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A PROVA BRASIL NO COTIDIANO ESCOLAR Luciane Szatkoski SME/Jacareí Resumo: O presente artigo tem por objetivo apresentar alguns resultados obtidos na pesquisa de mestrado realizada no ano de 2013 sobre como a Prova Brasil está inserida no cotidiano de uma escola de ensino fundamental I. Os dados aqui apresentados se referem à concepção de quatro professoras acerca das avaliações externas e sobre as influências da Prova Brasil na matriz curricular do 5º ano. Vale destacar aqui, que a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar Anresc, ou Prova Brasil foi criada em 2005 como um exame complementar ao Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), implementado em 1995 e que produz estratos amostrais de desempenho dos sistemas e redes de ensino. A Prova Brasil tem como prioridade evidenciar os resultados de cada unidade escolar da rede pública de ensino e tem caráter censitário. Por outro lado, com os objetivos de “a) contribuir para a melhoria da qualidade de ensino, redução de desigualdades e democratização da gestão do ensino público” e “b) buscar o desenvolvimento de uma cultura avaliativa que estimule o controle social sobre os processos e resultados do ensino” (BRASIL, 2008), a Prova Brasil se firma como política marcante na escola pública e, portanto, se faz necessário o debate acerca dos resultados, para que não se crie dentro da escola uma cultura de avaliação com fins em si mesma. A hipótese desta pesquisa é que não há debate no interior da escola sobre as avaliações externas e, portanto as práticas pedagógicas e o currículo assumem um caráter mais técnico. Essa pesquisa teve como procedimentos metodológicos a entrevista semi- estruturada com quatro professoras de 5° ano e a análise documental. Os resultados da coleta de dados são apresentados através da análise das respostas das professoras segundo os assuntos de interesse: currículo, compreensão sobre a Prova Brasil e trabalho pedagógico. PALAVRAS-CHAVE: Prova Brasil; Cotidiano escolar; práticas pedagógicas. Partindo do pressuposto que as professoras de 5º ano seriam os sujeitos mais indicados para contribuir com essa pesquisa porque são elas que articulam currículo, prática pedagógica e efetivam as políticas de avaliação no interior da sala de aula, utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada e a análise documental. A análise documental teve como objetivo conhecer o que dizem os documentos oficiais do MEC no que diz respeito às avaliações externas e os documentos da Secretaria de educação que são específicos da formação dos professores de 5º ano, currículo da série, orientação para as escolas e professores sobre Prova Brasil. Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 00737

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A PROVA BRASIL NO COTIDIANO ESCOLAR

Luciane Szatkoski – SME/Jacareí

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo apresentar alguns resultados obtidos na pesquisa de

mestrado realizada no ano de 2013 sobre como a Prova Brasil está inserida no cotidiano

de uma escola de ensino fundamental I. Os dados aqui apresentados se referem à

concepção de quatro professoras acerca das avaliações externas e sobre as influências da

Prova Brasil na matriz curricular do 5º ano. Vale destacar aqui, que a Avaliação

Nacional do Rendimento Escolar – Anresc, ou Prova Brasil – foi criada em 2005 como

um exame complementar ao Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica),

implementado em 1995 e que produz estratos amostrais de desempenho dos sistemas e

redes de ensino. A Prova Brasil tem como prioridade evidenciar os resultados de cada

unidade escolar da rede pública de ensino e tem caráter censitário. Por outro lado, com os

objetivos de “a) contribuir para a melhoria da qualidade de ensino, redução de

desigualdades e democratização da gestão do ensino público” e “b) buscar o

desenvolvimento de uma cultura avaliativa que estimule o controle social sobre os

processos e resultados do ensino” (BRASIL, 2008), a Prova Brasil se firma como política

marcante na escola pública e, portanto, se faz necessário o debate acerca dos resultados,

para que não se crie dentro da escola uma cultura de avaliação com fins em si mesma. A

hipótese desta pesquisa é que não há debate no interior da escola sobre as avaliações

externas e, portanto as práticas pedagógicas e o currículo assumem um caráter mais

técnico. Essa pesquisa teve como procedimentos metodológicos a entrevista semi-

estruturada com quatro professoras de 5° ano e a análise documental. Os resultados da

coleta de dados são apresentados através da análise das respostas das professoras segundo

os assuntos de interesse: currículo, compreensão sobre a Prova Brasil e trabalho

pedagógico.

