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A Queda - Chuck Hogan

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no maislutando por dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a

    um novo nvel."

  • GUILLERMO DEL TOROE

    CHUCK HOGAN

  • A QUEDA

    Livro II daTrigolia da Escurido

  • Ttulo originalTHE FALLBook II Of

    The Strain Trilogy

    Este livro uma obra de fico. Personagens, incidentes e dilogos so produtos da imaginao dos autores e no devemser interpretados como reais. Qualquer semelhana com acontecimentos reais ou pessoas, vivas ou no, mera coincidncia.

    Copyright 2010 by Guillermo del Toro e Chuck Hogan

    Todos os direitos reservados.Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob qualquer forma sem autorizao do editor.

    Edio brasileira publicada mediante acordo com HarperCollins Publishers.

    Direitos para a lngua portuguesa reservados com exclusividade para o Brasil EDITORA ROCCO LTDA.Av. Presidente Wilson, 231 8 andar

    20030-021 Rio de Janeiro RJTel.: (21) 3525-2000 Fax: (21) 3525-2001

    [email protected]

    Printed in Brazil/Impresso no Brasil

    preparao de originaisFTIMA FADEL

    CIP-Brasil. Catalogao na fonte.Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Formatao epub: Lucjedi

    D439qDel Toro, Guillermo, 1964-A queda / Guillermo del Toro e Chuck Hogan; traduo Srgio Moraes Rego e Paulo Reis. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.(Trilogia da Escurido, v. 2)Traduo de: The fallISBN 978-85-325-2609-01. Fico norte-americana. I. Hogan, Chuck. II. Rego, Srgio Moraes. III. Reis, Paulo. IV. Ttulo. V. Srie.10-5216CDD-813CDU-821.111(73)-3

  • Este para Lorenza, com todo o meu amor.- GDT

    Para minhas quatro criaturas favoritas.- CH

  • Trecho do dirio de Ephraim Goodweather

    Sexta-feira, 26 de novembro

    Bastaram sessenta dias para que o mundo acabasse.E estvamos l contribuindo para isso com nossas omisses, nossa arrogncia...Quando a crise chegou ao Congresso para ser analisada, legislada e por fim vetada, j

    havamos perdido a luta. A noite pertencia a eles.Restou-nos a saudade da luz do sol, que a ns no mais pertencia...Tudo aconteceu poucos dias depois que a nossa "incontestvel evidncia visual" alcanou o

    mundo... sua verdade foi afogada por milhares de refutaes irnicas e pardias que invadiramo YouTube antes que pudssemos ter qualquer esperana.

    Tornou-se uma brincadeira nos programas de fim de noite, piadistas que ramos, qu-qu-qu... at que o crepsculo nos encobriu, deixando-nos diante de um vazio imenso e cruel.

    O primeiro estgio da resposta pblica a qualquer epidemia sempre Negar.O segundo, Procurar o Culpado.Todos os costumeiros espantalhos foram apresentados como distraes: agruras econmicas,

    agitao social, o bode expiatrio racial, ameaas terroristas.No final, porm, fomos simplesmente ns. Todos ns. Permitimos que isso acontecesse porque

    nunca acreditamos que pudesse acontecer. ramos espertos demais. Adiantados demais.Fortes demais.

    E agora a escurido total.No h mais garantias ou certezas absolutas; no existem mais razes para a nossa

    existncia. Os dogmas bsicos da biologia humana foram reescritos, no no cdigo do DNA,mas em sangue e em vrus.

    Parasitas e demnios esto por toda parte. Nosso futuro no mais o declnio orgniconatural da morte, mas uma transmutao diablica. Uma infestao. Uma transformao.

    Eles nos tiraram nossos vizinhos, nossos amigos e nossas famlias. E agora usam esses rostos,os rostos de nossos familiares, de nossos Entes Queridos.

    Fomos expulsos de nossas casas. Banidos de nosso prprio reino, vagamos por terrasestranhas procura de um milagre. Ns, os sobreviventes, estamos ensanguentados, quebrados

  • e derrotados.Mas no nos transformamos. No somos Eles.Ainda no.Isso no pretende ser um registro ou uma crnica, mas um lamento, a poesia dos fsseis,

    uma reminiscncia sobre o fim da civilizao.Os dinossauros no deixaram para trs quase nenhum vestgio. Apenas uns poucos ossos

    preservados em mbar, o que havia em seus estmagos e seus dejetos.Minha nica esperana que possamos deixar para trs algo mais do que eles deixaram.

  • CEUS DE CHUMBO

  • OLoja de Penhores Knickerbocker, rua 118 Leste,Harlem espanhol

    Quinta-Feira, 4 de Novembro

    s espelhos so portadores de ms notcias, pensou Abraham Setrakian, paradodebaixo da arandela fluorescente esverdeada, enquanto olhava para o espelho dobanheiro. Um velho olhando para um vidro ainda mais velho. As bordas do espelho

    estavam escurecidas com a idade, a decomposio indo sorrateiramente para mais perto docentro. Para o reflexo dele. Para ele.

    "Voc vai morrer em breve."O espelho de prata lhe mostrava isso. Muitas vezes ele estivera prximo da morte, ou pior,

    mas aquilo era diferente. Na sua imagem, Setrakian via essa inevitabilidade. E, ainda assim,de certa forma, encontrava conforto na verdade dos velhos espelhos. Honestos e puros.Aquele era uma pea magnfica, da virada do sculo, bastante pesado, pendurado por umarame tranado na antiga parede de azulejos e inclinado para baixo. Nas paredes, pousadosno cho ou encostados nas estantes, havia cerca de oitenta espelhos de prata, espalhados portoda a residncia. Setrakian os colecionava compulsivamente. Assim como as pessoas que jcruzaram um deserto sabem o valor da gua, ele tambm achava impossvel desdenhar aaquisio de um espelho de prata, especialmente um espelho pequeno e porttil.

    Alm disso, porm, Setrakian confiava na mais antiga caracterstica desses objetos.Contrariando o mito popular, os vampiros certamente tm reflexo. Nos espelhos modernos,

    produzidos em massa, sua imagem refletida como a de cada humano. Mas no espelho deprata, seus reflexos ficam distorcidos. Alguma propriedade fsica da prata produz umainterferncia visual na imagem dessas atrocidades carregadas de vrus, como se fosse umalerta. Tal como o espelho da histria da Branca de Neve, um espelho de prata no conseguementir.

    E assim Setrakian olhava para seu rosto no espelho, diante da grossa pia de porcelana e dobalco onde ficavam seus ps e pomadas, os blsamos para a artrite, o unguento aquecidopara aliviar a dor das juntas nodosas. Olhava e estudava o espelho.

    Ali ele se confrontava com sua fora decadente. O reconhecimento de que seu corpo era

  • apenas isso: um corpo. Envelhecido e enfraquecendo. Decaindo at o ponto em que ele nosabia mais se sobreviveria ao trauma corporal de uma transformao em vampiro. Nem todasas vtimas sobreviviam.

    Seu rosto: as linhas profundas pareciam uma impresso digital, com o polegar do tempoestampado firmemente em sua face. Envelhecera uns vinte anos da noite para o dia. Seusolhos pareciam pequenos e secos, amarelados como marfim. O rubor da pele desaparecera, eo cabelo se assentava sobre o crnio como uma fina relva prateada remexida por uma recentetempestade.

    Toque-toque-toque.Ele ouvia a morte chamando. Ouvia a bengala. Seu corao.Setrakian olhou para as mos retorcidas, moldadas por pura fora de vontade para se

    adaptarem e segurar o cabo daquela espada-bengala de prata, mas pouco capazes de fazeroutras coisas mais com alguma destreza.

    A batalha com o Mestre o deixara muito enfraquecido. O Mestre era mais forte at mesmodo que Setrakian se recordava ou presumia. Era preciso rever as prprias teorias diante dasobrevivncia do Mestre exposto luz solar direta, luz solar que o enfraquecera e marcara,mas que no o destrura. Os raios ultravioleta que esmagavam o vrus deveriam terpenetrado no Mestre com a fora de dez mil espadas de prata; contudo, a terrvel criaturaaguentara o impacto e fugira.

    O que a vida, no fim das contas, seno uma srie de pequenas vitrias e fracassosmaiores? Mas o que mais se podia fazer? Desistir?

    Setrakian nunca desistia.Imaginar o que poderia ter acontecido era tudo que lhe restava no momento. Se ele ao

    menos tivesse feito isso em vez daquilo. Se tivesse conseguido, de alguma forma, dinamitar oprdio ao saber que o Mestre estava l dentro. Se Eph houvesse deixado que ele morresse,em vez de salv-lo naquele momento crtico...

    Seu corao disparou novamente s de pensar nas oportunidades perdidas. Os batimentosondulavam, irregulares. Dando arrancos. Feito uma criana impaciente dentro dele,querendo correr e correr.

    Toque-toque-toque.Um zumbido surdo soava acima das batidas de seu corao.Setrakian conhecia aquele rudo muito bem: era o preldio do oblivio. Depois acordaria

    numa sala de emergncia, se ainda houvesse alguma funcionando...Com um dedo endurecido, pescou uma plula branca na caixa. A nitroglicerina evitava a

    angina, ao relaxar os vasos que carregavam sangue para o seu corao, fazendo com que sedilatassem, aumentando o fluxo e o suprimento de oxignio. Um tablete sublingual que elecolocou debaixo da lngua seca, para que dissolvesse.

    Teve imediatamente uma sensao doce, de formigamento. Em poucos minutos omurmrio em seu corao cessaria.

  • De ao rpida, a plula de nitroglicerina lhe devolveu a confiana. Todos aquelespensamentos sobre o que poderia ter acontecido, aquelas recriminaes e lamentaes tudo no passava de um desperdcio da atividade cerebral.

    Ali estava ele agora. Sua Manhattan adotada o chamava, desmoronando por dentro.J fazia algumas semanas desde que o 777 pousara no aeroporto JFK. Algumas semanas

    desde a chegada do Mestre e o incio da epidemia. Setrakian previra aquilo j nos primeirosnoticirios. Tinha tanta certeza quanto uma pessoa que intui a morte de um ente queridoquando o telefone toca em horrio fora do normal. A notcia do avio morto se apoderara dacidade. Apenas poucos minutos aps a aterrissagem segura, o avio apagara completamente,estacionado na pista de taxiagem, todo s escuras. Agentes dos Centros de Controle ePreveno de Doenas entraram no avio com trajes de isolamento, encontrando todos ospassageiros e a tripulao mortos, exceto quatro "sobreviventes". Esses sobreviventes noestavam nada bem, sendo os sintomas de sua doena s aumentados pela presena doMestre. Escondido no caixo dentro do compartimento de carga do avio, ele cruzara ooceano graas riqueza e influncia de Eldritch Palmer: um homem moribundo que decidirano morrer, mas sim negociar o controle humano do planeta em troca da eternidade. Depoisde um dia de incubao, o vrus fora ativado nos passageiros mortos, que se levantaram dasmesas do necrotrio e saram espalhando a praga vampiresca pelas ruas da cidade.

    A extenso total da praga era conhecida por Setrakian, mas o resto do mundo resistia terrvel verdade. Desde ento, outro avio se apagara totalmente depois de pousar noAeroporto Internacional de Heathrow, em Londres, ficando inerte na pista de taxiagemperto do porto. No Aeroporto de Orly, um jato da Air France tambm chegara apagado. NoAeroporto Internacional de Narita, em Tquio. No Franz Joseph Strauss, em Munique. NoInternational Ben Gurion, em Tel Aviv, famoso por sua segurana, onde comandosantiterroristas haviam invadido a aeronave escurecida na pista, encontrando todos os cento evinte e seis passageiros mortos ou desmaiados. E, no entanto, no foram enviados alertaspara que se revistassem os compartimentos de carga nem para destruir completamente oavio. Tudo estava acontecendo depressa demais, com desinformao e incredulidade naordem do dia.

