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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 895 A PRODUÇÃO DE BAIRROS EXCLUSIVOS PARA A POPULAÇÃO DE RENDA MÉDIA E ALTA NO SETOR SUL DE BAURU-SP: AS EMPRESAS DA FAMÍLIA MARTHA E OS EMPREENDIMENTOS JARDIM ESTORIL (1957-2006) ANA CAROLINA ALVARES CAPELOZZA 1 Resumo: Este texto aborda o processo de produção de bairros exclusivos para a população de renda média e alta no setor sul de Bauru, cidade de porte médio localizada no interior do Estado de São Paulo, a partir da atuação das empresas da família Martha. Nesse processo, destaca-se a produção dos cinco bairros Jardim Estoril, implantados, ao longo de cinquenta anos (1957-2006), pelas empresas Martha. Através de pesquisas bibliográficas e documentais e da realização de entrevistas, este artigo discute as singularidades de cada empreendimento, analisando a adequação de seus projetos e estratégias de venda aos padrões do mercado imobiliário, além de identificar as relações que as empresas da Família Martha estabelecem com o poder público local. Palavras-chave: Empresas da Família Martha; Bairros para população de alta renda; Bauru SP; Cidade de porte médio. Abstract: This article approaches the production of exclusive neighborhoods to the population of middle and high income in southern Bauru sector, medium-sized city located in the State of São Paulo, from the performance of the companies of the family Martha. In this process, stands out the production of five Jardim Estoril’s neighborhoods, implanted, over fifty years (1957-2006), by the companies Martha. Through bibliographical and documentary research and interviews, this article discusses the uniqueness of each development, analyzing the adequacy of its projects and Sales strategies to the Standards of real estate market, in addition to identifying the relationships that the Martha’s family companies establish with the local government. Key-words: Martha Family businesses; High-income population neighborhoods; Bauru SP; medium-sized city. 1 Introdução e colocação do problema A formação urbana de Bauru esteve ligada à produção cafeeira e à ferrovia, seguida por uma industrialização significativa, que impulsionou o setor terciário. Sua ocupação foi iniciada em meados do século XIX, estimulada pela aprovação da Lei Federal nº 601/1850. No início do século XX foi implantado um importante marco para o desenvolvimento da cidade, o entroncamento ferroviário formado pelas estradas de ferro Sorocabana (1905), Noroeste do Brasil (1906) e Paulista (1910), que formavam conexões importantes com a capital do Estado e com 1 Mestranda no programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP), sua pesquisa é financiada pela FAPESP. E- mail de contato: [email protected]

a produção de bairros exclusivos para a população de renda média

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

895

A PRODUÇÃO DE BAIRROS EXCLUSIVOS PARA A POPULAÇÃO DE RENDA MÉDIA E ALTA NO SETOR SUL DE BAURU-SP: AS EMPRESAS DA FAMÍLIA MARTHA E OS EMPREENDIMENTOS

JARDIM ESTORIL (1957-2006)

ANA CAROLINA ALVARES CAPELOZZA1

Resumo: Este texto aborda o processo de produção de bairros exclusivos para a população de renda média e alta no setor sul de Bauru, cidade de porte médio localizada no interior do Estado de São Paulo, a partir da atuação das empresas da família Martha. Nesse processo, destaca-se a produção dos cinco bairros Jardim Estoril, implantados, ao longo de cinquenta anos (1957-2006), pelas empresas Martha. Através de pesquisas bibliográficas e documentais e da realização de entrevistas, este artigo discute as singularidades de cada empreendimento, analisando a adequação de seus projetos e estratégias de venda aos padrões do mercado imobiliário, além de identificar as relações que as empresas da Família Martha estabelecem com o poder público local.

Palavras-chave: Empresas da Família Martha; Bairros para população de alta renda; Bauru – SP;

Cidade de porte médio. Abstract: This article approaches the production of exclusive neighborhoods to the population of middle and high income in southern Bauru sector, medium-sized city located in the State of São Paulo, from the performance of the companies of the family Martha. In this process, stands out the production of five Jardim Estoril’s neighborhoods, implanted, over fifty years (1957-2006), by the companies Martha. Through bibliographical and documentary research and interviews, this article discusses the uniqueness of each development, analyzing the adequacy of its projects and Sales strategies to the Standards of real estate market, in addition to identifying the relationships that the Martha’s family companies establish with the local government.

