
local é a dupla relação proximidade/distância que constitui um duplo princípio
de percepção e de organização da experiência, tanto na ordem das relações
sociais quanto das relações econômicas ou políticas. Bourdin (2001) destaca
que a proximidade e a distância não são apenas constatações reais,
demarcadas pela geografia, mas são construídas a partir do contexto social.
Ele exemplifica dizendo que tanto posso comunicar-me com alguém do outro
lado do mundo ou mesmo mandar uma mensagem, como também é possível
viver sem manter nenhum contato com meu vizinho ao lado e não saber nem
sequer o seu nome. Na realidade, o que há é uma mudança nas condições de
produção dessa proximidade. Nesse sentido, o questionamento reside em
saber como se dá a construção dessa proximidade, que para ele é tarefa que:
levaria à interrogação sobre o papel da inovação, dos
dispositivos organizacionais (em particular os que se referem à
vida diária), das formas do espaço urbano, das qualificações
jurídicas (sobretudo as que organizam ‘espaços de vida’), dos
serviços (principalmente às pessoas) e da gestão (enquanto
prática de coordenação), pois todas elas constroem proximidade
e distância. Implicariam igualmente uma interrogação sobre as
relações que a proximidade mantém com a identificação (no
sentido psicanalítico), a confiança (na definição de Giddens), o
sentimento de pertença, a mobilização em torno de um projeto
ou de uma crença (BOURDIN, 2001, p. 14-15).
Dentro dessa linha de pensamento, Bourdin (2001) argumenta que o ser
humano deve estar enraizado em algum lugar para que sua ação (trabalho e/ou
atividade) adquira humanidade, pois os indivíduos necessitam estar inseridos
85
num microconjunto social ligado a um território, para que possa ter uma
experiência social e humana completa.
Por essa razão, ele ressalta que a “vulgata localista” é marcada por três
interrogações: a constituição do vínculo social e da identidade, a especificidade
do político e a articulação entre as diferentes escalas da organização social.
Nesse sentido, destaca:
três grandes dimensões fundamentam o vínculo social: a
complementaridade e a troca; o sentimento de pertença à
humanidade que nos leva a reforçar nossos vínculos com os
outros seres humanos e por fim, o fato de viver junto, partilhar
uma mesma cotidianidade. Sobre a especificidade do político e
em particular sobre o que é o Estado e sobre as relações que
ele mantém com a sociedade, “o local dá uma resposta, que
reduz o Estado às suas funções mais clássicas (garantir a ordem
interior e a proteção exterior), privilegia a democracia direta e
mais geralmente os circuitos de legitimidade menos
mediatizados”. E finalmente, a questão das escalas da
organização social que se impõe igualmente frente à revolução
da mobilidade e das telecomunicações, pois o “local oferece uma
resposta que privilegia a diversidade, as diferenças, a
multiplicidade das escalas e a força das pequenas unidades.
Isso leva a pensar a mundialização como uma obrigação
‘artificial’ imposta a uma organização social mais ‘natural’
fundada nas entidades pequenas e médias que resistem a ela
(BOURDIN, 2001, p. 29).
Enfim, Bourdin (2001) afirma que a crença na “vulgata localista” também
aponta fragilidades, mas persiste na idéia de que todas as elaborações do local
dão lugar essencial à proximidade e ao seu papel na vida social. Por isso, faz a
86
seguinte interrogação: num mundo marcado pela mobilidade, como pensar que
o local não é dado, mas escolhido?
Diante do questionamento exposto acima, Bourdin (2001) compreende
que a problemática do local hoje se traduz em seis questões, e todas têm
implicações científicas e políticas, as quais nos auxiliarão a perceber as
singularidades e os desafios da questão local. As citadas questões levantadas
pelo autor são as seguintes:
1. A localidade será o lugar de enraizamento de sociedades
necessariamente estruturadas por uma organização comunitária
e pela referência a identidades?
2. Apresenta-se ela então como uma realidade estável ou
imutável, indissociável do passado, patrimonial?
3. A mundialização da economia e das culturas, a mobilidade
generalizada, o desenvolvimento do imaterial e da comunicação
eletrônica colocam em questão a localidade? Esta se torna o
lugar da resistência à mundialização?
4. A localidade está definitivamente ligada ao mundo do campo e
da cidade pequena ou média? Será possível imaginar a
localidade nas ‘metápoles’ ou na Califórnia? Neste caso, que
forma assume ela?
5. O escalão local será o único possível, ou ao menos o melhor,
para a gestão de sociedades cuja governabilidade diminui?
Quais são as grandes características desta gestão local?
6. Que é um território local? A partir de que critérios e com que
instrumentos conhecê-lo? Como produzi-lo, administrá-lo?
7. É a das relações entre o local das regiões ricas do mundo e
das regiões pobres
87
O debate em torno das municipalidades no contexto atual remete-nos como pano
de fundo aos novos desafios do Federalismo (ALMEIDA, 1995; ABRÚCIO & COSTA,
1998; CAMARGO, 1992; FIORI, 1995; KUGELMAS & SOLA, 1999 e NATAL,
1996), pois, se até pouco tempo estados e municípios representavam meras unidades
administrativas da federação brasileira, desde a promulgação da Constituição de 1988,
evidencia-se a defesa da maior capacidade de gestão financeira e de prestação de
serviços públicos pelo município. Nas palavras de Barreto & Vigevani (2004, p. 38), há
explicitamente a defesa da autonomia municipal, como destacamos a seguir:
a autonomia municipal emerge como condição tanto para uma atuação estratégica dos governos locais, voltada para o desenvolvimento regional, quanto para o enfrentamento da situação de restrição orçamentária das cidades.
Para os autores, isso ocorre porque o aproveitamento das oportunidades da
lógica internacional depende da forma como o governo municipal e sua comunidade se
recolocam tanto em frente à economia global quanto em relação à Federação e à
democracia.
Tomando em consideração a problemática do federalismo brasileiro, observa-se
que os obstáculos enfrentados pela sociedade relacionam-se com questões de maior
complexidade, como a vasta extensão territorial do país, a existência de enormes
desequilíbrios econômicos, políticos e sociais, assim como o agravamento das
desigualdades sociais.
Segundo os autores, embora essas questões complexas apresentem-se numa
conjuntura de avanço do processo de democratização do espaço público, as mudanças
gradativas que vêm ocorrendo:
revelam-se insuficientes para costurar um novo pacto capaz de incorporar os novos atores plasmados pela própria diversidade social, assim como de aperfeiçoar a Federação brasileira, no sentido de aproximá-la do conceito original de federalismo, fundamentado na autonomia e interdependência entre os entes federados. Não se pode esquecer que a proposta descentralizante, manifestada durante todo o período da abertura política (1974-85) e da transição democrática (1985-89) – e também incorporada pelo texto constitucional –, surgiu no Brasil associada a um forte clamor social por democratização e participação, represado durante vinte anos de regime autoritário. E que a valorização das instâncias regionais e locais de governo, vinculada a essa proposta, foi impulsionada por essas mesmas forças democratizantes, que vislumbravam a ampliação do campo de atuação dos Estados e municípios não somente como forma de obtenção de ganhos de eficiência e efetividade, mas também como caminho para
88
ampliação da fiscalização e do controle social dos cidadãos sobre as políticas públicas (BARRETO & VIGEVANI, 2004, p. 39-40).
A partir do que foi exposto, os autores ressaltam a necessidade da revisão do
atual modelo do Federalismo brasileiro frente aos novos requisitos da autonomia
impostos pela realidade nacional e internacional, onde a literatura existente sobre a
questão federativa sugere que a mesma está requerendo um novo tipo de legitimidade
que pressupõe a construção de consensos e cooperação, que ultrapasse os acordos de
elites regionais e caminhe na perspectiva de institucionalizar os interesses coletivos.
Posto que evidencia-se:
um movimento de busca de maior sintonia com as expectativas e demandas sociais, seja pela abertura de meios de interlocução com os segmentos envolvidos e afetados pelas decisões, seja pela forma de condução e administração do jogo de interesses ou, ainda, pela democratização do acesso aos produtos e serviços produzidos pelo Estado (BARRETO & VIGEVANI, 2004, p. 40).
Nesse contexto, situamos também as reflexões de Abrúcio (2005), que, ao
problematizar a questão federativa brasileira, destaca que esta, desde o período de
redemocratização, vem passando por intensas modificações que têm afetado a dinâmica
partidário-eleitoral, o desenho das políticas sociais e o processo de reforma do Estado,
uma vez que:
A redemocratização do país marcou um novo momento no federalismo. As elites regionais, particularmente os governadores, foram fundamentais para o desfecho da transição democrática, desde as eleições estaduais de 1982, passando pela vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral – ele próprio, não coincidentemente, um governador de estado – até chegar à Nova República e à Constituinte. Além disso, lideranças de discurso municipalista associavam o tema da descentralização à democracia e também participaram ativamente na formulação de diversos pontos da Constituição de 1988 (ABRÚCIO, 2005, p. 46).
Um novo modelo de federalismo emerge no Brasil, desenhado na década de
1980 e com reflexos ao longo dos anos 90, e que resultou da união entre forças
descentralizadoras democráticas com grupos regionais tradicionais cujo projeto
consistia no fortalecimento dos governos subnacionais e na promoção da
democratização do plano local. Essa empreitada viabilizou-se devido ao
enfraquecimento do Governo Federal em um contexto de esgotamento do modelo
varguista e do Estado nacional desenvolvimentista a ele subjacente. Desse período,
destacam-se dois fenômenos, a saber:
89
(1) o estabelecimento de um amplo processo de descentralização, tanto em termos financeiros como políticos, e
(2) a criação de um modelo predatório e não-cooperativo de relações intergovernamentais, com predomínio do componente estadualista (ABRÚCIO, 2005, p. 46)
Associada à problemática da descentralização, constatou-se, a partir da
consolidação da Constituição de 1988, que os municípios passam a assumir maior
elevação relativa na participação tributária. Isso reflete a própria história da
federação, que tem sido marcada por fortes desigualdades regionais, onde se sobressai
a disparidade de condições econômicas, reforçada pela existência de um grande
contingente de municípios pequenos, com baixa capacidade de sobreviver com recursos
próprios, daí se explica a dependência que tais entes federados têm com relação às
transferências de recursos econômicos por parte das demais esferas do governo.
Embora esse processo [a descentralização] seja desigual na sua distribuição pelo país e tenha um longo caminho pela frente, ele redundou em uma pressão sobre as antigas estruturas oligárquicas, conformando um fenômeno sem paralelo em nossa história federativa. Daí surgiram novos atores, como os conselheiros em políticas públicas e líderes políticos que não tinham acesso real à competição pelo poder – o crescimento gradativo da esquerda nas eleições municipais, em particular o Partido dos Trabalhadores (PT), demonstra isso. Também surgiram formas inovadoras de gestão, como o orçamento participativo e a Bolsa-Escola, para ficar com dois casos famosos (ABRÚCIO, 2005, p. 48).
Por sua vez, apesar das conquistas, o processo de descentralização desencadeado
após a Constituição de 1988 não anula os problemas dos governos locais, pois são
postos novos desafios a serem enfrentados pelos municípios brasileiros. Nesse sentido,
Abrúcio (2005) aponta cinco questões: a desigualdade de condições econômicas e
administrativas; o discurso do “municipalismo autárquico20”; a “metropolização”
acelerada; os resquícios ainda existentes tanto de uma cultura política como de
instituições que dificultam a accountability democrática; e o padrão de relações
intergovernamentais.
A tônica de democratizar e republicanizar o poder local encontrou na
descentralização o caminho a ser percorrido. Porém, “se não houver reformas das
instituições políticas subnacionais, além de uma mudança da postura da sociedade em
20 O municipalismo autárquico incentiva a “prefeiturização”, onde o prefeito passa a defender seu município como uma unidade legítima e separada das demais. Prega-se aqui a idéia de que os governos locais poderiam sozinhos resolver todos os dilemas da ação coletiva colocados às suas populações. Essa definição foi elaborada por Celso Daniel, ex-Prefeito de Santo André -SP (em 2001).
90
relação aos governantes, o processo descentralizador não leva necessariamente à
democracia” (ABRÚCIO, 2005, p. 49).
Contudo, uma nova questão surge do “federalismo conformado na
redemocratização”: a descentralização depende agora da adesão dos níveis de governos
estadual e municipal. Ou seja, o jogo democrático depende hoje de barganhas,
negociações e induções das esferas de poder. Em suma, para Abrúcio (2005), o sucesso
hoje da descentralização associa-se a processos de coordenação intergovernamental;
nisso consiste sua tese.
Ainda sobre a descentralização ao longo da redemocratização do país, observou-
se a constituição de um “federalismo compartimentalizado”, em que cada nível de
governo responsabiliza-se por realizar seu papel específico sem haver incentivo para o
compartilhamento de tarefas e a atuação consorciada. É o popular “jogo do empurra-
empurra” entre as esferas de governo.
Com a adoção do Plano Real – Plano de Estabilização Financeira, marca-se o
início da crise do federalismo estadualista, que fortaleceu o governo federal e
enfraqueceu os governos estaduais, mudando a dinâmica intergovernamental. O que não
implica dizer que foram eliminadas todas as características do modelo predatório21 –
como é o caso da guerra fiscal (que até aumentou de intensidade).
Com o início do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998),
tem-se consolidado o enfraquecimento do modelo estadualista e predatório, onde este
passou a adotar sete mecanismos de ação, no intuito de modificar e coordenar as
relações intergovernamentais e o processo de descentralização, que descreveremos a
seguir:
1) o combate à inflação e a respectiva regularização dos repasses, permitindo uma negociação mais estável e planejada com os outros entes;
2) a associação dos objetivos da reforma do Estado, como o ajuste fiscal e a modernização administrativa, com a descentralização;
3) o condicionamento da transferência de recursos à participação da sociedade na gestão local;
4) a criação de formas de coordenação nacional das políticas sociais, baseadas na indução dos governos subnacionais a assumirem encargos,
21 De acordo com Abrúcio (2005), não se pode creditar “as causas do desequilíbrio das contas públicas estaduais apenas às ações e ao fortalecimento do governo federal. Os juros, medidas tributárias centralizadoras, o fim da inflação e a intervenção nos bancos estaduais, sem dúvida, foram fundamentais; porém, são os próprios governos estaduais que têm a maior parcela de culpa na produção de sua crise” (p. 52).
91
mediante distribuição de verbas, cumprimento de metas e medidas de punição, também normalmente vinculadas à questão financeira, além da utilização de instrumentos de redistribuição horizontal no Fundef;
5) a adoção de políticas de distribuição de renda direta à população, partindo do pressuposto de que o problema redistributivo não se resolveria apenas com ações dos governos locais, dependendo do aporte da União;
6) a aprovação de um conjunto enorme de leis e emendas constitucionais, institucionalizando as mudanças feitas na federação, dando-lhes, assim, maior força em relação às pressões conjunturais;
7) e o estabelecimento de instrumentos de avaliação das políticas realizadas no nível descentralizado, especialmente na área educacional. (ABRÚCIO, 2005).
No que tange à área de educação, uma política que se destacou nos governos de
FHC como forma de coordenação federativa foi a implantação do FUNDEF como uma
política vertical e horizontal de redistribuição de recursos. Contudo, o repasse de
recursos, condicionado à participação da sociedade local, denota que sobressai o
caráter democrático da descentralização, muito mais do que o aspecto fiscal. O que a
faz única no federalismo brasileiro.
Por fim, o autor comenta que:
o Fundef foi bem-sucedido no que se refere à questão federativa por ter melhorado a redistribuição de recursos (em termos verticais e horizontais), aumentado a esperança por simetria entre os níveis de governo, além de impulsionar uma municipalização mais planejada e a colaboração intergovernamental. Contudo, existem dois dilemas federativos não equacionados. O primeiro é o da fragilidade do controle, perceptível pelo enorme crescimento das denúncias de corrupção em vários estados. Para tanto, é necessário estabelecer formas articuladas de fiscalização institucional entre o TCU, os tribunais de Contas do plano subnacional, o Conselho vinculado à política e o poder Legislativo. O Fundef, ademais, não foi montado sobre um aparato institucional capaz de discutir e revisar sua implantação tal qual há na área de saúde, em que a rede federativa é mais forte e legitimadora. Em termos democráticos, é essa rede que permite a continuidade e as alterações da política ao longo do tempo (ABRÚCIO, 2005, p. 60-61).
Porém, numa percepção diferenciada, conforme destaca Cury (2002, p. 158):
o Fundef, [enquanto] mecanismo de subvinculação de recursos constitucionais para a educação escolar, é um exemplo típico de como o federalismo que lhe subjaz é complexo e incide diferencialmente sobre os Estados e os Municípios do país. Embora criado à luz do regime de colaboração, marca registrada da Constituição de 1988, o não-cumprimento integral por parte do governo federal na responsabilidade que lhe cabe não tem possibilitado um desempenho à altura de seus objetivos.
92
Em uma outra perspectiva de abordagem, situamos a análise de Santos Júnior
(2001) que apresenta elementos para argumentar que a descentralização municipal não
é um mecanismo suficiente para garantir nem a gestão democrática nem maior justiça
social no plano local. Para isso, no entanto, ele coloca que é necessário identificar as
questões teóricas e os desafios postos pelo processo de descentralização em curso.
Nesse sentido, o autor chama a atenção para a fragilidade das parcerias
constituídas no plano local entre setor público e setor privado, as quais nem sempre
seriam benéficas para muitos municípios. Pois, adverte ele, é possível:
presumir que, em muitos municípios, a descentralização e as parcerias venham pôr em risco a autonomia do poder público local em face dos interesses particulares, ou que se estabeleçam relações paternalistas entre os setores governamental e empresarial, ou ainda que se produzam mecanismos de apropriação privada dos fundos públicos, em um contexto agravado pela dependência estrutural dos governos locais em relação ao setor privado, no que se refere a recursos e à capacidade de gestão das políticas públicas (SANTOS JÚNIOR, 2001, p. 45).
Portanto, a crítica que o autor faz ao modelo de descentralização ancorado nas
reformas neoliberais não significa que ele defenda um modelo centralizado de gestão.
Seu argumento vai no sentido de apontar os riscos desse modelo, pois:
a descentralização, em si mesma, pode não expressar maior democracia. E um dos elementos fundamentais para afiançar a democracia no plano local é a garantia da autonomia relativa do poder público em relação aos interesses dos grupos particulares. Para isso, nos parece fundamental assegurar a recomposição do fundo público e a constituição de arenas democráticas, institucionalizadas e não-institucionalizadas, para a regulação dos conflitos e a redefinição dos gastos públicos (SANTOS JÚNIOR, 2001, p. 51 -52).
Numa direção semelhante à anterior, temos as reflexões de Souza (1998) acerca
da delimitação da questão local frente aos desafios postos pelo modelo de federalismo
brasileiro adotado. Para a autora, a questão da descentralização é ambígua, uma vez
que contribui para a democratização das relações União e Estados; além disso,
a descentralização dificulta a redução das referidas desigualdades pelo enfraquecimento político e financeiro do governo federal, o que coloca novos desafios e tensões para o enfrentamento de velhos problemas como o das disparidades regionais (SOUZA, 1998, p. 570).
Trazendo essa discussão para o campo da municipalização da educação, a
temática da descentralização materializa-se mais concretamente a partir da
93
implementação do SAEB e do FUNDEF. Embora essa temática já estivesse na pauta de
educadores brasileiros desde a década de 1930, o debate reacende pós-Constituição de
1988 e seus sentidos têm flutuado entre,
de um lado, a descentralização do que já fora definido de forma centralizada (a municipalização na forma organizativa da desconcentração), e, de outro, a descentralização do fazer educacional dos atores locais, sem, contudo, desconsiderar a unidade política e cultural do país (a municipalização como expressão específica no município de um sistema nacional de educação) (SILVA JÚNIOR, 2004, p.59).
Desse modo, situa-se no âmbito da política educacional brasileira, a
partir da década de 1990, a elaboração do documento Planejamento Político
Estratégico, do MEC (1995-1998), que faz referência ao papel da municipalização
desconcentradora e a seu papel político na reorganização da sociedade civil.
O tema da descentralização, nesse contexto, encontrava-se ligado às novas
formas de articulação entre o Estado e a Sociedade, em que se salienta a necessidade da
Reforma do Estado, que significava aprofundar a democratização, acelerar o processo
de descentralização e desconcentração e, sobretudo, ampliar e modificar suas formas de
relacionamento com a sociedade, definindo novos canais de participação. Essas
intenções ficam claras no próprio documento, quando finaliza:
São os Estados e municípios que efetivamente atuam no nível estratégico-gerencial do sistema educacional, pois acompanham, avaliam, coordenam e integram o planejamento e os resultados alcançados pela escola. Aqui reside o ponto mais importante do sistema educacional, pois é exclusivamente na escola que os resultados podem ser alcançados. A escola, portanto, sintetiza o nível gerencial-operacional do sistema: a escola fundamental, a escola de ensino médio, a instituição de ensino superior. É na escola que estão os problemas e é na escola que está a solução (BRASIL, 1995, p.04).
De acordo com Silva Júnior (2004), há um discurso em defesa da transferência
de deveres do Estado e dos direitos sociais e subjetivos do cidadão para a sociedade
civil, particularmente naquelas tarefas do âmbito da União. Ou seja, há nesse
movimento uma ressignificação da cidadania, que passa de um espaço de usuário do
Estado, como no fordismo, para de clientes da instituição que produz a política e a
fundação de um novo pacto social baseado nos novos paradigmas econômicos. Em suas
palavras:
94
O papel político da municipalização da educação brasileira é, pois, constituir-se em espaço social para a realização do novo pacto social a médio e longo prazos, enquanto as políticas de seguridade, bem como de renda e trabalho, atuam no imediato. Essa estratégia se torna convincente para a população à medida que ela supõe ter no poder os representantes de seus interesses. Nesses termos, a municipalização cumpre com competência aparente o que foi para ela pensado no âmbito das reformas educacionais, isto é, a construção de uma sociabilidade em cujo centro se encontra o ‘individualismo possessivo’22 de Macpherson ou sua tradução brasileira: o cidadão produtivo, útil, só e mudo, competindo e ao mesmo tempo, de forma mercantil, ‘ajudando ao próximo’, substituindo o Estado quando participa de organizações não-governamentais (SILVA JÚNIOR, 2004, p. 81-82).
As políticas sociais que visam a um controle social mais participativo
por parte da sociedade civil passam a ser delineadas no contexto da redemocratização
do país e, portanto, constituem o panorama geral que convive com a tradição histórico-
política do Brasil, que ainda contém resquícios do exercício do poder paternalista.
Nessa perspectiva, o debate em torno dos fundamentos das políticas
descentralizadas constitui, a partir da década de 90, questão recorrente entre estudiosos
da política educacional brasileira. Assim, tentar compreender a complexidade que
envolve o processo de centralização e descentralização implica em perceber que existem
controvérsias acerca da compreensão desses processos.
Diante do exposto, ressaltamos que as mudanças advindas do novo desenho
institucional trazido pela Reforma do Estado nos anos 90 vêm associando as medidas
descentralizadoras do governo central como indutoras de maior democratização das
políticas públicas, partindo do pressuposto de que:
uma maior proximidade entre prestador de serviços e usuários viabilizará
maior acoountability dos governos em relação aos cidadãos e, por esta
razão, maior responsiveness daqueles em relação às necessidades destes.
Nesta perspectiva, a descentralização passaria a ser um dos elementos da
Reforma do Estado pelo qual se combateria os problemas de ineficiência
alocativa postos pelo clientelismo (ARRETCHE, 1999, p. 146).
No que diz respeito à descentralização da educação, sua manifestação
mais expressiva é a Emenda Constitucional n° 14 (EC14/96), que estabeleceu o
FUNDEF, regulamentado pela Lei 9.424/96. Na verdade, a Emenda 14 trata da: 22 Entende-se por individualismo possessivo “um processo de formação do ser singular, sua forma de ser para a sociedade e para o trabalho, que toma o mundo nas suas esferas natural e social como dado, sem questionamento das contradições que produzem essa realidade por meio da prática social humana” (SILVA JÚNIOR, 2004, p. 67).
95
reformulação de alguns artigos da Constituição Federal que
incide sobre o conjunto dos sistemas de maneira acentuada.
Esta emenda foi originada, em termos jurídicos, tanto pela
necessidade de se precisar a distribuição de competências
quanto a de permitir que a União se desvencilhasse do
‘imbróglio’ em que se encontrava por não cumprir, até aquele
momento, o artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT). Em termos gerais, o FUNDEF é o que se
poderia chamar de “jóia da coroa” das medidas de política
educacional difundidas nesta década e, particularmente, nos
Governos de Fernando Henrique Cardoso (ARRETCHE, 1999,
p. 84-85).
Diante desse cenário, trabalhos teóricos (MELO, 1997; ANDRADE,
1996; ARRETCHE, 1999; CASASSUS, 1995), vêm apontando que as experiências de
descentralização consistem muito mais em medidas de desconcentração, tendo em vista
que a formulação e o controle das políticas públicas ainda continuam centralizadas no
poder do governo central, sendo descentralizadas a operacionalização e prestação de
contas dos recursos públicos.
De modo particular, podemos situar o trabalho de Arretche (1999), que tratou de
investigar o processo de descentralização dos Programas sociais no Brasil. A princípio,
a autora parte do argumento de que o caráter democrático do processo decisório
depende menos dos órgãos formuladores (no caso do governo central) e mais da
dinâmica da instituição em que uma determinada política social se materializa, mas que
não necessariamente se pode afirmar que a descentralização eliminaria os ranços do
clientelismo ainda presente na sociedade brasileira.
Do ponto de vista conceitual, nos apoiamos na análise de Casassus (1995)
acerca da distinção entre “desconcentração” e “descentralização”, e o modo como se
dá o exercício do poder nas distintas esferas administrativas:
a desconcentração reflete processos cujo objetivo é assegurar a eficácia do poder central, ao mesmo tempo que o outro, a descentralização, é um processo que tende a assegurar a eficácia do
96
poder local. Desta maneira, a desconcentração reflete um movimento cujo sentido é 'de cima para baixo', ao tempo em que a descentralização refletiria o movimento contrário, 'de baixo para cima (CASASSUS, 1995, p. 84).
Nesse sentido, o autor, ao considerar o movimento da descentralização, adverte
sobre a necessidade de se ter como referência o processo de centralização, pois ambos
tratam da questão do poder e da forma como a sociedade se organiza:
são processos de distribuição, redistribuição ou reordenamento do poder na sociedade, nos quais há acrescentamento de poder para uns ou decréscimo para outros, onde se incluem ou se reconhecem novos atores e onde surgem outros, ou onde se definem novas formas e áreas de poder na sociedade (CASASSUS, 1995, p. 96).
Portanto, entender o processo de descentralização como um tema complexo
implica em compreendê-lo tanto a partir da delegação de competências e
responsabilidades quanto no que se refere à tomada de decisão na implementação de
uma política de Estado, atentando para a finalidade a que esta se propõe. Nesses termos,
na visão de Casassus (1995), o problema, quando se toma a decisão de descentralizar, é
que sua dinâmica de execução tende, na maioria das vezes, a fazer dela um fim. Nisso
consiste o seu caráter instrumental ligado a uma idéia de poder, que traz repercussões na
gestão da política.
Numa outra forma de abordar a questão da descentralização está a posição de
Andrade (1996), ao afirmar que a Constituição de 1988 consolida a tendência
descentralizadora, vigente na pauta de reivindicações apresentada à Assembléia
Constituinte. Na nova Carta, chamada de Constituição Cidadã, foi definido “novo
arranjo federativo para o país, com significativa transferência de funções, poder
decisório e recursos, do plano federal para estados e municípios” (p.120).
Para Andrade (1996), a descentralização deve promover as condições da
capacidade de gestão do poder local e ampliar o sistema de tomada de decisões, de
modo a aproximar a função pública do cidadão. Entretanto, na prática, os processos de
descentralização têm sentidos diferentes. Ora como desconcentração, entendida como
municipalização de algumas políticas, ora como descentralização propriamente dita, ou
seja, aquela que supõe a democratização da tomada de decisões em relação a algumas
áreas de política social: educação, saúde, assistência social, entre outras.
Porém, a autora saliente que:
97
o sucesso do processo de descentralização supõe a possibilidade real do exercício da autonomia, o que depende de uma base financeira calcada em receitas próprias, de uma capacidade técnico-administrativa instalada e de uma dinâmica política diversificada em nível local. Esses são elementos fundamentais para balizar a real capacidade dos municípios diante da descentralização (ANDRADE, 1996, p. 130).
É oportuno também fazer referência ao processo de descentralização das
políticas públicas em curso. Os discursos oficiais da política partem do princípio de que
a participação da sociedade é um meio de se atingir a autonomia e a democratização da
educação.
Nesse sentido, compreende-se que, tendo por suposto a democratização substantiva das relações entre Estado e sociedade, a descentralização constitui um
dos meios que permite o alargamento do espaço público, de maneira que haja o exercício dos direitos civis e políticos, por sua vez, como um caminho para o usufruto dos direitos sociais. Concordamos com Müller Neto (1991, p. 37) por ser esse o modo
como ele compreende a descentralização, na medida em que a vincula com a autonomia da gestão municipal e com os processos participativos. E isso pressupõe a presença de cidadãos ativos, que participem não apenas como eleitores, mas também
como definidores e controladores das ações governamentais em nível local. De acordo com Silva (1996), a democratização relaciona-se com o rompimento
dos padrões tradicionais de gestão, que envolvem as relações de poder entre as instâncias administrativas federal, estadual e municipal e entre os atores locais. Desse
modo, é seu pressuposto tanto a descentralização do poder aos municípios quanto o estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade, para que se efetive a
participação da comunidade na gestão. Entretanto, como a descentralização e a participação por si sós não levam à democratização (embora representem faces de uma mesma moeda), é preciso que o poder local seja fortalecido, tanto no que se
refere a uma maior autonomia do nível municipal em relação às outras instâncias administrativas, quanto no que se refere à multiplicação de canais de intervenção na
ação estatal, de modo que se tenha a garantia da participação dos diversos atores presentes na cena local (FISCHER, 1993).