PALAVRAS-CHAVE: Prova Brasil; Cotidiano escolar; práticas pedagógicas.

Partindo do pressuposto que as professoras de 5º ano seriam os sujeitos mais

indicados para contribuir com essa pesquisa porque são elas que articulam currículo,

prática pedagógica e efetivam as políticas de avaliação no interior da sala de aula,

utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada e a análise

documental.

A análise documental teve como objetivo conhecer o que dizem os documentos

oficiais do MEC no que diz respeito às avaliações externas e os documentos da Secretaria

de educação que são específicos da formação dos professores de 5º ano, currículo da série,

orientação para as escolas e professores sobre Prova Brasil.

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Para a realização da entrevista elaborou-se um roteiro que contemplasse perguntas

sobre a compreensão das professoras sobre a Prova Brasil, os conteúdos curriculares da

série e sobre o seu próprio trabalho pedagógico em relação à Prova Brasil.

A Prova Brasil

Na década de 1990 surge, no Brasil, uma ampla política de avaliação em larga

escala. A experiência precursora foi o SAEB, “justificado pela necessidade de produzir

informações para subsidiar análises sobre os impactos das políticas adotadas, em termos

de equidade e eficiência”. (BONAMINO, 2002, p. 78)

A partir de 2005 o SAEB passou a ser composto por duas avaliações: a avaliação

denominada Avaliação Nacional da Educação Básica – Aneb – que é realizada por

amostragem e seu foco está nas gestões dos sistemas educacionais e o alcance dos seus

resultados não pode ser divulgado nem por município nem por escola; pela Prova Brasil.

A Prova Brasil, de natureza censitária, expande a divulgação dos resultados por

municípios e escolas.

Os documentos oficiais tanto do SAEB, quanto da Prova Brasil, associam o

desempenho dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática à qualidade da educação

escolar.

Em suas primeiras edições, 2005 e 2007, a Prova Brasil examinou todos os alunos

das escolas da zona urbana, em turmas que tivessem mais de 20 alunos matriculados e em

2009, amplia-se para as escolas da zona rural, também em turmas que tenham mais de 20

alunos matriculados.

A Prova Brasil é realizada a cada dois anos, fornecendo as médias de desempenho

para o Brasil de todas as escolas participantes, portanto permite que haja comparação

entre as unidades de ensino, muito embora cada escola ou município tenha características

e particularidades peculiares.

As áreas priorizadas pela Prova Brasil, são Língua Portuguesa (com foco na

leitura) e Matemática (com foco na resolução de problemas). Cada uma dessas áreas

possui uma Matriz de referência que indica as habilidades/ competências que serão

avaliadas nas provas.

Juntando a média de desempenho dos alunos nessa avaliação mais o fluxo escolar

(passagem dos alunos pelas séries sem repetir, avaliado pelo programa Educacenso)

(BRASIL, 2008), que são dois conceitos importantes para a qualidade educacional obtêm-

se o IDEB. O Brasil, atualmente, tem como objetivo atingir nota seis (06) no IDEB até

2022, índice este que corresponde à qualidade de ensino nos países desenvolvidos.

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EdUECE - Livro 300738

Considerando a existência da Matriz de Referência, a Prova Brasil se restringe ao

domínio de algumas competências por parte dos alunos. Isso pode induzir a uma ênfase

na aprendizagem do que “cairá” na prova oficial, aprendizagem esta desvinculada de uma

formação geral dos alunos, ou seja, a Prova Brasil é uma avaliação normativa. Como

propõe Afonso (2005, p. 34):

A avaliação normativa parece ser, portanto, a modalidade de avaliação

mais adequada quando a competição e a comparação se tornam valores

fundamentais em educação. Nesta modalidade de avaliação, os

resultados quantificáveis (por exemplo, os que se referem ao domínio

cognitivo e instrucional) tornam-se mais importantes do que os que se

referem a outros domínios ou outras aprendizagens.

