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A PRODUÇÃO DE CANA–DE-AÇÚCAR E A RELAÇÃO COM AS QUESTÕES AMBIENTAIS
Maria aparecida da Silveira Corsi1 Dr. Elpídio Serra2
Resumo Este artigo discorre sobre a relação da produção de álcool combustível e a questão ambiental. No Brasil, a produção de álcool tem aumentado gradativamente nas últimas décadas e esse aumento se deve, principalmente, à necessidade de reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Para melhor compreender o problema optou-se pela avaliação da opinião do setor sucroalcooleiro, bem como pensamentos elaborados por estudiosos que destacam as dificuldades do avanço no setor. A maioria dos estudiosos indica o uso de biomassa como a principal alternativa na redução de GEE (Gases de Efeito Estufa). O Brasil, apresentando características climáticas favoráveis e dominando a tecnologia do setor sucroalcooleiro, tem se destacado no mercado interno e externo na produção de álcool combustível, mas apesar de todos os aspectos positivos de crescimento do setor e da importância da produção de biomassa como meio de redução de GEE, o segmento necessita, ainda, sanar dificuldades como: as relações de trabalho no campo, queima pré-colheita e tratamento adequado dos resíduos para, de fato, considerar o álcool um combustível limpo. Palavras-chave: biocombustíveis; etanol; cana-de-açúcar; aquecimento global. Résumé Cet article parle sur la rélation de la production de l’alcool éthanol brésilien et la question de l’ambiance. Au Brésil, la production d’alcool augmente à chaque jour, pendant les derniers décennies et aussi que cette augmentation se donne, surtout, à cause du besoin de réduire la consommation des combustibles fossiles (gaz, pétrole, etc), considérés les grands coupables du réchaufement global. Pendant la recherche on a compris qu’il faudrait considérer l’opinion des personnages du secteur de la production d’éthanol au Brésil en comparaison avec les autres rechercheurs qui montrent la difficulté dans ce secteur. La majorité des rechercheurs indique l’utilisation de la biomasse comme la meilleure option pour réduire les GES (les gaz à effet de serre). Le Brésil, présentant un climat favorable et dominant la technologia du secteur sucrier, se trouve dans une position importante dans le marché du pays et 1 Graduada em Geografia e Filosofia, especialista em Geografia do Paraná, professora da rede pública Estadual, professora PDE ano 2007. 2 Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Geografia/Programa de pós-graduação em Geografia
du monde entier à ce qui concerne à la production d’alcool éthanol, mais malgré toutes les avantages du secteur; l’importance de la production de biomasse comme un moyen de reduire les GES, la production de l’alcool éthanol et du sucre, au Brésil, doit éliminer quelques difficultés, telles: la relation du travail pendant la pruduction de canne à sucre; le brûlement pré-récolte et l’élimination des résidus de la production, pour pouvoir considérer l’alcool éthanol une énergie propre. Mots clés : biomasse; éthanol; canne à sucre; réchaufement global. 1 – INTRODUÇÃO Após a realização de pesquisa sobre a produção de cana-de-açúcar no
estado do Paraná, sentimos a necessidade de aprofundarmos as considerações
sobre a produção de cana e a questão ambiental.
Diante do tema de estudo coube-nos definir que vertente seguiríamos nesta
análise. Optamos por relacionar a produção (questão econômica) com as
conseqüências desta ação (questão ambiental) por entendermos que “a produção de
biomassa no Paraná” relaciona-se tanto com a questão econômica quanto com a
questão ambiental.
Tomar estas duas vertentes para estudo, ao mesmo tempo é, sem dúvida, um
desafio bastante árduo. Preservar o ambiente é sinônimo de redução, ou no mínimo,
mudança na forma de produção. Ao defendermos a produção de biomassa, por um
lado defendemos a preservação ambiental e por outro enfrentamos a contradição de
estimularmos a expansão da monocultura no país.
A fim de estabelecermos o caminho mais seguro e não nos perdermos em
divagações vamos definir alguns conceitos e delimitar os aspectos que abordaremos
dentro do tema.
Como afirma Mendonça (2005, p.71) o tratamento da temática ambiental é
bastante complexo tanto do ponto de vista teórico como prático. Do ponto de vista
teórico propõe, com a contribuição de Porto Gonçalves, a utilização do termo
ambiente em detrimento de meio ambiente que, segundo o autor, não abarca a
extensão da questão ambiental.
Quanto à questão prática, destaca a necessidade de relacionar a questão
ambiental à temática econômica. Segundo Mendonça, não é possível falar em
preservação ambiental sem, ao mesmo tempo, contemplar a qualidade de vida da
população que vive no espaço estudado. O ambiente não pode estar acima do
homem. Ao se referir aos países mais pobres afirma Mendonça (2005, p. 71)
As condições de vida da população humana, bem como sua qualidade, encontram-se completamente degradadas. É preciso primeiramente, resgatar o mínimo necessário à sobrevivência de cada um e a condição de cidadania, absurdamente seqüestrada por uma minoria hereditariamente no poder. Falar de meio ambiente em tal contexto não tem nenhuma ressonância.
De acordo com estas considerações, ao tratarmos de ambiente é preciso
assumirmos uma postura que não perca de vista o todo que envolve tal questão
(ambiente + homem), por isso ao delimitarmos para estudo uma especificidade do
conhecimento devemos fazê-lo “numa relação dialética que (...) deve ser
compreendida neste raciocínio de interligação particular-geral-particular”
(MENDONÇA, idem).
