113
O Rei Cinzento (The Grey King) Livro 4 de 5 na série "The Dark is Rising" Susan Cooper Tradução Não Oficial: Eduardo A. Chagas Jr.

a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

  • Upload
    alock22

  • View
    214

  • Download
    35

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

O Rei Cinzento(The Grey King)

Livro 4 de 5 na série "The Dark is Rising"

Susan Cooper

Tradução Não Oficial: Eduardo A. Chagas Jr.

Page 2: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf
Page 3: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“W i l l podia sentir a tensão aumentando por toda parte, avançando como uma lenta enchente incansável dos altos picos acima do f im do vale. A inimizade estava começando a chocar-se contra ele. De forma lenta mas irresist ível , a pressão da malevolência estava se acumulando até o ponto em que poderia desabar e subjugá-lo. Apenas os sentidos ocultos de um Antigo Escolhido poderiam sentir o trabalho do Escuro.. .”

Page 4: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf
Page 5: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Embora todos os personagens nesse l ivro sejam fictícios, os lugares são reais. Entretanto, tomei certas l iberdades com a geografia de Vale Dysynni e Tal y Llyn, e não há nenhuma fazenda de verdade onde eu fiz Clwyd, a de Prichard e Ty-Bont.

A Brenin Llwyd eu não inventei.

Agradeço ao Rev. Kenneth Francis, Sr . J. L. Jones e Sra. Eira Crook por genti lmente checar meu Galês.

Page 6: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf
Page 7: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

No dia dos mortos, quando o ano também morre, Deve o mais jovem abrir as colinas mais antigas Através da porta dos pássaros, onde quebra a brisa. Ali o fogo voará do garoto corvo, E os olhos prateados que enxergam o vento, E a Luz terá a Harpa de Ouro.

No lago confortável jazem os Adormecidos,No Caminho de Cadfan onde gri tam os falcões;Embora severas as sombras do Rei Cinzento caiam, Ainda cantando a harpa dourada guiaráPara quebrar o sono deles e pedir que cavalguem.

Quando a luz da terra perdida retornar,Seis Adormecidos cavalgarão, seis Signos queimarão,E onde a árvore do solst ício de verão cresce al t ivaPela espada de Pendragon o Escuro cairá.

Y maent yr mynyddoedd yn canu, ac y mae'r arglwyddes yn dod.

Page 8: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf
Page 9: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

PARTE UM: A HARPA DOURADA

As Colinas Mais Antigas

O Caminho de Cadfan

O Garoto Corvo

Fogo Na Monatnha

Rocha dos Pássaros

O lhos Que Enxergam O vento

Raposa Cinza

PARTE DOIS: OS ADORMECIDOS

A Garota das Montanhas

O Rei Cinzento

O Lago Confortável

A Warestone

O Casebre No Pântano

O Despertar

Page 10: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf
Page 11: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Prólogo

“Você está acordado, Will? Will? Acorde, está na hora de seu remédio, amor. . .”

O rosto balançou para frente e para t rás como um pêndulo; levantou em um borrão rosado; caiu novamente; divididos em seis borrões rosados, todos girando como rodas loucamente. Ele fechou seus olhos. Podia sentir o suor fr io em sua testa, pânico em sua mente. Eu o perdi . Eu esqueci! Até mesmo na escuridão o mundo girava. Havia um enorme barulho em sua cabeça como o de água correndo, até que por um momento a voz irrompeu através dele novamente.

“Will! Só por um momento, acorde.. .”

Era a voz de sua mãe. Ele sabia, mas não conseguia se concentrar. A escuridão girava e rugia. Eu perdi alguma coisa. Se foi . O quê era? Era terrívelmente importante, tenho que lembrar, eu tenho!. Ele começou a fazer esforço, buscando pela consciência, e de muito longe ouviu a si mesmo gemendo.

“Aqui vamos nós.” Outra voz. O doutor. Um braço firme, apoiando seus ombros; metal frio em seus lábios, um l íquido derramado cuidadosamente garganta abaixo. Ele engoliu automaticamente. O mundo rodopiou loucamente. O pânico veio transbordando de novo. Algumas palavras fracas passaram através de sua mente e desapareceram como um pedacinho de uma música; sua memória apertou, sôfrega - “No dia dos mortos.. .”

A Sra. Stanton observou o rosto branco ansiosamente, os olhos fechados escurecidos, o cabelo úmido. “O quê ele disse?”

De repente Will sentou-se, olhos arregalados e f ixos. “No dia dos mortos…” Ele olhou para ela, suplicando, sem reconhecê-la, “É tudo que consigo me lembrar! Se foi! Tinha alguma coisa que eu t inha que lembrar, uma coisa que eu tinha que fazer, isso era mais importante do que qualquer coisa e eu perdi! Eu esqueci…” Seu rosto franziu e ele caiu desamparado, lágrimas descendo por suas bochechas. Sua mãe se incl inou sobre ele, os braços dela em torno dele, murmurando de modo acalentador como se ele fosse um bebê. Em poucos momentos ele começou a relaxar, e a respirar mais facilmente. Ela olhou para cima afli ta.

“Ele está del irando?”

O doutor balançou sua cabeça, seu rosto arredondado compassivo. “Não, ele passou disso. Fisicamente, o pior acabou. Isso é mais como um sonho ruim, uma alucinação – embora ele realmente possa ter perdido algo de sua memória. A mente pode ter muita l igação com a saúde do corpo, mesmo em uma criança. . . Não se preocupe. Ela vai dormir agora. E a parti r de agora f icará melhor a cada dia.”

A Sra. Stanton suspirou, acariciando a testa úmida de seu f ilho mais novo. “Fico muito agradecida. Você tem vindo tantas vezes - não há muitos doutores que.. .”

