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309 Alline Neves de Assis* A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO INTERNATIONAL PROTECTION OF REFUGEES IN BRAZILIAN LAW PROTECCIÓN INTERNACIONAL DE LOS REFUGIADOS EN EL DERECHO BRASILEÑO Resumo: Este trabalho versa sobre a proteção internacional dos refugiados no ordenamento jurídico nacional, baseada no direito de asilo, o qual se caracteriza como um dos princípios que regem o Brasil em suas relações internacionais, além de estar previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), em seu artigo XIV, que dispõe: “todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de pro- curar e de gozar asilo em outros países”. Abstract: This paper discusses the international protection of refugees in national law, based on asylum, which is characterized as one of the principles governing international relations in Brazil, besides being set in the Universal Declaration of Human Rights(1948), in Article XIV, which provides: "Every man, from persecution have the right to seek and enjoy asylum in other countries". Resumen: Este artículo analiza la protección internacional de los refugia- dos en la legislación nacional, sobre la base de asilo, que se ca- racteriza por ser uno de los principios que rigen las relaciones internacionales en Brasil, además de estar establecido en la Declaración Universal de los Derechos Humanos (1948), en * Acadêmica em Direito pela PUC-GO. Servidora do Tribunal de Contas dos Municípios do Es- tado de Goiás.

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL

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Este trabalho versa sobre a proteção internacional dos refugiados no ordenamento jurídico nacional, baseada no direito de asilo

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Alline Neves de Assis*

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOSNO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

INTERNATIONAL PROTECTION OF REFUGEESIN BRAZILIAN LAW

PROTECCIÓN INTERNACIONAL DE LOS REFUGIADOS ENEL DERECHO BRASILEÑO

Resumo:

Este trabalho versa sobre a proteção internacional dos refugiados

no ordenamento jurídico nacional, baseada no direito de asilo, o

qual se caracteriza como um dos princípios que regem o Brasil em

suas relações internacionais, além de estar previsto na Declaração

Universal dos Direitos do Homem (1948), em seu artigo XIV, que

dispõe: “todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de pro-

curar e de gozar asilo em outros países”.

Abstract:

This paper discusses the international protection of refugees in

national law, based on asylum, which is characterized as one of

the principles governing international relations in Brazil, besides

being set in the Universal Declaration of Human Rights(1948),

in Article XIV, which provides: "Every man, from persecution have

the right to seek and enjoy asylum in other countries".

Resumen:

Este artículo analiza la protección internacional de los refugia-

dos en la legislación nacional, sobre la base de asilo, que se ca-

racteriza por ser uno de los principios que rigen las

relaciones internacionales en Brasil, además de estar establecido

en la Declaración Universal de los Derechos Humanos (1948), en

* Acadêmica em Direito pela PUC-GO. Servidora do Tribunal de Contas dos Municípios do Es-tado de Goiás.

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el Artículo XIV, que establece: "Cada hombre, de la persecución tie-

nen derecho a solicitar y obtener asilo en otros países".

Palavras-chaves:

Asilo, direitos humanos, perseguição.

Keywords:

Asylum, human rights, persecution.

Palabras clave:

Asilo, derechos humanos, persecuciones.

SEÇÃO I - DIREITO DE ASILO

Histórico

O termo “asilo” deriva do grego “asylon” e significa “sítioou local inviolável”. A civilização grega já utilizava o instituto doasilo para proteger os perseguidos em seu território devido a fato-res culturais, nos quais a hospitalidade se caracterizava como umsímbolo nobre na conduta de um povo. Outras civilizações antigas,como a egípcia e a romana, também utilizavam tal instituto comoforma de proteção a escravos fugitivos, soldados derrotados e acu-sados de crimes.

O asilo foi previsto normativamente, pela primeira vez, naConstituição Francesa de junho de 1793, a qual prescrevia, emseu artigo 120, que o povo francês “dá asilo aos estrangeiros exi-lados de sua pátria por causa da liberdade. Recusa-o aos tiranos”.(RODRIGUES, 2008)

O acontecimento mais marcante que se refere ao asilo foia Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Durante esse período,houve um aumento significante do número de refugiados nomundo, principalmente devido às atrocidades cometidas. Criou-se, então, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugia-dos (ACNUR), em 1950, que tem como principal missão asseguraro bem-estar dos refugiados. Posteriormente, em julho de 1951, foi

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promulgado o Estatuto dos Refugiados e, em janeiro de 1967, oProtocolo de Nova Iorque.

A positivação da proteção internacional dos refugiados sóaconteceu nesse século e generalizou-se a partir da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos, de 1948, que passou a ser umaorientação para a adoção de medidas protetivas de âmbito regionale global.

