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A QUESTÃO DA TRIBUTAÇÃO SOB A ÓTICA DO DIREITO E ECONOMIA:
JUSTIÇA SOCIAL E MAXIMIZAÇÃO DE RIQUEZAS
João Salvador dos Reis Neto1 RESUMO: A questão tributária sempre causou polêmica, seja analisada pelo meio jurídico ou leigo. De certo, temos outros temas que geram calorosas discussões, mas de forma presente e constante desde os primórdios das sociedades, de fato, outro tema não há. As motivações para a imposição da tributação geralmente divergem das motivações para pagamento de tributos. Se de um lado o Estado o possui como financiador de sua máquina, o contribuinte geralmente o vê como uma imposição desmedida da voracidade arrecadatória do Fisco. E em um país como o Brasil, de tributação de primeiro mundo e de serviços públicos de terceiro, tal dicotomia resta bem visível, a ponto, inclusive, de percebermos em diversas decisões judiciais uma utilização equivocada de institutos de Direito Público e Direito Privado por parte de nossos magistrados em busca da chamada justiça social, um pretenso pilar da tributação. Pretendemos no presente trabalho analisar esta questão sob o enfoque dado pela disciplina de Direito e Economia. Surgida da interação entre as ciências econômica e jurídica, sua doutrina propõe o estudo das dimensões econômicas de problemas jurídicos, tendo como foco central o fundamento de eficiência e premissas principais a maximização de interesses e a questão da escassez. Maximização de interesses que possui como força motriz algum incentivo e como efeito colateral um conseqüência. Esta análise, presente na disciplina de Direito e Economia, nos dará meios de analisar a polêmica questão da tributação sob um enfoque em que pretendemos alcançar as motivações do Estado na sua imposição e do contribuinte no seu cumprimento, bem como alcançar as conseqüências dos atos não só de ambas as partes da relação jurídico-tributária, como também de magistrados nas decisões que concernem a matéria. Palavras - chave: Tributação; Direito e Economia; maximização de interesses; incentivos; justiça social. INTRODUÇÃO
A necessidade de analisar a tributação sob o prisma do Direito e Economia,
além de outras considerações, nos parece bem atual e pode ser observada
principalmente nas últimas decisões judiciais.
A questão da tributação, ou mesmo da polêmica que ela sustenta, em si, não é
recente. Data dos primórdios da história do homem em sociedade. Contudo, tal
longevidade não a fornece uma seara tranqüila.
A tributação, principalmente através de impostos, espécie tributária esta
principal componente do sistema tributário, é utilizada pelo Estado como instrumento
1 Mestrando em Direito pela Universidade Fumec. MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Gama Filho/RJ. Professor de Direito Empresarial e Tributário da Faculdade de Ciências Jurídicas Prof. Alberto Deodato. Advogado.
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de implementação de suas políticas públicas, geralmente fundadas na idéia de justiça
social.
Fato é que, tais políticas e, mais precisamente, o instrumento de tributação, é
intentado em resposta a diversos motivadores que o Estado tem em fazê-los. Trata-se
de incentivos aos quais o Estado responde, geralmente, assim esperamos, ligados à
questões sociais.
De outra sorte, observando a outra ponta da relação jurídico-tributária, temos o
contribuinte, responsável pelo pagamento desta prestação compulsória que lhe é
imposta.
Da mesma forma, ao contribuinte são postos incentivos de toda sorte.
Incentivos estes muitas vezes capazes de compelir que o contribuinte cumpra sua
obrigação ou que o faça de forma diversa que aguardava o Estado. Ocorrendo desta
forma, questionamos como ficaria a idéia de financiamento da máquina estatal e de
justiça social. Não obstante, questionamos também que, se ao contribuinte, enquanto
particular, não é vedada determinada prática que lhe incorreria menor carga tributária,
porque deveria realizar outra prática que lhe oneraria em montante maior?
No meio desta relação, em alguns casos temos os magistrados incorrendo com
decisões que muitas vezes ultrapassam a atribuição que o mesmo deveria cumprir
naquele caso concreto, principalmente buscando alcançar a supramencionada justiça
social em casos que a prioridade deveria ser a observância da autonomia privada das
partes que intentaram contratar.
Fato é que seja qual for a parte acima elencada, a mesma pautará sua atuação
motivada em incentivos, na busca de maximizar seus interesses e principalmente,
gerando conseqüências que devem ser observadas sob pena de uma diversa gama de
prejuízos.
A disciplina de Direito e Economia tem como premissas estes elementos e por
isso nos ajudará a analisarmos a questão da tributação sob um enfoque diverso do
comumente pleiteado.
Este trabalho tentará observar a tributação sob a ótica do Direito e Economia,
cuja abrangência é percebida nas mais diversas e multifacetárias relações jurídicas e
sociais, as motivações e conseqüências que surgem diante de escolhas tomadas em
resposta a incentivos.
Levando em consideração a tributação no Brasil, particularmente entendemos
que a carga tributária é fruto da falta de razoabilidade do Sistema Tributário nacional,
sendo o mesmo um nicho de aberrações criadas pelo legislador através de diversas
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leis ordinárias, leis complementares, emendas constitucionais, somadas a um rol
infindável de atos normativos advindos do Poder Executivo.
Contudo, não nos caberá questionar o conteúdo desta tributação, mas sim
analisar suas motivações e conseqüências, tanto no que tange ao Estado, quanto no
que tange ao contribuinte, principalmente evocando a idéia de justiça social.
Justiça social esta que comumente vêem servindo de objetivos para diversas
decisões judiciais que ferem a divisão clássica de institutos de Direito Público e
Privado, ao passo que algumas observações sobre o tema de constitucionalização do
Direito Privado devem ser tecidas.
A segunda seção deste trabalho enfocará a questão da tributação e da idéia de
justiça social, tendo como objetivo situar as funções da primeira e a busca pela
efetivação da segunda.
A terceira seção trará a contribuição da disciplina do Direito e Economia ao
trabalho ora apresentado, apresentando suas premissas e os argumentos que
justificam sua utilização para análise da questão da tributação. Seguindo-se então
uma apresentação acerca dos conceitos centrais para Direito e Economia.
