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1 A PRESCRIÇÃO NO CRIME DE DESERÇÃO Marcos Roberto Arantes 1 Resumo O presente estudo tem por objetivo identificar qual regra deve ser utilizada para que ocorra a extinção da punibilidade pela prescrição do crime de deserção, tendo em vista que o legislador castrense previu no art. 125 do CPM, que a prescrição da ação penal ocorre de acordo com o máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, sendo que como o crime de deserção a pena máxima é de dois anos, o delito de deserção tem como prescrição o decurso de quatro anos, conforme art. 125, inciso VI do Código Penal Militar. Ocorre que na sequência o legislador estabeleceu no art. 132 do Código Penal Militar uma regra específica para a prescrição do delito de deserção, ou seja, embora decorrido o prazo de prescrição, só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de 45 (quarenta e cinco) anos, e, se oficial, a de 60 (sessenta) anos, ensejando, desta forma, divergências doutrinárias e jurisprudenciais em relação a qual regra aplicar. Abstract This study aims to identify which rule should be used for the extinction of criminal liability by prescription of desertion crime, considering that the military lawgiver predicted in article 125 of Military Penal Code, that the prescription of the criminal action occurs, according to maximum custodial sentence applied to crime, and that maximum penalty for crime of desertion is two years, the transgression of desertion has the limitation of four year, according to article 125 section VI of the Military Penal Code. Afterwards, in article 132 of the Military Penal Code, the lawgiver established a specific rule for prescribing the transgression of desertion, in other words, even though the limitation of prescription has been elapsed, the criminal liability extinguishes only when the deserter reaches 45 (forty five) years old or sixty (60) years old when officer, occasioning thereby doctrinal and jurisprudential disagreements about which rule to apply. Palavras chave Crime de Deserção. Desertor. Prescrição da Punibilidade. Termo Inicial. Termo Final. 1 Capitão da Polícia Militar do Paraná formado na Academia de Polícia Militar do Guatupê- APMG. Bacharel em Direito formado no Centro Universitário Uniandrade em 2006. Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais – CAO, na APMG e Universidade Federal do Paraná - UFPR em 20. Atualmente Chefe da Seção de Processo e Procedimentos Administrativos da Corregedoria-Geral da PMPR. E-mail: [email protected].

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A PRESCRIÇÃO NO CRIME DE DESERÇÃO

Marcos Roberto Arantes1

Resumo O presente estudo tem por objetivo identificar qual regra deve ser utilizada

para que ocorra a extinção da punibilidade pela prescrição do crime de deserção, tendo em vista que o legislador castrense previu no art. 125 do CPM, que a prescrição da ação penal ocorre de acordo com o máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, sendo que como o crime de deserção a pena máxima é de dois anos, o delito de deserção tem como prescrição o decurso de quatro anos, conforme art. 125, inciso VI do Código Penal Militar. Ocorre que na sequência o legislador estabeleceu no art. 132 do Código Penal Militar uma regra específica para a prescrição do delito de deserção, ou seja, embora decorrido o prazo de prescrição, só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de 45 (quarenta e cinco) anos, e, se oficial, a de 60 (sessenta) anos, ensejando, desta forma, divergências doutrinárias e jurisprudenciais em relação a qual regra aplicar.

Abstract This study aims to identify which rule should be used for the extinction of criminal

liability by prescription of desertion crime, considering that the military lawgiver predicted in article 125 of Military Penal Code, that the prescription of the criminal action occurs, according to maximum custodial sentence applied to crime, and that maximum penalty for crime of desertion is two years, the transgression of desertion has the limitation of four year, according to article 125 section VI of the Military Penal Code. Afterwards, in article 132 of the Military Penal Code, the lawgiver established a specific rule for prescribing the transgression of desertion, in other words, even though the limitation of prescription has been elapsed, the criminal liability extinguishes only when the deserter reaches 45 (forty five) years old or sixty (60) years old when officer, occasioning thereby doctrinal and jurisprudential disagreements about which rule to apply.

Palavras chave Crime de Deserção. Desertor. Prescrição da Punibilidade. Termo Inicial. Termo Final.

1 Capitão da Polícia Militar do Paraná formado na Academia de Polícia Militar do Guatupê- APMG. Bacharel em Direito formado no Centro Universitário Uniandrade em 2006. Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais – CAO, na APMG e Universidade Federal do Paraná - UFPR em 20. Atualmente Chefe da Seção de Processo e Procedimentos Administrativos da Corregedoria-Geral da PMPR. E-mail: [email protected].

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1. Introdução

O Crime de Deserção previsto no art. 187 do Código Penal Militar é um

crime propriamente militar, ou seja, previsto unicamente no Código Penal Militar

(CPM), estando sujeito a ele somente os militares estaduais e federais.

Tendo em vista este caráter especial, o legislador estabeleceu um tratamento

distinto e vigoroso, o considerando um crime permanente e de mera conduta que

atenta contra o serviço militar, não sendo passível de suspensão condicional da

pena, e, quanto à prescrição, também possui regra própria e especial, conforme

veremos no transcorrer do trabalho, além disso, tem um rito processual específico,

no qual o acusado poderá responder preso o processo, sendo o agente passível de

prisão enquanto perdurar o crime, dentre outras peculiaridades processuais.

Uma questão controversa em relação a este crime de deserção é definir

quanto ocorre à prescrição do delito, tendo em vista que o legislador castrense

previu no art. 125 do CPM, que a prescrição da ação penal ocorre de acordo com o

máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, sendo que como o crime

de deserção a pena máxima é de dois anos, o delito de deserção tem como

prescrição o decurso de quatro anos, conforme art. 125, inciso VI do Código Penal

Militar.

Ocorre que na sequência o legislador estabeleceu no art. 132 do Código

Penal Militar uma regra específica para a prescrição do delito de deserção, ou seja,

embora decorrido o prazo de prescrição, só extingue a punibilidade quando o

desertor atinge a idade de 45 (quarenta e cinco) anos, e, se oficial, a de 60

(sessenta) anos.

Aqui reside o problema, ou seja, qual dos dois dispositivos legais deve incidir

para caracterizar a prescrição do crime de deserção?

Assim neste artigo científico será abordado questões fundamentais que são

imprescindíveis para o leitor compreender o tema, visando demonstrar por meio de

entendimento jurisprudencial e doutrinário qual o posicionamento majoritário que

está sendo adotado em relação à prescrição do crime de deserção pelo Poder

Judiciário.

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2 DIREITO PENAL MILITAR

O capítulo em tela tem por intuito enfocar os aspectos essenciais sobre o

Direito Penal Militar para o desenvolvimento e compreensão do tema do presente

artigo científico, pois como a deserção é um crime propriamente militar, o

conhecimento das peculiaridades deste ramo do Direito especial é fundamental para

a compreensão da sistematica da deserção, já que possui peculiaridades que o

diferencia do Direito Penal Comum.