No continente americano, os textos sobre o Direito deAsilo são: Convenção sobre Asilo (1928); Convenção sobre AsiloPolítico (1933); Convenção sobre Asilo Diplomático (1954); Con-venção sobre Asilo Territorial (1954); Declaração Americana dosDireitos Humanos (1948); Pacto de San José da Costa Rica(1969); e a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados (1984),atualizada pela Declaração de San José sobre Refugiados e Pro-tocolos, de 1994.

No ordenamento jurídico nacional, a Constituição Federalde 1988, em seu artigo 4º, estabelece a “concessão de asilo polí-tico” como um de seus princípios das relações internacionais. Alémdisso, o referido instituto rege-se também pela Lei n. 6.815/80 (Es-tatuto do Estrangeiro) e pelos seguintes tratados internacionais:Convenção sobre Asilo (assinada na VI Conferência Pan-ameri-cana de Havana, em 1928), Convenção sobre Asilo Político (ela-borada na VII Conferência Internacional Americana de Montevidéu,em 1933) e Convenção Interamericana sobre Asilo Territorial(1954). Já o instituto do refúgio rege-se, no ordenamento jurídiconacional, pela Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refu-giados (1951) e pela Lei brasileira n. 9.474/97.

Asilo e Refúgio

O asilo, ou asilo político, é definido como “o acolhimentode estrangeiro por um Estado que não é o seu, em virtude de per-seguições, praticadas por seu país de origem ou por um terceiropaís” (BULOS, 2010, p.509). As causas motivadoras dessa perse-guição são, normalmente, dissidência política, livre manifestaçãode pensamento ou, ainda, crimes relacionados com a segurançado Estado, que não configurem delitos de direito penal comum.Vanessa Oliveira Batista (1998, p. 51) dispõe que:

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A natureza do direito de asilo é dupla: por um lado tem-se aquestão política, que varia desde problemas internos dos Esta-dos até questões de relações internacionais, o que torna impos-sível analisar o assunto sob a perspectiva puramente legal; poroutro lado, há a questão jurídica, uma vez que é no universo dalei que se reflete o problema do asilo, seja na interpretação eaplicação das normas pertinentes pelo administrador, seja nopapel exercido pelos tribunais.

O asilo subdivide-se em: asilo diplomático, concedido aosestrangeiros nas legações, sedes de missões diplomáticas, resi-dência de chefes de missões, em navios de guerra e aeronavesmilitares, de maneira provisória e em casos de urgência. É conce-dido pelo tempo necessário para que o asilado deixe o país emsegurança, com as garantias oferecidas pelo governo do Estadoterritorial; e asilo territorial, em que o estrangeiro é acolhido no ter-ritório do Estado ao qual solicita proteção. Roberto Luiz Silva(2010, p. 261-268) ensina que:

O asilo diplomático é uma forma provisória de asilo político, sópodendo ser concedido em casos de urgência e pelo tempo es-tritamente indispensável para que o asilado deixe o país comas garantias concedidas pelo governo do Estado territorial, a fimde não correrem perigo sua vida, sua liberdade ou sua integri-dade pessoal, ou para que de outra maneira o asilado seja postoem segurança. Não há reciprocidade de tratamento dos Esta-dos. É concedido aos estrangeiros perseguidos no seu próprioterritório, sendo feito em geral pela própria representação diplo-mática onde se circunscreve a presença do estrangeiro, quetambém, como legítima representante jurisdicional de seu Es-tado, é competente não só para classificar a natureza do delito,mais ainda os motivos da perseguição. É uma forma de exceçãoà plenitude que o Estado exerce sobre o seu território. Uma vezadentrado o limite jurídico do Estado, o chefe da missão diplo-mática ou seu correspondente requererá o salvo-conduto, queé um pedido ao Estado persecutor para que o asilado possa seretirar em condições de segurança do seu território. É importanteressaltar que o salvo-conduto apenas poderá ser reivindicado seo asilo for concedido regularmente e se o Estado não desejarque o refugiado permaneça em seu território. O asilo diplomáticoé, portanto, forma preliminar de asilo territorial, uma vez que a

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pessoa terá de se deslocar a um porto ou aeroporto para em-barcar para o Estado que lhe concedeu asilo. Já o asilo territorialconsigna-se no direito de permitir que o Estado exerça plenospoderes, em seu território, tendo jurisdição exclusiva. Todo Es-tado tem direito, no exercício de sua soberania, de admitir den-tro de seu território as pessoas que julgar convenientes, semque, pelo exercício desse direito, nenhum outro Estado possafazer qualquer reclamação.