“Puf, puf,” disse rapidamente o pequeno Dr. Armstrong, pegando o pulso de Will entre os dedos. “Somos todos velhos amigos. Ele foi um garoto muito, muito doente por algum tempo. Ele também vai f icar fraco por muito tempo – nem mesmo os mais jovens se recuperam muito rápido desse t ipo de coisa. Eu voltarei , Alice. Mas de qualquer modo, cama por pelo menos outra semana, e nada de escola por um mês depois disso. Você pode mandar ele para algum lugar afastado? Que tal aquele primo seu em Wales, que levou Mary na Páscoa?”

1

Page 12: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Sim, ele poderia ir lá . Tenho certeza de que poderia. É muito bom em Outubro, também, e o ar do mar. . . Vou escrever para eles.”

Will mexeu sua cabeça no t ravesseiro, resmungando, mas não acordou.

2

Page 13: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Um: A Harpa Dourada

As Colinas Mais Antigas

Ele lembrou que Mary havia dito, “Todos eles falam Galês, a maior parte do tempo. Até a t ia Jen.”

“Oh, Deus,” falou Will .

“Não se preocupe,” sua irmã disse. “Mais cedo ou mais tarde eles trocam para Inglês, se perceberem que você está presente. Só lembre de ser paciente. E eles serão extra gentis porque você esteve doente. Pelo menos eles foram comigo, depois da minha caxumba.”

Agora Will estava sozinho na venti lada plataforma cinza da pequena estação de Tywyn, sob um fino chuvisco de uma chuva de Outubro esperando pacientemente enquanto dois homens de uniforme azul marinho da estrada de ferro discutiam de modo sério em Galês. Um deles era pequeno e meio curvado, semelhante a um gnomo; o outro t inha uma leve aparência como a de um homem fei to de massa.

O gnomo avistou Will . “Beth sy'n bod?” ele disse.

“Hã - me desculpe,” disse Will . “Meu t io falou que me encontraria do lado de fora do trem, na área da estação, mas não tem ninguém do lado de fora. Você poderia me dizer se tem mais algum outro lugar ao qual ele podia estar se referindo?”

O gnomo balançou a cabeça.

“Então, quem é o seu tio?” perguntou o homem de rosto suave.

“Sr. Evans, de Bryn-Crug. Fazenda Clwyd,” disse Will . O gnomo deu uma risadinha. “David Evans vai se atrasar um pouco, garoto. Você tem um bom sonhador para um t io. David Evans vai se atrasar quando a Últ ima Trombeta soar. Espere apenas um pouquinho. De férias, não é?” Escuros olhos bri lhantes observaram inquisit ivos dentro de seu rosto.

“Mais ou menos. Eu t ive hepati te. O doutor disse que eu tinha que me afastar para convalescer.”

“Ah!” O homem acenou com sua cabeça de modo sagaz. “Você parece um pouco debil i tado, sim. Entretanto, veio ao lugar certo. O ar nessa costa é muito relaxante, eles dizem, muito relaxante. Mesmo nessa época do ano.”

Um barulho de rugido surgiu de repente de além da bi lheteria, e através da barreira Will viu um Land-Rover l is trado de lama entrar no terreno. Mas a figura que veio pulando dele não era a aquela do pequeno fazendeiro que ele lembrava vagamente; era um jovem magro e de aparência forte, balançando sua mão convulsivamente.

“Will , não é? Alô. Da me enviou para encontrar você. Sou Rhys.”

“Como vai .” Will sabia que t inha dois primos Galeses crescidos, da idade de seus i rmãos mais velho, mas nunca tinha colocado os olhos em nenhum deles.

Rhys levantou sua mala como se ela fosse uma caixa de fósforos. “Isso é tudo que você tem? Vamos indo, então.” Ele acenou com a cabeça para o homem da companhia ferroviária. “Sut 'dach chi?”

3

Page 14: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Lawn diolch,” disse o gnomo. “Caradog Prichard estava perguntando por você ou seu pai , por toda parte, essa manhã. Algo sobre cães.”

“Uma pena que você não tenha me visto, hoje,” Rhys disse.

O gnomo riu. Ele pegou o bi lhete de Will . “Fique logo bom, meu jovem.”

“Obrigado,” disse Will .

Empoleirado na frente da Land-Rover, ele olhou para a pequena cidade cinza enquanto os l impadores de pára-brisa tentavam em vão, t rick-crack, t rick-crack, ret i rar a fina chuva nebulosa do vidro. Lojas desertas alinhavam-se pela rua pequena, e umas poucas figuras curvadas em capas de chuva passavam apressadas; ele viu uma igreja, um pequeno hotel, mais casas bem cuidadas. Então a estrada estava se alargando e eles estavam do lado de fora entre cercas enfei tadas, com campos abertos além, e col inas verdes erguendo-se contra o céu: um céu cinza, sem formas com a neblina. Rhys parecia t ímido; ele dir igiu sem nenhuma tentativa de conversar - embora o motor f izesse tanto barulho que a conversação teria sido dif íci l de qualquer modo. Eles dir igiram passando por grupos de casas de campo si lenciosas, as placas que anunciavam HÁ VAGAS ou CAMA E CAFÉ-DA-MANHÃ balançavam tr istemente agora que a maioria dos visitantes do feriado t inham ido embora.

