26
1 A PROPOSITURA DE JUSTIÇA SOCIAL RAWLSIANA E SEUS LIMITES ÀS REALIDADES LATINOAMERICANAS Ariston Azevêdo Renata Ovenhausen Albernaz Guilherme Dornelas Camara RESUMO O presente texto analisa, em um exercício de redução sociológica, a ideia de justiça como equidadede John Rawls, à luz da singularidade latino-americana, em dois eixos: (1) o do multiculturalismo e pós-colonialismo latino-americanos, estes que podem nos sugerir um questionamento acerca da elasticidade do modelo de justiça rawlseniano para considerar, de forma adequada, os perfis do pluralismo social e das desigualdades históricas latino- americanas; (2) o da crítica da hegemonia da economia de mercado em sociedades do capitalismo periférico como as latino-americanas, diante da consideração, por Rawls, da adequação da economia de mercado na produção de bens a seres distribuídos conforme seu sistema de “justiça como equidade”. INTRODUÇÃO O presente texto parte da noção de redução sociológica de Guerreiro Ramos para proceder à análise da propositura da Justiça como Equidadede John Rawls, no que se refere à sua pertinência referencial e aplicativa às sociedades latino-americanas, sociedades essas marcadas pelo multiculturalismo e, por conseguinte, pelo pluralismo de modos de vida e ordenação política e econômica, diferentes, portanto, da realidade social na qual aquele modelo de justiça foi inspirado. Essas diferenças, como se fará destaque logo abaixo, põem sérios obstáculos a qualquer tentativa de transplantação literal desse modelo, sem o necessário exercício de redução sociológica. Tal como foi definida pelo referido sociólogo brasileiro, a redução sociológica consiste em um procedimento natural a todo e qualquer cientista social que adote, de fato, uma postura de “engajamento ou de compromisso consciente com o seu contexto”, o que o faz tratar com “toda a produção científica estrangeira” de modo “subsidiário”, e não preponderante, em termos de exame da realidade concreta com a qual se encontra vinculado e comprometido (GUERREIRO RAMOS, 1965), ou seja, a redução é uma postura crítico- assimilativa da “ciência e da cultura importadas” (GUERREIRO RAMOS, 1981, p. XVI),

A PROPOSITURA DE JUSTIÇA SOCIAL RAWLSIANA E SEUS … · à sua pertinência referencial e aplicativa às sociedades latino-americanas, ... Uma das primeiras questões a serem discutidas

  • Upload
    vuhanh

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

1

A PROPOSITURA DE JUSTIÇA SOCIAL RAWLSIANA E SEUS LIMITES ÀS

REALIDADES LATINOAMERICANAS

Ariston Azevêdo

Renata Ovenhausen Albernaz

Guilherme Dornelas Camara

RESUMO

O presente texto analisa, em um exercício de redução sociológica, a ideia de “justiça como

equidade” de John Rawls, à luz da singularidade latino-americana, em dois eixos: (1) o do

multiculturalismo e pós-colonialismo latino-americanos, estes que podem nos sugerir um

questionamento acerca da elasticidade do modelo de justiça rawlseniano para considerar, de

forma adequada, os perfis do pluralismo social e das desigualdades históricas latino-

americanas; (2) o da crítica da hegemonia da economia de mercado em sociedades do

capitalismo periférico como as latino-americanas, diante da consideração, por Rawls, da

adequação da economia de mercado na produção de bens a seres distribuídos conforme seu

sistema de “justiça como equidade”.

INTRODUÇÃO

O presente texto parte da noção de redução sociológica de Guerreiro Ramos para

proceder à análise da propositura da “Justiça como Equidade” de John Rawls, no que se refere

à sua pertinência referencial e aplicativa às sociedades latino-americanas, sociedades essas

marcadas pelo multiculturalismo e, por conseguinte, pelo pluralismo de modos de vida e

ordenação política e econômica, diferentes, portanto, da realidade social na qual aquele

modelo de justiça foi inspirado. Essas diferenças, como se fará destaque logo abaixo, põem

sérios obstáculos a qualquer tentativa de transplantação literal desse modelo, sem o necessário

exercício de redução sociológica.

Tal como foi definida pelo referido sociólogo brasileiro, a redução sociológica

consiste em um procedimento natural a todo e qualquer cientista social que adote, de fato,

uma postura de “engajamento ou de compromisso consciente com o seu contexto”, o que o

faz tratar com “toda a produção científica estrangeira” de modo “subsidiário”, e não

preponderante, em termos de exame da realidade concreta com a qual se encontra vinculado e

comprometido (GUERREIRO RAMOS, 1965), ou seja, a redução é uma postura crítico-

assimilativa da “ciência e da cultura importadas” (GUERREIRO RAMOS, 1981, p. XVI),

2

uma espécie de autodefesa à produção de um saber alienado e diante de um saber alienante. É

exatamente o exercício de tal postura que procuraremos fazer ao longo do presente texto.

Essa análise crítica-assimilativa problematiza a teoria da “justiça como equidade” de

Rawls em dois eixos: (1) o do multiculturalismo e pós-colonialismo latino-americanos, estes

que podem nos sugerir um questionamento acerca da elasticidade do modelo de justiça

rawlseniano para considerar, de forma adequada, os perfis do pluralismo social e das

desigualdades históricas latino-americanas; (2) o da crítica da hegemonia da economia de

mercado em sociedades do capitalismo periférico como as latino-americanas, diante da

consideração, por Rawls, da adequação da economia de mercado na produção de bens a seres

distribuídos conforme seu sistema de “justiça como equidade”.

A base teórica para tal crítica, além desse exercício metodológico de redução

sociológica, consiste nos estudos do multiculturalismo e do pós-colonialismo pertinentes ao

cenário latino-americano e em estudos sobre bases alternativas de produção econômica

observadas neste continente.

A crítica assumida neste texto não pretende desconstruir o modelo de teoria de

justiça rawseniano, modelo ao qual identificamos inúmeras potencialidades; trata-se mais de

um posicionamento de tradução dessa importante teoria da justiça contemporânea para que ela

possa dar conta, de uma maneira ajustada, aos problemas de injustiça social e de

desigualdades históricas tão latentes e urgentes na América Latina. É, ao ver destes autores,

uma forma de enriquecer as discussões dessa teoria de justiça a partir da perspectiva de

pessoas situadas em condições bem diferentes daquelas nas quais Rawls tinha em vista

quando a elaborou.

1. JUSTIÇA COMO EQUIDADE: CONSENSO E RACIONALIDADE EM UMA

SOCIEDADE MULTICULTURAL E PÓS-COLONIAL LATINO AMERICANA

Uma das primeiras questões a serem discutidas na “redução sociológica” do modelo de

“justiça como equidade” rawlseniano ao cenário latino americano é a elasticidade deste

modelo para abarcar, com o devido respeito, a pluralidade e a multiculturalidade

substantivas presentes neste continente. A questão surge a partir da percepção de que, se na

sua obra “Uma Teoria da Justiça”, o objetivo de Rawls (2000, p. 5) é o de propor uma teoria

de justiça como equidade de cunho normativo, considerando, aliás, que a “justiça é a virtude

de práticas nas quais há interesses concorrentes e as pessoas se sentem habilitadas a impor

3

seus direitos umas às outras”, sem concordar com um ideal comum (sociedades pluralistas)

(RAWLS, 2001, p. 140), este pluralismo social parece ter um certo limite de admissibilidade,

haja vista que, para Rawls, os princípios de justiça seriam obtidos a partir de um consenso na

sociedade (recurso ao contratualismo clássico) e que este consenso pressupõe a prevalência de

concepções comuns.1 Os movimentos do multiculturalismo e do pós-colonialismo das

sociedades latino americanas tendem a desconfiar desses processos de prevalência e consenso,

sustentados em generalizações e abstrações, pois, historicamente, estes processos têm gerado

a subalternização e a invisibilidade social das diferenças e particularidades coletivas

(notadamente, daqueles grupos que não se aderem ao modelo moderno-europeu).

Nessa questão da elasticidade do pluralismo admitido por Rawls, duas análises

podem ser feitas. Uma, com tons de uma crítica desconstrutiva, é a que acusa a

pasteurização social das diferenças geradas pela proposta de “Justiça como Equidade”

rawlseniana, principalmente considerando os seus termos operatórios-procedimentais. Outra,

com tons de uma crítica adaptativa deste modelo de “Justiça como Equidade” ao cenário

Latino Americano, visa discutir o pressuposto e a prioridade da ideia de igualdade nesse

modelo de justiça em sua necessidade e sua adaptação ao contexto social deste continente.

Na crítica desconstrutiva, acusa-se, não o modelo da proposta de “Justiça como

Equidade” rawlseniana em si, mas seus postulados operatórios. A crítica é feita no sentido de

que, para admitir as condições em que um consenso, sobremaneira geral, sobre princípios

primários de justiça possam ser elaborados, Rawls exagera nos processos de generalização (na

abstração dos sujeitos, das concepções substantivas de bem e dos processos de discussão).