Se entendermos o contexto geral onde se dão as especificidades estudadas
será possível compreender o jogo de trocas de influências e relações de poder que
se dão neste espaço e com isso estabelecer condições de uso e preservação do
ambiente que favoreçam condições de vida à população que habita este espaço.
Portanto ao tratarmos da produção de álcool no Paraná devemos, também,
tratar das queimadas pré-colheita, do uso inadequado do solo, dos resíduos pós-
colheita, da expansão da monocultura e da exploração da mão-de-obra envolvida na
produção.
2 - O ÁLCOOL COMBUSTÍVEL E A QUESTÃO AMBIENTAL
Desde 1957 tem-se conhecimento que a queima de combustíveis fósseis
altera a temperatura da Terra. Roger Revelle, cientista americano, comprovou em
seus estudos que a emissão de CO2 era prejudicial ao equilíbrio ecológico terrestre.
No entanto, sua voz ressoou silenciosa pelo mundo acadêmico, poucos cientistas se
interessaram pelas conclusões por ele apontadas.
Em 1968 reuniram-se, na capital da Itália, um conjunto de cientistas, da
Associação Internacional de Pesquisadores do Meio Ambiente, conhecidos como
“Clube de Roma”, para discutir os impactos ambientais causados pelo
desenvolvimento econômico e a necessidade de preservação dos recursos não
renováveis. As conclusões destes cientistas, mesmo sendo bastante contundentes,
não foram suficientes para convencer os países ricos a mudarem seu modelo de
desenvolvimento centrado na expansão da produção.
Em 1972, durante a Conferência de Estocolmo Sobre o Meio Ambiente,
formulou-se os princípios que norteariam o conceito de ecodesenvolvimento. Dentre
os princípios destacamos: a satisfação das necessidades básicas; a solidariedade
com as gerações futuras; a participação da população envolvida; a preservação dos
recursos naturais; a elaboração de um sistema social garantindo emprego,
segurança social e respeito a outras culturas e programa de educação, também
destacamos a crítica apresentada ao sistema de desenvolvimento e ao modelo de
modernização industrial (PIACENTE e PIACENTE, 2004, p.2).
Na década de 1980, intensificaram-se as ações das instituições não
governamentais (ONGs) pelo mundo. Instituições como Greenpeace e WWF
(Worldwide Fund for Nature), aglutinaram filiados e doadores e ampliaram ações em
escala global procurando alertar a população mundial sobre os perigos iminentes
que ameaçam a humanidade e da necessidade de ações urgentes de preservação
da natureza.
Em 1992, ocorreu a Eco 92, no Rio de Janeiro, que marcou o início do
reconhecimento dos Estados Nacionais pela necessidade de criação políticas
públicas de desenvolvimento sustentável. Quinze anos depois, foi assinado o
Protocolo de Quioto, no qual os países se comprometeram a reduzir a emissão de
gases do efeito estufa (GEE). Nem todos os países assinaram o protocolo, mas um
avanço foi alcançado, ele abriu as discussões e deu início às ações populares de
estímulo à adesão ao Protocolo de Quioto.
Com a divulgação do Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas
das Nações Unidas (IPCC), em abril de 2007, que previa conseqüências graves para
o planeta com o avanço do aquecimento global, surgiram as grandes discussões e
debates no mundo todo e teve início o processo internacional de negociação em
torno dos Instrumentos jurídicos necessários para prevenir e mitigar as interferências
antrópicas sobre o sistema climático.
A partir de então, o aquecimento global tornou-se o maior vilão que assola a
humanidade, na atualidade, ocorrendo de forma gradual e sendo resultado da
concentração do dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e outros gases na
atmosfera. Segundo Meira Filho, do Instituto de Estudos Avançados da USP, (2005,
p. 89) os GEE já aumentaram de 280 ppm (partes por milhão em volume) há cerca
de dois séculos para 370 ppm hoje, e continuam aumentando. Esses gases são
responsáveis por impedir o resfriamento natural da superfície pela radiação
infravermelha. Ao impedir o resfriamento natural, o efeito estufa causa um aumento
de temperatura da superfície.
Desde o período pré-industrial, a temperatura média da superfície da Terra já
aumentou cerca de 0,6 graus Celsius e a previsão, segundo o IPCC, é de que até o
ano 2.100, a temperatura aumente mais cerca de 3 graus Celsius, o que causaria
mudanças climáticas catastróficas nos sistemas naturais e humanos.
NOBRE, (2005, p. 97) aponta as estimativas das emissões de GEE no Brasil.
Apesar dos dados serem de 1994, nos dão uma idéia de quais são os segmentos
que mais contribuem para o aquecimento global no Brasil. Segundo ele as emissões
foram lideradas pelas mudanças no uso da terra e florestas com 75% das emissões,
e a queima de combustíveis fósseis (energia) contribuiu com 23% das emissões. Os
2% restantes cabem às emissões de metano, que foram principalmente da
agropecuária, a maior parte de fermentação entérica de ruminantes, que também
respondeu por 92% das emissões de óxido nitroso. Lembramos que o poder de
aquecimento global do metano é 29 vezes maior que o dióxido de carbono e que o
óxido nitroso é 296 vezes maior (sua capacidade de contribuir para efeito estufa)
que o dióxido de carbono.