Já na quarta seção do presente trabalho, buscaremos analisar a questão da
tributação sob o enfoque de Direito e Economia, ponto central de nossa pesquisa,
sendo sucedido, portanto, na quinta seção, das conclusões que alcançamos.
A TRIBUTAÇÃO E A JUSTIÇA SOCIAL
As funções da tributação
Dizer que a tributação serve apenas para financiar a máquina estatal é uma
conclusão simplista, que desrespeita o real papel deste instituto nas sociedades ao
longo do tempo.
Devemos enfrentar o pagamento de tributos com a maturidade que a situações
em que incidem demandam, principalmente quando estamos falando na espécie
impostos, principalmente no nosso país.
Não avalizamos os altos patamares que vêem alcançando a carga tributária
que nos acomete no Brasil, contudo, reconhecemos sua função na sociedade
brasileira, principalmente quando observamos a gama de problemas sociais
existentes. Não questionamos o percentual incidente, mas sim a contrapartida.
Como bem identificaram Liam Murphy e Thomas Nagel, a tributação tem duas
funções precípuas:
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A tributação tem duas funções principais. (1) Ela determina que proporção de recursos da sociedade que vai estar sob controle do governo para ser gasta de acordo com algum procedimento decisão coletiva e que proporção será deixada, na qualidade de propriedade pessoal, sob o arbítrio de indivíduos particulares. Essa é a repartição ente público e privado. (2) Ela é um dos principais fatores que determinam de que modo o produto social é dividido entre os diversos indivíduos, tanto sob a forma de propriedade privada, sob quanto a forma de benefícios fornecidos pela ação pública. Essa é a distribuição.
Fato é que estas funções devem ser observadas pelo Estado, enquanto
responsável por instituí-la, e pelos contribuintes, enquanto grandes atingidos por seus
efeitos. Tal observação decorrerá da maturidade no sentido de estar em sociedade,
maturidade esta já presente em países tidos com de primeiro mundo e que, agora
dizemos como opinião particular, o Brasil ainda procura alcançar.
De qualquer forma, um princípio se destaca na defesa da tributação e,
entendendo ou não o contribuinte a função que exerce na sociedade a sua instituição,
o mesmo não possui argumentos para derrubá-lo. Trata-se do princípio da capacidade
contributiva e a idéia de sacrifício igualitário, cujas maiores observações faremos no
tem a seguir.
Capacidade contributiva e a idéia de sacrifício igualitário coletivo
O artigo 145, parágrafo 1º, segunda parte, da Constituição da República de
1988 consagra expressamente o chamado princípio da capacidade contributiva, que
sempre vigorou no sistema tributário brasileiro, não obstante ser um comando ausente
na maioria das Constituições anteriores.
Tal princípio se confunde com a própria fundamentação da tributação, e
encerra que os membros da sociedade deverão contribuir na medida de sua condição
de pagamento. Logo, temos como dicção deste princípio que não poderá ser instituído
em valores superiores aos que podem ser obrigados os contribuintes.
Trata-se do princípio que mais se aproxima da idéia de justiça tributária e
conseqüentemente, na idéia de justiça social, se levarmos em consideração que a
máquina estatal é financiada pelos tributos pagos pelos membros da sociedade.
A forma de distribuição da carga tributária alcança através do método proposto
por este princípio nos fornece a imagem de que a tributação tem o fim de bem comum
e que todos devem contribuir, na medida de sua capacidade, para que este bem
comum seja alcançado.
É a efetivação da idéia isonomia do contribuinte no que refere-se ao sacrifício
individual a ser realizado em prol do interesse e beneficio coletivo. A capacidade
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contributiva e um princípio corolário a esta idéia de isonomia, a qual podemos
observar no chamado princípio da isonomia tributária, previsto no artigo 150, inciso II,
da Constituição da República/88, cuja melhor definição é alcançada naquela antiga
regra de equidade nos trazida por Aristóteles de que devemos quinhoar desigualmente
aos desiguais, na medida em que se desigualam, que a verdadeira igualdade
pressupõe tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente.
Fato é que a sociedade, seja qual for, não é formada apenas por pobres, ou
apenas por ricos. É formada por indivíduos com toda sorte de condições econômicas e
é impreterível que todos se sacrifiquem para alcançar o bem comum, objetivo de estar
em sociedade. O sacrifício igualitário impõem que os dada contribuinte perceba perda
real no seu bem-estar.
Guardadas as devidas proporções e utilização, fazemos remissão à figura do
affectio societatis do Direito Empresarial à título de ilustração. A reunião dos sócios de
uma determinada sociedade deve se dar em consonância a um bem comum. Ninguém
está obrigado a se manter em sociedade, mas se decidir fazê-lo, deve se sacrificar
quando necessário para que a sociedade dê lucro a todos.
Fato é que o princípio da capacidade econômica encerra ao contribuinte o fundamento
ético necessário a exigência do tributo, principalmente quando a espécie tributária
trata-se do imposto.
Breve análise da constatação de constitucionalização do Direito Privado
Assim como o movimento de estudo de Direito e Economia surgiu e hoje se
mostra consolidado, outro movimento parece surgir junto aos doutrinadores e
operadores do direito. Trata-se da chamada constitucionalização do Direito Privado.
Historicamente, sempre que se suscitava o Direito Privado, relacionava-se
automaticamente sua fonte primária o Código Civil, ao passo que, sendo o Direito
Público a disciplina analisada, a fonte primaria relacionado seria a Constituição da
República/88.
O Direito Privado demonstra-se como o sistema de normas jurídicas, tendo
como principais disciplinas o Direito Civil, o Direito Empresarial e Direito do
Consumidor, que tratam das relações existentes entre particulares.
Através deste sistema, o particular integrante desta relação, horizontal diga-se
por imperioso, é livre para manifestar a sua vontade, podendo também livremente
eleger os efeitos que querem trazer para a sua vida privada. Ou seja, é faculdade do
particular em estabelecer para a sua vida normas privadas.
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Neste sentido, temos que o Direito Privado, através de seu regramento,
demonstra-se como a seara viável à existência de normas nascidas da manifestação
da autonomia privada.