Aliás, Rawls afirma que a justiça social tem por seu objeto primário a estrutura básica

da sociedade, ou seja, as instituições sociais mais importantes na distribuição de deveres e

1 Na obra “Liberalismo Político”, conforme explica Sérgio Sérvulo da Cunha, em sua

“Apresentação à Edição Brasileira” da obra “O Direito dos Povos”, a preocupação de Rawls tangencia este

ponto, buscando “compreender como é possível existir, ao longo do tempo, uma sociedade estável e justa

de cidadãos livres e iguais profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosó ficas e morais razoáveis,

embora incompatíveis”, levando-o a acrescentar e renovar conceitos como doutrinas abrangentes, consenso

sobreposto e razão pública, sendo, assim, tal obra, um acréscimo à “Uma Teoria da Justiça”, neste aspectos

de firmá-lo em sociedades pluralistas. Na obra “O Direito dos Povos”, Rawls pretende elaborar, no plano

de uma “Sociedade dos Povos”, um consenso similar ao que procede no modelo de “Justiça como

Equidade” para as sociedades em particular, envolvendo diferentes tipos de sociedade que ele denomina

como “povos democráticos, liberais e constitucionais” e “governos não liberais, mas decentes” (decentes no

sentido de serem “sociedades cujas instituições cumprem certas condições especificadas de direito e justiça

política (...) e levam seus cidadãos a honrar um direito razoavelmente justo para a Sociedade dos Povos”

[RAWLS, 2004, p. 3]). A base contratualista desse “consenso sobreposto” de doutrinas abrangentes (bases

religiosos, filosóficas e morais como fora da política [RAWLS, 2004, p. 24]), a afirmação da necessidade

de um “véu da ignorância denso” (RAWLS, 2004, p. 40), ainda mais abstrato, porém, assemelham a

procedimentalidade de “O Direito dos Povos” à de “Justiça como Equidade” para cada sociedade, podendo

receber as mesmas críticas.

4

direitos fundamentais decorrentes da cooperação social2. Afirma, ainda, que esta estrutura

básica precisa ser criada em uma condição inicial de consenso que seja equitativa. Mas quem

seriam os sujeitos participantes deste consenso? E como ele seria obtido em termos de firmar

esses seus conteúdos básicos?

Em primeira instância, para tal consenso originário, Rawls elege um modelo de

homem – a figura das “pessoas éticas, racionais e razoáveis” – os cidadãos com esse perfil

envolvidos na cooperação – como seus sujeitos/atores. Pessoas que, seguindo Rawls (2000),

poderiam ser definidas como aquelas: (a) que têm capacidade de formular sua concepção

própria de bem; (b) dotadas de sensibilidade moral e de juízos ponderados para se reger,

prioritariamente, por princípios no seu dia-a-dia; (c) pessoas que, entre si, veem-se como

mutuamente livres; (d) que são racionais, no sentido de serem capazes de firmar e aceitar

consensualmente regras sobre a cooperação social; (e) que pretendem ter uma quantidade

maior de bens primários do que menor; (f) que atuam de forma mutuamente desinteressadas

(não estão dispostas a sacrificar seus interesses em prol dos outros, nem são movidas por

interesse de impor prejuízos a outrem – não agem por amor ou por ódio); e que (g) são

capazes de compatibilizar suas noções de bem com a situação social total. Assim, essa seria a

noção de sujeito/ator do processo político na posição original, pressuposta no modelo de

justiça rawlseniano.

Ocorre que, em sua “Justiça como Equidade. Uma reformulação”, Rawls reforça a

diferença entre racionalidade e razoabilidade (noções aparentemente misturadas na definição

de pessoa racional e ética acima) e aponta a racionalidade, supreendentemente, segundo o

sentido corriqueiro em economia, ou seja, seriam pessoas racionais aquelas que: 1)

“conseguem classificar de forma coerente seus fins últimos”; 2) conseguem deliberar guiadas

por certos princípios, como “adotar os meios mais eficazes para atingir os próprios fins;

escolher a alternativa mais propícia à promoção de tais fins; e organizar as atividades de modo

que, ceteris paribus, a maioria desses fins seja satisfeita“ (Rawls, 2003, p. 123).

2 Rawls (2003, p. 7-17) parte da premissa central, ou mesmo, intuição basilar, de que a sociedade

é um sistema equitativo de cooperação social, sociedade essa constituída por cidadãos (os que cooperam

nesta ordem) livres e iguais, e que é bem ordenada se sua estrutura básica (indicação e interação entre as

principais instituições políticas e sociais em suas distribuições de cargos, posições, direitos e deveres) é

organizada por uma concepção pública de justiça. Tal cooperação não é qualquer ordem de

comportamentos em conjunto, mas aquela que envolve termos equitativos de cooperação, ou seja, (1)

“guia-se por regras e procedimentos publicamente reconhecidos” e aceitos; (2) inclui a ideia de

reciprocidade e mutualidade, ou seja, quem cumpre sua parte nessa colaboração ao bem comum deve se

beneficiar conforme o critério público e consensual especificado para tal colaboração; (3) nesses benefícios

especificados, o participante pode obter seu próprio bem (individual) de forma legitimada (“vantagem

racional”).

5

Em “O Direito dos Povos”, Rawls (2004, p. 19) exalta o teor político da razoabilidade

quando define “sociedades razoáveis”, como sendo aquelas: (1) em que se “enumeram os

direitos e liberdades básicas a partir de um regime constitucional; (2) onde se “(...) atribui a

esses direitos, liberdades e oportunidades uma prioridade especial”; (3) onde se “assegura a

todos os cidadãos os bens primários necessários para capacitá-los a fazer uso inteligente e

eficaz de suas liberdades”; (4) que “devem satisfazer o critério da reciprocidade”; (5) onde se

exigem, ainda, condutas virtuosas dos cidadãos, em termos políticos, tais como “um senso de

imparcialidade e tolerância e disposição para soluções de compromisso com os outros”

(RALWS, 2004, p. 21).

Além dessa noção de sujeito/ator, o filósofo político americano (2000, p. 101)

acrescenta que, como em uma sociedade há várias posições sociais, e cada qual poderia

formular seu leque de expectativas, é necessário um primeiro processo de generalização das

fontes de expectativas, processo que faria uma triagem dentre a pluralidade de posições,

atingindo algo que Rawls denomina como “posições sociais relevantes”. Essa denominação

visa classificar, na estrutura social, certas posições como sendo as mais básicas dentre todas

as demais, tidas como lugares de partida para outras posições, estas secundárias. Rawls (2000,

p. 102) supõe, então, que cada pessoa ocupe duas posições básicas relevantes: a da cidadania

igual e a posição definida pelo seu lugar na distribuição da riqueza e da renda; essas são,

ambas, posições gerais, ou seja, independentes de qualquer elemento de particularidade

histórica, filosófica, psicológica, cultural, ou contingência social.

Tal artifício classificatório se faz presente dado à necessidade de generalização que

está pressuposta na teoria da justiça de Rawls, haja vista que perspectivas mais particulares,

muito possivelmente, anulariam considerações obtidas na posição mais geral, e as pessoas que

se vissem nas particularidades nem sempre se beneficiariam na consideração geral, acaso ela

fosse enviesada por uma ou outra particularidade. Além disso, Rawls considera que mesmo as

particularidades são contingências, e a teoria da justiça rawlseniana busca anular a influência

de tais contingências (por força ou por conveniência) nos acordos políticos da posição

original, e por isso, elas não poderiam ser parâmetros para decisões equitativas de escopo

geral, o que está logicamente correto.

6

Além disso, a própria ideia do “véu da ignorância”, apesar de muitos louvores, tem

este ímpeto de generalização e abstração, e pode deixar de atentar para situações históricas e

contingências relevantes, na América Latina, dos “absurdamente menos favorecidos”.3

A situação do “véu da ignorância”, segundo Rawls (2000, p. 149), é aquela em que “as

pessoas não sabem como as várias alternativas irão afetar o seu caso particular, e são

obrigadas a avaliar os princípios unicamente com base nas suas considerações gerais”. Nesta

situação, as pessoas são induzidas a desconhecerem (ou desconsiderarem?) qual a sua posição

atual na sociedade, qual a sua sorte na distribuição de dotes naturais e familiares, qual a sua

noção de bem, seus apegos e medos psicológicos, as contingências de sua sociedade e a

geração a que pertence. Prostram-se, no acordo, como seres vazios destas contingências, para

que o consenso possa ser generalizado. Apesar de que o impor uma restrição dos

conhecimentos situacionais poderia prejudicar uma solução ótima da estrutura social que

levasse em conta todas as contingências, esta solução complexiva de conhecimento esgotado

de circunstâncias não é vista como possível por Rawls (2001, p. 150): a única possibilidade

que ele vislumbra é uma noção de justiça bem geral, porque só assim seria possível se chegar

a um acordo sobre vantagens equilibradas a todos.

Do mesmo modo do que ocorre nesta generalização dos sujeitos da “posição original”

e das posições sociais consideradas, as alternativas possíveis à escolha neste consenso

original rawlseniano, também, não estão todas abertas, e, neste sentido, podem ser

questionadas em seus critérios de seletividade. Rawls (2001, p. 140-145), aliás, considera

várias restrições ao conceito de justo, a fim de torná-lo passível da generalização necessária

à equidade e à imparcialidade; são elas: (1) os princípios devem ser gerais, aplicarem-se

indistintamente e incondicionalmente a todos, inclusive, às gerações futuras; (2) devem ser

universais em sua aplicação, pois todos são considerados em sua característica universal de

pessoas éticas; (3) devem ser públicos, ou seja, ser aceitos por todos como conhecidos e

desejáveis para apoiar a cooperação social; (4) devem impor às reivindicações conflitantes

uma ordenação pacífica, para, justamente, evitar o apelo à força, e, assim, o irracional “dar a

cada um de acordo com o seu poder de ameaçar”; e (5) devem ser os princípios que

representem a última instância de apelação do raciocínio prático.