Na realidade social em que vivemos hoje, onde a massa de excluídos vem aumentando significativamente, urge, como afirma Genro (1996), um tipo peculiar de reforma do Estado, a qual possibilite novas formas de gestão pública que considerem
a incorporação desses sujeitos sociais e das suas demandas, através do estabelecimento de novas relações entre o Estado e a sociedade, implicando a
assunção de práticas descentralizadoras e, por conseguinte, de formas de co-gestão. Nesse modo de entendimento, com o qual concordamos, é possível a criação de um
novo espaço público, que pode surgir por meio da democratização radical das decisões e, logo, pela devolução dessas decisões para a comunidade, na forma de
ações governamentais. Perante tal quadro, destaca-se o papel dos municípios na construção de uma
democracia social, o que implica processos de descentralização que se articulem a um
esquema de gestão social, onde o Estado, ‘próximo do povo’ e de uma sociedade civil
rica em iniciativas e projetos, torna o município particularmente relevante, através de
98
transformações político-administrativas, que possibilitem um papel ativo e inovador
(MARSIGLIA, 1996). Dessa ótica, a idéia de democracia não é restrita apenas ao plano
do regime político, pois se vincula, também, à conquista do direito de participação da
sociedade na gestão pública. Sendo assim, ultrapassa a democracia representativa e
adquire o significado de uma real partilha de poder (DANIEL, 1994).
Numa outra perspectiva, para Teixeira (2000), os sentidos da democratização
do Estado e da sociedade podem se expressar em vários níveis:
Quando amplia a esfera de decisões até os segmentos organizados da sociedade, dando uma maior transparência às informações e prestações de contas, incluindo o aspecto financeiro-orçamentário; possibilitando o acesso a documentos comprobatórios de despesas e atos contratuais, o que permite o questionamento da legitimidade e oportunidade de gastos de mecanismos judiciais (representação junto ao Ministério Público, Ação Civil Pública, Ação Popular, Mandado de Segurança Coletivo) ou político-administrativos (denúncia junto ao Tribunal de Contas, aos meios de comunicação, disque-denúncia etc.);
Quando a própria sociedade precisa ser democratizada e assumir uma cultura de participação e também uma ética de responsabilidade pública. Os Conselhos poderão contribuir para isso exigindo que os representantes sejam eleitos em assembléias das entidades ou de fóruns mais amplos e que haja espaços de interlocução em que o cidadão não-organizado possa participar. É preciso que as próprias organizações que estão cobrando transparência dos governos também prestem informações e contas aos seus associados e ao público em geral;
Um papel político crucial dos Conselhos é o controle social e público sobre as políticas públicas, ou seja, o controle e o monitoramento do uso dos recursos públicos. O papel do Conselho não se restringe à fiscalização ou ao mero acompanhamento das atividades do poder público, referendando decisões já tomadas, mas envolve uma avaliação dos seus atos e decisões em comparação com parâmetros estabelecidos. A função de controle não implica numa postura reativa. Exige uma posição pró-ativa, no sentido de promover ações propositivas com os instrumentos legais para o exercício do controle ou outros que podem ser criados (inspeções às obras, entrevistas com usuários, levantamento e análise de impactos).
E finalmente, outro nível de democratização refere-se à partilha das decisões entre governo e sociedade à medida que as agendas podem ser previamente discutidas com as bases das organizações representadas e proposições podem ser elaboradas a partir de um processo de discussão (p. 108-109).
Nesse contexto, o estudo realizado por Andrade, na sua tese de doutoramento
intitulada Políticas e poder – os mecanismos de implementação de políticas públicas e o
fortalecimento de novas elites políticas no Nordeste, demonstrou como historicamente
99
foi se construindo essas relações de dependência e de favores políticos no Nordeste
brasileiro, onde a autonomia como possibilidade do novo, do diferente, era sempre visto
como algo não desejado pelos grupos no poder, pois representava uma ameaça à
reprodução dos grupos políticos tradicionais.
Considerando essa situação, a autora salienta que parece ilusório falar de
autonomia, pois, enquanto “as administrações municipais não renovam seus quadros
gerenciais, seja ao nível técnico, seja ao nível político [...] há uma alternância de poder
entre os mesmos” (ANDRADE, 1996, p. 138).
Mesmo com os avanços no sentido de maior autonomia municipal, preconizada
pela Constituição de 1988, ainda persistem realidades assim no território brasileiro,
onde há municípios que convivem com formas conservadoras e autoritárias de poder em
nível local. Ou seja, nesses municípios, ainda predomina a prática do mandonismo
baseado na propriedade e no poder que é transferido de pai para filho ou entre famílias
políticas tradicionais, sem qualquer contestação, onde se verifica a permanência da
mesma lógica de comando da vida pública. Isto caracteriza um contexto marcado por
relações de dependência e submissão aos mandatários locais, pois é sabido que o poder
dos coronéis e seus currais eleitorais já não funcionam com a mesma intensidade como
antes, uma vez que hoje não viabilizam mais eleições proporcionais ou majoritárias em
nível estadual ou nacional, mas têm poder de arrebanhamento nas eleições locais.
(ANDRADE, 1996).
Esse quadro é bem exposto por Andrade (1996, p. 140), ao assinalar que:
Em termos regionais, esse poder local, tradicional e autoritário estabelece relações políticas de troca com parlamentares e governadores que lhes facilitam o acesso a recursos públicos para realização de pequenas obras, distribuição de bens que se revertem no apoio político eleitoral de grande parte da população. A realidade da dádiva ao invés do direito, tão cara ao clientelismo político, ainda é dominante no contexto da política nordestina. A renovação política, quando existe, está atrelada a essa dimensão. São os médicos que substituem os coronéis, nos pequenos municípios do interior. A visão do benfeitor, daquele que tem algo a oferecer aos que necessitam, continua a lógica político-eleitoral. Assim, mesmo que mudem as personagens, as práticas continuam as mesmas, uma vez que estão fundadas na mesma visão de fazer política.
Nesse contexto, localiza-se como espaço de democratizar o poder o papel dos
Conselhos, pois as decisões passam pelo crivo de diferentes atores sociais, isto é, por
aqueles que representam interesses e concepções distintas. Assim sendo, de acordo com
Teixeira (2000, p. 108), os Conselhos são “órgãos de participação cidadão se são
100
pensados como espaço de partilha dos diferentes interesses dos segmentos da
sociedade”.
Trazendo para a realidade brasileira, nem sempre os Conselhos funcionam nesse
espírito de partilha de poder, mas, muitas vezes, como mera formalidade – restringindo
suas ações a reuniões ou atividades burocráticas. Cabe-nos compreender porque isso
ocorre, quais as razões explícitas ou implícitas para tal atuação. Uma provável
explicação pode ser tentar entender que esse Conselho está inserido numa determinada
cultura política. Daí a necessidade de explicitar as características e nuances da cultura
política atual e suas origens, bem como, nesse contexto, o papel do Conselho. Como nos
alerta Teixeira (2000, p. 112-113):
A cultura política que prevalece no setor público é ainda clientelista, patrimonialista e autoritária. Os agentes governamentais não aceitam qualquer possibilidade de partilha do poder e desrespeitam as deliberações dos Conselhos, dificultando a prestação de contas e interferindo indevidamente na sua composição com a nomeação de membros não escolhidos pelas entidades da sociedade. [Assim, para] que suas funções (Conselhos) sejam efetivas e sobretudo para que seu papel de mudar a cultura política seja garantido, é necessário que o Conselho ganhe respeitabilidade e seja reconhecido pela sociedade como órgão de defesa do interesse público e não seja visto pelo Poder Público como órgão da sociedade civil que serve para referendar iniciativas governamentais e cumprir uma mínima exigência legal no repasse de recursos federais.
Nas medidas governamentais implementadas a partir de 1990, encontra-se a
adoção de princípios como a descentralização, autonomia, participação e gestão
democrática que estiveram presentes nas formulações da política educacional
brasileira, e que orientaram as ações voltadas para a busca de um padrão de qualidade
da escola pública. É nesse contexto, que se inscrevem a criação e composição dos
Conselhos como inovações que, em princípio, devem envolver a participação das
comunidades escolar e local
Assumindo esse pressuposto, e de acordo com Bordenave (1987), a participação
faz parte da natureza social do homem e, historicamente, tem acompanhado as várias
modalidades de organização social, desde o clã dos tempos primitivos até as
associações e instituições das sociedades complexas contemporâneas. Para esse autor,
o futuro ideal para a humanidade só poderá se concretizar em sociedades
participativas.
Participar traz subjacente a idéia de “partilhar” e, quando a referência é a
máquina governamental, supõe a possibilidade de interação entre atores da
101
sociedade civil e o Estado, o que pode assumir diferentes dinâmicas, que
geram resultados distintos (JACOBI, 1990).
Referindo-se, especificamente, ao poder local, Jacobi (1990) afirma que a
participação deve ser entendida como um processo continuado da vida municipal, que
objetiva: a promoção de ações destinadas ao desenvolvimento de objetivos coletivos; o
reforço das práticas associativas e a ampliação da capacidade técnico-administrativa das
associações; e, ainda, o desenvolvimento da participação na definição de programas e
projetos e na gestão dos serviços públicos.
Borjas (1988) vincula a participação aos processos de descentralização
administrativa e à democracia. Nesse sentido, ela é entendida como um “método de
governo”, que requer um conjunto de condições advindas das regras do jogo
democrático e de uma crescente consolidação de práticas descentralizadoras da
organização político-administrativa. Para tanto, é necessária uma ampla revisão da
repartição de competências, funções e recursos financeiros entre as distintas esferas
administrativas (BORJAS, apud JACOBI, 1990).
Por outro lado, Bordenave (1987, p. 27-29), ao chamar a atenção para as
diversas maneiras de participar, se refere à participação imposta, que é aquela em que os
indivíduos são obrigados a fazer parte de grupos e a realizarem tarefas consideradas
indispensáveis. Refere-se, também, à participação dirigida, ou manipulada, que é
provocada por agentes externos, que manipulam os participantes no sentido de
atingirem seus próprios objetivos, previamente estabelecidos. Fala, ainda, da
participação concedida, que é representada por parte do poder de influência exercido
pelos subordinados e que legitima as práticas de quem lhes delega esse poder, ao
mesmo tempo em que cria uma “ilusão” de participação.
Por fim, a participação implica em práticas participativas anteriores da
comunidade, que encontram nos Conselhos mais um canal de atuação. Ao
mesmo tempo, em se tratando de um espaço público vinculado ao poder
municipal, as escolas e Conselhos têm que ter suas decisões reconhecidas e
respeitadas por esse poder, segundo as normas do jogo democrático, pois, só
assim, se enraizarão práticas democráticas na gestão púbica da educação.
Numa outra perspectiva de análise, Andrade (1996) enfatiza que, no
contexto das políticas públicas, há um consenso acerca da importância da
participação como mecanismo institucional de formulação e de implementação
das políticas. Isso se justifica tanto do ponto de vista ideológico como utilitário.
102
Nesse sentido, as razões para apostar nela, consistem, por um lado, na
participação como mecanismo de politização e inclusão dos sujeitos na tomada
de decisões; e, por outro, na participação como repartição de
responsabilidades.
Entretanto, adverte a autora:
a participação só se realiza plenamente quando tem sentido de
conquista23, quando resulta da politização dos espaços públicos.
Para existir participação é mister que exista uma sociedade civil
organizada, forças políticas diferenciadas em nível local que
dêem vitalidade a vida política (ANDRADE, 1996, p. 139).
Considerando as análises mencionadas acima, concordamos com
Barroso (1998) quando ele toma a autonomia escolar como algo construído a
partir de um espaço em que se confrontam e equilibram os interesses de
distintos grupos, internos e externos à escola, tais como: o governo, a
administração, professores, alunos, pais e outros membros da sociedade local.
A autonomia, portanto, é tomada como um conceito relacional, pois os sujeitos
agem dentro de uma situação de interdependência. Em conseqüência, só
podemos considerá-la como legítima caso sua construção considere a
autonomia dos indivíduos e o processo contemple o fornecimento de
estratégias que permitam que as metas e os objetivos traçados para a escola
resultem de um fazer coletivo. Para tanto, Barroso (1998) aponta sete
princípios a serem levados em consideração quando se pensa na elaboração
de um programa de reforço da autonomia das escolas:
1. O reforço da autonomia da escola deve ser definido levando em conta as diferentes dimensões das políticas educativas;
2. A “autonomia das escolas” é sempre uma autonomia relativa, uma vez que é condicionada pelos poderes públicos e pelo contexto em que se efetiva;
3. Uma política de reforço da autonomia das escolas não se limita a dispositivos legais, mas exige a criação de condições e dispositivos que permitam as autonomias individuais e a construção do sentido coletivo;
4. A “autonomia” não pode ser considerada como uma “obrigação” para as escolas, mas sim como uma “possibilidade”;
23 O sentido da participação como conquista também é defendido por Demo (1995).
103
5. O reforço da autonomia das escolas não tem uma função em si mesmo, mas é um meio para que elas ampliem e melhorem as oportunidades educacionais que oferecem;
6. A autonomia é um investimento baseado em compromissos e implica melhoria e avanços para a escola;
7. A autonomia também se aprende.
Atenta à dinâmica das políticas descentralizadoras e à questão do poder local,
ressaltamos a importância em se perceber como vem se dando a criação de novas
formas de articulação entre o Estado e a Sociedade, por isso assumimos aqui a posição
de que, numa perspectiva democrática e participativa, as políticas descentralizadas são
aquelas que efetivamente proporcionem práticas sociais que envolvam a tomada de
decisão dos sujeitos e o exercício do controle social sobre a coisa pública. Nesse
sentido, se justifica a pertinência da reflexão sobre a política pública como mediação
entre a ação do estado e da sociedade.
2.3- Referencial de Política Pública na Análise da Política de Financiamento do
FUNDEF: a política pública como mediação entre a ação do Estado e a
Sociedade
Conforme mencionado acima, a sociedade brasileira, desde a sua origem, vem
sendo marcada pela experiência conservadora e autoritária nas relações sociais
estabelecidas no decorrer do processo de construção do regime democrático e da
cidadania na convivência social dos diversos segmentos da população.
Ao contrário do que se pensou, a trajetória histórica de formação do povo e da
cultura brasileiras tem demonstrado que os mecanismos democráticos não produziram
os encaminhamentos adequados por parte do Estado para solucionar os problemas de
exclusão e desigualdades sociais que vêm se agravando ao longo da nossa história.
Dagnino (2002), estudando a ampliação do espaço público e da participação da
sociedade civil, e preocupada com o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos e sua
atuação nos espaços sociais, destaca que uma conseqüência concreta dessa realidade
tem sido a:
emergência de experiências de construção de espaços públicos, tanto daqueles que visam promover o debate amplo no interior da sociedade civil sobre temas/interesses até então excluídos de uma agenda pública, como daqueles que se constituem como espaço de ampliação e democratização da gestão estatal. Estamos aqui nos
104
referindo à implementação, ao longo da última década, dos vários conselhos, fóruns, câmaras setoriais, orçamento participativo, etc (DAGNINO, 2002, p. 10).
O fato é que essa participação, considerando a realidade local, apresenta
características distintas, pois, quando já existe um histórico de mobilização e
participação popular na implementação de projetos e programas sociais, bem como
todo um processo contínuo de acompanhamento e fiscalização, os resultados são em
grande parte proveitosos para a população beneficiada; ao contrário de outras
realidades, onde são restritos os canais de participação, e, muitas vezes, quando este
ocorre, são resultantes da manipulação dos interesses pessoais e de continuidade da
situação vivida que perdura de um projeto a outro sem alteração/mudança nas práticas
cotidianas.
Diante disso, cabe aqui uma reflexão acerca do lugar e da legitimidade do
Estado e da ação pública. Por isso a análise das políticas concentrará seu olhar sobre
a ação em seu conjunto – concepção, formulação, decisão e implementação, que
exprime concretamente seu foco de atuação, a saber, as condições viáveis de realização
em colaboração com os atores sociais locais. A partir desse entendimento, buscamos
conceber uma política pública como um constructo social e um constructo de pesquisa.
Para tanto, um primeiro passo consiste na definição do que é uma política pública e do
que é uma análise de política pública.
Nesse sentido, nos apoiaremos nos referenciais de Muller & Surel
(2004), que, ao se referirem às políticas públicas, constatam que:
toda ação pública, em qualquer nível que seja, e qualquer que seja o domínio a que se refere, entra no campo da análise das políticas públicas (p. 16).
Acrescenta ainda três grandes rubricas acerca das políticas públicas, a
saber:
uma política pública constitui um quadro normativo de ação; ela combina elementos de força pública e elementos de competência (expertise); ela tende a constituir uma ordem local (MULLER & SUREL, 2004, p. 16).
A seguir, descreveremos a seguir algumas nuances dessas três
características das políticas públicas. A primeira diz respeito a uma política pública
enquanto um conjunto de medidas concretas que exprimem a substância visível de
política, ou seja, um conjunto de recursos financeiros, intelectuais (competências),
105
reguladores (caráter normativo) e materiais. Isso implica: (1) saber quem define as
normas da ação pública; (2) saber que todas as medidas devem ser reunidas num
quadro normativo e cognitivo coerente; (3) compreender o caráter intrínseco
contraditório de toda política.
De acordo com as indicações de Muller & Surel (2004), do ponto de
vista teórico-metodológico, o trabalho de análise das políticas públicas “deve esforçar-
se para colocar à luz as lógicas de ação e em ação as lógicas de sentido no processo de
elaboração e de implementação das políticas” (p. 20).
No tocante ao entendimento de uma política pública como expressão do
poder público, refere-se à busca da identificação dos elementos que fundamentam a
especificidade da ação do Estado. O texto alude que, tradicionalmente, uma política
governamental compreende elementos de decisão ou de alocação de recursos de
natureza mais ou menos autoritária ou coercitiva; que a análise das políticas públicas
contribuiu muito para demonstrar que a especificidade da ação do Estado não deve
desembocar numa reificação do poder público como um bloco homogêneo e autônomo;
e que o problema consiste na identificação da fronteira entre espaço público e privado.
Nesse sentido, conclui Muller & Surel (2004, p. 21) que:
o prisma analítico das políticas públicas deve, desse ponto de vista, tornar-se a ocasião de uma interrogação constante sobre a natureza evolutiva do Estado e das relações entre espaço público e privado.
Outro aspecto de uma política pública é que ela constitui uma ordem
local, ou seja, para se estudar uma política pública é preciso levar em conta o conjunto
de indivíduos, grupos ou organizações cuja posição é afetada pela ação do Estado no
espaço público da política.
Por isso, alerta Muller & Surel (2004, p. 23):
um dos desafios da análise da ação do Estado será, assim, o de constituir e de construir o continuum dos modos de ação dos grupos sociais no quadro das políticas públicas.
Diante das questões suscitadas acima acerca da ação do Estado e da
análise de suas políticas públicas, focalizamos o nosso interesse em problematizar
como vem se dando a produção de conhecimento sobre as políticas públicas e sua
contribuição como constructo teórico-conceitual para compreender a realidade social,
no caso aqui, a política de financiamento público da educação brasileira. Nesse
106
sentido, situaremos estudos e pesquisas que vêm se debruçando sobre o campo das
políticas públicas.
2.3.1- Estudos e Pesquisas sobre Estado e Políticas Públicas: breve percurso
histórico
Assumimos como informações importantes para delinear o campo das políticas
públicas as contribuições de Melo (1998), que demarcam essa trajetória na área das
Ciências Sociais.
Segundo o autor, os trabalhos desenvolvidos nessa área, como sugestão
didática, foram agrupados em três sub-conjuntos:
1º Sub-conjunto: toma como objeto de estudo, o regime político, instituições políticas ou o estado brasileiro em termos de seus traços constitutivos, como o patrimonialismo, clientelismo, autoritarismo e, recentemente, a produção sobre a reforma do estado;
2º Sub-conjunto: trata de trabalhos sobre políticas setoriais, combinando a análise do processo político com a análise de problemáticas internas como questões relativas à cidadania e participação política, processos decisórios e grupos de interesses;
3º Sub-conjunto: consiste nas análises de avaliação de políticas.
Em se tratando especificamente dos estudos de Políticas Públicas na educação,
conforme Azevedo & Aguiar (2001), o quadro atual reflete, de um lado, a
predominância de trabalhos com ênfase em análises de política setorial, ou seja, em
estudos de programas e projetos governamentais, com perfil de avaliação. Em
contrapartida, raros são os estudos voltados para análise do macro, no sentido de
apreender concepções implícitas nas políticas educacionais.
Segundo as pesquisadoras, o significado atribuído às políticas de educação
presente nos trabalhos analisados foram:
tratadas na qualidade de componentes do conjunto das políticas públicas de corte social, entendidas como a expressão da ação (ou não ação) social do Estado e que têm como principal referente a máquina governamental, no movimento de regulação do setor educação. Isto sem desconhecer o papel de distintos atores ou sujeitos coletivos que interagem nesse processo (Apud JOBERT E MULLER, 1987; AZEVEDO, 1997; AZEVEDO & AGUIAR, 2001, p. 73).
Nesses termos,
’concepções’ foram entendidas como a expressão dos referenciais normativos subjacentes às políticas e que podem se materializar nas distintas filosofias de ação. Ao passo que ‘programa’ foi tomado no sentido strictu quando referenciado às políticas, como
107
policy: programa de ação, que também se desmembra em projetos (AZEVEDO & AGUIAR, 2001, p. 73-74).
Esse estudo constatou que as análises em torno das políticas de educação
tratam de um campo investigativo relativamente novo, ainda não consolidado em
termos de referências analíticas, muito embora haja indício de um esforço na área no
sentido de identificar pressupostos e fundamentos que respaldam os referenciais das
políticas.
Por fim, conclui o trabalho ressaltando a necessidade da apropriação de
ferramentas teórico-analíticas vindas de outros campos do saber, em particular das
Ciências Sociais e Humanas, como contribuição para o tratamento de determinados
conceitos e categorias e das suas significações.
Situando a política pública sob o prisma teórico-conceitual, e considerando a
referência analítica de Muller & Surel (2004) já mencionada acima, destacamos também
como contribuição o exercício reflexivo-analítico de Reis (2003), ao discorrer sobre a
natureza de uma agenda de pesquisa em políticas públicas, onde coloca com muita
propriedade que o “especialista”, quando está analisando a formulação, a
implementação ou os resultados de policies, deve ter o cuidado de ver com clareza que
as suas análises podem interpelar situações concretas, examinar tecnicamente problemas
empíricos específicos e servir para legitimar ou deslegitimar as escolhas políticas
efetivas. É preciso, assim, estar ciente de que as políticas públicas são uma área
propositiva, embora a dimensão técnica se legitime.
Desse modo, a autora alerta para a seguinte situação:
[o que] eu lembraria para uma agenda de pesquisas em políticas públicas é que os projetos tenham uma sustentação teórica. Isso parece demasiado óbvio para requerer atenção. Contudo, na prática vemos que com muita freqüência descuramos desse princípio. Talvez o problema seja mais agudo na prática do ensino do que na da pesquisa em políticas públicas, mas em ambos os casos vale a pena enfatizar que nós nos beneficiamos e muito ao adotar uma postura atenta aos parâmetros teóricos que modelam nossas análises, por mais empíricas que sejam. O problema inverso deve nos preocupar igualmente. Pesquisas e cursos que são rotulados como análises de políticas públicas, na realidade, apenas se referem a policies, sem tratá-las de forma específica e sistemática (REIS, 2003, p. 2).
A autora ressalta ainda a necessidade da elaboração de uma “agenda de
pesquisa”, aqui entendida no sentido da filosofia da ciência, ou seja, como um
programa de trabalho que define uma comunidade científica. Em suma, o trabalho do
108
pesquisador no campo das políticas públicas exige o confronto de questões técnicas,
políticas e institucionais, bem como suas referências teóricas e empíricas. (REIS,
2003).
Pelo exposto, é oportuno definir o entendimento de Política Pública assumido
aqui, pois esse delineamento pretende situar o lugar de onde falamos:
Políticas públicas são aqui entendidas como o “Estado em Ação” (JOBERT & MULLER, 1987); é o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade. E políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico (HÖFLING, 2001, p.31).
Nesses termos, partindo do pressuposto acima, entende-se a educação como
política pública social, aquela em que há a participação da sociedade civil na sua
definição e formulação junto aos organismos do Estado. Este, por sua vez, atuará como
implementador, na esfera pública, dos anseios, aspirações e necessidades da
população. Nesse sentido, concordamos com o pensamento de Höfling (2001) quando
diz que: “É impossível pensar Estado fora de um projeto político e de uma teoria social
para a sociedade como um todo” (p. 32). Mas é justamente nesse ponto que nem
sempre há convergência, pois convivemos com conflitantes concepções, teorias e
práticas que pensam o social.
Historicamente, as políticas públicas constituem respostas do Estado às
demandas da sociedade e que se expressa no compromisso público numa determinada
área de atuação a longo prazo. Para Pereira (1994, apud CUNHA & CUNHA, 2002, p.
12), a política pública consiste numa
linha de ação coletiva que concretiza direitos sociais declarados e garantidos em lei. É mediante as políticas públicas que são distribuídos ou redistribuídos bens e serviços sociais, em resposta às demandas da sociedade. Por isso, o direito que as fundamenta é um direito coletivo e não individual.
Acrescenta ainda que:
embora as políticas públicas sejam reguladas e freqüentemente providas pelo Estado, elas também englobam preferências, escolhas e decisões privadas podendo (e devendo) ser controladas pelos cidadãos. A política pública expressa, assim, a conversão de decisões privadas em decisões e ações públicas, que afetam a todos. (PEREIRA, 1994, apud CUNHA & CUNHA, 2002, p. 14)
109
Dentre as diversas políticas públicas, priorizaremos a política social por
considerá-la fundamental na garantia dos direitos sociais básicos para a vida dos
cidadãos, como o direito ao trabalho, à habitação, à saúde, à educação etc. Entretanto,
a forma de acesso a esses bens públicos tem se diferenciado ao longo do percurso da
história do Brasil.
Diante desse contexto, compartilhamos com o argumento de Höfling (2001), de
que pensar em
política educacional, ações pontuais voltadas para maior eficácia do processo de aprendizagem, da gestão escolar e da aplicação de recursos são insuficientes para caracterizar uma alteração da função política deste setor. Enquanto não se ampliar efetivamente a participação dos envolvidos nas esferas de decisão, de planejamento e de execução da política educacional, estaremos alcançando índices positivos quanto à avaliação de resultados de programas da política educacional, mas não quanto à avaliação política da educação (HÖFLING, 2001, p. 39).
Daí a importância de saber como foi se construindo a relação Estado e Sociedade
ao longo da história, que, na maior parte das vezes, tem elaborado diretrizes de políticas
públicas sociais com conotação de programas descontínuos, episódicos, setoriais e
paliativos. Pois é notório que ainda não construímos uma cultura de Política Pública
como expressão da explicitação e discussão dos direitos construídos no espaço público
coletivo.
Nesse sentido, uma questão levantada pela Dagnino (2002) é a de que um dos
obstáculos existentes para a maior parte daqueles que se envolvem com Políticas
Públicas, ou seja, na sua formulação, discussão, deliberação ou execução, é a
exigência do domínio de um saber técnico especializado, o que, em geral, não ocorre
na sociedade, em especial na classe social mais simples e menos escolarizada, pois,
para
entender um orçamento, uma planilha de custos, opções de tratamento médico, diferentes materiais de construção, técnicas de despoluição dos rios, há uma infindável lista de conhecimentos exigidos nos vários espaços de atuação. Além desse, um outro tipo de qualificação se impõe, o que diz respeito ao conhecimento sobre o funcionamento do Estado, da máquina administrativa e dos procedimentos envolvidos (DAGNINO, 2002, p. 284).
Pelo contrário, como aponta Dagnino (2002), é preciso que se considerem três
questões inter-relacionadas no momento de se analisar uma política pública:
1. A questão do sentido das políticas; que em geral são pontuais e setoriais;
110
2. A fragmentação das políticas; 3. O caráter paliativo e compensatório das políticas.
No entanto, adverte-nos de que mais do que criticar os modelos alternativos de
formulação de políticas públicas, como as ONGs, é importante que se explicite seus
pressupostos e suas implicações, pois,
se de fato é esta a questão fundamental implícita nas críticas que fazemos, é preciso reconhecer, desde logo, que ela transcende a dimensão da participação da sociedade civil na formulação das políticas públicas e se remete ao âmbito mais amplo – e ainda mais complexo – dos modelos de gestão do Estado, uma distinção com freqüência ausente em avaliações desse teor (DAGNINO, 2002, p. 298).
Por outra parte, no que se refere à constituição de políticas sociais para a
educação no Brasil, que muitas vezes tem se mostrado distante do contexto real das
necessidades da população, Ciavatta (2002) salienta a importância de se conhecer o
movimento histórico das políticas educacionais assumidas no Brasil:
As políticas educacionais refletem as diferentes conjunturas
históricas. Nas políticas devemos captar o movimento da
sociedade e as vozes que se fazem ouvir. Com o risco de fazer
alguma simplificação da riqueza dos processos sociais
envolvidos nas diferentes orientações pelas quais tem passado a
educação brasileira, destacamos três movimentos principais: as
políticas e planos educacionais que expressam a intenção de
abranger as questões educacionais como um todo; as políticas
que se caracterizam por um projeto de educação com ênfase na
preparação da força de trabalho e as políticas mais
fragmentárias, que podem cobrir um ou outro aspecto, mas que
fazem parte das chamadas políticas sociais (CIAVATTA, 2002,
p. 96).