Key-words: Martha Family businesses; High-income population neighborhoods; Bauru – SP;

medium-sized city.

1 – Introdução e colocação do problema

A formação urbana de Bauru esteve ligada à produção cafeeira e à

ferrovia, seguida por uma industrialização significativa, que impulsionou o setor

terciário. Sua ocupação foi iniciada em meados do século XIX, estimulada pela

aprovação da Lei Federal nº 601/1850. No início do século XX foi implantado um

importante marco para o desenvolvimento da cidade, o entroncamento ferroviário

formado pelas estradas de ferro Sorocabana (1905), Noroeste do Brasil (1906) e

Paulista (1910), que formavam conexões importantes com a capital do Estado e com

1 Mestranda no programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU/USP), sua pesquisa é financiada pela FAPESP. E-mail de contato: [email protected]

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municípios do interior. A Ferrovia Sorocabana, instalada junto ao Ribeirão Bauru,

reforçou a barreira geográfica do fundo de vale, acentuando a divisão da cidade em

duas zonas distintas: a norte/oeste, de relevo acidentado, e a sul/leste, de topografia

mais plana. (GHIRARDELLO, 1992, p.93).

Até meados da década de 1920, no núcleo central ocorriam todas as

atividades urbanas, sendo o uso habitacional combinado aos usos comerciais e de

serviços (CPEU/PMB, 1968, p.II.24). A partir da segunda metade da década de

1920, a população de renda média e alta, em busca de lotes acessíveis ao centro e

dotados de infraestrutura urbana, inicia o deslocamento no sentido sul/sudoeste da

cidade, ocupando bairros ainda com usos mistos (GHIRARDELLO, 1992, p.140).

Esta área, ocupada pela população de maior renda, foi denominada “Altos da

cidade”, visando qualificar a região perante as áreas mais baixas, ocupadas pela

população de menor renda.

Entre as décadas de 1920 e 1940, houve duas tentativas de produção de

bairros exclusivos para população de alta renda, o Jardim Bela Vista e o Parque

Vista Alegre. O Jardim Bela Vista, lançado como primeiro “bairro jardim” da cidade,

foi ocupado por outros grupos sociais devido à ausência de infraestrutura e de

acessibilidade. Sua localização ao norte exigia que o acesso à região central e dos

“Altos da Cidade” fosse realizado através da transposição da linha férrea

(GHIRARDELLO, 1992, p.140). O Parque Vista Alegre diferenciou-se dos bairros até

então implantados em Bauru pelo desenho urbano, que, ao considerar a topografia

do terreno e a paisagem natural, resultou em um projeto com vias curvilíneas e

menores problemas erosivos. Entretanto, a exemplo do Jardim Bela Vista, a

localização além da linha férrea e a ausência de infraestrutura levaram à sua

ocupação por operários industriais (CONSTANTINO, 2005, p.51).

Entre as décadas de 1930 e 1940, houve a intensificação da imigração e

da demanda por moradia popular, o que ampliou significativamente a produção de

loteamentos para população de baixa renda (CATELAN, 2008, p.56). Esses novos

bairros foram implantados nas periferias norte, leste e oeste, consolidando-as como

áreas de ocupação popular.

Ao mesmo tempo, foi implantado no setor sul da cidade pelo Poder

Público Municipal e pela iniciativa privada, um conjunto de obras que expandiram a

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infraestrutura do setor e atraíram uma quantidade significativa de novos bairros

destinados à população de alta e média renda (GHIRARDELLO, 1992, p.165). A

Prefeitura Municipal de Bauru construiu o aeroporto e a estação de tratamento de

água, além de pavimentar a Avenida das Mangueiras2, uma das principais vias de

acesso entre o setor sul e os “Altos da Cidade”. Já a iniciativa privada implantou o

Bauru Tênis Clube (BTC), o Bauru Atlético Clube (BAC), a Escola Ernesto Monte –

considerado um dos melhores colégios do período – e a Igreja Santa Terezinha –

maior e mais rica que a própria matriz bauruense (CPEU/PMB, 1968, p.II.25).