Além dessa generalidade na escolha das alternativas, Rawls (2001, p. 165-167)

acrescenta, para que esta escolha de alternativas seja ainda mais equilibrada, a adoção da

3 Em estudo anterior, fez-se (ALBERNAZ, MARQUES, 2012) uma pesquisa sobre esta condição

desses “absurdamente menos favorecidos”, na qual esta condição foi configurada, no Brasil, com a

denominação de “grupos juridicamente vulneráveis”.

7

regra maximin, ou seja: (a) aquela segundo a qual se classifique as alternativas em termos de

seus piores resultados, de modo a se pode escolher a alternativa cujos piores resultados sejam

melhores que os resultados das demais (de modo a escolher sempre as alternativas cujas

restrições às liberdades sejam as “menos piores”); (b) aquela em que a pessoa que escolhe não

se preocupa em ganhar acima do estipêndio mínimo, pois considera que este ganho pode

arriscar perdas outras e (c) que as alternativas rejeitadas dificilmente seriam aceitáveis, pois

esta regra tende a nivelar os ganhos e perdas.

Em termos substantivos, Rawls (2001, p. 5) até reconhece que há várias concepções de

justo, conforme as diferentes noções de bem, mas admite que entre elas, em termos materiais,

dificilmente seria alcançado um consenso. Por isso, sua proposta é a de uma concepção

primária de justiça – a justiça como equidade, onde o elemento justiça tem precedência às

noções de bem.

A “justiça como equidade”, então, seguindo Rawls, seria a formação de um consenso

original por pessoas éticas, na situação de um “véu da ignorância”, pessoas que, mesmo

preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam tais princípios como

definidores de sua estrutura básica, na distribuição de benefícios e encargos da vida social,

estando em uma posição inicial de igualdade de poder e de posição (situação hipotética de

“liberdade equitativa”). Tal justiça, segundo Rawls, seria orientada por dois princípios,

também bastante gerais e abstratos4:

(a) Cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente

adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema

de liberdade para todos; e

(b) As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições:

primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em

condições de igualdade equitativa de oportunidades; e segundo lugar, (elas) têm de

4 Para uma Justiça entre os Povos, Rawls (2004, p. 47-48) afirma haver, na primeira posição

original, os seguintes princípios tradicionais de justiça: “1.Os povos são livres e independentes, e a sua

liberdade e independência devem ser respeitadas por outros povos; 2. Os povos devem observar tratados e

compromissos; 3. Os povos são iguais e são partes em acordos que os obrigam. 4. Os povos sujeitam-se ao

dever de não intervenção 5. Os povos têm o direito de autodefesa, mas nenhum direito de instigar a guerra

por outras razões que não a autodefesa; 6. Os povos devem honrar os direitos humanos; 7. Os povos devem

observar certas restrições específicas na conduta da guerra; 8. Os povos têm o dever de assistir a outros

povos vivendo sob condições desfavioráveis que os impeçam de ter um regime político e social justo e

decente”. Na segunda posição original (RAWLS, 2004, p. 52), especificam-se os ideais, princípios e

padrões que regerão as relações entre os povos.

8

beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (princípio da

diferença) (RAWLS, 2003, p. 60)5

A partir desses princípios, bastante gerais, todos os demais acordos substantivos

tenderiam a ser equitativos; mas, segundo Rawls (2001, p. 628), uma vez acordados, todos

deveriam acomodar suas reivindicações mútuas a tais princípios, pois eles se tornariam a

estrutura a partir da qual cada pessoa poderia ou não formular a sua noção de bem. E, por fim,

estabelecidos estes princípios materiais, a “Justiça Procedimental Pura”6 garantiria a

manutenção dessa justiça equitativa na prática.

Esse processo serviria para sociedades que Rawls (2004, p. 30) denomina como

“sociedade democrática constitucional razoavelmente justa (ou, sociedade liberal)”, como

sendo aquelas sociedades que têm um “governo constitucional razoavelmente justo, que serve

aos seus interesses fundamentais; cidadãos unidos pelo que Mill denominou ‘afinidades

comuns’; e finalmente, uma natureza moral” e cidadãos razoáveis (recíprocos e dispostos a

cooperar de forma imparcial).

Em termos de adaptação dessas ideias ao contexto latino-americano, algumas críticas

já aventadas na doutrina podem dar indícios interessantes para essa redução sociológica.

Primeiramente, quanto à configuração do tipo de sujeito racional aventado por Rawls,

percebe-se que a noção de racionalidade por ele adotada, notadamente na sua Reformulação,

de certa forma, parece similar a do utilitarismo que Rawls tanto critica. Ou seja, continua

sendo a mesma “Razão Indolente” (Santos, 2001, 2007, 2008) utilitária, de índole

exclusivista, pretensamente indemonstrável, cega às demais lógicas racionais, monológica,

formalista e não substantiva, que tanto tem, historicamente, violentado as razões comunitárias,

nativas, solidaristas dos grupos excluídos latino-americanos. Além disso, tal razão é

imunizadora à crítica do sujeito, crítica esta tão premente a estes povos explorados do

capitalismo periférico e de saber colonizado pelo eurocentrismo. O próprio ajustamento das

noções de bem aos princípios de justiça, uma vez estabelecidos, apesar de garantir

5 Esses princípios foram retirados da obra “Justiça como Equidade. Uma reformulação”, pois nesta

obra Rawls reconfigura sua teoria, delineada em “Uma teoria da Justiça” e em “Liberalismo Político”, a partir

das críticas recebidas, reconfiguração feita nos seguintes pontos: (1) numa reformulação desses dois princípios

de justiça; (2) nos argumentos favoráveis a tais princípios a partir de sua concepção de posição original; (3) na

afirmação, de modo mais categórico, da justiça como equidade como uma concepção política de justiça.

6 Tal “Justiça Procedimental Pura” seria: (1) um sistema em que “há um critério independente para

uma divisão justa, um critério definido em separado e antes de o processo acontecer”; (2) um sistema no qual “é

possível criar um procedimento que com certeza trará o resultado desejado”; (3) um processo onde ocorra (a) o

acesso igualitário de todos aos seus processos e meios e (b) a administração imparcial e consistente destas leis e

instituições (RAWLS, 200, p. 94).

9

estabilidade7, também não pode ser visto como inquestionável. Guerreiro Ramos (1981), neste

sentido, já percebia a necessidade de restauração da razão substantiva, enquanto “força ativa

na psique humana que habilita o indivíduo a distinguir entre o bem e o mal, entre o

conhecimento falso e o verdadeiro, e, assim, a ordenar sua vida pessoal e social” (p. 2-3), para

romper uma razão instrumental hegemônica. Neste sentido, a vida na razão substantiva,

melhor dizendo, o exercício da razão é o que efetivamente confere aos sujeitos a capacidade

necessária de resistirem à sua total absorção pelos fenômenos histórico e institucional, que os

faz transcender “a condição de um ser puramente natural e socialmente determinado, e se

transformar num ator político” (Ramos, 1981, p. 28). Embora Rawls faça menção a esse

sujeito político capaz, inclusive, de formular e aderir a uma concepção politica de justiça,

quando se investiga sua noção de razão, nota-se esta contradição, uma vez que esse sujeito de

razão por ele definido é reduzido a um ser racional instrumental, até mesmo incapaz de

formular juízos morais e políticos com autonomia.

No que tange ao pluralismo possível neste modelo de Rawls, Mouffe (2001) também

faz uma séria crítica a Rawls, em vários sentidos. Primeiro, ela (2001, p. 423) observa que, ao

afirmar um consenso pluralista entre “pessoas sensatas” (racionais), o pressuposto dessa

sensatez é o de as pessoas envolvidas admitirem os fundamentos do liberalismo, do qual parte

Rawls. Além disso, Mouffe observa que este abstracionismo de Rawls, no impulso de criar

uma solução não arbitrária possível, acaba criando é uma utopia, pois não é empiricamente

observável que homens e mulheres se imunizem, de modo tão absoluto, de suas condições,

valores, princípios, amores e ódios para atuar na esfera pública; além de que se Rawls observa

que não é possível um acordo racional entre morais compreensivas, doutrinas religiosas e

filosóficas, como este acordo seria possível em termos de valores políticos? Como estes

valores políticos podem se desprender dessas outras condições sociais, morais e concepções

de vida? Mouffe, aliás, em seu “modelo agonístico de democracia”, pressupõe que a política

é, justamente, a esfera desses embates substantivos e contingenciais, considerando esses

dissensos, este pluralismo social, inafastáveis do campo político. A não se tomar desta forma,

ter-se-ia que admitir, ao seguir Rawls, “que não pode haver pluralismo no que se refere a

princípios de associação política e que conceitos que recusam os princípios do liberalismo não

podem ser aceitos como legítimos em uma democracia liberal” (MOUFFE, 2001, p. 423).

7 Rawls (2004, p. 17) prioriza esta estabilidade social e este certo grau de ajustamento pessoal ao

coletivo quando considera ser a “estabilidade pelas razões certas” quando “atuarem os cidadãos corretamente, de

acordo com os princípios adequados de seu senso de justiça, que adquiriram por crescer sob instituições justas e

participar delas”

10

Assim, para Rawls, na visão de Mouffe, a sociedade ideal é aquela em que a política foi

eliminada. E no cenário de um pluralismo social latejante como o Latino Americano,

desconsiderá-lo em prol de uma abstração contratual possível (ou mais fácil) é fechar os olhos

aos principais problemas que precisam ser levados, e com urgência, para a esfera pública.