É inserido nesse panorama geral de análise das políticas públicas de
cunho social que se localiza a pertinência desse estudo, dado a relevância de
problematizar a questão da constituição/materialização das políticas públicas,
111
especialmente no âmbito das políticas de financiamento ainda pouco
freqüentes nos estudos educacionais brasileiros.
Ademais, ressaltamos a relevância do estudo num contexto social em
que, historicamente, o quadro de desigualdades sociais e educacionais
persiste, mesmo com a implementação, nos últimos anos, de políticas sociais
de cunho descentralizado, voltadas para a melhoria das condições de vida
daquela população. Nesse sentido, a realização da pesquisa no município de
Francisco Santos, localizado no Estado do Piauí, é importante, pois busca
problematizar e refletir o alcance das políticas públicas ali implementadas, em
especial, aqui, a política do FUNDEF, conforme apresentaremos no próximo
capítulo.
CAPÍTULO III – CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EMPÍRICO DA PESQUISA: A política educacional do Estado do Piauí e o município de Francisco Santos
112
3.1- O Município de Francisco Santos no Contexto da Política Educacional do
Estado do Piauí
Nesta parte do trabalho, objetivamos resgatar as principais características do
município foco da nossa pesquisa. Antes, contudo, de falar sobre a realidade de
Francisco Santos e sobre as características da sua política educacional, consideramos
oportuno abordar a temática do financiamento.
Neste sentido, um dos argumentos que justifica o desenvolvimento deste
trabalho encontra-se no enfoque que procuramos dar ao abordar, dentro da temática do
financiamento, a influência do poder local na (re)definição de políticas públicas de
educação, mais especificamente em relação ao FUNDEF.
Nesse sentido, destacamos a força que a “questão local” passou a assumir no
Brasil, a partir da década de 1990, conforme assinala Azevedo (2004, p. 6):
Com efeito, mudanças constitucionais, a reforma administrativa do Estado, o conjunto de dispositivos jurídico-políticos aliados a um conjunto de medidas de política para os diversos setores sociais, alteraram substantivamente o padrão e o perfil da ação estatal, colocando para os entes federativos a questão da redefinição da repartição das competências e responsabilidades entre as esferas nacional, estaduais e municipais.
Tal consideração é necessária para melhor situar a perspectiva assumida no
trabalho, como também para reafirmar a escolha do Município de Francisco Santos, que
113
se justifica por se tratar de uma realidade localizada numa região empobrecida, em que
as políticas sociais e educacionais têm rebatimento direto na melhoria das condições de
vida da população.
Nessa perspectiva, é oportuno, antes de adentrarmos o contexto do campo
empírico de pesquisa, situar as orientações gerais da política educacional do Estado do
Piauí. Assim sendo, convém destacar que as condições de vida da maioria da população
no referido Estado constituem um quadro socioeconômico de precariedade, isto é, de
crescimento de problemas sociais como desemprego, falta de habitação, atendimento
insuficiente de serviços públicos como saúde e educação, dentre outros. Em suma,
escassez de ações fundamentais para o desenvolvimento de um povo. Perante esse
quadro, urgem medidas governamentais que venham melhorar as condições de vida e de
trabalho da população, com vistas a implementar políticas públicas que garantam a
inclusão de todos os segmentos sociais nas políticas sociais.
Sobre o processo de formação e comando da vida política do Estado, destacamos
que o Piauí tem sido governado por forças políticas de direita. Somente nas eleições de
2001, teve pela primeira vez ascensão ao poder o Partido dos Trabalhadores (PT), com a
eleição de Wellington Dias para governador e sua reeleição em 2006, gestão que tem
como lema de trabalho: “Piauí – governo de desenvolvimento”.
As ações do governo local encontram sintonia com as orientações do governo
federal, no sentido de trabalhar por um projeto que prima pela construção de uma
democracia social. Assim, “o modo petista de governar” busca privilegiar a construção
de uma qualidade de vida para todos, valorizar o trabalho e oportunizar espaços de
vivência de cidadania para a população.
Nessa perspectiva, situa-se o Programa de Governo da segunda gestão de
Wellington Dias (2007-2010), cuja prioridade consiste em investir na educação, reforçar
a geração de emprego e renda e dar continuidade a um plano de trabalho iniciado em
2003. Nesses termos, o governador destacou:
Queremos que ele possa prosseguir, independente de quem esteja à frente do Executivo. É um plano de metas cuja finalidade está centrada na busca de qualidade de vida para o nosso povo e infra-estrutura que possa dar condições de desenvolvimento de forma organizada, participativa e transparente (www.governodopiaui.gov.br).
No discurso acima, fica explícita a intenção de materializar o plano de metas,
cuja finalidade está centrada na busca da qualidade de vida. Além disso, na área da
114
educação, o trabalho executado durante a primeira gestão se destaca, por exemplo, pelo
crescimento de matrículas nos ensinos fundamental e médio, pelo crescimento do ensino
superior e do ensino de jovens e adultos e pelo aumento do número de participantes do
ensino profissionalizante.
Temos assim a educação como o centro de tudo que queremos trabalhar em 2008. Queremos muito mais do que construir salas de aulas. O que buscamos é um despertar pela importância da educação (www.governodopiaui.gov.br).
Os resultados da análise documental permitiram identificar as marcas do
governo estadual no período de 2003-2006 no campo da educação pública,
considerando os desafios, prioridades e metas que permeiam a política educacional do
governo de Wellington Dias:
O Piauí tem sido testemunha de como nós, gestores da educação, apoiados em planos anuais escritos, temos nos empenhado para mudar aquele quadro desolador de outrora que nos desanimava tanto, quando focávamos a escola pública estadual. Essa outra realidade escolar, que a cada ano vemos (re)nascer diferente e mais acolhedora como fruto de nossa inteligência, enche-nos agora de orgulho pelos tantos e significativos ganhos inquestionáveis que estão sendo colhidos. Para lembrar alguns, registramos a universalização do ensino fundamental e médio; a alfabetização e possibilidade efetiva de continuidade dos estudos para jovens e adultos que não tiveram escolaridade básica na idade própria; a descentralização e a democratização da gestão escolar materializadas na eleição de diretores e na instalação e funcionamento dos conselhos escolares; o esforço de construção coletiva da proposta pedagógica curricular e do Plano Anual de Atividades da escola; a implementação de políticas públicas efetivas de valorização do magistério nas vertentes da formação inicial e continuada e nos ganhos salariais e plano de carreira (SEDUC, 2006, p. 1).
Uma questão central, identificada na atuação da primeira gestão do governo de
Wellington Dias (PT), é a integração do governo estadual com as orientações do projeto
político do governo federal, que nos últimos anos define como marcas: o
desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza e a transparência com
participação.
Especificamente, com relação ao trabalho da Secretaria Estadual de Educação
(SEDUC), a concepção de educação é fundamentada nos princípios de respeito à
cidadania e humanização das relações sócio-educativas, primando pela gestão
democrática participativa e pelo aprendizado.
115
Por outro lado, a matriz de planejamento tem como ênfase cinco eixos
estratégicos, a saber:
a democratização do acesso à educação básica; a elevação do padrão de qualidade da escola pública; a valorização dos profissionais da educação; a modernização do sistema estadual de ensino e a consolidação do regime de colaboração do Estado com os Municípios (SEDUC, 2007, p. 1).
Esses eixos que norteiam o trabalho do SEDUC consistem no caminho a ser
trilhado, que vem orientando a estrutura de seus planos de ação, visando garantir o
acesso dos piauienses a uma educação básica pública, gratuita e de qualidade.
Nesse sentido, destaca-se que:
a eleição de diretores, a criação dos conselhos escolares, o repasse mensal para as escolas de recursos de manutenção e da merenda escolar, o concurso público são os sinais mais evidentes do compromisso com a transparência e a democratização da gestão escolar (SEDUC, 2007, p. 1).
Tais referenciais constituem as diretrizes da ação estatal no campo da educação,
tendo em vista que os desafios cotidianos são imensos e que, portanto, têm buscado
contar com a colaboração das outras instâncias do poder público. Nesse contexto,
destaca-se o papel do FUNDEF como uma política que tem contribuído para amenizar
as dificuldades enfrentadas pelas redes públicas de ensino.
3.2- Impacto do FUNDEF no Estado do Piauí
Em pesquisa realizada sobre os impactos do FUNDEF no Estado do Piauí,
Sales (2001, p. 3) partiu do pressuposto de que o Fundo
parece ter contribuído para amenizar as resistências, de quase uma década, dos prefeitos municipais e governos estaduais em relação às propostas de descentralização da oferta educacional entre as esferas governamentais, visto ter implementado uma redistribuição de recursos, no interior dos estados, pautado no número de alunos matriculados.
A implantação do FUNDEF no Estado do Piauí ocorreu com a
aprovação da lei n° 4.998, de 30 de dezembro de 1997, que, em última análise,
reproduz os elementos presentes na Emenda Constitucional n° 14 e na Lei 9.424/96.
116
Como sabemos, o FUNDEF é um fundo de natureza contábil, formado das
seguintes fontes orçamentárias: FPE, FPM, LC 87/96, IPI-exp e ICMS. Dentre essas
fontes, quatro são federais e apenas uma, o ICMS, é estadual. Sobre a composição dos
recursos do Fundo, a pesquisa identificou que:
no âmbito do Estado, envolve 40% de recursos originários do ICMS e 60% das transferências federais, ou seja, transferências da União. Nos municípios piauienses, o ICMS estadual representa 10% na composição do Fundo e as demais fontes da União representam 90% (SALES, 2001, p. 6).
Considerando a distribuição interna do FUNDEF no Estado do Piauí, os
municípios ganham com o Fundo, em função da quantidade de alunos matriculados na
rede municipal superar a quantidade de matrículas na rede estadual. Isso fica evidente
quando se observam os dados da tabela a seguir sobre a receita do FUNDEF, de modo
particular a letra “F” (total recebido no FUNDEF), tomando como referência o ano de
1998.
TABELA 1: Movimento do FUNDEF do Piauí em 1998
1998 RECURSOS GOVERNO
DO ESTADO MUNICÍPIOS TOTAL
A) MATRÍCULA DO ENSINO FUNDAMENTAL/1997 240.717 361.486 602.203 B) RECURSOS ENVIADOS AO FUNDEF 105.300.000,00 57.400.000,00 162.700.000,00C) PER CAPITA ALUNO NO ESTADO 437,00 159,00 270,17 D) RECEBIDO NO ÂMBITO DO ESTADO 65.000.000,00 97.700.000,00 162.700.000,00E) COMPLEMENTAÇÃO DA UNIÃO 9.600.000,00 14.400.000,00 24.000.000,00F) TOTAL RECEBIDO NO FUNDEF (D + E) 74.600.000,00 112.100.000,00 186.700.000,00G) GANHOS COM O FUNDEF (F – B) -30.700.000,00 54.700.000,00 24.000.000,00
Fonte: MEC/Balanço FUNDEF 1998-2000 (Apud SALES, 2001) A tabela ainda revela que, embora o Governo do Estado receba a
complementação da União (9.600.000,00) perde aproximadamente 30 milhões de reais
do seu orçamento da educação para os municípios do Estado (segundo consta na letra
“G”).
De forma sistemática, eis algumas considerações:
1. O atendimento à escolaridade obrigatória foi evidenciado com o aumento no
atendimento nas séries iniciais do ensino fundamental (11,8%) e, principalmente,
nas séries finais (79,6%), entre 1996 e 2000;
117
2. Não foram observadas modificações consideráveis na valorização dos profissionais
da rede estadual, após a instituição do FUNDEF, visto não ter ocorrido qualquer
aumento salarial no período retratado pela pesquisa (1996-2000). Destacou-se,
também, a ausência de um Plano de Carreira e Remuneração do magistério estadual
compatível com a nova legislação educacional, visto que os professores são regidos
pelo Estatuto do Magistério, instituído na década de 80, não ocorrendo, assim,
mudanças consideráveis na política de tratamento dos profissionais da educação;
3. Quanto à gestão dos recursos da educação, pôde-se perceber, por meio dos relatos
dos auditores do Tribunal de Contas do Estado, que ainda não existe um
procedimento que garanta, efetivamente, que os recursos destinados para educação,
ou seja, os 30% definidos pela Constituição Estadual, sejam, de fato, aplicados neste
setor;
4. De acordo com a análise dos dados financeiros referentes à implementação do
FUNDEF, foi identificado que o principal impacto refere-se ao incremento dos
recursos da educação municipal, fato bastante elogiado por prefeitos e Secretários de
Educação (SALES, 2001, p. 21).
O autor concluiu afirmando que:
a necessidade urgente de fortalecer os mecanismos de
controle social sobre a administração dos recursos, no
sentido de garantir que os recursos da educação sejam,
efetivamente, aplicados na valorização dos profissionais da
educação e na melhoria da qualidade do ensino público (p.
21).
3.3- Situação Educacional no Estado do Piauí
No campo das políticas públicas educacionais, o cumprimento da emissão da
Secretaria visa garantir, em regime de colaboração com a União e com os Municípios, e
em parceria com a sociedade, o acesso dos piauienses a uma educação básica pública,
gratuita e de qualidade. Isso pode se expressar nas diversas ações implementadas, desde
118
a primeira gestão do governador Wellington Dias, para promover a democratização da
educação básica no estado do Piauí.
Nesse contexto, é pertinente destacar que o governo do Piauí vem
desenvolvendo ações mais sistematizadas e contínuas para assegurar uma relação mais
institucional entre o estado e os municípios, atendendo ao que preconiza a Constituição
Federal de 1988 que, ao instituir os sistemas municipais de ensino, estabelece o regime
de colaboração entre os sistemas da União, dos Estados e dos Municípios.
Do ponto de vista institucional, destacamos a criação do Conselho Estadual de
Educação, com sede em Teresina, pela Lei 2.489/63, alterada pela Lei nº 4.600 de
30/06/93, como órgão normativo, deliberativo e consultivo, que tem como finalidade
promover, orientar e disciplinar o ensino público e privado em todo o Estado.
Nesse sentido, segundo o Art. 6º, compete ao Conselho Estadual de Educação:
I. Elaborar e alterar o seu regimento, submetendo-o à aprovação do
Governador do Estado; II. Aprovar o Plano Estadual de Educação e projetos elaborados pelos
órgãos próprios da Administração dos Sistemas de Ensino; III. Promover estudos e divulgação de assuntos de interesse da educação e
propor medidas para melhoria do ensino; IV. Emitir parecer sobre assuntos e questões de natureza pedagógica e
educacional que lhe sejam submetidos pelo Governador, pelo Secretário de Educação ou por iniciativa dos próprios conselheiros;
V. Assessorar o Secretário de Educação no diagnóstico de problemas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar o sistema de ensino;
VI. Autorizar formas diversas de organização do ensino e experiências pedagógicas, nos termos da Lei 9.394/96;
VII. Autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar os cursos das Instituições de Educação Superior e os estabelecimentos de seu sistema de ensino, conforme art.10 inciso IX, Lei 9.394/96, ressalvado o que estabelece o disposto no art. 42 § 1º da Lei 5.101/99 sobre a autonomia das Universidades;
VIII. Analisar e emitir parecer sobre questões relativas à aplicação da legislação educacional e baixar normas complementares que assegurem o cumprimento das diretrizes da legislação nacional no âmbito do Sistema Estadual;
IX. Relacionar matérias dentre as quais os estabelecimentos de ensino poderão escolher as que devam constituir a parte diversificada do currículo;
X. Fixar normas, dentre outras, sobre: • Autorização e reconhecimento de estabelecimento pertencente ao
Sistema Estadual de Ensino; • Elaboração e reformulação de regimento dos estabelecimentos de
ensino sob sua jurisdição; • Aproveitamento e equivalência de estudos; • Transferência de alunos;
119
• Ensino supletivo, realização de exames e composição de banca examinadora;
XI. Promover Seminários de Estudo sobre temas de relevância para a educação, por iniciativa própria ou em parceria com a Secretaria de Educação ou a Universidade Estadual.
No que se refere à criação do Sistema Estadual de Educação do Piauí, a lei
5.101, de 23 de novembro de 1999, regulamenta a organização e funcionamento do
ensino no Estado. Segundo a referida lei, no seu Art. 7º,
A educação do Estado do Piauí será organizada em sistema, que funcionará em regime de colaboração com o sistema federal e com os sistemas municipais, sob a coordenação da União, que exercerá função normativa, redistributiva e supletiva.
De uma forma mais específica, o Art. 8º define a formação do sistema de ensino
do Estado do Piauí. Assim sendo, o mesmo compreende:
I – as instituições de ensino mantidas pelo Poder Público Estadual; II – as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público Municipal; III – as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada;
IV – a Secretaria de Estado da Educação como órgão executivo; V – o Conselho Estadual de Educação como órgão normativo e
consultivo, com atribuições previstas em lei e no seu regimento; VI – as instituições de educação básica criadas e mantida pelo Poder Público Municipal, nos municípios que não tiverem seu próprio sistema de ensino.
No âmbito do financiamento da educação pública, a Constituição Estadual, em
seu artigo 223, determina a aplicação anual mínima de 30% dos recursos advindos das
receitas resultantes de impostos e transferências na manutenção e desenvolvimento do
ensino, ficando permitida a utilização de até 5% (cinco por cento) desse montante na
capacitação, qualificação e requalificação profissional e de mão-de-obra. Ainda no
inciso § 2º adverte:
§ 2º – Setenta por cento dos recursos previstos neste artigo serão destinados ao atendimento das necessidades do ensino de primeiro grau.
120
Considerando a problemática do financiamento da educação, e de acordo com
as diretrizes da LDB, os Estados devem responsabilizar-se pelo desenvolvimento e
manutenção do ensino médio e dividir com os municípios a responsabilidade da oferta
do ensino fundamental, ficando estes com a oferta da educação infantil. Neste sentido,
na realidade piauiense, as creches passaram da área da assistência social para a
educação e para a responsabilidade dos municípios.
Com base no quadro abaixo (TABELA 2), observa-se que em 2006 não
houve matrícula da rede estadual em creches, o que simboliza a saída do Estado nesse
segmento. Por outro lado, há predominância da rede municipal no atendimento de
turmas de creche em torno de 79,8%, bem como uma pequena atuação da rede privada
de 20,0%.
TABELA 2: Número de Matrículas em Creche, por Dependência Administrativa, no período de 2002-2006
Dependência Administrativa 2002 % 2003 % 2004 % 2005 % 2006 % Estadual 1.897 8,2% 1.715 7,9% 101 0,5% 66 0,3% 0 0,0%Municipal 17.071 74,2% 15.517 71,7% 16.930 77,9% 16.440 75,6% 17.813 79,8%Federal 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 35 0,2% 42 0,2%Particular 4.052 17,6% 4.421 20,4% 4.691 21,6% 5.207 23,9% 4.476 20,0%TOTAL 23.020 100,0% 21.653 100,0% 21.722 100,0% 21.748 100,0% 22.331 100,0%
Fonte: MEC/INEP
Com relação ao número de matrículas em pré-escolas, as tabelas 3 e 3.1
revelam que houve uma redução da oferta por parte da rede estadual de 19,7% em
2002 para 0,8% em 2006, e um aumento na oferta pela rede municipal de 56,8 em 2002
para 71,1% em 2006, além de uma considerável participação da rede particular nesse
segmento.
TABELA 3: Número de Matrículas em Pré-escola, por Dependência Administrativa, no período de 2002-2006
Dependência Administrativa 2002 % 2003 % 2004 % 2005 % 2006 % Estadual 18.685 19,7% 18.421 19,3% 12.160 11,6% 2.866 2,6% 891 0,8%Municipal 53.876 56,8% 54.403 57,0% 64.879 61,9% 75.842 69,2% 78.347 71,1%Federal 63 0,1% 58 0,1% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%Particular 22.169 23,4% 22.567 23,6% 27.756 26,5% 30.911 28,2% 30.940 28,1%TOTAL 94.793 100,0% 95.449 100,0% 104.795 100,0% 109.619 100,0% 110.178 100,0%
Fonte: MEC/INEP
121
TABELA 3.1 : Número de Matrículas em Pré-escola, por Dependência Administrativa, no
período de 2002-2006 Dependência Administrativa
2002 2003 2004 2005 2006 %
Estadual 18.685 18.421 12.160 2.866 891 0,8%Evolução ano-a-ano -1,4% -34,0% -76,4% -68,9% Municipal 53.876 54.403 64.879 75.842 78.347 71,1%Evolução ano-a-ano 1,0% 19,3% 16,9% 3,3% Federal 63 58 0 0 0 0Particular 22.169 22.567 27.756 30.911 30.940 28,1%TOTAL 94.793 95.449 104.795 109.619 110.178 100Evolução ano-a-ano 0,7% 9,8% 4,6% 0,5%
Fonte: MEC/INEP
No Piauí, como em todo o Nordeste, observa-se, desde 2003, um decréscimo da
matrícula no ensino fundamental na rede estadual, o que se justifica não só pela
transferência dos alunos para a rede municipal, mas também pela redução geral da
demanda por este nível de ensino, inclusive na rede municipal e particular de ensino.
Analisando comparativamente a oferta de Creche e Pré-escola no município de
Francisco Santos (TABELA 4), observa-se no somatório total das duas modalidades de
ensino, no período de 2001 a 2006, houve um acréscimo de 67,7% de crianças
matriculadas.
TABELA 4: Número de Matrículas em Creches e Pré-escolas Públicas, no município de Francisco Santos/PI, no período de 2001-2006
Ano Creche % Pré-
escola% Total % Evolução do
Número de Matrículas
2001 353 100 0 0 353 100% 2002 376 100 0 0 376 100% 6,5% 2003 264 64,7% 144 35,3% 408 100% 15,6% 2004 404 77,7% 116 22,3% 520 100% 47,3% 2005 317 53,2% 279 46,8% 596 100% 68,8% 2006 321 54,2% 271 45,8% 592 100% 67,7%
Fonte: MEC/INEP
Conforme pode ser observado nas tabelas a seguir (TABELA 5 e 5.1), a
evolução das matrículas do ensino fundamental, no período de 2002 a 2006, indicou a
diminuição significativa do número total de alunos matriculados, que saiu de 784 mil
122
matrículas em 2002 para 668 mil matrículas em 2006, ou seja, diminuição de
aproximadamente 15% no número de alunos do ensino fundamental. A mais importante
causa neste item é a diminuição do número de vagas oferecidas pelo governo estadual
que, no período, acabou com 86 mil vagas, representando diminuição de 38,3% das
vagas que o mesmo oferecia em 2002. O governo municipal também diminuiu o número
de vagas, no entanto, deixou de disponibilizar 6,3% em relação a 2002. Por outro lado,
observa-se que o número de alunos matriculados na rede particular se manteve
constante tem um pequeno incremento de apenas 2,7% no período.
TABELA 5: Número de Matrículas no Ensino Fundamental, por Dependência Administrativa, no período de 2002-2006
Matrículas no Ensino Fundamental de 1ª a 8ª Série*
Dependência Administrativa 2002 % 2003 % 2004 % 2005 % 2006 % Estadual 224.362 28,6% 177.973 24,3% 163.893 22,9% 146.035 21,1% 138.325 20,7%Municipal 505.959 64,5% 501.379 68,5% 498.902 69,7% 492.387 71,3% 474.075 70,9%Federal 107 0,0% 104 0,0% 113 0,0% 97 0,0% 118 0,0%Particular 54.227 6,9% 52.498 7,2% 52.983 7,4% 52.536 7,6% 55.699 8,3%TOTAL 784.655 100,0% 731.954 100,0% 715.891 100,0% 691.055 100,0% 668.217 100,0%
Fonte: MEC/INEP
TABELA 5.1: Número de Matrículas no Ensino Fundamental, por Dependência Administrativa, no período de 2002-2006
Dependência Administrativa 2002 2003 2004 2005 2006 Estadual 224.362 177.973 163.893 146.035 138.325
Evolução 2002-2006 -38,3% Municipal 505.959 501.379 498.902 492.387 474.075
Evolução 2002-2006 -6,3% Federal 107 104 113 97 118 Particular 54.227 52.498 52.983 52.536 55.699
Evolução 2002-2006 2,7% TOTAL 784.655 731.954 715.891 691.055 668.217 -14,8%
Fonte: MEC/INEP
Por outro lado, na análise dos dados educacionais do município de Francisco
Santos, destacamos que uma das questões investigadas consistiu em averiguar se os
123
recursos do FUNDEF promoveram, naquela realidade, o processo de municipalização
das matrículas para o ensino fundamental, conforme demonstraremos no capítulo
seguinte.
3.4- Principais Características do Município
O município de Francisco Santos24, escolhido como campo empírico de nossa
investigação, tem suas origens no povoado Jenipapeiro, cuja ocupação teve início em
1818. Ali se fixaram os primeiros habitantes, Antônio Rodrigues Chaves, casado com
Isabel Maria Rodrigues, e Policarpo Rodrigues Chaves, casado com Rosa Maria
Rodrigues. Com eles vieram mais cinco pessoas, Maria Vitória, mãe de Policarpo e
Isabel; Salvador, filho de Maria Vitória; e três escravos: João da Cruz, Teresa e
Anacleta.
Com o seu povoamento após um século, em 1918, construiu-se a primeira
capela, onde em torno cresceu o arraial. 17 anos depois, este era elevado à categoria
de povoado Jenipapeiro. A sua emancipação política ocorreu de acordo com a Lei
Estadual n° 1.963, de 09 de setembro de 1960, que instituiu o seu desmembramento do
município de Picos, em homenagem ao Coronel Francisco de Sousa Santos, sendo
comemorado o seu aniversário no dia 24 de dezembro do mesmo ano, quando foi
instalado oficialmente. Segundo a tradição oral, a mudança do nome do povoado para
Francisco Santos, quando da sua emancipação política, foi em homenagem ao filho
ilustre da cidade, coronel Francisco Santos. No entanto, o escritor Mariano da Silva
Neto defende a tese de que a denominação foi dada por causa da Batalha do
Jenipapeiro, travada à margem do rio Jenipapeiro, próximo à cidade de Campo Maior,
acontecida no dia 13 de março de 1823.
O Município de Francisco Santos está situado na Microrregião dos Baixões
Agrícolas Piauienses, localizado no centro-leste do Estado, que tem como cidade pólo a
Grande Picos.
Limita-se ao Norte com Pimenteiras; ao Sul com Jaicós e Geminiano; ao Leste
com Monsenhor Hipólito e Campo Grande do Piauí; e ao Oeste com Santo Antônio de
Lisboa. Sua principal via de acesso rodoviário à cidade é a estrada PI-228, que liga à
24 As informações que se seguem foram extraídas do livro: NETO, Mariano da Silva. O Município de Francisco Santos: estudo e memória. Teresina: COMEPI, 1985.
124
BR-316 no Km 87. A sede do município está a 360 km da capital Teresina e a 50 km de
Picos.
De acordo com o Senso Demográfico do IBGE de 2000, o município conta com
uma população de 7.043 habitantes. Seu tamanho é pequeno, devido à ausência de uma
política habitacional condizente com a questão demográfica e à falta de perspectivas de
trabalho e renda para que a população ali se fixe. Por isso, no nosso entender, há o
reduzido número de residentes na cidade (zona rural e urbana).
Essa população se divide territorialmente em 3.354 habitantes na zona urbana e
3.689 na zona rural. Convém salientar que há muitas pessoas nascidas e crescidas no
município e que, por motivos vários, entre eles a busca de condições de emprego e de
uma vida melhor, partiram e moram espalhadas em vários estados do País, não sendo
registrados nos dados do IBGE por não residirem em Francisco Santos.
Com base na história política local, observa-se que não houve rotatividade na
admissão de políticos nos cargos eletivos, pois predomina, ainda nos tempos de hoje
(nos últimos 20 anos), o domínio de famílias na condução da vida política do
município. Isso também se reflete na própria condução do trabalho junto à Secretaria
de Educação, pois aquelas pessoas que assumiram esse cargo têm, de alguma forma,
relação direta com o grupo político no poder. Tal fato consistiu numa questão que
permeou a pesquisa que apresentaremos no próximo capítulo.
3.4.1- Situando o Município de Francisco Santos no Contexto do Território
Vale do Rio Guaribas e na Microregião de Picos
A Bacia do Rio Parnaíba é composta pelos Estados do Piauí, parte do
Maranhão e Ceará, totalizando uma área de 330.849,9 km², onde o Território Vale do
Rio Guaribas ocupa uma área de 22.059,4 km², equivalente a 6,67% da área territorial
da bacia. O Território Vale do Rio Guaribas é composto por quatro Aglomerados, o
AG 12, AG 13, AG 14 e AG 26, que por sua vez agrupam 36 municípios, todos no
Estado do Piauí, equivalente a 16,14% do total dos municípios piauienses.
A população residente no Território totaliza 302.203 habitantes, o que equivale a
7,5% da população da bacia, com densidade demográfica média de 13,70 hab./km².
O Território é constituído, na sua esmagadora maioria, por pequenos municípios.
Do total de 36 municípios, 29 (81%) possuem população de até 10 mil habitantes, sendo
13 (36%) municípios com população inferior a 5 mil habitantes.
125
O município de Francisco Santos situa-se no Aglomerado AG 26, e possui uma
área de 569,50 Km², que corresponde a 2,58% com uma população de 7,043 (2,33%)
em relação do Território e uma densidade demográfica de 12,37 hab./Km².
O diagnóstico da situação do Território Vale do Rio Guaribas25, obtido através
das oficinas dos Aglomerados e do Território em que se fizeram presentes os atores
sociais que representavam os 36 municípios da região, permitiu analisar as dimensões
ambiental, sociocultural e econômica a partir das variáveis investimento, tecnologia,
organização e gestão, focalizando as potencialidades e as limitações do ambiente
territorial.
Nesse contexto, cabe destacar a importância econômica e política da cidade de
Picos para os municípios da Microregião. Picos foi fundada em 12/12/1890, está a 206m
de altitude, 320 Km distante de Teresina e em 2007 o IBGE estima a sua população em
69.101 habitantes. Fica localizada na região centro-sul do Piauí, num ponto estratégico,
situado entre picos montanhosos e no cruzamento de várias rodovias. Cortado pelo
trecho inicial da Transamazônica, Picos - principal entroncamento rodoviário do
Nordeste - liga o Piauí ao Maranhão, Ceará, Pernambuco e Bahia.