O refúgio é a proteção dada a todo indivíduo que, devidoa fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontre-se forade seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; que não tendo nacionalidade e estandofora do país onde antes teve sua residência habitual, não possaou não queira regressar a ele; ou que, devido a grave e generali-zada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu paísde nacionalidade para buscar refúgio em outro país. (BRASIL,1997). Vanessa Oliveira Batista (1998, p. 51-52) considera que:

Existem diferenças conceituais entre o asilo e o refúgio. O asiloé uma instituição jurídica que depende de soberania estatal, por-tanto não é um direito, posto que sua concessão depende do Es-tado. O refúgio é uma figura prevista na Convenção de Genebrade 1951, que obriga cada um dos Estados dela signatário a nãorechaçar quem solicite abrigo em sua fronteira. Enquanto o refu-giado tem “temor” à perseguição, o asilado encontra-se sob a pro-teção limitada do Estado que o acolheu. O asilo compreende apermissão de entrada e permanência no Estado; o refúgio, a proi-bição de rejeitar aquele que está sendo perseguido.

Ainda não há um entendimento doutrinário pacíficoacerca das diferenças entre os institutos do asilo e do refúgio. Al-guns doutrinadores, como Hildebrando Accioly, defendem que sãosimilares, mas distintos. Outros, como Roberto Luiz Silva, não co-mungam de tal disposição, até mesmo pelo fato de ser utilizadotanto o termo “refúgio” ou “asilo” quanto “refugiados” ou “asiladospolíticos” nas normas referentes ao assunto. Vale ressaltar a opi-nião de Lopez Garrido (apud BATISTA, 1998, p.52):

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Entende Lopez Garrido que não cabe mais essa distinção, por-que tal dicotomia poderia sugerir que os poucos direitos de quese beneficiaria o solicitante de refúgio poderiam ser negados aoque solicitasse o asilo, estabelecendo-se assim um desequilíbriode tratamento entre um e outro. Seria mais conveniente entãoque se entendesse ambas figuras como graduações diferentesdo mesmo conceito, qual seja, o direito de asilo. Este direito,fundamental da pessoa humana, pode ser invocado por aqueleque é perseguido, e se perfaz na acolhida e proteção por partede outro Estado que não seja aquele de que se está fugindo.Desta forma, o refúgio é uma outra forma do asilo, embora te-nham distintas denominações.

O princípio do non-refoulement

O princípio do non-refoulement está previsto na Conven-ção de Genebra de 1951, em seu artigo 33, e se refere à proibiçãode rechaçar ou expulsar o refugiado para territórios em que suavida ou liberdade seja ameaçada devido a sua religião, raça, na-cionalidade, opiniões políticas ou grupo social a que pertença.

A doutrina tem entendido que esse princípio se aplicatanto à expulsão quanto à extradição do estrangeiro, visto que nãose pode extraditar alguém para o Estado onde ele poderá ser per-seguido. Quanto à entrada ilegal de estrangeiros nos Estados, oartigo 31 do Estatuto dos Refugiados prescreve que não serão im-postas sanções aos refugiados que neste ato incorrerem.

Vale ressaltar que o non-refoulement não é absoluto, poiso referido diploma legal estabelece exceções a esse princípio, poisnão se aplica “ao refugiado que por motivos sérios seja consideradoum perigo para a segurança do país” ou que, “tendo sido conde-nado definitivamente por crime particularmente grave”, constituaameaça ao Estado em que se encontre (CONVENÇÃO DE GENE-BRA, 1951, artigo 33.2). Entretanto, existem alguns problemas re-lacionados ao princípio do non-refoulement. Agha Khan (apudBATISTA, 1998, p.61-62)aponta dois pontos fracos neste princípio:

O primeiro está relacionado com o aumento no número de pe-ticionários do estatuto do refugiado que pode gerar uma quan-tidade de pedidos de asilo falsos ou de má-fé, o que leva os

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Estados a enrijecerem sua prática de admissão nas fronteiras;o segundo, de ordem prática, é a dúvida que pode suscitar aaplicação do artigo 33 da Convenção, cuja redação não deixaclaro se o refugiado que está especificado no texto é o que estána fronteira ou o que já se encontra no território do Estado con-tratante da Convenção.

Direito Humanitário x Soberania do Estado

O direito de asilo está consagrado na Declaração Univer-sal dos Direitos do Homem, em seu artigo XIV, in verbis:

1 – Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de pro-curar e de gozar asilo em outros países.2 – Este direito não pode ser invocado em caso de perseguiçãolegitimamente motivada por crimes de direito comum ou poratos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

A partir da promulgação dessa declaração, a preocupaçãocom a proteção dos direitos humanos passou a ser consideradanão apenas um assunto interno de cada Estado, e sim um inte-resse comum a toda a comunidade internacional. Com a evoluçãodo Direito Internacional, evidenciou-se a insuficiência da “compe-tência nacional exclusiva” para a resolução de algumas situaçõesde violação de direitos, e a Declaração Universal dos Direitos doHomem foi o instrumento criado para buscar uma maior eficáciana solução desses conflitos.