De outra sorte, o Direito Público seria o sistema de normas jurídicas, onde a
relação dos participantes é desigual, haja vista ser ao menos um deles o Estado.
Neste sentido, será a relação vertical, se tiver como participantes o Estado e o
particular, e horizontal, se os participantes forem dois entes integrantes do Poder
Público.
Fato é que, uma conseqüência negativa do entendimento deste movimento
vêm sendo observada, principalmente nas decisões judiciais, onde diversas
manifestações demonstraram que o judiciário está buscando realizar justiça social com
os ditames do Direito Privado, o que, data venia, não se justifica e temo trazer efeitos
prejudiciais, sendo que um deles veremos a seguir.
Diante da idéia acerca de tributação como meio de efetivação da justiça social,
uma discussão se faz necessária acerca de uma constatação cada vez mais evidente
nos meio jurídico brasileiro.
Está se buscando realizar esta tal justiça social a qualquer custo. Institutos
clássicos de Direito Público e Direito Privado estão sendo misturados como se
ingredientes de solução fossem, e sendo aplicados de forma equivocada, muitas
vezes até movidos de boa intenção, no intuito de acabar, ou pelo menos minimizar as
mazelas da sociedade. Mas ainda assim, equivocadas.
O Direito Privado hoje está sendo utilizado como mecanismo de efetivação, ou
pelo menos tentativa, de justiça social. E isto muito em grande parte é devido a uma
onda de pretensa constitucionalização do Direito Privado.
Não que a noções de justiça, equidade e solidariedade não devam estar
presentes em qualquer questão social e principalmente demandas judiciais, mas
entendemos que não devem ser tidas como únicos e absolutos fins nas relações de
Direito Privado, sob pena de se fomentar a insegurança nas relações privadas.
Por exemplo, tomemos o princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio
este basilar e dos mais importantes e fundamentais do Estado Democrático de Direito
no qual se funda o Brasil. Peguemos este princípio e o colocamos de forma absolta
em uma relação locatícia da seguinte forma.
O locador, diante da inadimplência latente do locatário, promove contra este a
cobrança dos alugueis atrasados, sob pena de ser proposta a necessária ação de
despejo nos termos da Lei. 8.245/91 para ver resguardados seus direitos enquanto
proprietário do imóvel locado.
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O locatário, não só se mantém inadimplente face a cobrança do locador, como
propõem ação de reparação por danos morais com base no princípio da dignidade da
pessoa humana por entender ter sido violada sua dignidade quando da cobrança
intentada pelo locador.
Diante do litígio que lhe é apresentado, o magistrado de primeiro grau
responsável dá ganho de causa ao locatário, concordando com a ofensa ao princípio
da dignidade humana, sendo eu tal decisão terá resquícios, inclusive, na pretensa
ação de despejo do locador. Em segunda instância, uma colenda turma de
desembargadores mantém a sentença.
Neste sentido, o locador, proprietário de imóvel, resta prejudicado no que tange
ao valor dos alugueis que lhe são devidos, resta prejudicado no que tange ao imóvel
que se mantém em posse do locatário inadimplente e resta prejudicado principalmente
no que tange à indenização que deverá pagar a este.
Fato é que esta situação não está tão longe de acontecer. Na verdade,
diversas decisões já podem ser observadas neste sentido, mesmo que sua ocorrência
demonstre um potencial prejuízo ao Direito.
Ora, a relação locatícia é da regência do Direito Privado, notadamente ao
Direito Civil, sendo a cobrança de alugueis e a ação de despejo institutos legais e
devidos nas relações entre locadores e locatários.
Proteger o locatário de forma irrestrita, sob a pretensa motivação de se
defender o princípio da dignidade da pessoa humana, trouxe ao exemplo
supramencionado um insegurança e prejuízos inominados à relação locatícia e aos
institutos de Direito Privado.
Será que os efeitos da decisão que deu procedência ao pedido de indenização
por parte do locatário foram observados pelo magistrado? Será que as conseqüências
foram levadas em consideração, ou apenas buscou-se atender a este “fetichismo
jurídico”2 que se demonstra a constitucionalização do Direito Privado? Será que este
locador voltará a locar este imóvel novamente? Creio que não.
Fato é que ao transportar a idéia de justiça social do Direito Público para o
Direito Privado, principalmente aquela que fundamenta a tributação demonstra-se
mais do que uma tentativa paliativa à ineficiência estatal.
Não cabe ao Direito Civil, Direito Empresarial e mesmo ao Direito do
Consumidor tentar equacionar brechas sociais causadas pela prestação ineficaz do
Estado. A razão de ser do Direito Privado é justamente o fato da efetivação do
chamado princípio da autonomia privada, que balizaria um agente auto-regulamentar
2 O professor Luciano Benetti Timm, talvez o grande expoente da disciplina de Direito e Economia atualmente no Brasil, em um seminário sobre a matéria.
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sua atividade jurídica, permitindo-o regrar sua atuação de acordo com convicções
próprias, nos limites legais vigentes.
Tal instituto não deve se restringir tão somente a matéria de contratos, na qual
receberia o conceito de princípio da liberdade para das partes contratantes se auto-
regulamentarem. Deve ser observado em toda e qualquer relação jurídica eivada pelo
indivíduo.
Nas sábias palavras de Taísa Maria Macena de Lima, ao buscar explicar as
dimensões assumidas por este princípio, vejamos:
O princípio da autonomia privada justifica a resistência do indivíduo à intromissão do Estado no espaço que deve ser só seu, na legítima tentativa de ser feliz. Por isso mesmo, a autonomia privada assume novas dimensões, como a luta pelo direito à redesignação sexual, o reconhecimento de diferentes modelos de família (matrimonial, não-matrimonial, monoparental, etc), o modelo de filiação voltado antes para a paternidade socioafetiva do que para a paternidade apenas biológica, a união homoafetiva, entre outros.3
Não obstante o que fora exposto acima, devemos reconhecer outra situação.
Este movimento em prol da “constitucionalização do Direito Privado” não se justifica na
medida em que o Direito como um todo emana, é fundamentado e regulado
inicialmente na nossa Constituição da República de 1988. Logo, não há que falarmos
em constitucionalização do Direito Privado, principalmente o Direito Civil, pois não só
este, como todos os outros ramos jurídicos, são constitucionais de nascimento.