A cidade é conhecida em todo o Piauí pelo termo "cidade modelo", por causa do
grande desenvolvimento econômico, social e cultural que atingiu, principalmente na
área do comércio. Sua região de influência atinge cerca de 50 municípios, inclusive em
outros estados. Possui 6 núcleos de Universidades e o maior lençol freático da região.
Tem clima semi-árido e muito quente. Apresenta o terceiro maior PIB do Estado (dados
IBGE 2004), sendo que a região fiscal de Picos arrecada mais que as regiões fiscais de
Parnaíba, Floriano e Campo Maior juntas, perdendo apenas para a região fiscal da
Capital Teresina
A Associação dos Municípios da Microregião de Picos – AMPICOS26, com sede
própria na cidade de Picos tem como objetivo ser um ponto de apoio para os prefeitos
25 A síntese do diagnóstico do Território Vale do Rio Guaribas encontra-se no documento: Plano de Ação para o Desenvolvimento Integrado da Bacia do Parnaíba - PLANAP: síntese executiva: Território Vale do Rio Guaribas: Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF. Brasília, DF: TODA Desenhos & Arte Ttda, 2006. 26 AMPICOS conta atualmente com 38 municípios associados que são: Alagoinha do Piauí, Alegrete do Piauí, Aroeira do Itaim, Belém do Piauí, Bocaina, Cajazeiras do Piauí, Caldeirão Grande do Piauí, Campo Grande do Piauí, Colônia do Piauí, Dom Expedito Lopes, Francisco Macedo, Francisco Santos, Fronteiras, Geminiano, Ipiranga do Piauí, Itainópolis, Jaicós, Marcolândia, Massapé do Piauí, Monsenhor Hipólito, Oeiras, Padre Marcos, Paquetá, Picos, Pio IX, Santa Cruz do Piauí, Santa Rosa do Piauí, Santana do Piauí, Santo Antônio de Lisboa, São João da Canabrava, São João da Varjota, São José do Piauí, São Julião, São Luís do Piauí, Sussuapara, Tanque do Piauí, Vila Nova do Piauí, Wall Ferraz.
126
da região. A referida associação foi criada no dia 05 de janeiro de 2007, quando elegeu
Francisco de Macedo Neto, presidente da instituição e prefeito de Bocaina, e no mês
seguinte, votou e aprovou seu estatuto.
Do ponto de vista político, essa articulação dos municípios que compõem
a microregião de Picos é importante por promover ações coletivas que buscam
soluções para os problemas enfrentados. Neste sentido, a Associação entende que
medidas individuais não resolvem os problemas porque passam os municípios, como
por exemplo, o problema da seca e a falta de infra-estrutura. Com o intuito de amenizar
a situação dos municípios da microregião, a AMPICOS pretende adquirir carros-pipa
para o abastecimento de água, a criação de frente de serviços e aquisição de cestas
básicas para as famílias necessitadas. Como declara o seu Presidente:
“Agora é urgente, nós precisamos solucionar o problema da seca e AMPICOS vai lutar em busca de investimentos que possam melhorar a situação dos municípios da região de Picos que sofrem com as irregularidades climáticas e a seca verde (www.riachaonet.com.br).
3.4.2- A Educação no Município: um começo de história
A história da formação do povo de “Chico Santo”, como é popularmente
conhecido, demonstra que seus filhos, apesar das limitações do meio, se projetaram na
política, no comércio, no magistério, no sacerdócio, na literatura, na poesia e no
cordel. Sem deixar de mencionar, dado também seu mérito, aqueles que se dedicaram
ao cultivo da agricultura, à pecuária e às tarefas domésticas.
De uma maneira geral, poucos tiveram no passado acesso a uma educação
formal, mas foram conduzidos pela curiosidade, pelo incentivo dos pais e amigos e
progrediram na vida. Como é reiterado no relato abaixo:
Muitos daqui saíram e se firmaram lá fora. Destes, alguns
progrediram na educação formal atingindo o nível de pós-graduação. Outros, guiados apenas pela inteligência, quase sem os recursos da educação formal, leram e aprenderam na escola da vida (...) se
127
constituíram líderes e condutores de muitos. Entre os que permaneceram na terra, não são poucos os que também ganharam relevo no meio de seus conterrâneos, apesar da pouca ou nenhuma educação formal. Conduzidos pela curiosidade, pela força de vontade, conseguiram alfabetizar-se com a ajuda de amigos ou parentes e progrediram depois como autodidatas. Há também líderes naturais, espontâneos, pessoas significativas pela influência social que tiveram entre os seus (NETO, 1985, p. 74).
Segundo fonte consultada (NETO, 1985), é sabido que a primeira sala de
aula mantida pelo Poder Público – o Estado, ocorreu em 1935, no povoado de
Jenipapeiro (117 anos após o início de sua história). Era apenas uma turma
multisseriada, com seus 30 a 40 alunos, que tinha como primeira professora pública
Maria Rodrigues dos Santos, mais conhecida como D. Mariinha. Antes do advento da
escola pública, os pais de família que tinham algum poder aquisitivo, mantinham
professores particulares para ensinar seus filhos.
A alfabetização dos filhos sempre foi uma preocupação constante dos
pais, como descreve o relato abaixo:
Os professores eram contratados apenas por um ou alguns meses, o tempo suficiente para que a maioria dos alunos ficassem capacitados a ler com certa desenvoltura, ler e escrever cartas e fazer contas (NETO, 1985, p. 75).
Apesar da importância dos estudos dos filhos como forma de ter um
futuro melhor, o que se observa é que o contexto econômico e social local, de certa
forma, limita as expectativas de emprego formal para grande parte da população, em
especial, a juventude, que busca trabalhos temporários, chamados “bicos”, para
manter-se ocupados ou vive na ociosidade, sem fazer nada. Por outro lado, também
temos exceções, ou seja, jovens buscando se profissionalizar e lutando por uma vaga
em empregos públicos na cidade ou em localidades vizinhas. Neste contexto,
consideramos pertinente e atual a reflexão de Neto (1985, p. 42):
No meu entendimento, os jovens elevaram seu nível de aspirações e criaram expectativas de trabalho e de vida que são ou irrealistas no contexto local ou utópicas em face de suas capacidades pessoais e das possibilidades familiares. No setor privado não se lhes abre a oferta de empregos. As perspectivas de trabalho no setor público são mínimas e os salários irrisórios. A maioria dos pais não têm recursos para custear um curso superior, sonho acalentado por muitos, que pensam encontrar nele a chave do sucesso. Resta-lhes, então, o trabalho árduo no setor agrícola, que a muitos não atrai. Assim, os mais corajosos e arrojados
128
abrem seus próprios caminhos, instalando mais um comércio ou emigrando. Sem alternativas que os atraiam, os mais fracos se entregam a uma vida sem objetivo e sem horizontes. Vivem a um passo do vício e do descaminho que, infelizmente, parece, começam a se insinuar no seio de nossa juventude.
Apesar de todas as limitações locais, temos uma situação mais otimista quanto à
estrutura do acesso à escola pública, quando analisamos a taxa de atendimento no
Estado do Piauí, que vem apresentando um aumento significativo a partir da década de
80 e, especialmente, no início do ano 2000. Observamos ainda que na faixa etária de
15 a 17 anos, em comparação à de 7 a 14 anos, a tendência é de redução do número de
alunos presentes na escola.
TABELA 06: Taxa de atendimento na rede pública no Estado do Piauí, no período 1980-2000
Ano 7 a
14 anos 15 a
17 anos 1980 80,4 45,5 1991 86,8 55,5 1994 93,8 59,7 1998 92,6 67,7 1999 95 67,7 2000 96,3 75,9
Fonte: MEC/INEP e IBGE
Por outro lado, embora os dados mencionados acima demonstrem a presença
do aluno na escola, eles não explicam, por si só, o seu tempo de permanência. Nesse
sentido, a tabela a seguir mostra o tempo médio de estudo da população acima dos 10
anos de idade, considerando o período de 1998-2006, o Brasil apresentou uma
melhoria significativa da escolaridade da população, o que significa dizer que houve
um pequeno aumento na média de anos de estudo27.
TABELA 07: Média de anos de estudo da população ativa de 10 anos ou mais de idade (1998-2006)
27 A média de anos de estudo é o somatório da escolaridade (considerando a última série concluída com aprovação) das pessoas de uma determinada idade, dividido pelo número total de pessoas na referida idade.
129
Ano 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 B ra s i l 5,61 5,75 6,06 6,25 6,42 6,52 6,64 6,82
Norte 5,37 5,65 5,89 6,05 6,20 5,83 6,04 6,23 Nordeste 4,18 4,33 4,66 4,86 5,05 5,24 5,37 5,56 Sudeste 6,34 6,46 6,79 6,94 7,10 7,23 7,34 7,51
Sul 6,07 6,24 6,49 6,68 6,88 6,98 7,10 7,25 Centro-Oeste 5,83 5,94 6,21 6,47 6,63 6,75 6,89 7,04
Fonte: IBGE/PNAD
O número médio de anos de estudo apresentou uma melhora na população de
10 anos ou mais. Isso é observado tanto para o Brasil, como para todas as regiões da
federação, pois no período de 1998-2006, a taxa média brasileira passou de 5,6 para
6,8, tendo como extremos as regiões sudeste (7,5) e nordeste (5,5) em 2006. O que
revela que o ainda há muito o que fazer para a região nordeste, atingir em termos
médio, a escolarização obrigatória de 9 anos de estudos.
3.4.3- Estrutura e Funcionamento da Secretaria Municipal de Educação
A sede da Secretaria municipal de educação localiza-se no centro da cidade,
tem prédio próprio e encontra-se equipada com 4 computadores e rede de internet.
Nela ficam também armazenados os materiais de consumo e pedagógico que são
distribuídos nas unidades escolares.
A secretaria está organizada da seguinte forma: (1) sala é da Coordenação
pedagógica que fica responsável pela parte da documentação das escolas e pelas
questões vinculadas ao professor, (1) sala da digitação que se encarrega de digitar
provas, folha de pagamento, censo escolar etc., e (1) sala, que é o gabinete da
secretária de educação.
O município tem um total de 9 coordenadoras que ficam responsáveis por
atender todas as escolas. Na prática, uma coordenadora fica responsável por 2 ou 3
escolas, isso ocorre devido à proximidade entre elas e o quantitativo de alunos.
No que diz respeito às ações que vêm sendo desenvolvidas pela secretaria de
educação, destacamos, num primeiro momento, os programas do Governo Federal
implantados nas escolas municipais, como o Programa Dinheiro Direto na Escola, a
Merenda escolar, o Livro Didático e o próprio FUNDEF. Isso significa dizer que
existem formas diversas de colegiado funcionando na educação do município, como o
130
Conselho Escolar, o Conselho de Alimentação Escolar, o Conselho do FUNDEF (que
analisamos na pesquisa).
As atividades específicas do município consistem em ações pontuais voltadas
para algumas melhorias da educação, conforme são apresentadas num boletim
informativo: reforma na Secretaria de Educação; implantação do Programa do Leite;
construção de uma diretoria na Escola José Ramos (Km 87); distribuição de carteiras
escolares e materiais didáticos; realização de treinamentos e palestras para
professores da rede municipal; informatização da Secretaria através da Internet;
reforma de banheiros na Escola José Ramos; aquisição de computadores; conclusão de
PCNs; e distribuição de uniformes escolares.
A única biblioteca pública existente no município é de responsabilidade do
Estado, e fica disponível para todos que queiram visitá-la.
A rede física de escolas é formada atualmente de 16 unidades escolares. Destas,
todas se encontram localizadas na área rural, são elas:
QUADRO 03 Relação das escolas municipais de educação
Nome das Escolas Localidade
1. Escola Alzira Santos Diogo I 2. Escola Feliciano Borges Diogo II 3. Escola José Ramos Boa Viagem (Km 87) 4. Escola Lázaro Carvalho Chupeiro 5. Escola Manoel Quaresma Jurema 6. Escola Marcos Bernardino Trinco 7. Escola Roldão Rodrigues Areia Branca 8. Escola José Francisco Rodrigues Barreiros 9. Escola Odilon Silva Granada 10. Escola São Luís Sítio de Zizu 11. Escola São Mateus Os Cabeças 12. Escola Brás Catarino Sabiá 13. Escola Isac Pereira Caldeirão 14. Escola Pe. José Franco Palmeiras 15. Escola Raimundo Manoel (Dina) Caldeirão dos Brinquedos 16. Escola Osvaldo Santos Santa Helena
131
O quadro de pessoal vinculado à educação é constituído por 88 professores
(recebem 60% do FUNDEF), 18 zeladoras, 14 merendeiras, 3 motoristas, 5 vigias e 2
digitadores (estes recebem 40% do FUNDEF). Temos ainda os funcionários que
trabalham na sede da Secretaria que são um total de 10 (cargos comissionados).
Entre as iniciativas da Secretaria Municipal de Educação, situa-se o convênio
ao Programa Universidade Aberta, do Governo Federal, onde o município foi
contemplado com os cursos de Pedagogia, Administração de Empresas e Matemática,
fruto da aprovação de um projeto enviado para o MEC.
De acordo com a prefeita licenciada, o município de Francisco Santos irá
pertencer ao pólo da cidade de Alegrete do Piauí, onde irá funcionar a sede do
Programa. Ela acrescenta que
firmou convênio com a UAB para que a comunidade possa
participar desse programa, tendo a chance de cursar um ensino superior e ser agente da construção de seu futuro. Mais de cem alunos já fizeram as inscrições, e 40% das vagas serão destinadas a professores da escola pública. (www.portalappm.com.br)
Nessa perspectiva, a gestão atual da secretária de educação do município,
pautada no princípio da garantia do direito à educação, vem realizando e
desenvolvendo ações com o propósito de melhorar a qualidade do ensino e, para tanto,
tem buscado capacitar o seu quadro de professores, fazer a manutenção e conservação
das escolas e, sobretudo, vem procurando enfrentar o desafio do analfabetismo por
meio da execução de programas de alfabetização nas escolas municipais como um
todo.
3.5- Situando o Campo de Pesquisa
A pertinência em realizar um estudo acerca da política de financiamento do
ensino fundamental, neste caso, a política do FUNDEF no município de Francisco
Santos, justifica-se por compreender que à situação educacional e social da região
nordeste, historicamente, tem apresentado níveis de desigualdades alarmantes em
comparação a outras realidades sociais e geográficas do Brasil. No entanto,
salientamos que dentro desse quadro, o que mais nos chamou atenção, reside em
apreender que lógica societária tem sido acionada, mediante a implementação de
políticas públicas que propalam em seus discursos medidas de ampliação da
132
democratização, descentralização, autonomia e participação para o âmbito do poder
local.
Neste contexto, buscamos problematizar a partir da política de financiamento
da educação, como o governo municipal tem na sua política educacional, no sentido de
saber que repercussões a política do FUNDEF tem imprimido para aquela realidade.
A partir disso, o trabalho de pesquisa buscou apreender a forma como a
educação municipal está sendo conduzida, de modo particular, nos detemos na análise
da política do FUNDEF enquanto uma política de maior peso contábil para a educação
fundamental.
Neste sentido, mapeamos o impacto que essa política trouxe para a realidade
educacional em destaque, através da análise dos dados estatísticos e do conteúdo das
entrevistas realizadas junto aos membros do Conselho do FUNDEF, que apresentamos
no próximo capítulo.
133
CAPÍTULO IV – IMPACTOS DO FUNDEF NA REALIDADE INVESTIGADA
4.1- O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO FUNDEF NAS ESCOLAS
MUNICIPAIS
O contexto em que foi implantado o FUNDEF no município de Francisco Santos
(PI) foi favorável e teve uma recepção positiva por parte tanto do poder executivo
quanto dos professores, pois o quadro educacional encontrava-se naquele período (em
1998) debilitado, dado as condições de funcionamento da rede de ensino. Por essa
razão, as orientações da política do FUNDEF não encontraram resistência.
Entretanto, a estrutura funcional da educação municipal teve que se
adequar às exigências mínimas para sua implantação. Dentre elas, destacamos:
134
a realização de concurso público;
a necessidade de elaboração do Plano de Cargos e Carreira (PCC).
a organização do transporte escolar;
a criação do Conselho do FUNDEF.
Não resta de dúvida de que foi uma verdadeira alteração na rotina de trabalho
da Secretaria de Educação.
Segundo relato da Ata da Assembléia Geral de criação do Conselho
Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o modo de
composição teve a seguinte sistemática:
aos cinco dias do mês de janeiro de mil novecentos e noventa e oito, nesta cidade de Francisco Santos, Estado do Piauí, na Rua Cristo Rei, nº 480, reuniram em Assembléia geral, professores, funcionários, pais de alunos e representantes da Secretaria Municipal de Educação com a finalidade de escolher os representantes do Conselho e dar posse aos seus membros. Assumindo a presidência dos trabalhos a sra. Secretária Municipal Ana Rodrigues Neta leu e explicou a minuta do projeto de lei, onde ficava esclarecido para todos qual seria a sua função no conselho, depois designou a sra. professora Maria da Conceição Santos para servir de secretária desta reunião, pela sra. secretária municipal foi proposto a constituição do conselho ficando assim constituído: Representante da Secretária Municipal Bibiana de Jesus Neta da Silva; Representante dos professores Auzeni dos Anjos Rodrigues; Representante dos pais Francisco Antônio Arraes; Representante dos servidores Ana Carlete da Silva Sousa. Os eleitos foram empossados neste ato.
Após a implantação do FUNDEF no município, que ocorreu em 1998, e
passados nove anos de funcionamento, o nosso trabalho de pesquisa buscou apreender
que impactos a política do FUNDEF trouxe para essa realidade, que passamos a
apresentar a seguir.
Do ponto de vista da análise, os indicadores de impactos do FUNDEF na
educação municipal de Francisco Santos (PI) estão organizados nos seguintes
aspectos:
questão salarial;
formação/qualificação dos professores;
implantação do Plano de Cargos e Carreira;
criação do conselho do FUNDEF;
135
poder local.
Porém, ressaltamos que, embora esses indicadores nos ajudem a olhar a
realidade, eles não explicam por si só esses impactos. É preciso cautela e cuidado para
não fazer afirmações apressadas ou infundadas. Também não temos a pretensão de
chegar a verdades absolutas, mas apreender esses impactos a partir do contexto social
e educacional de que eles emergem.
Um dos resultados mais expressivos identificados na pesquisa consistiu em
atribuir ao FUNDEF, como resultado da sua ação, algumas melhorias na realidade
educacional do município em destaque.
A implantação do FUNDEF trouxe mudanças significativas para a educação onde os recursos foram direcionados com fins específicos para atender as necessidades básicas como: a melhoria salarial do funcionário; transporte para os alunos que ficam distantes das escolas; qualidade da merenda escolar e mais recursos para o trabalho pedagógico (Secretária Municipal de Educação).
Trouxe, trouxe mudança porque antes do FUNDEF era muito, as escolas eram menos, num tinha tanto aluno estudando, com a chegada do FUNDEF se interessaram mais e os alunos foi mais pra escola (representante do segmento dos diretores).
Assim, teve umas mudanças muito boas, referente à qualificação dos profissionais, porque há dez anos atrás nossos professores, a maioria eram leigos. Hoje, a maioria, a gente tem setenta, acredito que é setenta professores que a gente tem na rede municipal, e cinqüenta e cinco a sessenta já tem curso superior, alguns já com nível de pós-graduação e outros que estão cursando, a gente, o profissional, ta procurando a cada dia se qualificar e ter muito sucesso diante da aprendizagem... que a gente vê na aprendizagem dos alunos. Com a implantação do FUNDEF houve o consenso, a maioria dos profissionais.ingressaram na carreira através do concurso público. É, foram os profissionais que procuraram a capacitação, capacitar, mas incentivo do município não. (representante do segmento dos professores).
Esses indicadores de impactos do FUNDEF, como a melhoria salarial dos
professores, o ingresso no serviço público por meio de concurso público (realizado pela
primeira vez no município), a qualificação dos professores e o avanço na aprendizagem
dos alunos, apontados nas falas dos conselheiros, sinalizam que o modo de acomodação
da política educacional oriunda do governo federal reflete na forma como a Secretaria
de Educação do Município tem se organizado em função dos projetos e programas
implementados, cujo referencial se pauta em elementos como descentralização,
136
participação e autonomia, voltados para a construção de uma gestão da educação mais
democrática.
No decorrer do texto, detalharemos melhor como esses impactos foram se
apresentando mediante a transferência de mais recursos públicos para a educação, como
é o caso do FUNDEF e do PNATE (Programa Nacional de Transporte Escolar), que,
naquela realidade, têm promovido mudanças para a educação municipal que se
concentra na área rural.
De acordo com levantamentos efetuados na Secretaria de Educação, a rede
municipal consiste de 23 estabelecimentos de ensino, que atendem desde a educação
infantil até o ensino médio, sendo 16 unidades de ensino na área rural e 07 na área
urbana. Dentre os 23 estabelecimentos, 06 são mantidos pelo estado, 01 pela rede
particular e 16 pelo município que atua na área rural. Assim, considerando que a rede
física escolar de Francisco Santos é relativamente maior que a rede estadual, dado o
quantitativo de estabelecimentos de ensino.
Dessa forma, um aspecto sinalizado desse impacto diz respeito à análise da
evolução das matrículas no período de 1998 a 2006 no ensino fundamental, para que se
possa acompanhar se esse aumento de alunos é resultante da implementação da política
do FUNDEF no Município.
TABELA 08: Evolução das matrículas no ensino fundamental na rede pública de ensino do Município de Francisco Santos (1998-2006)
Ano Creche Pré-Escola 1ª a 4ª 5ª a 8ª EJA
(Supletivo)
TOTAL do Ensino
Fundamental do Município
(EFM)
EFM em %
em relação a 1998
1998 0 0 1.020 0 0 1.020 - 1999 0 0 1.043 0 0 1.043 2,3% 2000 0 0 693 126 0 819 -19,7% 2001 353 0 829 213 133 1.042 2,2% 2002 376 0 871 207 200 1.078 5,7% 2003 264 144 817 291 209 1.108 8,6% 2004 404 116 770 297 287 1.067 4,6% 2005 317 279 856 330 319 1.186 16,3% 2006 321 271 847 353 313 1.200 17,6%
Fonte: Sistema de Consulta à Matrícula do Censo Escolar – 1998/2006. INEP/MEC.
137
Em termos do quantitativo de alunos matriculados no ensino fundamental na rede
municipal no período de 1998 a 2006, é preciso ficar atento a uma questão que os dados
apontam, ou seja, mesmo com o incremento de mais recursos para a educação via o
FUNDEF, no que tange ao atendimento de 1ª a 4ª série, observa-se uma redução de
1.020 para 847 alunos; enquanto que da 5ª a 8ª série houve um aumento de 0 para 353.
Por outro lado, tivemos também um aumento considerável de alunos na educação
infantil, levando-se em conta a creche e a pré-escola, quando em 2001 havia 353 (alunos
de creche) e passa para 592 (alunos de creche e pré-escola), que antes era assumida pela
rede estadual. Em síntese, podemos inferir que tomando o conjunto das matrículas em
toda a rede de ensino indicam um crescimento da rede municipal no período.
No entanto, quando se observa a tabela 09, consegue-se perceber que, mesmo
com a queda de participação do governo Estado de 58,9% para 35,3%, que representam
menos 805 vagas de ensino fundamental, não houve absorção deste número pela rede
municipal. Esta absorveu apenas 22%, ficando outros 78% sem estarem matriculados na
escola pública. Ou seja, do ponto de vista dos dados numéricos, não podemos explicar
qual a sua destinação.
TABELA 09: Matrículas no ensino fundamental nas redes públicas de ensino do Município de Francisco Santos (1998-2006)
REDE MUNICIPAL REDE ESTADUAL TOTAL A N O
Q. % Q. % Q. % 1998 1.020 41,1 1.459 58,9 2.4
79 1
00,0 1999 1.04
3 38,9 1.6
38 61,1 2.6
81 100,0
2000 819 38,8 1.291 61,2 2.110 100,0 2001 1.042 46,7 1.189 53,3 2.231 100,0 2002 1.078 41,3 1.474 58,7 2.552 100,0
200328 1.108 54,9 910 45,1 2.018 100,0
28 Em 2003, a rede privada surge ofertando um total de 85 vagas para o ensino fundamental, sendo 36 para a 1ª à 4ª série e 49 para a 5ª à 8ª série. No entanto, como o quantitativo da oferta de matrículas na rede privada é pequena, consideramos pouco expressivo para a análise do atendimento das redes no ensino fundamental.
138
2004 1.067 50,8 1.034 49,2 2.101 100,0 2005 1.186 61,3 750 38,7 1.936 100,0 2006 1.200 64,7 654 35,3 1.854 100,0
Fonte: Sistema de Consulta à Matrícula do Censo Escolar – 1998/2006. INEP/MEC.
Analisando o quadro acima, observa-se que em 1998 havia um total de 2.479
alunos no ensino fundamental (incluindo as duas redes de ensino) 58,9% destes alunos
concentravam-se na rede estadual. Em 2006, temos um total de 1.854 alunos, dentre os
quais 64,7% ficam sob a responsabilidade da rede municipal. A partir dos números,
podemos inferir que esse crescimento é devido a uma tendência da municipalização das
matrículas.
Em se tratando das transferências constitucionais relativas ao FUNDEF para o
Município, este desde 199829 vem recebendo os recursos destinados para aplicar no
ensino fundamental. Para aquela realidade, o montante transferido trouxe benefícios
para a educação, particularmente no salário dos professores – como previsto na própria
formulação do Fundo (aplicar 60% deste na valorização do magistério).
TABELA 10: Transferências de recursos do FUNDEF para o Município
MÊS FUNDEF/1998 EM % FUNDEF/2006 EM %
01 19.146,48 8,0 83.866,72 8,9 02 16.722,44 7,0 75.612,46 8,0 03 22.429,73 9,4 69.916,09 7,4 04 23.440,68 9,8 78.959,94 8,3 05 23.636,94 9,9 80.140,95 8,5 06 19.846,83 8,3 85.039,34 9,0 07 15.482,86 6,5 75.008,20 7,9 08 19.907,40 8,3 77.631,98 8,2 09 20.499,79 8,6 76.473,27 8,1 10 16.775,82 7,0 70.679,47 7,5 11 18.131,11 7,6 78.780,26 8,3 12 22.994,49 9,6 95.248,01 10,1
29 A partir de 1998, dos valores do FPM, FPE, IPI-Exportação, ICMS e LC 87/96, será descontada a parcela de 15% (quinze por cento) destinada ao FUNDEF.
139
T OT AL 239.014,57 100,0 947.356,69 100,0 Fonte: www.stn.fazenda.gov
Analisando os dados que constam na tabela acima, fica nítido o aumento
expressivo de recursos do FUNDEF para a educação municipal, pois considerando o
total de cada ano – 239.014,57 e 947.356,69, houve um aumento de 296% de recursos
transferidos, com vistas a serem investidos na melhoria do ensino fundamental e na
valorização do professor.
4.1.2- Impacto na Questão Salarial
Conforme previsto nas formulações da política do FUNDEF, uma questão
fundamental para sua eficácia é a que objetiva valorizar o magistério. Por isso, está no
bojo dessa política a intenção de que o poder público local implemente ações que
viabilizem melhores condições de salário e de trabalho para seus professores. Nesse
sentido, procuramos saber que percepções os entrevistados têm sobre o alcance do
Fundo na realidade estudada, no que tange à valorização dos professores.
Uma primeira aproximação que podemos fazer com relação à questão do salário
dos professores é a de que, no período de implantação do Fundo, houve um avanço
significativo, mas depois ele não acompanhou os reajustes previstos pelo governo
federal, o que se pode inferir de que é preciso pensar, por um lado, qual a política
municipal para a carreira de magistério e, por outro, qual a influência que o FUNDEF
pode efetivamente ter quanto à melhora salarial do professor. Como alude a fala a
seguir:
É, não dá pra se fazer uma coisa, assim, boa mesmo, com os recursos do FUNDEF. Até mesmo salário do professor, num é essas coisas não, uns já botaram na justiça, num sabe? Mas o salário do professor ainda é um salário bom, claro que ele não é um salário assim, de oitocentos, de mil reais, como eles gostariam de ganhar (representante da secretaria de educação).
No período de implantação do FUNDEF, houve um aumento significativo no
salário do professor da rede municipal, o que não corria antes, pois a prefeitura pagava
menos de um salário mínimo (antes de 1998). Com o FUNDEF e a exigência tanto da
admissão por concurso público quanto da criação de um Plano de Cargos e Carreira,
essa situação deixou de existir.
140
a remuneração do profissional também ele (FUNDEF) melhorou. Porque antes da implantação do FUNDEF... nem recebia nem o salário mínimo. Recebia nada. Era um terço do salário mínimo. Recebia noventa reais”. Era um salário mínimo dividido pra três (representante do segmento dos servidores).
Na realidade, essa insatisfação financeira dos professores (de acordo com as
entrevistados) reflete o modo como a política local tem investido os recursos na
valorização salarial dos seus professores, uma vez que estes (salários) não vêm
acompanhando os valores fixados pelo governo federal.
