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ARETUSA DE PAULA RODRIGUES
A RE-SIGNIFICAO DA FEMINILIDADE DE MULHERES
DA TERCEIRA IDADE DURANTE SEU PROCESSO DE
ENVELHECIMENTO
ASSIS 2008
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ARETUSA DE PAULA RODRIGUES
A RE-SIGNIFICAO DA FEMINILIDADE DE MULHERES
DA TERCEIRA IDADE DURANTE SEU PROCESSO DE
ENVELHECIMENTO
Dissertao apresentada Faculdade de Cincias e Letras de Assis - UNESP - Universidade Estadual Paulista para a obteno do ttulo de Mestre em Psicologia. rea de Conhecimento: Psicologia e Sociedade Orientador: Prof. Dr. Jos Sterza Justo
ASSIS 2008
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca da F.C.L. Assis UNESP
Rodrigues, Aretusa de Paula R696r A re-significao da feminilidade de mulheres da terceira idade durante seu processo de envelhecimento /Aretusa de Pau- la Rodrigues. Assis, 2008 233 f. Dissertao de Mestrado Faculdade de Cincias e Letras de Assis Universidade Estadual Paulista.
1. Feminilidade. 2. Envelhecimento. 3. Mulheres idosas. I. Ttulo.
CDD 155.633 301.435
Dedicatria
Dedico este trabalho a minha famlia e s colaboradoras dos Encontros para o Bem Viver.
Agradecimentos
Aos meus pais, sinnimos de amor e dedicao incondicionais, que me
acompanharam durante o percurso desta jornada, oferecendo fora e apoio,
fundamentais para que eu enfrentasse com dignidade e perseverana as
adversidades desta caminhada.
Aos meus irmozinhos, Vanessa e Carlos, pela fora e palavras de incentivo a fim
de que eu no desistisse e me direcionasse rumo aos meus ideais.
Aos amigos Srgio, Lica, Doni e L, pelo carinho e companhia durante as viagens a
Assis.
Ao Prof. Dr. Renato Salviato Fajardo, por acreditar em mim e me dar oportunidade
de ser facilitadora dos Encontros para o Bem Viver.
s colaboradoras da pesquisa e a todas as senhoras que fizeram parte dos
Encontros para o Bem Viver, pela generosidade e disponibilidade de confiarem
suas histrias a mim, no intuito de me auxiliarem na concretizao desta pesquisa.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Jos Sterza Justo, pela generosidade e dedicao.
Aos professores doutores: Meyre e Luiz Carlos, participantes da banca do Exame de
Qualificao, pelos apontamentos e sugestes que colaboraram para
enriquecimento, harmonia e concretizao do trabalho.
Ao Prof. Dr. Fernando Silva Teixeira Filho, pela compreenso e ensinamentos.
Aos funcionrios da UNESP como um todo, que de uma forma ou de outra,
colaboraram para a finalizao e organizao da pesquisa.
Enfim, para todos que de algum modo colaboraram para a realizao deste trabalho,
demonstro aqui meus sinceros agradecimentos.
A Velhice
Olha estas velhas rvores, mais belas Do que as rvores moas, mais amigas, Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas
O homem, a fera e o inseto, sombra delas Vivem livres da fome e de fadigas: E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas.
No choremos, amigo, a mocidade! Envelheamos rindo. Envelheamos Como as rvores fortes envelhecem,
Na glria de alegria e da bondade, Agasalhando os pssaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem!
Olavo Bilac
RODRIGUES, Aretusa de Paula. A re-significao da feminilidade de mulheres
da terceira idade durante seu processo de envelhecimento. 2008. 232 f.
Dissertao (Mestrado em Psicologia e Sociedade) Faculdade de Cincias e
Letras, Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Assis, 2008.
Resumo Este trabalho prope investigar a re-significao da feminilidade em mulheres da
terceira idade. Participaram da pesquisa sete mulheres desta faixa etria, moradoras
na cidade de Araatuba, que freqentaram um grupo de vivncias denominado
Encontros para o bem viver, grupo esse que faz parte da programao do projeto
Universidade da Terceira Idade, da Unesp - Campus de Araatuba. A coleta de
dados foi feita atravs da utilizao de entrevista semi-dirigida, realizada nas
prprias residncias das participantes, sendo estas posteriormente sistematizadas,
transcritas e interpretadas para anlise qualitativa de seu contedo. As anlises dos
dados foram realizadas atravs da metodologia de anlise do contedo proposta por
Bardin, que tiveram como eixo a questo do feminino no processo de
envelhecimento, ou seja, o entendimento e a compreenso da mulher frente sua
condio nesta fase da vida. Tais leituras foram embasadas tambm na noo do
curso de vida e em autores que trabalham com a temtica da velhice. Os resultados
obtidos sugerem que a feminilidade vivenciada de formas variadas. Algumas
relatam mudanas importantes para a feminilidade, muitas vezes acompanhadas ou
a partir de eventos como a viuvez, doenas inesperadas, separaes e
aposentadoria. Outras, no entanto, no perceberam quaisquer alteraes
significativas em suas vidas. No tocante s re-significaes da feminilidade, foi
possvel verificar que as principais mudanas de sentido situam-se no plano da
sociabilidade, com o aumento de amizades; no plano da autonomia pessoal, com a
sensao de conquista de maior liberdade e no plano das realizaes, com a
concretizao de aspiraes, sonhos e desejos at ento cerceados.
Palavras-chave: Feminilidade. Noo do Curso de vida. Envelhecimento.
RODRIGUES, Aretusa de Paula. The re-significance of the womens of the third
age femininity during yoir ageing process. 2008. 232 f. Dissertation (Masters
degree in Psychology and Society) Faculdade de Cincias e Letras, Universidade
Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Assis, 2008.
Abstract This study aims to investigate the resignificance of femininity for old
women. The research was conducted through analyses of seven participants
interviews. The participants' profile matched as old women; who lived in
Araatuba city, and were engaged in a weekly group named "Meetings for
Well-being", which was sponsored by the Open University for Elderly -
UNESP- Campus of Araatuba. The data were collected through semidirective
interviews, which were performed in the participants' own residences, being later
these systematized, transcribed and interpreted for qualitative
analyses of your content. The interpretation of the data were accomplished through
the methodology proposed by Bardin focusing on feminine's perspective for the
aging process, in other words, the women's cognition about their condition
facing that phase of life. The analyses were also based on the life course
theory and other authors who studied the aging process. The results
suggest that femininity is expressed in varied forms. Some individuals
refer important changes, frequently linked with events, for example,
widowhood, unexpected diseases, separations and retirement. By the other
hand, others didn't notice any significant changes in their lives.
Concerning the resignificance of femininity, it was possible to observe
the most important shifts were related to the level of sociability with
the increased number of friendships, in the level of personal autonomy,
with the sensation of conquering expanded freedom, and in the level of
accomplishments, with the materialization of goals, dreams and desires,
which were formerly precluded.
Keywords: Femininity. Life Course. Ageing.
Sumrio APRESENTAO ............................................................................................. 10
INTRODUO .................................................................................................. 12
1 A IRRUPO DA TERCEIRA IDADE NA CULTURA BRASILEIRA ........... 16
1.1 Imagens e esteretipos da velhice ........................................................... 20
2 A FEMINILIDADE NO CONTEMPORNEO ................................................ 25
2.1 As mudanas no papel da mulher ............................................................ 25
2.2 A feminilidade na terceira idade ................................................................ 32
2.3 A sexualidade na constituio do feminino ............................................... 40
2.4 O que se tem falado sobre o sexo e o envelhecimento ............................ 45
3 NOO DO CURSO DE VIDA E IDENTIDADE ........................................... 49
4 A PESQUISA EMPRICA .............................................................................. 59
4.1 Justificativa ............................................................................................... 59
4.2 Objetivo geral ............................................................................................ 59
4.3 Observaes sobre o mtodo ................................................................... 60
4.4 Procedimentos utilizados .......................................................................... 62
5 ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS ...................................................... 63
5.1 Breve histria de vida dos participantes..................................................... 63
5.2 Anlise das entrevistas ............................................................................. 76
5.3 Consideraes finais ................................................................................. 122
REFERNCIAS ................................................................................................. 126
ANEXOS
ANEXO A - Modelo de Entrevista semi-dirigida ................................................ 131
ANEXO B - Entrevista semi-dirigida sujeito 1 .................................................... 132
ANEXO C - Entrevista semi-dirigida sujeito 2 .................................................... 144
ANEXO D - Entrevista semi-dirigida sujeito 3 .................................................... 159
ANEXO E - Entrevista semi-dirigida sujeito 4 .................................................... 174
ANEXO F - Entrevista semi-dirigida sujeito 5 .................................................... 194
ANEXO G - Entrevista semi-dirigida sujeito 6 ................................................... 208
ANEXO H - Entrevista semi-dirigida sujeito 7 .................................................... 224
10
APRESENTAO
O interesse em escrever sobre a terceira idade surgiu de uma
experincia de estgio em um Centro de Promoo de Qualidade de Vida PromoVi
localizado na Faculdade de Odontologia (FOA) da UNESP Campus de Araatuba,
cujas reas principais de atuao so: a humanizao do atendimento profissional
em suas diversas vertentes e a promoo da transdisciplinaridade.
Durante todo o tempo das prticas de estgio, cerca de cinco anos,
participamos de diversas atividades desempenhadas pelo referido centro, dentre
elas: atendimentos grupais e individuais, apoio a cursos de extenso, alm de sua
organizao e estruturao propriamente ditas j que meu estgio iniciou-se desde
sua implantao at um envolvimento mais assduo em relao s pesquisas, j
como profissional, com uma dedicao maior.
O foco na terceira idade revelou-se com a possibilidade da
concretizao de uma capacitao para mais de 394 profissionais da sade do PSF
(Programa de Sade da Famlia) da cidade de Araatuba-SP. Esse projeto de
pesquisa especial em polticas pblicas, intitulado Desenvolvimento de estratgias
para reciclagem e treinamento de profissionais da sade no atendimento do paciente
geritrico, financiado pela Fapesp (Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de
So Paulo), visava sensibilizao do profissional da sade em seu aprimoramento
na assistncia terceira idade, otimizando o relacionamento profissional/paciente e,
por conseqncia, a capacidade de atuao do setor. O objetivo geral no se
limitava apenas melhoria do atendimento aos longevos, mas s outras faixas
etrias tambm. Contudo, tnhamos na terceira idade, o enfoque inicial de interesse,
posto que a populao senescente crescia em nvel sem precedentes em todo o
pas e os profissionais, por sua vez, no se mostravam preparados para esse
crescimento, assim como a sociedade em geral.