Desta forma, a Prova Brasil teria se tornado um dispositivo de padronização e

controle do trabalho docente e da prática pedagógica e a medida do desempenho dos

estudantes nos exames, o principal recurso de avaliação da qualidade das escolas.

A compreensão das professoras sobre a Prova Brasil

Durante a entrevista, quando questionadas sobre o que pensavam sobre a Prova

Brasil, as professoras responderam que:

Eu caracterizo em duas colunas. O que tem de bom e o que poderia ser

melhorado. É bom saber, é um indicador, precisa ter um indicador […]

Tem a necessidade porque eu percebo que os conteúdos eles não tem

um monitoramento. Essa planilha que existe é X. E porque não tem

planilha de história, geografia e ciências? Não é importante saber onde

se está?[…] Não é importante saber de onde você veio e pra onde vai?

Importante é você saber ler, escrever e fazer conta?[…] Então eu acho

que a Prova Brasil é um indicador da área de português e matemática

[…] ela não deixa ninguém pensar. (Professora 1)

Ela vem dizer que a educação tá uma vergonha, sinceramente. Eu falei

no conselho, quando dizem pra nós que somos professores que

antigamente se aprendia o que a gente entende disso? Entende que os

professores não ensinam. Não é verdade? (Professora 2)

Para acrescentar não vejo uma coisa assim tão…, chega a atrapalhar

um pouco o trabalho porque a criança tem muita dificuldade nesse

negócio de gabarito. Então quando a gente mais rala é agora em agosto

pra dar conta da Prova Brasil. Mas as habilidades tão dentro também.

Eu acho pros alunos depois pra fazer um vestibular é bom. (Professora

3)

Eu não gosto desses métodos de aferição da maneira como eles são

colocados porque da maneira como é colocado é muito superficial, não

contempla as realidades de uma avaliação. Aí você tem que fazer

treinamentos que eu sou contra. […] Eu acredito que é mais um

instrumento de aferição pra colocar uma nuvem nos olhos das pessoas.

(Professora 4)

Podemos perceber que as professoras têm consciência do que é a Prova Brasil no

que se refere a ser apenas um indicador de algumas habilidades dos alunos, com exceção

da Professora 2, que se mostrou mais preocupada com a aprovação dos alunos sem terem

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as habilidades mínimas de leitura e escrita. É importante salientar que na Rede Municipal

de educação de Jacareí não há progressão continuada. Mas a preocupação com a

defasagem na aprendizagem também aparece nas falas das outras professoras.

“Eu tenho 27 alunos, 07 sabem ler e escrever e as quatro operações,

olha lá.” (Professora 1)

“Aqueles que não estão com dificuldades em português e matemática

entendem melhor. Os outros não conseguem resolver operações,

alguns não sabem ler. E a gente sente que a maior dificuldade em

resolver a Prova Brasil o que é? Eles não conseguem ler, aí não

conseguem fazer nada.” (Professora 2)

“Tem criança no 5° ano que não sabe ler e escrever, infelizmente.”

(Professora 3)

“A dificuldade que eu tenho é trabalhar o conteúdo de 5º ano nessa

turma, porque os alunos estão chegando muito fracos.” (Professora 4)

Como um dos modos de obtenção do IDEB é o fluxo escolar, pode-se questionar

se a passagem dos alunos pelas séries não estaria acontecendo de forma indiscriminada

para que os índices não abaixem.

Os modelos de responsabilização adoptados tenderão também a

condicionar as modalidades de avaliação que servirão para verificar os

resultados dos sistemas educativos. Assim, por exemplo, a preparação

que os alunos deverão efectuar, tendo em conta a exigência de uma

comprovação bem sucedida das suas aquisições acadêmicas e do seu

nível de conhecimentos, não significa, necessariamente, que essa

preparação resulte numa aprendizagem real e efectiva. (AFONSO,

2005, p. 47)

Portanto, percebe-se que o Ideb não induz à equidade dentro de uma mesma escola

e apesar de ser o indutor da comparação entre escolas e sistemas, as professoras

entrevistadas não sabiam qual era o IDEB da escola pesquisada e que, naquele espaço

educativo, não havia a divulgação dos resultados pela gestão, Secretaria de Educação do

município ou pelos próprios professores.