2.1 O DIREITO PENAL MILITAR

O Direito Penal Militar pode ser indicado como um Direito Penal Especial,

visto que a maioria de suas normas, diversamente das de direito penal comum, são

aplicadas a uma classe de funcionários específica do serviço público, ou seja, os

militares, tendo por objetivo preservar a ordem jurídica militar, a qual tem como

fundamento a preservação da hierarquia e a disciplina da caserna.

2.1.1 Conceito de Direito Penal Militar

O Direito Penal Militar, por ser um ramo especial, possui algumas

peculiaridades, e para uma melhor compreensão é necessário estabelecer o seu

conceito.

Romeiro, (1994, p. 1) assim define Direito Penal Militar:

O complexo de normas jurídicas, destinadas a assegurar a realização dos fins essenciais das instituições militares, cujo principal é a defesa da Pátria, qualifica uma ordem jurídica militar dentro no âmbito da ordem jurídica geral do Estado.

Desta forma, verifica-se que este ramo do direito aplica-se

predominantemente ao militar, visando, sobretudo, assegurar que o fim essencial

das instituições militares seja assegurado, de forma a garantir a defesa da Pátria,

preservando a ordem jurídica militar.

Para preservar a ordem jurídica militar, onde predominam a hierarquia e a

disciplina, estão previstos um elenco de sanções de natureza diversas, de acordo

com os diferentes bens tutelados: administrativas, disciplinares, penais, etc.”,

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conforme afirma Romeiro (1994, p. 1).

As penais surgem com o direito penal militar, que é à parte do direito penal consistente no conjunto de normas que definem os crimes contra a ordem jurídica militar, cominando-lhes penas, impondo medidas de segurança e estabelecendo as causas condicionantes, excludentes e modificativas da punibilidade, normas essas jurídicas positivas, cujo estudo ordenado e sistemático constitui a ciência do direito penal militar.

No ordenamento jurídico militar, os bens juridicamente relevantes são os

bens, a vida, o patrimônio e o dever militar, os quais são protegidos através de

sanções que asseguram sua existência.

As sanções no ordenamento jurídico militar são mais rígidas, conforme nos

ensina Loureiro Neto, (2001, p.23):

Quando se trata do ordenamento jurídico militar, a lei penal militar visa exclusivamente os interesses do Estado e das Instituições Militares. Por isso, inexiste a ação penal privada na legislação processual penal militar. Exemplificando, se um civil cometer o crime de injúria (art. 140 do CP), a ação penal será proposta através de queixa, ou seja, a iniciativa de movimentar a tutela jurisdicional é do particular. O mesmo não ocorre na legislação processual penal militar, onde a iniciativa de propor a ação penal é sempre do Estado, através de seu órgão ministerial.

Finalmente é importante destacar que este caráter especial do Direito Penal

Militar no Brasil está previsto na Constituição Federal, “ao atribuir com exclusividade

aos órgãos da Justiça Castrense, conforme especialmente prevê (art. 122), o

processo e o julgamento dos crimes militares definidos em lei (arts. 124 e 125 § 4º)”,

conforme ensina Romeiro, (1994, p. 5).

2.1.2 Crimes Militares

Não se tem obedecido a um critério uniforme para a classificação dos crimes

militares, variando através dos tempos conforme a legislação de cada país.

Para conceituar o crime militar a doutrina estabeleceu os critérios ratione

materiae, ratione personae, ratione temporis e ratione legis, conforme nos ensina

Assis (1999, p. 35 - 36):

Para conceituar o crime militar a doutrina estabeleceu os seguintes critérios: ratione materiae, ratione personae, ratione temporis e ratione legis.O critério ratione materiae exige “que se verifique a dupla qualidade militar – no ato e no agente”.São delitos militares ratione personae aqueles cujo sujeito ativo é militar atendendo exclusivamente à qualidade de militar do agente.O critério ratione loci leva em conta o lugar do crime, bastando, portanto, que o

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delito ocorra em lugar sob a administração militar.São delitos militares, ratione temporis os praticados em determinada época, como por exemplo, os ocorridos em tempo de guerra ou durante o período de manobras ou exercícios.Daí, concluímos, a classificação do crime em militar se faz pelo critério ratione legis, ou seja, é crime militar aquele que o Código Penal Militar diz que é, ou melhor, enumera em seu art. 9º.

O Brasil adota o critério ratione legis para classificar o crime militar, não

restando dúvidas quanto a este critério adotado, estando inclusive estabelecida na

própria Constituição Federal no artigo 124, ou seja: “à Justiça Militar compete

processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”

Tal linha de pensamento, a qual afirma Romeiro (1994, p. 66) também é

adotada na Alemanha e na Itália, sendo corrente em países democráticos,

fundamenta-se também no princípio do nullun crimen sine lege, estabelecendo que

“crime militar é o que a lei define como tal.”

É importante ressaltar que o Código Penal Militar, instituído pelo Decreto-lei

n.º 1.001, de 21 de outubro de 1.969, separa os crimes militares em tempo de guerra

e em tempo de paz, tratando destes últimos em seu art. 9º:

Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I – Os crimes de que trata este código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;II - Os crimes previstos neste código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado ou civil; c) por militar em serviço, ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob administração militar, ou a ordem administrativa militar; f) revogado; III – Os crimes praticados por militar da reserva, ou reformados, ou por civil contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inc. I, como os do inc. II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar ou contra a ordem administrativa militar; b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de ministério militar ou da justiça militar, no exercício de função inerente ao seu cargo; c) contra militar em formatura, ou durante o serviço de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras; d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou desempenho de serviço de vigilância, garantia

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e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou, em obediência à determinação legal superior. Parágrafo único – Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica.

Compactando o art. 9 do Código Penal Castrense podemos concluir que

estaremos diante de um crime militar quando este se encontra previsto apenas no

Código Penal Militar (propriamente militar – inciso I) ou mesmo quando previsto de

forma idêntica na legislação comum (impropriamente militar – Inciso II), desde que

praticados:

a) Por militar contra militar;

b) Por militar em local sujeito à administração militar;

c) Por militar em serviço;

d) Por militar contra o patrimônio militar.

A respeito de crimes militares cabe ainda esclarecer que a Lei Federal 9.299,

de 07 de agosto de 1.996, alterou o Código Penal Militar na redação da letra “c” do

inciso II, do art. 9; revogou a letra “f”, que enquadrava como crime militar aquele

praticado por militar mesmo fora de serviço, mas com armamento pertencente à

administração militar, e, acrescentou o parágrafo único deslocando a competência,

nos casos de crimes dolosos contra a vida praticados por militares, da justiça militar

para a justiça comum, que então passaram a ser apreciados pelo Tribunal do Júri.