TABELA 11: Valores fixados para o período de 1997 a 2006
Ano 1ª a 4ª série 5ª a 8ª série e Ed. Especial
1ª a 8ª série Ato legal de fixação do valor
1997 300,00 Art. 6º, § 4º da Lei nº 9.424 de 24.12.1996
1998 315,00 Dec. Nº 2.440, de 23.12.1997 1999 315,00 Dec. Nº 2.935, de 11.01.1999 2000 333,00 349,65 Dec. Nº 3.326, de 31.12.1999 2001 363,00 381,15 Dec. Nº 3. 742, de 01.02.2001 2002 418,00 438,90 Dec. Nº 4.103, de 24.01.2002
2003* 462,00 485,10 Dec. Nº 4.861, de 20.10.2003 2004 537,71 564,60 Dec. Nº 4.966, de 30.01.2004 2005 462,00 485,10 Dec. Nº 4.861, de 20.10.2003 2006 537,71 564,60 Dec. Nº 4.966, de 30.01.2004
*Em janeiro de 2003, foi fixado o valor de R$ 446,00 para alunos de 1ª a 4ª série e de R4 468,30 para alunos de 5ª a 8ª série e Educação Especial, pelo Decreto nº 4.580, de 24.01.2003, posteriormente, substituído pelo Decreto indicado na tabela. Fonte: Manual de orientação do FUNDEF/MEC, 2004.
Dentro dessa questão citada acima, é oportuno mencionar aqui, no plano das
intenções do governo federal naquele período (1994), o documento “Mãos à obra,
Brasil”, que preconizava aumentos salariais para a educação básica:
O governo federal atuará com os estados e municípios no sentido de redefinir as responsabilidades e competências no sistema educativo visando: (...) Estabelecer carreiras para o magistério, que contemplem a valorização profissional, melhores salários e a busca permanente de aperfeiçoamento e atualização (p. 118).
Nesse sentido, uma das possíveis explicações para as dificuldades e limitações
financeiras que o Poder Público tem em criar mecanismos que garantam condições para
uma efetiva formulação e aplicação do Plano de Cargos e Carreira e a conseqüente
141
melhora nos salários dos professores, diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal30
como nos chama atenção RAMOS (2003):
na conjuntura atual, a melhoria salarial depende muito mais das condições econômico-financeiras dos municípios – abaladas pelo forte endividamento em muitos deles – do que de critérios formais de valorização da categoria. Há que se considerar ainda a dificuldade de criação de mecanismos de reposição e aumento salariais ante a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita as possibilidades, já quase inexistentes, de reajuste dos vencimentos do funcionalismo público. Uma outra limitação desses ganhos é a própria legislação do Fundo, que permite o financiamento da capacitação31 dos professores com parte dos recursos destinados a salários (p. 290).
De certa forma essa preocupação foi também sentida pela Secretária Municipal
de Educação, pois, apesar da transferência de recursos para o município ter promovido
uma melhora substantiva, as dificuldades não deixaram de existir. Pelo contrário, as
demandas passam a ser mais freqüentes dada a circulação de informações junto à
comunidade escolar como também a necessidade de um maior investimento no ensino.
As dificuldades são: a insuficiência de transporte para a demanda educativa; um inchamento nas folhas de pagamento; os recursos insuficientes para atender as necessidades básicas escolares e necessidade de mais cursos de capacitação para professores. Estas dificuldades vão sendo levadas; tirando recursos de uma fonte para outras, cortando gastos e também enviando ofícios para entidades responsáveis, solicitando ajuda e contando nossas reais necessidades (Secretária Municipal de Educação).
O depoimento acima revela que os recursos do FUNDEF na realidade estudada
vieram corresponder às novas demandas que emergiram da ampliação do número de
30A Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar n° 101, aprovada em 04/05/2000. As despesas com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é estabelecido pelo artigo 169 da Constituição Federal e o limite máximo permitido está previsto na Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). De acordo com o Manual de Orientação do FUNDEF/MEC (2004), a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), principal instrumento regulador dos gastos do Poder Público no País, estabelece no art. 19, incisos I e II, que gasto máximo com pessoal, não poderá ultrapassar 49% das receitas correntes líquidas nos Estados e 54% nos Municípios. Os critérios apresentam a seguinte lógica: “Os 49% e 54% são calculados sobre todas as Receitas Correntes Líquidas do Estado e Município, respectivamente, (incluindo-se aí o FUNDEF) verificadas no ano, e se destinam à cobertura da folha de pagamento de toda a administração pública, compreendendo todos os servidores (ativos, inativos e pensionistas, tanto civis quanto militares) do respectivo governo em todas as suas áreas de atuação” (p.35). Esclarece ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal, ao estabelecer o limite máximo de 54% das receitas correntes líquidas, para fins de cobertura dos gastos com pessoal, não estabelece mecanismo contraditório ou que comprometa o cumprimento definido em relação à utilização dos recursos do FUNDEF (60% para pagamento de salário para os profissionais do magistério em efetivo exercício no ensino fundamental). 31 Segundo Monlevade & Ferreira (1997), quem acaba financiando a sua própria qualificação são os professores.
142
alunos da rede de ensino. Isso não implica afirmar que essa relação tenha sido positiva,
no sentido de que, embora tenha havido incremento de mais recursos na educação
municipal, as necessidades das escolas e dos professores nem sempre são atendidas, ou
seja, seria necessária uma reorganização da Secretaria de Educação para que fossem
otimizados os recursos, sem prejuízo no atendimento das demandas.
Isso também se reflete no cotidiano da sala de aula, pois não são novidades as
limitações com que o professor que leciona na zona rural, historicamente, sempre teve
de conviver, tendo em vista os velhos problemas que persistem até hoje. Como podemos
observar do depoimento abaixo:
A P R I N C I P A L D I F I C U L D A D E É T R A B A L H A R C O M C L A S S E M U L T I S S E R I A D A , É U M A R E A L I D A DE M U I T O C O M P L I C A D A , P O I S N Ã O H Á A C O M P A N H A ME N T O D O S P A I S , F A L T A D E E S T U D O S , I N O V A Ç Õ E S E C R I A T I V I D A D E P O R P A R T E D O P R Ó P R I O P R O F E S S O R Q U E N Ã O S E S E N T E E S T I M U L A D O , O S A L U N O S C A R E C E M D E U MA E D U C A Ç Ã O D O M É S T I C A , N Ã O T E M A L I M E N T A Ç Ã O , T R A B A L H A M N A R O Ç A E P O R T O D O S E S S E S MO T I V O S , O S A L U N O S N E C E S S I T A M D E U M A A U L A D I N Â M I C A , M O T I V A D O R ( R E L A T O D E U M A P R O F E S S O R A ) .
Diante dessas dificuldades, a professora destaca que, após ter feito um curso
superior (Licenciatura em Pedagogia), “abriu a mente para questões que antes não
compreendia/não atentava, pois a culpa era dos professores quando a criança errava e eu
não sabia o que era o erro” (Relato de uma Professora).
Um outro desafio apontado é a questão de trabalhar com crianças especiais, pois
não há condições físicas, materiais, nem conhecimentos específicos. E desabafa: “só
estudando que a gente aprende e compreende a realidade e o contexto de nossos alunos.
Temos que aprender e ensinar o processo de formar crianças” (Relato de uma
Professora).
Ao longo da história do Brasil, sabe-se que sempre houve uma descontinuidade
nas políticas de educação como um todo, particularmente, aquelas voltadas para o
campo. Com o processo de municipalização do ensino fundamental, desencadeado com
a implantação do FUNDEF, constata-se que a educação do campo passou a ter alguma
melhora, como é o caso do transporte escolar. Entretanto, ainda persistem problemas
básicos, tais como: investir na infra-estrutura, na formação do professor, nas questões de
aprendizagem e em novas metodologias de ensino, por exemplo.
143
No intuito de buscar apreender os impactos do Fundo para a educação
municipal, uma questão recorrente é a que procura saber dos conselheiros quais as
dificuldades enfrentadas no cotidiano das escolas e como os recursos advindos do
FUNDEF têm ajudado a solucionar:
Tem... o FUNDEF é um programa muito bom, ele já ajudou muito, até mesmo assim, para o professor é, é, trabalhar, entende? Porque antes, é, todas as pessoas trabalhavam, não, eu venho, vou trabalhar só aqui porque eu ganhei um salário muito pequeno. Hoje não, ele, o professor, ele pode se deslocar pra qualquer lugar, entende? Que aqui é só na zona rural, mas ele trabalha em todas as escolas, e o FUNDEF também tem outra coisa: além do salário ele garante o transporte, que é uma coisa muito boa pro professor (representante do segmento dos diretores).
Eu, no meu ponto de vista a dificuldade (...) a resistência da como se diz, da administração, mas a demanda é atendida. O número de alunos da zona rural é atendida. É atendida entre aspas. Atendida não é, o recurso não é aplicado na qualidade em que o FUNDEF, como se diz, em que o fundo deveria... quanto à melhoria do ensino, comparando anteriormente, foi um sucesso muito grande (representante do segmento dos servidores).
As falas acima reforçam aquela idéia de que o Fundo mexeu com a estrutura de
funcionamento da educação municipal, no sentido de promover melhoria no
atendimento à demanda de alunos, no salário dos professores e no transporte escolar.
No entanto, não tivemos condições objetivas de averiguar em que condições os
professores são transportados e como realmente as escolas estão organizadas.
Por outro lado, também podemos observar uma ressalva feita quanto ao uso dos
recursos: “É atendida entre aspas (...) o recurso não é aplicado na qualidade em que o
fundo deveria”.
Outro ponto destacado em uma das falas diz respeito a uma certa resistência da
administração, ou seja, da Secretaria em conduzir ao seu modo a educação municipal,
particularmente quando há embate político com algum grupo ou pessoa que se
contrapõe às orientações da política local.
Essa situação citada acima também aparece em um depoimento quando
indagamos sobre a questão da qualidade do ensino que, com a implantação do
FUNDEF, segundo entrevistas realizadas, é concebida como estando a melhorar.
Entretanto, percebemos que o próprio conceito de qualidade do ensino é limitado,
quando se enfatiza, particularmente, melhorias da estrutura física das escolas rurais,
144
de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação32. A precariedade dessa
melhoria é atestada pelo depoimento abaixo:
Sobre a qualidade do ensino, houve uma pequena melhoria, mas o professor ainda não tem acesso a novos materiais didático-pedagógicos, a não ser material de consumo como estêncil, papel, lápis etc. (Relato de uma Professora).
Nesse contexto, procuramos também saber como a Secretaria de Educação vem
trabalhando a partir do incremento dos recursos advindos do FUNDEF, e se ela tem
investido na qualidade da educação municipal. O depoimento a seguir declara que
houve uma melhora na qualidade da educação na área rural (área de atuação do
município) com o advento do FUNDEF, pois se observou um avanço na aprendizagem
dos alunos. Embora ainda existam desafios a serem superados, como material escolar,
merenda escolar etc., de uma maneira geral há uma visão positiva da ação do FUNDEF
na realidade local.
Foi um sucesso muito grande o FUNDEF, que antes do FUNDEF, eu acredito, é, nem todos os nossos alunos na faixa etária eram atendidos e a qualidade do ensino era bem inferior à de hoje, embora há muita dificuldade em relação à transporte, à qualidade da merenda escolar, ao material escolar, que a gente tem enfrentado muita dificuldade. Nossos alunos são carentes, a gente tem enfrentado essas dificuldades aí, agora, mesmo diante essas dificuldades, comparando anteriormente, antes da criação do FUNDEF, o ensino melhorou muito. Na quarta série, é, sai da quarta série, entra na quinta, sexta, sétima, sai da oitava série sem saber ler e escrever e nós aqui na rede municipal, também na rede estadual, mas na rede municipal isso é muito raro, muito raro (representante do segmento dos professores).
Mais uma vez, um depoimento atesta a idéia de que o FUNDEF, dentro de seu
espectro, promoveu uma ampliação no atendimento dos alunos do ensino fundamental.
Considerando a realidade da educação no campo, houve uma melhora significativa,
embora tenha sido destacado que houve uma melhora no desempenho escolar dos
alunos nesse nível de ensino, não está disponível no site do INEP a informação sobre o
IDEB (índice de desenvolvimento da educação básica) no município.
Essa questão de que houve um avanço no desempenho escolar dos alunos
atendidos pelas escolas municipais, foi atestada ao analisarmos, do ponto de vista
quantitativo, os dados indicam que houve aumento da reprovação de 9,8% para 11% e
32 Ou seja, a área de atendimento das escolas rurais de 1ª a 4ª séries e de 5ª a 8ª séries é de competência da rede municipal de ensino.
145
redução de aprovação de 82,6% para 81% e a taxa de abandono permaneceu
praticamente a mesma de 7,6% para 8%.
TABELA 12: Desempenho dos alunos do ensino fundamental da rede municipal no período de 1999 a 2005
Ano Taxa de Aprovação Taxa de Reprovação Taxa de Abandono 1999 82,6 9,8 7,6 2000 77,8 9,5 12,7 2001 79,6 11,4 9 2002 78,5 11 10,5 2003 85,7 6,4 7,9 2004 90,1 4,5 5,4 2005 81 11 8
Fonte: MEC/INEP Por outro lado, apesar do discurso de que houve um investimento na infra-
estrutura das escolas, o depoimento abaixo denuncia a carência de elementos básicos
para o funcionamento de uma escola, como água, banheiro e energia elétrica. Segundo a
conselheira, isso ocorre porque o recurso não está sendo aplicado adequadamente.
A limpeza não falta na escola. Então, se as outras escolas faltam, porque o recurso... no meu ponto de vista num tá sendo aplicado. Mas aonde a escola é aplicado, o material é suficiente. Então, hoje a escola do Chupeiro, depende da Secretaria de Educação é uma reforma porque nós estamos lá, a cem metros não temos, passa a rede de energia mas na escola não tem ainda. Com trezentos reais se puxa energia pra dentro da escola mas nós não temos. Água encanada nós não temos. Um banheiro, sanitário, nós não temos. Nós trabalhamos na escola, o professor, o aluno que precisar usar o banheiro vai no mato. É desse jeito (representante do segmento dos professores).
No conjunto das questões problematizadas sobre as repercussões do Fundo para
a educação municipal, além do aumento salarial dos professores, foi destacada também,
com muita ênfase, a qualificação dos docentes, pois, de acordo com a pesquisa, antes da
sua implantação naquela realidade, o contingente de professores sem o curso superior
era razoável. Esse quadro passa a mudar a partir da exigência da lei, o que
demonstraremos no item a seguir.
4.1.3- Impacto na Formação/Qualificação do Professor
146
Dentre os impactos do Fundo para a educação local, outra questão a destacar é a formação33 dos professores. Esta hoje vem sendo realizada de duas formas:
através de uma instituição privada na modalidade de ensino à distância, oferecendo três cursos de Licenciatura Plena (Biologia, História e Normal Superior); ou através das Universidades Estadual e Federal do Piauí, localizadas no município de Picos,
para onde se deslocam os professores. Os investimentos financeiros da Secretaria Municipal de Educação para o
programa de capacitação são ainda limitados, como mostra o depoimento a seguir:
A capacitação para professor tem, mas o dinheiro disponível para isso é de ‘fachada’, pois o dinheiro gasto nisso vem dos 60% do FUNDEF, que continua pagando a professora que coordenou os estudos dos PCNs aqui. Já o PROFA que foi direcionado para os professores de 1ª a 4ª série, foi pago com os 40% do FUNDEF; ele funcionou dentro da normalidade, foi um curso bom, não tenho do que falar (representante do segmento dos diretores).
O transporte escolar dos professores que lecionam na zona rural é feito
por meio de D20, moto e ônibus, num convênio entre o governo do Estado e a
Prefeitura, revelando a existência de ações no Município dentro do regime de
colaboração entre os entes federativos. Observamos que os recursos que financiam o
transporte, além de advirem do PNATE (Programa Nacional de Transporte Escolar),
advêm também dos 40% do FUNDEF destinados à manutenção e funcionamento do
ensino.
Aliás, no que se refere a esses recursos provenientes dos 40% do FUNDEF, identificamos que têm sido gastos no pagamento de funcionários de serviços gerais, motoristas, merendeiras, vigias e em muitos outros serviços da prefeitura. Durante a pesquisa, tivemos conhecimento de que os membros do Conselho do FUNDEF têm acesso ao balancete mensal, que incluí todos os gastos com os recursos do Fundo.
Em se tratando especificamente da questão do transporte escola, destacamos
abaixo o comentário de Lobo & Faria (2003, p. 400) acerca de como os municípios têm
lidado com o problema do transporte, após a implantação do FUNDEF nas diversas
realidades:
os programas que financiam a aquisição de veículos para transporte escolar, inclusive com a possibilidade de uso de recursos do Fundef,
aumentaram a frota de veículos para esse fim na maioria dos Municípios brasileiros, mas, mesmo assim, não sanou o problema. Se,
a princípio, o transporte escolar encantou prefeitos que pensavam resolver o problema de agrupamento de escolas, logo os desencantou,
não somente porque não foi possível usá-lo para outros fins, mas,
33 Vale recordar que, antes de 1989, quando não tínhamos no município nenhum colégio de 2°
grau, quem desejasse dar continuidade aos seus estudos, caso os pais tivessem condições financeiras para mantê-los, teria que deslocar seus filhos para alguma capital do Nordeste, principalmente, Teresina, Recife e Fortaleza.
147
também, pelos gastos com combustível e manutenção demandados pelo veículo.
Retomando a discussão sobre a formação/qualificação dos professores, conforme
já foi assinalado, o seu incentivo vem, de certa forma, atender a uma necessidade local,
especialmente para aqueles professores que lidam com a realidade das escolas
localizadas na área rural, como é o caso das classes multisseriadas.
Embora se reconheça que com a implantação do FUNDEF houve um incentivo
para a formação do professor – incentivo este que, na maioria das vezes, ocorre por
iniciativa própria (inclusive financeira) –, destacamos que, apesar de o Plano de Cargos
e Carreira ser um começo para tal propósito, o mesmo ainda não contempla todos os
níveis de progressão na carreira do magistério, conforme se pode observar nos trechos
abaixo:
O FUNDEF investe no professor porque quase todo professor ou já tem faculdade ou está cursando. Só não tem pós-graduação. O FUNDEF ofereceu curso superior pra quase todos os professores. Só não tem, só não tem universidade aqui quem não quis. Ou quem não quis fazer. O FUNDEF investiu (representante da secretaria de educação).
Não, não há incentivo, nem financeiro, nenhum.... hoje quem tem graduação, pós-graduação. Quem tem pós-graduação ganha o mesmo de quem num tem. Então, esse incentivo não tem. E eu quero dizer assim: que houve essa mudança porque mesmo assim, num sei a mente, o professor, profissional que enquadrou, aí a mente dele é outra porque mesmo não havendo incentivo ele está procurando se qualificar, a gente já fez aqui capacitação de PCNs, de proletramento que é um programa pra formação (representante do segmento dos professores).
Dentre as várias questões suscitadas ao longo da pesquisa, uma delas que
destacaríamos diz respeito à política do FUNDEF como canal de promoção pela
valorização do magistério. Na realidade, essa não é necessariamente uma relação direta,
a de que a descentralização de recursos públicos para o âmbito local possa imprimir
uma política de melhores condições de trabalho (carreira) e de salário para o professor.
Em pesquisas realizadas, ficou constatado que esse fato ocorreu em algumas
municipalidades e em outras não, sendo, portanto, necessário que se leve em
consideração alguns fatores da realidade local e educacional, como, por exemplo, a
capacidade de arrecadação de impostos (receitas) para os municípios (DAVIES, 1999;
MELCHIOR, 1997).
148
No nosso estudo, foi recorrente, nas falas dos entrevistados, a ênfase de que a
implantação do FUNDEF no Município incentivou a busca dos professores pela
qualificação como meio de progredir na carreira e como forma de melhorar o salário.
Essa iniciativa também foi impulsionada pela exigência da própria lei do FUNDEF, o
que levou o poder público local a estabelecer convênios com universidades públicas
(estadual e federal), localizadas na cidade de Picos, no estado do Piauí. Houve também,
por outro lado, a participação da iniciativa privada. Em suma, parte dos cursos
superiores tem sido custeada pelo Estado e a União (as universidades públicas) e outra,
pelo próprio professor através dos cursos privados à distância.
No item seguinte, analisamos em detalhe o Plano de Cargos e Carreira (PCC), posto que este sinalizou um dos impactos que o Fundo provocou na realidade investigada, pois, antes de 1998, não havia na rede municipal um Plano que
regulasse a carreira do Magistério.
4.1.4- Impacto na Implantação do Plano de Cargos e Carreira
Um indicativo do impacto do FUNDEF no município foi a instituição do Plano de Cargos e Carreira (PCC), com a aprovação do projeto de lei nº 198, de 05 de
maio de 1998, que, em seu artigo 2º, denomina de Magistério do Sistema de Ensino Público Municipal
O conjunto de professores e de especialistas em educação que, ocupando cargos ou empregos nas unidades escolares e órgãos da
Rede Pública Municipal de ensino, desempenham atividades específicas, com vistas à consecução dos objetivos da educação.
Analisando o PCC, com relação à questão salarial dos professores, houve uma mudança significativa, pois, antes de 1997, o professor ganhava abaixo do salário
mínimo, e, com a implantação do FUNDEF, o Piso Salarial passou a ter por base o valor do salário mínimo mais as gratificações. Em outras palavras, a situação da progressão funcional dos professores, conforme estabelece o PCC, é a de que o
adicional ocorra a cada 05 anos de serviço público, equivalendo a 5% do vencimento base. A regência de classe consiste em 30% em cima do vencimento e se diferencia
quanto à progressão em que se enquadra, ou seja, se for do tipo “A”, o professor terá um aumento de 10% em cima do vencimento base, e se for do tipo “E”, esse aumento
será de 20%. Atualmente, a rede municipal tem um quantitativo de 79 professores efetivos, dos quais 39 têm progressão “E” (ensino superior completo), e dos outros 38,
18 estavam em formação. No que se refere à formação/qualificação dos professores, esta se impõe como
demanda e necessidade para a melhoria das práticas pedagógicas a partir da adoção
do concurso público34 para provimento dos cargos de magistério e, particularmente,
34 Antes de 1997, não havia a prática do concurso público para os funcionários da prefeitura, o que é indicativo de uma situação que merece ser analisada. A obrigatoriedade de concurso público para todos os cargos públicos, inclusive profissionais da educação e, logo, professores, foi instituída pela Constituição de 1988. De um lado, pode ser que a Constituição estivesse sendo burlada. Por outro, a Secretaria de
149
quando foi estabelecido um Plano de Cargos e Carreira (PCC) para a progressão do
professor na função de docente. No entanto, apesar dos avanços no PCC, ele não prevê
uma progressão equivalente para quem tem pós-graduação, mesmo existindo 03 (três)
professores da rede municipal com essa titulação. Uma análise minuciosa do PCC dos
professores da rede municipal demonstrou uma concepção de atividades dos
educadores baseada numa compreensão das funções pedagógicas, onde se percebe uma
concepção tecnicista da educação, em que há o privilégio das habilitações, ou seja, a
presença de especialistas para o exercício de atividades específicas, ferindo assim,
inclusive, o que determina a LDB, como podemos constatar no Capítulo III – Da
Estrutura da Carreira, no Parágrafo único:
Para o cargo ou emprego de especialista em educação será exigida licenciatura plena em pedagogia, com habilitação específica em
administração escolar, supervisão, coordenação e planejamento do ensino ou orientação educacional, ou, ainda, curso específico de pó-
graduação.
Outra interpretação com relação à questão das gratificações por titulação não prevê, para os especialistas em educação, como já anunciamos anteriormente,
progressão salarial diferenciada de quem já possui curso superior, como podemos observar no Capítulo XIV – Das Gratificações e Adicionais, em seu Art. 36 e demais
incisos:
A gratificação de incentivo à qualificação, de que trata o inciso do artigo anterior, observará os seguintes percentuais:
I – 10% (dez por cento) para os ocupantes de cargos de nível médio, detentores de certificado de conclusão de estudos adicionais, em nível
pós-secundário, obtido em instituições autorizadas pelo respectivo Conselho Estadual de Educação;
II – 20% (vinte por cento) para os ocupantes de cargos de nível superior, detentores de certificado de conclusão de curso de
especialização, em nível de pós-graduação; III – 30% (trinta por cento) para os ocupantes de cargos de nível
superior, detentores do grau de mestre ou doutor. Parágrafo 1º – É vedada a percepção cumulativa dos acréscimos a
que se refere este artigo (talvez aqui esteja o problema de interpretação da lei).
Referente à educação infantil, observamos que há um tratamento diferenciado,
pois os professores concursados ganhavam R$ 350,00 e os professores contratados
pela prefeitura, uma realidade ainda existente, ganhavam menos. Essa modalidade de
Educação vinha trabalhando com pessoas contratadas por serviços prestados, indicando uma fragilidade nos quadros concernentes. Isso é resultante de todo processo de reivindicação dos direitos trabalhistas dos profissionais da educação, que visam sempre à busca da melhoria das condições de trabalho e salário, e que se expressam em termos legais na aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – lei n° 9.394/96 – e da Lei do FUNDEF – lei n° 9.424/96.
150
“contrato” vivenciado expressa o trabalho precário que, por ter caráter provisório,
não prevê a garantia dos direitos trabalhistas e que, muitas vezes, constituem uma
manobra da política partidária para garantir emprego no contexto da prática do favor,
embora tenhamos conhecimento de que as prefeituras têm pouco recurso para financiar
a educação infantil. Nesse caso específico, quando da aprovação da Lei do FUNDEB,
observaremos qual tratamento será dado a esses professores da educação infantil,
especialmente àqueles contratados pela prefeitura.
Essa condição de professor contratado está prevista no Plano de Cargos e
Carreira, no seu Capítulo IV – Do Quadro de Pessoal, no Art. 50, que estabelece:
integram o Quadro Suplementar os empregos dos substitutos eventuais, contratados na forma da lei, por tempo determinado.
Quanto ao quadro atual de professores efetivos que trabalham na rede
municipal de educação, vale chamar a atenção para mudanças que passaram a ocorrer
a partir de 1997, ano da efetiva implementação do FUNDEF, e que serão alvo da nossa
investigação.
Conforme resultados da pesquisa, identificamos que, a partir de 1997, pela
primeira vez na história do município ocorreu concurso público para o cargo de
professor do magistério para preenchimento de 47 vagas. Os aprovados foram
imediatamente contratados e hoje têm nove anos de atuação docente. Também
identificamos que os dez professores que já gozavam de estabilidade antes de 1997,
também se beneficiaram dos recursos do FUNDEF. Estes têm entre 10 a 25 anos de
atuação na rede municipal.
Indicando o avanço em relação às práticas clientelistas, em 2002 houve
novamente a realização de concurso público para o preenchimento de 13 vagas de
professor. Nesse mesmo ano, foram nomeados 6 dos professores aprovados (que estão
completando cinco anos de atuação na rede). No mês de agosto de 2005, foram
nomeados mais sete professores, que representam os que possuem menor tempo de
exercício do magistério na rede. Um dado a investigar diz respeito ao período de três
anos de validade de um concurso público, já que a prática é a sua validade por, no
máximo, dois anos.
A questão mais polêmica de que tomamos conhecimento durante os trabalhos de
pesquisa diz respeito aos direitos trabalhistas assegurados no Plano de Cargos e
Carreira (PCC), dentre os quais nem todos estão sendo respeitados. Segundo
151
informações do Sindicato dos Servidores Públicos35, as seguintes ações são e/ou foram
praticadas pela prefeitura:
(a) recolhimento do ISS (Imposto Sobre Serviço) de funcionários concursados;
(b) recolhimento do INSS e não repasse para a Previdência Social;
(c) quando do repasse ao INSS, recolhimento de 35,00 do servidor e repasse para a
previdência de 24,00.
Há direitos constitucionais que, segundo o Sindicato, estavam sendo violados
pelo poder executivo municipal, tais como o não pagamento de 1/3 do salário quando
do gozo de férias pelos servidores, do 13º salário e do salário-família.
Além dessas questões trabalhistas, ainda foi questionada a validade do Plano de
Cargos e Carreira (PCC), que, segundo a Justiça do Trabalho, foi considerado uma
“colcha de retalhos”, e tudo indica que não foi um plano construído coletivamente, mas
de gabinete (com rasuras e emendas).
Mediante todas essas informações, buscamos, dentre o elenco de questões que
elas suscitam, saber como vem se dando a forma de admissão no serviço público. O que
tem se percebido é que ainda há uma prática do uso do recurso dos contratos
temporários. Isso foi denunciado na fala de um dos entrevistados:
Eu num sei mais o que é não. Porque contrato de dez anos, oito anos... não sei mais o que é, não. Num se faz um contrato por dez anos, Nunca vi. Só aqui mesmo. (representante do segmento dos professores).
Conforme descrito no depoimento acima, reforça-se, mais uma vez, da parte de
alguns membros do Conselho do FUNDEF, uma posição de crítica frente à gestão
municipal, nesse caso, à Secretaria de Educação do Município, quanto à legalidade dos
contratos temporários, que são uma prática corrente em setores públicos,
particularmente em cidades interioranas que fazem uso muitas vezes desse mecanismo
como recurso de manutenção do sistema eleitoreiro local, onde se tece um tipo de
relação social que confunde o espaço público com o espaço privado e seus interesses.
Trazendo para a realidade brasileira, e numa direção semelhante, localiza-se a
percepção de LACERDA36 (2007), ao discorrer sobre o perfil do Secretário de
Educação no Brasil. Para ela, um bom gestor de educação, seja em qual instância de
governo ele atue, deverá estar calçado num tripé: projeto pedagógico focado na
35 Quanto à representatividade do Sindicato no Município, cabe informar que ele tem 40 professores municipais associados e 30 funcionários públicos de outras categorias profissionais. Destes, 15 (50%) são funcionários da prefeitura (recebem pelo FUNDEF). 36 Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação – MEC (que assumiu a função em junho de 2007).
152
aprendizagem, boa capacidade administrativa e perfil político para negociar com as
diversas lideranças da sociedade. No entanto, a autora ressalta que, na prática do
serviço público, isso nem sempre ocorre, pois as relações e os interesses são complexos
e distintos.