Segundo o IPCC, os impactos adversos resultantes da variação do clima, no
Brasil, são as secas e estiagens, as cheias e inundações e os deslizamentos em
encostas, entre outros.
Sobre a capacidade de adaptação às mudanças climáticas, Nobre afirma que
existe uma grande carência de estudos sobre vulnerabilidade da sociedade, da
economia e dos ecossistemas. Segundo o pesquisador, isso se deve à falsa
expectativa de que os países de clima tropical são menos vulneráveis ao
aquecimento global, outro argumento bastante utilizado para justificar o pouco
investimento em pesquisas sobre o tema é o de que o país possui problemas mais
sérios como o desenvolvimento econômico com justiça e equidade social.
Entretanto, Nobre ressalta que “são justamente os países em desenvolvimento
aqueles mais vulneráveis às mudanças climáticas e ambientais (...) e dentro do país
serão as pessoas mais pobres as mais atingidas” (2001, p.257).
Em face do problema do aquecimento global, Meira Filho (2005, p.89) propõe
três alternativas possíveis:
- inação, que implica em aceitar que o clima mude, e em aceitar danos que serão causados por essa mudança (...) - a mitigação da mudança do clima, por meio da redução das emissões dos gases de efeito estufa, ou no caso do dióxido de carbono, da sua retirada da atmosfera, o chamado seqüestro de carbono. (...) - a adaptação à mudança do clima, por meio de medidas para minimizar os danos resultantes da mudança do clima.
Em face das alternativas propostas por Meira Filho, cabe-nos avaliar as
medidas mitigadoras, pois as demais alternativas vão se atualizando caso as
medidas mitigadoras não causem efeito.
3 - MEDIDAS MITIGADORAS
Ao pesquisarmos as bibliografias que tratam da questão, percebemos que a
maioria dos estudiosos aponta o uso de biomassa como a principal alternativa para
o Brasil na redução de GEE. O próprio Meira Filho propõe para o Brasil o uso do
etanol no setor de transportes e do carvão vegetal, em substituição ao coque
siderúrgico, na fabricação de ferro gusa e aço. Também destacamos a contribuição
de vários participantes da III Conferência Regional Sobre Mudanças Globais:
América do Sul, que contou com a participação de representantes de vários
segmentos que estudam o tema. Destacamos as conclusões de alguns
pesquisadores que propuseram medidas mitigadoras para a questão climática no
Brasil.
Assad, Engenheiro Agrícola da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
e do Centro Nacional de Pesquisa Tecnológica em Informática para a Agricultura
(2007, p.116), propõe como medidas mitigadoras para o Brasil,a redução e/ou
eliminação de queimadas; a utilização de biocombustível, destacando a cana-de-
açúcar, dendê, mamona, girassol e soja;e o aumento do reflorestamento em áreas
não produtivas e repensar a matriz energética do país. Afirma ainda que “está claro
que a alternativa mais rápida e mais fácil para substituir o petróleo são os
combustíveis do agronegócio” (2007, p. 105).
Nesta mesma conferência Alvim da Silva, representante da Organização Não
Governamental Economia e Energia, propõe como medidas mitigadoras de
emissões de GEE: a ampliação do uso de transportes coletivos, destacando a
reconstrução da estrutura ferroviária; maior uso de cabotagem e integração entre
modais; maior uso de modais mais eficientes; descentralização e regionalização da
produção com o combate das mega-cidades; maior eficiência dos veículos de
transportes com aperfeiçoamento das tecnologias no setor. Destaca, também uso de
biocombustíveis na redução de GEE, porém alerta, que os efeitos positivos dos
biocombustíveis hoje podem se tornar nulos no futuro com o crescimento do setor.
Mantendo a mesma linha de raciocínio de Alvim da Silva, Suzana Kahn
Ribeiro, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, também alerta
para o crescimento do setor de transportes nos próximos anos, afirma que: “somente
os combustíveis não são suficientes para fazer uma inflexão na curva de emissões
de GEE. É preciso mais que simples adição deles na matriz de combustíveis” (2007,
p.170). Destaca a necessidade de investimentos na integração dos modos de
transportes, redução no número e tamanho de viagens. Redução de
congestionamentos, uso de transportes coletivos, como ônibus e metrôs, cobrança
de pedágios urbanos e maior eficiência do transporte rodoviário.
A defesa dos biocombustíveis como melhor alternativa à redução de GEE é
unânime entre os pesquisadores, no entanto, esta opção não está livre de
questionamentos. É importante ressaltarmos que ao pensarmos a questão
ambiental, não devemos esquecer do homem que habita o espaço ao qual
defendemos.
4 – PROBLEMAS QUE ENVOLVEM A PRODUÇÃO DE BIOMASSSA
Ao entramos nesta discussão, é importante que retomemos algumas
considerações apresentadas por Sachs (2005, p.199), em palestra proferida no
Instituto de Estudos Avançados da USP, quando tratou da mudança da matriz
energética petróleo para biomassa. Sachs, assim como os pesquisadores já citados,
também defende a produção de biomassa no país, propondo, inclusive, a construção
de “uma nova civilização de biomassa”, mas o que diferencia o seu discurso dos
demais é, justamente, o fato de colocar em primeiro lugar nas discussões a questão
do emprego, o qual apresenta como o maior e mais difícil problema social. Para ele
“é totalmente absurdo pensar o futuro deste século sem ver que o problema de
desenvolvimento rural continua a ser um problema crucial, não dá para jogar toda
essa gente nas favelas” (2005, p.200). Para tanto, é preciso entender a produção de
biomassa como uma estratégia energética que vai além das necessidades do
mercado de biocombustíveis, que estão voltadas essencialmente para a eficiência
econômica do processo e fazer desta perspectiva de desenvolvimento econômica
uma possibilidade de desenvolvimento social. É neste sentido que Santos (1982, p.