O Direito Empresarial, talvez o mais “privado” dos ramos de Direito Privado,
tem seu fundamento principal na própria Carta Magna, nos artigos 1º e 170, nos quais
é previsto que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, bem como sua Ordem Econômica,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos dentre outros
a livre iniciativa.
Contudo, ressaltamos que, não obstante ser fundado constitucionalmente, a
função do Direito Privado não é não deve ser instrumento de efetivação de justiça
social. Isto está a cargo o Direito Público e seus ramos. Cabe ao Direito Privado, como
supramencionado, regular a relação jurídica entre particulares.
DIREITO E ECONOMIA E A PREMISSA DOS INCENTIVOS
3 LIMA, Taísa Maria Macena de. A nova contratualidade na reconstrução do Direito Privado nacional. Revista Virtuajus. Belo horizonte, ano 3, n. 1, jul. 2004. Disponível em: <http://www.fmd.pucminas.br /Virtuajus/virtuajus_inicio.html>. Acesso em: 16.12.2010.
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Uma disciplina cujo feitio é nos abrir os olhos para algo que geralmente não
observamos quando da tomada de decisões, qual seja, as conseqüências de nossos
atos. Assim podemos configurar de forma simplista o Direito e Economia, ou Análise
Econômica do Direito, como alguns doutrinadores preferem, que nos lembra que os
indivíduos em geral visam maximizar de forma racional seus interesses, fazendo
determinadas escolhas, respondendo à incentivos que lhe são postos.
Sejam quais forem os interesses dos indivíduos ou a representação efetiva do
seu bem estar, ao buscarem maximizá-lo estarão fazendo opções dentre as escolhas
que lhe são oportunizadas, tendo com fiel da balança uma diversa gama de incentivos.
E neste momento não abordamos apenas os incentivos que são postos aos
contribuintes, mas também os incentivos ao qual responde o Estado quando da
formulação de suas políticas públicas.
Espécies de incentivos
i. Incentivos normativos
Um dos grandes exemplos de incentivos normativos, senão o mais significante
deles, é a questão da tributação junto à sociedade. No Brasil, face a condição de país
detentor da maior incidência de tributos, tal questão fica bem evidente.
A idéia de tributação como incentivo à determinada prática por parte daquele
que pratica o exercício de empresa é de extrema pertinência no mundo atual, onde há
uma exacerbação do papel do mercado no plano interno e internacional e onde os
agentes econômicos, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas travam constante batalha
na procura da maximização de seus lucros.
Neste sentido, através de escolhas envolvendo mecanismos lícitos ou ilícitos
tais agentes vão procurar pagar menos ou simplesmente não pagar os tributos
devidos. Quantas empresas enfrentam dificuldades diante do excesso de encargos
trabalhistas e tributos previdenciários? Ora, em um país como o nosso é questão
cotidiana, principalmente envolvendo micro e pequenas empresas que percebem
pouco e sequer percebem qualquer incentivo estatal.
Fato é que tal incentivo negativo incorre geralmente em fechamento de
empresas, demissões de empregados e diminuição nos postos de trabalho. Não
obstante, a alta carga tributária ainda tem como efeito o que, talvez, seja a pior das
conseqüências à economia do país, que seria a fato de agentes econômicos e
empresas serem empurrados para informalidade e ilegalidade.
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Tomando novamente nosso país como exemplo, podemos destrinchar o
incentivo tributação em três feições, senão vejamos. A primeira delas é a já famosa
excessiva carga tributária brasileira, fruto da falta de razoabilidade do Sistema
Tributário Nacional. A título de curiosidade, registramos que, conforme estudos do
IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, os mais de 75 tributos,
regulamentados por cerca de 3.000 normas, impõe ao país uma carga tributária que
representa cerca de 38% do PIB – Produto Interno Bruto nacional4.
Ora, levando em consideração a tributação do Imposto de Renda na Inglaterra,
cuja alíquota é 50 %, poderíamos questionar esta maledicência da carga tributária
brasileira. Fato é que, possuindo carga tributária semelhante à de países
desenvolvidos, o cidadão brasileiro não percebe a necessária e proporcional
contrapartida evidente nestes países. Ao contrário, é público e notório a precariedade
de nossos serviços públicos.
A segunda e terceira feição do incentivo tributação poderiam ser observadas
juntas, quais sejam, o excessivo e complexo rol de leis sobre a matéria fiscal e a
instabilidade legal. O arcabouço jurídico tributário do Brasil mostra-se como um nicho
de várias aberrações criadas pelo legislador através de diversas leis ordinárias, leis
complementares, emendas constitucionais, somadas a um rol infindável de atos
normativos advindos do Poder Executivo.
No que tange à exemplificação do que seriam os abusos presentes no Sistema
Tributário Nacional, podemos separar dois ordenamentos em meio a diversos.
O primeiro deles é a figura dos Atos Declaratórios Interpretativos, cujo uso está
sendo cada dia mais intensificado pela Receita Federal do Brasil. Nos termos do
Regulamento Interno desta, esse tipo de regramento que, como o próprio nome
permite deduzir, serve para expressar a interpretação da Receita Federal do Brasil
sobre uma determinada lei, decreto ou instrução normativa.
A autoridade fiscal se utiliza deste ato administrativo, vez que não lograria êxito
via processo legislativo de leis ordinárias e complementares, para alcançar seu escuso
interesse de aumentar indiretamente a carga tributária e frear pedidos de repetição de
indébito, impor a retroatividade destes atos ilegais a tempo e modo como desejar,
ferindo claramente a irretroatividade da lei tributária, ressalvadas suas exceções.
Em outro exemplo podemos, podemos trazer o tributo do empréstimo
compulsório, que, em 20 anos de promulgação da CR/88, nunca fora instituído
nenhuma vez. E o motivo reside no fato de que sua instituição necessita de Lei
4 Disponível em http://www.ibdt.com.br/. Acesso em: 17 dez 2010.
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Complementar, com a necessidade de atendimento das devidas exigências e
situações, como elencado no artigo 148 da Constituição da República/88.5
O legislador percebeu a dificuldade em instituir empréstimo compulsórios, face
a obrigatoriedade em ressarcir o contribuinte do imposto no valor em que este
contribuiu, bem como a necessidade do processo legislativo mais rígido, por ser tratar
de matéria reservada à lei complementar.