Rhys virou o carro para o interior, em direção às montanhas, e quase imediatamente Will teve uma estranha nova sensação de enclausuramento, quase de ameaça. A pequena estrada era mais estreita aqui, como um túnel , com seus altos bancos de grama e cercas que erguiam-se como paredes verdes em ambos os lados. Sempre que eles passavam pela abertura onde uma cerca se abria para um campo através através de um portão, ele podia ver a grande massa dos lados de colinas marrom esverdeadas elevando-se até o céu cinzento. E em frente, quando curvas na estrada exibiam rapidamente o céu aberto através das árvores, um conjunto mais al to de col inas verdes estendiam-se na distância, desaparecendo dentro de nuvens irregulares. Will sent iu que estava em uma parte da Inglaterra como nenhuma outra onde ele já est ivera: um lugar secreto, isolado, com poderes escondidos em seus séculos encobertos sobre os quais ele não conseguia nem imaginar. Ele estremeceu.

No mesmo momento, quando Rhys virava em uma curva fechada em direção a uma ponte estrei ta, o Land-Rover deu um estranho solavanco e incl inou para um lado, na direção da cerca. Freiando com força, Rhys segurou firme no volante e parou em um ângulo que pareceu indicar que uma roda estava em um buraco.

“Maldição!” ele disse com força, abrindo a porta.

Will pulou atrás dele. “O que aconteceu?”

“Ali está o que aconteceu.” Rhys apontou um dedo longo para a roda dianteira do lado mais próximo, seu pneu espremido contra uma pedra que projetava-se da cerca. “Olha só para isso. Rasgou ele todo, e esses pneus são tão grossos, você jamais imaginaria. . .” A voz dele suave, meio rouca, estava elevada pelo espanto.

“A pedra estava na estrada?”

Rhys balançou sua cabeça cacheada. “Vai para debaixo da cerca. Ela é imensa, isso é só uma ponta.. . eu costumava sentar nessa pedra quando eu t inha metade do seu tamanho. . .” O espanto tinha banido sua t imidez. “Então o que fez o carro pular? Essa é a coisa engraçada, pareceu pular , ela pareceu, ir direto nele, para o lado. Não foi o pneu estourando, que pareceu meio diferente. . .” Ele se endirei tou, t irando a chuva que cobria suas sobrancelhas. “Bem, bem. Agora, uma troce de pneu.”

Will falou esperançoso, “Posso ajudar?”

4

Page 15: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Rhys olhou para ele: para os olhos sombreados e o rosto pál ido sob o espesso cabelo castanho. Ele r iu de repente, diretamente para Will pela primeira vez desde que eles t inham se conhecido; isso fez o rosto dele parecer um pouco diferente, despreocupado e jovem. “Você vem até aqui depois de estar tão doente, para se recuperar novamente, e eu vou fazer você sair na chuva para t rocar um pneu velho? Sua mãe ficaria furiosa. Volte para o lugar aquecido, vamos lá.” Ele se moveu dando a volta até a porta t raseira do pequeno carro quadrado, e começou a ret i rar ferramentas.

Will subiu obedientemente na frente do Land-Rover de novo; ele parecia uma pequena caixa quente, confortável , depois do vento gelado soprando o chuvisco em seu rosto na estrada. Não havia som algum, ali entre os campos abertos sob as col inas que se agigantavam, apenas o suave lamento do vento nos f ios telefônicos, e um ocasional béee profundo de uma ovelha distante. E o chocalhar de uma chave inglesa; Rhys estava ret i rando os parafusos que seguravam o pneu reserva na porta de trás.

Will curvou sua cabeça de volta contra o assento, fechando seus olhos. Sua enfermidade o t inha mantido na cama por um longo tempo, em um longo nublado de dor, sofrimento e l igeiros rostos ansiosos, e embora ele est ivesse de pé novamente por mais de uma semana, ainda f icava cansado muito faci lmente. Às vezes era assustador sentir-se sem fôlego e exausto, depois de algo tão comum com subir um lance de escadas.

Ele sentou relaxado, deixando os suavens sons do vento e da ovelha que balia deslizarem através de sua mente. Então outro som apareceu. Abrindo os olhos, ele viu no retrovisor lateral outro carro diminuindo a velocidade e parando atrás deles.

Um homem desceu, forte, volumoso, usando um chapéu achatado, e uma capa de chuva batendo sobre botas de borracha; ele estava r indo. Sem nenhuma boa razão, Will não gostou do sorriso instantaneamente. Rhys abriu a traseira do Land-Rover novamente, para pegar seu macaco, e Will ouviu o recém-chegado saudá-lo em Galês; as palavras eram incompreensíveis, mas elas possuiam um tom zombeteiro inconfundível. Toda essa breve conversa, na verdade, ficou com significado tão aberto como se Will t ivesse entendido cada palavra.

O homem estava claramente zombando de Rhys por ter que trocar um pneu na chuva. Rhys respondeu, de modo curto mas sem mal-humor. O homem olhou para dentro do carro deliberadamente, caminhando em frente para observar na janela; ele encarou Will , sem sorrir, com estranhos olhos de cíl ios curtos, e perguntou alguma coisa para Rhys. Quando Rhys respondeu, uma das palavras foi “Will .” O homem na capa de chuva disse mais alguma coisa, com um desdém que dessa vez foi direcionado para os dois, e então sem aviso algum ele começou um discurso impressionante de rápidas palavras de tom amargo, as palavras escorrendo agitadas e guturais como um rio turbulento transbordando. Rhys pareceu não prestar atenção alguma. Finalmente o homem fez uma pausa, furioso. Ele se virou e marchou de volta para seu carro; então ele dir igiu lentamente passando por eles, ainda encarando Will enquanto passava. Um cão preto e branco estava olhando sobre o ombro do homem, e Will viu que o carro era de fato uma van, cinza e sem janelas na traseira.

Ele deslizou para o banco do motorista e abriu a janela; o Land-Rover incl inou-se levemente para cima debaixo dele quando Rhys levantou o macaco.