No ordenamento jurídico de cada Estado, a proteção dodireito de asilo acontece quando convenções internacionais sobreo assunto são recepcionadas pela Constituição de cada país equando são estabelecidos mecanismos concretos que efetivam aproteção interna aos refugiados. Nesse ponto, também podem semanifestar interesses conflitantes: de um lado a comunidade in-ternacional, e de outro, a soberania estatal. Vanessa Oliveira Ba-tista (1998, p. 176) ensina:

Vários óbices à criação de um instrumento de proteção interna-cional já foram criados em virtude das “razões de Estado”, en-quanto a Comunidade Internacional, por seu turno, já conseguiu

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avanços nessa mesma proteção por meio de interferência naslegislações internas, como, e.g., a imposição do princípio donon-refoulement. Este “embate de forças” é a própria essênciado estatuto do refugiado.

Devido à sua recepção nos ordenamentos jurídicos dos Es-tados, o asilo firmou-se como instituição constitucional, o que demons-tra que “os Estados assumem-no como responsabilidade e aceitamas consequências de sua constitucionalização, seja no âmbito legis-lativo, jurisdicional ou administrativo” (BATISTA, 1998, p.177).

Porém, por mais que esteja previsto na Declaração dosDireitos do Homem de 1948, o asilo ainda é considerado um direitodo Estado, e não do indivíduo, ou seja, não há a obrigação de con-ceder o asilo, mas o faz se assim o desejar. A Resolução n. 3.212(XXII), de 1967, dispõe:

O asilo é direito do estado baseado em sua soberania; deve serconcedido a pessoas que sofrem perseguição; a concessão doasilo deve ser respeitada pelos demais estados, e não deve sermotivo de reclamação; a qualificação incumbe ao estado asi-lante, que pode negar o asilo por motivos de segurança nacio-nal; as pessoas que fazem jus ao asilo não devem ter a suaentrada proibida pelo país asilante nem devem ser expulsaspara estado onde podem estar sujeitas à perseguição ou repa-triamento forçado ao país de origem. (ACCIOLY; SILVA E CA-SELLA, 2010)

Devido a essa “autonomia estatal” frente ao direito deasilo, a figura do refugiado é, muitas vezes, equiparada à do imi-grante e surgem políticas internas de exclusão ao estrangeiro. Issoacontece devido, principalmente, à invocação desse direito de má-fé, com o escopo de ultrapassar as fronteiras de países desenvol-vidos objetivando a imigração. Este é, certamente, um dos maioresproblemas relativos ao direito de asilo na atualidade. Vanessa Oli-veira Batista (1998, p. 222) comenta:

No que se refere ao direito de asilo, percebe-se grande preocu-pação com a ordem pública e o bem-estar, principalmente dospaíses desenvolvidos. Há a ideia fixa de que o fluxo imigratório,

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tão vinculado ao problema do asilo, só será resolvido pelo en-durecimento das políticas de estrangeiros. Na verdade, o queexiste é a crise de um modelo estatutário já ultrapassado pelasmudanças sociais e históricas. As propostas de ação determi-nadas pela Convenção de Genebra foram, em seu tempo, pen-sadas para se adequar a uma situação que hoje está totalmentemodificada. O problema do asilo atualmente é sua massificação.Conter essas “avalanches” do Terceiro Mundo se resolverá como auxílio necessário para que os países em desenvolvimentopossam promover mudanças estruturais que fixem seus nacio-nais em seus territórios.

Conclui-se, então, que é necessário que a concessão deasilo deixe de ser uma decisão soberana do Estado e se torne umaobrigação, para que esse instituto atinja o seu real objetivo: darproteção a seres humanos que estão tendo os seus direitos fun-damentais violados por seus iguais.

SEÇÃO II – REFUGIADOS

Cláusulas de Inclusão

De acordo com o artigo 1º da Convenção das Nações Uni-das relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951), emendado peloProtocolo de 1967, existem quatro exigências básicas para se ad-quirir o status de refugiado: fundados temores de ser perseguido;perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, gruposocial ou convicção política; encontrar-se fora do país de sua na-cionalidade; e não poder ou, em virtude desse fundado medo, nãoquerer valer-se da proteção desse país:

a) Fundados temores de ser perseguido. Engloba tantoaspectos objetivos quanto subjetivos. Tem-se o elemento subjetivoda avaliação do pedido quando o Estado receptor determina a ve-racidade das declarações dos solicitantes de asilo, com base nanoção de “temor”; já o elemento objetivo caracteriza-se na funda-mentação do temor em determinada situação.

Perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade,

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grupo social ou convicção política. A noção de raça está contidano artigo 1º da “Convenção Internacional sobre a Eliminação deTodas as Formas de Discriminação Racial”, o qual conceitua dis-criminação racial como “qualquer distinção, exclusão, restrição oupreferência, baseadas em raça, cor, descendência ou origem na-cional ou étnica” (BATISTA, 1998, p.74) que tem por escopo impe-dir a completa eficácia dos direitos humanos;

b) Encontrar-se fora do país de sua nacionalidade. Comrelação a esse requisito, não são admitidas exceções, visto que aproteção da Convenção de Genebra não se aplica àquele queainda esteja em seu país de origem. Vale ressaltar que o asilo di-plomático, instituto muito utilizado na América Latina e que consistena acolhida aos perseguidos políticos por embaixadas estrangei-ras no território do Estado de origem, é uma situação distinta, hajavista que, nesses casos, embora a embaixada esteja localizadano Estado de nacionalidade do solicitante de asilo, não se submetea sua jurisdição;

c) Não poder ou, em virtude desse fundado medo, nãoquerer valer-se da proteção desse país. Não poder ser protegidoconsiste na recusa, por parte do Estado de origem, de protegerseu nacional, não oferecendo benefícios que são concedidos àmaioria de seus cidadãos. Não querer a proteção se caracterizapelo fundado medo de ser perseguido.

Cláusulas de Exclusão

A Convenção de 1951, em seu artigo 1º, seções “D”, “E” e“F” contém circunstâncias aplicáveis a pessoas que, mesmo quepreencham os requisitos contidos no artigo 1º, não podem se be-neficiar do status de refugiado. Essas pessoas se dividem em trêsgrupos:

a) beneficiários de proteção ou assistência por parte deum organismo das Nações Unidas que não seja o Alto Comissa-riado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR;

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b) os denominados “refugiados nacionais”, ou seja, aque-les cujo país de acolhida possui população de origem tecnica-mente igual à do aspirante ao asilo. Essa cláusula de exclusão foicriada para proteger os que fugiram da extinta Alemanha Oriental;

c) por último, as pessoas que não merecem proteção inter-nacional, ou seja, aqueles que cometeram crimes contra a paz, cri-mes de guerra, crimes contra a humanidade, crime grave de direitocomum ou atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.

Cláusulas de Cessação

As chamadas cláusulas de cessação fundamentam-se noprincípio de que a proteção internacional não deve ser mantidaquando deixe de ser necessária ou não mais se justifique e defi-nem as condições sob as quais uma pessoa que se beneficia doestatuto de “refugiado” deixa de fazer jus a ele. Estão enumeradasno artigo 1º, C, da Convenção de Genebra, in verbis:

(1) Se voluntariamente voltar a pedir a proteção do país de quetem a nacionalidade; ou(2) Se, tendo perdido a nacionalidade, a tiver recuperado volun-tariamente; ou(3) Se adquiriu nova nacionalidade e goza da proteção do paísde que adquiriu a nacionalidade; ou(4) Se voltou voluntariamente a instalar-se no país que deixouou fora do qual ficou com receio de ser perseguida; ou(5) Se, tendo deixado de existir as circunstâncias em conse-quência das quais foi considerada refugiada, já não puder con-tinuar a recusar pedir a proteção do país de que tem anacionalidade;Entendendo-se, contudo, que as disposições do presente pará-grafo se não aplicarão a nenhum refugiado abrangido pelo pará-grafo (1) da seção A do presente artigo que possa invocar, parase recusar a pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade,razões imperiosas relacionadas com perseguições anteriores;(6) Tratando-se de uma pessoa que não tenha nacionalidade,se, tendo deixado de existir as circunstâncias em conseqüênciadas quais foi considerada refugiada, está em condições de vol-tar ao país no qual tinha a residência habitual;

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Entendendo-se, contudo, que as disposições do presente pará-grafo se não aplicarão a nenhum refugiado abrangido pelo pa-rágrafo (1) da seção A do presente artigo que possa invocar,para se recusar a voltar ao país no qual tinha a residência ha-bitual, razões imperiosas relacionadas com perseguições ante-riores; [...] (ACNUR, s/d)

Problemas

Atualmente, os maiores problemas relacionados com oestatuto jurídico dos refugiados são a admissão do refugiado, aqualificação do pretenso refugiado, a definição do status do solici-tante de asilo e as possibilidades de sanção que pesam sobre orefugiado.

Admissão do refugiado

De maneira resumida, para a determinação da condiçãode refugiado, conforme o Manual do Alto Comissariado das Na-ções Unidas, são deveres do requerente e do examinador:

(a) O requerente deverá:(I) Dizer a verdade e apoiar integralmente o examinador no es-tabelecimento dos fatos referentes ao seu caso.(II) Esforçar-se por apoiar as suas declarações com todos oselementos probatórios disponíveis e dar uma explicação satis-fatória em relação a qualquer falta de elementos de prova. Senecessário, ele deve esforçar-se por obter elementos de provaadicionais.(III) Fornecer todas as informações pertinentes sobre a sua pes-soa e a sua experiência passada com o detalhe necessário parapermitir ao examinador o estabelecimento dos fatos relevantes.Deve-lhe ser solicitado que dê uma explicação coerente detodas as razões invocadas que fundamentam o seu pedido decondição de refugiado e deve responder a todas as questõesque lhe são colocadas.(b) O examinador deverá:(I) Assegurar que o requerente apresente o seu caso de formatão completa quanto possível e com todos os elementos deprova disponíveis.