A ampliao dos conhecimentos frente ao assunto proporcionou-me
benefcios que transpuseram os limites dos compromissos de acordo com a
proposta de trabalho, como o convite para ministrar aula na disciplina de Odonto-
Geriatria do curso de Mestrado da FOA (Faculdade de Odontologia de Araatuba).
Alm disso, foram realizadas algumas palestras nas Unidades Bsicas de Sade
(UBS) de Araatuba e Coroados (cidade da regio), abordando temticas como:
11
Stress, Sexualidade na terceira idade e Depresso, assim como outras para 150
profissionais do Sesc (Servio Social do Comrcio) de Birigui (cidade vizinha), em
parceria com a Secretaria Municipal de Sade, trabalhando o tema Aspectos
psicosociais do atendimento humanizado ao idoso. Foi efetuada tambm uma
apresentao aos profissionais de um asilo da cidade de Araatuba, sobre a
Valorizao do Idoso Institucionalizado.
Ainda no meio acadmico, houve a oportunidade da exposio de
um trabalho, discorrendo tambm sobre sexualidade na terceira idade, na FEA
Fundao Educacional de Araatuba.
Percebemos que durante os treinamentos e nessas atividades
fortuitas, as pessoas, ao entrarem em contato com o universo da terceira idade e ao
serem convidadas a refletir sobre o envelhecimento, mobilizavam-se imediatamente
a aplicarem em sua prtica profissional as informaes recebidas, havendo,
entretanto, um forte sentimento de inquietude e despreparo ao direcionarem-se para
este fim.
Diante desse contexto, pensamos ser de grande valia que essas
reflexes no se findassem em aes isoladas, atingindo apenas alguns
afortunados, mas que fosse um movimento contnuo e que pudssemos abarcar o
maior nmero de pessoas possvel. Ento criou-se, em parceria com a Universidade
da Terceira Idade (UNATI), da UNESP de Araatuba, o curso Encontros para o Bem
Viver, agora direcionado fundamentalmente ao pblico da terceira idade,
objetivando a discusso e a reflexo de temticas relacionadas ao seu universo.
Entretanto, ao iniciarmos o grupo, nos deparamos com a adeso
prevalente de mulheres da terceira idade, ofuscando a participao tmida e
reduzida dos homens. Percebemos ainda, que as mulheres sentiam a entrada na
terceira idade como a possibilidade de reformulao de sua identidade feminina,
antes nunca vislumbrada, engajando-se num poderoso movimento de reflexo e
resgate.
O contato freqente com essas mulheres, acompanhando suas
transformaes, somado minha prpria condio de mulher e inevitvel reflexo
mediante o meu prprio processo de envelhecimento, despertou em mim o desejo
de compreender essa nova anci que se apresenta, e realizar o trabalho que ora se
delineia.
12
INTRODUO
Variadas descobertas e transformaes vm acompanhando os
indivduos neste incio de sculo. Ataques terroristas, abalo da maior potncia
econmica mundial, combate fome, distrbios na natureza, instabilidades
econmicas e emocionais esto contribuindo cada vez mais para a manuteno das
chamadas doenas do homem moderno. Cresce o nmero de pessoas morrendo
precocemente de infartos, derrames e suicdios, acometidos por depresso, auto-
estima baixa, fobias etc. Entretanto, alguns dados demogrficos apontam que a
realidade e o futuro no so to cruis quanto parecem ser.
No cenrio ocidental, destaca-se a visibilidade de uma coletividade
da populao que tanto sofreu com a segregao e o isolamento os idosos. O
mundo ocidental deparou-se com um fenmeno inesperado: a exploso demogrfica
de pessoas com mais de 60 anos, surpreendendo toda uma gerao.
Segundo Figueiredo et al. (2007), neste grupo etrio aponta-se a
predominncia das mulheres, tornando o fenmeno do envelhecimento crescente,
uma questo essencialmente feminina.
Frutuoso (2000, p. 17) considera que envelhecer, ter mais idade,
ser veterano da vida algo natural, porm, para o ser humano, tornar-se idoso
surpreendente. S no sculo vinte que conseguimos alongar a vida.
Para melhor compreenso deste acontecimento, faz-se importante
enfatizar que a populao humana levou 03 milhes de anos para atingir 1 bilho
em 1800; em 1930, chegou ao segundo bilho e em 1960, somente trinta anos
depois, atingiu os 03 bilhes. Em mais 15 anos, 1975, chegou aos 04 bilhes; em
1987, depois de 12 anos, 05 bilhes e em 1999, 06 bilhes (Frutuoso, 2000, p. 17).
Simes (1998, p. 25) aponta que a Organizao Mundial de Sade
(OMS) considera que o indivduo inicia seu processo de envelhecimento, passando
a ser considerado idoso, a partir dos 60 anos. embasando-nos neste critrio, que o
recorte etrio da populao pesquisada deste trabalho ora se apresenta.
Entretanto, esta idade varia de indivduo para indivduo, bem como
pela cultura a que este submetido.
As estatsticas, de acordo com o censo de 2000 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), mostram que no mundo, em 2050, um
13
quinto da populao ser de idosos. O crescimento dessa populao, em nmeros
absolutos e relativos, um fenmeno mundial e est ocorrendo em um nvel no
prvio. Em 1950, eram cerca de 204 milhes de idosos no mundo e, j em 1998,
quase cinco dcadas depois, este contingente alcanava 579 milhes de pessoas,
um crescimento de quase 8 milhes de idosos por ano. As projees indicam que,
em 2050, a populao idosa ser de 1.900 milhes de pessoas, montante
equivalente populao infantil de 0 a 14 anos de idade.
Uma das explicaes para esse fenmeno o aumento, verificado
desde 1950, de 19 anos a partir da esperana de vida ao nascer, em todo o mundo.
Os nmeros mostram que, atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60 anos de
idade ou mais e, para 2050, estima-se que a relao ser de uma para cinco em
todo o mundo, e de uma para trs nos pases desenvolvidos.
E ainda, segundo as projees, o nmero de pessoas com 100 anos
de idade ou mais aumentar 15 vezes, passando de 145.000 pessoas, em 1999,
para 2,2 milhes, em 2050.
Assim, o Brasil, antes uma nao jovem, est envelhecendo a olhos
vistos. A populao de idosos representada por um contingente de quase 15
milhes de pessoas com 60 anos ou mais (8,6% da populao brasileira). As
mulheres so maioria: 8,9 milhes (59,3%) acarretando o fenmeno chamado de
feminizao da velhice; 62,4% dos idosos so responsveis pelos domiclios e tm,
em mdia, 69 anos de idade e 3,4 anos de estudo.
Os centenrios, no pas, somavam 13.865, em 1991, e j em 2000,
chegaram a 24.576 pessoas, ou seja, um aumento de 77% (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E E ESTATSTICA, 2000).
No municpio de Araatuba, local de realizao da pesquisa ora
apresentada, o crescimento dos idosos tambm bastante significativo. Entre a
populao total, que perfaz o nmero de 169.254 habitantes, 18.765 so idosos,
sendo 15.422 eleitores. V-se assim, a manuteno de seu papel scio-poltico e
sua participao ativa na sociedade (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATSTICA, 2000).
Entretanto, o envelhecimento acelerado da populao torna-se, cada
vez mais, uma preocupao na agenda de inmeros governantes neste incio de
novo milnio. Essa preocupao caracterizada pela falta de intimidade e
proximidade com a idia do envelhecimento. Apesar de envelhecer ser um processo
14
natural da vida, tornar-se idoso perfaz-se como uma experincia incomum para o ser
humano, principalmente quando a imagem atrelada senescncia de um perodo
de doenas, desgastes, dores, sofrimento, solido, abandono e inutilidade.
Parece assustador, mas as definies encontradas aps uma
extensa reviso bibliogrfica sobre a temtica no tm nada de potico ou
estimulante, pelo contrrio, so cada vez mais pejorativas e de mau gosto. Em
carter apenas ilustrativo, salientam-se algumas definies coletadas relativas
velhice:
(...) Velhice, estado ou condio de velho. Rabugice ou disparate prprio de velho. (...) Velho, gasto pelo uso, usadssimo, antiquado, obsoleto. Que tem muito tempo de existncia (FERREIRA, 1986, p. 1760). (...) Envelhecer, tornar-se velho, perder a frescura, o vio. Durar muito tempo. Tornar-se desusado ou intil. (...) Envelhecido, decadente, declinante (FERREIRA, 1986, p. 668).
Se o envelhecimento, de maneira geral, traz a sobretaxa dos
esteretipos sociais que desqualificam e inferiorizam os idosos, tanto mais difcil e
problemtica se torna a velhice da mulher. O recorte de gnero atravessa a velhice
afetando diferencialmente homens e mulheres. Portanto, faz sentido, investigar a
maneira como a velhice afeta particularmente a mulher, provocando uma re-
significao da feminilidade e essa a proposta e o objetivo desta pesquisa.
Para tanto, o trabalho ser submetido ao seguinte percurso: no
captulo 1, faremos um apanhado histrico referente irrupo da terceira idade na
cultura brasileira, passando pelos esteretipos da velhice. No segundo captulo,
versaremos sobre a feminilidade no contemporneo e a construo e mudanas do
papel da mulher, at chegarmos ao processo de envelhecimento e suas re-
significaes. Logo em seguida, mas ainda no captulo 2, ser delineada a
importncia da sexualidade na constituio da feminilidade, enfatizando que ela,
enquanto um dispositivo complexo faz interlocuo com o feminino, incluindo neste
processo a viso que a mulher tem de si mesma e de sua postura e papis frente ao
mundo, ou seja, em linhas gerais, a maneira como a mulher entende e vivencia sua
sexualidade ir repercutir em seu percurso diante de sua trajetria de vida e da
construo de sua subjetividade.
15
No terceiro captulo, procuraremos entender a forma como as idosas
esto vivenciando e enfrentando os desafios do processo de envelhecimento a partir
da perspectiva do curso de vida.
No captulo 4, apresentaremos a metodologia empregada para o
desenvolvimento da pesquisa, incluindo objetivo, material e mtodos utilizados,
assim como os procedimentos para coletas de dados para posterior anlise.