Outra crítica a esta generalização dos sujeitos pressuposta na teoria da justiça de

Rawls, em termos da viabilidade de sua manutenção ao longo do tempo, é feita por Walzer

(2003), em sua abordagem pluralista e comunitarista de justiça, talvez mais próxima do modus

vivendi latino americano que o liberalismo de Rawls. Walzer advoga, em sua “Esferas da

Justiça”, um “Regime da Igualdade Complexa”8 norteado pela equalização dos bens sociais,

de modo que certos bens não prevaleçam sobre os demais, dando mais poder aos seus

detentores. Pautar-se pelo princípio da igualdade, mas implicando esta, não uma

homogeneização de pessoas (como quer Rawls), mas uma equalização do valor dos bens que

dá poder às pessoas de subordinar outras é, para Walzer, uma solução para articular

Pluralismo e Igualdade, questão mal resolvida em Rawls. Tal “Justiça Pluralista” forma,

assim, um compromisso com uma “política abolicionista”, ou seja, aquela que busque

suprimir o que dá capacidade a um grupo de pessoas ou de sociedades de dominar aos seus

semelhantes; seu objetivo é estabelecer uma ordem social total livre da superioridade, mas

forte em pluralidade individual e coletiva.

Em outro sentido, nesta generalização e abstração há mais um ponto problemático da

“Justiça como Equidade” quando esta é analisada na perspectiva de sociedades como as latino

8 Walzer fala de “igualdade complexa” justamente para se opor ao modelo de “igualdade simples” no

qual, ao que parece, poderia ser encaixada a teoria de Rawls. Segundo Walzer, no sistema de igualdade simples o

que se combate é a condição do monopólio, ou seja, ao fato de algumas pessoas dominarem os bens

predominantes em uma esfera de bens e de estenderem esta predominância às demais esferas, dominância esta

que gera subordinação das demais pessoas. O regime da igualdade simples se explica na reivindicação de

estender-se, igualmente, a todos, o bem social predominante (dinheiro, por exemplo). Mas tal processo acaba

tornando este bem elemento de conversão de todos os demais bens, ampliando o seu predomínio. Além do que,

para mantê-lo em condição de igualdade, é preciso um poder estatal forte que garanta o constante retorno à

condição original de igualdade, haja vista que as escolhas pessoais tendem a gerar situações diferenciadas após a

distribuição igual. O sistema de igualdade complexa pressupõe uma pluralidade de bens sociais (várias esferas de

distribuição, cada qual com seu conjunto de bens e suas hierarquias), e, consequentemente, de critérios

distributivos, e enfatiza que a justiça distributiva deva se concentrar na redução do predomínio, não do

monopólio. “Devemos analisar o que significa estreitar o âmbito dentro do qual determinados bens são

conversíveis e defender a autonomia das esferas distributivas” (WALZER, 2003, p. 20). Significa viver a

complexidade das distribuições, as várias esferas de bens. Nela, os bens são monopolizados, como naturalmente

o tendem a ser, mas nenhum bem, em especial, é geralmente, ou constantemente, de conversão universal. Essa é

uma sociedade igualitária complexa, onde, apesar de haver muitas desigualdades, elas não são multiplicadas pelo

processo de conversão, pois a autonomia das distribuições tenderá a produzir uma diversidade de monopólios,

abrindo caminhos para formas mais difusas e particularizadas de conflitos sociais. “A igualdade é uma relação

complexa de pessoas, mediadas por bens que criamos, compartilhamos e dividimos entre nós; não é uma

identidade de posses. Requer uma diversidade de critérios que expresse a diversidade de bens sociais”.

(WALZER, 2003, p. 21).

11

americanas, pois estas são marcadas por um multiculturalismo colonizado (ou

monoculturalismo colonizador) – ou seja, aquele que tende a sempre tirar da pauta, como

“menos básicos”, os modelos de sociedade e humanidade não modernos-europeus. Isto

porque, a luta do multiculturalismo e pós-colonialismo latino-americanos9 contemporâneos

tendem a ver com muitas reservas esta visão universalizante de “ser humano” e de “posições

básicas” liberais que Rawls precisa pressupor em seu modelo.

Além dessa crítica desconstrutiva na análise da elasticidade do Pluralismo Social

admitido por Rawls, na crítica adaptativa, o primado da igualdade, firmado na “justiça

como equidade”, é defendido em sua premência no cenário latino-americano, mas

discutido em sua viabilidade operatória em termos históricos.

Na questão da igualdade, Rawls é incisivo em sua defesa, afirmando-a, tal como a

liberdade equitativa, como o postulado de sua teoria da justiça. Esta prioridade, inclusive, o

leva a criticar a doutrina utilitarista que admitiria, em prol de um maior saldo médio de

satisfações, o sacrifício das liberdades de cidadania igual, estas que Rawls entende como

inafastáveis, inegociáveis, indisponíveis ao cálculo de interesses sociais.

O postulado da igualdade se manifesta em Rawls em sua defesa da distribuição igual

de “liberdades básicas”, estando, entre elas, a liberdade política (de votar e de ser votado) e a

liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, a liberdade de

integridade física e psicológica individual, o direito à propriedade privada e a proteção contra

prisões arbitrárias. A distribuição, pelo “princípio da diferença”, dos “bens primários”, ou

seja, daqueles que todo homem presumivelmente quer, envolvendo direitos, liberdades,

oportunidades, renda, riqueza e autoestima, também seriam distribuídos equitativamente

(RAWLS, 2000, p. 79-80), mas, apesar de não iguais, esta distribuição diferenciada deveria

ter como critério o fato de ser vantajosa para todos, principalmente para os menos

favorecidos, além das posições de autoridade e responsabilidade que garantam esta

distribuição diferenciada deverem ser acessíveis a todos (“princípio da igualdade

democrática”).

Além disso, Rawls é categórico em afirmar que um esquema é injusto quando uma ou

mais das expectativas são excessivas, e em acusar que as diferenças extremas entre as classes

violam o princípio de vantagens mútuas e o da igualdade democrática de acesso aos espaços

9 Nas lutas pós-colonialistas e multiculturalistas latino-americanas destacam-se nomes como

Alejandro Moreno, Alejandro Serrano Caldera, Anibal Quijano, Antonio Carlos Wolkmer, Antonio Sidekum,

Arturo Escobar, Edgardo Lander, Enrique Dussel, Fernando Coronil, Illeana Rodriguez, Javier Sanjines,

John Beverley, Jose Rabasa, Paulo Freire, Robert Carr, Renata O. Albernaz, Walter Mignolo entre outros.

12

de autoridade e responsabilidade. Também, estas discrepâncias de expectativas ferem o bem

primário essencial da autoestima, pelo fato de levar sujeitos em posições substancialmente

piores a sentirem-se inferiores aos sujeitos das posições melhores. A eficiência, ou seja, a

condição na qual se pode melhorar a condição de um sujeito sem piorar a de outro, também é

aplicável, desde que estas diferenças gritantes não estejam envolvidas. Rawls (2000, p. 88)

chega a sugerir que, em casos graves de desigualdades nestas expectativas, situação onde o

princípio da diferença, em sua forma mais simples, falha, a justiça equitativa exigiria a

atuação do “princípio do intervalo lexical”, ou seja:

Em uma estrutura com n representantes relevantes, primeiro maximizar o bem-estar

do homem representativo em pior condição; segundo, para obter o igual bem-estar

do representante em igual condição, maximizar o bem-estar do homem

representativo cuja posição desfavorecida vem logo após a do primeiro; e assim por

diante até o último estágio que é, para obter igual bem estar de todos os

representantes que precedem n-1, maximizar o bem estar do homem representativo

na melhor situação.

E, ainda, a igualdade é fortemente demarcada na ideia do “princípio da reparação”.

Segundo Rawls, a posição original é a de igualdade, ou seja, aquela em que nenhuma pessoa é

favorecida ou desfavorecida por fatores arbitrários (da sorte natural) tais como origem

familiar, dotes naturais, sorte ao longo da vida (RAWLS, 2000, p. 103). Aliás, a interferência

destes fatores é que determina os mais ou menos favorecidos no sistema de Rawls, nos termos

de mais ou menos acesso aos bens sociais primários em virtude dessas eventualidades. E esta

interferência abre ensejo ao “princípio da reparação”, segundo o qual as desigualdades

imerecidas precisam ser reparadas pelo social, no sentido da igualdade. (RAWLS, 2000, p.

107), além de as distinções criadas por estas condições arbitrárias deverem ser usadas a favor

da sociedade, em prol dos menos favorecidos. Rawls parte do pressuposto de que as

distribuições naturais não são justas ou injustas, o que é justo ou injusto é o modo como as

instituições lidam com estes fatos. E esta lida deve ter em conta uma concepção de

reciprocidade, de benefício mútuo e de fraternidade (sentimento de igual estima social e de

solidariedade) o que, assim, mesmo aproveitando diferentes habilidades e até mesmo

aprimorando-as e acentuando-as (pela busca de cada um por um plano de vida preferido), isto

conduz, não a uma sociedade meritocrática, mas ao seu oposto, ou seja, a uma sociedade

solidária e igualitária.