“Quem era aquele?” Will disse.

“Um colega chamado Caradog Prichard, lá de cima do vale.” Rhys bateu suas mãos enigmaticamente, e elvantou de novo. “Um fazendeiro.”'

“Ele poderia ter f icado e ajudado você.”

“Ha!” Rhys disse. “Caradog Prichard não é muito bem conhecido por ajudar.”

“O que ele disse?”

5

Page 16: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Ele me disse o quanto divert ido me ver preso. E algumas coisas sobre um desentendimento que temos. De nenhuma importância. E perguntou quem era você.” Rhys girou sua chave inglesa, soltando os parafusos da roda, e olhou para cima com um t ímido sorriso conspirador. “Foi muito bom que nossas mães não est ivessem escutando, eu não fui educado. Eu disse que você era meu primo e que não era da conta dele.”

“Ele estava zangado?”

Rhys fez uma pausa refletindo. “Ele disse – Nós veremos quanto a isso .”

Will olhou subindo a estrada do vale onde a van tinha desaparecido. “Essa é uma coisa engraçada para dizer .”

“Oh,” Rhys disse, “esse é Caradog. O hobby dele é fazer as pessoas sentirem-se desconfortáveis. Ninguém gosta dele, a não ser os seus cães, e ele nem ao menos gosta deles.” Ele puxou a roda danificada. “Agora f ique bem sentado. Não vamos demorar muito.”

Na hora em que ele subiu de volta no banco do motorista, esfregando suas mãos em um farrapo oleoso, o chuvisco f ino tinha se t ransformado em chuva de verdade; o cabelo escuro estava se enrolando molhado sobre sua cabeça. “Bem,” Rhys disse. “Esse é o velho e bom cl ima saudando você, eu devo dizer. Mas isso não vai durar. Ainda teremos uma boa amostra de sol, aparecendo e aceso, antes que o inverno caia sobre nós.”

Will olhou para as montanhas, escuras e distantes, dançando no campo de visão enquanto eles seguiam a estrada cruzando o vale. Nuvem branco-acinzentada pendia ao redor das col inas mais altas, os cumes delas invisíveis por trás da neblina. Ele disse, “A nuvem se espalhou ao redor do topo das montanhas. Talvez esteja se dispersando.”

Rhys olhou casualmente. “O respirar do Rei Cinzento? Não, sinto muito dizer . Will , isso deve significar um mau sinal .”

Will f icou sentado imóvel , um grande som veloz em seus ouvidos; agarrou a borda de seu assento até que o metal machucasse seus dedos. “Do que você a chamou?”

“A nuvem? Oh, quando ela flutua dispersa desse jei to nós a chamamos o respirar do Brenin Llwyd . O Rei Cinzento. Acredita-se que ele vive lá em cima na terra alta. É só uma das ant igas histórias.” Rhys olhou de lado para ele então freiou de repente; a Land-Rover diminuiu quase parando. “Will! Você está bem? Você parece branco como um fantasma. Você está se sentindo mal?”

“Não. Não. Foi só que…” Will estava observando a massa verde das col inas. “Foi só que. . . o Rei Cinzento, o Rei Cinzento.. . é parte de algo que eu conhecia, algo que eu deveria lembrar, para sempre. . . Pensei que tinha perdido. Talvez – talvez isso volte. . .”

Rhys colocou o carro de novo em marcha. “Oh,” ele disse alegremente através do barulho, “vamos deixar você melhor, você vai ver. Qualquer coisa pode acontecer naquelas velhas col inas.”

6

Page 17: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Um: A Harpa Dourada

O Caminho de Cadfan

“Está vendo?” disse a Tia Jen. “Eu disse que ia clarear.”

Will engoliu seu úl timo bocado de bacon. Você não pensaria que esse era o mesmo lugar. Incrível.”

Os raios de sol da manhã jorraram como bandeiras através das janelas da comprida cozinha da casa de fazenda. Eles cint i laram nas placas azuis de ardósia do chão, sobre um conjunto chinês com gravura de salgueiro no enorme guarda-louça negro; na prateleira de reluzentes canecas em forma de um homem gordo acima do fogão. Um arco-íris dançou sobre o teto baixo, lançado como um fei t iço do sol vindo da alça da jarra de lei te de vidro.

“Quente, também,” falou a Tia Jen. “Nós vamos ter um Indian summer para você. Will . E vamos engordar você um pouquinho também, meu querido. Coma mais um pouco de pão.”

“É maravilhoso. Eu não comia tanto faz meses.” Will observou a pequena Tia Jen com afeição quando ela correu para a cozinha. Falando corretamente, ela não era sua t ia , mas uma prima de sua mãe; as duas tinham crescido como amigas ínt imas, e ainda trocavam muitas cartas. Mas Tia Jen havia deixado Buckinghamshire fazia muito tempo; era uma das lendas mais românticas na famíl ia, a história de como ela foi para Wales passar um feriado, se apaixonou perdidamente por um jovem fazendeiro Galês, e nunca mais foi para casa de novo. Agora ela até soava Galesa – e parecia, com sua pequena forma rechonchuda e brilhantes olhos escuros.

“Onde está o Tio David?” ele disse.

“Lá fora em algum lugar no quintal . Essa é uma época do ano trabalhosa com as ovelhas, as fazendas da colina enviam os animais jovens aqui para baixo por causa do inverno.. . em breve ele terá que dirigir até Tywyn, ele quis saber se você gostaria de ir também. Você poderia ir até a praia, nesse sol.”

“Legal .”

"Mas atenção, nada de natação,” a Tia Jen falou depressa.

Will riu. “Eu sei, estou frágil . Tomarei cuidado.. . eu adoraria i r . Posso mandar um cartão para Mamãe, dizendo que cheguei aqui inteiro.”