Aps a apresentao da parte terica e metodolgica do trabalho,
encontrar-se-o a anlise e discusso dos dados com a caracterizao dos sujeitos
e anlise das entrevistas.
Por fim, sero apresentadas as concluses, e nos Anexos estar o
modelo de entrevista semi-dirigida utilizado para a pesquisa, alm das entrevistas na
ntegra.
16
1 A IRRUPO DA TERCEIRA IDADE NA CULTURA BRASILEIRA
A despeito dos mitos e esteretipos criados em torno da velhice,
recentemente vm ocorrendo modificaes importantes em relao concepo da
velhice e do lugar social destinado a ela.
Tais modificaes se fizeram acompanhar de iniciativas importantes
que contriburam significativamente para a reviso do paradigma do idoso em nossa
cultura, possibilitando aos mais velhos experimentarem papis antes nunca
imaginados.
A temtica sobre terceira idade mostra-se bastante presente no
cenrio da nossa atualidade, sendo tema de projetos cientficos, da mdia, de
documentrios em geral, de congressos etc. Cada vez mais se vem aes voltadas
para essa demanda.
Entretanto, essa mobilizao em torno do universo do idoso vem de
um processo iniciado h mais de quarenta anos, quando o SESC (Servio Social do
Comrcio), instituio bem conceituada e de alcance nacional, sensibilizou-se com a
causa dos velhinhos, ao conhecer, em intercmbio com a Universit du Troisime
Age, localizada na cidade de Toulouse, na Frana, as atividades que ali eram
desenvolvidas referentes s questes da terceira idade, incluindo a sade fsica,
mental e social. (NUNES, 2001, p.1-2)
A universidade da terceira idade da Frana foi fundada em 1973, por
Pierre Valles, que acreditava que as dificuldades decorrentes da idade poderiam ser
compensadas atravs da insero social dos longevos em programas que
promovessem novas possibilidades de vida, inserindo-os em atividades fsicas,
culturais e de aes preventivas de sade.
Seguindo a filosofia de Valles, o trabalho social com idosos,
desenvolvido pelo SESC de So Paulo, comeou a delinear-se, quando o Brasil
ainda era reconhecido como um pas de jovem, nos anos 60. Foi formado um
pequeno grupo de aposentados do comrcio, denominado "Carlos Malatesta", na
unidade do SESC Carmo, na capital paulista. Esse grupo realizava comemoraes
de aniversrios, bailes, festas de diferentes naturezas e jogos de salo. Era um
espao de convivncia, para que o idoso pudesse enfrentar a marginalizao e
tivesse a oportunidade de estabelecer vnculos de amizade, compartilhando
17
preocupaes, angstias, sonhos e desejos com aqueles que viviam problemticas
semelhantes.
Essa ao pioneira transformou-se em um marco importantssimo
para tantas outras que ainda estavam por vir. Observou-se, entretanto, na
composio desses grupos, algo inusitado: a adeso essencialmente definida pelo
gnero masculino. Contudo, essa realidade aos poucos se transformaria a partir do
momento em que as esposas dos participantes fossem a ele incorporando-se e,
hoje, como ocorre em todos os demais ncleos de Terceira Idade do pas, as
mulheres representam ampla maioria. (NUNES, 2001)
Esses grupos transformaram o conceito e a visibilidade social da
velhice, assim como a idia de poltica pblica de assistncia, j que naquela poca,
as poucas aes sociais voltadas para o atendimento a essa demanda tinham
conotao assistencialista e serviam somente para suprir algumas carncias
bsicas, como forma de minorar o sofrimento decorrente da misria e da doena.
Essa forma de assistncia confundia-se sempre com caridade e, na maioria das
vezes, efetivava-se por meio de instituies asilares, mantidas pelo Estado ou por
congregaes religiosas, com a finalidade exclusiva de garantir a sobrevivncia
fsica do idoso.
Neste contexto, ainda perseverava a idia de que a velhice era uma
etapa de declnio e que apenas aes paliativas teriam importncia neste processo
da vida. No se integravam a essas aes alternativas de convivncia e participao
para o idoso saudvel fsica e mentalmente. Essa forma de assistencialismo tinha
um carter estritamente paliativo ou curativo, mas nunca preventivo. Assim, a
ausncia de polticas governamentais a fim de melhorar a qualidade de vida dos
idosos, e as precrias condies culturais em prol de um envelhecimento sadio
corroboraram para a marginalizao dos longevos, expondo-os a sentimentos de
solido, insegurana e outros problemas psquicos.
A partir desse primeiro trabalho, notou-se o surgimento, na dcada
de 80, de novas propostas promovidas ainda pelo SESC, direcionadas a essa
parcela da populao, como a criao de escolas abertas para a terceira idade, cujo
objetivo era de atualizao dos idosos para que eles estivessem preparados para
acompanhar as transformaes polticas, econmicas e culturais da sociedade no
sculo XXI. Hoje, nessas escolas, existem at mesmo cursos de incluso digital.
18
As escolas abertas do SESC fundamentaram-se na Teoria da
Educao Permanente, que postula o direito, a possibilidade e a necessidade que
tem o ser humano de educar-se ao longo de toda a vida. Essa iniciativa estimulou,
nos anos seguintes, a formao das faculdades abertas para idosos, em inmeras
instituies privadas e pblicas de ensino superior, hoje presentes em todo o Brasil.
Alm desses, outros programas com o intuito de integrao e
informao dos longevos fizeram parte do cenrio da poca, como os programas de
preparao para a aposentadoria, os programas de atividades fsicas para idosos,
assim como os congressos e seminrios tcnicos que tm incentivado a pesquisa e
a reflexo sobre a prtica cotidiana.
Tais movimentos ganharam fora com a promulgao da nova
Constituio Federal de 1988, que visava a garantir a segurana, o bem-estar, a
educao, a cultura, o lazer e a sade dos idosos, em suma, os seus direitos, alm
da responsabilizao das famlias no cuidado e bem-estar do parente idoso. Como
salientado no artigo 229:
(...) os pais tm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carncia ou enfermidade. (ROCHA, 2003)
Tais eventos ajudaram na formao de lideranas que hoje
compem os conselhos municipais e estaduais de idosos, alm do Conselho
Nacional dos Direitos do Idoso e de outras instituies de defesa da cidadania,
assim como a elaborao do estatuto do idoso que surgiu para regulamentar os
princpios j garantidos pela Constituio de 88.
Deste modo, de todas as iniciativas aqui apresentadas, outra se
destaca como uma das principais formas de visibilidade e divulgao do universo da
terceira idade: a revista A Terceira Idade, editada desde 1988. uma das
primeiras e principais publicaes brasileiras do gnero, tornando-se um importante
espao para divulgao de investigaes gerontolgicas e tambm referncia
nacional como fonte de consulta para trabalhos no campo do envelhecimento.
Atualmente, est estruturada em duas sees: a primeira abrange artigos tericos,
pesquisas e relatos de experincias; a segunda reservada a entrevistas com
personalidades idosas que obtiveram notoriedade nos mais variados campos do
19
conhecimento, como cincias, artes, filosofia ou religio. Quadrimestral e com uma
tiragem de 2500 exemplares, esse peridico distribudo para bibliotecas de
instituies sociais, culturais, universidades e rgos de governo1.
O trabalho social desenvolvido pelo SESC frente causa dos
idosos estimulou diretamente muitos benefcios aos longevos e indiretamente
incitou diversificadas instituies com as mais diferentes filosofias e idealizaes a
aliarem-se mesma causa.
Neste contexto, constatou-se a estruturao das UNATIs
(Universidade Aberta Terceira Idade), fruto do engajamento das Universidades
que, sensibilizadas e refletindo sobre a problemtica dos longevos, demarcaram
seu papel social. Cita-se aqui a insero neste movimento das principais
universidades de nosso pas, sendo elas: PUC- Campinas, USP, UERJ e UNESP.
A aproximao das referidas universidades com o universo do idoso
iniciou-se na dcada de 80, quando comearam a surgir os ncleos de estudos
sobre a temtica dos idosos. Dessa forma, cada universidade engajou-se
efetivamente causa propondo atividades de insero dos longevos em seu entorno
em pocas diferentes. Inclui-se, a partir da dcada de 90, a PUC-Campinas que,
embasada pela proposta pedaggica do professor Paulo Freire, que preconizava
que o acesso educao permanente era direito do cidado idoso, implantou sua
Universidade da Terceira Idade. (NUNES, 2001, p. 2)
J a UNATI-UERJ abriu suas portas aos idosos dando incio s suas
atividades em agosto de 1993, influenciada pela filosofia de Pierre Valles, a qual
inicialmente embasou os trabalhos do SESC, e, conseqentemente, todas as outras
aes que deram visibilidade aos longevos.
Somadas a essas aes, freqentes iniciativas de investigao
cientfica sobre a temtica do envelhecimento passaram a fazer parte do cotidiano
das sociedades.
1 Extrado do site: http://www.rcisystem.com/programa.htm em 2 nov 2007
http://www.rcisystem.com/programa.htm
20
1.1 Imagens e esteretipos da velhice
Sobre o envelhecimento, Hayflick (2000, p. 3) afirma: uma das
primeiras constataes que se faz na infncia que a maioria das coisas que se v
ou que se conhece, inclusive seres humanos, animais e objetos inanimados,
deteriora-se com o passar do tempo.
Frente a esse fato, variadas interpretaes surgem: h pessoas que
encaram o envelhecimento como algo natural no processo de evoluo humana,
aceitando-o e familiarizando-se com ele, lidando com esta etapa da vida de uma
maneira tranqila e salutar. Outros mantm uma viso negativa deste processo,
determinam prorrogar ou eliminar as marcas causadas pela passagem do tempo,
como por meio das suntuosas cirurgias plsticas, que muitas vezes acabam por
desfigurar a imagem e at mesmo a essncia das pessoas. Outros, ainda, sentem-
se mais belos, desejveis e bem dispostos ao aceitarem os sinais do
envelhecimento como uma marca de vivncias e longevidade.