    E assim a coisa continuou. Em Madri, Pequim, Varsvia, Moscou, Braslia, Auckland, Oslo,Sofia, Estocolmo, Reykjavik, Jacarta, Nova Dli. Certos territrios mais militantes eparanoicos agiram certo e puseram seus aeroportos em quarentena imediatamente, isolandoos jatos apagados com fora militar. Contudo... Setrakian no podia deixar de suspeitar queaquelas aterrissagens eram mais uma distrao ttica do que uma tentativa de propagar ainfeco. Apenas o tempo diria se ele tinha razo... embora, na verdade, restasse muitopouco desse precioso tempo.

    A essa altura, os strigoi originais a primeira gerao de vampiros, as vtimas do avio daRegis Air, e seus Entes Queridos haviam comeado a segunda onda de maturao.Estavam ficando mais acostumados com o meio ambiente e seus novos corpos. Aprendendo

  • a se adaptar, a sobreviver e a prosperar, atacavam ao anoitecer. O noticirio relatava"distrbios" em grandes reas da cidade, e isso era parcialmente verdade. Os saques e atos devandalismo corriam soltos em plena luz do dia, mas ningum chamava a ateno para o fatode que noite a atividade aumentava.

    Devido a esses problemas por todo o pas, a infraestrutura j comeava a desmoronar. Comas linhas de suprimento de alimentos interrompidas, a distribuio atrasava. Conforme asfaltas ao trabalho aumentavam, a mo de obra disponvel diminua: os apages eltricos e asquedas de fora ficavam sem manuteno. A polcia e os bombeiros levavam cada vez maistempo para reagir, e as incidncias da ao de grupos paramilitares e de incndios criminososcresciam.

    Incndios se multiplicavam. Saqueadores agiam solta.Setrakian olhou para seu prprio rosto, mais uma vez desejando vislumbrar o homem mais

    jovem dentro de si. Talvez at mesmo o garoto. Pensou no jovem Zachary Goodweather, alino quarto de hspedes no fim do corredor. E, de alguma forma, o velho no fim da vidasentia pena do garoto; onze anos de idade, mas j no final da infncia. Arrancado do estadode graa, espreitado por uma coisa morta-viva que ocupava o corpo de sua me...

    Setrakian entrou no seu quarto e andou em direo a uma cadeira. Sentou-se com uma dasmos cobrindo o rosto, esperando que a desorientao passasse.

    Grandes tragdias provocam sensaes de isolamento, que o envolviam agora. Setrakianlamentava a ausncia da esposa, Miriam, morta havia muito tempo. As lembranas do rostodela haviam sido expulsas da sua mente pelas poucas fotografias que ele possua, e s quaisrecorria frequentemente, com o efeito de congelar a imagem da mulher no tempo, semjamais, verdadeiramente, capturar a essncia do ser. Miriam fora o amor de sua vida. Ele eraum homem de sorte; s vezes era uma luta lembrar-se disso. Cortejara uma mulher bonita ecasara com ela. Vira a beleza e vira o mal. Testemunhara o melhor e o pior do sculoanterior, e sobrevivera a tudo. Agora estava presenciando o fim.

    Setrakian pensou na ex-esposa de Ephraim, Kelly, que encontrara uma vez na vida e maisuma vez na morte. Ele compreendia a dor do homem. Compreendia a dor desse mundo.

    L fora ouviu outro acidente de carro. Tiros a distncia, alarmes tocando insistentemente;carros, prdios, tudo sem resposta. Os berros que cortavam a noite eram os ltimos gritos dehumanidade. Os saqueadores estavam levando no somente mercadorias e bens, mastambm almas. No adquiriam posses; possuam tudo.

    Pousou a mo sobre um catlogo na mesa de cabeceira. Um catlogo da Sotheby's. O leiloseria realizado dentro de poucos dias. No era uma coincidncia. Nada daquilo eracoincidncia: nem a recente ocultao, nem o conflito no exterior, nem a recessoeconmica. Como peas de domin alinhadas, ns camos.

    Setrakian pegou o catlogo do leilo e procurou uma pgina determinada. Ali, semqualquer ilustrao ao lado, estava relacionado um antigo volume:

  • Occido Lumen (1667) Uma narrativa completa da primeira apario dosStrigoi e a plena refutao de todos os argumentos produzidos contra a suaexistncia, traduzidas pelo falecido rabino Avigdor Levy. Coleo particular,manuscrito com ilustraes, encadernao original. Pode ser examinado comvisita marcada. Preo estimado $15-$25 M

    Aquele livro no um fac-smile ou uma fotografia era crucial para a compreenso doinimigo, os strigoi. E para venc-los.

    O livro era baseado numa coleo de antigas tbuas de argila da Mesopotmia, inicialmentedescobertas em jarros dentro de uma caverna nas montanhas Zagros em 1508. Escritos nalngua sumeriana e extremamente frgeis, as tbuas foram vendidas a um rico comerciantede seda, que viajou com elas por toda a Europa. O comerciante foi encontrado estranguladoem Florena, e seus armazns incendiados. As tbuas, entretanto, sobreviveram em poder dedois necromantes, o famoso John Dee e um aclito mais obscuro conhecido historicamentecomo John Silence. Dee foi consultor da rainha Elizabeth I, e, incapaz de decifrar o queestava gravado ali, conservou as tbuas como um artefato mgico at 1608, quando, foradopela pobreza, vendeu tudo por intermdio de sua filha Katherine para o culto rabinoAvigdor Levy, morador do antigo gueto de Metz, em Lorraine, na Frana. Durante dcadaso rabino foi decifrando meticulosamente as tbuas, utilizando suas incrveis habilidades, poisdecorreriam trs sculos antes que outros pudessem finalmente decifrar artefatossemelhantes. Por fim o judeu apresentou suas descobertas sob a forma de um manuscrito,oferecido como presente ao rei Lus XIV.

    Ao receber o texto, o rei ordenou a imediata priso do velho rabino e a destruio dastbuas, bem como de toda a biblioteca de textos e artefatos religiosos que o judeu mantinha.As tbuas foram pulverizadas, e o manuscrito ficou jogado num cofre junto com muitostesouros proibidos. Secretamente, madame de Montespan, amante do rei e uma vidaadmiradora do oculto, orquestrou em 1671 a recuperao do manuscrito, que permaneceunas mos de La Voisin, uma parteira que era a feiticeira e confidente de Montespan, at seuexlio causado pela histeria em torno do Affaire des Poisons.

    O livro veio de novo tona brevemente em 1823, aparecendo na posse do notrio rproboe acadmico londrino William Beckford. Estava relacionado como parte da biblioteca emFonthill Abbey, o palcio extravagante onde Beckford acumulava artefatos, livros e incrveise raros objetos de arte. O palcio neogtico e todo seu contedo foram vendidos para umcomerciante de armas a fim de saldar uma dvida, e o livro permaneceu desaparecido porquase um sculo. Em 1911 foi listado erroneamente, ou talvez por m-f, sob o ttulo deCasus Lumen, como parte de um leilo em Marselha; mas o livro nunca foi exibido, e oleilo foi sumariamente cancelado depois que uma misteriosa revolta explodiu na cidade.Nos anos subsequentes, o manuscrito foi dado pela maioria das pessoas como destrudo.Agora ele estava em Nova York.

  • ZMas quinze milhes? Vinte e cinco milhes? Impossvel de se conseguir. Deveria haveroutro meio...

    O maior medo de Setrakian, que ele no ousava compartilhar com ningum mais, era que abatalha, iniciada h muito tempo, j estivesse perdida. Que tudo aquilo representasse o fimdo jogo, que o rei da humanidade j estivesse em xeque-mate, ainda que teimosamentefazendo seus ltimos movimentos sobre o tabuleiro do mundo.

    Setrakian fechou os olhos tentando abafar um zumbido nos ouvidos. Mas o zumbidopersistia; na realidade, ficava mais forte.

    A plula nunca tivera aquele efeito sobre ele.Quando seu deu conta disso, Setrakian enrijeceu o corpo.No era a plula, em absoluto. O zumbido estava por toda parte, em volta dele. Baixo, mas

    estava.Eles no estavam sozinhos.O garoto, pensou Setrakian. Com grande esforo, ps-se de p e saiu da cadeira, partindo

    na direo do quarto de Zack.Toque-toque-toque.A me estava vindo atrs de seu filho.

    ack Goodweather estava sentado de pernas cruzadas num canto do terrao da loja depenhores. Tinha o computador de seu pai sobre o colo. Aquele era o nico lugar detodo o prdio onde ele podia ficar conectado internet, invadindo a rede desprotegida

    de um vizinho em algum lugar naquele quarteiro. O sinal sem fio era fraco, variando entreuma e duas barras, fazendo com que qualquer busca na internet andasse a passoslentssimos.

    Zack fora proibido de usar o computador do pai. Na realidade, deveria estar dormindonaquele momento. O garoto de onze anos j tinha bastante dificuldade para conciliar o sonoem noites normais; era um bom caso de insnia que ele vinha escondendo dos pais haviaalgum tempo.

    Zack-Insone! O primeiro super-heri que ele criara. Uma histria em quadrinhos de oitopginas, colorida, ilustrada, legendada e desenhada por Zachary Goodweather. Contava ahistria de um adolescente que patrulhava as ruas de Nova York noite, derrotandoterroristas e poluidores. E poluidores terroristas. Ele nunca conseguira desenhar bem asdobras da capa do heri, mas os rostos eram bastante bons, e tambm a musculatura.

    A cidade precisava de um Zack-Insone j. O sono era luxo. Um luxo que ningum poderiagozar, se todos soubessem o que ele sabia.

    Se todos houvessem visto o que ele vira.Zack deveria estar metido num saco de dormir de penas de ganso num quarto no terceiro

    andar. O aposento cheirava a mofo, como o velho quarto de cedro na casa dos avs: umlugar que ningum mais abria, a no ser as crianas para bisbilhotar. O pequeno quarto,estranhamente angulado, fora usado para estocagem pelo senhor Setrakian (ou professor

  • Setrakian Zack ainda no tinha certeza sobre isso, ao ver como o velho administrava a lojade penhores no primeiro andar). Havia pilhas e pilhas de livros, muitos espelhos antigos, umguarda-roupa com trajes velhos e algumas arcas trancadas, realmente trancadas, sem o tipode trancas falsificadas que podem ser abertas com um clipe de metal e uma canetaesferogrfica (Zack j tentara isso).

    O exterminador Vasiliy ou V, como ele mandara Zack cham-lo ligara um velho jogoNintendo alimentado a cartucho em um televisor Sanyo penhorado ali. O aparelho tinhagrandes chaves e mostradores na frente, em vez de botes, e tudo fora trazido do primeiroandar, onde ficavam expostas as mercadorias. Eles esperavam que Zack ficasse ali quietinho,jogando A lenda de Zelda. Mas a porta do quarto no tinha fechadura. Seu pai e Vasiliy Fethaviam instalado barras de ferro na parede em torno da janela, mas por dentro, no por fora.As barras foram soldadas ao caixilho da janela, uma gaiola que o senhor Setrakian dissera tersobrado da dcada de 1970.

    Zack sabia que eles no estavam tentando tranc-lo ali dentro. Estavam tentando trancarsua me do lado de fora.