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(II) Apreciar a credibilidade do requerente e avaliar os elementosde prova (se necessário, dando ao requerente o benefício dadúvida) a fim de estabelecer os elementos objetivos e subjetivosdo caso.(III) Relacionar estes elementos com os critérios relevantes daConvenção de 1951, de modo a obter uma conclusão corretasobre a concessão da condição de refugiado ao requerente.(ACNUR, s/d)

Qualificação do refugiado

Nesse caso, há a necessidade de se examinar os requi-sitos para ser refugiado, ou seja, as cláusulas de inclusão, exclu-são e cessação, já mencionadas anteriormente.

Definição do status do solicitante de asilo

Nesse quesito, o grande problema é delimitar quais sãoos direitos civis, econômicos ou sociais de que se pode beneficiarum refugiado. São direitos dos refugiados, segundo a Convençãode Genebra de 1951 (BATISTA, 1998, p. 84-89):

a) Documentos de identidade e viagem;b) Não afetação dos direitos anteriormente adquiridos no

Estado de origem pelo fato de terem sido rompidos os vínculoscom o país de nacionalidade atual ou anterior;

c) Residência em qualquer parte do território do Estadoacolhedor (na maioria das legislações nacionais);

d) Permissão para trabalhar;e) Benefícios sociais (como assistência do Estado, acesso

aos estabelecimentos educacionais, saúde pública);f) Na maioria dos países os refugiados podem exercer ati-

vidades políticas;g) Naturalização, se assim desejar e de acordo com a lei nacional;h) Extensão dos benefícios do estatuto à família do refugiado;i) Direito de retornar ao país de asilo se nenhum outro Es-

tado estiver preparado para recebê-lo.

Vale ressaltar que entre os deveres dos refugiados está o de

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“se conformar com as leis e regulamentos, assim como as medidas to-madas para a manutenção da ordem pública” do país de asilo (artigo 2ºda Convenção de Genebra de 1951) (BATISTA, 1998, p. 88).

Possibilidades de sanção que pesam sobre o refugiado

Existem três tipos de sanção que recaem sobre os estran-geiros e que podem obrigá-los a deixar o território do país em quese encontram: devolução, expulsão e extradição.

Entende-se por devolução a saída obrigatória do território na-cional quando nele se penetrou ilegalmente. Só pode ser apli-cada ao que deseje solicitar o asilo ou refúgio, mas que tenharecebido recusa ao seu pedido. Neste caso, a entrada ilegal nopaís pode resultar em rechaço para fora das fronteiras, podendoo interessado recorrer ao princípio do non-refoulement. A extra-dição, medida repressiva da delinquência, é adotada sob aégide da cooperação internacional, e objetiva evitar que pessoacondenada por crime comum em um país e em outro foragidase veja livre de cumprir a pena, pelo simples fato de não se en-contrar no território de Estado onde tenha cometido a infraçãopenal. Cabe ressaltar que não há extradição para crimes políti-cos, e que a inobservância deste preceito poderia desvirtuar asfinalidades do instituto do asilo. E, por fim, denomina-se expul-são a medida adotada quando se queira enviar para fora dasfronteiras nacionais, o estrangeiro que já tenha residência re-gular no território do Estado por determinado período de tempo.Tal medida, que tem caráter preventivo, é tomada quando sejanecessário assegurar a ordem pública e a segurança nacional.Esta é a principal penalidade contra estrangeiros que pesasobre os refugiados.

A situação dos refugiados no mundo

O número de refugiados no mundo é enorme. Dados de2010 informam que existem 33,9 milhões de pessoas sob o domí-nio da ACNUR, dentre as quais: 10,5 milhões de refugiados, 837mil solicitantes de refúgio, 197 mil refugiados retornados, 14,6 mi-lhões deslocados internos, 2,9 milhões de deslocados internos re-tornados, 3,4 milhões de apátridas, além de 1,2 milhões de

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pessoas que não se enquadram nessas classificações, mas estãosob a responsabilidade do Alto Comissariado das Nações Unidaspara Refugiados (ACNUR).

Antônio Augusto Cançado Trindade, no Caderno de De-bates 3 sobre Refúgio, Migrações e Cidadania, dispõe:

Avanços nesse domínio, entretanto, somente serão atingidoscom uma radical mudança de mentalidade, e maior consciênciadas crescentes necessidades para proteger os direitos básicosdos migrantes. Em qualquer escala de valores, consideraçõesde ordem humanitária devem prevalecer sobre aquelas deordem econômica ou financeira, sobre o alegado “protecio-nismo” do “mercado global” e sobre rivalidades entre grupos.Há, definitivamente, uma crescente necessidade para situar osseres humanos no seu devido lugar, certamente acima de capi-tais, bens e serviços. Esse é um dos maiores desafios domundo “globalizado” no qual vivemos, da perspectiva dos direi-tos humanos.[...] É a consciência humana que melhor governaas relações entre os seres humanos, quer seja individualmente,quer seja entre grupos. É a consciência jurídica universal queguia o Direito Internacional, como sua derradeira fonte material,que o move adiante, para responder às crescentes necessida-des de proteção do ser humano e para alcançar o objetivo bá-sico de realização da justiça (TRINDADE, 2008).