Um dos objetivos da Prova Brasil, segundo o discurso oficial, é o de apontar os

problemas da educação básica, para o direcionamento na formulação de políticas públicas

educacionais e consequentemente para a melhoria do sistema público educacional

brasileiro. Contudo, a realidade apresentada é de que os avanços esperados em termos da

aprendizagem escolar encontram-se estagnados.

A Secretaria de Educação de Jacareí organizou encontros de formação para os

professores de 5º ano sobre a Prova Brasil. Esses foram organizados em quatro encontros

para Língua Portuguesa e sete encontros para Matemática. Sobre essas formações as

professoras respondem que:

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Não fui participar, eu faltei, mas as meninas estavam reclamando que

o B. tá sonhando, ele tá fora da sala de aula assim como a L. Eu acho

que eles estão no papel deles, eles têm que pedir isso pra ver se

conseguem isso e dentro da sala eu consigo isso, entendeu? Então a

Luciane diz: Vamos fazer uma revisão de texto. A criança não sabe

escrever. Eu tenho aluno na minha sala, chegou final de abril pra mim,

e ele não conhece as vogais a, e i, o, u. Não sabe número. Então eles

não tem noção da clientela que nós temos. (Professora 1)

Ainda não fui. (Professora 2)

Comecei agora. Já fui em 2 encontros de matemática e um de português

na secretaria. Coisa que não tinha antes, agora é pra Prova Brasil que

nós estamos estudando. A gente deixa de fazer um HA aqui por semana

e vai à secretaria, eu e a outra professora pra ter a formação. Uma

segunda de matemática e na outra língua portuguesa. O de matemática

eu não gostei muito porque tinha muita informação que não dá pra dar

pra criançada em relação à geometria principalmente. Eu que tenho

problema sério com geometria porque eu fui muito mal ensinada e o

que estão ensinando eu não estou gostando porque não vou conseguir

passar pra criançada. Então a gente vem com tarefa pra aplicar em

sala de aula, depois a gente debate como foi. O legal é que elas tão

aceitando nossa opinião. Porque de repente jogaram a geometria, mas

a criançada não sabe o que é 2x2 no 5º ano. Tem criança no 5º ano que

não sabe ler e escrever, infelizmente a realidade é

diferente.(Professora 3)

Começou agora uma formação na secretaria. Como ta começando é

difícil dizer pra você o que eu acho. No ano passado não teve porque

não teve Prova Brasil. Eu não gostei no sentido de como foi iniciado

matemática. Eu acho que o conceito de formação da Prova Brasil,

devia ser pensado lá atrás. Vamos formar os professores a partir do 1º

ano de maneira bem suave, com foco na Prova Brasil, então eu

trabalho aqui em 2013 com foco em 2015 a Prova Brasil, aí sim eu

colho os resultados. De maneira como você pegar junho começar uma

formação pra novembro aplicar a prova. (Professora 4)

Nota-se que as estratégias utilizadas não contrariam o que as professoras precisam

para melhorar ou aperfeiçoar seu trabalho pedagógico, mas a preocupação com as

Matrizes de Referência da Prova Brasil deixam em segundo plano questões urgentes a

serem resolvidas como, por exemplo, a defasagem na aprendizagem dos alunos, que

parece ser a grande aflição das professoras.

O currículo imposto pela Prova Brasil

A concepção de currículo é abrangente, não se restringindo aos conhecimentos

transmitidos. Quando tratamos de currículo supomos também que este se trata das

experiências vividas na escola, a organização escolar, o conjunto das matérias, os

conhecimentos culturais dos diferentes grupos presentes no espaço escolar (pais, alunos,

professores, funcionários), a matriz curricular, as indicações metodológicas adotadas no

desenvolvimento dos conteúdos, a avaliação, etc.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300741

Na proposição de uma avaliação externa como a Prova Brasil, há a validação de

um currículo prescrito através das Matrizes Curriculares, que são seguidas e disseminadas

nas escolas.