    Ele procurou a pgina profissional do pai no site dos Centros de Controle e Preveno deDoenas, mas tudo que encontrou foi a mensagem "Page Not Found". Ento eles j o haviamexcludo do site do governo. Tentativas com "dr. Ephraim Goodweather" mostravam que eleera um desacreditado funcionrio do CCD que fabricara um vdeo falso, supostamente paramostrar um humano-convertido-em-vampiro sendo destrudo. Diziam ali que Ephdistribura o vdeo pela internet numa tentativa de explorar a histeria causada pelo eclipse,por interesses prprios. O texto dizia que Eph baixara o vdeo, mas na realidade fora Zackque baixara o vdeo para o pai, vdeo esse que ele no queria que o filho visse. Obviamente altima parte era besteira. Que "interesses" teria seu pai alm de tentar salvar vidas? Um sitede notcias descrevia Goodweather como "um alcolatra confesso, envolvido numa batalhalitigiosa pela guarda do filho; dizia tambm que "atualmente se acreditava que Eph estavaforagido com o garoto, que sequestrara". Zack sentiu um n na garganta. A mesma matriadizia que tanto a ex-esposa de Goodweather quanto o namorado dela atualmente estavamdesaparecidos e presumivelmente mortos.

    Tudo aquilo deixara Zack nauseado nos ltimos dias, mas a desonestidade daquela matriaera especialmente desagradvel para ele. Tudo errado, at a ltima palavra. Ser que elesrealmente no sabiam a verdade? Ou... no se importavam? Talvez estivessem tentandoexplorar o problema dos pais dele com interesses prprios?

    E os comentrios? Eram ainda piores. Zack no podia lidar com as coisas que andavamdizendo sobre seu pai, a arrogncia autossuficiente de todos aqueles comentaristas annimosna rede. Agora precisava lidar com a terrvel verdade sobre sua me; a banalidade do venenolanado naqueles blogs e fruns se desviava completamente da verdade.

    Como se pode lamentar a morte de algum que na verdade no se foi? Como temer algumcujo desejo por voc eterno?

  • Se o mundo conhecesse a verdade tal como Zack a conhecia, a reputao de seu pai seriarestaurada e a voz dele ouvida... mas mesmo assim nada mudaria. Sua me e sua vida nuncamais seriam iguais.

    Assim, o principal desejo de Zack era de que tudo aquilo passasse. Queria que algofantstico acontecesse, fazendo tudo voltar ao normal. Tal como na infncia, quando, comcerca de cinco anos, quebrara um espelho e s o cobrira com um lenol; depois rezara comtoda a fora para que a pea se restaurasse antes que os pais descobrissem. Ou tal como apoca em que desejou que seus pais se apaixonassem novamente. Que eles acordassem umdia e percebessem o erro que haviam cometido.

    Agora ele nutria a esperana secreta de que seu pai pudesse fazer algo incrvel. A despeitode tudo, Zack ainda supunha que havia um final feliz espera. Esperando por todos eles.Talvez at mesmo para fazer sua me voltar ao que era antes.

    Sentiu as lgrimas aflorando, e dessa vez no lutou para estanc-las. Estava em cima doterrao, sozinho. Queria tanto ver sua me de novo. O pensamento o aterrorizava, contudoele ansiava pela vinda dela. Para olhar nos olhos dela. Ouvir a voz dela. Desejava que ela lheexplicasse aquilo, como sempre fazia com toda coisa perturbadora. Tudo vai ficar bem...

    Um grito em algum lugar no fundo da noite o trouxe de volta ao presente. Ele olhou para aparte oeste da cidade, vendo chamas e uma coluna de fumaa negra. Levantou o olhar. Umanoite sem estrelas. Apenas uns poucos avies. Ouvira caas a jato zunindo no ar tarde.

    Zack esfregou o rosto na manga da camisa, na altura do cotovelo, e voltou ao computador.Numa busca rpida, descobriu a pasta que continha o arquivo do vdeo que fora proibido dever. Abriu o arquivo e ouviu a voz do pai, percebendo que ele tambm operava a cmera. Eraa sua cmera, que o pai pedira emprestado.

    Era difcil enxergar o que estava sendo filmado: algo no escuro dentro de um telheiro. Umacoisa inclinada para a frente, agachada. Um rosnado gutural e um sibilo no fundo dagarganta. O tinido rastejante de uma corrente. A cmera deu um close, a resoluo daimagem melhorou, e Zack viu a boca aberta da criatura. Uma boca que se abria mais do quedevia, com algo semelhante a um fino peixe prateado se retorcendo l dentro.

    Os olhos da criatura presa no telheiro eram grandes e reluzentes. A princpio, Zackconfundiu a expresso daqueles olhos com tristeza e dor. Uma coleira, aparentemente umacoleira de cachorro, prendia a criatura pelo pescoo, acorrentando-a ao cho de terra aliatrs. Era plida: de to sem cor, quase brilhava. Depois ouviu-se um estranhobombeamento, tlec-chup, tlec-chup, tlec-chup, e trs pregos de prata, disparados por trs dacmera (talvez pelo pai?) atingiram a criatura do telheiro como balas finas. A imagem deuum salto quando aquele ser soltou um rosnado surdo, feito um animal doente consumidopela dor.

    Basta disse no vdeo uma voz que pertencia ao sr. Setrakian, mas tinha um tom queno parecia qualquer coisa que Zack j ouvira sair da boca do bondoso velho penhorista. Precisamos ter piedade.

  • ADepois o velho apareceu na tela, entoando algumas palavras em uma lngua estrangeira queparecia antiga, como que invocando um poder ou lanando uma maldio. Ele levantou umaespada de prata, comprida e brilhante sob o luar, e a criatura no telheiro soltou um uivoquando a arma foi brandida com grande fora...

    Vozes fizeram Zack desviar a ateno do vdeo. Vinham l de baixo, da rua. Ele fechou olaptop e se levantou, baixando o olhar por sobre a mureta do terrao para a rua 118.

    Cinco homens subiam o quarteiro a p em direo loja, acompanhados lentamente porum 4x4. Portavam armas de fogo e batiam em cada porta. O veculo parou antes docruzamento, bem em frente loja. Os homens a p se aproximaram do prdio, fazendoretinir os portes de segurana. Gritavam:

    Abram!Zack recuou e virou-se para a porta do terrao, imaginando que seria melhor que estivesse

    de volta a seu quarto caso algum fosse verificar.Ento ele a viu. Uma garota adolescente, provavelmente cursando o ensino mdio. Parada

    no terrao em frente, do outro lado de um terreno baldio na esquina da entrada da loja. Abrisa levantava sua camisola comprida, amarfanhando-a em tomo dos joelhos, mas nomovia seu cabelo, reto e pesado.

    Ela estava de p na mureta do terrao. Bem na borda, perfeitamente equilibrada, semoscilar. Pousada na borda, como que querendo tentar o salto. Um salto impossvel.Querendo e sabendo que fracassaria.

    Zack ficou olhando. Ele no sabia. No tinha certeza. Mas suspeitava.De qualquer forma, levantou a mo. E acenou para a garota.Ela olhou de volta para ele.

    * * *

    dra. Nora Martinez, anteriormente integrante do quadro de funcionrios dos Centrosde Controle e Preveno de Doenas, destrancou a porta da frente. Cinco homens emuniforme de combate, com coletes prova de balas e armas olharam para ela por

    entre a grade de segurana. Dois deles usavam lenos que cobriam a parte inferior dosrostos.

    Est tudo bem a dentro, madame? perguntou um deles. Est respondeu Nora, procurando um distintivo ou qualquer tipo de insgnia, sem ver

    nenhum. Enquanto essa grade aguentar, tudo est bem. Estamos indo de porta em porta, limpando os quarteires. Um distrbio ali adiante

    disse outro, apontando para a rua 117. Mas achamos que o pior est indo para o centro dacidade desta direo.

    O que significava o Harlem. E vocs... quem so?

  • Cidados preocupados, madame. A senhora no vai querer permanecer aquicompletamente sozinha.

    Ela no est sozinha disse Vasiliy Fet, o funcionrio do Departamento de Controle dePragas da cidade de Nova York, aparecendo atrs dela.

    Os homens avaliaram aquele grandalho. Voc o penhorista? Meu pai disse Vasiliy. Que tipo de problema vocs esto encontrando? Tentamos conter esses loucos que esto provocando distrbios na cidade. Agitadores e

    oportunistas. Aproveitando uma situao ruim e piorando a coisa. Vocs parecem policiais disse Vasiliy. Se esto pensando em sair da cidade, devem fazer isso agora disse um deles, evitando

    o assunto. As pontes esto entupidas, e os tneis engarrafados. O lugar vai virar umamerda.

    Vocs deviam pensar em vir nos ajudar aqui fora. Fazer alguma coisa para melhorar asituao disse outro.

    Vou pensar nisso disse Vasiliy. Vamos! chamou o motorista do 4x4; o motor estava ligado. Boa sorte disse um dos homens, com certo desprezo. Vocs vo precisar dela.Nora observou os homens partirem. Depois trancou a porta, recuando para a penumbra. J foram embora disse ela.Ephraim Goodweather, que estivera observando tudo ali ao lado, apareceu e disse: Idiotas. Policiais disse Vasiliy, observando-os dobrar a esquina. Como voc sabe? perguntou Nora. Sempre d para perceber. Foi bom voc ficar fora das vistas deles disse Nora a Eph.Eph assentiu. Por que eles no tinham distintivos? Provavelmente foram beber depois do servio disse Vasiliy e decidiram no deixar

    a cidade degringolar desse jeito. Com as esposas de malas feitas para Jersey, eles no tmnada o que fazer alm de baixar o cacete por a. Os canas acham que mandam na cidade. Eno esto muito errados. Mentalidade de gangue de rua. a praia deles, e vo lutar por ela.

    Pensando bem, a cabea deles no muito diferente da nossa no momento disse Eph. S que eles esto carregando chumbo, quando deveriam estar brandindo prata disse

    Nora, pegando a mo de Eph. Eu queria ter podido avisar a eles. Foi tentando alertar as pessoas que eu me tornei um foragido, para comear disse

    Eph.Eph e Nora haviam sido os primeiros a subir no avio apagado depois que a equipe da

    SWAT descobrira os passageiros aparentemente mortos. A descoberta de que os corpos no

  • Aestavam se decompondo naturalmente, junto com o desaparecimento do caixote semelhantea um caixo durante a ocultao solar, ajudara a convencer Eph de que eles se defrontavamcom uma crise epidemiolgica que no poderia ser explicada por meios mdicos e cientficosnormais. A relutante percepo abrira sua mente para as revelaes do penhorista, Setrakian,e a horrenda verdade por trs da praga. Seu desespero em alertar o mundo sobre averdadeira natureza da doena, o vrus vampiresco que se deslocava insidiosamente pelacidade e penetrava nos bairros, levara-o a romper com o CCD, que tentara silenci-lo comuma estrepitosa acusao de assassinato. Desde ento ele estava foragido.

    Eph olhou para Vasiliy. Tudo certo com o cano? Pronto para partir.Eph apertou a mo de Nora. Ela no queria deix-lo partir.A voz de Setrakian soou na escada espiralada no fundo da loja. Vasiliy? Ephraim! Nora! Estamos aqui embaixo, professor replicou Nora. Algum est se aproximando disse ele. No, ns acabamos de nos livrar deles. Eram vigilantes. E bem armados. No estou me referindo a algum humano disse Setrakian. E no consigo

    encontrar o jovem Zack.

    porta do quarto de Zack se abriu de repente, e ele se virou. O pai entrou de roldo,pronto para lutar.

    Caramba, pai disse Zack, sentando no saco de dormir.Eph deu uma olhadela em volta do quarto. Setrakian acabou de procurar voc aqui. Hum... Zack esfregou o olho de propsito. No deve ter me visto no cho. , talvez. Eph lanou um olhar mais demorado para Zack. No parecia acreditar no

    filho, mas claramente tinha algo mais premente no pensamento do que apanhar o garotomentindo. Andou pelo quarto, verificando a janela gradeada. Zack notou que o paimantinha uma das mos atrs das costas, movimentando-se de modo que ele no visse o quehavia ali.