Neste contexto, Paulo Autran em entrevista concedida, via o
envelhecimento da maneira mais positiva e retratou bem essa viso (VILLELA,
2003). Quando questionado sobre a longevidade, aquele respondeu:
[...] eu s conheo uma maneira de viver mais: envelhecendo. Ento eu quero ficar cada vez mais velho porque eu gosto muito de viver, (...) eu no sinto minha idade interiormente. O que eu sinto so as limitaes da idade. (...) Deus muito bom com a idade, ele nos vai dando contenes na pele, rugas, mas, ao mesmo tempo, ele tira a nossa viso, ento a gente se olha no espelho mas no v, no enxerga.
A postura revelada diante da vida e da terceira idade determinar
em grande parte a entrada no processo de senescncia, caracterizado pelo perodo
da vida em que o declnio lento e gradual, ou seja, o envelhecimento normal e
saudvel; ou de senilidade, termo denominado para designar o envelhecimento
patolgico, no qual o declnio fsico acentuado e muitas vezes acompanhado de
desorganizao mental. (VIEIRA, 1996)
21
Nos dois processos de envelhecimento, incluem-se diferenas
individuais significativas: na estrutura biolgica, no emocional e no contexto social
que circunda o indivduo.
A terceira idade dar-se- de forma saudvel ou patolgica,
dependendo do nvel motivacional que o indivduo longevo conseguir manter durante
sua vida. Esto inclusos nesse universo as relaes referentes ao trabalho, ao lazer,
aos relacionamentos afetivos e prpria viso de si e do mundo.
Entretanto, h alguns fatores que independem das aes e desejos
dos longevos, mas que exercem grande influncia no processo de subjetivao
destes, como: perda da funo social, que est intrinsecamente relacionada ao
sentimento de pertencimento e produtividade; atitudes desfavorveis da sociedade
para com o idoso, colocando-o na condio de pessoa ultrapassada cujas idias so
obsoletas, muito aqum de seu tempo; e os esteretipos da terceira idade, rtulos
que segregam e fazem muitas vezes os idosos sentirem-se diferentes e inferiores.
Tais esteretipos advm de fontes que, devido sua importncia na
constituio do processo identitrio, legitimam a segregao e a viso distorcida da
velhice como: o folclore, os contos de fadas e a prpria pesquisa cientfica.
No folclore e nos contos de fadas, a velhice geralmente faz interface
com a crueldade, maldade e perversidade ao representarem suas vils com
caractersticas e traos pertencentes ao envelhecimento, como: cabelos brancos,
pele enrugada, orelhas grandes e nariz alongado. E por incrvel que parea, a
pesquisa cientfica tambm corrobora nesse sentido, principalmente pelo fato de
seus estudos advirem prioritariamente de idosos institucionalizados. (VIEIRA, 1996)
Andrade Filho (2006, p. 7) enfatiza em seu livro Sade na terceira
idade: ser jovem uma questo de postura que:
(...) a terceira idade no deve ser vista como triste decadncia penosa. (...) uma fase oportuna para uma decisiva guinada no rumo da ascenso. (...) fase mais propcia para escapar do vale e galgar o alto da montanha, para uma verdadeira superao humana.
Para o autor, o idoso encontra-se em uma fase perfeita por muitos
benefcios, basta apenas que ele se d conta deles. Ao reconhecer a ventura desse
processo, ir perceber que est em um momento mpar de sua existncia, pois pode
22
contar com sua vasta experincia e resignao para enfrentar a complexidade da
vida, alm de contar com uma maior liberdade e tempo advindos de seu processo de
aposentadoria, adjetivos faltantes na realidade de pessoas que esto em plena
atividade, correndo atrs de reconhecimento profissional e pessoal, como os mais
jovens. (ANDRADE FILHO, 2006, p. 7)
Apesar de contar com todos esses benefcios a seu favor, o idoso
vtima, na maioria das vezes, de preconceitos totalmente infundados. Para
exemplificar essa conduta extremamente limitante, cita-se a temtica da
sexualidade, que muitos pensam nem existir nessa fase da vida. Este tema, por sua
vez, ser aprofundado mais adiante neste trabalho.
Aquino et al. (2003) postula que a maioria dos estudos relacionados
terceira idade so provenientes da gerontologia.
O enfoque de estudo da gerontologia est voltado para o processo
do envelhecimento onde so includos os aspectos sociais, ambientais e culturais,
considerando a senescncia um fenmeno biopsicossocial. Este estudo diferencia-
se da geriatria que atua exaustivamente sobre as doenas da velhice e de seus
tratamentos a fim de prolongar o mximo possvel a expectativa de vida do longevo.
No prisma da gerontologia faz-se importante considerar a sade psquica e
emocional do indivduo que envelhece, pois ela est intrinsecamente ligada sade
fisiolgica. O interesse da gerontologia visa compreenso do envelhecimento a
partir de seus aspectos saudveis, contrariando as teorias que vem o processo de
envelhecimento como uma sucesso de doenas e declnios, atuando de forma a
amenizar quadros patolgicos.
Os idosos tero que enfrentar ainda vrios desafios frente,
principalmente enquanto no forem respeitados como pessoas que tm muito a
ensinar e a transmitir para as novas geraes e, sobretudo, enquanto forem vistos
como um amontoado de patologias e reclamaes, esperando apenas a finitude de
sua existncia.
Essa triste condio apresentada por muitos de nossos longevos
acaba por lev-los a quadros significativos de depresso.
23
Stoppe Jnior (2002, p.36) faz a seguinte referncia:
Estudos realizados entre a populao geral apontam uma prevalncia por volta de 15% de sintomas depressivos (e 1% de depresso maior). Por outro lado, pesquisas realizadas em instituies revelam taxas de prevalncia significativamente mais altas: 10% a 30% de pessoas com sintomas depressivos e 5% a 12% sofrendo de depresso maior; em idosos com doenas fsicas, esse nmero aumenta ainda mais: 30% a 50% apresentam quadros depressivos.
Diversas situaes levam o indivduo da terceira idade a encontrar-
se em condies desfavorveis como a depresso, sendo algumas delas:
aposentadoria, ociosidade, sentimento de desvalia, desatualizao, a chegada da
menopausa nas mulheres etc. Outro drama decorrente dessa faixa etria o
suicdio. Para Corra (1996, p.126), a depresso a principal responsvel pelo
abandono da vida, mais de 80%.
Contudo, segundo BARRILLI (2002, p. 119):
A realidade tem mostrado que freqentemente alguns profissionais, medida que se aproximam de uma definio quanto aposentadoria, questo esta que parecia to simples, passa a provocar um comportamento de ambivalncia. primeira vista, v na sua aposentadoria um ganho fundamental, a disponibilidade de tempo para empreender realizaes as quais no teve oportunidade de executar no decorrer de sua vida profissional. Nessa poca podero ser idealizadas atividades prazerosas de acordo com a aptido de cada um, a sensao de liberdade que fortemente desejada, pois no ter mais a obrigatoriedade do cumprimento de horrios rgidos, prazos e outras imposies, que ao longo de sua vida teve sempre que atender. Nesse contexto, a aposentadoria passa a ser um momento de realizaes, de mudana concreta e real na vida dos sujeitos. Caracterizando a interrupo ou modificao de certo ritmo de vida mantido durante muitos anos. Assim, o tempo livre de que dispe o sujeito no momento da aposentadoria pode ento ser direcionado para atividades (profissionais ou no) que sempre programou desenvolver. (Grifo Nosso)
Ainda conforme a autora (2002, p. 122-123), o que imaginado como
grande vantagem que a aposentadoria pode trazer ao indivduo, que a
disponibilidade de tempo, para o inativo torna-se um verdadeiro dilema: o que fazer
com o tempo livre? Na sociedade em que vivemos no h mentalidade nem
24
preparao para aquilo que denominamos ps-trabalho. O que se coloca como
emancipao individual apresenta-se como um engodo. Os transtornos ocasionados
pela sensao de inatividade geram dolorosos conflitos na mente do velho.
Preparar-se para um novo momento na vida humana, numa sociedade que concede
valor correria e ao stress do trabalho, torna-se uma inquietao permanente.
Defronte realidade exposta, pode-se dizer que ser idoso talvez seja
uma das vivncias mais complexas de toda a existncia humana e quem passa por
ela salutarmente poder ser considerado um heri.
Felizmente, esses heris existem e esto por a, como sugere Pivetta
(2003, p. 4), em artigo da revista Pesquisa Fapesp. Ele afirma que muitos idosos
esto assumindo uma outra realidade, visando a uma postura mais positivista e
humanizada da terceira idade. Alm disso, para ele, a constante criao de
estruturas que contemplam variadas atividades est trazendo ao idoso
conhecimento e interao social. Tais como as creches da terceira idade e centros
de convivncia do idoso.
(...) se a velhice no est incumbida das mesmas tarefas que a juventude, seguramente ela faz mais e melhor. No so nem a fora, nem a agilidade fsica, nem a rapidez que autorizam as grandes faanhas; so outras qualidades, como sabedoria, a clarividncia, o discernimento. Qualidades das quais a velhice no s no est privada, mas ao contrrio, pode muito especialmente se valer (CCERO, 2007, p. 18).
Com estas palavras, Ccero, romano que viveu em 103-43 a.C.,
traduz sua compreenso de terceira idade.
Como vimos, o universo da terceira idade uma temtica bastante
complexa, perfeita ainda por variados mitos e tabus, mas em processo de crescente
ascenso. O recorte de gnero neste trabalho sugere a discusso das
transformaes ocorridas essencialmente no universo feminino, pois v-se, com a
enunciao do envelhecimento, um poderoso processo de reformulaes e re-
significaes a partir da abertura de novas possibilidades, rompendo com o
movimento h tempos instaurado de dominao unilateral e de invisibilidade.
Assim, sobre essa complexidade que o trabalho se prope: levar-
nos compreenso dessa etapa da vida to enigmtica e polmica.
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2 A FEMINILIDADE NO CONTEMPORNEO
2.1 As mudanas no papel da mulher
A mulher sempre foi alvo de apontamentos e julgamentos morais.
Ora era vista e tratada como santa, ora eleita como bruxa, sendo banida e
amaldioada; em alguns momentos, era rotulada como o ser que levaria perdio
e em outros, salvao. Tais formas de visibilidade do universo feminino sempre
estiveram atreladas s convenincias e interesses de diferentes pocas.