É nesse momento de expansão do setor sul que a família Martha adquiriu

aproximadamente 127 hectares de propriedades rurais3, gleba que deu origem aos

empreendimentos Jardim Estoril. Dando continuidade à implantação de clubes

recreativos no setor sul, na década de 1950, foi projetada e executada pelas

empresas Martha a Associação Luso Brasileira. Entre 1957 e 2006, reforçado pelos

empreendimentos Martha, o sul se consolidou como setor ocupado pela população

de média e alta renda.

Este texto discute, portanto, a produção de bairros exclusivos para

população de renda média e alta no setor sul de Bauru-SP, a partir da atuação das

empresas da Família Martha e em particular os Jardins Estoril. O trabalho foi

estruturado de maneira a discutir a produção imobiliária das empresas, as relações

desta com o poder público e o processo de produção dos bairros Jardim Estoril.

2 – Metodologias

O trabalho foi desenvolvido através de levantamento bibliográfico e

documental, além da realização de entrevistas. O levantamento bibliográfico foi

realizado no sentido de compor uma base de reflexões sobre os processos de

estruturação dos bairros para população de alta renda nas cidades média do interior

do Estado de São Paulo. Sendo neste artigo trabalhada a cidade de Bauru.

O levantamento documental foi realizado em quatro frentes: 1.

Levantamento dos processos de aprovação e inscrição dos bairros Jardim Estoril4,

2 Atual Avenida Comendador José da Silva Martha.

3 Informações obtidas no processo de inscrição dos empreendimentos Jardim Estoril.

4 Consultados nos arquivos da Prefeitura Municipal de Bauru e no Cartório de Registro de Imóveis.

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realizado a fim de compreender os processos de formação e produção dos

empreendimentos; 2. Levantamento cadastral e de obras das empresas da Família

Martha5, visando compreender o período e a atuação dessas; 3. Levantamento das

legislações urbanas municipais6, com o objetivo de identificar a participação do

poder público na expansão do setor sul de Bauru; e 4. Levantamento nos jornais

Diário de Bauru e Jornal da Cidade7, a fim de identificar anúncios e debates

relacionados aos empreendimentos Jardim Estoril.

Também fez parte da metodologia de pesquisa a realização de

entrevistas com membros da família Martha, a fim de compreender o processo de

formação das empresas. O desenvolvimento do trabalho deu-se a partir da

interlocução de todo material pesquisado.

3 – As empresas da Família Martha e sua atuação no Brasil e no Estado de São

Paulo

A família Martha, de origem portuguesa, começou a atuar no mercado

imobiliário, na cidade de Bauru, ainda no período anterior à abertura da primeira

empresa. Em 1957, foi aprovado, sob a responsabilidade do engenheiro José da

Silva Martha Filho, o primeiro bairro Jardim Estoril (PMB, 1957). No ano seguinte, foi

criada a Construtora Martha & Pinho, fundada pelo engenheiro Martha e seu

cunhado, o arquiteto Fernando Ferreira de Pinho (Martha & Pinho, 1978, p.1-28). Em

1965 foi criada a Incorporadora Martha Indústria e Comércio, fundada pelos então

sócios Martha e Pinho, em associação ao outro cunhado, Albino Oliveira.

As empresas Martha realizaram um número significativo de obras

conjuntas; entretanto, tiveram singularidades quanto ao período de atividade e

atuação. A Construtora Martha & Pinho, atuante entre 1958 e 1983, desenvolveu e

executou projetos residenciais, comerciais, educacionais e de lazer, construídos

essencialmente no interior do Estado de São Paulo, mas também em outras regiões

do país (Martha & Pinho, 1978, p.1-28). A incorporadora Martha Indústria e

5 Realizado no site da Junta Comercial do Estado de São Paulo.

6 Disponível no site da Câmara Municipal de Bauru.

7 Periódicos consultados nos arquivos do Museu Histórico Municipal de Bauru e do Jornal da Cidade.

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Comércio atuou administrando e incorporando o patrimônio imobiliário da família, no

período de 1965 e 2010, sendo sua atuação limitada à cidade de Bauru.