Um barulho e uma sombra surgiram na porta; era Rhys, desgrenhado, t irando um suéter . “Bom dia, Will . Você deixou um pouco de café para nós?”

“Você está atrasado,” Will falou de modo atrevido.

“Atrasado, não é?” Rhys olhou para ele fingindo raiva. “Escute só ele – e nós lá fora desde as seis com apenas uma velha xícara de chá nas entranhas. Amanhã de manhã, John, vamos arrancar esse jovem macaco da cama e levá-lo com agente.”

Atrás dele uma voz profunda deu r isadas. A atenção de Will foi atraída por um rosto que ele não t inha visto antes.

“Will , esse é John Rowlands. O melhor homem com ovelhas em Wales.”

7

Page 18: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“E com a harpa também,” falou a Tia Jen.

Era um rosto magro, com os ossos abaixo dos olhos destacados, e muitas l inhas em toda parte, agora enrugadas ao redor dos olhos por causa do sorriso. Olhos escuros, castanhos como café; cabelo curto escuro, marcado em ciza nos lados; a boca de forma bem modelada do Celta. Por um momento Will observou, fascinado; havia uma curiosa força indefinivel nesse John Rowlands, mesmo que ele não fosse um homem grande.

“Croeso , Wil l ,” falou John Rowlands. “Bem-vindo a Clwyd. Ouvi falar de você por sua irmã, na primavera passada.”

“Minha nossa,” disse Will com inimaginável surpresa, e todos r iram.

“Nada de ruim,” Rowlands falou, sorrindo. “Como está Mary?”

“Ela está bem,” Will disse. “Disse que teve ót imos momentos aqui, na últ ima Páscoa. Eu também estava longe naquela época. Em Cornwall.”

Ele f icou em si lêncio por um momento, seu rosto repentinamente distraído e vazio; John Rowlands olhou para ele rapidamente, então sentou-se na mesa onde Rhys já estava posicionado sobre o bacon e os ovos. O tio de Will entrou, carregando um monte de papéis.

“Cwpanaid o de, cariad” falou a Tia Jen, quando viu ele.

“Diolch yn fawr,” falou David Evans, pegando a xícara de chá que ela oferecia para ele. “E então eu devo part ir para Tywyn. Você quer i r , Wil l?”

“Sim, por favor.”

“Devemos levar umas duas horas.” O som da voz dele era sempre muito preciso; ele era um homem pequeno de boa aparência, com traços bem definidos, mas às vezes com um vago olhar reflexivo em seus olhos escuros. “Tenho que ir ao banco, e ver Llew Thomas, e também tem o pneu novo para a Land-Rover. O carro que sal tou no ar e rasgou o seu prório pneu.”

Rhys, com sua boca cheia, fez um barulho de protesto estrangulado. “Agora, Da,” ele disse, engolindo. “Eu sei como ficou parecendo, mas eu realmente não sou louco, não tinha nada que pudesse fazer ela desviar para o lado daquele jei to e bater na pedra. A não ser que a barra da caixa de direção esteja com defei to.”

“Não tem nada de errado com a direção daquele carro,” David Evans falou.

“Então muito bem!” Rhys estava indignado. “Eu digo que ela simplesmente virou sem nenhum motivo. Pergunte a Will .”

“É verdade,” disse Will . “O carro simplesmente deu um tipo de pulo para o lado e bateu naquela pedra. Não vejo o que poderia ter feito ele pular, a não ser que tenha passado em cima de uma pedra sol ta na estrada – mas essa teria que ser uma pedra bem grandinha. E não tinha sinal de nenhuma em lugar algum.”

“Vocês dois já são grandes al iados, posso ver,” falou o t io dele. Ele esvaziou sua xícara de chá, observando os dois por cima dela; Will não t inha certeza se ele estava rindo para eles ou não. “Bem, bem, vou mandar checar a direção de qualquer modo. John, Rhys, agora aquela cerca extra para i fr idd – ”

Eles passaram a falar em Galês, sem pensar. Isso não incomodou Will . Ele estava ocupado tentando afastar uma pequena voz no fundo de sua mente, uma pequena voz irracional com uma sugestão irracional. “Se eles querem saber o que fez o carro pular, ” essa parte de sua mente estava sussurrando para ele, “porque eles não perguntam a Caradog Prichard?”

8

Page 19: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

David Evans deixou Will em uma pequena banca de jornais, onde ele poderia comprar cartões postais , e saiu para deixar a Land-Rover em uma garagem. Will comprou um cartão que exibia um lago escuro sinistro cercado por montanhas de aparência bastante Galesa, escreveu nele “CHEGUEI AQUI! Todos mandam lembranças,” e enviou para sua mãe através do Correio, uma solene e inconfundível contrução de ti jolos vermelhos em uma esquina da Tywyn High Street. Então ele olhou ao redor, imaginando para onde ir em seguida.

Escolhendo aleatoriamente, esperando ver o mar, ele virou subindo para direi ta subindo pela Rua Principal que fazia uma curva. Em pouco tempo descobriu que não haveria mar algum nesse caminho: nem qualquer outra coisa a não ser lojas, casas, um cinema com uma imponente frente Vitoriana pomposamente rotulada ASSEMBLY ROOMS, e o portão coberto por um telhado de uma igreja.

Will gostava de examinar igrejas, antes que sua doenças o tivesse at ingido, ele e dois amigos da escola t inham rodado por todo o Vale Thames para fazer polimento em metal . Ele seguiu na pequena entrada para a igreja, para ver se podia haver alguma coisa de metal aqui.