Nos tempos da Inquisio, criou-se a categoria das bruxas. Em outras pocas, cultivou-se a categoria da dama purssima, a quem os homens deveriam dedicar amor, mas no um amor carnal, animalesco, e sim um amor romntico, amor pela deusa, adorada e casta. (...) Isto tambm reforou imensamente nos homens a tendncia de pensar as mulheres ou como santas ou como prostitutas (VEIGA, 1997 apud BAMPI, 2001, p. 2). (Grifo nosso)
Para melhor compreenso do destino, por vezes cruel, da posio
feminina, recorremo-nos teoria do Complexo de dipo de Freud, que propunha
explicar a diferenciao entre os gneros.
Nela, Freud (1925 apud JORGE, 2005, p 48-49) explicava a diferena
entre o masculino e feminino, atravs dos processos de identificao.
(...) A me identificada como objeto de desejo do homem, seu marido, e com a maternidade, ser objeto primrio de identificao das meninas, assim como o pai, identificado com o sujeito de desejo e com o ambiente exterior ao Lar, ser objeto primordial de identificao dos meninos. (...) a teoria freudiana ensejou-nos compreender os mecanismos de identificao que permitiro a construo da identidade feminina e masculina com base na vivncia do conflito edpico, a partir da entrada do pai na relao dual da criana com sua me, e do rompimento da simbiose me-filho, da introduo da castrao e da falta, e permitiu criana a sua identificao de gnero.
26
Algumas reformulaes, porm, ocorreram na compreenso da
constituio dos gneros, alterando a forma de se olhar tanto para o feminino,
quanto para o masculino:
[...] ningum nasce homem ou mulher, mas nascem seres humanos com caractersticas sexuais femininas ou masculinas. O tornar-se homem ou mulher, com os atributos que identificam cada gnero um processo que acontece no decorrer da histria do sujeito no mundo onde vive. (JORGE, 2005, p 49)
Freud (1925, apud JORGE, 2005, p. 49) defendia que a feminilidade
se constitua a partir do referencial materno. neste espao que, segundo o autor, a
mulher se afirma.
Entretanto, esse referencial identificatrio constitui-se na forma mais
marcante da ascendncia masculina em relao mulher. A subjetividade da mulher
e por conseqncia, suas prticas, eram definidas por sua funo reprodutora.
(...) ser me e ser mulher constituam seres diferentes, pois a figura da mulher foi construda em torno do ideal da maternidade. Com isso, ser me e ser mulher era o oposto da figura da me. A sensualidade presente no gozo feminino passou a ser encarada como um obstculo assuno da maternidade e experincia da gestao. (BIRMAN, 1999, p.86)
Neste processo, a mulher teve de renunciar sua feminilidade,
incluindo seus desejos e vontades, para dar espao maternidade.
Entretanto, as mulheres que se mantivessem fiis aos seus desejos e
se opusessem a tais normas, passariam a ser nomeadas prostitutas. Como salienta
Birman (1999, p. 87-88):
(...) a mulher sensual que mantivesse ainda o atributo feminino da seduo e do erotismo passaria a ser representada pela figura da prostituta. Enquanto representao mxima e eloqente da sensualidade e do feminino, ela seria o oposto da figura da me e da devoo ao outro, marcada que seria para sempre pelos traos do egosmo, da infidelidade e da ausncia de castidade. (...) a prostituta seria a materializao da inexistncia de qualquer decncia na mulher, a indecncia feita carne, indicando, pois a decadncia feminina por excelncia, na medida mesma em que a maternidade estaria ausente do seu horizonte existencial (Grifo nosso).
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A prostituta passou a ser um esteretipo importante para a
sociedade, circunscrevendo-se numa funo social bastante delineada, uma
alternativa para a satisfao dos desejos carnais dos chefes de famlia a fim da
manuteno da ordem e dos bons costumes no interior da estrutura familiar
patriarcal e do lar doce lar.
A figura da prostituta seria a condio necessria para a produo da figura da maternidade, sem a qual esta seria algo da ordem do impossvel. (...) a descontinuidade existente entre essas duas figuras e a sua enunciao como sendo literalmente os opostos na representao social, a me e a prostituta so as duas faces da mesma moeda, a dupla face da mesma mundanidade construda sistematicamente ao longo do sculo XIX. (BIRMAN, 1999, p.89)
Assim, os papis destinados esposa, ignoravam seus desejos e
necessidades, aspectos constituintes de seu processo de subjetivao. Moderao,
freio dos sentidos, controle da carne, era o que se esperava da mulher, pois o ato
sexual no se destinava ao prazer, mas procriao de filhos. (ARAJO, 2001
apud MORO, 2002, p.19) (Grifo nosso)
Esses papis to arraigados ao universo feminino trouxeram muitos
danos mulher, camuflando seus potenciais em prol da servido integral famlia, a
casa e ao marido. Essa benevolncia subserviente constitui-se rano de uma
educao repressora de uma sociedade paternalista, onde o poder e a razo eram
sinnimos da figura masculina.
Para a mulher ento, restava a realizao atravs de um processo
projetivo s conquistas dos filhos e do marido.
Os estigmas de dona de casa, me e esposa fiel foram atrelados a
ela por duradouros anos.
(...) por tradio histrica, a mulher teve a sua vida atrelada famlia, o que lhe dava a obrigao de submeter-se ao domnio do homem, seja seu pai ou esposo. Sua identidade foi sendo construda em torno do casamento, da maternidade, da vida privado-domstica e da natureza qual foi ligada. (NADER, 1997 apud MORO, 2002, p.17)
28
Outro esteretipo, talvez o principal, que assombrava as mulheres,
limitando-as e cerceando-as, era a ascenso masculina feminina.
(...) a crena numa inferioridade intelectual e emocional, crena esta que possibilitava a manuteno da ordem e legitimava a superioridade do homem sobre a mulher, que ele mesmo havia estabelecido, conservando-a subjugada aos costumes e vontades masculinos. (MORO, 2002, p.18)
Com o intuito apenas de ilustrao dessa viso de subservincia, de
dominao unilateral e de preconceitos relacionados condio de mulher, que
persistem em assombr-las, cita-se o relato de Jamila, ao ser entrevistada por
Harriet Logan, uma premiada fotgrafa inglesa que esteve no Afeganisto em pleno
regime repressor do Taleban: Quero um homem que saiba quem eu sou realmente
e o que espero da vida, algum que me deixe fazer o que quiser, que no me proba
de fazer as coisas, que me trate como uma amiga e com igualdade. (LOGAN, 2006,
p.12)
A condio de superioridade da figura masculina feminina era to
enraizada no imaginrio da sociedade que no incio da era crist o discurso de que a
mulher era um homem imperfeito, se fazia presente.
(...) uma mulher poderia vir a ser um homem caso tivesse aumentada a intensidade de seu calor, conforme a clebre teoria dos humores da antiguidade. Porm, um homem no poderia ser transformado em mulher, pois aquele seria a materializao da perfeio sexual. Com isso o imperfeito poderia vir a ser perfeito diante do aumento corpreo, transformando ento a mulher em homem, mas a soluo contrria seria impensvel na ordem csmica da hierarquia entre os seres. (BIRMAN, 1999, p.86)
Segundo Birman (1999, p. 80-81), a figura da mulher fatal construda
no imaginrio social em referncia feminilidade surge como um acerto de contas
contra todas as atrocidades por elas vivenciadas em nome da superioridade
masculina:
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(...) a figura da mulher fatal uma antiga personagem de nosso imaginrio social sobre a feminilidade que nos obcecou durante sculos. (...) nesse contexto, a inteno da musa era de se vingar da condio subalterna que a definia de forma aprisionante no campo social. (...) no lhe interessava absolutamente a relao amorosa e sexual que pudesse resultar como desenlace maior, da cena de seduo. (...) aps o gesto mortal da seduo, o homem seria descartado e desprezado, deixado de lado como um bobo.
Ainda conforme Birman (1999, p. 80-81), havia neste contexto uma
inverso de papis, a incorporao da atitude de caa que antes era destinada e
internalizada pelo homem passa a fazer parte da subjetividade feminina.
(...) a mulher se valia agora, pois, nessa cena privilegiada, das armas masculinas capturantes para ludibriar o machismo orgulhoso, os homens. (...) essa figura feminina era a materializao de uma mulher-macho, uma espcie de paraba mulher-macho marcada, pois, de fio a pavio, pelo ideal flico, pela nsia de poder e de domnio, em que o travestismo pela pseudo-virilidade seria o valor supremo no mercado do amor.
Apesar da aparente versatilidade da figura feminina, de
desempenhar diferenciados papis, um lhe era preponderante: o de coadjuvante e
subjugada, papis estes que as acompanharam por tempos a fio.
Assim, um questionamento torna-se presente: Como se apresenta a
mulher contempornea? Ser que ainda preponderante o relegar a si, em seu
universo, em favorecimento ao poder masculino?
A desvalorizao da mulher, segundo Green (2000), ainda uma das
mais fortes tendncias do pensamento ocidental; apesar da luta constante em tornar
esta uma sociedade mais justa e igualitria, presencia-se, arraigado no inconsciente
da maioria das pessoas, a crena de que as mulheres devem desempenhar papis
diferentes ou subservientes.
De acordo com as palavras de Kristeva (2007, p. 313), esse gosto
pelo servio e pela submisso beira escravido e ao masoquismo.
No Brasil, segundo Green (2000, p. 252), o papel de superioridade e
poder destinados ao homem, em detrimento da viso estigmatizada da figura
feminina caracterizada por sua inferioridade e subservincia, passou a ser
30
reformulado a partir do sculo XX. Neste momento, movimentos surgiram
objetivando a reconstruo dos papis de gnero.
Aps a Revoluo Feminina que veio problematizar padres de
comportamentos e dar visibilidade questo da mulher, um afrouxamento na rigidez
dos papis de gnero concretizou-se, viu-se surgir uma nova mulher, ciente de seus
direitos, fazendo escolhas e exigindo igualdade e respeito: sabemos que o
feminismo, nas suas demandas polticas, foi bem-sucedido nas suas propostas,
entreabrindo um outro horizonte de possibilidades para as mulheres nas ltimas
dcadas deste sculo. (Birman, 1999, p. 80)
Hoje as mulheres no precisam mais recorrer batalha contra os
homens, mas os vem em p de igualdade, companheiros para compartilharem as
conquistas e os fracassos, no inimigos com quem precisa guerrear para ganhar
espao.