21) afirma que “de um lado, há os consumidores de espaço, os famintos de infra-
estrutura; de outro o resto. Os primeiros, firmas multinacionais e aparentadas,
participam direta e indiretamente da acumulação das economias avançadas,
reservando para si as maiores vantagens”.
Na visão de Coutinho (2007, p.167) “não pode haver separação entre a
preocupação ambiental e a proteção e inclusão social”, os projetos privados de
redução de emissões de GEE devem incorporar a variável social e ir além do
modelo de agronegócio, centrado na mecanização e grandes propriedades, que
existe atualmente. É preciso incorporar o pequeno produtor a fim de evitar o ciclo de
desenvolvimento rural excludente que perdura no país.
Ao tratar da questão Coutinho refere-se às vantagens que a agricultura
comercial possui em relação à agricultura de subsistência. A primeira apresenta
produção organizada, ou seja, o emprego de tecnologias, representada pelos
produtos de alto valor comercial e, geralmente, voltados para a exportação, e por
isso está menos sujeita aos riscos de flutuações dos preços promovidas por políticas
internas e, além disso, recebe maior contribuição da pesquisa agrícola. Estas
vantagens favorecem o aumento de produtividade e redução das variações nas
taxas de retorno. Ao contrário, a agricultura de subsistência, está sujeita ao controle
de preços interno, recebe menor investimento tecnológico e, por não possuir
estabilidade no mercado, os serviços que se destinam a este segmento são mais
caros (armazenamento, transporte, máquinas e equipamentos), disso resulta a
estagnação na produção e a redução da oferta.
4.1 – A produção de cana-de-açúcar versus a produção de alimentos
Doravante foquemos nossa atenção nas possíveis conseqüências do
aumento da produção de etanol no Brasil nas bases acima citadas.
Alguns pesquisadores são bastante agressivos ao tratar da questão
biocombustíveis e meio ambiente, é o que podemos observar em Almeida (2007,
p.49) quando afirma que:
Não estamos mais sentados na mesma mesa, dividindo um prato de soja com um boi de uma tonelada, mas estamos dividindo o mesmo prato, com um motor diesel de quatrocentos cavalos e força (...) estamos alimentando carros.
A preocupação de Almeida se justifica quando tratamos da produção de
etanol de milho, praticada nos Estados Unidos, que é reconhecidamente menos
eficiente em termos de balanço energético e econômico. Encher o tanque de um
carro esportivo com etanol puro exigiria mais de 200 quilos de milho, o que seria
suficiente para alimentar uma pessoa por um ano. Aumentando o consumo de etanol
ocorre uma pressão pelo aumento de produção o que conduz ao aumento de preços
dos alimentos. E no Brasil, o rápido crescimento da produção pode ter efeitos sobre
o preço dos alimentos?
Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso proferido na reunião de cúpula da FAO
(Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) sobre a crise
alimentar mundial, afirmou que os países que possuem vocação natural para a
produção de biocombustíveis de forma sustentável devem:
(...) fazer estudos e decidir se podem ou não produzir biocombustíveis, e em que extensão. Precisarão definir as plantas mais adequadas e escolher projetos em função de critérios econômicos, sociais e ambientais.
As palavras do presidente deixam clara a preocupação com o
desenvolvimento centrado nas dimensões que envolvem a produção de biomassa, a
dimensão econômica, a social e a ambiental. Mas em que medida as ações das
empresas coincidem com os anseios do governo e da sociedade?
Um dos fatores que pode elevar o preço dos alimentos é a ocupação de
terras, pela cana, que eram utilizadas para produzir alimentos. Tetti, Consultora da
UNICA (União da Indústria de Cana-de-açúcar), entrevistada em São Paulo, em
julho de 2006, afirmou:
(...) a cana não está indo para novas áreas. A própria logística não permite que as áreas se expandam. O que tem ocorrido é apenas a conversão, não muito significante, de pastagens em cana, já que a criação do gado tem ficado mais intensiva (Apud RODRIGUES e ORTIZ, 2006, p.10).
Quaggio, pesquisador do Centro de Solos e Recursos Agroambientais do
Instituto Agronômico (IAC) do Estado de São Paulo, em entrevista à Revista Valor
Online, afirmou:
A cana-de-açúcar já rouba áreas tradicionais de grãos em São Paulo. Na terra roxa da região sudoeste do Estado, onde predominavam culturas como o feijão, a produção de cana avança e muda a paisagem local. [...] A monocultura pode aumentar a receita agrícola do município, mas diminui a atividade agrícola e não traz desenvolvimento regional (2006, p.10).
Alguns estudos realizados no estado de São Paulo, como anteriormente
citado, mostram que o avanço da cana não se limita a áreas de pastagens e que
terras antes utilizadas para a produção de alimentos são utilizadas para o cultivo de
biomassa.