O país tem 5.562 municípios, a formação dos dirigentes é muito heterogênea, com escolaridade variada. Em geral, são quase todos professores da rede pública, com muito tempo de sala de aula. As capitais têm dirigentes mais profissionalizados, talvez porque os prefeitos percebam a complexidade de gerir a educação de uma cidade. Não é regra, mas no interior ainda existe bem forte a relação de compadrio, com familiares do prefeito em cargos determinantes. De toda forma, os secretários municipais de educação são escolhidos sempre por critérios políticos.
A nossa pesquisa tem apontado que, ao longo da história da educação do
município, há uma rotatividade de secretários de educação, os quais têm sido
escolhidos por critérios políticos em detrimento do critério técnico (conhecimento da
área). Isso tem revelado que, embora as secretárias de educação do município em foco
tenham a formação básica, o magistério, o que de fato tem influência na escolha para
essa função tem sido o componente político. Chamamos a atenção aqui não para o fato
de a escolha do secretariado acontecer por conveniência política (o que é comum em
muitas realidades), mas para o fato de o componente político se sobressair na gestão
pública, ao invés do conhecimento pedagógico.
Ainda nessa mesma direção, outro ponto crítico refere-se à quantidade de
professores existentes para cobrir a rede municipal de ensino, tanto concursados
quanto contratados, o que indica a existência de uma manobra política eleitoreira,
como destaca o depoimento a seguir:
na rede municipal tem funcionário demais e não tem aluno suficiente, pois tem mais proporcionalmente funcionário do que aluno. O número de professores da rede municipal que recebem pelo Fundef daria para cobrir a rede. Por isso, os professores concursados que eram para trabalhar 40 horas, efetivamente só trabalham 20 horas e ganham o equivalente a 20 horas semanais devido ao inchamento de professores na rede municipal, ou seja, a contratação de professores sem concurso público (representante do segmento dos diretores).
Ao longo da história política brasileira, tem se tornado uma prática recorrente o
inchamento da máquina pública como um recurso de manutenção do status quo, isto é,
como manobra política para manter um “curral” eleitoral passivo em relação aos
interesses privados locais. Os anos se passam e apesar do incremento de mecanismos
153
modernos e tecnológicos como as urnas eletrônicas, os antigos “coronéis”, que hoje se
revestem do discurso da transparência durante o processo da campanha eleitoral, de vez
em quando, ainda aparecem sendo denunciados na mídia por fraudes, compras de votos,
trocas de favores políticos etc. Enfim, mesmo na convivência democrática dos tempos
atuais, seja nos centros urbanos ou no interior, constata-se o uso da persuasão de forma
mascarada, do convencimento de interesses com grupos políticos de influência junto ao
poder.
Nesse contexto, supomos que o poder público pode estar fazendo uso dos
recursos da educação como política social de emprego, pois essa é uma prática antiga
que remonta as raízes da história política brasileira, que fazia da máquina administrativa
um meio de manter-se no poder através de uma rede de “amigos” que eram favorecidos
com cargos ou outras benesses que a política mantinha nos seus “currais” eleitorais.
As questões do mandonismo, das práticas coronelistas, do processo de
dominação, da continuidade do conservadorismo das elites e das práticas de
favorecimento e proteção constituem a gênese da formação da sociedade brasileira, e
foram objetos de investigação de estudiosos como LEAL (1975), FRANCO (1974) e
FAORO (2001), os quais passam a subsidiar a análise do nosso trabalho, pois nos
fornecem as ferramentas necessárias para interpretar a realidade político-social atual
e entender as características e formas de democratização do Estado e da sociedade.
Essa prática de favorecimento dos “amigos” e/ou correligionários também foi
denunciada pelos estudiosos da cultura política brasileira mencionados acima. Esse tipo
de política transita entre o legal e o ilícito, pautando-se na prática de uma solidariedade
partidária.
Outro ponto identificado na pesquisa e que gera polêmica na política
educacional do município diz respeito à intenção do poder executivo de alterar a
legislação que rege o vínculo empregatício e suas garantias legais, isto é, de mudar o
regime celetista para estatutário. Abaixo, transcrevemos a interpretação de uma
conselheira sobre essa questão:
O estatuto, a primeira coisa do estatuto é ser elaborado por eles. Quem vai ser, quem vai aprovar o estatuto nosso é o próprio município: a Prefeitura, os vereadores e a gente não confia que, que garantias e que direitos eles vão colocar lá para o trabalhador. Outra, que a CLT a gente tá mais garantido, a gente depende é da vara do trabalho, depende da justiça... e com o estatuto não é? Ela é mais lenta, ela é... eu não sei nem dizer o que é que ela é. A gente... é diferente, a justiça do trabalho e aí a gente não quer, nós funcionários não queremos jamais... (representante do segmento dos professores).
154
Diante das questões anunciadas sobre a educação no Município, o nosso
propósito foi identificar quais os elementos acionados pelo poder local que estão
promovendo a melhoria da educação e a valorização do trabalho docente. Nesse sentido,
consideramos de fundamental importância conhecermos os mecanismos de participação
– como o Conselho do FUNDEF – que atuam no contexto da educação municipal com o
objetivo de garantir a transparência e o controle social dos recursos públicos por parte
da sociedade.
4.1.5- Impacto no Conselho do FUNDEF
Tomando-se como ponto de partida para uma análise do funcionamento do
Conselho do FUNDEF na realidade pesquisada, foram analisadas as legislações
referentes à lei 9.424/96 (LDB), à Lei do FUNDEF (Lei n 9.394/96) e ao Regimento
Interno do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF.
Um dos aspectos mais inovadores da Lei nº 9.424/96 foi ter estabelecido, no
âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a instituição do
Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF. No que se refere aos
critérios previstos para a composição do referido Conselho, o Art. 4º, inciso IV,
estabelece que:
IV – nos Municípios, por no mínimo quatro membros, representando respectivamente: (a) a Secretaria Municipal de Educação ou órgão equivalente; (b) os professores e os diretores das escolas públicas do ensino
fundamental; (c) os pais de alunos; (d) os servidores das escolas públicas do ensino fundamental (LDB,
Lei nº 9.424/96).
Ancorado no que a Lei nº 9.394/96 estabelece em termos de normas para a
implantação do FUNDEF em toda a federação, o Regimento Interno do Conselho do
FUNDEF no município de Francisco Santos determina o que compete ao referido
Conselho para o seu funcionamento:
Art. 2°. Compete ao Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF: I. Acompanhar e controlar, em todos os níveis, a repartição dos recursos financeiros do FUNDEF Municipal;
155
II. Acompanhar e controlar, junto aos órgãos competentes, o processo de transferência dos recursos financeiros pertencentes ao FUNDEF; III. Supervisionar a realização do censo escolar anual que define a quantidade de alunos matriculados no ensino fundamental; IV. Observar e interpretar, no âmbito municipal, a aplicação dos termos da Lei Federal n.° 9.424, de 24 dezembro de 1996; V. Acompanhar os registros contábeis do fundo junto ao setor financeiro responsável; VI. Fiscalizar e acompanhar os demonstrativos gerenciais mensais e anuais do FUNDEF; VII. Observar a aplicação correta de 60% dos recursos do fundo na remuneração dos profissionais do magistério; VIII. Exigir o fiel cumprimento do plano de carreira e remuneração do magistério de rede municipal de ensino; IX. Acompanhar a aplicação dos recursos federais transferidos à conta do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos e do Programa Nacional ao Transporte do Escolar (PNATE) e, ainda, receber e analisar as prestações de contas referentes a esses Programas, formulando pareceres conclusivos acerca da aplicação desses recursos e encaminhando ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE; X. Exercer outras atribuições previstas na legislação federal ou municipal. Parágrafo Único. As decisões tomadas pelo Conselho serão levadas ao conhecimento do Poder Público Municipal e da Comunidade.
Com relação à composição do último formato do Conselho do FUNDEF, o
processo de escolha ocorreu de modo diferente, pois foi criada uma chapa para cada
segmento, sendo os representantes escolhidos de forma mais participativa.
Anterior a esse processo de escolha, o poder executivo criou uma emenda para
ampliar o número de conselheiros, tentando, com isso, obter a maioria na composição
do Conselho do FUNDEF, mas não conseguiu. No jogo de forças, ainda predomina a
representação da sociedade civil (educacional), que consiste na parcela crítica do
Conselho e da política da Secretaria de Educação.
Referente à organização do Conselho, esta deve se pautar no que está
estabelecido tanto pela Lei do FUNDEF quanto pelo Regimento Interno. Com relação
ao seu funcionamento, consiste em discutir, analisar e fiscalizar a aplicação dos recursos
do Fundo, observando nota-fiscal, empenho, recibo e algumas despesas pagas com
cheques.
Com base na análise do Regimento Interno do Conselho do FUNDEF, fica
definido, nas disposições gerais, no art. 5°, que o mesmo “não se constitui em unidade
administrativa da prefeitura e não pode reivindicar dotações próprias no orçamento
municipal para o seu funcionamento”. Isso, portanto, sinaliza que uma das condições de
sua funcionalidade é manter autonomia própria na sua atuação.
156
A última composição do Conselho do FUNDEF teve vigência até dezembro de
2006, quando foram efetivadas a transição e formação para o Novo Conselho do
FUNDEB, que, como previsto na sua legislação, terá um novo formato, ou seja, uma
nova composição mais ampliada de membros do que o do FUNDEF.
A dinâmica do conselho consiste em reuniões mensais, como previsto no art. 5°
do seu regimento, nas quais os conselheiros discutem e analisam minuciosamente o
balancete financeiro com os gastos na educação, enviado pelo poder executivo,
redigindo, em seguida, um parecer que é lido e aprovado no coletivo. Este parecer é
encaminhado, então, para três instâncias: a Prefeitura (Secretaria), a Câmara de
Vereadores e o Tribunal de Contas.
Quanto às formas de divulgação dos valores e uso do dinheiro do FUNDEF,
houve a seguinte dinâmica:
divulgação através do próprio Conselho do FUNDEF;
acesso aos extratos bancários relativos às transferências dos recursos do FUNDEF
(somente os membros do Conselho do FUNDEF têm acesso);
cópia do balancete mensal dos pagamentos com recursos do FUNDEF (receita +
despesa) em posse da câmara municipal; e
disponibilização para o Conselho do FUNDEF da prestação de contas realizada
pela Secretaria de Educação, o qual analisa e elabora parecer.
Com base na descrição dos procedimentos de composição, eleição e
funcionamento da rotina do Conselho, partimos para o próximo passo, que consistiu em
entrevistar os representantes dos segmentos da comunidade escolar, composto de quatro
membros e seus respectivos suplentes. Nesse sentido, as questões buscavam, de certa
forma, apreender o cotidiano do Conselho, como suas funções eram vivenciadas e como
se dava a relação deste com a gestão da educação municipal, além de fazer um
apanhado a partir das suas percepções sobre os impactos que o Fundo trouxe para a
realidade da escola de ensino fundamental.
Uma primeira indagação que fizemos foi sobre o próprio entendimento da
“função” do Conselho para a educação municipal e de sua importância na transparência
da aplicação dos recursos públicos transferidos para a conta da Prefeitura.
Acho que o Conselho do Fundef, eu acho que é necessário. Tem que ter o Conselho... Tem que ter porque o Conselho fiscaliza. Fiscaliza. Tudo que tiver que fiscalizar é melhor porque o poder também tem isso (representante do segmento dos diretores).
157
Durante algumas falas, foi recorrente, como mostra a categoria 2 do quadro 06,
que a preocupação central do Conselho consiste em fiscalizar os recursos transferidos.
Porém, é interessante notar que, apesar dos limites próprios do contexto social em que
ele emerge (o município em questão), onde questionamentos e críticas são vistos com
muita desconfiança, temos também a possibilidade de abertura de um novo espaço
público, onde a sociedade pode se expressar através de seus representantes. E isso
simboliza, também, a possibilidade de elaboração de um outro poder.
No que concerne à composição do último formato do Conselho do FUNDEF,
foram feitas colocações que põem em xeque, por uma parte dos conselheiros, a questão
do poder público municipal ter criado uma emenda para ampliar a representação de seus
interesses. Isto é, tratou-se, na verdade, de obter o representante dos diretores de
escolas, sendo que esse segmento já é representado pelo segmento dos professores e
diretores das escolas municipais. Outra coisa a ressaltar diz respeito ao modo como as
relações são tecidas, e, nesse caso, de uma forma sutil, são relações baseadas nas
conveniências sociais.
Todos os funcionários efetivos, quem era efetivo, votaram pra escolher essa pessoa pra representar esse item aqui, os professores e os diretores das escolas públicas, entendeu? Mas a Secretaria ainda apontou esse diretor aqui. A Câmara aprovou e o Ministério Público disse que tava certo e ficou por isso... A princípio ele disse (Ministério Público) que quem estava certo era a gente (Conselho), aí se questionou com a gente, se explicou, mandou a gente fazer isso, isso e isso. Oito dias depois, quando a gente voltou, lá, o Prefeito já tinha ido lá conversar com ele, ele já tinha mudado de idéia (representante do segmento dos servidores).
Durante o percurso da pesquisa, evidenciou-se, em algumas falas, a relação de
que a eleição para diretor pode ser uma forma de proporcionar menos autonomia para a
escola. Isso ocorria por um forte poder de persuasão diante da comunidade, tanto no
processo de campanha quanto durante a própria gestão, com o propósito de conseguir
angariar votos para a próxima eleição.
Política-partidária suja, o governo diz assim, não tem jeito, aquele, não isso aqui é diretor meu, era assim um, um manda-chuva, entende? Sempre num tem autonomia... e ainda acho que piorou muito mais do que antes que era apontado mesmo pelo gestor37. E pra ela trabalhar, assim, trabalha mais assim, naquele fim, num sabe? De se eleger, de angariar voto. Agora, o município é apontado pelo gestor, pela secretária (representante da secretaria de educação)..
37 Cabe informar que, enquanto na rede municipal o gestor é indicado pela Secretaria de Educação, no Estado é escolhido através de eleição direta.
158
Era melhor ser apontado pelo gestor. Pois, se trabalha os dois anos em função de se reeleger de novo. Eu acho que isso de participação, de eleição livre é mais nas capitais (representante do segmento dos diretores).
Na realidade, essas percepções se misturam as velhas práticas tradicionais que
foram sendo assimiladas e a entrada de um elemento relativamente novo, isto é, a
possibilidade de construção de espaços mais democráticos que visam ampliar a
participação da população nos destinos da educação.
Dentro do contexto de composição e funcionamento do Conselho do FUNDEF,
buscamos saber o modo de seu funcionamento e como as decisões são tomadas no seu
interior. Convém aqui lembrar que a existência e a divulgação do seu trabalho perante a
população têm pouca ressonância, pois, como sabemos, a lógica como as coisas
funcionam é aquela em que as informações circulam no ambiente daquelas pessoas que
lidam diretamente com as questões educacionais – e, portanto, na escola – ou daquelas
que demonstram interesse em conhecer/saber. Quanto às percepções acerca da função
do Conselho e da dinâmica de suas decisões, foram tomadas de forma diferenciadas.
Uma primeira enfatizou que o Conselho tem poder, mas que existem uma centralidade
na fiscalização dos recursos e uma despreocupação com a qualidade da educação.
qualquer decisão que o conselho poderá tomar ele tem poder. Agora ele tem essa parte negativa, porque não há preocupação com a qualidade do rendimento da educação. A preocupação é no financeiro, no que entra e como ele está saindo, mas que é fiscalizado de vírgula a vírgula (representante da secretaria de educação).
Numa outra direção, encontra-se outra percepção que aponta para uma atuação
mais ampla do conselho, no sentido de contribuir para a melhoria da educação como um
todo, conforme transcrito abaixo:
O Conselho só questionou o salário? Não. Nós questionamos material escolar, nós questionamos número de alunos, nós questionamos carteiras, material, nós questionamos recursos na escola, nas escolas e até hoje tivemos ou até hoje nós não temos o resultado (representante do segmento dos professores).
A realidade investigada tem apontado para uma compreensão de que o Conselho
é um fim em si mesmo, ao invés de ser um canal de pensar/problematizar condições
melhores para a educação. Ou seja, por constituir-se num espaço público, tem as
159
condições de problematizar as questões referentes à educação, contribuindo assim para a
construção de uma sociedade mais participativa e democrática.
Sobre essa questão, PINTO (2002) destaca que um dos problemas que reforçam
as limitações da atuação dos Conselhos é o de que:
eles se restringem a fiscalizar os recursos do FUNDEF e não o total de recursos vinculados para a educação – 25% dos impostos. Contudo, esses conselhos foram instituídos com a finalidade de controlar os recursos do Fundo, faltando à educação brasileira outros mecanismos que assegurem, de fato, uma fiscalização do montante total de recursos destinados à educação (p. 113).
Diante do exposto, é importante destacar que os conselheiros, como a população
como um todo, deve tomar consciência de que os Conselhos são uma conquista da
sociedade civil, mas, se não pensarmos continuamente acerca do seu papel, este poderá
cair em descrédito, pois, não são um fim em si mesmo, mas um instrumento de
participação e definição de políticas públicas. Nossa clareza em relação à sua função
social fará toda a diferença no seu modo de ser, na sua ação.
Por isso, de acordo com TEIXEIRA (2000), o funcionamento de um Conselho é
medido pelo “conhecimento da máquina administrativa, a regularidade das reuniões, a
participação no orçamento e a formulação de propostas”. E ainda acrescenta:
Precisamos também dar maior importância aos processos eleitorais, porque a atuação dos Conselhos não depende somente das representações da sociedade civil, mas depende também da composição do poder político (p. 96).
Esse aspecto do poder político que nos chama atenção Teixeira (2000), é um dos
componentes que interfere diretamente na composição e atuação da Secretaria de
Educação e do próprio Conselho do Fundef, que neste caso, expressam a cultura política
local. Em outras palavras, a forma assumida pela cultura política se reveste de traços do
poder local, das práticas clientelistas e da conservação das estruturas tradicionais da
máquina administrativa.
Com base nessas colocações, consideramos pertinente num estudo que focaliza a
análise de uma política pública sob o ângulo do seu financiamento, dar destaque à
dimensão da cultura política, pois esta pode contribuir como um dos elementos
explicativos do impacto que uma política pode trazer para uma determinada realidade
social.
160
Nessa perspectiva, procuramos saber se o Conselho do FUNDEF tem
contribuído para a educação do Município. Embora afirmasse que o conselho mais
atuante seja o Conselho do FUNDEF, reforçou mais uma vez a idéia da ênfase no
financeiro. Como observamos na fala abaixo:
Os conselhos de escola, assim como o do FUNDEF, não se preocupam com o rendimento dos alunos. Eles não se preocupam em procurar... O conselho mais presente mesmo é o do FUNDEF, esse que faz esses pareceres. Mas, mesmo assim, é mais a parte do dinheiro, só se preocupa mais com o financeiro, com as cobranças, como faz... (representante da secretaria de educação).
No que diz respeito diretamente à atuação do Conselho do FUNDEF,
ficou claro que este cumpre com a sua função de fiscalizar a aplicação dos
recursos públicos. Porém, em se tratando de outras matérias como a formação
de professores, o processo de aprendizagem e a escassez de material nas
escolas, essas demandas são em sua maioria tomadas com ironia pela
Secretaria de Educação, que afirma que está tudo bem e deixa as queixas de
lado, sem muitas vezes tomar providências.
(...) a gente vai lá e diz, vai na Secretaria (de educação): Olha! Isso tá errado, esse pessoal não pode receber do FUNDEF, nem trabalhar esse pessoal não pode. O que é que vocês vão fazer? Ele pode sim e acabou. Você vai no Ministério Público, prova para eles, mostra a lei, mostra pra eles que não têm capacitação nenhuma para eles estarem atuando, pra eles estarem na função que estão. O Ministério Público toma de conta, não quer nem saber, recebe muito bem e pronto! Escutou ali, recebeu ali aquele documento que a gente entregou e acabou e ficou por assim mesmo. Então, Conselho aqui vai ficar na mão da prefeitura, do jeito que eles quiserem. Porque eu tô com nove anos que eu participo de conselho, eu não vou mais, porque não tem resultado (representante do segmento dos servidores).
Uma questão bastante polêmica surgida na pesquisa refere-se a essa denúncia de
que os órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público, não têm levado a sério a
denúncia de irregularidades na educação municipal, ou, quando o faz, as providências
não se concretizam. Há na falas um sentimento de impotência. Uma sensação de que em
última instância quem tem o controle da situação é o poder local. Isso se reflete também
na própria atuação do conselho do FUNDEF, segundo a entrevistada.
Nesse cenário, buscamos apreender as nuances das relações sociais tecidas numa
realidade com características pautadas no poder pessoal, no mandonismo e nas práticas
clientelistas. Verificaram-se, no decorrer da pesquisa, percepções ambíguas acerca do
161
processo democrático, ou seja, as práticas sociais e políticas germinadas no âmbito do
local são, de certa forma, “naturalizadas” e isso se reflete no cotidiano das pessoas. Em
outras palavras, tem-se construído um consenso de que as coisas não mudam, sempre
foram assim e continuarão sendo. A natureza e o funcionamento das coisas regem
conforme são apresentadas por uma elite imbricada no poder político e comprometida
com ele. Portanto, as possibilidades de se pensar diferente, de se pensar o novo é uma
condição pouco provável num contexto em que as pessoas ou estão diretamente
envolvidas com os interesses do poder político (e, de certa forma, também fazem parte
dele) ou mergulhadas na sua vida pessoal, nos seus interesses particulares. Logo, quase
inexiste um esforço pessoal, ou de um pequeno grupo, de andar contra a corrente, de
resistir ao que está posto. Em suma, embora essa naturalização tenha sentidos
diferenciados dos que se refletem na prática, ela contém pouco espaço de mudança.
Essas práticas “naturalizadas” vão estar presentes no modo de se fazer política e
de participar dela, na forma como concebe o poder ou não da participação popular nos
mecanismos de inovação como a participação nas Assembléias, nos Conselhos e nos
Sindicatos etc. Enfim, nas diversas manifestações de participação e reivindicação de
direitos.
Ainda sobre essa questão, outro aspecto que destacaríamos diz respeito à
circularidade dos acontecimentos na vida em sociedade, que muitas vezes parecem não
estar imbuídos de sentido. Um exemplo identificado na própria pesquisa é o processo de
escolha dos representantes na escola, seja do dirigente, seja da composição do conselho
escolar. De um modo geral, as pessoas podem sofrer influência daquelas que detêm o
poder do convencimento. Isso pode ocorrer porque, muitas vezes, os jovens estudantes e
os próprios pais, por terem pouca escolarização, reforçam práticas tradicionais em
detrimento de uma formação mais ampla, que possibilite adquirir ferramentas para
analisar criticamente a realidade social em que estão inseridos.
É importante investir na formação dos membros do Conselho para que este tenha
uma ação eficaz e para que possa atuar com conhecimento técnico e dentro de uma ética
que prime pela transparência e lisura no seu trabalho de acompanhamento, fiscalização
e prestação de contas acerca do uso dos recursos por parte do Poder Público. O
depoimento abaixo, além da questão comentada acima, também denuncia que o
Município aqui em destaque não teve uma preocupação para com a questão da
qualificação dos conselheiros. Esta ocorreu por iniciativa própria, os conselheiros
buscaram estudar e conhecer a dinâmica de funcionamento do Conselho. Além disso,
162
enfatiza que, mesmo com todas as dificuldades, ainda é um Conselho que consegue
dizer não, que questiona, que critica quando necessário.
Dentro aqui do Município, aqui na região, pelas informações que a gente tem, o único Conselho que ainda questiona alguma coisa é esse, que ainda diz não, e analisa um parecer sem nenhuma capacitação do jeito nosso, tudo que a gente tem é uma cartilha que a gente recebeu do MEC, mais uma capacitação pra os conselheiros, o contador, pra explicar pra gente como deve ser analisada essa prestação de contas, nós nunca tivemos. Nunca tivemos uma capacitação. A gente faz o que a gente... o conhecimento nosso mesmo, pelo estudo nosso mesmo. Se tá certo ou errado a gente não sabe. Agora, se tiver certo ou errado vai arriscando. Mas, diante de tudo isso aí, o Conselho fiscaliza para nada. Tudo que o Conselho conseguiu com a fiscalização até hoje foi só, como se diz? Se expor diante do Município e conseguir seja perseguido, seja massacrado diante do seu emprego, porque você não compactua com os erros, com aquelas irregularidades que você acredita que existe ali dentro. Então, você é punida por causa disso. Mas, em termos gerais, nem Conselho, nem Tribunal de Contas, nem Ministério Público não tomaram uma providência sequer diante das irregularidades que tem aqui (representante do segmento dos professores).
De certa forma, a própria construção do Conselho do FUNDEF mexeu com as
estruturas tradicionais de poder. Entretanto, encontra resistência nas relações de poder
pessoal. Um exemplo que expressa bem isso é o depoimento citado acima, quando a
pessoa diz: “Tudo que o Conselho conseguiu com a fiscalização até hoje foi só, como se
diz? Se expor diante do Município e conseguir seja perseguido, seja massacrado diante
do seu emprego, porque você não compactua com os erros, com aquelas
irregularidades”. Essa fala revela um sentimento de impotência, de que as coisas não
mudam porque elas esbarram com as práticas clientelistas, com o poder político e com
uma cultura local conservadora. Ou seja, apesar de as políticas mais modernizadas
serem hoje implantadas no nosso cotidiano, elas se confrontam com uma política
institucionalizada (arraigada), baseada nas relações pessoais, que se manifestam nas
práticas da confiança e da lealdade.
Nos depoimentos abaixo, além do questionamento sobre a viabilidade da própria
existência do Conselho do FUNDEF, também é questionada a credibilidade de
instituições públicas como Tribunal de Contas, Ministério Público – cuja função
consiste em orientar, acompanhar e fiscalizar o uso de recursos pelo Poder Público,
conforme mostramos abaixo:
Então, pra que esse Conselho? Pra quê? Pra servir de palhaço? Nós só servimos de palhaço aqui. Fiscalizamos e informamos, a função que eu entendi até hoje era que o Conselho tinha que fiscalizar, solicitar do
163
Município e o Município é reparasse aquele erro (representante do segmento dos professores). (...) não se pode generalizar, mas os tribunais de conta são uma piada. São os filhos, são os apadrinhados políticos (representante do segmento dos servidores).
De um modo geral, não há divulgação em local público sobre os valores que o
Município recebe mensalmente do FUNDEF. O procedimento tem sido o seguinte: uma
instituição bancária sediada no Município tem a obrigação de repassar o extrato para o
Conselho. Assim, apenas o próprio Poder Público e membros do Conselho do FUNDEF
podem ter acesso a esses números. Como a maioria da população, inclusive os
professores, desconhecem a informação de que a Internet disponibiliza esses valores,
estes ficam restritos a uma minoria de pessoas. Em geral, quem acompanha e toma
conhecimento é o próprio Poder Público (em nome da Secretaria de Educação) e alguns
integrantes do Conselho mais ativos, isto é, que vão atrás.
Numa direção oposta, e como forma de exemplificar essa questão da
publicização dos recursos do FUNDEF transferidos para Estados e Municípios,
consideramos oportuno citarmos aqui o discurso de Paulo Renato de Souza, na época à
frente do Ministério da Educação:
Os professores passaram a acompanhar mais atentamente os gastos das secretarias de educação, porque 60 por cento dos recursos do Fundef destinam-se, obrigatoriamente, aos salários do magistério. Ministério Público e Tribunais de Contas também foram chamados a atuar como instâncias que têm a atribuição legal de fiscalizar a gestão dos recursos. Igualmente, para garantir maior transparência na aplicação dos recursos, o Ministério da Educação firmou diversos convênios com o objetivo de divulgar a toda a população os valores destinados aos municípios. Assim, colocaram-se cartazes com essas informações em todas as agências dos correios do país. Da mesma forma, pela internet, no site do Ministério da Educação (www.mec.gov.br), todo cidadão tem acesso aos valores recebidos por cada estado e município. Nas agências do Banco do Brasil, o extrato das contas específicas do Fundef pode ser solicitado pelos conselhos, câmaras de vereadores, assembléias legislativas, Ministério Público e tribunais de contas. Essa iniciativa permitiu o acesso on-line às contas do Fundef (p. 87).
Com base nas conversas informais e nos conteúdos das entrevistas, verifica-se
que o Conselho exerce uma certa pressão junto às ações da Secretaria da Educação, ou
pelo menos junto a parte dos membros deste, o que nos pareceu uma relação tensa e/ou
conflituosa. Por isso, consideramos pertinente apreendermos o papel de cada
164
conselheiro e perceber a real postura/iniciativa da Secretaria e suas políticas
educacionais voltadas para atender com qualidade a rede municipal de ensino.
Nesse sentido, a partir das constatações mencionadas ao longo do texto,
observamos que, embora a política de descentralização dos recursos públicos como o
FUNDEF preconize a participação (e sua ampliação) da comunidade escolar, há uma
participação delegada (outorgada), a qual, em sua maioria, se restringe à escolha e
atuação dos representantes do Conselho do FUNDEF.
No decorrer da pesquisa, foi surgindo em alguns depoimentos, o questionamento
acerca da possibilidade de condições desfavoráveis para a real participação e
democratização do poder público. Isso se revelou, por exemplo, na descrença nas
instituições fiscalizadoras como o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o próprio
Conselho do FUNDEF, no apadrinhamento político e nas manobras político-eleitoreiras
que, de forma mascarada constitui na formação do poder político local. Embora essas
práticas sejam no discurso de um modo geral, consideradas ilegítimas, tradicional e
autoritária, elas se revestem de traços tidos como democráticos, respeito às diferenças
de pensamento e a própria liberdade humana.
Nesse sentido, corroboramos com a análise de Andrade (1998, p. 139-140)
acerca das formas conservadoras e autoritárias de poder em nível local, presentes em
grande parte dos municípios nordestinos, mas que não se restringe apenas a essa região
do país. O mesmo pode se aplicar para outras realidades municipais do Brasil.