Durante os 25 anos de atividade, a construtora realizou obras em

quatro Estados brasileiros, produção que, quase exclusivamente, foi composta por

obras públicas. A atuação a partir de processos licitatórios também foi sua principal

frente de trabalho no interior de São Paulo (Martha & Pinho, 1978, p.1-28).

Nas cidades de Campo Grande (MS) e Londrina (PR), foram realizados,

na primeira metade da década de 1970, dois edifícios verticais, para abrigar

estações terminais da Embratel. Em Brasília (DF), são de autoria dos sócios um

ambulatório médico para o Banco do Brasil (1972) e um edifício residencial para a

Coordenação do Desenvolvimento de Brasília (1974), órgão responsável pela

gerência dos recursos habitacionais na capital do País (Martha & Pinho, 1978, p.22).

Na capital paulista, foram realizadas duas obras: um Ginásio Estadual no

bairro de Pinheiros (1973) e um núcleo residencial de sobrados (1963) – única obra

particular da empresa para além do interior paulista –, realizado com financiamento

do Banco Hipotecário Lar Brasileiro (Martha & Pinho, 1978, p. 7 e 14).

No interior do Estado de São Paulo – excluindo-se Bauru – a empresa

atuou em 26 cidades. Das 39 obras realizadas, 34 foram executadas junto ao Estado

(quadro 1), das quais se destacam as agências bancárias, os ginásios estaduais e

os núcleos habitacionais da COHAB – que totalizaram 250 unidades habitacionais.

Quadro 1. Obras públicas realizadas pela Construtora Martha & Pinho no interior de SP.

Ano OBRAS Municípios

1966-1979 Agências do Banco do Brasil Dracena/ Matão/ Ibitinga/ Barretos/ R. Bonito/ Guarapes/ Penápoles/ S. Carlos/ Tupã/ Marília

1966 Agências dos Correios e Telégrafos Cafelândia/ Andradina

1970-1977 Centros Telefônicos da TELESP Penápolis/ São Manuel/ Pederneiras/ Agudos/ Marília/ P. Prudente

1971-1978 Ginásios Estaduais Valparaíso/ Tupi Pta./ O. Cruz/ Cafelândia/ Guarapes/ São J. B. Vista/F. Rocha/ Paulínia

1972 Escritório Comercial da CPFL São Manuel

1973-1976 Núcleos Habitacionais da COHAB Pederneiras/Agudos

1973-1974 Ginásios de Esportes Municipais Gália/ Lençóis Pta.

1978-1979 Agências Bancárias do BANESPA Bastos/ Ourinhos

Fonte: Martha e Pinho (1978), organizado por CAPELOZZA (2015)

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4 – A atuação das empresas Martha em Bauru e suas relações com o Poder

Público local e estadual

Em sua cidade sede, a produção imobiliária das empresas Martha foi

mais abrangente, sendo edificado um número significativo de obras particulares.

Dentre essas, destacam-se as residências unifamiliares, os edifícios verticais, a

associação recreativa Luso-Brasileira e os cinco bairros Jardim Estoril. A maioria das

obras desenvolvidas junto ao setor privado foi implantada no setor sul e nos “Altos

da Cidade” (Martha & Pinho, 1978, p.1-28).

As obras públicas também foram uma das principais frentes de trabalho

da família, em Bauru. Com recursos municipais foram realizados o mercado-feira e

quatro núcleos habitacionais da COHAB. O mercado-feira, edificado com o objetivo

de formalizar e organizar o comércio alimentício de rua, foi implantado na região

central. Já os nucléos habitacionais, com 649 unidades habitacionais construídas,

foram implantados nos setores norte e sudeste (Martha & Pinho, 1978, p.14-17).