No Estado do Paraná, a exemplo do que vem ocorrendo em São Paulo,
também ocorre a expansão rápida da cana-de-açúcar. Do início de 2008 até final de
2010 o estado deve inaugurar 09 usinas de álcool combustível, que devem ocupar
uma área de mais de 200.000 hectares de terras com o cultivo de cana no estado.
Ao analisar essa questão Hoffmann (2006, p.3) afirma que existem mais de
30 milhões de hectares ocupados com pastagens extensivas subaproveitadas que
devem ser substituídas por outras atividades agrícolas, sem prejuízos para a
produção de carne e leite. Mas, estas terras só serão liberadas se houver algum
estímulo, ou seja, se houver aumento de faturamento pelos proprietários, o que
implicaria em aumento no valor da produção final. Para amenizar os preços,
Hoffmann aponta o avanço tecnológico na produção agropecuária, que tem
constantemente contribuído para a redução de preços dos alimentos.
Além do desenvolvimento tecnológico no setor agropecuário é necessário
apontar que a produção de etanol representa crescimento econômico com geração
de novos empregos e renda e, que no Brasil, alcançamos a maior produtividade por
área, dentre os países produtores de etanol que é de 6.800 litros por hectare.
Conforme afirmações de Rodrigues (2007, p.109) em palestra proferida na III
Conferência Regional Sobre Mudanças Globais, se utilizarmos o bagaço, palha e
novas variedades na produção de álcool, a produtividade pode ser ampliada,
atingindo de 15 a 16 mil l/ha.
Hoffmann (2006, p.3) lembra que: “no Brasil é a pobreza que causa
insegurança alimentar”, a produção de alimentos supera o consumo interno, não há
falta de alimento, mas sim, dificuldade de acesso ao consumo. Com a redução do
desemprego e geração de renda reduz-se o risco de insegurança alimentar e anula-
se, praticamente, o efeito do aumento de preços dos alimentos.
Contrária a esta posição, a pesquisadora Silva (2007, p.17) da Unesp de São
Carlos, em entrevista à Revista Carta Capital na série Retratos do Brasil, culpa a
disseminação da cana no Centro-Sul pela expansão da pecuária no Norte do país.
Segundo ela, em regiões do Maranhão onde antes se cultivava babaçu, hoje,
produz-se gado. Por causa disso, muitas das famílias que viviam da coleta do
babaçu, migram para São Paulo para trabalhar na colheita da cana. No Piauí
também ocorre o desalojamento de famílias que praticavam a agricultura familiar
pela expansão da sojicultura, que, assim como a pecuária, busca áreas de terras
mais baratas para ampliar a produção.
Ao analisarmos a posição de alguns pesquisadores constatamos que tanto os
que defendem a expansão da cana-de-açúcar, quanto os que pedem cautela em sua
expansão possuem a sua razão. O crescimento rápido desorganiza a produção,
gera desemprego nos segmentos que ela substitui, num primeiro momento gera
aumento no preço de alimentos que deixam de ser produzidos, altera a cadeia
produtiva e estimula a monocultura. No entanto, devido às extensas áreas
subaproveitadas que ainda temos no país e o domínio tecnológico na produção
agrícola, é possível, em pouco tempo, contornar a situação e manter produtividade e
preços acessíveis em todo o país.
Para que isso ocorra sem prejuízos para algumas regiões do país, como citou
a pesquisadora Silva, é preciso que o governo intervenha e crie mecanismos de
estímulos à produção em novas áreas e geração de tecnologia para aumentar a
produtividade dos alimentos que a cana substitui. Se houver equilíbrio no aumento
da produção da cana-de-açúcar e na produção de alimentos, o Brasil pode tirar
proveito desta fase e crescer em outros segmentos, gerando empregos, renda e
reduzindo desigualdade social.
Vale lembrar que a cana-de-açúcar não atende apenas o setor de
biocombustíveis, além do etanol, pode-se obter subprodutos para a indústria
alimentícia, de cosméticos, química, geração de energia elétrica (bagaço da cana) e
fertilizantes (vinhoto). Mas o estímulo à produção de subprodutos não deve voltar
exclusivamente para a demanda mundial, é preciso tomar cuidado para que o setor
não se torne “mercadoria universal por excelência” (SANTOS, 1982, p.19) e que a
tecnologia e matérias-primas brasileiras não fiquem à disposição das grandes
transnacionais que trocariam o petróleo pela biomassa e manteriam sua hegemonia
mundial sobre o comércio de combustíveis.
É necessário desenvolver uma política interna que dificulte a manipulação do
espaço de forma a gerar e aprofundar as diferenças de classe, pois esta evolução
“acarreta um movimento aparentemente paradoxal: o espaço que une e separa os
homens” (SANTOS, 1982, p. 21). Nesse aspecto, além da disputa de terras entre
biocombustíveis e alimentos, é preciso também analisar a qualidade do emprego
relacionado ao plantio e à colheita de cana-de-açúcar no país, a qualidade de vida
dos trabalhadores e moradores das cidades, cujo entorno se pratica a queima pré-
colheita e a utilização dos resíduos da produção (destacando o bagaço e o vinhoto)
de cana no país, o que apresentaremos a seguir.
4.2 - Mão-de-obra
A mão-de-obra na agroindústria canavieira é empregada nas fases de
produção de mudas, plantio, combate de formigas, conservação de estradas,
operação de máquinas, transporte, colheita manual e retirada de sobras, setor
administrativo e gerenciamento (RODRIGUES; ORTIZ, 2006, p.12). Neste contexto,
destacamos a colheita manual como atividade que demanda maior quantidade de
trabalhadores, em média 60% do contingente empregado no setor sucroalcooleiro.