No campo empresarial, o incentivo tributação é bem visível. Excessivos
encargos trabalhistas, tributos previdenciários, tributos federais, estaduais e
municipais, complexidade na legislação, em junção aos inerentes problemas da
atividade empresarial, transformam a o exercício de empresa numa atividade das mais
penosas, motivando o empresário a tomar medidas e fazer escolhas em prol da sua
sobrevivência.
ii. Incentivos econômicos
Esta relação existente entre os incentivos econômicos postos e a tomada de
decisão do empresário em busca da maximização da eficiência6, motivada pela
autonomia privada pode ser denotada ao observarmos as palavras do Professor
Eduardo Goulart Pimenta em seu artigo intitulado “Eficiência Econômica e autonomia
privada como fundamentos da recuperação de empresas no Direito Brasileiro”7, no
qual ele salienta que:
A partir da premissa de que os atores econômicos racionalmente buscam as opções de conduta que maximizem seus interesses, podemos concluir que o empresário somente se dedicará à empresa se os custos que ela acarretar – sejam de produção, sejam de oportunidade ou de transação – forem menores que seus ganhos, compreendidos, nesse caso, exclusivamente pelo sentido monetário da palavra. Sob a perspectiva do empresário, a empresa somente
5 “Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b. Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.” 6 A idéia de eficiência é trazida pelos doutrinadores como elemento principal do Direito e Economia, na qual a sua busca permitiria aos agentes econômicos alcançarem maior satisfação de seus interesses. Desta feita, um determinado negócio jurídico eficiente decorreria do alcance do seu objetivo, com menores custos de transação e, conseqüentemente, satisfazendo os interesses do agente econômico. 7 PIMENTA, Eduardo Goulart. Eficiência Econômica e Autonomia Privada como Fundamentos da Recuperação de Empresas no Direito Brasileiro. In: FIÚZA, César; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; SÁ, Maria de Fátima Freire (Coord.). Direito Civil: atualidades II. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 291-313.
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justifica sua existência se estiver apta a gerar o lucro por ele legitimamente buscado e esperado.
Custos de transação
Trata-se custo de transação daquele incorrido na chamada economia de troca.
Diversas obras foram competentes em elucidar em que consiste tal ocorrência,
contudo, um artigo sobressai na importância.
Na notável obra intitulada “The Nature of Firm”, o Professor Ronlad Coase,
ainda universitário, nos demonstrou de forma brilhante por quais razões o indivíduo
busca realizar suas atividades comerciais ao invés de fazê-lo pelos chamados
contratos per si.8
Publicado originalmente em 1937, este artigo tornou-se parte integrante da
obra que rendeu ao Professor Coase o Prêmio de Ciências Econômicas em Memória
de Alfred Nobel9 de 1991, o que demonstra sua grande importância junto a ciência
Econômica e, indiretamente, à própria disciplina de Direito e Economia.
Buscando definir a natureza da empresa em relação ao mercado, permeando a
idéia de margem de substituição, o Professor Coase observou que uma empresa, no
âmbito externo, interage dinamicamente com o mercado, porém, no âmbito interno, as
operações de mercado não incidem, sendo a produção dirigida pelo empresário
através de diversas operações de trocas, que ocasionam os chamados custos de
transação.
Neste sentido, custo de transação seria tudo aquilo que incorreria na
ocorrência de uma economia de troca. Por exemplo, em uma operação de compra e
venda de uma ação, além do valor a ser pago por este valor mobiliário, incorrerá na
operação, ainda, o valor da comissão devida ao corretor. Neste sentido, este valor
devido ao corretor, demonstra-se como um custo de transação.
Podemos trazer também o exemplo de um determinado consumidor que decide
realizar a compra de um aparelho televisor. No seu intuito de realizar a compra, o
custo que o consumidor irá enfrentar não será apenas o do valor do aparelho, mas
também aquele custo correspondente à escolha do produto; deslocamento de ida e de
volta da loja, se decidir pela compra in loco; o tempo gasto na operação; etc. Estes
8 COASE, Ronald. The Nature of Firm. The Firm, the market and the law. Chicago University Press. 1988. p.6. 9 O Prêmio Nobel foi instituído por Alfred Nobel, químico e industrial sueco, inventor da dinamite, em seu testamento. Trata-se uma graça conferida à indivíduos que realizaram pesquisa pesquisas importantes, criaram técnicas pioneiras ou deram contribuições destacadas à sociedade. Fato é que Alfred Nobel jamais criou um prêmio de Economia, ao passo que a graça conferida sobre esta matéria é o Prêmio Sveriges Riksbank de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel.
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custos que vão além do custo que corresponde ao valor do televisor é o chamado
custo de transação.
O Professor Coase demonstrou a existência de uma série de custos de
transação enfrentado pelo empresário na economia de mercado, como, por exemplo, o
custo que excede ao preço do bem em decorrência da pesquisa e informação dos
custos, negociação, manutenção dos segredos comerciais, e custos de policiamento e
de execução.
A estrutura do mercado é regida pela lei que é formada pelo binômio da oferta
e da demanda. Para atuar nesse ambiente, o empresário precisa assumir os custos de
transação, ao passo que, a atividade empresarial será eficiente se estes custos forem
minimizados e os interesses maximizados.