    Nora entrou correndo por atrs dele e parou quando viu Zack. O que ? perguntou Zack, levantando-se.O pai balanou a cabea de maneira tranquilizadora, mas o sorriso chegou rpido demais

    era apenas um sorriso, sem alegria nos olhos, sem nenhuma alegria. S estamos dando uma olhada. Voc espera aqui, est bem? Eu volto.Ele saiu, virando de modo a fazer a coisa atrs das costas continuar escondida. Zack ficou

    imaginando: aquilo seria a tal coisa tlec-chup ou uma espada de prata? Fique aqui disse Nora, e fechou a porta.Zack ficou imaginando o que eles estavam procurando. Ele ouvira a me mencionar o

  • nome de Nora uma vez em uma briga com o pai, mas aquilo nem fora realmente uma briga,pois eles j haviam se separado, e sim um desabafo. E j vira o pai beijar Nora uma vez,imediatamente antes de partir com o senhor Setrakian e Vasiliy. Depois ela ficara muitotensa e preocupada durante toda a ausncia deles. Quando os trs voltaram, tudo mudara. Opai de Zack parecia to acabrunhado, ele nunca mais queria ver o pai daquele jeito outra vez.E o senhor Setrakian voltara doente. Depois, bisbilhotando, Zack at entreouvira partes deconversas, mas no suficientes.

    Algo sobre um "mestre".Algo sobre a luz do sol no conseguir "destru-lo".Algo sobre "o fim do mundo".Parado ali sozinho no quarto de hspedes, pensando em todos os mistrios sua volta,

    observou um borro num dos poucos espelhos pendurados na parede. Era uma distoro,parecida com uma vibrao visual: algo que deveria estar bem focado, mas ao invs dissoparecia enevoado e indistinto no vidro.

    Algo na sua janela.Zack virou-se, bem devagar a princpio e, depois, de uma vez.De alguma maneira, o velho se agarrara ao exterior do prdio. Seu corpo estava

    desconjuntado e distorcido; seus olhos eram vermelhos, arregalados e ardentes. O cabelocaa, j fino e plido; o vestido de professora fora rasgado num dos ombros, expondo a carnemanchada de terra. Os msculos do pescoo estavam inchados e deformados, com vermessanguneos serpenteando debaixo das mas do rosto e na testa.

    Mame.Ela viera. Como Zack sabia que aconteceria.Instintivamente, ele deu um passo na direo da me. Depois leu a expresso no rosto dela,

    que subitamente passou de dor a algo to sombrio que s poderia ser descrito comodemonaco.

    Ela notara as barras.Num instante sua mandbula se abriu, escancarando-se, exatamente como no vdeo, com

    um ferro se projetando das profundezas embaixo da lngua. O ferro quebrou o vidro dajanela com um estalo e um tinido para depois destender-se, penetrando pelo buracoperfurado. Tinha um metro e oitenta centmetros de comprimento, terminando numa pontaque revoluteava a poucos centmetros do pescoo de Zack.

    O garoto ficou paralisado, com os pulmes asmticos trancados, incapazes de inspirarqualquer quantidade de ar.

    Na extremidade da extenso carnuda, tremia uma estranha ponta com dois espores,zunindo no ar. Zack permaneceu exatamente onde estava. O ferro comeou a amolecer.Com um casual meneio de cabea, Kelly Goodweather recolheu-o rapidamente para dentroda boca. Depois lanou a cabea sobre a janela, estilhaando o restante do vidro, e foi seenfiando pelo buraco. Precisava de poucos centmetros mais para alcanar a garganta de

  • Zack e resgatar seu Ente Querido para o Mestre.O menino ficou vidrado nos olhos daquele ser. Eram vermelhos, com pontos pretos no

    centro. Ele procurou, vertiginosamente, por qualquer semelhana com sua me.Ela estava morta, como dissera o pai? Ou viva?J se fora para sempre? Ou estava ali, bem ali, no quarto com ele?Ainda era dele? Ou j de algum mais?Ela enfiou a cabea por entre as barras de ferro, ferindo a carne e quebrando o osso, como

    uma cobra abrindo caminho na toca de um coelho, tentando desesperadamente cobrir adistncia que restava entre seu ferro e a carne do garoto. A mandbula se abriu de novo,com os olhos reluzentes pousados sobre a garganta de Zack, um pouco acima do pomo deado.

    Eph entrou correndo no quarto, e encontrou Zack parado ali, olhando aturdido para Kelly.A vampira espremia a cabea entre as barras de ferro; estava prestes a atacar. Eph pulou nafrente do filho, puxou uma espada de prata detrs das costas, e gritou:

    NO!Nora irrompeu no quarto atrs de Eph, acendendo uma lanterna Luma com uma forte luz

    ultravioleta. Sentiu nojo ao ver Kelly Goodweather, aquele ser humano deturpado, aquelame-monstro, mas avanou, segurando, com a mo estendida, a luz capaz de matar o vrus.

    Eph tambm se adiantou na direo de Kelly e seu ferro tenebroso. Os olhos da vampiraeram de uma fria animalesca.

    FORA! PARA TRS! berrou Eph para Kelly, tal como faria com um animal selvagemque tentasse entrar na sua casa procura de alimento. Apontou a espada para ela e avanoucorrendo em direo janela.

    Com um ltimo e dolorosamente esfaimado olhar para o filho, Kelly se afastou da grade dajanela, fora do alcance da espada de Eph, e fugiu velozmente pela lateral da parede externado prdio.

    Nora colocou a lanterna dentro da gaiola, apoiada entre duas barras cruzadas, de modoque a luz mortfera enchesse o espao da janela estilhaada, para impedir Kelly de retornar.

    Eph correu na direo do filho. Zack tinha o olhar embaado, as mos na garganta e o peitoarfante. A princpio Eph pensou que aquilo era desespero, mas depois percebeu que era algomais.

    Um ataque de pnico. O garoto estava trancado por dentro. Incapaz de respirar.Eph olhou em torno desesperadamente, e acabou encontrando o inalador de Zack em cima

    da velha televiso. Comprimiu o dispositivo nas mos de Zack, guiou-o para a boca dele eapertou o boto. Zack arquejou, com os pulmes abertos pelo aerossol e a palidezimediatamente reduzida. As vias respiratrias se expandiram como um balo, e o garotoarriou, enfraquecido.

    Eph descansou a espada e consolou o filho. Reanimado, porm, Zack empurrou o pai paralonge e correu na direo da janela vazia.

  • K Mame! gemeu ele.

    * * *

    elly recuou, subindo pela parede de tijolos do prdio. As garras em seus dedos mdiosajudavam a subida, enquanto ela achatava o corpo contra o prdio como uma aranha,impelida pela fria contra o intruso. Ela sentia, com a intensidade de uma me que

    sonha com um filho em dificuldades chamando seu nome, a terna proximidade do EnteQuerido. O farol psquico que era a tristeza humana dele. A fora da carncia do filho pelame redobrava sua incondicional carncia vampiresca por ele.

    O que Kelly vira ao pousar os olhos em Zachary Goodweather de novo no fora um garoto.No era seu filho, seu amor. Em vez disso, ela vira um pedao seu que teimosamentepermanecia humano. Algo que biologicamente ainda era seu, uma eterna parte de seu ser.Seu prprio sangue, s que ainda vermelho-humano, e no branco-vampiro. Aindatransportando oxignio, e no alimento. Kelly vira uma parte sua incompleta, afastada fora.

    E ela queria aquela parte. Queria aquela parte alucinadamente.Aquilo no era amor humano, mas carncia vampiresca. Anseio vampiresco. A reproduo

    humana se espalha para fora, criando e crescendo, enquanto a reproduo vampiresca operano sentido contrrio, revertendo para a descendncia sangunea, habitando as clulas vivas econvertendo-as para seus prprios fins.

    O m positivo, o amor, transforma-se no seu oposto, que na realidade no o dio, nem amorte. O m negativo a infeco. Em vez de compartilhar o amor, de juntar semente eovo, e mesclar genes comuns na criao de um novo e nico ser, trata-se de uma deturpaodo processo reprodutivo. Uma substncia inerte invade uma clula vivel, produzindocentenas de milhes de cpias idnticas. No compartilhada ou criativa, mas violenta edestrutiva. uma deturpao e uma perverso. estupro biolgico e usurpao.

    Ela precisava de Zack. Enquanto ele permanecesse inacabado, ela permaneceria incompleta.A criatura-Kelly parou na mureta do terrao, indiferente cidade conflituosa ao seu redor.

    S queria saber de sua sede. Uma nsia por sangue e pelo seu tipo de sangue. Era esse ofrenesi que a impelia. Um vrus s sabe uma coisa: precisa infectar.

    J comeara a procurar outro meio de penetrar naquela caixa de tijolos, quando ouviu, portrs do caixilho da porta, um par de sapatos velhos esmagando o cascalho.

    Na escurido, ela o distinguiu bem. O velho caador Setrakian apareceu com uma espadade prata, avanando. Pretendia imprens-la entre a mureta do terrao e a noite.

    A assinatura de calor dele era estreita e dbil; em um humano envelhecido, o sangue semove vagarosamente. Ele parecia pequeno, embora agora todos os humanos parecessempequenos para ela. Pequenos e deformados: criaturas agarradas existncia, tropeando emintelectos mesquinhos. A borboleta com uma caveira desenhada nas costas aladas olha para

  • Euma crislida peluda com absoluto desprezo. Um estgio anterior da evoluo, um modeloultrapassado, incapaz de ouvir a exultao tranquilizadora do Mestre.

    Alguma coisa nela sempre voltava a Ele. Alguma forma primitiva, ainda que bemcoordenada, de comunicao animal. A psique da colmeia.

    Enquanto o velho humano avanava na direo de Kelly, com a mortfera lmina de pratareluzindo, uma reao surgiu. Vinha diretamente do Mestre e era transmitida atravs deKelly para a mente do antigo vingador.

    Abraham.Aquilo vinha do Mestre, mas no pela grande voz dele, como Kelly a compreendia.Abraham. No faa isso.A voz tinha uma entonao feminina. Mas no a de Kelly. Jamais ouvira.Mas Setrakian sim. Ela viu isso na assinatura de calor dele, na acelerao do corao dele.Eu vivo nela tambm... Eu vivo nela...O vingador parou, um indcio de fraqueza aparecendo nos olhos. A vampira Kelly

    aproveitou o momento: o queixo caiu e a boca se abriu desmesuradamente, sentindo oimpulso iminente do ferro ativado.

    Mas o caador levantou a espada e avanou para Kelly com um grito. Ela no tinha escolha.A espada de prata queimava na noite de seus olhos.

    Kelly se virou e correu pela mureta, virando para baixo e fugindo precipitadamente pelaparede do prdio. Do terreno baldio l embaixo, ela olhou para o velho e sua assinatura decalor decrescente, parado, observando-a fugir.

    ph foi at Zack, puxando-o pelo brao, mantendo-o longe da luz ultravioletaincandescente da lmpada presa janela.

    V embora! gritou Zack. Parceiro disse Eph, tentando acalmar o filho, ou acalmar os dois. Carinha. Z. Ei! Voc tentou matar a mame!Eph no sabia o que dizer, porque realmente tentara. Ela... ela j est morta. No para mim! Voc viu como ela est, Z. Eph no queria falar sobre o ferro. Voc viu aquela

    coisa. Ela no mais sua me. Sinto muito. Voc no precisa matar a mame! disse Zack, com a voz ainda spera de to

    engasgada. Eu preciso disse Eph. Eu preciso.Ele foi at Zack, tentando um novo contato fsico. Mas o garoto se afastou e se aproximou

    de Nora, a substituta feminina mais prxima. Ficou chorando no ombro dela.Nora olhou para Eph com uma expresso de consolo nos olhos, mas Eph no queria saber

    disso. Vasiliy estava na porta atrs dele. Vamos disse Eph, saindo apressado do quarto.