Os trabalhadores do setor possuem em média entre 18 e 50 anos de idade, muitos
são contratados em regimes temporários, os “safristas” que, geralmente, se
deslocam de regiões distantes, como norte e nordeste, para trabalhar no centro-sul.
A forma de pagamento mais utilizada é o regime de produtividade, na qual o
rendimento mensal fixo é acrescido em função de maior desempenho do
trabalhador.
Segundo dados da Revista Carta Capital, na série Retratos do Brasil (2007,
p.16), um cortador de cana pode atingir até 30 toneladas dia e manter uma média
mensal de 12 a 17 toneladas/dia, para alcançar um salário de 1,2 mil reais mensais.
A renda pode ser considerada alta para um trabalhador rural, no entanto, a
temporalidade dos postos de trabalho (8 meses) requer uma renda maior para
compensar os meses sem serviço.
Apesar de o setor sucroalcooleiro afirmar que no Brasil não há condições
impróprias de trabalho por não existir cerceamento da liberdade, pode-se constatar,
através de depoimentos de trabalhadores, que existe uma constante pressão para o
aumento de produtividade no corte da cana. Essa pressão se dá de modo velado, na
medida em que o trabalhador teme perder o emprego por baixa produtividade e pela
própria necessidade de aumentar os rendimentos para sustentar sua família.
De acordo com Alves (2006, p.93), “o trabalho por produção transfere ao
trabalhador a responsabilidade pelo ritmo do trabalho, que é atribuição do
capitalista”, além desta questão, o corte da cana implica em outras variáveis. O
trabalhador nunca sabe o quanto vai ganhar no dia, pois a forma de calcular a
produção é complexa e só pode ser acessada no final do dia, após a pesagem e
conversão de metros em quilos. “Os cortadores de cana sabem apenas quantos
metros de cana cortaram em um dia, mas não sabem o valor do metro de cana
cortado (...) o valor do metro só é fixado depois que a cana é pesada”, desta forma o
trabalhador nunca tem o controle de sua produção, ou seja, não pode parar quando
atinge o valor que deseja receber por um dia de trabalho. Por isso, esta forma de
pagamento é chamada por Alves (Idem) de arcaica, perversa e desgastante.
De acordo com a Norma Brasileira de Ergonomia (NR-17 da Portaria 3214/78
- Ministério do Trabalho e Emprego), não é permitido o pagamento por produção
quando existem riscos à saúde dos trabalhadores, uma vez que este tipo de
pagamento induz o trabalhador a ultrapassar os limites fisiológicos em busca de um
rendimento financeiro extra. Norma freqüentemente negligenciada, levando o
trabalhador do corte de cana a correr riscos e a prejudicar a saúde física.
A carga de trabalho excessiva provoca graves problemas de saúde que
muitas vezes são amenizados com o uso de medicamentos (antiinflamatórios), que
tiram a dor e possibilitam a continuidade do trabalho. Essa atitude é justificada por
muitos trabalhadores como forma de não perder o dia de trabalho (que é descontado
com a falta) e a cesta básica mensal, que alguns contratos atrelam a assiduidade.
A prática contínua do uso de medicamentos e o desgaste físico já levaram
muitos trabalhadores a óbito, segundo Alves (2006, p.91) entre as safras 2004 e
2007 morreram 14 cortadores de cana, no Estado de São Paulo, todos jovens, com
idade entre 24 e 50 anos e migrantes de outras regiões do país.
A UNICA, representante do setor sucroalcooleiro, argumenta contra as
críticas recebidas, destacando como positivo do crescimento do setor que gera em
média 3,6 milhões de empregos nas regiões nordeste, centro-oeste, sul e
principalmente sudeste do país, um milhão somente no corte da cana, o que
representa 6% dos empregos agroindustriais do país.
Destaca ainda que, além dos salários mensais, que são altos para o setor
rural, os trabalhadores possuem assistência médica, odontológica, ótica e
farmacêutica, seguro de vida, vale transporte, auxílio doença e funeral, assistência
escolar, entre outros. Além destes benefícios as unidades produtoras investem em
treinamentos técnicos, comportamentais e incentivos à continuidade e retomada dos
estudos.
Piacente (2004, p.5) ratifica os argumentos da UNICA afirmando que a
geração de empregos é um dos pontos positivos da indústria da cana. Segundo o
pesquisador, as características do emprego têm evoluído e têm ajudado a reverter a
migração para as áreas urbanas, “fixando o trabalhador no campo com renda e
trabalho digno” e melhorando a qualidade de vida de muitas famílias.
Para Tetti (2008, p.172), é preciso ter cautela ao criticar o setor
sucroalcooleiro, pois “o índice de carteira assinada nos canaviais paulistas é de
98%, o que foge da realidade brasileira” e uma grande parte da terra ocupada com a
produção de cana pertence a pequenos e médios produtores, que sustentam suas
famílias com esta atividade. Para ela, o agronegócio da cana deve ser avaliado com
mais critério para perceber quais são “os amortecedores para esse modelo deixar de
gerar crueldades sociais”.