Em outra importante obra, o Professor Coase, nos forneceu maiores
esclarecimentos acerca de custos de transação. Em seu artigo “The Problem of Social
Cost”10, o autor, inclusive, trouxe resposta ao próprio questionamento realizado
quando de seu supramencionado artigo “The Nature of Firm”:
Está claro que uma forma alternativa de organização econômica, a qual, utilizando o mercado, poderia alcançar o mesmo resultado a um custo menor, tornaria possível a elevação do valor da produção. Conforme expliquei há muito anos atrás, a firma representa essa forma alternativa à organização da produção através das transações no mercado (Coase 1937, p. 386). No interior da firma, as barganhas individuais entre os vários fatores de produção são eliminadas e substitui-se uma transação no mercado por uma decisão administrativa. A realocação da produção ocorre sem que seja necessária a barganha entre os proprietários dos fatores de produção. Um proprietário de terras que tem controle sobre uma larga área poderá dar várias destinações à mesma, levando em conta o efeito que as inter-relações entre as várias atividades terão sobre o lucro líquido gerado pela utilização da terra, evitando, desse modo, barganhas desnecessárias entre os empreendedores das várias atividades. Os proprietários de prédios grandes ou de diversas propriedades contíguas também podem atuar dessa mesma forma. Com efeito, à luz da terminologia que empregamos anteriormente, a firma adquiriria o direito de todas as partes, de modo que a reorganização das atividades não seria conseqüência de uma reorganização de direitos por meio de contratos, mas resultado de uma decisão administrativa acerca de como os direitos deveriam ser utilizados.
Certo é que, os custos de transação não se restringem apenas à atividade
empresarial, mas sim, são observados por todo e qualquer indivíduo e qualquer
10 COASE, Ronald. O problema do custo social romanizado (tradução e adaptação artigo original 'The problem of social cost'). The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies. Article 9. Volume 3, Issue 1, 2008. Disponível em: <http://www.iders.org/textos/O_problema_do_custo_socialromanizado.pdf> Acesso em: 17.03.09.
14
atividade que se dispõe a realizar, inclusive, o próprio Estado na suas atribuições.,
sendo a principal, a tributação.
Seja qual for o agente econômico11, este será acometido pelos custos de
transação, ou como alguns doutrinadores preferem, custos de oportunidade, sendo
certo que, a eficiência será alcançada se minimizados estes custos e maximizados os
interesses dos indivíduos envolvidos.
O fator escassez
Não haveria necessidade de se analisar as conseqüências das escolhas feitas
pelos integrantes da sociedade se os recursos forem infinitos. A idéia de escassez é
justamente o que nos motiva equacionar a alocação de recursos, haja vista que
ninguém pode ter tudo o que quer, na qualidade e quantidade que lhe for mais
conveniente
Sacrifícios são feitos pelos indivíduos em resposta a escassez dos recursos
dos quais precisa. A realização de escolhas, traduzido nestes sacrifícios, chamados
pelas ciências econômicas como trade-offs, tem diversas implicações, principalmente
na seara jurídica, que é a que nos prestamos a observar na presente obra.
O resguardo dos direitos e proteção de princípios consome recursos. E não
poderia ser diferente, haja vista que, se esta proteção e resguardo não incorressem
em escassez, não haveria razão para se proteger qualquer direito. “Ou seja, ou os
direitos são custosos, ou não têm sentido prático.”12
A TRIBUTAÇÃO ENQUANTO MAXIMIZAÇÃO DE INTERESSE ESTATAL E
AUTONOMIA PRIVADA ENQUANTO MAXIMIZAÇÃO DE INTERESSE DO
CONTRIBUINTE
Justiça social e eficiência
11 Empresários e comerciantes são considerados agentes econômicos fundamentais, pois geram empregos, tributos, além da produção e circulação de certos bens essenciais à sociedade. Para tanto, na legislação empresarial brasileira é trazido uma série de vantagens para estes agentes. Assim é que a eles são deferidos institutos que dão efetividade ao princípio da preservação da empresa, de origem eminentemente neoliberal em razão da necessidade de proteção ao mercado, relevante para o desenvolvimento da sociedade em inúmeras searas, a exemplo da falência, da recuperação judicial, da possibilidade de produção de provas em seu favor por meio de livros comerciais regularmente escriturados etc. 12 SALAMA, 2009.
15
Das diversas acepções existentes para a idéia de eficiência, uma delas se
destaca. Trata-se daquela que remete a noção de maximização de interesses e
alcance do bem estar frente ao mínimo de custos.
Neste sentido, será eficiente a medido tomada para se alcançar ao máximo os
interesses através do mínimo de custos. Trata-se justamente da ciência inserida
naquele binômio econômico do custo/benefício.
Em se tratando de eficiência, a análise de duas abordagens se faz necessária.
A primeira delas diz respeito a chamada eficiência Paretiana. Nesta abordagem, dada
uma gama de possíveis alocações de benefícios ou renda, um alteração que possa
melhorar a situação de pelo menos um indivíduo, sem piorar a situação de nenhum
outro indivíduo, é chamada de Lei de Pareto.13
Também conhecido como “ótimo de Pareto”, ou “melhora de Pareto”, esta
abordagem de eficiência trazida por Vilfredo Pareto14 tornou-se um dos conceitos
fundamentais da ciência econômica. A “melhora de Pareto” seria alcançada em uma
situação quando um agente econômico percebe uma melhora na sua situação sem
que houvesse piorar na dos outros agentes econômicos.
Desta feita, a eficiência decorreria da situação onde nenhum indivíduo pudesse
melhorar sua situação sem que outro indivíduo tivesse a sua piorada. Este vínculo no
qual o êxito de um indivíduo tem como conseqüência o prejuízo de outro
aparentemente demonstra que a acepção de Eficiência Paretiana não seria bem visto
socialmente, mas não deixa de demonstrar-se como plausível em uma economia livre
de mercado.
É claro que o ideal fosse que todos obtivessem lucro e sucesso nas suas
atividades, contudo, face a todas as situações que envolvem a atividade empresarial,
podemos dizer que o insucesso na atividade empresarial é um produto desta
economia.
De outra sorte, vemos a acepção de eficiência trazida pela abordagem de
compensação de Kaldor-Hicks15, que acaba tendo como escopo completar a idéia
paretiana. Na verdade, este critério nos fornece uma saída à limitação da teoria de
Pareto, na qual só poderíamos falar em eficiência quando o melhoramento da situação
de um indivíduo não deixaria nenhum indivíduo em situação pior.