O currículo prescrito para o sistema educativo e para os professores,

mais evidente no ensino obrigatório, é a sua própria definição, de seus

conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam,

que obedecem às determinações que procedem do fato de ser um objeto

regulado por instâncias políticas e administrativas. (SACRISTÁN,

2000, p.109)

Partindo desse pressuposto, a avaliação externa implica em modificações no

currículo escolar, pois nota-se que o trabalho pedagógico vem sendo modificado, ou seja,

a Prova Brasil impõe aos professores um trabalho diferenciado em prol dos alunos se

saírem bem nos testes. Mesmo as professoras que se mostram contrariadas com a maneira

pela qual a Prova Brasil interfere no cotidiano escolar, acabam treinando seus alunos e

trabalhando as questões da prova em aula.

“Eu acho que a gente trabalha a serviço de. Antes eu trabalhava a

aprendizagem dos meus alunos e ia seguindo os conteúdos, e era aquilo

que eu tinha que minimamente preencher. Agora não, agora eu tenho

que trabalhar a serviço da Prova Brasil. Eu tenho que trabalhar

questões da Prova Brasil, eu tenho que trabalhar diagramação, o

formato. (Professora 1)

“Só os conteúdos a seguir que a gente recebe e aí a gente ta

trabalhando mais em cima daquilo. E agora a gente vai trabalhar mais

em cima das habilidades relacionadas à Prova Brasil.” (Professora 2)

“Antes dava pra aprofundar mais com a criançada de 5° ano, agora ta

muito defasado. A gente tem que passar o conteúdo porque vai cair na

Prova Brasil e a gente não tem tempo então a gente acaba dando uma

pincelada muito rápida.” (Professora 3)

“As pessoas focam naquelas questões que é uma coisa que não muda e

infelizmente o professor acaba focando só naquilo”. (Professora 4)

De acordo com a fala das professoras entrevistadas fica claro como a prática

pedagógica do 5° ano subordina-se à Prova Brasil, no ano em que ela é realizada. A

avaliação atua como uma pressão modeladora da prática curricular, ligada a outros

agentes, como a política curricular, o tipo de tarefas nas quais se expressa o currículo e o

professorado escolhendo conteúdos ou planejando atividades. (Sacristán, 2000)

Uma das professoras evidenciou, durante a entrevista, que os alunos mais fracos

são retirados da sala no dia da prova:

“Geralmente a gente faz um acordo, a gente não pode pedir pra faltar,

mas também não precisa entrar na sala, porque daí não vai subir

nunca, né? Não sabe ler, não sabe escrever, não sabe nada, aquele

aluno não participa”.(Professora 3)

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A esse respeito vale salientar aqui que:

Os alunos com problemas de comportamento, ou com dificuldades de

aprendizagem, tenderão assim a ser excluídos de algumas escolas

porque podem afectar a imagem social destas organizações ou, ainda,

porque podem sobrecarregar os recursos humanos e materiais

disponíveis. Deste modo, o aumento da competição escolar,

acompanhada da publicação de indicadores de rendimento ou quaisquer

outros, tenderá a afectar a definição dos objetivos da escola…

(AFONSO, 2005, p. 90 Grifos do autor)

Assim, a avaliação externa, não proporciona a tão divulgada melhoria na

qualidade do sistema educacional, ao contrário, aumenta a desigualdade através de uma

exclusão intraescolar.

Nenhuma das professoras sabe ao certo de quais concepções a matriz curricular é

desenvolvida, acreditando que um grupo de especialistas da secretaria municipal de

educação elege quais conhecimentos farão parte da mesma. O que se verifica é que a

organização curricular não conta com a participação dos professores, mesmo

considerando que são eles os dirigentes do processo pedagógico. Nas palavras de Gimeno

Sacristán (2000):

A ordenação e a prescrição de um determinado currículo por parte da

administração educativa é uma forma de propor o referencial para

realizar um controle sobre a qualidade do sistema educativo. O controle

pode ser exercido, basicamente, por meio da regulação administrativa

que ordena como deve ser a prática escolar, ainda que seja sob a forma

de sugestões, avaliando essa prática do currículo através da inspeção

ou por meio de uma avaliação externa dos alunos como fonte de

informação. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 118. Grifos do autor).