Existe ainda, a possibilidade do crime militar ser praticado por civil, todavia

estes casos incidentais somente poderão ser analisados em termos de Justiça Militar

Federal, pois a Justiça Militar Estadual é competente apenas para julgar e processar

policiais militares e bombeiros militares, nos crimes militares definidos em lei (artigo

125, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal). Logo, o crime militar praticado pelo civil ou

assemelhado - que é aquele funcionário civil que está sujeito à legislação militar –,

em termos estaduais, será julgado pela justiça comum.

2.1.3 Crime militar próprio e impróprio

Outro fator importante para o estudo do Direito Penal Militar é a distinção

entre crime militar próprio e impróprio.

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Crime militar próprio é aquele que pode ser praticado apenas por militar, diz

respeito aos valores militares e, por conseqüente, encontram-se previstos apenas no

Código Penal Militar, como a deserção (arts. 187 a 194), a insubordinação (arts. 163

a 166), a violência contra superior ou militar de serviço (arts. 157 a 159) e outros.

São estes que incluem o inciso I do artigo 9º, do Código Penal Militar (CPM).

Os crimes militares impróprios são aquele que estão tipificados tanto no

Código Penal Militar como no Código Penal Comum, todavia tornam-se militares por

se enquadrarem em uma das hipóteses do inciso II do art. 9 do Código Penal

Castrense. Assim, podemos citar como exemplo a lesão corporal, o roubo e o

estupro. O renomado mestre Beviláqua (1999, p.37), se refere aos crimes militares

impróprios conceituando que “embora civis na sua essência, assumem feição militar,

por serem cometidos por militares em sua função”.

2.1.4 Conceito de Militares

Para efeito da aplicação da legislação militar, quer seja no âmbito

administrativo ou penal, é de fundamental importância à compreensão daqueles que

podem ser considerados militares pelo ordenamento jurídico brasileiro, “pois sendo o

militar o destinatário primeiro da lei penal militar, é indispensável que se conheça

quem assim pode ser considerado, para efeito da aplicação da lei castrense”,

conforme assevera (CÉLIO LOBÃO, 1999, p. 82).

O conceito de militar, não é encontrado no direito administrativo, visto que o

conceito de militar vem expresso no art. 22 do Código Penal Militar:

Art. 22. É considerada militar, para efeito da aplicação deste Código, qualquer pessoa que, em tempo de paz ou de guerra, seja incorporada às forças armadas para nelas servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.

Desta forma, verifica-se que este artigo não faz nenhuma referência ao

policial militar e o bombeiro militar, sendo uma falha do legislador, visto que estes

também estão sujeitos à lei repressiva castrense, conforme entendimento de Célio

Lobão (1999, p.82).

Embora o policial militar e o bombeiro militar figurem igualmente como destinatários da lei repressiva castrense, e apesar da exclusividade da União em legislar em matéria penal, o art. 22 não faz qualquer referência aos integrantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiro Militares.

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Inclusive alguns autores consideram que o referido artigo não foi

recepcionado pela Constituição Federal, como por exemplo, Jorge César de Assis

(1999, p. 57):

Igualmente, revogado este dispositivo. O conceito de Militar, hoje é constitucional, estando previsto no art. 42 da Carta Magna. Servidor Público Militar é o gênero, que apresenta duas espécies”: a) Servidores Militares Federais, que são os integrantes das Forças Armadas e: b) Servidores Militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal, que são os integrantes de suas polícias militares e de seus corpos de bombeiros militares.

Sobre o referido artigo do Código Penal Militar, Célio Lobão (1999, p. 83)

também tece crítica, sugerindo a inclusão de outro dispositivo para definir a situação

do militar estadual:

Quando da elaboração de outro Código Penal Militar mais moderno e voltado à realidade brasileira, torna-se imperiosa a inclusão de dispositivo, definindo o militar estadual, para efeito da aplicação da lei penal castrense pela Justiça Militar estadual, sugerindo-se redação idêntica à do art. 22: É considerado militar, para efeito da aplicação deste Código pela Justiça Militar do Estado, do Distrito Federal e dos Territórios, qualquer pessoa incorporada à Polícia Militar ou ao Corpo de Bombeiros Militares, para neles servir em posto, graduação, ou sujeição à disciplina militar.

Di Pietro (2006, p.481) para definir quais pessoas são consideradas militares

assim se manifestou:

Os militares abrangem as pessoas físicas que prestam serviços às forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica (art. 142, caput, e § 3º, da Constituição) – e às Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, Distrito Federal e dos Territórios (art. 42), com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres públicos.

O conceito do art. 42 da Constituição Federal, antes da emenda

constitucional nº 18, considerava servidor público federal os integrantes das Forças

Armadas, e servidor público militar das Unidades Federativas, os integrantes das

respectivas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros.

A emenda constitucional nº 18 destinou no art. 42 uma seção destinada

exclusivamente para os servidores públicos dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios e outro destinado para as Forças Armadas no art. 144.

Desta forma, a emenda Constitucional nº 18, de 05 de fevereiro de 1998,

alterou integralmente a redação da Seção III, do Capítulo VIII, da Constituição

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Federal, “passando a denominá-la dos militares dos Estados, do Distrito Federal e

dos Territórios; além de alterar a redação de seu único artigo”, conforme assevera

(ALEXANDRE DE MORAIS, 2007, p. 374).

Antes da emenda Constitucional nº 18, o art. 42 da Constituição Federal

prescrevia o seguinte:

Art. 42. São servidores militares federais os integrantes das Forças armadas e servidores militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes de suas polícias militares e de seus corpos de bombeiros militares.

Com a nova redação proveniente da emenda Constitucional nº 18, o art. 42

passou a ter a seguinte redação: “Os membros das Polícias Militares e Corpos de

Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina,

são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”.

Assim, verifica-se que os integrantes das polícias militares e Corpos de

Bombeiros Militares passaram a ser tratados em capítulos diversos na Constituição

Federal, ou seja, enquanto os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos

Territórios estão previstos no art. 42 da Constituição Federal, aos militares das

Forças Armadas foi reservado o art. 142 da Constituição Federal, ressaltando-se que

os integrantes das Forças Armadas são denominados servidores militares de acordo

com o art. 142, § 3º: “Os membros das Forças Armadas são denominados

militares...”.

Portanto como militar, entende-se quem se encontra incorporado às Forças

Armadas, à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros Militares, mesmo afastados

temporariamente do serviço ativo, por licença para tratamento de saúde, licença

especial, férias, licença para tratar de interesse particular, etc.