Diante das colocações é possível constatar que o embate entre o setor
sucroalcooleiro e os trabalhadores rurais é grande o que nos permite analisar as
dificuldades e contradições que ocorrem nas relações trabalhistas nos países em
desenvolvimento. A solução mais fácil para o setor é optar pela mecanização da
colheita, como fazem alguns países, como Austrália. Mas isso nos colocaria diante
de outro grave problema, o desemprego de quase um milhão de trabalhadores. A
maioria da mão-de-obra empregada na colheita da cana não possui qualificação
para desempenhar outras funções, além do que o setor não absorveria a totalidade
desta mão-de-obra para desempenhar atividades na indústria e transporte. Para
evitar tais problemas seria necessário um grande investimento em qualificação e
treinamento de mão-de-obra, que deveria ser desenvolvido em cooperação entre
estado e empresas do setor. Lembramos que este tipo de atividade requer tempo e
grande investimento e estes são os maiores empecilhos que limitam realocação dos
desempregados no seguimento.
Além da dificuldade de realocação, a opção acima citada apresenta outro
agravante, o uso intensivo de mecanização provoca a compactação do solo, devido
ao uso constante de máquinas pesadas, o que reduz a produtividade. Além de
limitar a produção de cana a áreas que possuem declividade inferior a doze por
cento.
4.3 - Queima pré-colheita
Uma das formas mais tradicionais de realizar a colheita da cana é a manual.
Para que essa prática se realize, é necessário que se faça a queima prévia, que
compreende o uso do fogo, de forma controlada, para eliminar as folhas e pontas da
cana. Geralmente é praticada em áreas pequenas e delimitadas, de maneira rápida
para não queimar o caule da cana.
(...) A cana-de-açúcar é uma cultura agrícola singular, uma vez que, por razões de produtividade e de segurança, sua colheita é realizada após a queima dos canaviais, o que gera uma grande quantidade de elemento particulado negro denominado fuligem da cana (ARBEX, 2004, p. 70).
As palavras de Arbex dão o tom ideal para iniciarmos esse tema, ou seja, nos
permite responder a dúvida mais simples relativa à questão: Por que praticar a
queima pré-colheita?
Apesar da obviedade da resposta cabe-nos esclarecer quais são as razões de
produtividade e de segurança que trata o autor. A produtividade relaciona-se com o
aumento de brix e fibras devido o ressecamento dos colmos durante a queima o que
aumentaria a qualidade do açúcar e do álcool (RIPOLI, 2006, p. 175), além deste
item, outro argumento que é largamente utilizado para justificar a produção de cana
é que, se comparado com a produção de outras biomassas, como, por exemplo o
milho, a cana apresenta rendimento muito superior.
Segundo a UNICA, no Brasil, a relação entre energia renovável produzida, no
caso etanol, e a energia fóssil usada na produção é de 8,9, ou seja, para se produzir
8,9 litros de álcool consome-se 1 litro de combustível fóssil. Se compararmos com o
etanol de milho, que a relação está na faixa de 1,3 a 1,8, constata-se a
superioridade do etanol de cana. Com relação à produtividade por área, a cana
apresenta larga vantagem sobre o milho. A cana produz, em média, 6.900 litros de
álcool por hectare, enquanto o milho produz, em média, 3.000 litros por hectare.
Estes dados justificam a queimada pré-colheita na medida em que, se forem
computadas todas as emissões resultantes da produção do álcool combustível e da
queima do álcool nos veículos, a absorção realizada pela cana em sua fase de
crescimento apresenta um saldo de eliminação de CO2 da atmosfera de 0,17
tonelada por tonelada de cana cultivada. Ou seja, um saldo positivo significativo.
O último ponto a ser ressaltado - as vantagens de segurança - relaciona-se
com a facilidade que a queima proporciona ao cortador na medida em que elimina
as folhas que dificultam o corte e a movimentação do trabalhador no campo. As
folhas verdes aumentam a incidência de acidentes de trabalho com cortes de facões
e ferimentos nos olhos. Além desta dificuldade, o corte da cana verde mantém no
canavial os animais peçonhentos que causam graves acidentes durante a safra.
Analisemos, agora, alguns argumentos contrários à defesa da queima pré-
colheita. Segundo Szmrsecsanyi (1994, p.74), a cana realmente absorve o CO2
emitido pela queimada, no entanto, ressalta “além do gás carbono, a queima da
cana libera ozônio, um gás altamente poluente que não se dissipa facilmente”, a
queima também libera fuligens que possui alto potencial danoso à vida humana.
Segundo Arbex (2004, p.160) a queima de biomassa resulta em componente
“constituído em seu maior percentual (94%) por partículas finas e ultrafinas (...) que
atingem as porções mais profundas do sistema respiratório (...) e são responsáveis
pelo desencadeamento do processo respiratório”. O estudo realizado por Arbex e
seus colegas avaliou o tema do ponto de vista médico e constataram que durante o
período das queimadas houve agravamento dos sintomas nos pacientes que
apresentavam doenças crônicas do aparelho respiratório, destacando bronquite
crônica, enfisema e asma. As internações hospitalares, por doenças respiratórias em
crianças, adolescentes e idosos foi 3,5 vezes maior no período de queima, o que
revela o grave impacto desta prática sobre a saúde da população (2004, p.71).
A questão torna-se um pouco mais grave quando se constata que as pessoas
que mais sofrem com resíduos das queimadas são das camadas mais pobres da
população que não têm acesso aos serviços saúde tornando ainda mais precária a
forma de vida destas pessoas.