A realidade da dádiva ao invés do direito, tão cara ao clientelismo político, ainda é dominante no contexto da política nordestina. A renovação política, quando existe, está atrelada a essa dimensão. São os médicos que substituem os coronéis, nos pequenos municípios do interior. A visão do benfeitor, daquele que tem algo a oferecer aos que necessitam, continua ditando a lógica político-eleitoral. Assim, mesmo que mudem as personagens, as práticas continuam as mesmas, uma vez que estão fundadas na mesma visão de fazer política.
Nessa perspectiva, romper com as estruturas tradicionais do poder e toda a
tradição que ela carrega consigo parece impossível, pois os laços políticos e sociais
estão tão amarrados nos interesses mútuos de troca, onde a contestação é encarada de
modo negativo/perigoso, e assim, temos um contexto marcado por uma história de
dependência e submissão aos detentores do poder político. Neste cenário, portanto, um
posicionamento mais crítico sobre as condições em que as relações sociais são tecidas
se coloca como um ideal distante e se alcançar, e seu percurso tornar-se algo doloroso;
165
como foi destacado em um depoimento em que alude à situação de perseguição por ter
uma postura crítica frente às deliberações da política local.
4.1.6- Impacto no Poder Local
Nesse cenário, situa-se, no âmbito da nossa pesquisa, uma das questões centrais
que orientaram a Tese teórica e empiricamente: a noção de Cultura Política como forma
de se perceber os níveis das relações sociais (e institucionais) que são gestados na
sociedade local em que esses padrões são forjados, pois se referem às relações
familiares, sociais, econômicas, culturais e políticas. Nesse sentido, procuramos ouvir
dos conselheiros entrevistados suas percepções sobre se há influência da política
partidária na condução da gestão educacional no Município, e constatamos controvérsia
acerca do entendimento de ambos sobre a questão, como se observa abaixo:
Sicrano investe muito na educação, é tanto que a educação no município cresceu demais. Esse ano mesmo o volume de projeto pra o ano de 2007 é que aqui no município haja ginásio e também ensino médio do município (representante da secretaria de educação).
Numa direção contrária, o depoimento abaixo reforça a ausência de uma política
educacional que busque elaborar um planejamento do orçamento municipal, com vista a
organizar o financiamento destinado para cada secretaria, e, neste caso, em particular, a
de educação. Além disso, também frisa a necessidade de se haver uma preocupação em
atender às determinações legais relativas ao calendário escolar.
A primeira coisa que, pra reduzir as despesas, pra o profissional é vantajoso, mas nem os duzentos dias letivos é cumprido, carga horária, nem a carga horária, nem os dias letivos, duzentos dias que é o mínimo que o aluno tem direito (representante do segmento dos professores).
Com relação à composição dos integrantes do Conselho do FUNDEF,
observamos a formação de grupos que sinalizam uma polarização política, onde, de um
lado, há aqueles que compartilham dos objetivos, da condução da gestão da educação
municipal, e, do outro, aqueles que discordam da forma como a educação vem sendo
conduzida, fazendo, portanto, a crítica.
Dentro dos parâmetros que definimos para conhecer/analisar a política municipal
de educação está a questão do Sistema Municipal/Estadual de Educação. De acordo com
informações coletadas, o município não instituiu Sistema próprio, mas está integrado ao
166
Sistema Estadual de Ensino. Neste caso, os órgãos do Estado (Secretaria e Conselho
Estaduais de Educação) autorizam e credenciam as escolas municipais. Também
tomamos conhecimento de que não existe Conselho Municipal nem um Plano
Municipal de Educação. Assim sendo, procuramos saber se existe alguma articulação
entre a rede estadual e municipal de educação, e, mais uma vez, os depoimentos são
controversos, como destacamos abaixo:
Essa articulação não tem. Até a comemoração do dia sete de setembro, ela é individual. Existe algumas parcerias em relação à troca de transportes, à troca de funcionários entre a rede municipal e a rede estadual. Agora, os projetos pra ser aplicados, sala de aula envolvendo aluno, comunidade em parceria com o município, não (representante do segmento dos professores).
Assim... a ação pedagógica sempre a gente tem, assim, uma articulação. A secretaria, ela sempre tem uma comunicação com a coordenadora geral do Estado (representante da secretaria de educação).
Destacaríamos aqui um breve comentário de um dos entrevistados acerca da
criação de um Sistema Municipal de Educação. Segundo ele, um dos instrumentos
exigidos para que se viabilize é a elaboração do Plano Municipal de Educação.
Pra educação, a gente tentou aqui, um grupo de pessoas, que a gente tinha, em 2003 nós tentamos elaborar o PME - Plano Municipal de Educação, a gente estava, na época o prefeito era sicrano, a gente tava com o Plano quase pronto, passamos seis meses estudando, participando de treinamento, capacitação, elaborando esse Plano para a Câmara aprovar, lógico. Mas, não chegou nem até lá, foi barrado. Nem o Plano Municipal de Educação num foi elaborado (representante do segmento dos professores).
Apesar da tentativa do poder público de conseguir ter mais um representante no
Conselho do FUNDEF, como já foi mencionado, uma parte dos membros do Conselho
conseguiu fazer germinar uma pequena semente de mudança, pois se articulou com um
pequeno grupo de pessoas e teve a iniciativa de começar um estudo que fomentasse o
planejamento, o qual daria origem ao Plano Municipal de Educação, se não tivesse sido
abortado pelo poder local. Esse esforço revela uma tentativa de romper com as
estruturas locais de poder, ou seja, com o modo como vem sendo conduzido e
vivenciado a política municipal.
Nessa direção, outro depoimento reforça mais uma vez a força do poder local,
que se expressa numa rede de relações sociais e políticas mantidas com base nas
práticas de favores e de proteção, que são reforçadas cotidianamente nos diversos
167
espaços públicos em que se manifestam diferentes idéias e projetos que possam, de
algum modo, colocar em jogo os interesses daqueles que detêm poder.
Aqui, na Câmara Municipal, as reuniões têm que ser mensal, lá o prefeito manda qualquer coisa pra lá, pra a Câmara aprovar, quer dizer, se a Prefeitura manda, é do interesse deles próprios... É só o que o poder executivo quiser, bota lá aprova na hora, se ele não quiser, acabou, pronto (representante do segmento dos servidores).
A partir dessas colocações, fica uma indagação: como tem sido o processo de
participação da comunidade na gestão da educação municipal, neste caso, na
composição dos seus representantes dentro do Conselho do FUNDEF.
No que diz respeito à composição do Conselho, os representantes dos segmentos
foram escolhidos pelos seus pares. Apesar de formalmente apresentarem um potencial
para exercer o controle social, isso na maioria das vezes não ocorre, pois essa questão é
complexa e sofre influência do poder local, ou quando isso não acontece o embate
político está posto. Isso pode ser exemplificado, no caso da nossa pesquisa, nas
denúncias que foram feitas e não foram tomadas as devidas providências pelos órgãos
fiscalizadores competentes, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público,
conforme já comentamos no texto. Na prática, esse aspecto, já assinalado, sobre as
críticas e fragilidades acerca da criação de Conselhos com representação de entidades da
sociedade para fiscalizar atos do “poder dito público”, não se efetiva, uma vez que
acabam sendo apenas uma casa de debates e denúncias, nada mais do que isto. Não que isso não seja importante, mas tende a ser estéril, se limitada a isso (DAVIES, 2004, p. 71).
Outra preocupação central nesse debate sobre o fortalecimento dos espaços
públicos é a própria forma de participação da população, uma vez que participar implica
em decidir, em ser sujeito participante, atuante. Como assinala PAZ (2004, p. 22):
O primeiro conteúdo que vem da Constituinte: a idéia de que a gestão local, especialmente nos municípios, tem que ser partilhada, ou seja, o prefeito e seus secretários não podem mais decidir tudo sozinhos (...) é preciso que haja participação da sociedade civil equilibrada com o poder público.
No entanto, quebrar barreiras sociais tão antigas e enraizadas na cultura política
brasileira não é fácil, inclusive naquelas realidades onde o nível de carência da
população e a dependência político-partidária ainda estão presentes.
168
Na prática, ainda há aquela idéia de que é imprescindível ter conhecimento
(formação) para participar e decidir sobre os rumos da educação. Talvez seja por isso
que é comum ver sempre as mesmas pessoas participando (como representante de
algum segmento) de vários conselhos no Município, dado que é sabido da existência de
diversos conselhos como o de saúde, educação, merenda escolar, FUNDEF etc.
Portanto, acreditamos que a participação é um exercício de aprendizado contínuo e que
é preciso tomar o primeiro passo e não desanimar nos desafios postos cotidianamente.
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Relatar a experiência do que foi a realização dessa pesquisa significa, de certa
forma, um encontro com as raízes, com a realidade estudada. Creditamos à formação
profissional (não é um ciclo que se fecha, mas que se abre para outros horizontes, dado
a sua natureza contínua) e à conquista de um amadurecimento intelectual os referenciais
importantes para uma abertura de “olhar” uma determinada realidade social, sem
preconceito, sem idéias pré-concebidas, com uma postura mais aberta e crítica para
analisar questões educacionais a partir de elaborações teórico-metodológicas que
170
contribuam para uma reflexão séria e construtiva acerca da importância das políticas
educacionais voltadas para a democratização dos espaços públicos.
Destacamos também que não temos a pretensão de “ensinar” como deve ser
conduzida uma política de educação local. Pelo contrário, humildemente, esperamos
que as questões aqui explicitadas possam, de alguma forma, contribuir para a reflexão
sobre o campo da educação, como um espaço público que possibilite a participação dos
seus pares efetivamente, além de proporcionar condições de mudança no modo de
pensar e ver o mundo.
Apostando nisso, esperamos que a nossa pesquisa seja encarada não como algo
que aponta erros, mas como algo que, por meio de seus resultados, proporcione
momentos de reflexão e um repensar sobre os alcances que uma política educacional
pode trazer para a realidade da educação pública.
Um aspecto não menos digno de consideração é o confronto com o limite
estabelecido pela localização geográfica do nosso espaço e lugar de investigação, que,
pela distância implicada, não nos permitia uma locomoção mais rápida, sistemática e
com menos custos. Entretanto, gostaríamos de destacar as razões que motivaram a nossa
escolha pelo município de Francisco Santos, localizado no Estado do Piauí.
A escolha por esse município foi motivada por questões de caráter pessoal e
profissional. Outros aspectos relevantes foram os contextos regional, social e
educacional, pois o município localiza-se num estado nordestino, em que as condições
econômicas são adversas e o acesso a níveis melhores de emprego, trabalho e
conhecimento são limitados. Nesse sentido, consideramos que esse estudo traz
implicações positivas para a realidade que pesquisamos, porque a sua participação na
agenda das políticas e pesquisa educacionais ocorre, na maioria das vezes, por meio de
dados estatísticos sobre a situação da educação municipal. Além disso, de certa forma,
poder estar dando visibilidade à vivência da política local faz a diferença deste trabalho,
porque, na verdade, trata-se de buscar apreender que acomodações foram dadas às
orientações da política nacional, no sentido de promover a democratização da escola e
da educação.
No entanto, o desenvolvimento deste trabalho foi nos levando por novos
caminhos teóricos, os quais foram redirecionando as questões explicitadas no
início do projeto, o que foi se alterando mediante o processo de elaboração da
escrita. Nesse sentido, o caminho que foi sendo trilhado no percurso do
trabalho trouxe-nos momentos de angústia e insegurança. Isso se manifestou
171
tanto na construção teórico-metodológica quanto no tratamento de análise dos
dados.
Com efeito, sem abrir mão de uma reflexão mais ampla sobre diferentes
perspectivas teóricas e conceituais implicadas em nossa reflexão, a disponibilidade dos
sujeitos da pesquisa e a escuta do que tinham a dizer constituíram um dos aspectos
fundamentais na construção e análise deste trabalho.
Ao fim do processo, acreditamos poder apresentar algumas considerações,
embora reconhecendo o caráter provisório que acompanha toda reflexão sobre a
realidade social. Desse modo, destacamos alguns elementos relevantes numa análise de
política pública de financiamento da educação.
Nesse contexto, a apreensão dos impactos do FUNDEF na realidade investigada
exigiu, de um lado, estabelecer as conexões entre o programa analisado e as
características que estão presentes na política educacional local e, de outro, entender a
lógica que subjaz a essa ação. Para tanto, buscamos aprofundar teoricamente conceitos
como descentralização, participação e cultura política, de forma que se possa
estabelecer conexões entre as orientações da política e sua implementação.
Assim, a partir dos dados da pesquisa, podemos afirmar que, em nível local, o
FUNDEF, de certo modo, trouxe benefícios para a política educacional do município,
minimizando os problemas mais urgentes da educação, uma vez que houve uma
mudança na organização e na rotina tanto dos professores quanto da secretaria, além de
um considerável incremento de mais recursos para a educação municipal que
analisamos.
Assim sendo, ressaltamos que, dentre os impactos que o FUNDEF trouxe para a
realidade investigada, uma questão apontada foi que comparando as matrículas do
ensino fundamental efetivados no período 1998-2006, o movimento sinalizou uma
ampliação de vagas na rede municipal e uma redução na rede estadual nesse nível de
ensino. O que pode ser constatado tanto pelos dados estatísticos quanto pela análise de
conteúdo das falas dos conselheiros entrevistados.
Em relação à política da Secretaria de Educação, no período de 1998-2006,
identificou-se, na análise comparativa entre quantidade de docentes versus quantidade
de alunos, a existência de um quantitativo de professores vinculados à rede municipal,
que vai além da necessidade local, pois a proporção é de 15 alunos/professor, o que
acarretou na redução da carga horária dos docentes concursados, já com a implantação
do FUNDEF, de 40 horas para 20 horas semanais. Embora essa proporção
172
aluno/professor seja uma condição favorável para a concretização do trabalho em sala
de aula, a realidade das escolas municipais tem demonstrado que as condições de
trabalho dos professores são complexas, pois eles convivem, por exemplo, com a
situação de classes multisseriadas e com a escassez de material humano e didático-
pedagógico.
Dentre as explicações dadas sobre as melhorias advindas com o FUNDEF,
foram destacadas a infra-estrutura e o transporte escolar. Em outras palavras, devido
às escolas municipais se localizarem na área rural, elas funcionam precariamente e
têm sido, de certa forma, auxiliadas com os recursos do Fundo. Segundo os
depoimentos dos conselheiros, um salto qualitativo apontado tem sido o transporte
escolar para professores – muitos residem na área urbana. Seu deslocamento tem sido
feito com recursos do FUNDEF e do PNATE, o que não havia antes da implantação do
Fundo, pois o professor que lecionava na área rural era aquele que residia na própria
localidade.
Através dos relatos dos conselheiros, percebemos que, na realidade
municipal, um dos aspectos mais significativos da presença do FUNDEF foi à
dimensão da formação dos professores, posto que, desde 1998, houve um
investimento por parte dos professores em buscar novos conhecimentos, tanto
por uma exigência da lei quanto por uma necessidade própria da atividade
docente. Além disso, também fizeram referência a uma melhora nos salários,
apesar de estes não terem acompanhado os reajustes previstos na própria
legislação do Fundo.
Os limites apontados na pesquisa tratam, sobretudo, das condições de
trabalho do professor e das questões relacionadas à estrutura funcional das
escolas municipais. Mesmo o Programa tendo trazido benefícios em termos de
uma valorização do magistério, como demonstramos na análise, foi destacado
que, no cotidiano da sala de aula, as condições são limitadas, pois ainda
convivem com a realidade de classes multisseriadas e a escassez de materiais
didático-pedagógicos, que são instrumentos básicos que auxiliam o trabalho do
professor.
Ainda sobre a questão da valorização do professor, que foi bastante comentada
durante a pesquisa, houve um investimento, por parte dos professores, na busca de sua
qualificação profissional. Por outro lado, constatou-se que, apesar da criação do Plano
de Cargos e Carreira (PCC), este apresenta limitações, como, por exemplo, não
173
contemplar progressão para o professor com pós-graduação. Nessa mesma direção, com
base na análise documental, identificou-se a necessidade de atualização do Plano, que
foi uma conquista para assegurar, de alguma forma, condições mínimas para a carreira
no magistério.
Com relação à percepção dos conselheiros entrevistados sobre o papel do
Conselho, foi recorrente em suas falas que este cumpre, dentro dos limites do poder
local, sua função de fiscalizar a aplicação dos recursos transferidos. Por outra parte,
percebeu-se, nos depoimentos de uma minoria, a concepção de que o Conselho exerce
uma certa pressão junto às ações da Secretaria de Educação, o que revelou a existência
de uma relação tensa, fruto da discordância na forma como o poder público municipal
conduz a educação.
Referente à funcionalidade do Conselho do FUNDEF, de um modo geral, na sua
gestão, ele procurou atender aos requisitos legais previstos em lei, embora não em sua
completude. Ou seja, há lacunas a serem preenchidas, que foram ressaltadas por alguns
membros em entrevista, como a questão da qualificação dos conselheiros e o sentimento
de impotência do seu papel, quando apresentavam alguma denúncia ao Poder Público e
não viam nenhuma providência ser tomada. Por outro lado, observou-se que a própria
formação do Conselho do FUNDEF, de certa forma, mexeu com as estruturas
tradicionais de poder.
Apesar das limitações inerentes ao processo de construção de espaços
democráticos e, nesse caso, do espaço de atuação do Conselho, o cenário não deve
desanimar aqueles que acreditam na luta por uma educação pública de qualidade e no
papel da sociedade na democratização das relações sociais e políticas que se expressam
nos diversos espaços e movimentos. Nesse sentido, compartilhamos com a idéia de
CRUZ (2000) de que é importante que os conselheiros e os que os elegem sejam vistos
como espaço aberto e plural, que possam servir de instância crítica em relação às suas
próprias deliberações. Nessa perspectiva, frente às informações e ao modo como se
entende qual o papel do(s) Conselho(s), consideramos pertinente, de acordo com a
autora, detalhar alguns desafios a serem superados quando da implantação e
funcionamento de qualquer Conselho, seja de qual natureza for:
(1) o instrumento jurídico adequado para a criação dos Conselhos é a lei; (2) deve-se identificar quem são as pessoas que fazem parte da composição e a quem representam, conforme previsto nas leis que regulamentam a descentralização das políticas;
174
(3) há a obrigatoriedade de Conselhos para o recebimento de recursos de outras esferas; (4) deve haver a formação dos integrantes dos Conselhos, pois quanto maior for o acesso às informações – a formação cultural, educacional e política e a consciência de seu papel – melhor será o desempenho dos conselheiros; (5) a escolha (eleição) dos conselheiros deve ser feita entre pessoas vinculadas à comunidade – e que seja alguém que realmente represente o seu segmento (grifo nosso); (6) os municípios devem proporcionar as condições de infra-estrutura e de suporte administrativo favoráveis ao exercício dos trabalhos dos Conselhos; (7) outro ponto que influi no funcionamento dos Conselhos é a existência de um Regimento Interno; (8) o mandato do conselheiro não deve coincidir com o do prefeito, para evitar a descontinuidade das políticas públicas.
Como comentamos ao longo do texto, uma outra preocupação da pesquisa foi
tentar identificar de que maneira a cultura política local poderia estar
interferindo/contribuindo nos significados assumidos pela política educacional do
Município. Partimos da idéia de que a mesma permeia todo o jeito, as atitudes, os
comportamentos, os vícios e a forma de ser de um povo, ou seja, de cada cidadão de
uma determinada realidade social. Quanto menor a localidade, maior será a proximidade
entre as pessoas, seus vínculos pessoais e sociais e mais marcadamente está presente a
força da cultura política; e nela, o tipo de relação impregnada entre o Estado e a
sociedade civil.
A depender desses níveis de relações, pode-se inferir que uma cultura política
pode se apresentar dentro de padrões sociais que reforçam maior
participação/democratização dos espaços públicos, como também padrões sociais que se
baseiam na prática de favores, na dependência econômico-partidária e no poder
paternalista incorporado pelas autoridades administrativas; em suma, numa prática
política e social de subserviência em que os sujeitos exercem uma pequena margem de
autonomia (uma autonomia limitada) e, portanto, de limitações na democratização das
relações sociais, políticas e educacionais.
A partir das questões apreendidas durante a pesquisa, e de forma conclusiva,
podemos inferir que um impacto positivo por parte do FUNDEF foi possibilitar um
papel de destaque na oferta da educação infantil e de uma parte significativa do ensino
fundamental. Pudemos ainda perceber que o processo de municipalização
impulsionado pela captação de mais recursos para as escolas municipais, com o
advento do FUNDEF, exige planejamento e um acompanhamento monitorado, para
175
que a ampliação quantitativa seja alcançada juntamente com a qualitativa, tanto nas
condições de ensino quanto na manutenção das condições físicas das escolas. Isso
implica, sobremaneira, na valorização salarial dos professores e nas condições de
trabalho em sala de aula. Nesse sentido, concordamos que:
para que a municipalização se materialize como uma dimensão importante da gestão democrática, no âmbito do município, se torna um imperativo o fortalecimento do poder local, expresso na criação de bases reais para a institucionalização da capacidade de gestão e de financiamento público da educação municipal (NETO & OLIVEIRA, 2006, p. 43).
Ademais, em vista dos resultados alcançados, acreditamos que questões ficaram
em aberto e que novos horizontes se abrem para que estudos e pesquisas possam
aprofundar e problematizar novos questionamentos no âmbito da política educacional,
em especial, das políticas de financiamento da educação, posto que desafios
continuamente estão postos no cotidiano e na dinâmica das políticas públicas.
176
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
ABRANCHES, Mônica. Colegiado escolar: espaço de participação da comunidade. São
Paulo: Cortez, 2003. Coleção Questões da Nossa Época, n. 102.
177
ABREU, Mariza. Descentralização e federalismo. Cadernos Aslegis. Brasília, DF, v. 3,
n. 7: 30-35, jan/abr, 1999.
_______. Estudo sobre as possibilidades de continuidade do FUNDEF e o
financiamento da educação básica no país. Consultoria Legislativa da Área XV
Educação, Cultura, Desporto, Bens Culturais, Diversões e Espetáculos Públicos.
Brasília: Câmara dos Deputados, mai, 2003.
ABRUCIO, F. L. A Coordenação Federativa no Brasil: a experiência do período FHC e
os desafios do governo Lula. Revista de Sociologia e Política. n. 24: 41-67, jun, 2005.
_______ & COSTA, V. M. F. Reforma do estado e o contexto federativo brasileiro. São
Paulo: Konrad-Adenauer Stiftung, 1998. Série Pesquisas, n. 12.
AFFONSO, Rui B. A. & SILVA, Pedro L. B. (orgs.). Federação em perspectiva:
ensaios selecionados. São Paulo: FUNDAP, 1995.
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Federalismo e políticas sociais. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 10: 88-108, jun, 1995.
ALVES, Erlice de; AZEVEDO, Janete M. L. de & SANTOS, Inalda M. dos. A
autonomia da escola, o conselho escolar e a gestão democrática da educação. Anais do
XIV Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste (EPEN): Avaliação Institucional.
Salvador: UFBA, 1999.
ALVES, Maria do Socorro Valois. Financiamento da educação: o Fundef e a
valorização do magistério nas municipalidades. Dissertação de Mestrado em Educação.
Recife: UFPE, 2002.
AMARAL, Nelson Cardoso. Um novo Fundef? As idéias de Anísio Teixeira. Educação
& Sociedade: Dossiê “Políticas Educacionais”. Campinas, ano XXII, n. 75, ago, 2001.
ANDRADE, Ilza Araújo Leão de. Descentralização e poder municipal no Nordeste: os
dois lados da nova moeda. In: SOARES, José Arlindo (org.). O Orçamento dos
Municípios no Nordeste Brasileiro. Brasília: Ed. Paralelo 15, 1998.
ARELARO, Lisete Regina Gomes. Financiamento e orçamento da educação para
educadores. Brasília: UNDIME, n. 3, abr, 1997.
178
_______. Financiamento e qualidade da educação brasileira. Algumas reflexões sobre o
documento “Balanço do primeiro ano do Fundef – Relatório MEC”. In: DOURADO,
Luiz Fernandes (org.). Financiamento da educação básica. Campinas, SP: Autores
Associados; Goiânia, GO: Editora da UFG, 1999. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo,
v. 69.
_______. FUNDEF: uma avaliação preliminar dos dez anos de sua implantação. Anais
da 30ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG: ANPED, 2007.
_______. O ensino fundamental no Brasil: avanços, perplexidades e tendências. Revista
Educação & Sociedade. Campinas, n. 92, 2005.
_______. Resistência e submissão: a reforma educacional na década de 1990. In:
KRAWCZYK, Nora; CAMPOS, Maria Malta & HADDAD, Sérgio (orgs.). O cenário
educacional latino-americano no limiar do século XXI: reformas em debate. Campinas,
SP: Autores Associados, 2000. Coleção Educação Contemporânea.
ARRETCHE, Marta. Dossiê Agenda de Pesquisas em Políticas Públicas. Revista
Brasileira de Ciências Sociais. vol. 18, n. 51. São Paulo: ANPOCS, 2003.
_______. Estado federativo e políticas sociais: determinantes da descentralização. Rio
de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 2000.
_______. Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas
públicas? Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 11, n. 31. São Paulo: ANPOCS,
1996.
_______. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista
Brasileira de Ciências Sociais. v. 14, n. 40. São Paulo: ANPOCS, 1999.
AZEVEDO, Janete M. L. de & FERREIRA, Rosilda. O financiamento do ensino
fundamental. Recife: UFPE, 2000 (Texto para Discussão).
_______. A educação como política pública. Campinas: Autores Associados,
1997.
_______. A formação docente no Brasil no contexto do Plano Nacional de Educação.
Recife: UFPE, 2003. (Versão preliminar)
179
_______. Implicações da nova lógica de ação do estado para a educação municipal.
Revista Educação & Sociedade. Campinas, n. 80, 2002.
_______. Novas configurações institucionais e as políticas educativas:
problematizando uma agenda de pesquisa. Trabalho completo publicado em Sessão
Especial. Caxambu, Minas Gerais: ANPED, 2001.
_______ & AGUIAR, Márcia Ângela. A produção do conhecimento sobre a
política educacional no Brasil: um olhar a partir da ANPED. Educação &
Sociedade. ano XXII, n. 77, Dez, 2001.
_______; FERREIRA, Rosilda & AGUIAR, Márcia A. A gestão da educação e a
qualidade do ensino no contexto da reforma do estado. Projeto de Pesquisa. Recife:
Mestrado em Educação da UFPE, 1998.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1977.
BARRETO, Maria Inês & VIGEVANI, Tullo. Cenário global e o espaço de intervenção
dos governos locais. In: MARTINS, Ângela; OLIVEIRA, Cleiton de & BUENO, Maria
Sylvia Simões. Descentralização do estado e municipalização do ensino: problemas e
perspectivas. Editora DP&A, 2004.
BARROSO, João. O Estado, a educação e a regulação das políticas públicas. Revista
Educação & Sociedade. vol. 26, n. 92, out, 2005.
_______. O reforço da autonomia das escolas e a flexibilização da gestão escolar em
Portugal. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (org.). Gestão democrática da
educação: atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 1998.
BASSI, Marcos Edgar. Gestão e financiamento da educação básica: repercussões do
Fundef em sete municípios paulistas. Tese de Doutorado em História e Filosofia da
Educação. São Paulo: PUC, 2001.
BAVA, Sílvio Caccia. Democracia e poder local. In: VILLAS-BÔAS, Renata (org.). Participação
popular nos governos locais. São Paulo: Polis, 1994.
BORDENAVE, J. E. D. O que é Participação. São Paulo: Brasiliense, 1987.
180
BORJA, Jordi. Democracia local: descentralización del estado, políticas económico-sociales en la ciudad
y participación popular. Barcelona: Ayuntamento de Barcelona.
_______. Estado y Ciudad. Barcelona: PPU, 1988.
BOURDIN, Alain. A questão local. Tradução de Orlando dos Santos Reis. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
BRANDÃO, Zaia. Pesquisa em educação: conversas com pós-graduandos. Rio de
Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2002.
CALLEGARI, César & CALLEGARI, Nilton. Ensino fundamental: a
municipalização induzida. São Paulo: Editora SENAC, 1997.
CAMARGO, A. A federação acorrentada: nacionalismo desenvolvimentista e
instabilidade democrática. Anais do 16º Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu: MG,
1992.
CAMARGO, R. et al. A qualidade na educação escolar: dimensões e indicadores
em construção. In: FARENZENA, Nalú (org.). Custos e condições de qualidade da
educação em escolas públicas: aportes de estudos regionais. Brasília: INEP/MEC,
2005.
CAPELLA, Ana Claúdia N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de
políticas públicas. In: HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta & MARQUES,
Eduardo (orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.
CARVALHO, Maria do Carmo A. A. & TEIXEIRA, Ana Claudia C. (org.). Conselhos
gestores de políticas públicas. São Paulo: Polis, 2000. Publicações Polis, 37.
CASASSUS, Juan. Tarefas da educação. Campinas: Autores Associados, 1995.
CASTRO, Jorge Abrahão de. Financiamento da educação no Brasil. Em
Aberto/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Brasília, v. 18, n. 74, p. 1-164, dez,
2001.
_______. Financiamento e gasto público na educação básica no Brasil: 1995-
2005. Revista Educação & Sociedade. Campinas, vol. 28, n. 100, out, 2007.
181
_______. O impacto do novo texto constitucional no financiamento da educação.
Brasília: IPEA, 1989.
_______; BARRETO, Angela Rabelo & CORBUCCI, Paulo Roberto. A reestruturação
das políticas federais para o ensino fundamental: descentralização e novos mecanismos
de gestão. Texto para Discussão nº 745. Rio de Janeiro: IPEA, 2000.
_______ & FERNANDES, Maria Alice C. Sistema de informações sobre os gastos
públicos da área de educação – SIGPE: diagnóstico para 1995. Brasília: IPEA, 1999.
(Texto para Discussão)
CASTRO, Maria Helena Guimarães de. O impacto da implementação do Fundef nos
estados e municípios: primeiras observações. In: COSTA, Vera Lúcia Cabral (org.).