13 SALAMA, 2009 14 Sociólogo, político e economista italiano de origem francesa, Vilfredo Pareto foi considerado um dos ideólogos do movimento fascista. Nasceu em Paris em 15 de julho de 1848, seus estudos o levaram a formular uma polêmica lei da distribuição de renda, doutrinando que não é aleatória e segue padrão invariável no curso da evolução histórica. Tal teoria ficou conhecida como a Lei de Pareto, tendo como importância ser uma grande contribuição à ciência econômica, notadamente à matéria de microeconomia. 15 MERCURO; MEDENA, 1999, p.50.
16
A abordagem de Kaldor-Hicks define que a eficiência será alcançada quando
os ganhadores de determinada situação puderem compensar os perdedores de seu
insucesso. E o fato de poderem compensá-los não significa que necessariamente
devam fazê-lo. Para que a eficiência seja alcançada, tão somente a possibilidade de
compensação já justificaria a eficiência.
Neste sentido, se na “melhora de Pareto”, a eficiência seria alcançada quando
a melhora na situação de um indivíduo não teria como conseqüência a piora de outro,
na compensação de Kaldor-Hicks podemos dizer que é possível que ocorrência de
perdedores.
Conforme bem observado por Liam Murphy e Thomas Nagel na obra “O mito
da Propriedade”16, levando em consideração uma concepção mais conservadora da
idéia de eficiência e benefício, a melhor abordagem é a do “ótimo de Pareto”.
Contudo, tal abordagem não nos traz muitos subsídios quando tratamos da
análise de implementação de política publicas pelo Estado, principalmente tendo como
instrumento a tributação.
O fato de existir um individuo que é acometido por um prejuízo não incorre em
ineficiência da atividade Estatal, haja vista a noção de sacrifícios individuais em prol do
interesse coletivo já analisado anteriormente.
O bem estar coletivo não seria medido pela inexistência de prejuízos
individuais. Logo, a eficiência não é alcançada pela felicidade de cada um, mas pela
felicidade de todos, sob pena de se reduzir a eficiência as idéias propostas pelo
utilitarismo, teoria esta que faz uma avaliação moral e, mais especificamente no tema
do presente trabalho, mediria o sucesso de determinado curso ou ação de acordo com
o bem estar ou felicidade dos indivíduos por ela atingidos.
A eficiência do Estado
Levando-se em consideração que o papel do Estado em levar a efeito políticas
públicas tendo como instrumento de realização da justiça social a tributação, devemos
observar que esta deverá estar “atrelado a promoção do bem social coletivo à
atividade econômica que ocorre quando os membros individuais da sociedade
atendem seus interesses econômicos isolados e assim criam a riqueza.”17
A implementação de políticas públicas através da tributação no intuito de se
alcançar a justiça social é na verdade uma resposta aos incentivos que são colocados
16 Os autores discorrem acerca da idéia de eficiência e utilitarismo acerca da tributação e de políticas públicas. 17 MURPHY; NAGEL, 2005.
17
ao Estado, através de questões sociais a serem equacionadas em prol do
desenvolvimento e sustento da sociedade.
Dependendo das escolhas, motivada pela maximização de interesses estatais,
diga-se por imperioso, a decisão incorrerá em efeitos relevantes, quantificando um
incentivo grandioso ao contribuinte, que responderá da forma que melhor entender ao
seu interesse.
A eficiência na implementação das políticas publicas através da tributação será
alcançada se menos custos para implementação ocorrerem. Eficiência esta que
entendemos ainda não estar sendo alcançada no país. Não pelo nível de tributação,
mas sim pela contrapartida inexistente ou muitas vezes pífia, que acaba por incentivar
o contribuinte a se esquivar da tributação, ocasionando custos geralmente maiores do
que a própria questão social que motivou o fato gerador do tributo.
A eficiência do contribuinte
A introdução de um imposto altera a eficiência do mercado. O contribuinte é
obrigado a pagar a prestação compulsória, mas não a pagar a prestação compulsória
que mais o onere. Sendo assim, o tributo induz o contribuinte a moldar seu
comportamento no intuito de maximizar seus interesses, que geralmente tem seu
princípio na economia de tributos.
Na relação jurídico-tributária temos, de um lado, o Estado, seja qual for o ente,
dotado de capacidade tributária ativa para instituir, cobrar fiscalizar e arrecadar tributos
e, de outro, o contribuinte, responsabilizado para recolher recolhimento deste tributo.
Fato é, que para que seja assegurada forma mais eficaz da prestação jurídica inserida
nesta relação, ambos o interesse deve ser alcançado, algo que não vem acontecendo.
Resta ao contribuinte maximizar seus interesses na melhor forma que lhe
convier, nos imites da lei, mesmo estando a perigo de ser considerado praticante de
ato ilícito, haja vista que o liame atual entre a elisão fiscal ou planejamento tributário
lícito e a realização de atos ou negócios enganosos considerados como ilícitos ou
evasivos, está cada vez mais tênue.
Entendemos que o contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, deve se valer de
todas as possibilidades que sejam lícitas para diminuir a carga tributária da qual é
acometida. Ocorrendo essa diminuição lícita, que geralmente é alcançada através de
planejamento tributário, acreditamos estar presente a eficácia do contribuinte.
Não obstante a possibilidade e, levando em consideração a carga tributária
atual, a necessidade deste planejamento, entendemos é direito de todo contribuinte
18
fazer a opção negocial pela forma que lhe seja menos onerosa. Direito este inserido
no artigo 1º, inciso II e artigo 170 da Constituição da República/88, os quais, como dito
anteriormente, tratam do direito a liberdade de iniciativa.
Seria a escolha de um caminho que implique o não pagamento de tributos, o
pagamento a menor ou o pagamento diferido no tempo. Que eficiência teria escolher o
caminho mais oneroso? Acreditamos que não teria alguma.
Posto que a enorme entrada de recursos nos cofres públicos, advindos da
tributação pelos três entes federativos, a contrapartida não acontece. O planejamento
tributário é o grande alvo combatido pelas autoridades fiscais, estando estes sempre
municiados pelas ferramentas lhes dadas pela legislação tributária vigente,
ferramentas estas nem sempre legais e constitucionais, ou fundamentadas na ética e
boa-fé.