Estas considerações da “Justiça como Equidade” têm importantes potenciais

transruptivos, mas também falhas quando em questão a realidade social latino americana. Em

termos transruptivos, a primazia da igualdade pública e social afirmada por Rawls seria

13

indispensável neste continente, haja vista que se verifica ser o perfil da pluralidade social

Latino Americana manifestado, não apenas em sua diversidade, mas também, e de maneira

mais notória, na desigualdade, marginalidade e na exclusão da diferença, fato que segrega

certos grupos e pessoas do gozo dos bens sociais e da participação nas principais instituições

nacionais. O sentido normativo do modelo de “justiça como equidade” de Rawls, aliás, deve

ser exaltado como alternativa contra um processo histórico em que a igualdade, a estima

social e as liberdades equitativas nunca foram reais. E apesar das ideias de “posição original”,

“véu da ignorância” e “liberdade equitativa” serem meramente hipotéticas (RAWLS, 2000, p.

24), isto não retira seu importante potencial normativo na condução de decisões públicas,

notadamente na América Latina, onde os países são carentes desta imparcialidade, primado da

igualdade e da democracia nos juízos públicos.

Em termos explicativos, porém, esta primazia da igualdade é falha para o cenário

latino americano, pois as raízes desta exclusão são explicadas tendo em conta, justamente, o

padrão de modernidade (contratualista, generalizante, legal-racional) ao qual Rawls está

aderido. Para evidenciar esta falha, aqui, serão ressaltadas, neste padrão de modernidade, as

críticas ao processo de modernização no novo mundo e a falta da base moral da

igualdade e dignidade humanas pressuposta neste padrão, na história da formação das

relações sociais neste continente.

A relação entre o processo de modernização latino-americano e o resultado de

exclusão e desigualdade social no novo mundo, aliás, é explicada por inúmeras teorias

sociológicas latino americanas, dentre as quais é possível sintetizar duas posições teóricas

bem demarcadas: (i) aquelas teorias que advogam que a desigualdade no continente latino-

americano é o reflexo de uma modernização10

precária e mal sucedida na região, haja vista ter

sido ela dificultada por aspectos pré-modernos próprios da cultura ibérica – como o

paternalismo, o familialirismo, o personalismo, o patrimonialismo, o Estado centralizador, a

corrupção – aspectos que acabaram por desvirtuar o imanente potencial igualitário e libertário

da modernização e, assim, configuraram uma modernização discriminatória e excludente11

;

(ii) aquelas que, assumindo uma perspectiva crítica latino-americana,12

acusam que a

10

Por modernização e seus processos entende-se, aqui, tanto as medidas para a instalação do Estado-

Nação e suas respectivas instituições, geralmente a partir da independência dos países coloniais, como também a

consolidação do capitalismo comercial e industrial nestes países.

11 Uma destas teorias é a de Faoro (2001).

12 Para a composição deste novo pensamento social latino-americano, importante destacar várias

teorias, movimentos e autores. No mapeamento realizado por Wolkmer (2001. p. 269), encontram-se: a Teoria

da Dependência (Rui Marini, Theotônio dos Santos, Celso Furtado, Franz Hinkelammert), a Teoria Teológica

para a Libertação (Gustavo Gutierrez, Hugo Assmann, Clodovis e Leonardo Boff), as Filosofias da Libertação

14

desigualdade foi agravada, justamente, por uma transplantação cega dos processos e dos

princípios de modernização europeus, o que tornou esta modernização artificial e inadequada

aos problemas e às condições dos povos latino-americanos. Para esta segunda corrente teórica

crítica, o projeto de modernização pensado para a América Latina acabou se estabelecendo

por sobre condições de um espaço subalterno deste continente no cenário de modernização

global, condições estas que envolviam: (1) um modo de exploração colonial feito pela e para a

metrópole; (2) uma relação de trabalho de tipo escravocrata, vigente em muitos dos países

latino-americanos por longos séculos, apesar de, no velho mundo, ver-se predominar relações

de trabalho assalariado.

Aliás, Dussel (2005, p. 66) chega a acusar que o padrão de modernidade europeu, ao

contrário do que arroga em seu “Mito de neutralidade”, tal como o tem por base, também,

Rawls, é devedor da violência sobre o mundo colonial. O Ego cogito moderno foi antecedido

pelo ego conquiro (eu conquisto) prático do luso-espânico que impôs sua vontade ao índio

americano. Logo, estes países ibéricos (intencionalmente esquecidos do roteiro dos heróis da

modernidade), com sua superioridade de armas e navegação em relação aos demais países

europeus da época (sec. XV), foram também construtores do moderno, haja vista que a

Europa usará das conquistas ultramarinas para afirmar sua superioridade sobre as demais

culturas hegemônicas da época (árabe, indiana, chinesa), consolidar seu capitalismo

mercantilista, e firmar-se como o centro da história mundial (padrão mundial de dominação,

antes inexistente). A modernidade, assim, para Dussel, enquanto novo paradigma de vida

cotidiana, de compreensão da história, da ciência e da religião surge no final do século XV,

com as conquistas do atlântico. E assim começa o roteiro moderno: a civilização moderna

autodescreve-se como a civilizada; por conta disto, obriga-se a desenvolver os povos

primitivos; este desenvolvimento segue o processo determinado pela Europa; e justifica a

violência contra o bárbaro que resiste a este desenvolvimento; o bárbaro era tido como

culpado de sua barbárie e a modernidade foi elevada como uma emancipação desta situação;

os custos da modernização, em termos dos que são por ela sacrificados, são tidos como

inevitáveis e heroicos (messiânicos, quase).

(Enrique Dussel, Augusto Salazar Bondy, Leopoldo Zea) e Latino-Americana (Alejandro Serrano Caldeira, Raul

Fornet-Betancourte), a Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire), a Teoria Social baseada em uma Redução

Sociológica (Guerreiro Ramos), a Ética da Alteridade (Enrique Dussel), as proposições de uma filosofia crítica

para a política e para o direito (Torre Rangel, David Sanches Rubio, Celso Ludwig). Especificamente na

discussão epistemológica, estariam, segundo Lander (2005, p. 24), as propostas de Orlando Fals Borda, de

Alejandro Moreno, e, de modo recente, as produções de Michel-Rolph Trouillot, Arturo Escobar, Aníbal Quijano

e Fernando Corosil.

15

Este é o Mito da modernidade, segundo Dussel, mas que tende a ser negado enquanto

mito e afirmado como verdade; logo “se se pretende a superação da “Modernidade”, será

necessário negar a negação do mito da Modernidade, e, para isto, a outra face, a negada e

violada da modernidade, deve afirmar-se inocente”, julgando culpada a modernidade que a

violou; A face violada deve ser percebida, pois longe dela, sem ouvir os seus relatos, os seus

gemidos de dor, a modernidade europeia não a consegue perceber e considerar, e tende a

sustentar seu mito de neutralidade e benevolência. Trata-se, segundo Dussel (2005, p. 65), de

sustentar a “Transmodernidade’ como projeto mundial de libertação em que a Alteridade, que

era co-essencial à Modernidade, igualmente se realize” por mútua fecundidade criadora. O

projeto transmoderno é uma co-realização de solidariedade analéptica (entre Centro/Periferia,

Homem/Mulher, diversas raças, diversas etnias, diversas classes), não por pura negação, mas

por incorporação, partindo da alteridade, algo que é impossível para o moderno.

Esta dualidade do moderno (a sua face colonial e violenta) e sua necessária alteridade

(a perspectiva do colonizado, do negado, do violentado em seu processo) não são atentadas

por Rawls em seu modelo justiça; sua base, assim, é eurocêntrica, ou seja, parte da

perspectiva da realidade europeia, mas pressupondo-a universalizável (LANDER, 2005, pp.

21-22), e, buscando firmar a neutralidade histórica do liberalismo moderno, tal modelo de

justiça não auxilia na luta transmodernizante e descolonial, tão prementes à América Latina,

deixando em abertas questões pertinentes às situações do novo mundo, tais como: como

recompor a “racionalidade” necessária ao consenso de justiça original em se tratando de

povos historicamente tidos como “irracionais” (semelhantes aos debilitados mentais) e

sujeitos a processos de violenta e irracional colonização (a face irracional da modernidade)?

Como justificar a estes grupos a premência de tal racionalidade, se foi com base nela que eles

foram violados e dizimados? Seria tal processo racional adequado a um consenso de justiça

entre povos culturalmente diferentes dos liberais modernos ou povos de democracia

constitucional, aos quais Rawls aplica seu conceito de Justiça como Equidade?

Já no que diz respeito à base moral pressuposta para o consenso dos princípios de

“justiça como equidade” rawlseniano (base de igual respeito e estima social), esta base

também não têm respaldo histórico na maioria dos países latino-americanos. No caso

brasileiro13

, por exemplo, Souza (2006, pp. 120-121) observa que, por aqui, a relação

13

Apesar de tratar especificamente do caso brasileiro, a experiência escravocrata foi marcante,

em sentido similar, também em vários outros países da América Latina, dado o mesmo padrão de

colonização ibérico (PRADO, 1994). Algumas adaptações, talvez, possam ser exigidas em países como o

Chile, a Argentina e o Uruguai, em que grupos negros foram minoritários, em termos numéricos, aos

16

escravocrata envolvia uma díade problemática entre a absoluta dependência do escravo ao

senhor e a quase ausência de regras morais, religiosas, jurídicas ou tradicionais, a regular tal

relação – ausência que se verificava no fato de que as regras de dignidade humana, já

aventadas na Modernidade Europeia (Pré e Pós Revolucionária) e na forte moral católica, não

chegaram a interferir significativamente nos padrões morais e jurídicos de regulação da

relação escravocrata no país, o que a deixava a cargo do próprio arbítrio dos senhores de

escravos. O dever natural de justiça (pressuposto por Rawls), e que levaria as pessoas a

formarem este consenso de justiça como equidade, não foi observado nas relações sociais

originárias no Brasil, muito pelo contrário14

grupos brancos, restando experiências mais particularizadas. Inclusive nesses Estados, porém, houve a

escravidão e o extermínio dos nativos indígenas.