Entretanto, cabe ressaltar que os integrantes das Forças Armadas são

considerados militares para efeitos da aplicação do ordenamento jurídico militar pela

Justiça Militar Federal, enquanto os integrantes das Policias Militares e Corpos de

Bombeiros Militares são considerados militares para efeitos da aplicação do

ordenamento jurídico militar pela Justiça Militar Estadual, conforme assevera Célio

Lobão (1999, p. 84):

Conseqüentemente são militares os integrantes das Forças Armadas, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares, ressaltando-se que os primeiros são assim considerados para efeito da lei penal castrense, pela Justiça Militar Federal, e os outros dois, para efeito da aplicação da lei penal

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castrense, pela Justiça Militar estadual. Célio Lobão (1999, p. 84) para não deixar nenhuma dúvida sobre que é ou

não considerado militar para efeito da lei castrense, esclarece que:

I – militar federal, integrante das Forças Armadas: militar, para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar federal. Para esse fim, somente ele, exclusivamente ele é considerado militar; II – militar federal na inatividade (na reserva ou reformado): equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela justiça militar; III – militar estadual, integrante da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares: equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar Federal; IV – policial militar ou bombeiro militar na inatividade (na reserva ou reformado): equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar Federal; V - militar estadual, integrante da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militares: militar, para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar estadual, cuja competência restringe-se, somente, a conhecer dos crimes militares cometidos pelo militar estadual em atividade; VI – militar estadual na inatividade (na reserva ou reformado): equiparado a civil para efeito da aplicação da lei penal militar pela Justiça Militar estadual, ressalvados os crimes cometidos antes de passar para a inatividade.

2.1.5 Relações entre o Direito Penal Militar e a Disciplina Militar

As Corporações Militares, por serem baseadas na hierarquia e disciplina,

“possuem normas complementares, contidas nos Regulamentos Disciplinares, que

permitem às autoridades militares aplicarem sanções disciplinares a seus

subordinados por fatos de menor gravidade”, conforme afirma (LOUREIRO NETO,

2001, p. 25).

As transgressões disciplinares contidas nos Regulamentos Disciplinares

também integram o ordenamento jurídico militar, pois visam regular as situações que

apesar de não serem tão graves quanto as previstas na legislação penal militar, são

essenciais para a manutenção da disciplina na caserna.

A linha divisória entre transgressão disciplinar e crime militar é

extremamente tênue, e, somente através de alguns aspectos técnicos, a seguir

arrolados, é possível diferenciar o crime militar da falta ou transgressão disciplinar,

segundo Romeiro (1994, p. 10):

a) O crime militar é previsto pela lei como fato típico, com pena específica e irrevogável, a transgressão disciplinar o é genericamente, quer quanto ao fato, quer quanto à sanção, revogável e eleita discricionariamente pelos chefes militares dentro de um elenco delas. b) Só jurisdicionalmente, isto é, só através de decisão dos tribunais da

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justiça militar, com trânsito em julgado, pode ser punido o crime militar, cuja prática não é exclusiva dos militares; enquanto a falta disciplinar é privativa deles e sancionada pelo poder disciplinar dos chefes militares. c) O crime militar resulta exclusivamente de lei federal, a falta disciplinar também de Decretos e Regulamentos do Poder Executivo (Regulamentos Disciplinares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica).

Outro fator importante a ser ressaltado é o fato que em virtude da cambiante

linha divisória entre o crime militar e a transgressão disciplinar, não há acumulação

das respectivas sanções, em se tratando de um mesmo fato. “É o que dispõem,

adotando o princípio ne bis in idem nas relações do direito penal e disciplinar

castrense”, segundo Romeiro (1994, p. 11), ou seja, ninguém pode ser punido duas

vezes pelo mesmo fato, tanto na esfera penal como disciplinar.

Contudo, isto não impede que pelo mesmo fato o militar possa sofrer

sanções disciplinares e penais, pois as esferas penais e administrativas são

independentes, ou seja, a penal visa apurar o crime e a disciplinar a falta.

Cabe se ressaltar, que a transgressão disciplinar será, entretanto, apreciada

para efeito de punição quando houver absolvição pelo crime, “exceto se a sentença

absolutória, transitada em julgado, negar a existência do fato ou sua autoria”,

conforme afirma (ROMEIRO, 1994, p. 12).

No caso específico da deserção, embora o infrator responda pelo crime

perante a Justiça Militar, também ficará sujeito as sanções administrativas, pois a

deserção é considerada uma infração disciplinar gravíssima no meio militar, que

atenta a honra e os preceitos militares, podendo inclusive, por meio de processo

disciplinar que lhe oportunize a ampla defesa e o contraditório, ser excluído a bem

da disciplina e moralidade da tropa da Corporação Militar a que pertencer.

3. O CRIME DE DESERÇÃO 3.1. INTRODUÇÃO

A falta ao serviço para o funcionário civil, quer seja público ou privado,

poderá ensejar somente sanção administrativa, prevista para os trabalhadores da

iniciativa privada na Consolidação da Legislação Trabalhista (CLT) e nos estatutos

de servidores para os funcionários públicos civis.

Já em relação ao militares, quer sejam estaduais ou federais, tendo em vista

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que as Instituições Militares tem como princípio a hierarquia e a disciplina e devido

às peculiaridades das atribuições e das funções que desempenham as forças

militares, a falta injustificada do militar por mais de oito dias é considerada uma

conduta gravíssima, incidindo o faltoso em crime militar previsto no Código Penal

Militar, além de ficar sujeito as sanções administrativas que poderão propiciar

inclusive a exclusão das fileiras da Corporação, mediante a realização de um

processo administrativo que lhe propicie a ampla defesa e o contraditório.

O Crime de deserção é um crime de natureza propriamente militar, ou seja,

só pode ser praticado por militar, sendo o status de militar uma condição objetiva e

essencial do delito de deserção, assim como nos outros crimes militares, como por

exemplo a embriaguez em serviço, recusa de obediência, abandono de posto,

violência contra superior, entre outros.

Assim, se o agente não for militar o fato é atípico, sendo necessário que

esteja na ativa no momento do oferecimento da denúncia ou no seu recebimento,

conforme vislumbra-se na seguinte decisão judicial do Supremo Tribunal Federal no

HC nº 103.254 – Paraná. MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 103.254 PARANÁ RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO PACTE.(S) : MARCELO RUSSI IMPTE.(S) : REBECA AGUIAR EUFROSINO DA SILVA DE CARVALHO COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO RHC Nº 24607 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, no qual se requer a extinção definitiva do processo penal instaurado contra o ora paciente, pelo suposto delito de deserção, eis que, no momento em que recebida a denúncia pela Justiça Militar estadual, “o paciente não detinha mais a condição de militar”. Sustenta-se, nesta impetração, que “(...) a falta de condição de militar da ativa nos crimes de deserção e insubmissão, seja qual for a motivação, traz prejuízo à procedibilidade e prosseguibilidade da ação penal militar, consoante pacífica doutrina e jurisprudência do STF e STM”. As razões constantes da presente impetração parecem justificar – ao menos em juízo de estrita delibação – a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida nesta sede processual, especialmente se se considerar a orientação que esta Suprema Corte firmou no exame de idêntica matéria (HC 79.531/RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 90.672/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 90.838/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA): “RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. PROCESSO PENAL MILITAR. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR. CAUSA PREEXISTENTE À CONDENAÇÃO. Com o reconhecimento da incapacidade definitiva preexistente à condenação, e tendo em vista que a condição de militar é requisito para o exercício da pretensão punitiva em relação ao crime de deserção, nos termos do art. 457, § 2º do CPPM, não há justa causa para a execução. Recurso provido.”