Com recursos do Governo Estadual foram realizadas treze obras (quadro

2). Na região central se destacam a delegacia de polícia, a agência bancária da

Caixa e os edifícios da TELESP. Nos setores norte, leste e sul, chamam à atenção a

implantação dos sete ginásios estudantis, sendo um no Jardim Estoril (Martha &

Pinho, 1978, p.6-9).

Quadro 2. Obras públicas estaduais realizadas pela Construtora Martha & Pinho em Bauru. Ano OBRAS Cliente

1962 Dema Governo Estadual

1971 Caixa Água 4º Batalhão da Polícia Militar

Ginásio Estadual Luiz Zuiani e Jardim Estoril Governo Estadual

1973 Ginásios Est. Ernesto Monte e Cruzeiro do Sul Governo Estadual

1974 Ginásios Est. Bela Vista e Rodrigues de Abreu Governo Estadual

1975 Almoxarifado e Edifício Comercial Telesp

1976 Delegacia de Polícia Governo Estadual

1977 Ginásio Est. Pq. S. Geraldo e Prodesp Governo Estadual

1979 Agência Bancária Caixa Econômica Estadual

Fonte: Martha e Pinho (1978), organizado por CAPELOZZA (2015)

Em Bauru, a atuação das empresas Martha junto ao Estado foi além das

obras públicas; em 1968 a família participou da elaboração do primeiro Plano Diretor

de Bauru. O Plano foi realizado pelo Centro de Pesquisas e Estudos Urbanístico

(CPEU), ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São

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Paulo (FAU/USP). Nessa ocasião, o Engenheiro José da Silva Martha Filho foi

convidado pelo Prefeito Municipal a coordenar a comissão técnica do plano,

composta por uma equipe multidisciplinar formada por profissionais ligados ás áreas

jurídica, política, acadêmica e da saúde (CPEU/PMB,1968, P.I.1).

Dentre as propostas estabelecidas pelo plano está o zoneamento por

faixas de densidade, que, visando à diminuição gradativa do centro para as

periferias, dividiu a cidade em quatro zonas. Parte da gleba da Família Martha –

entre elas a área onde já havia sido implantado o Jardim Estoril 1 – foi instituída

como Zona Residencial de densidade especial (fig. 1). Essa zona limitava a

densidade à metade da estabelecida para seu entorno, além de ser a única do plano

a permitir exclusivamente a implantação de residências unifamiliares isoladas no lote

– padrão que, como será visto no item seguinte, já estava definido pelas normas do

Jardim Estoril 1.

O primeiro Plano Diretor de Bauru não foi aprovado, entretanto,

direcionou a expansão urbana e a implantação de obras públicas das décadas

seguintes (LOSNAK, 2004, p.193). Nesse sentido, é possível afirmar que, embora a

área da Zona Residencial de densidade especial não tenha sido instituída, foi

ocupada – nas décadas seguintes – seguindo as diretrizes estabelecidas pelo Plano

Diretor de 1968 e pela normatização instituída pelos Jardins Estoril.

Figura 1. Mapa de zoneamento com destaque para os Jardim Estoril 1 e 4.

Fonte: Plano diretor de Bauru (1968), editado por CAPELOZZA (2015)

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5 – Os empreendimentos Jardim Estoril

Os cinco empreendimentos da família Martha, implantados entre 1957 e

2006, tiveram papel fundamental na consolidação do setor sul como área ocupada

pela população de renda média e alta. Utilizando estratégias diferentes, de acordo

com seus períodos de implantação, os Jardins Estoril se adequaram aos padrões e

tipologias dominantes no mercado imobiliário.

O Jardim Estoril 1, aprovado em 1957, introduziu uma concepção de

loteamento em Bauru, diferenciando-se pelo entendimento da topografia –

proporcionando um projeto compatível com as características do terreno –, pelo

traçado mais alongado – diferenciando-se do padrão malha de xadrez, até então

reproduzida na cidade –, pelo uso exclusivamente residencial unifamiliar, e pelo

isolamento da casa no lote. Além disso, o empreendimento introduz em Bauru a

implantação de infraestrutura pelo próprio loteador, melhoramentos urbanos que só

passaram a ser exigidos na cidade duas décadas depois, com a aprovação da lei

6.766/1979.