Birman (1999, p.83) discorre bem sobre essa realidade ao
considerar que:
(...) o poder ser sensual e sedutora no implica mais agora as artimanhas do aprisionamento da figura do homem pela mulher, em que esta no opera, na cena do sexual, movida pelos gestos ferinos e pela ferocidade aniquilante do rival. (...) o homem no mais o rival da mulher, o seu inimigo a quem se deve fazer votos de dio e de quem ela quer se vingar por sua arrogncia. (...) a figura do homem passa a ser, sobretudo, um companheiro.
As mulheres no se submetem mais s imposies e nem tampouco
assumem papis que contrariam seus desejos e ideais. As contemporneas j no
se satisfazem mais com sua vida limitada apenas s paredes do seu Doce Lar e da
rotina e tdio de dona de casa. A mulher saiu da proteo do lar e foi buscar fora
deste, algo que pudesse preencher sua vida e dar-lhe um outro sentido. (MORO,
2002, p.19)
Esse movimento de libertao e re-significao do ser mulher foi
percebido com sua insero no mercado de trabalho, com as novas formas de
organizao familiar e econmica. Esta nova organizao contribuiu para que a
mulher fosse trabalhar fora de casa, pois necessitava ajudar o companheiro no
sustento da famlia, pois o marido sozinho j no conseguia prover a famlia. Em
31
meio a essas transformaes, a mulher conseguiu pr em evidncia seus direitos e
conquistar seu espao. importante ressaltar que esse movimento no foi recebido
pelos homens sem resistncia. Assim, o territrio antes destinado primordialmente
mulher, limitado s paredes da residncia familiar, expandiu-se.
Neste contexto, necessrio fazer aluso s bravas mulheres que
conseguiram romper barreiras e conquistar seu espao como: Simone de Beauvoir,
Olga Benrio Prestes etc. E para referenciar em poesia a coragem destas e de
tantas outras que sobreviveram aos preconceitos e mostraram que so muito mais
que apenas sombra de um homem, cita-se Chico Buarque de Holanda, no trecho de
sua msica intitulada Anglica, que homenageia uma mulher brasileira que
enfrentou a coao, o medo e as represlias da ditadura militar em busca do
paradeiro de seu filho:
Quem essa mulher que canta sempre esse estribilho, s queria embalar meu filho, que mora na escurido do mar, quem essa mulher que canta sempre esse lamento, s queria lembrar o tormento que fez o meu filho suspirar, quem essa mulher que canta sempre o mesmo arranjo s queria agasalhar meu anjo, para deixar seu corpo descansar... (BUARQUE, 2005)
A instituio familiar, neste nterim, foi reformulada, passando por
diversas mudanas quanto sua organizao. A famlia patriarcal estruturada pelo
lder - o patriarca, sua fiel companheira e sua prole - j no perfaz mais a realidade
de nossa contemporaneidade.
Symansk (2001) destaca diversos tipos de modelos de composies
familiares de nossa atualidade, dentre elas esto: a famlia nuclear, incluindo duas
geraes com filhos biolgicos; famlia extensa, incluindo trs ou quatro geraes;
famlias adotivas temporrias; famlias adotivas que podem ser bi-raciais ou
multiculturais; casais; famlias monoparentais, chefiadas por pai ou me; casais
homossexuais com ou sem crianas; famlias reconstitudas depois do divrcio etc.
32
Essas outras formas de organizao da famlia vieram sobrepujar a
estruturao tradicional corroborando para que a mulher tivesse seu espao e
papis re-significados.
Em meio a estas transformaes, muitas delas passaram a ocupar o
lugar de provedoras do lar, rompendo com alguns estigmas, como o de rainha do
lar que neste contexto ganhou nova conotao. A rainha do lar, ento, deixa de
ser a administradora subalterna ao poder masculino ou, na melhor das hipteses, a
governanta no remunerada, e ganha poder de deciso e autonomia, muitas vezes
assumindo a direo da casa, ao sustent-la, enquanto seus maridos tomam conta
do lar e dos filhos.
(...) se antes o espao domstico era tido como naturalmente feminino e a mulher sustentada pelo homem, agora so as mulheres que detm grande parte do controle sobre os recursos familiares e desempenham um papel fundamental na vida econmica da famlia. (...) o tratamento dado ao trabalho fora de casa passou a ser para a mulher o sinal concreto de sua emancipao. (NADER, 1997 apud MORO, 2002, p.20)
As mudanas no universo feminino, apesar de significativas,
apresentam-se apenas como um esboo das iminentes transformaes deste novo
milnio, pois o engajamento, a luta por seus direitos e a perseverana passaram a
fazer parte do processo de subjetivao caracterstico da mulher contempornea,
vindo a repercutir na mulher senescente moderna que cada vez mais se mostra
engajada no processo de reformulao de sua condio de mulher.
2.2 A Feminilidade na terceira idade
O final do sculo XX e incio deste XXI caracterizaram-se pela
ocorrncia de grandes transformaes na sociedade e conquistas do universo
feminino.
33
As mulheres hoje, pertencentes terceira idade, cresceram e se
educaram em meio s normas e aos padres rgidos de comportamento que as
cercearam e reduziram suas prticas ao meio familiar e domstico.
Frente a tal cultura, no vislumbravam muitas perspectivas para seu
futuro, a no ser ceder s normas estabelecidas em sua poca, salvo as que no se
importavam em serem apontadas nas ruas e insultadas como mulheres de vida
promscua. Assim, aceitavam seu previsvel destino, entregando sua mocidade aos
afazeres domsticos e almejando tornarem-se moas prendadas, preparadas para
casar e dedicar-se aos cuidados do marido e dos filhos.
Tais modelos de conduta nos remetem aos referenciais constituintes
da identidade feminina descritos anteriormente neste trabalho, os quais postulam
que a feminilidade se afirmava atravs da maternidade e do desejo de ser amada.
Como afirma Jorge (2005, p.49), entretanto, no processo de
envelhecimento, tais referenciais identificatrios no se encontram mais to
presentes e fundamentais, pois os filhos j esto crescidos e constituindo suas
prprias vidas. Alm do mais, com o surgimento esperado de processos deletrios,
caractersticos da prpria senescncia, a mulher j no se sente to desejada como
outrora.
(...) as questes de gnero so bastante difundidas e discutidas na faixa etria na qual, homens e mulheres encontram-se no perodo reprodutivo, momento no qual se estabelecem as relaes matrimoniais e nascem os filhos. (...) so mais perceptveis os diferentes papis e valores estabelecidos para a identidade feminina e masculina. j na velhice ocorre um obscurecimento da sexualidade e uma certa negao das questes de gnero, que mascaram tanto as perdas como os ganhos trazido pelo envelhecimento. (FIGUEIREDO et al., 2007, p.426)
Diante de tal contexto, a longeva precisa se conectar a outros modos
de subjetivao que lhe tragam prazer e satisfao e que a levem a re-significao
de sua feminilidade para dar continuidade sua jornada.
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(...) no sentido de romper com os padres e valores determinados para homens e mulheres na sociedade, as mulheres esto sempre surpreendendo, pois buscam mais informaes e participam em diferentes espaos pblicos, desenvolvendo relaes interpessoais e incorporando conhecimentos que so fundamentais para seu aprendizado. (FIGUEIREDO et al., 2007, p.426)
Ecla Bosi, em 1995, em seu livro Memria e Sociedade: lembrana
de velhos tambm versa sobre a necessidade da mulher longeva engajar-se a
processos que promovam reflexes e transformaes.
(...) durante a velhice deveramos estar ainda engajados em causas que nos transcendem, que no envelhecem, e que do significado a nossos gestos cotidianos. Talvez seja esse um remdio contra os danos do tempo. (BOSI, 1995, p. 80)
Essa re-significao inicia-se com o rompimento dos esteretipos
voltados ao processo de envelhecimento feminino. No cabe mais a personificao
da mulher idosa com um coque no alto da cabea, fazendo croch ou tric, na
cadeira de balano, na varanda de sua casa. Hoje, a mulher sexagenria mostra-se
ativa e cheia de planos para o futuro, atrevendo-se a danar nos bailes da terceira
idade, a viajar com grupos de amigas, a paquerar e at mesmo a arriscar-se num
relacionamento efmero e sem compromissos.
A terminologia vov, j no lhe define ou agrada, mas, limita-a e a
estereotipa, pois a mulher contempornea da terceira idade no se sente mais
obrigada a desempenhar papis antes impostos a ela e que a contrariavam, em prol
de sua aceitao ou cumprimento de padres sociais. Assim, no perde o baile da
terceira idade para cuidar dos netos, enquanto seus filhos se divertem, como fazia
antes; sente-se mais liberta das amarras que por tantos os anos a imobilizaram. A
flexibilidade passa a fazer parte de seu cotidiano, podendo ser me e av zelosa,
mas tambm uma mulher madura ativa e atraente, que seduz e cativa.
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(...) o homem que envelhece passa a ter o seu dia-a-dia no espao privado, perdendo assim o poder caracterstico do homem adulto jovem quem tem no espao pblico sua autuao cotidiana; isto representa, portanto, perda de poder, que tem repercusses significativas na imagem de autonomia, de liberdade e de poder vivida pela maioria dos homens, ao contrrio do que ocorre com as mulheres que hoje tm 60 anos ou mais, para as quais, a famlia foi quase sempre o principal ponto de referncia e poucas tm alguma profisso ou atuam como profissionais. (...) considera-se o envelhecimento, o momento de suas vidas que coincide com o casamento dos filhos, a diminuio das obrigaes domsticas e de cuidados com filhos pequenos e/ou adolescentes. (...) com o direito universal de benefcio vitalcio da aposentadoria para as mulheres aos 60 anos, passam a ter um salrio mensal que lhes garantem autonomia e independncia econmica para adquirir bens e produtos que at ento as colocavam na dependncia econmica do marido e/ou dos filhos. (BARROS, 1998 apud FIGUEIREDO et al., 2007, p. 424-425)
importante salientar, que as transformaes e posicionamentos em
relao ao universo feminino na terceira idade, advm de uma construo que
demandou tempo e uma forte reformulao de valores e pr-conceitos estabelecidos
e tidos como verdades absolutas durante muito tempo e que acompanharam nossa
sociedade por centenas de anos. Muitas das mesmas mulheres que lutaram para
conquistar seu espao e direitos nas dcadas de 60 e 70, hoje se vem frente a uma
nova batalha, agora intensificada, pois somados aos esteretipos que perseveram
relacionados figura feminina, tm que encarar os estigmas relacionados ao
processo de envelhecimento, ainda mais, que advieram de uma poca em que a
mulher era vista como ser inferior e necessitava da uma unio estvel como o
casamento, para ser reconhecida e respeitada, ou seja, dependiam da superioridade
e do poder masculino.