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(RHC 83.030/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE) Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedidode medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o andamento da Ação Penal Militar nº 2007.25950-6 (antigo nº 088/07), ora em tramitação perante a Vara da Auditoria da Justiça Militar Estadual da comarca de Curitiba/PR. Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (RHC 24.607/PR) ao Conselho Permanente de Justiça da Vara da Auditoria da Justiça Militar do Paraná (Processo-crime nº 088/07) e ao MM. Juiz de Direito da Vara da Auditoria Militar Estadual da comarca de Curitiba/PR (Ação Penal Militar nº 2007.25950-6, antigo nº 088/07). 2. Solicitem-se informações ao eminente Ministro OG FERNANDES, que deverá encaminhar, a esta Corte, cópia do parecer que o Ministério Público Federal ofereceu nos autos do RHC 24.607/PR. Publique-se. Brasília, 23 de março de 2010.

Ministro CELSO DE MELLO Relator

Cabe ressaltar que o praça militar que contar com menos de 10 anos de

serviço ao consumar o crime de deserção, deve ser excluído do serviço ativo

voltando a condição de civil, já o praça estável, com mais de 10 anos de serviço será

agregado.

Conforme art. 457 do CPPM, quando o desertor sem estabilidade se

apresenta voluntariamente ou é recapturado, será submetido à inspeção de saúde e,

se julgado apto é reincluído, sendo que o desertor estável é revertido ao serviço

ativo, sem necessidade de inspeção de saúde.

Assim, tendo em vista a necessidade do militar estar na ativa para que

ocorra a persecução penal, é necessário que o militar seja reincluído ou revertido, e,

caso a inspeção médica constatar a incapacidade definitiva do desertor sem

estabilidade estará este infrator isento da reinclusão e consequentemente do

processo e os autos arquivados.

Tendo em vista que o Código Penal Militar estabelece uma regra geral para

a prescrição no art. 125 e uma regra específica no art. 132 do mesmo código, há

divergência de entendimento sobre qual regra aplicar, sendo este o principal foco

deste trabalho.

Desta forma, neste capítulo será abordado os aspectos relevantes sobre

compreensão da sistemática do crime de deserção, especialmente sobre qual regra

deve incidir a prescrição neste crime, ou seja, a regra geral do Art. 125 ou do art.

132, ambos do Código Penal Militar.

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3.2. NATUREZA DO CRIME DE DESERÇAO

Em relação à natureza do crime de deserção alguns autores entendem ser

um crime de mera conduta e outros formal e outros ainda ser um crime de mera

conduta e formal ao mesmo tempo, e também ser crime formal, instantâneo e de

mera conduta, não havendo dúvida, entretanto que trata-se de um crime

permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, segundo Assis (2011, p. 188)

Quanto à natureza do crime de deserção, os autores se alternam, ora entendendo ser crime formal, ora de mera conduta. Alguns entendem ser formal e de mera conduta ao mesmo tempo, e há quem diga ser crime "formal, instantâneo e de mera conduta".

Já em relação a ser um crime instantâneo ou permanente não há tanta

controvérsia, pois, por suas características chega-se a conclusão que é um crime

permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, conforme Assis (2011, p.

188): Não há dúvida, entretanto, tratar-se de um crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo. Já no início do século passado, Chrysólito de Gusmão (1915:97) asseverava: “A deserção é um crime continuado e não instantâneo, cujos elementos formadores e consumativos continuam sucessiva e ininterruptamente a existir, uma vez passado o prazo de graça, quando existente”.

Entretanto apesar de dominante a tese que a deserção é um crime

permanente, existem posições divergentes, conforme se vislumbra no

posicionamento do Tribunal de Justiça do Paraná na Apelação Criminal nº 950.112-

8:

Ademais, em que se respeite o posicionamento do ilustre Procurador de Justiça Reginaldo Rolim Pereira, no sentido de que “o crime de deserção não pode ser classificado como crime instantâneo uma vez que, mesmo que inicie sua consumação depois, de transcorrido o período de graça (quando previsto), permanece enquanto o militar se omite em retornar ao serviço, diferentemente do crime instantâneo, em que a conduta comissiva ou omissiva) cessa, porém, seus efeitos persistem, como no caso do homicídio” (Fls. 163), porém, tal entendimento, não se apresenta o melhor a ser seguido. Isto porque, o posicionamento a ser adotado é o externado pelo Ilustre Promotor de Justiça Jucson Luiz Zillo, atualmente em primeiro grau de Jurisdição, que com propriedade destacou: “é um equívoco classificar o direito de deserção como delito permanente. Como se pode ver da leitura do artigo em questão, a consumação não se protrai no tempo, mas sim se dá exatamente quando se dá completa o tempo exigido pelo tipo penal em

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questão (oito dias). O fato do desertor não ser capturado ou se apresentar, só indica que os efeitos persistem, mas isso nada tem a ver com a consumação” fls. 121).

Desta forma, em que pese posicionamentos esparsos divergentes, o

posicionamento que prevalece é que a deserção é um crime de mera conduta e

permanente, ensejando, a prisão do desertor em flagrante, conforme assevera Assis

(2011, p. 384):

Modernamente, Célio Lobão (1999: 229) sintetiza: “crime de mera conduta e permanente, ensejando, por este último motivo, a prisão do desertor infrator. Tenho por mim, atualmente, que esta é a melhor classificação. É permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente cessa quando o desertor se apresenta ou é capturado. E é de mera conduta (ou de simples atividade) porque se configura com a ausência pura e simples do militar, além do prazo estabelecido em lei, sem necessidade que da sua ausência decorra qualquer resultado (deserção) ou omissão (insubmissão) do agente.

Para reforçar ainda mais seu posicionamento Assis (2011, p. 384) assim se

manifesta sobre esta questão:

Eventual classificação da deserção como delito instantâneo é absurda, visto que o crime instantâneo, conforme leciona Júlio Fabbrine Mirabete, “é aquele que, uma vez consumado, está encerrado, a consumação não se prolonga. Isso não quer dizer que a ação seja rápida, mas que a consumação ocorre em determinado momento e não mais prossegue”. São exemplos, dentre outros, o homicídio e a lesão corporal, que consumam-se no exato momento da morte ou da ocorrência do ferimento, pouco importando o tempo decorrido entre a ação e o resultado.

3.3 PRAZO DE GRAÇA

O militar quer seja estadual ou federal dispõem de um prazo para se

apresentar na Organização Militar em que serve para que não incida no crime de

deserção, ficando, obviamente sujeito as sanções disciplinares desta falta, caso não

sejam justificadas, pois não haverá um desertor, e sim, o ausente, conforme

legislação que disciplina a matéria.