Essa nova concepção foi regulamentada pelo “compromisso de venda e

compra”, contrato que normatiza a aquisição dos lotes e a construção das

edificações nos cinco empreendimentos Martha. Inspirado nas “Cláusulas das

servidões para o uso dos terrenos” proposto pela Cia City para os bairros Jardim em

São Paulo (ANDRADE, 1998, p.245-249), o compromisso definiu a responsabilidade

do loteador em fornecer infraestrutura ao loteamento, e a dos proprietários em

construir as residências seguindo a regulamentação impostas pelo loteador.

Para atrair a população de renda média e alta a esse novo produto

imobiliário os empreendedores investiram em opções distintas de financiamento,

através de três etapas de venda. Nas duas primeiras etapas – iniciadas em 1959 e

1966 – foi realizado o financiamento conjunto lote/edificação. A empresa investiu na

divulgação em periódicos (fig. 2), cuja campanha frisava a possibilidade de se sair

do aluguel – através de um financiamento sem juros e acessível ao profissional

liberal. Além disso, foram destacadas as singularidades do empreendimento perante

os bairros até então implantados em Bauru: os melhoramentos urbanos e o uso

exclusivamente residencial.

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Figura 2. Divulgação da segunda etapa de vendas do Jardim Estoril 1.

Fonte: Jornal O Diário de Bauru, 12 de Junho de 1966.

Nas duas etapas iniciais de venda as edificações foram projetadas e

executadas pela Martha & Pinho, entretanto, o financiamento foi realizado por

empresas distintas. Inicialmente a construtora se associou ao Banco Lar Brasileiro, e

na segunda etapa, a venda foi realizada pela Incorporadora Martha Indústria e

Comércio, sendo todo o processo – desde o parcelamento do solo até a venda das

unidades – realizado pela família.

Em 1972 foi iniciada a terceira etapa de vendas, com duas mudanças

significativas: o lote passou a ser vendido sem a edificação construída, e as vendas

passaram a ser realizadas por uma imobiliária da cidade. Este tipo de parceria foi a

que prevaleceu nos empreendimentos posteriores, caracterizando a relação das

empresas Martha com imobiliárias da cidade.

Os Jardim Estoril 2 e 3 – aprovados respectivamente em 1977 e 1995 –

mantiveram algumas características do primeiro empreendimento do grupo, como a

infraestrutura implantada pelo loteador, o uso exclusivamente residencial unifamiliar,

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e o isolamento da casa no lote (PMB, 1977 e 1995). Entretanto, apresentaram

singularidades em seus projetos. O Jardim Estoril 2, possui o maior

dimensionamento dos lotes e um traçado urbano diferenciado – no qual as quadras

centrais deixam de ser cortadas pelo sistema viário, a fim de abrigar as áreas verdes

– sendo o empreendimento Martha mais valorizado até a implantação do

Residencial Jardim Estoril 5, em 2006. Já o projeto do Jardim Estoril 3 teve que se

adequar à topografia acidentada do terreno e a proximidade da linha férrea, e foi o

empreendimento menos valorizado do grupo.

Em 1983, foi lançado o Jardim Estoril 4 (PMB, 1983). Seguindo as

tendências dos empreendimentos imobiliários no setor sul e incentivado pela

primeira lei de zoneamento da cidade, é o único do grupo a permitir o uso misto e a

verticalização. O uso comercial e a verticalização foram estrategicamente

localizados nas principais vias de acesso à área central e aos bairros localizados ao

sul/sudeste – onde, posteriormente, foram implantados os loteamentos horizontais

fechados. As demais quadras do bairro seguiram o padrão de seus antecessores,

sendo de uso exclusivamente residencial unifamiliar.

Em 2006, é lançado o último bairro das empresas Martha (PMB, 2006). O

Residencial Jardim Estoril 5, retomou o uso exclusivamente residencial unifamiliar e

incorporou uma tendência do mercado imobiliário do período: o loteamento fechado.