  • O esquadro da noite

    SUBIRAM A RUA EM direo ao parque Marcus Garvey, os cinco policiais de folga a p, e osargento no seu carro particular.

    No portavam emblemas. Nem cmeras portteis. Nada de relatrios descrevendo a ao.Nada de inquritos, nem murais comunitrios ou Corregedoria.

    Tratava-se de usar a fora. Para acertar as coisas."Mania transmissvel", era como os federais haviam denominado aquilo. "Demncia

    relacionada a uma praga."O que havia acontecido com os antigos "bandidos"? Esse termo sara de moda?O governo estava falando em chamar a Polcia Militar estadual? A Guarda Nacional? O

    Exrcito?Pelo menos deem uma primeira chance a ns a polcia da cidade. Ei... que diabo!Um deles estava segurando o brao. Um corte profundo, bem atravs da manga.Outro projtil caiu aos ps deles. Que porra essa de pedradas agora?Eles varreram os telhados com os olhos. L!Um enorme pedao de pedra decorativa, uma flor-de-lis, veio na direo de suas cabeas,

    fazendo com que se dispersassem. A pedra se espatifou no meio-fio, atingindo-lhes a canela. Ali dentro!Eles correram para a porta e entraram rapidamente. O primeiro homem a entrar subiu

    correndo a escada at o segundo andar. Ali, uma adolescente com uma camisola compridaestava parada no meio do corredor.

    Caia fora daqui, meu bem! gritou o homem, passando por ela rispidamente e indo nadireo do segundo lance de escadas. Algum se movimentava ali em cima. O policial noprecisou esperar pelas regras de engajamento ou fora justificvel. Gritou para o sujeito parare depois abriu fogo, acertando quatro balaos e derrubando o alvo.

    Avanou contra o desordeiro, cheio de gs. Era um cara negro com quatro bons balaos nopeito. O policial sorriu e gritou para o vo da escada.

    Peguei um!O cara negro se sentou. O policial recuou, ainda conseguindo disparar mais um tiro antes

    que o sujeito se lanasse sobre ele, agarrando-o e fazendo algo com seu pescoo.O policial girou, com o fuzil comprimido entre o corpo dos dois, sentindo o corrimo sob

  • seu quadril.Os dois caram juntos, batendo com fora no cho. Um segundo policial virou-se e viu o

    suspeito em cima do primeiro, mordendo-o no pescoo ou coisa assim. Antes de disparar, eleainda olhou para cima, para ver de onde os dois haviam cado, e avistou a adolescente decamisola.

    Ela pulou sobre ele, jogando-o de costas no cho. Ento cravou as unhas no rosto e nopescoo do homem.

    Um terceiro policial desceu a escada e viu a garota. Depois viu o cara atrs dela, o ferrosaindo da boca, pulsando enquanto drenava o sangue do primeiro policial.

    Atirou na garota, jogando-a para trs. Quando j partia ao encalo do outro monstro, umamo o agarrou por trs. Uma unha comprida semelhante a uma garra cortou-lhe o pescoo egirou seu corpo.

    Kelly Goodweather, enfurecida pela fome e pela carncia de sangue na nsia de pegar ofilho, foi puxando o policial com uma das mos para o apartamento mais prximo. Depoisbateu a porta com fora para que pudesse se alimentar profundamente, sem interrupes.

    O MESTRE Parte I

    OS MEMBROS DO HOMEM se retorceram pela ltima vez, o ligeiro hlito de seu ltimo suspiroescapando da boca, o tremor da morte assinalando o final do repasto para o Mestre. Largadopela sombra imponente, o corpo do homem caiu inerte e nu perto de outras quatro vtimasaos ps de Sardu.

    Todas exibiam a mesma marca forte do ferro na carne macia do interior da coxa, maisprecisamente sobre a artria femural. A imagem popular dos vampiros bebendo sangue dopescoo no era incorreta, mas os vampiros poderosos preferiam a artria femural da pernadireita. A presso e a oxigenao eram perfeitas, e o sabor mais encorpado, quase rude. J ajugular carregava sangue impuro e picante. No obstante, o ato de se alimentar h muitotempo deixara de ser emocionante para o Mestre. Muitas vezes o velho vampiro sealimentava sem sequer encarar a vtima, embora a adrenalina causada pelo medo na presasempre acrescentasse uma excitao extica ao gosto metlico do sangue.

    Durante sculos a dor humana permaneceu fresca e at mesmo revigorante: suas vriasmanifestaes divertiam o Mestre, e a delicada sinfonia de arquejos, gritos e exalaes dorebanho ainda despertavam seu interesse.

    Mas agora, principalmente ao se alimentar dessa maneira, en masse, o Mestre procuravasilncio absoluto. L no fundo, convocava sua voz primeva a voz original , a voz de seuverdadeiro ser, descartando todos os outros hspedes dentro de seu corpo e sua vontade.

  • Emitia seu murmrio: um pulsar, um ribombar surdo psicossedativo vindo de dentro, umachicotada mental, paralisando as presas prximas pelo maior tempo possvel, a fim de que elepudesse se alimentar em paz.

    No final, porm, O Murmrio deveria ser usado com cautela, pois expunha a verdadeiravoz do Mestre. Seu verdadeiro ser.

    Demandava algum tempo e esforo para aquietar todas as vozes residentes e redescobrir aprpria. E era algo perigoso, pois essas vozes serviam como disfarces. As vozes, inclusive a deSardu, o menino-caador cujo corpo ele habitava, camuflavam sua presena, sua posio,seus pensamentos diante dos Antigos. Elas o protegiam.

    O Mestre usara O Murmrio dentro do 777 ao chegar, e agora emitia novamente aquelesom pulsado para conseguir silncio absoluto e poder pensar com tranquilidade. Podia fazerisso ali, centenas de metros abaixo do solo, num antro de concreto dentro de um ossriosemiabandonado. Sua cmara ficava no centro de um labirinto de currais curvos e tneis deservio debaixo de um matadouro de gado. O lugar j servira para coletar sangue e resduos,mas sofrera uma limpeza completa antes que o Mestre fixasse residncia ali, e agora pareciamuito mais uma capela industrial.

    O vergo latejante em suas costas comeara a sarar quase que imediatamente. Jamaistemera sofrer danos permanentes por causa do ferimento, pois nada temia, mas o vergo setransformaria numa cicatriz, desfigurando seu corpo como uma afronta. Aquele velho idiotae os humanos a seu lado ainda lamentariam ter cruzado o caminho do Mestre.

    Um levssimo eco de raiva, de indignao profunda, trepidou por suas muitas vozes e suavontade nica. O Mestre se sentia afrontado, o que era uma sensao nova e energizante.Indignao no era um sentimento que ele experimentasse com frequncia, e assim essanova reao foi recebida com jbilo.

    Um riso silencioso crepitou atravs de seu corpo ferido. Naquele jogo, ele se achava bem frente, e todas as diversas peas comportavam-se como esperado. Bolivar, o enrgico lugar-tenente de suas hostes, estava provando ser bastante habilidoso na propagao da sede, echegara at mesmo a reunir uns poucos servos que poderiam realizar tarefas diurnas. Aarrogncia de Palmer crescia a cada avano ttico, mas apesar disso ele permaneciainteiramente sob o controle do Mestre. A Ocultao marcara o momento para o plano serposto em prtica. O fenmeno definira a delicada e sagrada geometria necessria. Agora,dentro de muito pouco tempo, a Terra se incendiaria...

    No solo, um dos petiscos gemeu, inesperadamente agarrando-se vida. Revigorado eencantado, o Mestre olhou para a presa. Na sua mente, o coro de vozes recomeou.Examinou o homem a seus ps, que ainda tinha um pouco de dor e medo no olhar aliestava uma guloseima imprevista.

    Desta vez o Mestre se deliciou, saboreando aquela sobremesa picante. Sob o tetoabobadado do Ossrio, levantou o corpo do homem, pousando cuidadosamente a mo emcima do corao, e cobiosamente extinguiu o ritmo que havia ali.

  • Marco Zero

    A PLATAFORMA ESTAVA VAZIA quando Eph pulou para os trilhos, entrando atrs de Vasiliy notnel do metr que corria ao longo do canteiro de obras do projeto Marco Zero.

    Nunca imaginara que poderia voltar quele lugar. Depois de tudo que testemunhara eencontrara anteriormente, no poderia imaginar uma fora grande o bastante para compeli-lo a retornar ao labirinto subterrneo que era o ninho do Mestre.

    Mas h calos que se formam at mesmo num nico dia. O usque ajudara. Usque ajudavamuito.

    Eph caminhou por sobre as pedras negras ao longo dos mesmos trilhos inutilizados deantes. Os ratos no haviam voltado. Passou pela mangueira de esgotamento abandonadapelos operrios, que tambm haviam desaparecido.

    Como de costume, Vasiliy levava sua barra de ao reforado. A despeito das armas maisadequadas e de maior impacto que ele e Eph carregavam, como lmpadas ultravioleta,espadas de prata e uma pistola de pregos carregada com projteis de prata pura, Vasiliycontinuava levando sua barra contra ratos, embora ambos soubessem que no havia maisratos por ali. Os vampiros haviam infestado o domnio subterrneo dos ratos.

    Vasiliy tambm gostava da pistola de pregos. Pistolas pneumticas de ar comprimidoexigiam tubagem e gua. J as eltricas careciam de impacto e trajetria. Nenhum dos doistipos era realmente uma arma porttil. J sua pistola, que pertencia ao arsenal de antigas emodernas curiosidades do velho, funcionava com o cartucho de fixao a plvora de umacarabina. Era carregada com cinquenta pregos de prata por vez, inseridos pela culatra comoum pente de balas de fuzil UZI. Balas de chumbo abriam buracos nos vampiros, tal como emhumanos, mas quando o sistema nervoso j desapareceu, a dor fsica no mais problema eos projteis revestidos de cobre reduziam-se a instrumentos rombudos. Uma carabina decaa tinha o poder de deter um vampiro, mas, a menos que voc lhe cortasse a cabea naaltura do pescoo, as saraivadas de chumbo tambm no matavam. J a prata, introduzidano corpo sob a forma de pregos sem cabea de cinco centmetros, matava os vrus. As balasde chumbo enfureciam as criaturas, mas os pregos de prata feriam-nas em nvel gentico.Quase to importante, ao menos para Eph, era que a prata lhes metia medo. Bem como a luzultravioleta na frequncia pura de onda curta. A prata e a luz solar eram o equivalentevampiresco da barra para exterminar ratos.

    Vasiliy chegara aos vampiros em seu trabalho de funcionrio municipal. Comoexterminador de ratos, queria saber o que os andava afugentando do subsolo. J encontrarauns poucos vampiros nas suas aventuras subterrneas, e sua dedicao como exterminadorde pragas e experincia nos subterrneos da cidade calhavam perfeitamente com a caa aosvampiros. Fora ele o primeiro a conduzir Eph e Setrakian para aquele lugar ali embaixo, procura do ninho do Mestre.

    O fedor de matana permanecia enclausurado no ambiente subterrneo. O cheiro de

  • carvo de vampiros queimados, e o permanente odor de amnia dos excrementos dascriaturas.

    Eph viu que ficava para trs e apertou o passo, esquadrinhando o tnel com a lanterna,tentando alcanar Vasiliy.

    O exterminador mastigava um charuto Toro apagado que costumava levar na boca. Voc est bem? perguntou. Estou timo disse Eph. No podia estar melhor. Ele est confuso. Cara, eu vivia confuso nessa idade, e minha me no era... voc sabe. Eu sei. Zack precisa de tempo, e tempo justamente uma das muitas coisas que eu no

    posso dar a ele nesse momento. Ele um bom garoto. Eu no gosto de crianas em geral, mas gosto do seu filho.Eph assentiu, agradecido pelo esforo que Vasiliy fazia. Eu tambm gosto dele. Estou preocupado com o velho.Eph pisava com cuidado sobre as pedras soltas. O esforo foi muito para ele. Fisicamente, claro. Mas no s. O fracasso. Isso, sim. Chegar to perto, depois de tantos anos caando essas coisas, s para ver o

    Mestre resistir e sobreviver ao seu melhor ataque. Mas tem mais. H coisas que ele no estcontando para ns, ou ainda no contou. Tenho certeza disso.