Um questionamento feito pelos que defendem a economia fiscal através de
formas lícitas, do qual também subscrevemos, gira em torno de qual seria o motivo do
contribuinte realizar uma atividade que lhe incida mais tributo, sendo que há várias
formas de fazê-lo, inclusive, menos onerosas.
Ora, para aqueles que residem e realizam suas atividades no país que detém
uma das maiores cargas tributárias em todo o globo, senão a maior
proporcionalmente, levando em consideração o nível de riqueza da maioria da
população e a contraprestação referente à arrecadação dos tributos, a idéia de
planejamento tributário é fundamental, e personifica com exatidão a busca pela
maximização de riquezas e eficiência por parte do contribuinte.
Justiça social e ética fiscal
A busca pela diminuição de tributos a pagar, principalmente em um país cuja
carga tributária é uma das maiores do mundo, se mostra mais do que uma alternativa
tentadora, se mostra como necessária, principalmente para pequenas e
microempresas e os contribuintes pessoas físicas.
Mas tal economia, ou seja, o planejamento tributário, não deve ser buscada
sem se observar o requisito elementar da ética. Requisito este, que não é exclusivo
dos negócios jurídicos, mas sim, de toda e qualquer atividade humana, sendo que, na
falta deste, presenciamos abusos e injustiça.
O efeito colateral da ética é a pratica de justiça. Logo, ética no âmbito tributário,
seja no planejamento realizado pelo contribuinte, ou mesmo na tributação realizada
pelo Estado compreende o importante princípio da justiça tributária.
19
O princípio da justiça tributária se configura na busca do contribuinte de boa-fé,
parte integrante de uma ordem tributária socialmente mais justa, o qual ficaria
obrigado a pagar seus tributos de forma solidária e coerente.
O planejamento tributário, como dissemos, configura esta busca. Contudo, se
faz mister salientar que esta ser realizada licitamente, alcançando, portanto, a tão
importante ética fiscal privada.
A ética privada norteia a atuação do contribuinte, pessoa física, que tem o
dever fundamental de pagar tributos segundo a sua capacidade contributiva. Não seria
ético a este contribuir a menos para o montante da riqueza social, em proporção ao
que suas faculdades lhe permitiam pagar. Não pode o contribuinte valer-se do
planejamento tributário para efetuar pagamento de tributo aquém de sua capacidade
contributiva. Daí a necessidade de lisura e licitude na realização do planejamento
tributário.
Neste sentido, ensina Marco Aurélio Greco18, que o direito de o contribuinte
buscar diminuir a carga tributária pela qual é acometido, por meios juridicamente lícitos
postos a sua disposição, não é absoluto e incontrastável em seu exercício, pois a
experiência pós-moderna de convívio em sociedade é fundamentada primordialmente
pelo princípio da solidariedade social e não pelo individualismo exacerbado.
No tocante ao Estado, cabe a este tributar, tendo como arrimo princípio da
justiça tributária, no intuito do fomento de uma sociedade justa, forjada nos valores de
ética e necessidade de preocupação com a sobrevivência da máquina estatal e do
próprio povo. Nestes termos, entendemos ser esta a configuração da ética fiscal
pública.
A ética fiscal pública é baseada em quatro valores superiores, a saber, a
liberdade, que consiste na aceitação da opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte,
desde que respeitada a sua capacidade contributiva; a igualdade, no sentido de que
todos que estiverem na mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação; a
segurança, que pugna pela não tributação de surpresa, incoerente, e finalmente; a
solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública19.
Num país afundado em corrupção e escândalos políticos, em abusos de
grandes empresas e do descaso das autoridades para com a sociedade, bem como
com as micro e pequenas empresas, a necessidade de ética e justiça, inclusive no
âmbito tributário se mostra imperiosa, devendo o comportamento dos entes públicos e
18 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo. Dialética. 1998. 19 NOGUEIRA, 2004.
20
da sociedade ser fundamentada segundo a ética fiscal privada e fiscal pública, na
busca da justiça tributária.
Desta feita, no que diz respeito a atuação no tocante è economia de tributos
pelo contribuinte, o agente público deveria respeitar o princípio da legalidade, pois,
não fazendo, somente o próprio Estado é beneficiado.
Vale ratificar este entendimento, pois se trata o principio da legalidade, ao
nosso ver, assim como de inúmeros operadores do direito, como um dos maiores,
senão o maior principio norteado do Direito Tributário.
Relembrando esta basilar fonte do direito, o mesmo encontra guarida texto
constitucional, no artigo 5º, inciso II20. No que tange ao princípio da legalidade
tributária, este se vê consagrado no artigo 150, inciso I da Carta Maior, dispondo o
seguinte:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o
estabeleça (...)
Neste sentido, denotando-se que a sempre será a causa da tributação e, por
raciocínio lógico, sem lei não há tributo, podemos concluir que a atuação do FISCO
alcançará a ética fiscal que tanto desejamos se for eivada principalmente na
legalidade e, por conseguinte, na legalidade tributária.
Contudo, vale ressaltar que este cenário não é o que percebemos hoje no
Brasil, tendo inclusive este trabalho relembrado alguns exemplos de abuso das
autoridades fiscais.
O princípio da legalidade é o meio de se preservar a segurança jurídica. Não se
tratando apenas da relação jurídico-tributária, mas sim em qualquer relação que seja
regulada pela lei.
CONCLUSÃO
20 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei.
21
Percorrendo a presente obra, tivemos o intuito de demonstrar as motivações
dos participantes da relação jurídico-tributária, seja o Estado na implementação de sua
política fiscal, seja o contribuinte na resposta dada ao dever de pagamento do tributo.
A avaliação de conseqüências através de incentivos que são dados aos
agentes econômicos, seja qual forem, e aqui elenco a atuação do Estado como o
principal deles, influencia a escolha por uma ou por outra escolha a ser tomada, sendo
certo que em todas conseqüências haverão.
Motivos tem o Estado para intentar a tributação e o contribuinte para,
principalmente, se esquivar. A análise destas motivações se demonstra como
imprescindível, assim como a ciência de saber que as conseqüências nos deixam uma
mensagem: toda e qualquer tomada de decisão têm como conseqüência uma conta a
ser paga.
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