Conforme assevera Assis (2011, p. 384):

A deserção somente se consuma depois de transcorridos oito dias após a ausência do militar. Excepcionaram-se a deserção instantânea que se configura com o não comparecimento do militar em local determinado. Prazo de graça, portanto, é o período de oito dias da ausência do militar. Antes desse prazo não haverá desertor, e sim, o ausente, a quem são

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aplicadas as sanções disciplinares.

3.4 CONTAGEM DO PRAZO DA DESERÇÃO

Para o contagem do prazo deve-se utilizar o dia seguinte ao dia em que se

verificar a ausência, sendo que é contado por inteiro o dia final, conforme nos ensina

Assis (2011, p. 385):

Para a contagem do prazo necessário para a consumação da deserção, vale a regra do art. 451 do Código de Processo Penal Militar – CPPM, com a nova redação que lhe deu a Lei 8.236, de 20.09.1991, dispondo o seguinte: “ A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que foi verificada a falta injustificada do militar”. EX: se a ausência injustificada ocorreu no dia 10, inicia-se a contagem do prazo de ausência à zero hora do dia 11 e consumar-se-á a deserção a partir da zero hora do dia 19.

Portanto, considerando que o expediente na Organização Militar inicia-se as

08:00 horas e o militar não compareceu ao expediente, a contagem dos dias de

ausência para a lavratura do termo de deserção iniciar-se-á a zero hora do dia

seguinte e após oito dias de ausência injustificada a zero hora consuma-se o crime

de deserção, conforme estabelece o art. 451 do CPPM:

Art. 451. Consumado o crime de deserção, nos casos previsto na lei penal militar, o comandante da unidade, ou autoridade correspondente, ou ainda autoridade superior, fará lavrar o respectivo termo, imediatamente, que poderá ser impresso ou datilografado, sendo por ele assinado e por duas testemunhas idôneas, além do militar incumbido da lavratura. § 1º A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á a zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar. § 2º No caso de deserção especial, prevista no art. 190 do Código Penal Militar, a lavratura do termo será, também, imediata. Art. 452. O termo de deserção tem o caráter de instrução provisória e destina-se a fornecer os elementos necessários à propositura da ação penal, sujeitando, desde logo, o desertor à prisão.

3.5. A PRESCRIÇÃO NO CRIME DE DESERÇÃO

A prescrição é uma das causas de extinção da punibilidade, marcado pelo

decurso de tempo, de que dispõem o Estado para punir o infrator, tendo de um lado

o Estado com o jus puniende e do outro o réu para preservar o seu status libertatis.

Desta forma, quando o Estado perde o prazo para punir o infrator a

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punibilidade estará extinta, não podendo o Estado impor sanção pelo crime praticado

pelo decurso de tempo.

Para iniciar o prazo prescricional, independente da regra do art. 132 do

CPM, é necessário que o desertor tenha se apresentado ou sido capturado, bem

como, seja submetido à inspeção de saúde, seja julgado apto e tenha sido reincluído

na Unidade Militar de origem, conforme assevera Assis (2011, p. 132):

Ora, independente da regra do art. 132 do CPM, para que se possa falar em início da contagem do prazo prescricional, é necessário que o desertor tenha se apresentado ou sido capturado. Mais ainda; tenha sido submetido à inspeção de saúde, julgado apto e tenha sido reincluído na Unidade Militar de origem. Com efeito, o § 2º do art. 125 do CPM assevera: A prescrição da ação penal começa a correr: a) Omissis b) Omissis c) nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência.

O art. 125, incisos I a VII, estabelece a regra geral da prescrição, aplicável a

qualquer crime pelo Código Penal Militar. Art. 125. A prescrição da ação penal, salvo o disposto no § 1º deste artigo, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em trinta anos, se a pena é de morte; II - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; III - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito e não excede a doze; IV - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro e não excede a oito; V - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois e não excede a quatro; VI - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VII - em dois anos, se o máximo da pena é inferior a um ano.

Ocorre que o Código Penal Militar estabelece tratamento diferenciado para a

prescrição para dois crimes, ou seja, a insubmissão e a deserção.

Em relação à deserção que é o foco deste trabalho, o legislador estabeleceu

no art. 132 do Código Penal Militar que a prescrição somente ocorrerá quando o

desertor atingir a idade de quarenta e cinco anos, e, se, oficial, a de sessenta.

Aí reside à controversa, tendo em vista que o art. 125 do CPM, estabelece

que a prescrição da ação penal ocorre de acordo com o máximo da pena privativa

de liberdade cominada ao crime, sendo que como o crime de deserção a pena

máxima é de dois anos, o delito de deserção tem como prescrição o decurso de

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quatro anos, conforme art. 125, inciso VI do Código Penal Militar.

Na sequência, visando dar um tratamento diferenciado o legislador

estabeleceu no art. 132 do Código Penal Militar uma regra específica para a

prescrição do delito de deserção, ou seja, embora decorrido o prazo de prescrição,

só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de 45 (quarenta e cinco)

anos, e, se oficial, a de 60 (sessenta) anos.

Portanto a controvérsia reside em qual dos dispositivos aplicar, pois

aparentemente, vislumbra-se que o crime de deserção é permanente e deverá ser

utilizada a regra específica estabelecida no art. 132 do CPM, excluindo a do 125 do

mesmo diploma legal, entretanto, veremos que há posicionamento divergente, como

a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, na Apelação Criminal nº

950.112-8, da Vara da Auditoria da Justiça Milita do Foro Central da Comarca da

Região Metropolitana de Curitiba:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ, NA APELAÇÃO CRIMINAL Nº 950.112-8, DA VARA DA AUDITORIA DA JUSTIÇA MILITA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA. APELANTES: (1) MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. (2) PAULO SERGIO DE MELO FORTES. APELADOS: OS MESMOS. RELATOR: DES. ANTONIO LOYOLA VIEIRA. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELO MINITÉRIO PÚBLICO E PELA DEFESA DO RÉU – O AGENTE MINISTERIAL SUSCITA A PRESCRIÇÃO DO DELITO DE DESERÇÃO – ARTIGO 187 C/C O ARTIGO 188, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL MILITAR – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA – SENTENÇA REFORMADA – COM O ACOLHIMENTO DA PRESCRIÇÃO DOS DEMAIS TÓPICOS RECURSAIS RESTAM PREJUDICADOS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Na presente decisão judicial em 1º grau a Sentença do Conselho

Permanente de Justiça Militar Estadual, afastou a arguição de extinção da

punibilidade em decorrência da prescrição requerida pelo Ministério Público e, no

mérito, julgou-se procedente a Ação Penal para condenar o réu como incurso nas

sanções do art. 187 c/c o art. 188, inciso II, ambos do CPM com a pena de 09 (nove)

meses de detenção, a ser cumprida em regime aberto.