14 Aliás, uma possível justificativa para o descumprimento desse dever natural de justiça, ou direito

natural, segundo Rawls (2001) foi a consideração dos escravos (índios, e depois negros vindos da África) como

não sendo seres humanos ou a sua classificação como seres humanos, mas de raças inferiores, por isso

colonizáveis. A primeira dessas hipóteses (a consideração de índios e negros como não humanos) pode ser

demostrado na solução que se deu a um leque de discussões aventadas à época (sec. XVI), e que, segundo

historia Rangel (1991), envolvia o problema do direito da coroa Portuguesa-Espanhola de: a) impor seu modo

social (ou de sociabilidade) sobre os índios, no sentido de ocupar e explorar as terras e as riquezas do novo

mundo como legítimos possuidores; b) exigir desses povos a subserviência política aos reis dessas coroas; c)

submeter esses nativos à conversão cristã, ou à religião oficial do Estado, inclusive mediante o recurso da

“guerra santa” acaso resistissem a isto, e também; d) o direito de punir práticas tradicionais e costumeiras

consideradas criminosas na Europa, como eram os atos relativos aos rituais antropofágicos, impondo uma

hierarquização do direito do estado europeu sobre esse direito costumeiro dos nativos. Nessas discussões,

afirmando a humanidade dos índios e recusando tais direitos à coroa portuguesa espanhola ergueram-se as vozes

de Frei Pedro de Córdoba, Antonio Montesinos, Bartolomé de Las Casas, Francisco de Vitória e Padre Antônio

Vieira. Esses autores defendiam o direito desses povos nativos de: a) sendo seres humanos (e não espécies

animais), deverem ser considerados como os legítimos donos das terras, pelo princípio da primeira ocupação (na

época, já primado do direito internacional); b) sendo povos, terem o direito de auto-governo e, assim, de

resistirem subserviência às autoridades (no caso, aos reis europeus) que não considerassem legítimas; e c) sendo

inocentes, terem o direito de não conhecer a Cristo e a continuar seguindo as leis da natureza e suas práticas

tradicionais. Apesar dessas defesas, predominou a solução que afirmava a “não humanidade” dos índios e a

onipotência do Poder da Coroa Portuguesa-Espanhola sobre as terras do novo mundo, nas vozes, entre outros, de

um Juan Ginés de Sepúlveda. Quanto à ideia de inferioridade criada com a classificação racial dos humanos

como subsídio de dominação, Quijano (2005, p. 229) observa que a ideia de raça não tem história conhecida

antes da América, e que essa classificação foi imposta para justificar a ocupação de lugares e papéis sociais

subalternos e escravizados aos índios e negros no novo mundo, justamente no momento em que a Europa erguia

as bases da modernidade (liberdade e igualdade) e do capitalismo (trabalho assalariado). Com o tempo, para esta

classificação, os colonizadores passaram a usar o critério “cor” para diferenciar seus tipos superiores e inferiores

de humanos, e, assim, justificar, a dominação natural dos brancos (superiores) aos negros (inferiores). “Deste

modo, raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis e

papéis na estrutura de poder da nova sociedade” (QUIJANO, 2005, p. 230). Além disso, tal escravidão, segundo

Quijano, não pode ser considerada um acontecimento a parte do sistema mundial, um retrocesso histórico

verificado na atrasada América, pois ela estava devidamente inserida no mercado mundial constituído a partir

das descobertas ultramarinas conduzidas pelos europeus. Era um escravismo novo, que: 1. foi deliberadamente

organizado para produzir mercadorias para o mercado mundial; 2. Foi simultâneo e articulado a outras formas

capitalistas de controle do trabalho (a escravidão na América, com o trabalho assalariado na Europa); 3. Para

preencher estas funções, cada uma destas formas desenvolveu novos traços, entre eles essa classificação racial

que admitia trabalho sem salário.

17

Neste sentido, a modernização de países como o Brasil, que Souza chama de “nova

periferia”– ou seja, aqueles países tomados “por assalto” por este processo modernizante, sem

que, para tanto, tivessem já consolidado uma base consensual e simbólica própria para

esquematizá-lo – começou falha, pois, desconsiderando o enraizamento cultural e social de

séculos de regime escravocrata, ela não conseguia sustentar sobre a base social brasileira suas

principais raízes simbólicas, quais sejam, as raízes da dignidade e da igualdade. Como

resultado, ao invés de libertária e igualitária, a modernização no Brasil consolidou-se

formando uma “ralé social”, isto é, “seres humanos a rigor dispensáveis, na medida em que

não exercem papéis fundamentais para as funções produtivas essenciais e que conseguem

sobreviver nos interstícios e nas ocupações marginais da ordem produtiva” (SOUZA, 2006,

p.122), ralé que, não participando ou sendo contemplada nas estruturações e nas instituições

societais modernas, acabava compondo uma “subcidadania” ou cidadania de segunda classe.

Critérios para o princípio da diferença, também, passaram longe de resolver este

problema da “ralé social”, de modo que, neste aspecto, na América Latina, um utilitarismo

ainda mais cruel do que o denunciado por Rawls foi hegemônico. Continuando com Souza, a

justificação e a naturalização posterior desta desigualdade gerada pelo mito da modernidade e

pela instituição da relação escravocrata também foram sustentadas por alguns dos ideários e

das teorias modernas mais recentes. Entre tais ideários, está aquele que Kreckel chama de

“ideologia do desempenho.”15

Esta ideologia, quando aplicada para conjuntos de pessoas com

posições iniciais muito díspares, legitimava a desigualdade já estabelecida e fazia-o aos olhos

de todos (dos beneficiados e também das vítimas deste critério); a culpa do “fracasso pessoal

e social” era atribuída à incompetência, ao menor mérito e à desqualificação do próprio agente

– e não a qualquer fator de exclusão estrutural – o que degradava sua autoestima e resistência.

Na consolidação desta ideologia está a própria teoria social instituída no continente latino-

americano que, em termos de modernização, mas não só nele, adotou um parâmetro

“eurocêntrico”, supostamente universalista, que acabou por erigir, segundo Guerreiro Ramos

(1983, pp. 28-29), uma “ideologia do desempenho das nações” e não propriamente uma

“teoria da modernização”.

2. A JUSTIÇA COMO EQUIDADE E A SOCIEDADE DE MERCADO

15

Segundo este autor, a “ideologia do desempenho” envolve a tríade – qualificação, posição e salário,

sendo que o primeiro determina os demais –, e denota o pano de fundo consensual moderno, tido como universal

e neutro, a partir de qual se pode atribuir valor diferencial aos seres humanos e esta diferenciação ser tida como

legítima. (apud Souza, 2006, p. 168)

18

Será que a justiça distributiva de Rawls, e seu modelo de cooperação social, seriam

compatíveis, apenas, com sociedades liberais de mercado? Esta questão faz sentido,

principalmente, a partir da perspectiva de países historicamente periféricos no sistema

econômico de mercado global, aos quais, se esta relação de Rawls com a economia de

mercado for afirmada, poderiam ter prejudicada a aplicação deste modelo, sem ajustes sérios,

em seu território.

Em termos econômico-políticos, no entanto, Rawls não tem uma posição muito clara

ao longo de sua bora. No “Prefácio à Edição Brasileira” (2000), da obra “Uma teoria da

Justiça”, Rawls afirma que sua preocupação é com uma “democracia da propriedade

privada”, ou um sistema “liberal-socialista”, este que permita a propriedade privada de

patrimônios produtivos e o sistema de mercados competitivos, mas que gere, a cada início do

período, a dispersão da posse de riqueza e de capital acumulados, evitando que uma pequena

parcela da sociedade acumule, historicamente, este controle da economia e, acabe, assim,

controlando, também, a própria vida política. Isto propiciaria a todos os cidadãos iguais

oportunidades de participar do sistema cooperativo atual, por meio desta dispersão econômica

em educação, treinamentos técnicos e coisas afins, pois esta dispersão se trataria “de um

princípio de reciprocidade, ou mutualidade, para a sociedade considerada como um sistema

equitativo de cooperação entre cidadãos livres e iguais, de uma geração para outra” (RAWLS,

2000, p. XIX). Esta preocupação de equalização constante não ocorre, segundo o autor, no

Estado de Bem-Estar Social, este que admite acumulações históricas de bens para cima,

garantindo, apenas, um plano mínimo de existência abaixo do qual a sociedade não admitiria

que nenhum de seus membros vivesse16

. Como concepção política, Rawls também não inclui,

em seu modelo de justiça, nenhum direito natural de propriedade privada de bens da produção

(embora advogue a necessidade de um direito de propriedade pessoal), deixando isto para ser

resolvido em termos políticos.