(...) o casamento era inteiramente sinnimo de segurana, de respeitabilidade e de fecundidade. (...) como era o casamento que lhe conferia identidade, se no arrumasse um marido, seria relegada posio de solteirona, afastada da vida social, cabendo-lhe cuidar dos velhos pais, dos sobrinhos, ou colocar-se na casa dos outros em posio subalterna, como empregada ou como professora. (MORO, 2002, p.22)
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Apesar das dificuldades, a terceira idade surge como uma
oportunidade de resgatar tudo aquilo que sempre desejou e nunca lhe foi permitido,
mas sim cerceado e reprimido.
A sensao de liberdade de tomar as rdeas da prpria vida
apresenta-se, pois as mulheres que se encontram hoje na terceira idade, ocupavam
posio inferior, na qual a vontade dos homens prevalecia. Em sua mocidade, era o
pai quem decidia por sua vida, e aps o casamento a opinio do marido tornava-se
lei. Esta posio passiva e subjugada intensificava-se quando o marido lhes era
imposto em casamentos arranjados, privando-as do direito de unir-se a quem lhe
interessava. Seus sentimentos e desejos no eram valorizados, nem tampouco
considerados.
(...) as formas de relacionamento foram, portanto, se modificando ao longo do tempo e um marco importante foi a introduo do amor romntico nas relaes, possibilitando que o casamento no ocorresse mais apenas por arranjos estranhos vontade e ao desejo do casal, mas por escolha prpria. (MORO, 2002, p.22)
O universo feminino foi construdo mediante alicerces muito
sedimentados na sociedade. Dessa forma, romper com tais estigmas no se mostra
tarefa fcil.
Uma das reformulaes mais marcantes da feminilidade na terceira
idade pauta-se no papel maternal. Como dito anteriormente, a maternidade e a
feminilidade por muito tempo foram opositoras. A maternidade, sempre associada a
fatores como doao, servido e abdicao, no cedia espao para o que era de
mais primitivo para uma mulher: o desejo e a vontade.
Entretanto, a mulher na terceira idade deixa tais valores de lado e se
lana a uma realidade menos castradora, permitindo-se ouvir a voz de seus desejos
mais ntimos, rompendo com a obrigao de abdicar de sua feminilidade em
detrimento de seu papel de me ou de av.
(...) pela feminilidade, o que est em pauta uma postura voltada para o particular, o relativo, e o no-controle sobre as coisas. (BIRMAN, 1999, p.10)
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A nova forma de se ver a maternidade e feminilidade como sendo
atributos equivalentes e no opositores, como outrora, corroborou para a ascenso
de uma nova forma de expresso da sensualidade e prticas de relacionamento.
Os papis rgidos destinados s mulheres vm sofrendo alteraes.
Nesse incio de sculo no encontramos apenas uma nica forma de representao
do papel feminino. H variadas formas de subjetivao da mulher: algumas que
priorizam o trabalho, alm da posio social; outras abdicam de uma carreira
profissional para cuidar dos filhos e da famlia; h as que se dedicam jornada
dupla, tentando desempenhar os papis de me cuidadosa e esposa dedicada
concomitantemente ao de profissional competente. O mesmo ocorre com a mulher
na terceira idade. Presenciamos a reformulao da feminilidade e sua representao
das mais variadas formas.
(...) a mulher idosa, agora com mais tempo disponvel, com a segurana do salrio mensal e tambm por ter mais interesse em aprender e obter informaes sobre cuidados preventivos que lhes garantam uma velhice mais saudvel, com mais qualidade de vida, buscam inserir-se nos diferentes espaos de convivncia que se implantam a cada dia na rea social e de educao, espaos esses criados para atender as demandas crescentes da populao idosa, principalmente de mulheres idosas. (FIGUEIREDO et al., 2007, p.425)
Vem-se mulheres idosas permitindo-se experienciar novas formas
de relacionamentos, unies sem compromissos, tampouco sem expectativas futuras,
destinadas apenas satisfao do desejo de estar junto, objetivando o
compartilhamento de momentos prazerosos sem obrigatoriedades, abdicaes ou
camuflagem de suas vontades em prol de uma unio estvel.
Pesquisas apontam que o nmero de idosos sexualmente ativos est
aumentando. Conforme o Ministrio da Sade indica (PECORARO, 2003, p. 1), 67%
da populao entre 50 e 59 anos de idade informam ser ativos sexualmente. A partir
dos 60 anos, as estatsticas indicam 39% dos longevos com atividade sexual. As
pessoas com idade superior a 50 anos mantm em mdia 6,3 relaes sexuais
mensais.
Essa nova forma de relacionamento iniciada no final do sculo XX e
acentuada no incio deste sculo XXI vm alterar os objetivos subjacentes unio
de um casal.
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(...) a segurana material no mais, portanto, a finalidade do
casamento para as mulheres, que conseguem cada vez mais prover
suas necessidades econmicas. O casamento no mais
considerado como a condio da respeitabilidade feminina.
(BADINTER, 1986 apud MORO, 2002, p. 25)
Entretanto, no somente quanto aos relacionamentos que as
mulheres mostram-se mais libertas e ousadas. As idosas passaram a sentir-se
fortalecidas para lutarem pelos seus sonhos e ideais ao se perceberem contribuindo
cada vez mais economicamente para o sustento da famlia, tornando-se chefes de
famlias.
Segundo Nri (2001, p.8), a mulher conquistou esse status
importante em relao ao seu papel de chefe da famlia com o fenmeno da
feminizao da velhice que, somada sua principal caracterstica, que a
prevalncia da populao longeva feminina em relao masculina, incluiu o fator
econmico.
As pesquisas realizadas pelo IBGE apontam para essa realidade:
(...) As taxas de atividade econmica da populao idosa em 1997 eram de 12,2% das mulheres e de 43,5% dos homens (em 1991 a taxa para as mulheres era 11,4 e em 1981 10,0 %). Em 1997 quarenta e cinco por cento da populao economicamente ativa feminina trabalhava por conta prpria ou era constituda por empregadoras e 29,7% trabalhavam empregadas, 34% das quais para auto-consumo e 60% como domsticas. (CAMARANO et al., 1999 apud NERI, 2001, p. 8)
As mudanas s quais as mulheres se submeteram colocam-na em
intensos conflitos. Se, por um lado, sentem-se felizes ao romperem com tabus que
por tantos anos as cercearam e tm a oportunidade resgatar coisas que antes no
puderam fazer como: uma volta ao piano, escultura, a escrever, a viajar, a
aprender uma nova lngua, a namorar, a se alfabetizar ou a danar, por outro, o
sentimento de culpa as assombra ao contrariar as expectativas demandadas de uma
sociedade onde seus filhos esto inseridos (BEAUVOIR, 1980). A mulher idosa
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moderna, que freqenta festas, viaja, namora, entra em conflito com os esteretipos
da av dedicada aos filhos e netos, que faz doces e bolos aos finais de semana
quando toda a famlia est reunida para os tradicionais almoos de domingo.
Moro (2002, p. 27), salienta tal contexto ao discorrer que:
(...) hoje, apesar da liberdade de escolha, ainda se percebe a manuteno daquele ideal de mulher, prendada, boa dona de casa e esposa fiel, resultado de uma educao repressora e machista, gerando muitas vezes conflitos quando ela se v pressionada a estar de acordo com este ideal. (Grifo nosso)
Diante dessa viso, as idosas encontram-se conflitantes, sem saber
qual papel exercerem, alm do sentimento de inadequao e rejeio que muitas
destas posturas transmitem.
Na anlise de dados de uma pesquisa realizada por Cardoso (2004)
em um ncleo de Geriatria localizado em um hospital de Florianpolis, que
objetivava analisar os sentimentos advindos do processo de envelhecimento em
cada um dos cnjuges de 38 casais que viviam maritalmente, em mdia h 38 anos,
mostra que apesar dos aparentes conflitos que as mulheres idosas tendem a
vivenciar, a postura de atividade e entusiasmo so caractersticas marcantes de seu
processo de envelhecimento, o que as distancia da postura masculina, que se
apresenta com maior inflexibilidade e inatividade frente s limitaes e perdas
caractersticas da senescncia.
Outro fator importante de re-significao da feminilidade na terceira
idade atrela-se ao referencial de padro de beleza.
Presenciamos dois movimentos: um que preconiza que a beleza
esttica to cobiada pelas mulheres mais jovens, ganha novo sentido para as
longevas, o de libertao. Assim, as mulheres na terceira idade vem-se livres para
serem o que realmente so, no sentindo necessidade de mascarar ou disfarar as
marcas que o tempo acarretou, utilizando os recursos da beleza a fim de forjar sua
essncia. Nesta perspectiva, a mulher s consegue a autorizao para
verdadeiramente ser quem , com a iminncia da terceira idade, pois, j no deve
satisfaes, nem ao menos tem o compromisso de tornar-se objeto de desejo, como
em outras etapas de sua vida. No necessita corresponder s expectativas sociais,
considerando tambm que a sociedade, nesta fase, j no demanda expectativas
40
em direo a ela. Assim, o processo de envelhecimento vem legitimar a essncia da
mulher, descompromissando-a e libertando-a de corresponder aos padres sociais e
de comportamento to vigentes em outras etapas de sua vida, tirando-lhe assim, o
fardo da representao e incorporao passiva de papis. (FIGUEIREDO et al., 2007,
p 426)
Entretanto, o outro movimento que tambm se faz presente nas
prticas da mulher idosa contempornea, inclui uma busca frentica pelo padro de
beleza perdido, colocando-a muitas vezes em um processo angustiante para esse
resgate.
(...) A indstria da beleza, da sade e do bem-estar contribui para disseminar atitudes fantasiosas a respeito da velhice entre mulheres dos segmentos mdios urbanos, fazendo apologia da velhice como estado de esprito e condio que pode ser disfarada, adiada ou remediada por meio de recursos gerados pela cincia e pela medicina. (NERI, 2001, p.8)
Frente a tal realidade, mostra-se compreensvel a angstia e o
conflito presentes no processo de subjetivao da mulher idosa que se depara com
tantos e inditos desafios. Contudo, seja como for, num mbito geral, apesar das
instabilidades que um processo como este possa gerar para o universo da idosa,
consideramos que ele, s por elucidar tal provocao, j se torna significativo.