O acordão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná sustentou a

prescrição por entender que o delito deserção não pode ser considerado como crime

permanente, entendendo que a consumação não se protai no tempo, mas sim se dá

exatamente quando se completa o tempo exigido pelo tipo penal em questão (oito

dias), conforme se vislumbra na seguinte parte do acordão:

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Ademais, em que se respeite o posicionamento do ilustre Procurador de Justiça Reginaldo Rolim Pereira, no sentido de que “o crime de deserção não pode ser classificado como crime instantâneo uma vez que, mesmo que inicie sua consumação depois, de transcorrido o período de graça (quando previsto), permanece enquanto o militar se omite em retornar ao serviço, diferentemente do crime instantâneo, em que a conduta comissiva ou omissiva) cessa, porém, seus efeitos persistem, como no caso do homicídio” (Fls. 163), porém, tal entendimento, não se apresenta o melhor a ser seguido. Isto porque, o posicionamento a ser adotado é o externado pelo Ilustre Promotor de Justiça Jucson Luiz Zillo, atualmente em primeiro grau de Jurisdição, que com propriedade destacou: “é um equívoco classificar o direito de deserção como delito permanente. Como se pode ver da leitura do artigo em questão, a consumação não se protrai no tempo, mas sim se dá exatamente quando se dá completo o tempo exigido pelo tipo penal em questão (oito dias). O fato do desertor não ser capturado ou se apresentar, só indica que os efeitos persistem, mas isso nada tem a ver com a consumação” fls 121).

Desta forma, os Senhores Desembargadores integrantes da Primeira

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos,

deram provimento ao Recurso do Ministério Público para fins de reconhecer a

prescrição.

A outra corrente por sua vez defende que o crime de deserção é de mera

conduta e permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente

cessa quando o desertor se apresenta ou é capturado, conforme nos ensina Célio

Lobão (1999, p. 229): “crime de mera conduta e permanente, ensejando, por este

último motivo, a prisão do desertor em flagrante”.

Assis (2011, p 364) corrobora com este entendimento: É permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente cessa quando o desertor se apresenta ou é capturado. E é de mera conduta (ou de simples atividade) porque se configura com a ausência pura e simples do militar, além do prazo estabelecido em lei, sem necessidade que da sua ausência decorra qualquer resultado (deserção) ou omissão (insubmissão) do agente.

Para reforçar sua posição esclarece Assis (2011, p.282):

Sendo a deserção um crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, o termo inicial da prescrição somente é contado do dia em que cessou a permanência, vale dizer, do dia em que o desertor foi capturado ou apresentou-se voluntariamente. Mais ainda: do dia em que foi reincluído na Unidade Militar de origem. Uma vez denunciado, desde que recebida a inicial, o prazo prescricional interrompe-se e, naturalmente, recomeça a correr a partir dali.

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Esclarece ainda Assis (2011, p. 282):

Estando reincluído o desertor – e assim denunciado, não existe amparo legal para a contagem do prazo prescricional da regra geral retroagindo à data da consumação do delito, quando o prazo da prescrição ainda não começara a correr.

Nucci (2013, p. 216) também defende este posição:

A ausência de militar, sem licença, de sua unidade, por mais de oito dias caracteriza o crime do art. 187 deste Código. Permanecendo foragido, regula-se a prescrição pelo critério da idade (45 anos para não oficial; 60 anos para oficial), pouco importando o prazo prescricional regular, que se daria em quatro anos, pois o máximo em abstrato da pena é de dois anos.

Em relação à 2ª deserção assim se manifesta Assis (2011, p. 282): 2ª DESERÇAO. Se o militar processado por deserção comete nova deserção, a incidência da prescrição deve ser examinada sobre a primeira deserção. Ela é o objeto do processo. O fato de o paciente ter desertado outra vez não influi na extinção da punibilidade. É outro tema pra outro processo. A regra aplicável é a do CPM, art. 125, VI. A norma especial do art. 132 é dirigida ao trânsfuga, ou seja, aquele que permanece no estado de deserção (STF, HC 79.432-7/PR), com base apenas na Instrução Provisória de Deserção, que não é processo porque não foi sequer oferecida denúncia.

O Supremo Tribunal Militar no Recurso Criminal nº 2002.01.006942-8-RS –

também corrobora com esse entendimento:

Ementa; Recurso criminal. Deserção. Prescrição. Na forma do art. 125, inc. VI, do CPM, nos crimes com pena privativa de liberdade superior a um ano e não excedente a dois prescrevem em quatro anos. No caso do militar desertor, que se apresenta ou é capturado, embora o tempo de ausência seja superior a quatro anos, a regra a ser aplicada é a do art. 125, começando o tempo a correr a partir da captura ou da apresentação voluntária. Entendimento esposado pela Suprema Corte (HC 79.432-7). Recurso ministerial provido. Desconstituída a decisão de primeiro grau. Denuncia recebida. Determinada a baixa dos autos para prosseguimento do feito. Decisão unânime. (STM - Rec. Crim. 2002.01.006942-8-RS- Rel. Min. Alm. De Esq. Domingos Alfredo Silva – Sessão de 09.05.2002).

O Tribunal da Justiça Militar de São Paulo também corrobora este

entendimento: INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 001/03 SUSCITANTE: o Exmo. Juiz Relator da E. Primeira Câmara do Tribunal de Justiça Militar, DR. EVANIR FERREIRA CASTILHO. SUSCITADO: O E. Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (Processo de origem n.º 20.988/98 – 4ª Auditoria)

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(Apelação Criminal n.º 4.994/2001) (Embargos de Declaração nº 056/2002) ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 001/2003 em que figuram como suscitante o Exmo. Juiz da E. Primeira Câmara deste E. Tribunal de Justiça Militar, DR. EVANIR FERREIRA CASTILHO, e suscitado o E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO ACORDAM os Juízes do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, em Sessão Plenária, por maioria (3x1), rejeitando o Parecer da Procuradoria de Justiça, em reconhecer a incidência do artigo 132 do CPM, não se operando a prescrição, enquanto não atingida à idade limite ali prevista, em relação a desertores ou trânsfugas, como tal denominados por doutrina, sem previsão legal. Evidente a violação do princípio hermenêutico, no sentido de que: “Onde o legislador não distingue, não pode o intérprete fazê-lo. Publicado no D.O.E. nº 107 Em 13 de junho de 2005

Com a devida vênia aos seguidores do posicionamento que o crime de

deserção é instantâneo e deve incidir a regra geral do art. 125 do CPM para a

prescrição do crime de deserção, essa concepção não encontra amparo nem na

legislação e nem na doutrina, conforme se vislumbra acima, pelo contrário, o

posicionamento majoritário é que a deserção é um crime permanente e de mera

conduta no qual é utilizado para a prescrição deste crime militar a regra específica

estabelecida no art. 132 do Código Penal Militar, ou seja, “no crime de deserção,

embora decorrido o prazo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o

desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta.