Apesar disso, Rawls (2001, p. 298-99) assume o mercado como uma instituição

presente tanto em sistemas políticos liberais como socialistas, entendendo-o como o

mecanismo por excelência de distribuição dos “bens de consumo realmente produzidos”, pois,

segundo ele, as demais formas distributivas teriam dificuldades administrativas (em termos de

eficiência) ao lidar com tais bens. E assume (Rawls, 2001, p. 8), quando procede a uma

16

Segundo Álvaro de Vita (apud Silva Neto, 2006, p. 72), o revisor técnico da tradução da obra “Uma

teoria da Justiça” em português, Rawls tem em mente um sistema específico de mercado – o capitalismo do

Welfare State – apesar de tentar desvincular sua teoria de formas históricas de economia de mercado.

19

especificação exemplificativa de instituições da estrutura básica da sociedade, como

instituições primordiais, justamente, aquelas essenciais à economia de mercado, quais sejam:

“a liberdade de pensamento e de consciência, os mercados competitivos, a propriedade

particular no âmbito dos meios de produção e a família monogâmica”. Aliás, de forma

expressa, em seu esboço de instituições básicas da justiça distributiva, ele declara que se

orienta pelo funcionamento das leis de mercado (Rawls, 2001, p. 302), mesmo admitindo uma

função preservatória/regulatória/compensatória por parte do governo, pois Rawls (2001, p.

306) é consciente o mercado é um multiplicador da desigualdade pela geração inevitável de

pobreza nele pressuposta.

Em sua “Justiça como Equidade. Uma reformulação”, Rawls (2003, p. 192-98) é mais

firme em seu posicionamento, e afere que há cinco tipos de regimes “completos” em termos

de suas instituições políticas, econômicas e sociais: 1) o capitalismo de laissez-faire; b) o

capitalismo de bem-estar social; c) o socialismo de estado com economia centralizada; d) a

democracia de cidadãos proprietários; e) socialismo liberal (democrático), posicionando-se a

defender apenas os dois últimos como correspondentes ao seu sistema de justiça. Nesta obra,

ele também modifica a sua especificação exemplificativa de instituições da estrutura básica da

sociedade anterior, generalizando-as um pouco para escapar deste viés ideológico da

economia de mercado, incluindo, a independência do judiciário, as “formas legalmente

reconhecidas de propriedade e a estrutura da economia (na forma, por exemplo, de um

sistema de mercados competitivos, com propriedade privada dos meios de produção), bem

como, de certa forma, a família” (RAWLS, 2003, pp. 13-14).

Mas, na contramão do sistema de mercado, Rawls defende a prioridade da igualdade

em relação à vantagem econômica, em aspectos como: (1) na crítica ao utilitarismo – base da

economia de mercado – Rawls (2000, p. 15-16) afirma que seria absurdo que pessoas que se

vissem como iguais, com a possibilidade de fazer exigências mútuas, e que lutassem por seus

interesses, concordassem com um princípio que forneceria expectativas menores de seus

objetivos de vida para uns, a fim de garantir vantagens maiores para os objetivos dos demais;

e (2) quando afirma a “ordem serial ou lexical”, ele exemplifica o caso de que o princípio da

liberdade igual é o prioritário, de modo que os princípios que regulem as desigualdades e

diferenças só podem ser concebidos se consistentes com o primeiro, e, assim, as “violações

das liberdades básicas iguais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser justificadas

nem compensadas por maiores vantagens econômicas e sociais” (RAWLS, 2000, p. 65).

Apesar dessas críticas, e dessas mitigações que a “justiça como equidade” sugere ao

mercado, Rawls parece admitir o mercado como uma instituição básica da sociedade,

20

inclusive como a que regule a produção de bens a serem distribuídos, produção esta não isenta

de desigualdades de raiz e nem natural (básica) em termos históricos. Em verdade, o mercado,

considerado como o principal articulador dos negócios humanos, é algo muito recente na

historia da civilização humana (POLANYI, 1979; HIRSCHMAN, 1979), e sua ascensão à

condição de principal categoria alocativa de recursos na sociedade fez-se à custa de um

processo unidimensionalizador da vida humana individual e associada sem precedentes

(MARCUSE, 1964; RAMOS, 1982). Tomá-lo como princípio ordenador das atividades

produtivas de nações periféricas, como é o caso da maioria das nações latino-americanas,

onde parte considerável da riqueza nacional tem origem em sistemas produtivos não

totalmente inseridos, ou mesmo incompatíveis, com a lógica orientadora e com os requisitos

operativos dos sistemas produtivos voltados para o mercado, é cair no feiticismo do mercado.

Nessas sociedades latino americanas, por exemplo, observa-se a forte presença do que

Guerreiros Ramos (1980, p. 32) denominou de “Sistemas Quase Formais de Microprodução”,

onde alguns “aspectos da lógica inerente à teoria do mercado se aplicam, embora de forma

flexível, instável e episódica” (exemplos de empreiteiros, alguns profissionais liberais

prestadores de serviços específicos, os artesãos, os intermediários de negócios, etc.), além de

“Sistemas Conviviais e Comunitários de Produção”, que guardam vinculação restrita e

episódica com os mecanismos formais de mercado, tendo suas operações, via de regra, um

caráter não monetário. Esses e outros sistemas operam sob uma rede de relações que, se

submetidas aos critérios do mercado competitivo, solapam fortes laços sociais e,

consequentemente, os reais objetivos de vida dos indivíduos nessas atividades produtivas.

Modelos de Economia Solidária e Popular também não compartilham dos mesmos critérios da

economia de mercado, mas, no cenário latino americano, esses modelos têm se mostrado

como mecanismos produtivos muito mais inclusivos, emancipatórios e igualitários do que os

mecanismos de aprimoramentos da economia de mercado, ou mesmo de intervenções estatais

na economia forçando uma maior equidistância distributiva.

Também questionando essa naturalização do mercado, Lander (2005, p. 21-22) chega

a destacar a dificuldade para formular alternativas teóricas e políticas que façam frente à

primazia total do mercado, cujo modelo civilizatório (mais do que apenas uma teoria

econômica) tem sido assumido como discurso hegemônico, com sua consequente

naturalização das relações sociais em seu sentido. Daí o empenho, neste último século,

assevera o autor, de desconstruir estes discursos hegemônicos em seu caráter universal e

natural, esforço este que tem se apresentado de formas multifacetadas e distribuídas em várias

partes do mundo nos últimos anos – como se deu nas críticas feministas (Christiansen-

21

Ruffman, 1998), no questionamento da história Europeia como história universal (Bernal,

1987; Blaut, 1992), no descentramento da natureza do orientalismo (Said, 1979;1994), na

exigência de abrir as ciências sociais (Wallerstein, 1996), nas contribuições dos estudos

subalternos da Índia (Guha, 1998; Rivera Cusicanqui e Barragán, 1997), na produção dos

intelectuais africanos (Mudimbe, 1994; Mahmood Mamdani, 1996, Tsenay Serequeberham,

1991, Oyeka Owomoyela), no amplo espectro da perspectiva pós-colonial e nas perspectivas

de um saber não eurocêntrico da tradição Latino-Americana (Dussel, 1994;1998; Escobar,

1995, Quijano, 1990;1992;1998; Mignolol, 1995;1996; Coronil, 1996;1997; Lenkersdorf,

1996).

CONCLUSÕES

Na análise crítica tecida neste estudo pode-se fazer as seguintes considerações finais.

Quanto a elasticidade do modelo de “Justiça como Equidade” rawlseniano para abarcar, com

o devido respeito, a pluralidade e a multiculturalidade substantivas presentes neste continente,

constata-se que o pluralismo social admitido por Rawls parece ter um certo limite, dada sua

operacionalidade consensual, ao pluralismo e multiculturalismo latino americanos. Em tons

de uma crítica desconstrutiva, percebe-se que, para admitir as condições em que um consenso,

sobremaneira geral, sobre princípios primários de justiça pudessem ser elaborados, Rawls

acaba por exagerar nos processos de generalização (na abstração dos sujeitos, das posições

sociais relevantes, nas concepções substantivas de bem e dos processos de discussão),

generalização esta vista com desconfiança pelos movimentos multiculturalistas e pós-

colonialistas latino-americanos, haja vista que foi, justamente, essa lógica da prevalência e do

consenso, e estas abstrações supostamente neutras, mas faticamente eurocêntricas, são o que

tem gerado e sustentado a subalternização e a invisibilidade social das diferenças e

particularidades coletivas neste continente (notadamente, daqueles grupos que não se aderem

ao modelo moderno-europeu). Além disso, a base moral pressuposta para o consenso dos

princípios de justiça como equidade rawlseniano (base de igual respeito e estima social),

também não têm respaldo histórico na maioria dos países latino-americanos, e ainda depende

de esforços multidimensionais e interdisciplinares para ser construída.

A segunda análise, de cunho adaptativo, advoga que o primado da igualdade, firmado

na “justiça como equidade”, é uma premência no cenário latino-americano, mas que deve ser

discutido em sua viabilidade em dois sentidos:

22

(1) em termos transruptivos, a primazia da igualdade pública e social afirmada por

Rawls seria indispensável neste continente, haja vista que se verifica ser o perfil da

pluralidade social Latino-Americana manifestado, não apenas em sua diversidade, mas

também, e de maneira mais notória, na desigualdade, marginalidade e na exclusão da

diferença, fato que segrega certos grupos e pessoas do gozo dos bens sociais e da participação

nas principais instituições nacionais. Além disso, ideias como a “posição original”, o “véu da

ignorância” e a “liberdade equitativa”, apesar de serem meramente hipotéticas (RAWLS,

2000, p. 24), teriam um importante potencial normativo na condução de decisões públicas,

notadamente na América Latina, carente desse tipo de perfil democratizante e igualitário na

condução dos negócios públicos.