    Eph se lembrou do vampiro-rei lanando a capa para trs num gesto de triunfo, com acarne branca feito lrio cozinhando em plena luz do dia, enquanto uivava para o sol numaatitude de desafio, e depois desaparecendo sobre a mureta do terrao.

    Ele achou que a luz do sol mataria o Mestre.Vasiliy mastigou seu charuto. Pelo menos algum dano o sol realmente causou. Quem sabe quanto tempo aquele

    monstro seria capaz de aguentar a exposio. E voc... voc o cortou. Com a prata. Ephconseguira dar um golpe, por sorte, nas costas do Mestre, que a subsequente exposio ao solfundira instantaneamente numa cicatriz negra. Se ele pode ser ferido, imagino que podeser destrudo, certo?

    Mas... um animal ferido no mais perigoso? Os animais, como as pessoas, so motivados pela dor e pelo medo. Mas esse monstro?

    Ele vive na dor e no medo. No precisa de mais motivao. Para aniquilar todos ns. Tenho pensado muito nisso. Ele quer aniquilar toda a humanidade? Quero dizer... ns

    somos seu alimento. Para ele, somos caf da manh, almoo e jantar. Se transformar quasetodas as pessoas em vampiros, esgota o suprimento de comida inteiro. Com todas as galinhasmortas, no h mais ovos.

  • Eph ficou impressionado com o raciocnio de Vasiliy, que era a lgica de um exterminador. Ele precisa manter um equilbrio, no ? Se converter pessoas demais em vampiros, vai

    criar uma demanda grande demais por alimento humano. a economia do sangue. A menos que haja algum outro destino nos aguardando. Eu s espero que o velho tenha

    as respostas. Se ele no tiver... Ningum ter.Chegaram suja interseo do tnel. Eph levantou a lanterna Luma, fazendo os raios

    ultravioleta ressaltarem as manchas irregulares dos dejetos dos vampiros: a matria biolgicade urina e fezes ficava fluorescente sob a baixa frequncia da luz. As manchas j no tinhamas cores vividas de que Eph se recordava. Estavam esmaecendo. Isso significava que nenhumvampiro voltara ali recentemente. Talvez, por meio de sua telepatia, tenham sido avisadospelas centenas de companheiros mortos pelas mos de Eph, Vasiliy e Setrakian.

    Vasiliy usou a barra de ao para revolver um monte de telefones celulares descartados,empilhados como um antigo monumento funerrio. Uma melanclica ode futilidadehumana: era como se os vampiros houvessem sugado a vida das pessoas, deixando apenasaquelas geringonas. Depois disse calmamente:

    Andei pensando numa coisa que o velho disse quando falou sobre mitos em culturas epocas diferentes, mas que revelam medos humanos bsicos e semelhantes. Smbolosuniversais.

    Arqutipos. essa a palavra. Terrores comuns a todas as tribos e terras, profundamente enraizados

    em todos os seres humanos; doenas, pragas, guerra, cobia. Sua opinio era a seguinte... e setodas essas coisas no forem meras supersties? E se estiverem diretamente relacionadas?No medos distintos, ligados por nosso subconsciente, mas... e se na realidade tiverem razesno nosso passado? Em outras palavras, e se no forem mitos comuns? E sim verdadescomuns?

    Eph teve dificuldade para raciocinar teoricamente ali, nas entranhas da cidade sitiada. Voc est dizendo que o que ele quis dizer que talvez sempre tenhamos sabido disso? Sim... e sempre o tememos. Que essa ameaa, esse cl de vampiros que vivem de sangue

    humano, e cuja doena possui os corpos humanos, existia e era conhecida. Mas quando elesse esconderam ou seja l o que for, recuando para as sombras, a verdade virou mito. O fatovirou folclore. Mas esse veio subterrneo de medo corre to fundo em ns, em todos ospovos e todas as culturas, que nunca desapareceu.

    Eph assentiu, interessado, mas tambm distrado. Vasiliy podia se afastar e apreciar opanorama em geral, mas estava em situao oposta do exterminador. Sua ex-esposa foralevada e transformada em vampiro. Agora estava alucinadamente dedicada misso deconverter tambm em vampiro seu sangue, seu Ente Querido, o filho deles. Aquela pragademonaca afetara Eph num nvel pessoal, e ele estava achando difcil dirigir a ateno paraqualquer outra coisa, que dir teorizar sobre a grande escala das coisas, embora isso fosse, de

  • fato, sua orientao como epidemiologista. Mas, quando algo to insidioso entra na nossavida pessoal, todos os pensamentos superiores saem pela janela.

    Eph percebeu que estava cada vez mais obcecado por Eldritch Palmer, o chefe do GrupoStoneheart e um dos trs homens mais ricos do mundo; o homem que eles haviamidentificado como cmplice do Mestre na conspirao. Os ataques haviam aumentado,dobrando a cada noite que passava, com o vrus propagando-se exponencialmente, mas onoticirio insistia em reduzir aqueles ataques a meros "distrbios". Era como chamar umarevoluo de protesto isolado. Obviamente, eles deviam estar mais bem informados, masalgum e s podia ser Palmer, um homem que tinha interesse em enganar o povoamericano e o mundo em geral estava influenciando a mdia e controlando o Centro deControle de Doenas. Apenas o Grupo Stoneheart poderia financiar e pr em execuo umacampanha to macia de desinformao pblica sobre a ocultao. Particularmente, Eph jdecidira que, se no podiam destruir o Mestre naquele momento, com certeza poderiamdestruir Palmer, que no era apenas idoso, mas tambm notoriamente doente. Qualqueroutro homem j teria falecido dez anos antes, mas Palmer se mantinha vivo graas suavasta fortuna e a seus recursos ilimitados, como um veculo antigo que exigisse manutenovinte e quatro horas por dia apenas para se manter funcionando. A vida, como o mdico emEph imaginava, virara para Palmer algo como um fetiche. Por quanto tempo ele poderiacontinuar assim?

    A fria de Eph contra o Mestre, por ter transformado Kelly ou por contradizer tudo que eleacreditava sobre cincia e medicina, era justificada mas impotente, era como agitar ospunhos contra a prpria morte. Mas, condenar Palmer, o colaborador e facilitador humanodo Mestre, dava a seu tormento uma direo e um propsito. Melhor do que isso, legitimavaseu desejo por uma vingana pessoal.

    Aquele velho destrura a vida do filho de Eph, estilhaando o corao do garoto.Eles alcanaram a cmara comprida, o lugar que procuravam. Antes de passarem pelo

    canto, Vasiliy preparou a pistola de pregos e Eph ergueu a espada.Na extremidade mais distante da cmara baixa estava o amontoado de terra e dejetos. Era o

    altar sujo sobre o qual viera o caixo, aquele caixote caprichosamente entalhado queatravessara o Atlntico dentro do frio compartimento de carga do voo 753 da Regis Air,trazendo o Mestre enterrado na argila fria e macia.

    O caixo desaparecera. Desaparecera de novo, como acontecera no hangar cercado deseguranas do aeroporto LaGuardia. O topo achatado do altar de terra ainda trazia a marcada madeira.

    Algum ou, mais provavelmente, alguma coisa voltara para recuperar a pea antesque Eph e Vasiliy pudessem destruir o lugar de descanso do Mestre.

    Ele voltou aqui disse Vasiliy, olhando ao redor.Eph estava muito decepcionado. Ansiava por destruir o pesado caixote, assim dirigindo sua

    ira para alguma forma fsica de destruio, e perturbando de certo modo o hbitat do

  • monstro. Para faz-lo perceber que eles no haviam desistido, e que nunca recuariam. Aqui disse Vasiliy. Olhe para isso.Um espraiado redemoinho de cores na base da parede lateral podia ser visto sob o facho da

    lanterna-basto de Vasiliy, indicando um jato recente de urina de vampiro. Ento eleiluminou toda a parede com a lanterna normal.

    Um mural de loucos desenhos grafitados, dispostos de modo aleatrio, cobria a extenso depedra. Mais de perto, Eph notou que a grande maioria das figuras era de variaes de ummesmo desenho de seis pontas, indo do rudimentar ao abstrato, e depois a motivossimplesmente intrigantes. Aqui havia algo com aparncia de estrela; ali um desenho parecidocom uma ameba. A grafitagem se estendia pela larga parede como se a coisa tivesse sereplicado, cobrindo a pedra de alto a baixo. Os desenhos tinham cheiro de tinta fresca.

    Isso novidade disse Vasiliy, afastando-se para ter uma viso geral.Eph adiantou-se para examinar um hierglifo no centro de uma das mais intricadas

    estrelas. Parecia ser um gancho, uma garra, ou... Uma lua crescente. Ele correu a luz negra pelo desenho complexo. Invisveis a olho nu,

    duas formas idnticas estavam escondidas nos vetores do traado. E uma seta apontava paraos tneis que se estendiam adiante.

    Podem estar migrando disse Vasiliy. Mostrando o caminho...Eph assentiu e acompanhou o olhar de Vasiliy. A direo indicada era o sudeste. Meu pai costumava me falar dessas marcas disse Vasiliy. Papo de andarilhos, da

    poca em que ele chegou ao pas pela primeira vez, depois da guerra. Desenhos a gizindicavam casas amistosas ou inamistosas, onde voc poderia se alimentar, conseguir umacama ou at mesmo avisar a outros sobre um proprietrio hostil. Ao longo dos anos, vi sinaisassim em armazns, tneis, pores...

    O que significam? No conheo a linguagem. Ele olhou em torno. Mas parecem estar apontando para

    aquele caminho. Veja se algum desses telefones ainda tem um pouco de bateria. Um quetenha cmera.

    Eph vasculhou o topo da pilha, experimentando os aparelhos e descartando os apagados.Um Nokia cor-de-rosa com um enfeite de Hello Kitty fosforescente reviveu em sua mo. Eleatirou o celular para Vasiliy, que examinou o aparelho.

    Nunca entendi a porra desse gato. A cabea grande demais. Como isso pode ser umgato? Olhe s. Est doente com... gua por dentro?

    Hidrocefalia, voc quer dizer? disse Eph, tentando imaginar o porqu daquilo.Vasiliy arrancou o enfeite do gato e jogou-o fora. Isso mau agouro. Porra de gato. Eu detesto a porra desse gato.Fotografou a figura da lua crescente iluminada pela luz azulada, e depois fez um vdeo de

    todo o grafite manaco. Parecia assombrado pela viso do interior daquele lugar sinistro,obcecado pela natureza daquela invaso e intrigado com seu significado.

  • E stava claro quando eles saram do tnel. Eph carregava a espada e outros equipamentosnuma bolsa esportiva de beisebol pendurada no ombro. Vasiliy levava suas armas emuma pequena caixa com rodinhas que ele usava para transportar seus instrumentos evenenos exterminadores. Estavam com as roupas de trabalho sujas pelos tneis debaixo doMarco Zero.

    Wall Street estava estranhamente silenciosa, com as caladas quase vazias. Ouvia-se olamento de sirenes distantes, implorando uma resposta, que no viria. A fumaa negra estavase tornando uma caracterstica permanente no cu da cidade.