SEÇÃO III – DIREITO DE ASILO NO ORDENAMENTO JURÍ-DICO BRASILEIRO

ACNUR E CONARE

O Brasil sempre teve um papel pioneiro na proteção inter-nacional dos refugiados. Foi o primeiro país do Cone Sul a ratificara Convenção de Genebra de 1951, no ano de 1960, e foi aindaum dos primeiros países integrantes do Comitê Executivo doACNUR, responsável pela aprovação dos programas e orçamen-tos anuais da agência. O tema no país é regido pela Lei n. 9474/97,a qual é considerada uma das mais abrangentes e atualizadas domundo.

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As qualidades da Lei 9.474/97 encontram-se principalmente emtrês aspectos: (1) é um instrumento exclusivo sobre o tema dosrefugiados, o que não ocorre em outros países que ou não temregras específicas para refugiados ou as têm dentro de uma leigeral sobre imigração, (2) traz uma definição mais abrangentedo termo refugiado, possibilitando proteção a um maior númerode pessoas, como mencionado e (3) traz regras de devido pro-cesso legal, mesmo em se tratando de um procedimento admi-nistrativo, com a necessidade de fundamentação da decisão ecom a possibilidade de recurso (BRASIL, s/d).

Entretanto, mesmo o Brasil sendo internacionalmente re-conhecido como um país acolhedor, os refugiados ainda encon-tram dificuldades para se integrar à comunidade. Os principaisobstáculos encontrados são a língua, a cultura, dificuldade em con-seguir emprego, acesso à educação superior e aos serviços pú-blicos de saúde e moradia (ACNUR, s/d).

Atualmente, o Brasil possui 4.401 refugiados de 77 nacionali-dades diferentes: a maioria é de angolanos (38%); em segundolugar estão os colombianos (14%), seguidos de cidadãos da Re-pública Democrática do Congo (10%). O procedimento para so-licitar asilo no país é regido pela Lei nº 9474/97 (CONSULTORJURÍDICO, 2011).

O artigo 11 da referida Lei n. 9474/97 criou o Comitê Na-cional para os Refugiados (CONARE). É um órgão de deliberaçãocoletiva inserido no âmbito do Ministério da Justiça e constituídopor representantes das seguintes pastas: Justiça, Relações Exte-riores, Trabalho, Saúde, Educação e Desporto. Somam-se a elesum representante da Polícia Federal e um da Cáritas, organizaçãonão governamental ligada à Igreja Católica, que se dedica à as-sistência e à proteção de refugiados no Brasil. Também está pre-sente no Comitê, com direito a voz e sem voto, o Alto Comissariadodas Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Todos os mem-bros do CONARE são indicados pelo Presidente da República,após a indicação dos órgãos aos quais representarão, e exercema função sem remuneração.

As competências do CONARE estão elencadas no artigo

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12 da Lei n. 9474/97, quais sejam:

Art. 12. Compete ao CONARE, em consonância com a Conven-ção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolosobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fon-tes de direito internacional dos refugiados:I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeirainstância, da condição de refugiado;II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou me-diante requerimento das autoridades competentes, da condiçãode refugiado;III - determinar a perda, em primeira instância, da condição derefugiado;IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da pro-teção, assistência e apoio jurídico aos refugiados;V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execuçãodesta Lei (BRASIL, 1997).

Para garantir a assistência humanitária e a integração dosrefugiados, o ACNUR, além do CONARE, atua também em par-ceria com diversas organizações não governamentais (ONGs) emtodo o país. São elas: a Associação Antônio Vieira (ASAV), a Cá-ritas Brasileira, a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, a Cá-ritas Arquidiocesana de São Paulo, o Centro de Direitos Humanose Memória Popular (CDHMP) e o Instituto Migrações e Direitos Hu-manos (IMDH). Além disso, a Cáritas trabalha ainda com outrasinstituições, tais como: SENAI, SESI, SESC, SENAC, INSTITUTODE PSIQUIATRIA/HC, UniFMU, entre outros.