Atualmente o que norteia a escolha dos conteúdos que serão trabalhados com o 5º

ano é uma planilha que é enviada para as escolas bimestralmente onde estão os conteúdos

a serem trabalhados e que seguem basicamente a Matriz de Referência da Prova Brasil.

A cada conteúdo trabalhado em sala de aula, a professora avalia o aluno colocando um X

se a habilidade/descritor foi desenvolvida pelo aluno.

Comparando as planilhas enviadas às escolas com as Matrizes de Referências da

Prova Brasil, é notável que o currículo prescrito na Rede Municipal de Educação de

Jacareí está reduzido, incorporando todos os descritores exigidos pela Prova Brasil, com

pequenos acréscimos de outros conteúdos.

Outro ponto que chama a atenção é que essas planilhas são entregues aos

professores bimestralmente, impedindo que os mesmos tenham noção da continuidade

dos conhecimentos que deverão ser desenvolvidos por seus alunos. Ademais, as planilhas

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300743

só existem para as disciplinas de Português e Matemática, clarificando que são prioritárias

no âmbito da sala de aula, por se tratarem das disciplinas cobradas pela Prova Brasil.

Quando perguntado às professoras se estas sabem se as Matrizes de Referência da

Prova Brasil estariam contempladas no currículo, três professoras disseram que “não

sabiam” e apenas uma respondeu que:

“Eu acredito que sim porque além do número da habilidade tem uma

letrinha: descritor 16, descritor..., então esses indicadores são

indicadores de que tá em algum outro ligar também. Na HA falam

descritor da Prova Brasil, mas eu nunca li o documento onde estão.”

(Professora 1)

Na análise das planilhas fica evidenciado que o currículo prescrito contempla os

conhecimentos exigidos na Prova Brasil. Na entrevista, as professoras comprovam que

houve modificações curriculares em função da Prova Brasil:

“Sim, porque elas estão lá. Antes não tinha essa letrinha D, essa coisa

descritor, descritor...” (Professora 1)

“Eu acho que não, né?” (Professora 2)

“Esse ano os conteúdos foram montados bem em cima da Prova Brasil,

foi bem elaborado. Eles mandam o conteúdo depois vem a planilha pra

gente preencher o que os alunos atingiram ou não. Uma vez a cada

bimestre a gente entrega a planilha.” (Professora 3)

“O grande problema é que um ano é de um jeito e no outro é de outro.

Não há necessidade de focar aquilo em detrimento de outras coisas. O

grande problema é que treina-se e mais nada.” (Professora 4)

Ao mesmo tempo em que participam de formações na Secretaria Municipal de

Educação para a realização da Prova Brasil com ênfase nos descritores e habilidades que

caem nesta prova, a serem desenvolvidas com os alunos, as professoras trabalham

questões da Prova Brasil em sala de aula, realizam simulados com os alunos e

demonstram uma grande preocupação com o nível de conhecimentos deles, as professoras

entrevistadas não se sentem pressionadas a elevar o nível do IDEB da escola. Isso

evidencia que

[…] a prática docente tem reguladores externos aos professores,

embora atuem por meio deles configurando a forma que o exercício de

sua prática adota. Esta não pode ser explicada pelas decisões dos

professores, pois se produz dentro de campos institucionais e de

códigos que organizam o desenvolvimento do currículo com o qual

toda a prática pedagógica está tão diretamente envolvida. A

estruturação ou forma do currículo e seu desenvolvimento dentro de

um sistema de organização escolar modelam a prática profissional do

professor, configuram um tipo de profissionalização institucional e

curricularmente enquadrada. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 87)

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EdUECE - Livro 300744

Segundo as professoras, na própria escola, durante as Horas Atividade (HA) não

há nenhum tipo de debate a respeito da Prova Brasil, as orientações pedagógicas ficam

limitadas à preocupação com a elevação do IDEB e se restringem aos conselhos de classe

do 5º ano em que somente participam as professoras dessa série, a orientadora pedagógica

e a diretora da escola.

Quando perguntadas se trabalham com seus alunos questões da Prova Brasil

percebe-se que essa prática faz parte do planejamento escolar das professoras, com maior

ou menor intensidade.