    Os poucos pedestres ainda vistos passavam por eles apressadamente, com pouco mais queum aceno de cabea. Alguns usavam mscaras faciais, outros protegiam o nariz e a boca comlenos de pescoo, agindo de acordo com a desinformao acerca do tal "vrus" misterioso. Amaior parte das lojas estava fechada saqueadas e vazias, ou sem eletricidade. Passaram porum mercado iluminado, mas sem empregados. L dentro, as pessoas levavam o que sobrarade frutas estragadas nas bancadas da frente ou mercadorias enlatadas das prateleiras j quasevazias. Qualquer coisa consumvel. O refrigerador de bebidas j fora saqueado, comotambm a seo de alimentos congelados. A caixa registradora tambm j estava limpa,porque hbitos antigos custam a desaparecer. Mas dinheiro no chegava a ter o valor que agua e a comida teriam em breve.

    Que maluquice murmurou Eph. Pelo menos algumas pessoas ainda tm energia disse Vasiliy. Espere at os

    telefones e computadores se apagarem, e elas descobrirem que nada pode ser recarregado. Aento que a gritaria vai comear.

    Os smbolos dos sinais de trnsito continuavam mudando da mo vermelha para a figurabranca andando, mas sem transeuntes para atravessar. Manhattan sem pedestres no eraManhattan. Eph ouvia buzinas de automveis nas avenidas principais, mas apenas um ououtro txi atravessava as ruas transversais, com motoristas curvados sobre os volantes epassageiros ansiosos sentados nos bancos traseiros.

    Por fora de hbito, ambos fizeram uma pausa no meio-fio seguinte, quando o sinal ficouvermelho.

    Por que agora, na sua opinio? perguntou Eph. Se eles j esto aqui h sculos, oque provocou isso?

    A noo de tempo dele no igual nossa disse Vasiliy. Medimos nossas vidas emdias e anos, por um calendrio. Ele uma criatura da noite. S tem o cu para se preocupar.

    O eclipse disse Eph, de repente. Ele estava esperando por isso. Talvez represente algo disse Vasiliy. Talvez tenha algum significado para ele...Quando passaram por uma delegacia, um policial do Departamento de Trnsito deu uma

    espiada neles, observando Eph. Merda. Eph olhou para o outro lado, mas no com rapidez ou displicncia suficientes.

    Mesmo com a desintegrao das foras policiais, seu rosto aparecia muito na televiso, e todomundo ainda estava observando, esperando receber orientaes quanto ao que fazer.

  • Enquanto eles se afastavam, o policial virou de costas. " s paranoia minha", pensou Eph.Virando a esquina, seguindo instrues precisas, o policial deu um telefonema.

    O blog de Vasiliy Fet

    AL, AL, MUNDO.Ou o que sobrou dele.Eu achava que nada era mais intil do que escrever um blog.No conseguia imaginar perda de tempo maior.Quer dizer, quem liga para o que voc tem a dizer?Portanto, realmente no sei o que isso.Mas preciso fazer isso.Acho que tenho dois motivos.Um registrar meus pensamentos. Colocar minhas ideias nessa tela de computador, para

    serem vistas e talvez dar algum sentido a tudo que est acontecendo. Porque o que vivencieinos ltimos dias me transformou, literalmente, e preciso tentar descobrir quem sou agora.

    O segundo motivo?Simples. Propagar a verdade. A verdade sobre o que est acontecendo.Quem sou eu? Sou um exterminador por ofcio. Portanto, se voc mora em uma das cinco

    partes de Nova York, avista um rato na sua banheira e chama o servio de controle depragas...

    isso a. Eu sou o cara que aparece duas semanas depois.Antes voc conseguia deixar para mim o servio sujo. De enxotar as pestes. De erradicar as

    pragas.Mas isso no acontece mais.Uma nova infestao est se espalhando por toda a cidade, e pelo mundo. Uma nova

    estirpe de intrusos. Uma praga sobre a raa humana.Essas criaturas esto fazendo ninho no seu poro.No seu sto.Nas suas paredes.E agora vou fechar com chave de ouro.Quando se trata de ratos, camundongos ou baratas, o melhor meio de eliminar uma

    infestao remover a fonte de alimento.Muito bem.O nico problema : qual a fonte de alimento dessa nova estirpe?Isso mesmo.

  • Somos ns.Voc e eu.Caso voc ainda no tenha percebido, ns estamos na maior merda, entende?

    Municpio de Fairfield, Connecticut

    O PRDIO BAIXO ERA um dos dez no final de uma estrada em mau estado, um conjunto deescritrios que j andava em dificuldades at antes da recesso. Ainda mantinha o smbolode seu inquilino anterior, R. L. Industries, uma antiga locadora de carros blindados.Consequentemente, permanecia rodeada por um alambrado resistente com quatro metros dealtura. O acesso se dava por meio de carto-senha em um porto eletrnico.

    A metade onde ficava a garagem abrigava o Jaguar cor creme do mdico e uma frota deveculos pretos adequados caravana de um magnata. A metade onde ficavam os escritriosfora transformada num pequeno centro cirrgico particular, servindo a apenas um paciente.

    Eldritch Palmer estava deitado na sala de recuperao, acordando com o costumeirodesconforto ps-operatrio. Ele voltava a si lentamente, mas com firmeza, fazendo pelaensima vez essa viagem escura de retorno conscincia. Sua equipe cirrgica conhecia bema adequada mistura de sedativos e anestesia. Eles no o punham mais em sedao muitoprofunda. Naquela idade avanada, isso era muito arriscado. E, na opinio de Palmer,quanto menos anestesia fosse usada mais rapidamente ele se recuperava.

    Permanecia ligado a mquinas, conferindo a eficincia do seu novo fgado. O doador foraum refugiado salvadorenho adolescente, testado para ver se estava livre de doenas, drogas ealcoolismo. Um rgo sadio e jovem, marrom-rseo, com formato mais ou menos triangular,semelhante a uma bola de futebol americano em tamanho. Trazido fresco do avio a jato,menos de catorze horas depois de ser colhido, aquele alotransplante era, segundo as contasdo prprio Palmer, seu stimo fgado. Passavam por seu corpo tal como filtros de papelpassam por cafeteiras.

    O fgado, sendo o maior rgo interno e tambm a maior glndula isolada do corpohumano, tem muitas funes vitais, inclusive as de metabolismo, armazenagem deglicognio, sntese do plasma, produo de hormnio e desintoxicao. Atualmente noexiste expediente mdico capaz de compensar sua ausncia no corpo, o que fora uma grandeinfelicidade para o relutante doador salvadorenho.

    Fitzwilliam, o enfermeiro de Palmer, alm de guarda-costas e companheiro constante,estava parado no canto, sempre vigilante maneira da maioria dos ex-fuzileiros navais. Ocirurgio entrou, ainda com a mscara, calando um novo par de luvas. Era um mdicoexigente, ambicioso e, mesmo pelos padres da maior parte dos cirurgies, incrivelmente

  • rico.Afastou o lenol. A inciso recm-suturada apenas reabrira a cicatriz de um transplante

    anterior. Por fora o peito de Palmer expunha uma massa encaroada de cicatrizesdesfigurantes, e o interior era uma cesta endurecida de rgos em falncia. Foi isso que ocirurgio lhe disse.

    Lamento, mas o seu corpo no aguenta mais nenhum alotransplante de tecido ou dergos. Chegamos ao fim.

    Palmer sorriu. Seu corpo era uma colmeia de rgos de outras pessoas, e nesse aspecto eleno diferia muito do Mestre, que era a corporificao de uma colmeia de almas de mortos-vivos.

    Obrigado, doutor. Eu compreendo. A voz de Palmer ainda estava rascante devido aotubo respiratrio. Na verdade, sugiro que o senhor esquea esta cirurgia completamente.Sei que o senhor teme que a Sociedade Americana de Medicina descubra nossas tcnicaspara colher rgos, e por isso libero o senhor de qualquer compromisso. O pagamento que osenhor receber por este procedimento ser o ltimo. No vou precisar mais de intervenesmdicas, nunca mais.

    O olhar do cirurgio permaneceu indeciso. Eldritch Palmer, um homem que esteve doentepor quase toda a vida, possua uma rara vontade de viver: um instinto de sobrevivncia feroze antinatural, que o mdico jamais encontrara em ningum. Estaria ele finalmentesucumbindo a seu destino final?

    Pouco importava. O cirurgio ficou aliviado e agradecido. Sua aposentadoria j vinha sendoplanejada havia algum tempo, e tudo estava arranjado. Era uma bno ficar livre de todosos compromissos numa poca to tumultuada quanto aquela. S esperava que os voos paraHonduras ainda estivessem funcionando. E incendiar aquele prdio no causaria qualquerinvestigao em meio a tantos distrbios sociais.

    Tudo isso o mdico engoliu com um sorriso educado. Depois retirou-se sob o olhar frio deFitzwilliam.

    Palmer descansou os olhos, deixando sua mente voltar para a exposio solar do Mestre,perpetrada por aquele velho idiota, Setrakian. Avaliou esse acontecimento nos nicos termosque compreendia: O que aquilo significava para ele?

    Simplesmente o cronograma fora acelerado, coisa que por sua vez facilitava sua redenoiminente.

    Finalmente seu dia estava quase chegando.Setrakian. A derrota realmente tinha gosto amargo? Ou era mais semelhante a cinzas na

    lngua?Palmer nunca conhecera a derrota, nunca conheceria a derrota. E quantos podem dizer

    isso?Como uma pedra no meio de um rio com corredeiras, l estava Setrakian. Tinha a crena

    orgulhosa e tola de que estava perturbando a corrente, quando na realidade o rio estava,

  • conforme previsto, passando a toda a velocidade em torno dele.A futilidade dos humanos. A vida comea to promissora, no ? Mas tudo termina de

    forma to previsvel.Seus pensamentos voltaram-se para a Fundao Palmer. Entre os super-ricos realmente

    esperava-se que cada um dos mais abastados fundasse uma instituio de caridade com seuprprio nome. Essa, a sua nica fundao filantrpica, usara seus amplos recursos paratransportar e cuidar de dois nibus cheios de crianas atingidas pela recente ocultao do sol.Elas haviam ficado cegas repentinamente durante aquele raro evento celestial, fosse porterem olhado para o sol eclipsado sem proteo ptica adequada, fosse devido a umdesafortunado defeito nas lentes de um lote de culos de segurana feitos para crianas. Osculos com defeito haviam sido rastreados at uma fbrica na China, mas a pista seextinguira num terreno baldio em Taipei...

    No se mediriam despesas para a reabilitao e a reeducao daquelas pobres almas,garantia a sua fundao. E Palmer estava realmente falando srio.

    O Mestre exigira isso.

    Rua Pearl

    AO ATRAVESSAREM A RUA, Eph sentiu que estavam sendo seguidos. Vasiliy, por sua vez, tinha aateno voltada para os ratos. Deslocados, os roedores corriam de porta em porta e ao longoda sarjeta ensolarada, evidentemente em estado de pnico e caos.

    Olhe l para cima disse Vasiliy.O que Eph pensara ser pombos pousados nos beirais eram, de fato, ratos. Olhavam para

    baixo, observando Eph e Vasiliy como que aguardando para ver o que fariam. Sua presenaera indicativa, como um barmetro, da infestao vampiresca que se espalhava no subsolo,expulsando os ratos de seus ninhos. Alguma vibrao animal que os strigoi emitiam, ou entosua presena ostensivamente malfica, repelia outras formas de vida.

    S pode haver um ninho aqui perto disse Vasiliy.Eles passaram por um bar, e Eph sentiu uma sede repentina no fundo da garganta. Voltou

    e testou a porta, vendo que estava destrancada. Era um bar antigo, estabelecido h mais decento e cinquenta anos a mais antiga cervejaria ainda em funcionamento em Nova York,conforme se gabava o letreiro , mas no havia fregueses nem barman. A nica coisa queperturbava o silncio era a tagarelice baixa do noticirio num televisor preso num canto alto.