A entrada da igreja t inha um teto baixo, profundo como uma caverna; do lado de dentro, a igreja era sombria e fr ia, com robustas paredes pintadas de branco e massivos pilares brancos. Ninguém estava lá. Wil l não encontrou nada em metal para fazer polimento, apenas monumentos para benfeitores impronunciáveis, como Gruffydd ap Adda do Ynysymaengwyn Hall . Nos fundos da igreja, no seu caminho de saída, ele notou uma estranha pedra cinza comprida colocada em uma ponta, com marcas gravadas antigas demais para que ele decifrasse. Ele observou por um longo momento; pareceu como um presságio de algum t ipo, embora ele não tivesse a mínima idéia de que significância. E então, no pát io em sua saída, olhou distraidamente para o quadro de avisos com seus amontoados de notícias da paróquia, e ele viu o nome: Church of St.Cadfan .

A tontura surgiu novamente em seus ouvidos como o vento; atordoante, ele caiu sobre o banco baixo no pát io. Sua mente girou, de repente ele estava de volta na turbulenta confusão de sua doença, quando ele t inha percebido que algo, algo muito precioso, t inha escapado ou sido ret irado de sua memória. Palavras flutuavam através de sua consciência, sem ordem ou sentido, e então uma frase veio até a superfície como um peixe que saltava: “No Caminho de Cadfan ondegri tam os falcões.. .” Sua mente segurou isso de modo ávido, buscando por mais. Mas não houve mais. O turbilhão se desfez; Will abriu seus olhos, respirando de forma mais estável , a tontura desparecendo gradualmente. Ele disse devagar, em voz al to, “No Caminho de Cadfan onde gritam os falcões. . . No Caminho de Cadfan.. .” Sob o sol do lado de fora as lápides cinzentas e a grama verde brilharam, com o cinti lar de jóias de luz aqui e al i por causa de gotas de chuva que ainda pendiam das hastes mais longas do dia anterior . Will pensou, “No dia dos mortos. . . o Rei Cinzento . . .” devia ter algum tipo de aviso a respeito do Rei Cinzento. . . e o que é Caminho de Cadfan?”

“Oh,” ele disse bem al to com uma fúria súbita, “se ao menos eu pudesse me lembrar!”

Ele se levantou e voltou até a banca de jornais. “Por favor,” ele disse, “tem um guia da igreja, ou da cidade?”

“Nada em Tywyn,” disse a moça de bochechas vermelhas da banca, em seu ri tmado Galês sibilante. “Você está atrasado demais para a estação,. . mas o Sr. Owen tem um folheto à venda na igreja, eu acho. E é isso, se você quiser . Cheio de adoráveis passeios.” Ela mostrou a ele um Guia para o Norte de Gales , por tr inta e cinco pences.

“Bem,” disse Will , contando seu dinheiro de modo relutante. “Sempre poderei levar ele para casa mais tarde, eu imagino.”

“Seria um presente muito bom,” falou seriamente a garota. “Ele tem algumas fotos

9

Page 20: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

l indas. E olhe só para a capa!”

“Obrigado,” disse Will .

Quando olhou para o pequeno l ivro, do lado de fora, ele dizia que os Saxões tinham se estabelecido em Tywyn em A.D. 516, ao redor da igreja construída por St. Cadfan da Bretanha and his holy well , e que a pedra gravada na igreja er considerada a mais ant iga peça com escri ta em Galês que existia, e podia ser t raduzida:

“O corpo de Cyngen está no lado entre o local onde as marcas estarão. No refúgio debaixo da col ina estende-se Cadfan, said that i t should enclose the praise of the earth . Que ele descanse sem ser maculado.” Mas não dizia uma palavra sobre o Caminho de Cadfan. Nem, quando ele verif icou, o folheto na igreja.

Will pensou: Não é Cadfan que eu quero, é o Caminho dele. Um caminho é uma estrada. Um caminho onde gritam os falcões deve ser uma estrada sobre um pântano, ou uma montanha.

Isso afastou até o l i toral de sua mente, quando mais tarde ele caminhou distraidamente por algum tempo entre os quebra-ondas da praia. Quando encontrou com seu tio para a viagem de volta até a fazenda, ele também não encontrou ajuda alguma.

“Caminho de Cadfan?” falou David Evans. “Você pronuncia Cadvan, a propósito; um f tem sempre o som de v em Galês. . . Caminho de Cadfan. . . Não. Isso realmente soa um pouco famil iar , você entende. Mas eu não poderia dizer , Will . John Rowlands ao qual se deve perguntar coisas como essa. Ele tem uma mente como uma enciclopédia, o John tem mesmo,” cheia de coisas ant igas.”

John Rowlands estava fora em algum lugar da fazenda, ocupado, então enquanto isso Will t inha que se conter com um mapa bem dobrado. Ele saiu com ele naquela tarde, sozinho no vale ensolarado, para caminhar pelos l imites da fazenda; o t io dele os t inha marcado grosseiramente a lápis para ele. Clwyd era uma fazenda da baixada, estendendo-se pela maioria do vale do Rio Dysynni ; uma parte de suas terras era pantanosa, perto do rio, e uma parte estendia-se subindo o lado cheio de pedras sol tas da montanha, verde, cinza e marrom samambaia. Mas a maioria era terra de um luxuriante vale verde, férti l , e amistosa, parte dela deixada recém-arada desde a colhei ta da safra desse ano, e todo o resto servindo como pasto para o robusto gado Preto Galês. Na terra de montanha, apenas as ovelhas pastavam. Algumas das ladeiras mais baixas t inham sido aradas, muito embora até mesmo elas precessem tão escarpadas para Will que ele ficava imaginando como um trator fazendo o arado poderia evi tar virar. Acima destas, nada crescia a não ser samambaia, grupos de pequenas árvores retorcidas pelo vento, e grama; a montanha erguia-se para o céu, e o profundo gri to sem objetivo de uma ovelha surgia de vez em quando flutuando no meio da tarde quente.