Solicitação de Asilo

O CONARE é o órgão responsável por analisar o pedidoe declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condiçãode refugiado. É ele o organismo que toma todas as decisões emprimeira instância quanto aos refugiados, sendo o responsáveltambém por decidir a cessação e a perda da condição de refu-giado. É responsável, ainda, pela implementação das políticas pú-blicas para os refugiados no Brasil e por meio de suas resoluçõesnormativas estabelece regulamentações sobre o procedimento de

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refúgio no Brasil visando à sua melhor implementação. A decisão pelo reconhecimento da condição de refugiado

será considerada ato declaratório e deverá estar devidamente fun-damentada. Proferida a decisão, o CONARE notificará o solicitantee o Departamento de Polícia Federal para as medidas administra-tivas cabíveis.

No caso de decisão positiva, tratada no Capítulo IV da Lein. 9474/97, haverá duas consequências principais, quais sejam:

A primeira delas é a comunicação da decisão à Polícia Federala fim de que esta proceda às medidas administrativas cabíveis,incluindo-se entre elas a comunicação sobre a decisão feita poressa ao órgão competente para que se proceda ao arquiva-mento de qualquer processo criminal ou administrativo pela en-trada irregular no país. A segunda consequência decorre dacomunicação da decisão ao solicitante de refúgio, agora refu-giado reconhecido pelo governo brasileiro, para que o mesmoseja registrado junto à Polícia Federal e possa então assinar oTermo de Responsabilidade e solicitar o seu Registro Nacionalde Estrangeiro. Ou seja, a partir da decisão de reconhecimentoo refugiado está autorizado pelo governo brasileiro a gozar desua proteção e a viver em nosso território legalmente. Cumpreressaltar que a decisão de reconhecimento é declaratória e nãoconstitutiva, ou seja, que se entende que o solicitante que tem oseu pedido de refúgio reconhecido já era refugiado antes mesmoda decisão, servindo esta apenas para declarar o direito à pro-teção de que o mesmo já era titular anteriormente. O que faz deum indivíduo um refugiado são as condições objetivas de seupaís de origem e/ou de residência habitual das quais decorramum fundado temor de perseguição, e não o ato do governo bra-sileiro que reconhece o pedido de refúgio (BRASIL, s/d).

No caso de decisão negativa, há a previsão legal de re-curso contra a decisão proferida no Capítulo V da Lei 9474/97.Essa possibilidade baseia-se na exigência da referida lei de queas decisões negativas do CONARE sejam fundamentadas eque tal fundamentação conste na notificação entregue ao soli-citante de asilo. Nesse caso, o procedimento a ser seguido seráo seguinte:

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O recurso não é revestido de formalidades, podendo ser elabo-rado pelo próprio solicitante. As únicas exigências são o fato deque deve ser dirigido ao Ministro da Justiça, no prazo de quinzedias a contar da data do recebimento da notificação, a quem ca-berá decidir em última instância sobre o pedido de refúgio. Du-rante a análise do recurso o solicitante pode permanecer emterritório nacional, gozando das prerrogativas do protocolo pro-visório. Uma vez tomada a decisão, o Ministro da Justiça notificaao CONARE para que o mesmo dê ciência ao solicitante e àPolícia Federal. Caso o recurso seja provido, o solicitante é re-conhecido como refugiado e passa pelo procedimento descritoanteriormente de registro junto à Polícia Federal. Caso a deci-são do CONARE seja mantida, e o recurso improvido, a leiprevê que “ficará o solicitante sujeito à legislação de estrangei-ros, não devendo ocorrer sua transferência para o seu país denacionalidade ou de residência habitual, enquanto permanece-rem as circunstâncias que põem em risco sua vida, integridadefísica e liberdade”. Estando sujeitos à legislação de estrangei-ros, e, em sua maioria, tendo ingressado no país irregularmente,em caso de recusa definitiva os solicitantes são notificados adeixar o país (BRASIL, s/d).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o Ministro do Supremo Tribunal FederalMarco Aurélio Mendes de Farias Melo:

O Brasil importa-se com os refugiados e, na medida de sua ca-pacidade, acolhe-os comprometendo-se a lhes dar assistênciacompatível àquela dispensada aos nacionais. Numa época emque as fronteiras se fecham num pavor xenófobo nunca visto,em que sangrentas guerras destroçam cruelmente etniasquase inteiras e os ódios raciais e religiosos se acirram paralevar cada vez mais a mortes e destruição, o gesto de boa von-tade brasileiro resplandece como estrela de primeira grandezapara quem, defendendo o primordial dos direitos, o único quelhe restou - a própria vida -, luta como autêntico herói para man-ter a derradeira gota de esperança e, com dignidade, recome-çar (BRASIL, s/d).

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Portanto, o asilo é o instrumento de resgate dos direitoshumanos fundamentais, da dignidade da pessoa humana. Conce-der asilo atualmente é salvar as vidas de milhares de pessoas quesofrem as mais variadas lesões aos seus direitos fundamentaisem seus países de origem. As necessidades gerais devem ser co-locadas além dos desejos individuais de cada Estado receptor,haja vista ser a vida um bem jurídico digno de proteção irrestrita.

REFERÊNCIAS

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