Assim, a regra majoritária estabelece que a extinção da punibilidade do

desertor, mesmo decorrido o prazo do art. 125, VI do Código Penal Militar, somente

ocorrerá aos 45 anos se praça e, aos 60, se oficial.

É importante salienta que esta regra aplica-se aos desertores foragidos, ou

seja, os trânsfugas. A dúvida, entretanto reside no caso, por exemplo, de um militar

que deserda aos 43 anos, pois alguns doutrinadores entendem que ao completar 45

anos terá extinguido a punibilidade, como Jorge César de Assis e outros aos 47

anos como Jorge Alberto Romeiro.

Tendo em vista que o crime militar é um crime permanente, cuja

consumação se prolonga no tempo, o termo inicial da prescrição somente é contado

do dia em que cessou a permanência, conforme assevera Assis (2011, p. 282):

Sendo a deserção um crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, o termo inicial da prescrição somente é contado do dia em que cessou a permanência, vale dizer, do dia em que o desertor foi capturado ou apresentou-se voluntariamente. Mais ainda: do dia em que foi reincluído na Unidade Militar de origem. Uma vez denunciado, desde que

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recebida a inicial, o prazo prescricional interrompe-se e, naturalmente, recomeça a correr a partir dali.

Por fim, cabe ressaltar que no caso de uma 2ª deserção, o militar

processado por deserção comete nova deserção, devendo a incidência da

prescrição ser examinada sobre a primeira deserção, conforme nos ensina Assis

(2011, p. 282): 2ª DESERÇÃO: Se o militar processado por deserção comete nova deserção, a incidência da prescrição deve ser examinada sobre a primeira deserção. Ela é objeto do processo. O fato de o paciente ter desertado outra vez não influi na extinção da punibilidade. É outro tema para outro processo. A regra aplicável é a do CPM, art. 125, VI. A norma especial do art. 132 é dirigida ao trânsfuga, ou seja, aquele que permanece no estado de deserção (STF, HC 79.432-7/PR), com base apenas na Instrução Provisória de Deserção, que não é processo porque não foi sequer oferecida denúncia.

Conclusões

A presente pesquisa científica se desenvolveu visando buscar subsídio

doutrinário e jurisprudencial, a fim de identificar qual regra deve ser utilizada para

que ocorra a extinção da punibilidade pela prescrição do crime de deserção, tendo

em vista que o legislador castrense previu uma regra geral no art. 125 do CPM, que

a prescrição da ação penal ocorre de acordo com o máximo da pena privativa de

liberdade cominada ao crime, sendo que como o crime de deserção a pena máxima

é de dois anos, o delito de deserção tem como prescrição o decurso de quatro anos,

conforme art. 125, inciso VI do Código Penal Militar.

Ocorre que na sequência o legislador estabeleceu no art. 132 do Código

Penal Militar uma regra específica para a prescrição do delito de deserção, ou seja,

embora decorrido o prazo de prescrição, só extingue a punibilidade quando o

desertor atinge a idade de 45 (quarenta e cinco) anos, e, se oficial, a de 60

(sessenta) anos, ensejando, desta forma, divergências doutrinária e jurisprudencial

em relação a qual regra aplicar.

Portanto a controvérsia reside em qual dos dispositivos aplicar, pois

aparentemente, vislumbra-se que o crime de deserção é permanente e deverá ser

utilizada a regra específica estabelecida no art. 132 do CPM, excluindo a do 125 do

mesmo diploma legal, entretanto, conforme foi verificado há posicionamento

divergente, como por exemplo a decisão proferida na Apelação Criminal nº 950.112-

8, no qual o Tribunal de Justiça do Paraná por unanimidade de votos, deram

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provimento ao Recurso do Ministério Público para fins de reconhecer a prescrição,

sustentando a prescrição por entender que o delito deserção não pode ser

considerado como crime permanente, entendendo que a consumação não se protai

no tempo, mas sim se dá exatamente quando se completa o tempo exigido pelo tipo

penal em questão (oito dias).

A outra corrente, por sua vez defende que o crime de deserção é de mera

conduta e permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente

cessa quando o desertor se apresenta ou é capturado, ensejando, por este último

motivo, a prisão do desertor em flagrante”.

Após o estudo jurisprudencial e doutrinário, constatou-se que a tese

defendida por aqueles que entendem ser o crime de deserção instantâneo devendo

incidir a regra geral do art. 125 do CPM para sua prescrição, não encontra amparo

nem na legislação e nem na doutrina, pelo contrário, o posicionamento majoritário é

que a deserção é um crime permanente e de mera conduta no qual é utilizado para a

prescrição deste crime militar a regra específica estabelecida no art. 132 do Código

Penal Militar, ou seja, “no crime de deserção, embora decorrido o prazo da

prescrição, esta só extingue a punibilidade quando o desertor atinge a idade de

quarenta e cinco anos, e, se oficial, a de sessenta”.

Assim, o entendimento que prevalece é que a extinção da punibilidade do

desertor, mesmo decorrido o prazo do art. 125, VI do Código Penal Militar, somente

ocorrerá aos 45 anos se praça e, aos 60, se oficial, conforme estabelece o art. 132

do mencionado código.

É importante salientar que esta regra aplica-se aos desertores foragidos, ou

seja, os trânsfugas. A dúvida, entretanto reside no caso, por exemplo, de um militar

que deserda aos 43 anos, pois alguns doutrinadores entendem que ao completar 45

anos terá extinguido a punibilidade, como Jorge César de Assis e outros aos 47

anos como Jorge Romeiro.

Cabe ainda ressaltar que como crime militar, cuja consumação se prolonga

no tempo, o termo inicial da prescrição do crime de deserção somente é contado do

dia em que cessou a permanência.

Por fim, cabe ressaltar que no caso de uma 2ª deserção, o militar

processado por deserção comete nova deserção, devendo a incidência da

prescrição ser examinada sobre a primeira deserção, conforme decisão proferida

pelo Supremo Tribunal Federal no HC 79.432-7/PR.

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Referências: ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar. Parte geral. Curitiba: Juruá, 1999. __________________. Comentários ao Código Penal Militar. Parte Especial. Curitiba: Juruá, 2011. BEVILÁQUA, Clovis. Comentários ao Código Penal Militar. Parte geral. Curitiba: Juruá, 1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20.ed. São Paulo: Atlas, 2006. LAZZARINI. Álvaro. Código Penal Militar. Código Penal Militar. Estatuto dos Militares. Legislação Penal, Processual Penal e Administrativa Militar. Constituição Federal. São Paulo: RT, 2008. LOBÃO. Célio. Direito Penal Militar. Brasília: Brasília Jurídica, 1999; LOUREIRO NETO. José da Silva. Direito Penal Militar. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2001. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27.ed. São Paulo: Atlas, 2007. NUCI, Guilerme de Souza. Código Penal Militar Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Penal Militar - Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 1994.