Foi por outro som que ele encontrou John Rowlands, inesperadamente. Enquanto ele estava caminhando através de um dos campos de Clwyd em direção ao r io, com uma al ta cerca viva de um lado dele e o escuro solo arado do outro, ele ouviu um leve som abafado, em algum lugar em frente. Então de repente ele viu a f igura em uma curva, movendo-se f irme e ri tmadamente como se estivesse em uma lenta dança proposital . Ele parou e observou, fascinado. Rowlands, his shir t half-open and a red kerchief t ied round his neck, was making a t ransformation. Ele se movia gradualmente pela cerca, primeiro cortando aqui e ali com uma ferramenta assassina semelhante a um cruzamento entre um machado e um cutelo de pirata, então abaixando, puxando e interweaving whatever remained of the long, rank growth. Diante dele, a cerca viva crescia alta e selvagem, grandes braços se esticando descontrolados em todas as direções enquanto a hazel and hawthorn faziam o melhor que podiam para crescer into ful l-fledged trees. Atrás dele, enquanto se movia por seu caminho cruel, ele deixava uma cerca limpa: montes de galhos cortados erguidos bem al to como lanças, com cada quinto galho curvado impiedosamente em ângulos retos e entrelaçados pelo resto como se fosse parte of a hurdle.

10

Page 21: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Will observou, em silêncio, até que Rowlands percebeu a presença dele e se endireitou, respirando pesadamente. Ele soltou o lenço vermelho da cabeça, esfregou sua testa com ele e o amarrou frouxo ao redor de seu pescoço. No seu rosto moreno marcado, as l inhas ao lado dos olhos escuros ergueram-se só um pouco quando ele olhou para Will .

“Eu sei ,” ele disse, a voz de veludo solene. “Você está pensando, aqui está essa maravilhosa cerca viva cheia de folhas e hawthorn berries, elevando-se até o céu, e aqui está esse homem fazendo-a em pedaços como uma açougueiro retalhando uma ovelha, t ransformando-a em uma pequena cerca nua horrível, toda fina e sem graça.”

Will sorriu. “Bem,” ele disse. “Sim, algo assim.”

“Ah,” falou John Rowlands. Ele se agachou, repousando a lâmina de seu machado no chão entre seus joelhos e apoiando-se nele. “Duw , é muito bom que você tenha vindo. Eu não consigo ir tão rápido como costumava. Bem, deixa eu te dizer agora, se deixarmos essa adorável cerca viva do jei to que está agora, e ela ficar por tempo demais, tomaria conta da metade do campo antes dessa época no ano que vem. E mesmo que eu esteja cortando fora sua cabeça e metade de seu corpo, todos esses t ristes galhos curvados que você vê irão gerar tantos braços novos na próxima primavera que você mal vai notar qualquer diferença.”

“Agora que você mencionou isso,” disse Will , “sim, é claro, as cercas vivas são as mesmas em casa, em Bucks. Só que na verdade eu nunca tinha visto ninguém fazendo isso.”

“Estava de olho nessa cerca viva faz um ano,” John Rowlands disse. “Ela foi deixada no inverno passado. Pois ela é como a vida. Wil l – às vezes você parece ter que ferir alguma coisa para lhe fazer algo de bom. Mas nem sempre um grande ferimento, graças a Deus.” Ele f icou de pé novamente. “Você já parece mais saudável , ibachgen . O sol Galês é bom para você,”

Will olhou para o mapa em sua mão. “Sr. Rowlands,” ele disse, “você pode me dizer alguma coisa sobre o Caminho de Cadfan?”

O Galês est ivera correndo um forte dedo moreno pela extremidade de sua ferramenta; houve uma pausa de um segundo no movimento, e então o dedo continuou se movendo. Ele disse tranqüilamente, “Agora o que colocou isso em sua cabeça, posso saber?”

“Eu realmente não sei. Acho que devo ter l ido isso em algum lugar. Existe um Caminho de Cadfan?”

“Oh, sim, com certeza,” John Rowlands disse. “Llwybr Cadfan . Não há segredo a respei to disso, embora a maioria das pessoas nesses dias tenha esquecido. Acho que tem uma Estrada Cadfan em um dos novos Tywyn housing estates instead.. . St. Cadfan era um t ipo de missionário, da França, nos dias em que a Bretanha, Cornwall e Gales t inham fortes laços. Fourteen hundred years ago ele t inha sua igreja em Tywyn, and a holy well – e diziam que ele t inha fundado o monastério em Enlli , que é Bardsey em Inglês, as well . Você conhece a Ilha de Bardsey, aonde os observadores de pássaros vão, lá fora da ponta de North Wales? As pessoas costumavam visitar Tywyn e seguir até Bardsey – e então, dizem que há uma antiga estrada de peregrinos que vai sobre a montanha de Machynlleth até Tywyn, passando por Abergynolwyn. E pelo lado desse vale, sem dúvida. Ou talvez mais alto. A maioria dos ant igos caminhos seguem por lugares elevados, eles ficavam mais seguros ali . Mas agora ninguém sabe onde encontrar o Caminho de Cadfan.”

“Entendo,” disse Will . Era mais do que suficiente; ele sabia que agora ele seria capaz de encontrar o Caminho, com o tempo. Mas de modo crescente ele sentia que havia pouco tempo restando; que isso era urgente para sua busca, tão estranhamente perdido por sua memória, para ser consumado muito em breve. No dia dos mortos . . . E qual era a

11

Page 22: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

busca, e onde, e porque? Se ao menos ele pudesse lembrar. . .