2.3 A sexualidade na constituio do feminino
No possvel falar em sexualidade, no campo da psicologia, sem
mencionar Freud que a elevou como constituinte bsico da psique. Encontramos
nele um entendimento da sexualidade como algo referido, basicamente, fora de
adio, de atrao, de juno, portanto, segundo suas prprias palavras: A
sexualidade um conceito amplo e inclui muitas atividades que nada tm a ver com
os rgos genitais. (FREUD,1998, p. 20)
Entende-se que a sexualidade, muito mais do que a expresso da
genitalidade, uma energia vital que acompanha o indivduo em todo o seu
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processo de desenvolvimento, desde sua tenra infncia, percorrendo as fases da
adolescncia e adulta, at chegar senescncia. Essa energia denominada por
ele como libido e se apresenta de diferentes formas, de acordo com a fase e
necessidade do sujeito, tendo grande influncia sobre suas escolhas, conduta e
vida.
Enfim, a libido destaca-se como um afeto bsico que, em
determinado momento da vida transforma-se em desejo ertico, at culminar num
amor maduro. Esta fase da sexualidade apresenta-se como um aprofundamento de
sensaes que, durante a juventude, no so muito consideradas. Sentimentos
como ternura, companheirismo, empatia so elementos que se colocam com maior
vigor neste momento da existncia, mais do que o ponto de vista sexual. As
conquistas ganham peso valorativo.
A sexualidade aqui faz interconexo com a construo da identidade
do sujeito e, no caso da mulher, condio sine qua non sua feminilidade.
Incluem-se neste processo de construo da feminilidade: a viso desta, frente
sua sensualidade, aos relacionamentos, intimidade, prazer, atitudes frente ao seu
prprio corpo e sua sexualidade propriamente dita. (BALBINOTTI, 2003, p. 13-14)
Assim, de fundamental importncia o conhecimento de todo o
percurso da sexualidade, as atribuies e conotaes dadas a ela em diferentes
pocas at a contemporaneidade.
Segundo Foucault (DREYFUSS; RABINOW, 1995, p.185),
a sexualidade no sculo XVIII emergiu como um componente central numa estratgia de poder que, de uma forma eficaz, juntou o indivduo e a populao atravs da expanso do biopoder. (Grifo nosso)
Foucault (DREYFUSS; RABINOW, 1995, p.185-188) enfatiza um
aspecto positivo mediante o contexto, e apesar da inteno fixar-se sobre o controle
da sociedade, ele pondera que a sexualidade foi posta em evidncia, passando a
ser discutida, refletida e investigada como nunca antes.
Inicialmente, foi submetida avaliao da religio, que a julgou e a
condenou como pecado, sendo indigna e contrria aos preceitos morais cristos.
J no sculo XIX presenciou-se uma mudana no paradigma da
sexualidade, aps esta percorrer o crivo da cincia mdica. A partir de ento, a
42
sexualidade circunscreveu-se em anomalias, taras e desvios, passando a ser
medicalizada e diagnosticada.
O autor, mediante essa conjuntura indaga: Que fora essa que,
durante tanto tempo a reduziu a silncio e mal acaba de ceder, permitindo-se talvez
questionar, mas sempre a partir e atravs de sua represso? (FOUCAULT, 1988, p.
76)
Assim, embasado nesta atmosfera de controle, medicalizao e
interdio tanto do indivduo quanto da famlia, a partir de sua sexualidade, Foucault
(DREYFUSS; RABINOW, 1995, p.188) criou o dispositivo da sexualidade, como
tambm da aliana. Esse ltimo refere-se a: articulao de obrigaes religiosas ou
legais do casamento com os cdigos de transmisso de propriedade e de laos de
sangue.
Na terceira idade, enfoque deste trabalho, esse dispositivo de
aliana cerceou durante muito tempo a iminncia da sexualidade, particularmente
para as mulheres, pois o sexo sempre esteve ligado, para as senhoras casadas,
obrigao e ao dever. S recentemente, as mulheres esto experimentando a
sexualidade como uma questo individual, atrelada aos prazeres individuais
ocultos e s fantasias.
Em aluso ao dispositivo da sexualidade foram constitudas quatro
unidades estratgicas, nas quais poder e saber se fundem em mecanismos
especficos e construdos em torno dela. Segundo Foucault (DREYFUSS;
RABINOW, 1995, p. 99-100) as unidades so:
a) histerizao dos corpos das mulheres caracteriza-se pela
articulao entre a sexualidade feminina e seu papel no corpo social, no qual cabe a
ela transmitir, para seus descendentes, idias de genuno valor para a manuteno
da estrutura por meio da represso de sua libido, reduzindo-a a mero instrumento de
reprodutibilidade humana. Para alcanar este status, o gnero feminino segue por
um julgamento moral, abafando esta energia sexual que direcionada para outras
atividades, especialmente para exercer a funo maternal. Aquelas que no se
enquadram neste paradigma so apontadas como seres patolgicos e
desagregadores da estrutura do grupo a que pertencem;
b) pedagogizao do sexo das crianas - para reforar o aspecto
proibitivo da manifestao sexual, torna-se prudente orientar as crianas quanto ao
perigo de expor sua sexualidade. As tticas contra a masturbao oferecem um
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exemplo claro da tentativa de manter cerceada esta energia tambm presente nos
infantes;
c) socializao das condutas de procriao - nesta estratgia,
foram dadas, ao casal, responsabilidades mdicas e sociais. Assim, a necessidade
de cumprir os padres almejados pela sociedade como adequados criao de
seus filhos coincide com a escassez de recursos que a estrutura econmica pode
oferecer. Em algumas sociedades, como a China, so mantidas restries fiscais
aos casais que concebem mais de um filho. Pares incapazes de fornecer sustento
inadequado, do ponto de vista social, so vistos como pervertidos e irresponsveis
aos olhos da comunidade;
d) psiquiatrizao do prazer perverso - o pragmatismo em relao
sexualidade levado ao extremo quando separado o instinto biolgico do ser
racional, ao se estabelecerem padres de normalidade e anormalidade frente s
condutas sexuais. Tratamentos mdicos so concebidos para recuperar o indivduo
que extrapola os limites sociais aceitveis em relao ao sexo. O que poderia ser
considerado apenas como uma fantasia passa a ter conotao de doena ou
distrbio.
Desse modo, ao se conseguir colocar a conduta sexual numa escala
de normalizao e patologizao, restringiram-se os desejos e as pulses
reproduo, compelindo o estabelecimento de padres de comportamentos.
(DREYFUSS; RABINOW, 1995, p. 190)
Mais recentemente, surgem a sexologia e a gerontologia, objetivando
o melhoramento do funcionamento da vida sexual e a diluio do carter
patologizador.
Entretanto, a sexologia isoladamente findou por reproduzir tcnicas
de controle como outrora, por embasar-se nos conhecimentos acerca da fisiologia
do ato sexual e de suas possveis variaes.
Nessa perspectiva, a sexologia tende a adotar como estratgias
teraputicas de interveno, prescries de medicamentos e padronizao de
comportamentos por meio de tcnicas pedaggicas de modelao. A interveno,
ento, limita-se ao corpo e ao indivduo, no considerando seu entorno. Isso ocorre
com a terceira idade que, na maioria das vezes, direciona-se em maximizar ou
otimizar o exerccio sexual e no a promover a recognio da conduta adotada
(AQUINO et al., 2003).
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Somente a partir da possibilidade da interveno sobre o sexual
observou-se a efetivao da parceria entre a gerontologia (caracterizar-se pela
promoo de mudanas na condio de vida das pessoas) e a sexologia (disciplina
que se identifica pelo interesse na rea da sexualidade e em suas provveis
intervenes). Essa juno trouxe muitos benefcios para ambas, apesar das
disparidades entre as vises, e da resistncia por parte da sexologia frente viso
global do indivduo, considerando seus aspectos fisiolgicos, psquicos e sociais.
A gerontologia aproxima-se da viso mais abrangente do indivduo ao
incorporar em seu campo terico a heterogeneidade da experincia do
envelhecimento; entretanto, esse movimento ainda permanece muito aqum em
relao sexualidade, pois a sexologia ainda carrega ranos ao defender a
padronizao em relao ao sexo. (AQUINO et al., 2003)
notrio que a sexualidade sempre esteve como pano de fundo na
constituio da feminilidade e que foi atravs de seu controle que a mulher construiu
sua identidade feminina e conduziu suas prticas no passado; seu cerceamento e
recluso atrelaram a mulher maternidade, sufocando e reduzindo suas prticas
apenas servido.
Em outro momento, com o advento do movimento feminista e a
insero da plula anticoncepcional, a sexualidade foi tratada com maior liberdade, o
que corroborou a libertao da sexualidade feminina. Foi permitido a ela decidir com
quem e em que momento da vida iria ligar-se a algum afetivamente e construir
vnculos de unio estvel. A mulher ento pde se posicionar em relao
maternidade e ao planejamento familiar.
Hoje, esse movimento, apesar de algumas agruras, cresceu e
chegou at as mulheres mais velhas, colocando-as em p-de-igualdade em
relao s escolhas e opes frente ao seu corpo e seus desejos.
Nessa perspectiva, presenciamos um forte e crescente movimento
por parte das idosas na construo de uma nova identidade. Identidade esta que
passa a ser solicitada com o prolongamento da expectativa de vida e com a
feminizao da velhice: soberania feminina em relao ao universo da velhice. De
acordo com dados do Censo Demogrfico de 2000, 55% do contingente
populacional brasileiro maior de 60 anos era composto por mulheres. Entre os
maiores de 80 anos, essa proporo sobe para 60,1%. (CAMARANO, 2004, p.2)
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No cabe mais em nossa atualidade o esteretipo das idosas de
vinte anos atrs. O bum da terceira idade exige uma nova postura da mulher idosa
contempornea, que tende a beneficiar no apenas a essa camada da sociedade,
mas a outras faixas etrias tambm. Quando vemos autonomia e independncia
atingirem um extrato de nossa populao, a tendncia de que outros segmentos
populacionais da sociedade tambm se beneficiem, promovendo assim uma
sociedade mais crtica e menos alienada, sabedora de seus direitos e deveres.
2.4 O q