“Preparo. Com modelos das provas anteriores. Eu acho que a cada 15

dias. Umas duas vezes por bimestre eu faço provas com questões da

Prova Brasil.” (Professora 1)

“Trabalho. Eu vejo as atividades que tem, explico melhor, dou a

definição, dou bastante atividades pra eles”. (Professora 2)

“Sim. Todos os dias. Hoje dou uma folha de Língua portuguesa, explico

pra no final, disso tudo ensinar o que é pior: o preenchimento do

gabarito. A prova bimestral é só com questões da Prova Brasil”.

(Professora 3)

“Trabalho algumas vezes por semana”. (Professora 4)

Uma forte tendência é utilizar as Provas Brasil de anos anteriores e aplicá-las em

sala de aula até mesmo como instrumento de avaliação das aprendizagens dos alunos

durante o ano letivo. Isso ficou evidenciado quando na entrevista, as professoras

responderam se realizavam simulados com os alunos.

“Sim. Eu mesma preparo, são as provas bimestrais, né. Mas esse ano

em particular eu peguei uma turma terrível de comportamento e de

aprendizagem, entendeu? Não consigo cumprir os conteúdos. Por isso

eu acho que a secretaria tem que fazer apostila pra perceber quanto

tempo eu gasto com cada habilidade.” (Professora 1)

“Ainda não fiz mas vou fazer.” (Professora 2)

“Faço. Um por bimestre. A prova bimestral.” (Professora 3)

“Vou começar a fazer. Até o final do ano eu pretendo fazer atividades

semanais, eu quero que eles se acostumem com essa dinâmica de

pensar”. (Professora 4)

Por outro lado, quando perguntadas se houve diferença na aprendizagem de seus

alunos depois da implementação da Prova Brasil, respondem:

Eu não acho que acrescentou, eu acho que só mudou o foco. Ao invés

de eu ficar ensinando de uma maneira qualquer eu ensino fração,

visando que a formatação da Prova Brasil vai pedir aquilo, entendeu?

Não acho que mudou, eles mudaram o conteúdo para servir a Prova

Brasil. O conteúdo tá ali, de 5º ano mesmo, mas a formatação, o que

tem no livro, nos livros, nas atividades comuns que a gente dá, não é a

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300745

formatação da Prova Brasil. As atividades não vêm naquela

formatação de colunas, com alternativas. Então você muda.

(Professora 1)

Não. De jeito nenhum. Acho que cada ano tá ficando pior. (Professora

2)

Deu uma melhorada. No meu caso, trabalho a Prova Brasil, eu xeroco

toda a prova anterior e vou trabalhando e assim, eu vejo mais

interesse, eles vão estudando mais, procurando saber mais, a prova

tem todo um interesse por trás também. (Professora 3)

Não acho. Acho que houve piora inclusive. Por exemplo, aqui em

Jacareí se você pegar o conteúdo do 5º ano do ano passado pra esse,

esse tá raso. Eu acho o conteúdo pouco, tudo bem que tem a forma que

você trabalha, mas ele tá muito raso. (Professora 4)

Percebe-se que a não participação das professoras na análise do currículo prescrito

faz com que elas se tornem meras reprodutoras de conhecimentos pré- estabelecidos por

técnicos da Secretaria de Educação. Segundo Gimeno Sacristán (2000):

A necessidade de entender o professor necessariamente como um

profissional ativo na transferência do currículo tem derivações práticas

na definição dos conteúdos para determinados alunos, na seleção dos

meios mais adequados para eles, na escolha dos aspectos mais

relevantes a serem avaliados neles e em sua participação das condições

de contexto escolar. O professor executor de diretrizes é um professor

desprofissionalizado.” (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 169)

Outro ponto em relação aos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula por

exigência das Matrizes Curriculares da Prova Brasil é a falta de autonomia do professor

para decidir o que os seus alunos têm condições de aprender naquele momento, ou então

do próprio professor dominar estratégias e conhecimentos para poder desenvolver em

seus alunos as habilidades propostas.