O empreendimento foi aprovado inicialmente como loteamento aberto, entretanto

após sua aprovação foi realizado um convênio de fechamento entre a Incorporadora

Martha e a Prefeitura Municipal de Bauru. Sua implantação insere-se em um

processo de produção significativa deste tipo de empreendimento nas cidades

médias paulistas (SPOSITO, 2006, p.175-197). Em Bauru, esses loteamentos se

inserem, especialmente, nas periferias sul e sudeste, processo que se inicia na

década de 1980 e é intensificado nas décadas seguintes (CAPELOZZA, 2012, p.31).

Entretanto, o empreendimento se diferenciou dos até então produzidos na cidade,

devido à localização junto à malha urbana e ao maior dimensionamento dos lotes.

6 – Conclusões

A produção imobiliária da construtora Martha & Pinho, atuando

conjuntamente com a incorporadora Martha Indústria e Comércio, indica a

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participação significativa da família no mercado imobiliário. Dentre a atuação das

empresas Martha destaca-se a realização de obras públicas, especialmente nas

cidades do interior do Estado de São Paulo.

Em Bauru, a atuação das empresas Martha se deu em diversas regiões

da cidade. As obras realizadas junto ao setor privado foram concentradas na região

central, no setor sul e nos “Altos da Cidade”, atendendo a população de renda média

e alta. As obras públicas, especialmente os núcleos residenciais da COHAB e os

ginásios estaduais, foram realizadas em diversas regiões da cidade, atendendo e a

população de menor faixa de renda.

Durante a produção dos empreendimentos Jardim Estoril, as empresas

Martha tiveram outras frentes de trabalho, constatando a abrangência e a

versatilidade das empresas, cuja atuação poderia envolver desde a propriedade do

terreno – passando pelo projeto e execução – até a venda das unidades.

Ao longo de cinquenta anos os loteamentos da Família Martha foram

produzidos de maneira diferente. Enquanto os Jardins Estoril 1, 2 e 3 implantaram

uma concepção diferente da até então utilizada nos loteamentos da cidade, os

Jardim Estoril 4 e 5 se adequaram à produção imobiliária para população de média e

alta renda do período. Por fim, foi possível concluir que os bairros de propriedade da

Família Martha, juntamente com a legislação aprovada pelo Poder Público

Municipal, consolidaram o setor sul como área ocupada pela população de renda

média e alta.

7 – Referências Bibliográficas

ANDRADE, Carlos Roberto Monteiro de. Barry Parker um arquiteto inglês na

cidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade

de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.

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CATELAN, Márcio José. A Produção do espaço em Bauru: do subterrâneo à

superfície. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Faculdade de Ciências e

Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008.

A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

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CONSTANTINO, Norma Regina Truppel. A construção da paisagem de fundos de

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GHIRARDELLO, Nilson. Aspectos do direcionamento urbano de Bauru.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Escola de Engenharia de São

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LOSNAK, Célio José. Polifonia Urbana: imagens e representações. Bauru: Editora

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MARTHA & PINHO LTDA. 1978. Portfólio de vinte anos da Martha & Pinho:

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SPOSITO, M. E. B. Loteamentos fechados em cidades médias paulistas - Brasil. In:

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Legislação

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parcelamento, uso e ocupação do solo no município de Bauru.

BAURU. Lei nº 4126, de 12 de Setembro de 1996. Institui o plano diretor de

desenvolvimento integrado de Bauru e da outras providências.

Processos de Aprovação

PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU (1957). Processo de aprovação nº 2813/57 –

Aprovação das plantas do Jardim Estoril 1. Departamento de Diretrizes e Normas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU (1977). Processo de aprovação nº 17977/77

– Aprovação das plantas do Jardim Estoril 2. Departamento de Diretrizes e Normas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU (1981). Processo de aprovação nº 9052/81 –

Aprovação das plantas do Jardim Estoril 4. Departamento de Diretrizes e Normas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU (1995). Processo de aprovação nº 33646/95

– Aprovação das plantas do Jardim Estoril 3. Departamento de Diretrizes e Normas.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BAURU (2006). Processo de aprovação nº 25277/06

– Aprovação das plantas do Jardim Estoril 5. Departamento de Diretrizes e Normas.