Descentralização da educação: novas formas de coordenação e financiamento. São
Paulo: FUNDAP: Cortez, 1999.
CIAVATTA, Maria. A construção da democracia pós-ditadura militar: políticas e
planos educacionais no brasil. In: FÁVERO, Osmar & SEMERARO, Giovanni (orgs.).
Democracia e construção do público no pensamento educacional brasileiro. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2002.
COHEN, Jean L. & ARATO, Andrew. Sociedad civil y teoría política. Fondo de
Cultura Económica: México, 2000.
CÔRTES, Soraya Vargas. Viabilizando a participação em conselhos de política pública
municipais: arcabouço institucional, organização do movimento popular e policy
communities. In: HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta & MARQUES, Eduardo
(orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.
COSTA, Vera Lúcia Cabral (org.). Descentralização da educação: novas formas de
coordenação e financiamento. São Paulo: FUNDAP: Cortez, 1999.
_______. Descentralização da educação no Brasil: as reformas recentes no ensino
fundamental. Caderno de Pesquisa. n. 38, Campinas, UNICAMP: NEPP, 1998.
COUTO, C. G. & ABRUCIO. F. L. O Segundo Governo FHC: coalizões,
agendas e instituições. Tempo Social. São Paulo, v. 15, n. 2, 2003.
182
CRUZ, Maria do Carmo Meirelles. Desafios para o funcionamento eficaz dos
conselhos. In: CARVALHO, Maria do Carmo A. A. & TEIXEIRA, Ana Claudia C.
(orgs.). Conselhos gestores de políticas públicas. São Paulo: Polis, 2000. Publicações
Polis, 37.
CUNHA, Edite da Penha & CUNHA, Eleonora Schettini M. Políticas Públicas
Sociais. In: CARVALHO, Alysson et al. Políticas públicas. Belo Horizonte:
Editora UFMG; Proex, 2002.
CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica no Brasil. Revista Educação &
Sociedade. Campinas, vol. 23, n. 80, set, 2002a.
_______. Conselhos de educação: fundamentos e funções. Revista Brasileira de Política
e Administração da Educação. Porto Alegre: ANPAE, v. 22, n. 1, jan/jun, 2006.
_______. Estado e políticas de financiamento em educação. Revista Educação &
Sociedade. Campinas, vol. 28, n. 100, out, 2007.
_______. Legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. Coleção “O
que você precisa saber sobre...”.
_______. Políticas da educação: um convite ao tema. In: FÁVERO, Osmar &
SEMERARO, Giovanni (orgs.). Democracia e construção do público no pensamento
educacional brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002b.
DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, espaços públicos e a construção
democrática no Brasil: limites e possibilidades. In DAGNINO, Evelina (org.).
Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Editora Paz e Terra,
2002.
DANIEL, Celso. Gestão local e participação da sociedade. In: VILLAS-BÔAS, Renata
(org.). Participação popular nos governos locais. São Paulo: PÓLIS, 1994.
DAVIES, Nicholas. Conselhos do Fundef: participação impotente? In:
SCHEINVAR, Estela & ALGEBAILE, Eveline (orgs.). Conselhos participativos e
escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
183
_______. O financiamento da educação e o mecanismo dos fundos: solução ou
remendo? Niterói, RJ: UFF, 2005. (mimeo)
_______. O FUNDEF e as verbas da educação. São Paulo: Xamã, 2001.
_______. O FUNDEF e o orçamento da educação: desvendando a caixa preta.
Campinas, SP: Autores Associados, 1999. Coleção polêmica do nosso tempo, 64.
_______. Tribunais de Conta e Educação: quem controla o fiscalizador dos recursos.
Brasília: Plano Editora, 2001.
DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa.
Fortaleza: UFC, 1988.
DINIZ, Eli. Construção de uma nova ordem no Brasil dos anos 90. In: DINIZ, Eli &
AZEVEDO, Sérgio de (orgs.). Reforma do estado e democracia no Brasil. Brasília:
UnB, 1997.
_______. Governabilidade, democracia e reforma do estado: os desafios da educação
básica: empregabilidade e eqüidade social. Brasília: UnB, 1998.
DOURADO, Luiz Fernandes (org.). Financiamento da educação básica. Campinas, SP:
Autores Associados; Goiânia, GO: Editora da UFG, 1999. Coleção Polêmicas do Nosso
Tempo, v. 69.
_______ & PARO, Vitor Henrique (orgs.). Políticas públicas & educação básica. São
Paulo: Xamã, 2001.
DRAIBE, Sônia Miriam. A experiência brasileira recente de descentralização de
programas federais de apoio ao ensino fundamental. In: COSTA, Vera Lúcia Cabral
(org.). Descentralização da educação: novas formas de coordenação e financiamento.
São Paulo: FUNDAP: Cortez, 1999.
_______. Reforma do estado e descentralização: a experiência recente da
política brasileira de ensino fundamental. Caderno de pesquisa. n. 37. Campinas:
UNICAMP: NEPP, 1998.
184
DUARTE, Marisa Ribeiro Teixeira. O conceito de controle social e a vinculação de
recursos à educação. Anais da 29ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG: ANPED,
2006.
FAGNANI, E. Governo Federal e financiamento da educação na Nova República. São
Paulo: FUNDAJ, 1989.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 3ª ed. Rio de janeiro: Globo, 2001.
FARENZENA, Nalú (org.). Custos e condições de qualidade da educação em escolas
públicas: aportes de estudos regionais. Brasília: INEP/MEC, 2005.
_______. A prioridade financeira ao ensino fundamental na reforma constitucional da
educação de 1996: um olhar sobre o funil parlamentar. Anais da 24ª Reunião Anual da
ANPED. Caxambu, MG: ANPED, 2001.
FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Idéias, conhecimento e políticas públicas: um
inventário sucinto das principais vertentes analíticas recentes. Revista Brasileira de
Ciências Sociais. vol. 18, n. 51. São Paulo: ANPOCS, 2003.
FARIA, Lia. A questão local: um debate para a educação. Revista Brasileira de Política
e Administração da Educação. Porto Alegre: ANPAE, v. 22, n. 1, jan/jun, 2006.
FERNANDES, Francisco das Chagas. FUNDEF: fiscalização e controle social.
Cadernos de Educação. Brasília: DF, v. 6, n. 15, jun, 2001.
FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NA AMÉRICA LATINA/PREAL. Tradução de
Paulo Martins Garchet. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.
FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL. Em Aberto/Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas. Brasília, v. 18, n. 74, p. 1-164, dez, 2001.
FIORI, J. L. O federalismo diante do desafio da globalização. In: AFFONSO, R.
de B. Á.; SILVA, P. L. B. (orgs.). A federação em perspectiva: ensaios selecionados.
São Paulo: FUNDAP, 1995.
FISCHER, Tânia (org.) Poder local: governo e cidadania. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1993.
185
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 2ª ed. São
Paulo: Ática, 1974.
GEMAQUE, Rosana Maria Oliveira. O financiamento de educação: Fundef na
educação do Estado do Pará: feitos e fetiches. Tese de Doutorado. São Paulo: FEUSP,
2004.
GENRO, Tarso. O novo espaço público: 21 teses para a criação de uma política
democrática e socialista. Folha de São Paulo. 09/06/96, Caderno Mais.
_______. Reforma do estado e democratização do poder local. In: VILLAS-BÔAS,
Renata. Poder local, participação popular: construção da cidadania. São Paulo: Fórum
Nacional de Participação Popular nas Administrações Municipais. n. 1, fev, 1995.
GIAMBIAGI, Fábio & DUARTE DE ALÉM, Ana Claúdia. Finanças públicas: teoria e
prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.
GIL ESTEVES, Luiz Carlos. O Fundef no Estado do Rio de Janeiro: a óptica dos
perdedores – 01/08/2005. Revista Brasileira de Educação. v. 12, n. 35, mai/ago, 2007.
GIL, Juca. Conselho do Fundef no âmbito da união: um mecanismo de controle social?
São Paulo: USP, 2005.
GIUBILEI, Sonia (orgs.). Descentralização, municipalização e políticas educativas.
Campinas, SP: Editora Alínea, 2001.
GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo:
Cortez, 2001.
GOMES, Cândido Alberto; CARNIELLI, Beatrice Laura; JESUS, Wellington Ferreira
de & LEAL, Helder Bueno. O financiamento da educação brasileira: uma revisão da
literatura. Porto Alegre: ANPAE, v. 23, n. 1, jan/abr, 2007.
GUIMARÃES, José Luiz. Alguns impactos do Fundef: apontamentos e incertezas após
a sua implantação. In: MARTINS, Ângela Maria; OLIVEIRA, Cleiton de & BUENO,
Maria Sylvia Simões. Descentralização do estado e municipalização do ensino. Rio de
Janeiro: DP&A, 2004.
186
HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta & MARQUES, Eduardo (orgs.). Políticas
públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007.
HÖFLING, Eloísa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. In: Políticas
públicas e educação. Cadernos CEDES. São Paulo: UNICAMP, v. 21, n. 55,
2001.
JACOBI, Pedro. Descentralização municipal e participação dos cidadãos: apontamentos
para o debate. Revista LUA NOVA. São Paulo: CEDEC, vol. 20, 1990.
_______. Políticas sociais e ampliação da cidadania. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2000. Originalmente apresentado como Tese do autor de Livre Docência na
Universidade de São Paulo em 1996, com o título: Ampliação da Cidadania e
Participação – desafios na democratização da relação poder público/sociedade civil no
Brasil.
JOBERT, Bruno & MULLER, Pierre. L’État en Action. Paris: PUF, 1987.
KRAWCZYK, Nora. A construção social das políticas educacionais no Brasil e na
América Latina. In: KRAWCZYK, Nora; CAMPOS, Maria Malta & HADDAD, Sérgio
(orgs.). O cenário educacional latino-americano no limiar do século XXI: reformas em
debate. Campinas, SP: Autores Associados, 2000. Coleção Educação Contemporânea.
KUGELMAS, Eduardo & SOLA, Lourdes. Recentralização/Descentralização: dinâmica
do regime federativo no Brasil dos anos 90. Tempo Social: revista de sociologia da
USP. São Paulo, 1999.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime
representativo no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.
LOBO, Thereza. Descentralização: conceitos, princípios, prática governamental.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Carlos Chagas, n. 74, 1990.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Descentralização, municipalização e Fundef no Pará.
In: COSTA, Vera Lúcia Cabral (org.). Descentralização da educação: novas formas de
coordenação e financiamento. São Paulo: FUNDAP/Cortez, 1999.
187
LUCE, Maria Beatriz Moreira & FARENZENA, Nalú. Eqüidade e qualidade da
educação básica e as relações intergovernamentais no financiamento e na gestão da
educação. Porto Alegre: ANPAE, v. 22, n. 2, jul/dez, 2006.
_______. O fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de
valorização do magistério no Rio Grande do Sul: acompanhamento do impacto. Porto
Alegre, Projeto de Pesquisa, jul, 1998.
MARQUES, A. E. S. Despesas governamentais com educação: 1986-1990. Brasília:
IPEA, 1991.
MARSIGLIA, Javier. Desenvolvimento e gestão local: temas e atores em um cenário de
mudanças. In: BAVA, Silvio Caccia (org.). Desenvolvimento local. Pólis, n. 25, 1996.
MARTINS, Paulo Sena. Financiamento da educação no município. In: Guia de
Consulta para o Programa de Apoio aos Secretários Municipais de Educação –
PRASEM II. Brasília: FUNDESCOLA/MEC, 1999.
_______. O financiamento da educação básica no Plano Nacional de Educação (Lei nº
10.172/2001). Consultoria Legislativa da Área XV Educação, Cultura, Desporto, Bens
Culturais, Diversões e Espetáculos Públicos. Relatório Especial. Brasília: Câmara dos
Deputados, abril, 2003.
MELCHIOR, José Carlos Araújo. Mudanças no financiamento da educação no Brasil.
Campinas: Autores Associados, 1997.
MELLO e SOUZA, Alberto de. Crise de estado e descentralização educacional no
Brasil: resistências, inovações e perspectivas. Planejamento e políticas públicas. n. 10:
1-31, 1993.
MELO, Marcus André B. C. Crise federativa, guerra fiscal, hobbesianismo
municipal: efeitos perversos da descentralização? In: OLIVEIRA, Marcos
Aurélio Guedes de (org.). Política e contemporaneidade no Brasil. Recife:
Edições Bagaço, 1997.
188
_______. Estado, Governo e Políticas Públicas. In: MICELI, Sergio (org.). O que ler na
ciência social brasileira (1970-1995). São Paulo: Sumaré/ANPOCS: Brasília, DF:
CAPES, 1999.
MELQUIOR, José Carlos Araújo. A política de recursos públicos e o financiamento da
educação no Brasil. São Paulo: USP, 1981.
_______. Financiamento da educação no Brasil numa perspectiva democrática.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo, v. 34, 1980.
MENEZES, Janaína Specht Silva. O financiamento de educação no Brasil: o FUNDEF
a partir dos relatos de seus idealizadores – 01/02/2005. www.capes.gov.br/bancodeteses
Consultado no dia 15/10/2007.
MONLEVADE, João Antônio. Custo-Aluno-Qualidade: apontamentos para clarear um
conceito-chave para o planejamento da educação. In: Campanha Nacional pelo Direito à
Educação. Dossiê para a Oficina Custo-Aluno-Qualidade: financiando a educação que
queremos. São Paulo: Campanha Nacional, 200_.
_______ & FERREIRA, Eduardo B. O FUNDEF e seus pecados capitais. Ceilândia,
DF: Idéa, 1997.
MOTTER, Paulino & GOMES, Candido Alberto. A educação brasileira em tempo de
mudança. Posfácio. In: PLANK, David N. Política educacional no Brasil: caminhos
para a salvação pública. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
MÜLLER NETO, Júlio S. Descentralização e democracia: tópicos de um debate. Saúde
em debate. n. 33: 33-39, Rio de Janeiro, 1991.
MULLER, Pierre & SUREL, Yves; [traduzido por] BAVARESCO, Agemir &
FERRARO, Alceu R. A análise das políticas públicas. Pelotas: EDUCAT, 2004.
NASPOLINI, Antenor. Descentralização da educação: a caminhada cearense. COSTA,
Vera Lúcia Cabral (org.). Descentralização da educação: novas formas de coordenação
e financiamento. São Paulo: FUNDAP: Cortez, 1999.
NATAL, J. L. A. Agudização do problema federativo e esgotamento do padrão de
desenvolvimento no Brasil. Espaço e Debates. n. 39, 1996.
189
NEGRI, Barjas. O fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental e de
valorização do magistério. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais, 1997. Série Documental. Textos para discussão.
NETO,AntônioCabral&OLIVEIRA, Maria Neusa de. Descentralização/municipalização
do ensino no Estado da Bahia: aspectos político-institucionais e administrativos. NETO,
Antônio Cabral. (org.). Política educacional: desafios e tendências. Porto Alegre:
Sulina, 2004.
_______; NASCIMENTO, Ilma Vieira do & LIMA, Rosângela Novaes. Políticas
públicas de educação no Brasil: compartilhando saberes e reflexões. Porto Alegre:
Sulina, 2006.
NETO, Mariano da Silva. O município de Francisco Santos: estudo e memória.
Teresina: COMEPI, 1985.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As possibilidades da política: idéias para a reforma
democrática do Estado. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
NOGUEIRA, S. M. A. Década de 90, as diretrizes da política educacional e o ensino
fundamental: uma abordagem. In: Ensaio: avaliação e políticas públicas em educação.
Rio de Janeiro, v. 9, n. 33, p: 459-473, 2001.
OLIVEIRA, Ana Maria Pádua de. et al. O custo aluno e as condições para um
ensino de qualidade: o caso do Piauí. In: FARENZENA, Nalú (org.). Custos e
condições de qualidade da educação em escolas públicas: aportes de estudos regionais.
Brasília: INEP/MEC, 2005.
OLIVEIRA, Romualdo Portela. O financiamento público da educação e seus problemas.
In: OLIVEIRA, Romualdo Portela (org.). Política educacional: impasses e alternativas.
São Paulo: Cortez, 1998.
_______. O FUNDEF em debate: resultados de uma pesquisa com vistas a sua
avaliação. Anais da 25ª Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG, 2002.
(www.anped.org.br)
190
_______. Sobre a necessidade do controle social no financiamento da educação. In:
OLIVEIRA, Dalila Andrade & DUARTE, Mariza R. T. Política e trabalho na escola:
administração dos sistemas públicos de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.
PAZ, Rosângela. Os conselhos como forma de gestão das políticas públicas.
In: SCHEINVAR, Estela & ALGEBAILE, Eveline (orgs.). Conselhos
participativos e escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
PEREIRA, Célia Maria Rodrigues da Costa. Democratização da Política Educacional
Brasileira e o FUNDEF: uma análise de suas práticas discursivas: do “dito feito” ao
“feito não dito”. Tese de Doutorado em Sociologia. Recife: UFPE, 2006.
PEREIRA, Potyara A. P. Concepções e propostas de políticas sociais em
curso: tendências, perspectivas e conseqüências. Brasília:
NEPPOS/CEAM/UnB, 1994.
PINTO, José Marcelino de Rezende. A política recente de fundos para o financiamento
da educação e seus efeitos no pacto federativo. Revista Educação & Sociedade.
Campinas, vol. 28, n. 100, out, 2007.
_______. Financiamento da educação no Brasil: um balanço do governo FHC (1995-
2002). Educação & Sociedade. Campinas, vol. 23, n. 80, 2002.
_______. Os recursos para a educação no Brasil no contexto das finanças
públicas. Brasília: Plano, 2000.
_______. Sobre municipalização do ensino, coronelismo e números, muitos
números. In: CASTRO, M. et. al. (orgs). Educação comparada na perspectiva da
globalização e autonomia. São Leopoldo, RS: UNISINOS, 2000.
PIRES, Valdemir. Economia da educação: para além do capital humano. São Paulo:
Cortez, 2005.
POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO. Cadernos CEDES. São Paulo: UNICAMP,
v. 21, n. 55, 2001.
191
RAMOS, Angélica Maria Pinheiro. O financiamento da educação brasileira no
contexto das mudanças político-econômicas pós-90. Brasília: Plano Editora, 2003.
REIS, Elisa P. Reflexões leigas para a formulação de uma agenda de pesquisa em
políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v. 18, n. 51. São Paulo:
ANPOCS, 2003.
RODRIGUES, Vicente. Financiamento da educação e políticas públicas: o Fundef e a
política de descentralização. Cadernos CEDES. São Paulo: UNICAMP, v. 21, n. 55,
2001.
_______. Financiamento da educação e políticas públicas no Brasil no contexto das
finanças públicas. Brasília: Plano, 2000.
ROSAR, Maria de Fátima Félix. A municipalização como estratégia de descentralização
e de desconstrução do sistema brasileiro. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade (org.). Gestão
democrática da educação: desafios contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
SALES, Luís Carlos et. al. O impacto do FUNDEF no Piauí (1996-2000). Relatório de
Pesquisa. Teresina: UFPI, 2001.
SANTOS JÚNIOR, Orlando Alves dos. Democracia e governo local: dilemas da
reforma municipal no Brasil. Rio de Janeiro: Revan/FASE, 2001.
SANTOS, Alfredo Sérgio Ribas dos. Financiamento da educação no Brasil: estudos,
legislações e autonomia financeira da escola pública municipal. Rio de Janeiro:
ANPAE, v. 19, n. 2, out/dez, 2004.
SANTOS, Inalda Maria dos. A política de descentralização do financiamento do ensino
fundamental e sua repercussão nas unidades escolares: um estudo sobre o programa
Dinheiro Direto na Escola. Dissertação de Mestrado em Educação. Recife: UFPE, 2001.
SANTOS, Maria Rosimary Soares dos. A política de financiamento da educação básica
no Brasil: apontamentos para o debate. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade & DUARTE,
Mariza R. T. Política e trabalho na escola: administração dos sistemas públicos de
educação básica. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
192
SATO, Ademar K. O interesse pela descentralização. Anais do Seminário Sobre
Municipalização das Políticas Públicas. Rio de Janeiro: IPEA/IBAM/ENAP, 1993.
SCHEINVAR, Estela & ALGEBAILE, Eveline (orgs.). Conselhos participativos e
escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
SCOBIE, Tanya, ALVAREZ, Carola & ARCIA, Gustavo. O financiamento da
educação e a reforma educacional: um marco para a sua sustentabilidade. In:
Financiamento da educação na américa latina/preal. Tradução de Paulo Martins
Garchet. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.
SHIROMA, Eneida Oto, MORAES, Maria Célia M. de & EVANGELISTA, Olinda. A
reforma como política educacional dos anos 1990. In: SHIROMA, Eneida Oto;
MORAES, Maria Célia M. de & EVANGELISTA, Olinda. Política educacional. Rio de
Janeiro: DP&A, 2000. Coleção “O que você precisa saber sobre...”.
SILVA JÚNIOR, João dos Reis. O papel político da municipalização educacional na
construção dos novos traços da sociedade civil na década de 1990. In: MARTINS,
Ângela; OLIVEIRA, Cleiton de & BUENO, Maria Sylvia Simões. Descentralização do
Estado e Municipalização do Ensino: problemas e perspectivas. Editora DP&A, 2004.
_______. Reforma do estado e da educação no Brasil de FHC. São Paulo: Xamã, 2003.
SILVA, Leonides Alves da. Para que participação popular nos governos locais? São
Paulo: Instituto Pólis/Instituto Cajamar/IBASE/FASE, fev, 1996. (Apresentação)
SILVA, Pedro Luiz Barros & MELO, Marcus André Barreto de. O processo de
implementação de políticas públicas no Brasil: características e determinantes da
avaliação de programas e projetos. Caderno de Pesquisa. n. 48, Campinas, UNICAMP:
NEPP, 2000.
SOARES, José Arlindo & LOSTAO, Salvador Soler. Poder local e participação
popular. Rio de janeiro: Rio Fundo, 1992.
SOUSA JUNIOR, Luís. O FUNDEF e o direito à educação básica. Anais da 24ª
Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG, 2001. (www.anped.org.br)
193
SOUZA, A. M. O financiamento da educação e o acesso à escola no Brasil. Brasília:
IPEA, 1979.
SOUZA, Celina. “Estado do Campo” da pesquisa em políticas públicas no Brasil.
Revista Brasileira de Ciências Sociais. vol. 18, n. 51. São Paulo: ANPOCS, 2003.
_______. Estado da arte da pesquisa em políticas públicas. In: HOCHMAN, Gilberto;
ARRETCHE, Marta & MARQUES, Eduardo (orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio
de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.
_______. Intermediação de interesses regionais no Brasil: o impacto do federalismo e
da descentralização. Dados: revista de ciências sociais. Rio de Janeiro, 1998.
SOUZA, Donaldo Bello de & FARIA, Lia Ciomar Macedo de (orgs). O processo de
construção da educação municipal pós-LDB 9.394/96: políticas de financiamento e
gestão. In: SOUZA, Donaldo Bello de & FARIA, Lia Ciomar Macedo de (orgs).
Desafios da educação municipal. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
_______ (orgs). Políticas de financiamento da educação municipal no Brasil (1996-
2002): das disposições legais equalizadas às práticas político-institucionais excludentes.
Ensaio. Rio de Janeiro, v. 12, n. 42: 564-582, jan/mar, 2004.
SOUZA, Paulo Renato. A revolução gerenciada: Educação no Brasil 1995-2002. São
Paulo: Prentice Hall, 2005.
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. Conselhos de políticas públicas: efetivamente uma nova
institucionalidade participativa? In: CARVALHO, Maria do Carmo A. A. &
TEIXEIRA, Ana Claudia C. (org.). Conselhos gestores de políticas públicas. São Paulo:
Polis, 2000. Publicações Polis, 37.
_______. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. São Paulo:
Cortez; Recife: EQUIP; Salvador: UFBA, 2001.
_______. Sistematização, efetividade e eficácia dos Conselhos. In: CARVALHO, Maria
do Carmo A. A. & TEIXEIRA, Ana Claudia C. (org.). Conselhos Gestores de Políticas
Públicas. São Paulo: Polis, 2000. Publicações Polis, 37.
194
TOLLINI, Ignez Martins. Estado e educação fundamental. Brasília: Plano Editora,
2002.
VALLE, Bertha de Borja Reis do. Formulação dos planos de cargos e salários e
estatutos do magistério: a nova legislação. SOUZA, Donaldo Bello de & FARIA, Lia
Ciomar Macedo de (orgs). Desafios da educação municipal. Rio de Janeiro: DP&A,
2003.
_______ & COSTA, Marly de Abreu. Financiamento da educação: desafios e
perspectivas. In: SILVA, Rinalva Cassiano (org.). Educação para o século XXI: dilemas
e perspectivas. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1999.
VASCONCELOS, Lígia. Economia da educação. In: ARVATE, Paulo & BIDERMAN,
Ciro. Economia do setor público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
VASQUEZ, Daniel Arias. Desigualdades interestaduais no financiamento na educação:
o caso do Fundef. In: HOCHMAN, Gilberto; ARRETCHE, Marta & MARQUES,
Eduardo (orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2007.
VELLOSO, Jacques. Financiamento das políticas públicas: a educação. ANDE, São
Paulo: Cortez, 1987.
_______. Impasse e alternativas no financiamento das políticas públicas para a
Educação: um pano de fundo. Estado e Educação. São Paulo: Papirus, 1992. Coletânea
CBE.
_______. O financiamento da educação na transição democrática. In: Educação e
Transição Democrática. São Paulo: Cortez, 1985.
_______. Pesquisas no país sobre o financiamento da educação: onde estamos? In:
WITTMANN, Lauro Carlos & GRACINDO, Regina Vinhaes (orgs.). O Estado da Arte
em Política e Gestão da Educação no Brasil: 1991 a 1997. Brasília: ANPAE;
Campinas: Editora Autores Associados, 2001.
_______ e OUTROS (coords.). Políticas sociais no Brasil: descentralização,
eficiência e equidade. INAE/ILDES: Rio de Janeiro, 1995.
195
VERHINE, Robert E. O FUNDEF: suas implicações para descentralização do ensino e
o financiamento da educação no Brasil. Revista da FAEEBA – Educação e
Contemporaneidade. Salvador, v. 8, n. 12, jul/dez, 1999.
_______. O impacto do FUNDEF no ensino público: o caso da Bahia. Anais do XV
EPENN. São Luís: Editora da UFMA, 2001.
_______ & PLANK, D. N. O financiamento da educação básica. Um estudo de receitas
e gastos das redes municipais de ensino da Bahia. In: BOAVENTURA, E. M. (org.).
Políticas municipais de educação. Salvador: EDUFBE, 1996.
VIANA, Ana Luiza. Abordagens metodológicas em políticas públicas. Editor Marcos
de Souza Queiroz. Caderno de Pesquisa. n. 5, Campinas, UNICAMP: NEPP, 1988.
VIEIRA, Sofia Lerche. Política educacional em tempos de transição (1985-1995).
Fortaleza: UECE, 1998. Tese elaborada para Concurso de Professor Titular.
_______ & FREITAS, Isabel Maria Sabino. Política educacional no Brasil: introdução
histórica. Brasília: Plano Editora, 2003.
WERTHEIN, Jorge & CUNHA, Célio da. Políticas de educação: idéias e ações. Brasília: UNESCO, 2001. Cadernos UNESCO Brasil. Série Educação, v. 6, n. 5.
XAVIER A. C. R. O financiamento da educação em período de crise: pontos para
discussão, Brasília: IPEA, 1991.
196
DOCUMENTOS
DOCUMENTOS:
Ata da Assembléia Geral do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle
Social do FUNDEF. Francisco Santos/PI, 05 de Janeiro de 1998.
BRASIL. Decreto nº 3.142. Regulamenta a contribuição do salário-educação. Brasília,
1999.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. Centro Gráfico do
Senado Federal. Brasília, 1988.
BRASIL. FUNDEF – Manual de Orientação. Brasília, maio, 2004.
197
BRASIL. Emenda Constitucional nº 14. Brasília, 1996.
BRASIL. Planejamento Político Estratégico do MEC (1995-1998). Brasília (DF): MEC,
1995.
CARDOSO, Fernando Henrique. Mensagem ao Congresso Nacional. Presidência da
República. Brasília, 1996 (www.planalto.gov.br.publica.htm).
CARDOSO, Fernando Henrique. Pronunciamento em Cadeia Nacional, em 07 de
fevereiro de 1995. Presidência da República. Brasília, 1995.
(www.planalto.gov.br.publica.htm).
CARDOSO, Fernando Henrique. “Mãos à obra, Brasil”, proposta de governo para as
eleições presidenciais de 1994. Brasília, DF, 1994.
Regimento Interno do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do
FUNDEF. Francisco Santos/PI, 1998.
SEDUC. Relatório da Unidade de Planejamento da Secretaria Estadual de Educação
2003-2006. Teresina/PI, 2007.
SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA. Plano de Ação –
SEDUC 2006. Teresina/PI, 2006.
CONSELHO MUNICIPAL DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL
DO FUNDEF. Ata da Assembléia Geral do Francisco Santos/PI, 05 de janeiro
de 1998.
_________. Projeto de Lei nº 194/97 que cria o Conselho Municipal de
Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF.
PROJETO DE LEI nº 5.101 que dispõe sobre o sistema de ensino do Estado do Piauí.
Teresina/PI, 23 de novembro de 1999. PROJETO DE LEI nº 198/98 que dispõe sobre o Plano de Carreira e de
Remuneração do Magistério do Sistema Público do Município. Francisco
Santos, 05 de maio de 1998. PROJETO DE LEI nº 2.489/63 que cria o Conselho Estadual de Educação do Piauí.
Alterado pela Lei nº 4.600 de 30 de junho de 1993. Teresina/PI.
198
199
200
201
202
203
204
205
206
207
208
209
210
211
212
213
214
215
216
217
218
219
220
221
222