Considerações finais:

Tendo em vista compreender qual é a percepção dos professores sobre a

Prova Brasil e sobre os resultados do Ideb e como essa compreensão se reflete no

currículo do quinto ano do ensino fundamental I, o estudo aqui apresentado identificou

que na escola pesquisada os professores são induzidos a definir sua metodologia de

trabalho a partir da lógica das avaliações externas. Essa indução se dá através da planilha

utilizada como currículo prescrito e das formações voltadas para os descritores da Prova

Brasil.

Cabe aqui retomar a informação de que o SAEB, inicialmente, era amostral

e, portanto não permitia a comparação entre alunos, escolas, municípios. A ideia era de

essa medida política visava integrar e compor dentre outros indicadores, evidências do

desempenho dos alunos. Os resultados permitiam a reformulação das políticas

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EdUECE - Livro 300746

educacionais. O SAEB sofreu gradativamente reformulações e a primeira delas foi a

criação dos exames, não mais amostrais, por meio do seu desdobramento em Aneb e

Anresc.

A Prova Brasil passa a ter uma penetração no âmbito não só das gestões

municipais, mas das escolas propriamente ditas, o que o Saeb, na sua configuração inicial

não permitia. Então ela demarca uma alteração bastante substantiva, no sentido de que os

resultados tenham maior potencial de induzir alterações no trabalho escolar. Embora o

próprio Saeb tenha coleta de outras evidências além dos resultados de desempenho de

alunos é bom lembrar que isso não tem tido o devido tratamento no momento de discussão

da qualidade da educação básica.

Os dados apresentados comprovam a hipótese inicial deste trabalho de

que não há discussão, no interior da escola, a respeito da Prova Brasil, que assume um

caráter mais técnico, desencadeando o controle do currículo e das práticas pedagógicas.

A ênfase nos resultados dos desempenhos dos alunos, com aporte em

dados quantitativos interpretados, usualmente, de forma descontextualizada, sem análise

dos fatores que condicionam tal e qual resultado em cada contexto escolar, faz com que

os mesmo sejam apresentados à sociedade como prestação de contas, por parte do

governo, da qualidade da educação.

Ao lado disso, colocam-se todas as iniciativas de legitimação dessa noção

de produção da qualidade. A ideia de avaliação como sinônimo de provas e testes é

acolhida, aceita e reconhecida como um indicador de qualidade de educação. A

desejabilidade de currículos homogêneos traz a ideia de que o ensino será de melhor

qualidade na medida em que se cumprir um currículo pré-estabelecido no âmbito federal.

E, com isso, tem-se tido não só a indução à homogeneização, mas uma redução do

currículo. A matriz do Saeb passa a ser referência para pautar o que ensinar no interior

da escola. A própria noção de qualidade está circunscrita ao desempenho do aluno em

leitura, escrita e matemática.

Outro fato que as avaliações trazem e que se confirma claramente no

depoimento de pelo menos uma das professoras entrevistadas, é a da desigualdade,

levando à exclusão de determinados alunos com dificuldades de aprendizagem, proibindo

a participação nas provas para não comprometer os resultados da escola. E, com isso, a

noção de competição vai se introduzindo nas redes de ensino; uma noção de que

competição gera qualidade.

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EdUECE - Livro 300747

As políticas educacionais formuladas e incrementadas sob os auspícios da

classificação e seleção incorporam, consequentemente, a exclusão como inerente aos seus

resultados, o que é incompatível com o direito de todos à educação.

O debate no interior da escola deve ser resgatado. Quais são os valores

norteadores da ação educativa escolar? Que sociedade se quer? Que cidadãos

pretendemos formar? Somente irão se envolver na construção de perspectivas diferentes

de avaliação aqueles que tiverem projetos educacionais e sociais divergentes, ao contrário

disso.

Referências Bibliográficas:

AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação educacional: regulação e emancipação: para

uma sociologia das políticas avaliativas contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2005.

BRASIL. Ministério da Educação. PDE: Plano de Desenvolvimento da Educação:

Prova Brasil: ensino fundamental: matrizes de Referência, Temas, Tópicos e

Descritores. Brasília, MEC, SEB; Inep, 2008.

GIMENO SACRISTÁN, J. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre:

Artmed, 2000.

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EdUECE - Livro 300748