    Foram at a parte de trs do bar, igualmente deserta e ainda mais escura. Canecas decerveja parcialmente consumidas estavam largadas nas mesas, e umas poucas cadeiras aindaexibiam casacos pendurados. Quando a festa terminara ali, fora de maneira abrupta e sbita.

  • Eph conferiu os banheiros, vendo que o toalete masculino tinha grandes e antigos vasosque terminavam numa vala no cho, e tambm os achou vazios, como era previsvel.

    Voltou para o salo, arrastando as botas pela serragem no cho. Vasiliy pousara oequipamento e puxara uma cadeira, descansando as pernas.

    Ento Eph se enfiou atrs do balco. No havia bebidas destiladas, nem misturadores decoquetel ou baldes de gelo; apenas torneiras de chope, com prateleiras de grandes canecas devidro embaixo. O lugar s servia cerveja. Nada de destilados, que era o que Eph queria.Apenas uma marca de cerveja prpria, tanto clara quanto escura. As antigas torneiras sfaziam parte da decorao, mas as mais novas jorravam facilmente. Eph encheu duas canecasde cerveja escura.

    Um brinde a... qu?Vasiliy levantou-se e foi at o balco, pegando uma das canecas. A quem mata sugadores de sangue.Eph bebeu metade da cerveja. Parece que o pessoal se mandou daqui apressadamente. ltima chamada disse Vasiliy, limpando a espuma do grosso lbio superior. Ultima

    chamada por toda a cidade.Uma voz na televiso chamou a ateno deles, que foram para a parte da frente do salo.

    Um reprter em transmisso ao vivo numa cidade pequena perto de Bronxville, terra de umdos quatro sobreviventes do voo 753. Com fumaa escurecendo o cu ao fundo, a legendaabaixo da cena dizia: OS DISTRBIOS EM BRONXVILLE CONTINUAM.

    Vasiliy estendeu a mo para mudar de canal. A Bolsa de Nova York caa violentamentedevido a temores de consumidores, a ameaa de uma epidemia ainda maior do que a dagripe suna e uma onda de desaparecimentos entre os prprios corretores. Corretoresapareciam sentados, imveis, enquanto as cotaes de mercado desabavam.

    No canal NY1 o foco das notcias era o trfego, mostrando cada sada de Manhattancongestionada, com as pessoas fugindo da ilha diante dos boatos de uma quarentena. Haviaoverbooking em viagens areas e ferrovirias. Os aeroportos e as estaes de trem eramcenrios de puro caos.

    Eph ouviu um helicptero acima deles. Uma aeronave assim era provavelmente o nicomeio de entrar e sair de Manhattan no momento. Caso voc tivesse seu prprio heliporto,como Eldritch Palmer.

    Eph encontrou um telefone com fio, desses antigos, atrs do balco. Conseguiu um rudode discar precrio e, usando pacientemente o dial rotativo, ligou para Setrakian.

    O telefone tocou e Nora atendeu. Antes que ela pudesse falar, Eph perguntou: Como est o Zack? Melhor. Ele ficou muito perturbado durante algum tempo. Ela no voltou mais? No. Foi escorraada do terrao por Setrakian.

  • Do terrao? Meu Deus. Eph ficou enjoado. Agarrou uma caneca limpa, enchendo-ade cerveja apressadamente. Onde ele est agora?

    L em cima. Quer que eu v chamar? No. melhor falar com ele pessoalmente quando voltar. Acho que voc tem razo. Vocs destruram o caixo? No disse Eph. O troo sumiu. Sumiu? perguntou ela. Aparentemente o Mestre no est muito ferido. Nem com os movimentos realmente

    comprometidos. E... esquisito, mas havia uns desenhos misteriosos na parede dos tneis,feitos com tinta em aerossol...

    Como assim, algum est grafitando as paredes?Eph apalpou o celular no bolso, assegurando-se de que o aparelho cor-de-rosa ainda estava

    ali. Eu gravei um vdeo. Na verdade, no sei o que aquilo. Ele afastou o telefone um

    momento para beber mais cerveja. Mas vou lhe dizer uma coisa. A cidade est sinistra.Silenciosa.

    No por aqui disse Nora. A coisa acalmou um pouco agora ao alvorecer, mas issono vai demorar. O sol j no parece amedrontar muito os vampiros. como se elesestivessem ficando mais audaciosos.

    exatamente isso que est acontecendo disse Eph. Eles esto aprendendo, ficandomais espertos. Precisamos nos mandar daqui. Hoje.

    O Setrakian acabou de dizer isso. Por causa da Kelly. Porque ela sabe onde ns estamos agora? Porque ela sabe, e isso significa que o Mestre sabe.Eph apertou a mo sobre os olhos fechados, tentando afastar sua dor de cabea. Est bem. Onde vocs esto agora? No centro financeiro, perto da estao Ferry Loop. Ele no mencionou que estava

    num bar. O Vasiliy est procurando um carro maior. Vamos arranjar isso e voltar logo. S... por favor, voltem para c em um pedao humano. Esse o nosso plano.Ele desligou e vasculhou debaixo do balco. Estava procurando um recipiente que

    contivesse mais cerveja, pois era disso que ele precisava para descer de novo ao subsolo.Alguma coisa que no fosse uma caneca de vidro. Encontrou um frasco antigo, forrado decouro, e, ao espanar a poeira da tampa de metal, descobriu atrs uma garrafa de conhaquede boa qualidade. No havia poeira na bebida; provavelmente era guardada ali para umrpido gole do barman, a fim de quebrar a monotonia da cerveja. Eph lavou o frasco e estavaenchendo-o cuidadosamente sobre uma pia pequena, quando ouviu uma batida na porta.

    Saiu rapidamente de trs do balco, procurando a bolsa de armas at se lembrar que os

  • vampiros no batem antes de entrar. Passou cautelosamente por Vasiliy e foi em direo porta, olhando pela janela e vendo o dr. Everett Barnes, diretor dos Centros de Controle ePreveno de Doenas. O velho mdico interiorano no estava usando seu uniforme dealmirante os Centros haviam nascido no mbito da Marinha Norte-Americana , massim um terno marfim sobre branco, com o palet desabotoado. Ele parecia ter deixadoapressadamente um caf da manh tardio.

    Eph podia ver a rea da rua imediatamente atrs dele, e aparentemente Barnes estavasozinho, pelo menos no momento. Destrancou e abriu a porta.

    Ephraim disse Barnes.Eph agarrou-o pela lapela e puxou-o para dentro rapidamente, trancando a porta de novo. Voc disse ele, examinando novamente a rua. Onde esto os outros?O diretor Barnes se libertou de Eph, arrumando o palet. Eles tm ordens de ficarem bem afastados, mas logo estaro aqui, no tenha dvida

    disso. Insisti que precisava de alguns minutos sozinho com voc. Meu Deus! disse Eph, examinando os terraos do outro lado da rua antes de se

    afastar das janelas da frente. Como conseguiram trazer voc aqui to depressa? Era uma questo prioritria que eu falasse com voc. Ningum quer machucar voc,

    Ephraim. Tudo isso est sendo feito a meu pedido.Eph virou as costas e rumou para o balco. Talvez s voc pense assim. Ns precisamos que voc venha conosco disse Barnes, indo atrs dele. Eu preciso

    de voc, Ephraim. Sei disso agora. Olhe aqui disse Eph, chegando ao balco e se virando. Talvez voc compreenda o

    que est acontecendo, talvez no. Talvez voc seja parte do esquema, no sei. Talvez nemmesmo voc saiba, mas h algum por trs disso, algum muito poderoso e, se eu for a algumlugar com voc agora, isso certamente resultar na minha morte ou incapacitao. Ou pior.

    Estou ansioso para ouvir voc, Ephraim. Seja l o que voc tenha para dizer. Estou aquina sua frente como um homem que admite seu erro. Agora eu sei que ns estamos sob opoder de algo inteiramente devastador e de outro mundo.

    No de outro mundo. Deste mundo mesmo. Eph tampou o frasco de conhaque.Vasiliy surgiu atrs de Barnes e perguntou: Quanto tempo at eles chegarem aqui? No muito tempo disse Barnes, desconfiado ao ver o enorme exterminador de

    macaco sujo. Voltou a ateno de novo para Eph e o frasco. Voc devia estar bebendoagora?

    Agora mais do que nunca disse Eph. Sirva-se, se quiser. Eu recomendo a cervejaescura.

    Olhe aqui, eu sei que voc vem passando por um perodo difcil... O que acontece comigo realmente no interessa, Everett. Isso no diz respeito a mim, de

  • modo que no adiantar fazer qualquer apelo ao meu ego. O que eu estou preocupado comessas meias-verdades, ou seria melhor dizer essas mentiras deslavadas, sendo divulgadas sobos auspcios do CCD. Voc j no est mais servindo ao pblico, Everett? Apenas ao seugoverno?

    O diretor Barnes fez uma careta. Necessariamente a ambos. Isso fraco disse Eph. Inepto. E at criminoso. por isso que eu preciso que voc volte, Ephraim. Preciso da sua experincia como

    testemunha ocular, os seus conhecimentos especializados... tarde demais! Ser que nem isso voc v?Barnes recuou um pouco, ainda de olho em Vasiliy, que o deixava nervoso. Voc tinha razo sobre Bronxville. Ns pusemos o local em quarentena. Em quarentena? perguntou Vasiliy. Como? Uma cerca de arame.Eph deu uma risada amarga. Uma cerca de arame? Meu Deus, Everett. exatamente disso que eu estou falando.

    Vocs esto reagindo percepo que o pblico tem do vrus, e no ameaa propriamentedita. Fazendo o pessoal se sentir seguro com cercas? Com um smbolo? Eles vo despedaaressas cercas...

    Ento me fale. Diga o que eu preciso fazer. O que voc precisa. Comece destruindo os cadveres. Essa a etapa nmero um. Destruir os... voc sabe que no posso fazer isso. Ento nada mais que voc faa tem importncia. Voc precisa mandar uma equipe

    militar varrer aquele lugar e eliminar cada um dos mortos-vivos. Depois expandir a operaopara o sul, dentro da cidade propriamente dita, e prosseguir pelo Brooklyn e o Bronx...

    Voc est falando de assassinato em massa. Pense nas imagens... Pense na realidade, Everett. Eu sou mdico, assim como voc. Mas agora estamos num

    mundo novo.Vasiliy voltou para a frente do bar, de olho na rua. Eles no querem que voc me leve l para prestar ajuda. Querem que voc me leve l

    para me neutralizar, junto com as pessoas que eu conheo continuou Eph, indo at abolsa de armas e puxando uma espada de prata. Isto o meu bisturi agora. A nica formade curar essas criaturas libert-las, e sim, isso significa mortandade em massa. Nada deconselhos mdicos. Voc quer ajudar... realmente ajudar? Ento v tev e conte isso a eles.Conte a eles a verdade.

    Barnes olhou para Vasiliy na frente do salo. E quem esse com voc agora? Eu esperava ver voc com a doutora Martinez.Alguma coisa no modo como Barnes falou o nome de Nora soou estranho para Eph. Mas

    ele no conseguiu insistir no assunto. Vasiliy voltou rapidamente das janelas da frente.

  • L vm eles disse Vasiliy.Eph se aventurou perto o bastante para ver as vans se aproximando, fechando as duas

    extremidades da rua. Vasiliy passou por ele, agarrando Barnes pelo ombro e levando-o atuma mesa nos fundos, onde o fez sentar num canto. Eph pendurou a bolsa de beisebol noombro e levou a caixa de Vasiliy at l.

    Por favor disse Barnes. Eu imploro a vocs. Aos dois. Eu posso proteger vocs. Oua aqui. Oficialmente voc acabou de se tornar nosso refm, de modo que cale a

    boca, porra disse Vasiliy, que depois se virou para Eph. E agora? Como vamos man