Mas nenhuma outra pessoa se expõe tanto aos resíduos da queima quanto o
cortador de cana, que está em contato direto com as fuligens, se alimenta no
ambiente de trabalho, passa mais de 10 horas do dia respirando os resíduos da
queima e, por mais que se proteja, não consegue manter a pele livre das cinzas.
A solução para estas dificuldades novamente nos conduz à redução e/ou
eliminação da queima prévia da cana. Ações de ambientalista e mesmo a opinião
pública cobram posição das autoridades frente a este problema. Dentre as medidas
tomadas pelas autoridades Federais e Estaduais tem-se: o Decreto Federal nº
2.661/98 e a Lei nº 11.241/2002 do Governo de São Paulo que regulamentam a
queima da cana e estabelecem a redução gradativa desta prática. Em São Paulo, a
queima deve ser eliminada até 2021 nas áreas mecanizáveis e até 2031 nas áreas
não mecanizáveis. Além destes destacam-se os Protocolos Agroambientais (anos
de 2007 e 2008) assinados entre as Secretarias de Agricultura e Abastecimento, do
Meio Ambiente e usinas e fornecedores, que prevêem a redução total da prática de
queimada para o ano de 2014 para as áreas mecanizáveis e 2017 para áreas não
mecanizáveis.
Os Protocolos são apenas acordos de intenções, portanto, as vantagens que
as usinas e fornecedores obtêm ao assinar estes acordos são a obtenção de um
Selo Ambiental que agrega valor na comercialização e exportação do produto.
A antecipação da extinção da queima pré-colheita é vista com bons olhos
pelos ambientalistas, mas preocupa do ponto de vista social, pois não é possível
fazer a realocação da mão-de-obra em tempo tão curto.
Esta questão nos coloca de volta ao cerne do problema do desenvolvimento
sustentável: como preservar o ambiente melhorando as condições de vida do
homem? Miranda alerta que:
toda atividade agrícola, em qualquer lugar, compromete os recursos naturais. Para medir esse comprometimento, urge comparar a adequabilidade do uso das terras num mesmo município ou região. Urge discutir as várias alternativas de cultivos possíveis e com as atividades agrícolas existentes hoje, as vantagens e os inconvenientes das possíveis substituições de atividades (1997, p. 13).
Ainda segundo Miranda, o impacto ambiental (soma dos impactos ecológicos
e dos impactos sócios econômicos de uma determinada atividade) da cana-de-
açúcar é positivo. Miranda apresenta os dados do Paraná e São Paulo, que juntos
somam mais de 50% da produção agrícola nacional, e que contribuem em média
com 2% das queimadas no Brasil. Além disso, conclui Miranda afirmando que, se
houver mudança na tecnologia utilizada para a colheita da cana-de-açúcar também
haverá mudança na forma de impacto ambiental, na medida em que toda técnica
utilizada gera impactos sobre o meio natural.
Diante deste impasse torna-se evidente a necessidade de regulação da
agroindústria canavieira, mesmo contrariando o setor. Diante de uma disputa entre
fortes e fracos, o governo precisa intervir para evitar que problemas maiores afetem
a população em período curto de tempo.
5 – CONCLUSÃO
Sem dúvida o crescimento do setor sucroalcooleiro é bastante positivo para o
país. Aumenta a participação no PIB, gera emprego, renda e desenvolvimento
econômico além de atender as necessidades de substituição dos combustíveis
fósseis que são prejudiciais à vida humana e do planeta.
Além destas características positivas, a cana-de-açúcar também se destaca
na produção de outros subprodutos, o açúcar, por exemplo, encontra-se em
evidência no mercado internacional devido o aumento de consumo na China nos
últimos anos, e não podemos esquecer do bagaço da cana que movimenta a maioria
das usinas de cana do país e em algumas regiões já existe a possibilidade de
repasse da energia gerada pelo bagaço para uso nas cidades.
Existem várias pesquisas em andamento tentando desenvolver uma fórmula
eficiente de utilização da vinhaça como fonte de energia, através uso de
biodigestores. Outros derivados da cana são utilizados como: ração animal, produtos
alimentícios, de higiene, limpeza, cosméticos, farmacêuticos, etc. Estes subprodutos
demonstram a possibilidade de agregar valor à produção de cana-de-açúcar no país,
de gerar desenvolvimento e riqueza amenizando os efeitos danosos ao ambiente.
Retomemos as palavras de Sachs quando afirma que é preciso entender a
produção de biomassa como uma estratégia energética que vai além das
necessidades do mercado, que estão voltadas essencialmente para a eficiência
econômica do processo, e fazer desta perspectiva de desenvolvimento econômico
uma possibilidade de desenvolvimento social, ou seja, o desenvolvimento não pode
estar atrelado à exploração de mão-de-obra, à degradação ambiental, à acumulação
de renda que aumenta a desigualdade social e a concentração da posse da terra.
O meio mais eficiente para evitar que isto ocorra é uma atuação firme dos
representantes legais e uma ação direta da sociedade exigindo melhoria nas
condições de trabalho, investimento em tecnologias e treinamento para aumentar a
produção e gerar empregos e agregar valor à produção. Certamente, o setor de
bioenergia é uma opção de desenvolvimento para o país, cabe às autoridades e à
sociedade, entretanto, saber fazer uso desta tecnologia em benefício do país e não
de uma minoria.
6 - REFERÊNCIAS
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