(2) em termos explicativos, porém, esta primazia da igualdade é falha para o cenário

latino-americado, pois as raízes da exclusão e desigualdade deste continente são explicadas

tendo em conta, justamente, o padrão de modernidade (contratualista, generalizante, legal-

racional) ao qual Rawls está aderido. O modelo de justiça como equidade de Rawls pressupõe

a existência de base social ainda não constituída na maioria dos países latino-americanos.

Logo, seu modelo distributivo não consegue ser apropriado pelos padrões sociais latino

americanos historicamente construídos. A face colonial da modernidade, só visível a partir da

perspectiva e dos relatos dos colonizados, e o reclamo por uma “transmodernidade” que

reconheça a alteridade do processo de modernização europeu, não são atentadas por Rawls em

seu modelo justiça; sua base, assim, é eurocêntrica, e Rawls tende a naturalizar e a

universalizar este liberalismo moderno europeu para o resto do globo, inclusive imunizando

importantes e significativas diferenças históricas quando pretende afastar as contingências da

operacionalidade de seu modelo.17

E dada esta imunização, tal modelo de justiça não contribui

17

Evidência de um caso em que essas diferenças históricas puderam inviabilizar um modelo de justiça

social aparentemente racional (segundo padrões europeus) pode ser dado quando na aplicação, na América

Latina, dos programas e projetos internacionais do The rule of law reform, a partir da década de 90, para a

reforma judicial neste continente. Estes programas e projetos tinham por base a ideia de que o desenvolvimento

de países periféricos passaria, necessariamente, pela organização de um sistema de justiça e de direitos que

funcionasse de modo racionalmente adequado (eficiente). Segundo Villegas (2002, p. 30-31), no entanto, estes

programas e projetos foram equivocados não só em seus pressupostos acerca do que deveria ser esta reforma do

direito na América Latina, como também em sua visão estreita acerca das principais falhas da juridicidade oficial

latino-americana – falhas como a eficácia apenas simbólica do direito estatal, sem compromisso com a sua

efetividade e o fato de o Estado deixar intactas as relações de poder social vigentes, manifestando um

autoritarismo e um pluralismo (soluções diferentes conforme a classe social do processado) ao proceder à

aplicação de suas normas. Também as debilidades democráticas fizeram com que as leis estatais não

contemplassem, de modo adequado, as principais necessidades de grupos marginalizados, resultando que as

questões que deveriam ser discutidas e resolvidas na esfera política desembocassem nos tribunais, e estes, com

leis manobradas por tais centros de poder, aplicavam a legalidade fielmente, atendendo à justiça formal, mas

violando a justiça social.

23

no processo de conscientização transmodernizante e descolonial, tão prementes à América

Latina, e não dá voz a povos e grupos violados e silenciados neste continente (índios, negros,

mulheres, crianças, idosos, pessoas de orientação sexual homoafetivas etc.). A tal ponto que

se pode questionar se seria tal processo racional adequado a um consenso de justiça entre

povos culturalmente diferentes dos liberais modernos ou povos de democracia constitucional,

aos quais Rawls aplica seu conceito de Justiça como Equidade.

No que tange à pressuposição de uma economia de mercado gerenciando a produção

de bens na sociedade, apesar do tom atenuado de Rawls, de cunho liberal-socializante (uma

mescla complicada de se operar na prática), tal pressuposto também deve ser discutido

quando olhado na perspectiva de países historicamente periféricos no sistema de mercado

global, e que pugnam, hoje, aliás, como modo emancipatório e inclusivo, não por uma

modernização com base na cartilha ditada pelas experiências das maiores economias do

mundo, mas por modelos alternativos de produção econômica (Economia Solidária e Popular,

Agricultura Familiar, Sistemas Coletivos de Produção e Trabalho) e por outros sistemas de

bens além daqueles disponíveis no modelo de economia competitiva de mercado.

Estas sintéticas considerações devem ser feitas para se grifar, aqui, o fato de que a

questão da (in)justiça social latino americana é fruto mais de um cenário moral e político,

construído por contingências históricas, que fundamenta e perpetra a subcidadania e a

desigualdade existente, do que fruto de atrasos sociais, políticos, econômicos e culturais das

nações latino americanas em relação ao padrão de desenvolvimento e cultura das nações

cêntricas. E que a questão de justiça social necessitaria de medidas públicas anteriores a

romper com este cenário moral e político, advindo de um modelo colonial historicamente

absorvido por várias razões, para criar as condições mínimas para se chegar à posição original

apregoada como necessária na justiça como equidade rawlseniana. Pugna-se, ainda, no

cenário de nações pluriétnicas, como as latino-americanas, que esta posição original, de

igualdade equitativa, seja redefinida para alcançar uma comunicabilidade (e não um

consenso) entre várias racionalidades culturais, retrocedendo, se isto for possível, ou

reparando, se não o for, o genocídio cultural verificado neste continente.

São necessárias, portanto, para um modelo de justiça social latino-americano, outras

medidas públicas que favoreçam, além da igualdade econômica: (1) o reforço da cidadania

plena e da participação popular de base para romper este cenário moral e político; e (2) a

adoção de medidas multidimensionais, interdisciplinares, plurais e complexas que

possibilitem o reconhecimento da diferença e da respectiva desigualdade social e de medidas

de justiça social que favoreçam uma estruturação e institucionalização da sociedade latino

24

americana mais adequada, mais plural e mais igualitária. E elas são medidas necessárias

porque suas estratégias vão à raiz do problema da exclusão – o fortalecimento e a pluralização

da cidadania como forma de romper com o ciclo reprodutivo da desigualdade no continente

latino-americano.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERNAZ, Renata Ovenhausen; MARQUES, Camila Salgueiro da Purificação. Os grupos

juridicamente vulneráveis e a formação da legalidade e do judiciário brasileiro: histórico e

tendências do acesso aos direitos e à justiça no Brasil. Revista Emancipação. Ponta Grossa –

PR. v. 13, n. 2, 2012, pp. 35-64.

COROSIL, Fernando. Natureza do Pós-Colonialismo: do Eurocentrismo ao Globocentrismo. In.:

LANDER, Edgardo (org.). Colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais.

Perspectivas Latino-Americanas. Tradução Julio César Casrtin Barroso Silva. Buenos Aires;

Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales – CLACSO, 2005. pp. 105-132.

DUSSEL, Enrique. Europa, Modernidade e eurocentrismo. In. LANDER, Edgardo. A colonialidade

do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Tradução Julio Cesar Casarin Silva. Buenos Aires:

Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO, 2005, pp. 55-70.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Brasília: Editora Nacional, 2001.

HIRSCHMAN, A. O. As paixões e os interesses: argumentos políticos a favor do capitalismo antes de

seu triunfo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

LANDER, Edgardo. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In.: LANDER, Edgardo

(org.). Colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-

Americanas. Tradução Julio César Casrtin Barroso Silva. Buenos Aires; Consejo

Latinoamericano de Ciências Sociales – CLACSO, 2005. pp. 21-53.

MARCUSE, Herbert. One-dimensional man. Boston: Beacon Press, 1966.

MOUFFE, Chantal. Indentidade Democrática e Política Pluralista. In. MENDES, Cândido (coord.);

SOARES, Luiz Eduardo (Editor). Pluralismo Cultural, Identidade e Globalização. Rio de

Janeiro: Record, 2001, pp. 410-430.

POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus,

1980.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina. In. LANDER, Edgardo.

A colonialidade do saber, eurocentrismo e ciências sociais. Tradução Julio Cesar Casarin

Silva. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales – CLACSO, 2005, pp. 227-

25

276.

RAWLS, J. Justiça como equidade: uma reformulação. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

_____. Uma Teoria da Justiça. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

_____. O Direito dos Povos. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

RAMOS, Alberto Guerreiro. Considerações sobre o modelo alocativo do governo brasileiro.

Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina/CPGA, 1980.

_____. A nova ciência das organizações. Uma reconceituação da riqueza das nações. Tradução:

Mary Cardoso. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1981.

RANGEL, Jesús Antonio de la Torre. El uso alternativo del Derecho por Bartolomé de las Casas.

Aguascalientes: Universidad Autonoma de Aguascalientes, 1991.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência.

3. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

_____. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. Tradução Mouzar Benedito.

São Paulo: Boitempo, 2007.

_____. A gramática do tempo. Para uma nova cultura política. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

SILVA NETO, Francisco da Cunha e. A teoria da justiça em Rawls e nos seus críticos liberais e

comunitaristas. In. Revista Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1. 2006, pp. 61-101.

SOUZA, Jessé. A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da Modernidade

periférica. Belo Horizonte: Editora da UFMG/ Rio de Janeiro: IUPERJ, 2009.

VILLEGAS, Maurício Garcia. Notas preliminares para la caracterización Del derecho em América

Latina. El otro derecho. Pluralismo jurídico y alternatividad judicial. N. 26-27, abril/2002, pp.

13-48.

WALZER, Michael. Esferas da Justiça. Em defesa do pluralismo e da Igualdade. Tradução de

Jussara Simões. Revisão Técnica de Cícero Romão Dias Araújo. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico. Fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3.

ed. São Paulo: Editora Alfa Omega, 2001.

26