John Rowlands virou em direção da cerca viva novamente. “Bem…”

“Vejo você mais tarde,” disse Will . “Obrigado. Estou tentando caminhar por toda a extremidade da fazenda.”

“Vá com calma. Essa é uma longa caminhada para um convalescente, toda ela.” Rowlands f icou ereto de repente, apontando um dedo para ele fazendo um aviso. “E se você for subir o vale e chegar até o f inal de Craig yr Aderyn – por aquele caminho – certi f ique-se de checar as fronteiras em seu mapa, e não saia da terra de seu tio. Além dali f ica a fazenda de Caradog Prichard, e ele não é gentil com invasores.”

Will pensou nos olhos maliciosos de cí lios curtos no rosto zombeteiro que ele t inha visto da Land-Rover com Rhys. “Oh,” ele disse. “Caradog Prichard. Tudo bem. Obrigado. Diolch yn fawr . Está certo?”

O rosto de John Rowlands se encheu de rugas ao r ir , “Nada mal,” ele disse. “Mas talvez você devesse ficar só com idiolch .”

A suave bat ida de seu machado diminuiu atrás de Will e se perdeu no zunido dos insetos dentro da tarde ensolarada, com os dispersos gri tos de aves e ovelhas. O caminho pelo qual Will estava seguindo conduzia pelo lado do vale, with the grey-green sweep da montanha erguendo-se sempre em frente a ele; ela bloqueava mais e mais do céu enquanto ele caminhava. Logo ele estava começando a subir , e então a samambaia começou a cobrir a grama em um carpete murmurante da al tura dos joelhos, com amontoados de tojo verde pontudo, suas f lores amarelas ainda claras em meio aos ferozes talos espetantes. Nenhuma cerca viva subia a montanha, apenas uma parede de rocha seca, curvando-se a cada contorno, quebrada de vez em quando por um degrau baixo o bastante para homens mas al to demais para ovelhas.

Will sentiu que estava perdendo o fôlego muito mais rapidamente do que o normal. Logo que ele se aproximou de uma pedra arredondada do tamanho certo para sentar, ele se curvou agradecido de modo ofegante. Enquanto ele esperava para recuprera o fôlego, olhou o mapa novamente. A terra da fazenda Clwyd parecia terminar cerca de metade do caminho subindo a montanha – mas não havia, é claro, nada para garantir que ele chegaria até o Caminho de Cadfan antes que atingisse a fronteira. Ele começou a desejar um pouco nervosamente que o resto da montanha acima não fosse terra de Caradog Prichard.

Enfiando o mapa de volta em seu bolso, ele seguiu em frente, mais alto, através das folhagens estalantes da samambaia. Agora ele estava subindo diagonalmente, enquanto o decl ive ficava mais escarpado. Pássaros voavam para longe dele agi tados; em algum lugar lá em cima, uma cotovia estava lançando sua forte canção pulsante. Então de repente, Will começou a ter uma inexplicável sensação de que estava sendo seguido.

Ele parou abruptamente, dando meia volta. Nada se moveu. A ladeira marrom samambaia jazia t ranqüila sob o sol , com protuberâncias de pedra branca cint ilando aqui e ali . Um carro zuniu passando na estrada abaixo, invisível através das árvores; agora ele estava al to acima da fazenda, olhando sobre a l inha prateada do rio até as montanhas se elevando em verde, cinza e marrom por trás, e f inalmente desparecendo no azul dentro da distância. Mais longe subindo o vale o lado da montanha no qual ele ficava estava coberto de verde escuro com plantações de árvores de abeto, e além daquelas ele podia ver um grande precipício negro-acinzentado elevando-se, um cume soli tário, menor do que as montanhas ao redor ainda dominando toda a terra ao redor. Alguns poucos grandes pássaros negros circulavam seu topo; enquanto ele observava, eles se juntaram na forma de um longo V, como os gansos fazem, e voaram sem pressa para longe sobre a montanha na direção do mar.

Então, de algum lugar próximo, ele ouviu um curto latido agudo de um cão.

12

Page 23: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Will deu um pulo. Nenhum cão costumava ficar sozinho em uma montanha. Mesmo assim não havia sinal algum de outro ser humano em parte alguma. Se alguém estava nas proximmidades, porque estava se escondendo?

Ele se virou para continuar subindo a ladeira, e só então ele viu o cão. Ele f icou imóvel . Estava posicionado diretamente acima dele, alerta, esperando; um cão branco, brano em toda parte a não ser uma pequena mancha preta em sua costa, como uma cela. Exceto pelo curioso t ip de coloração, parecia um cão pastor Galês t radicional, forte e com uma focinheira, de pernas e cauda peludas: uma versão menor de col lie. Will estendeu sua mão. “Aqui, garoto,” ele disse. Mas o cão mostrou seus dentes, e deu um profundo rosnado baixo ameaçador bem no fundo de sua garganta.

Will arr iscou dar alguns passos pequenos subindo a ladeira, na diagonal, na direção em que estava indo antes. Se agachando sobre o estômago, o cão se moveu com ele, os dentes brilhando, a l íngua para fora. O comportamento era estranho e ainda assim famil iar , e de repente Will percebeu que t inha visto isso na noite anterior nos dois cães que estavam ajudando Rhys a conduzir as vacas para serem ordenhadas, na fazenda de seu tio. Era o movimento de controle – o agachar alerta com o qual um cão pastor se lança, para organizar os animais que está conduzindo para uma determinada direção.

Mas para onde esse cão estava tentando conduzí-lo?

Claramente, só tinha um jei to de descobrir . Dando uma respirada profunda, Will se virou para encarar o cão e começou a subir proposi talmente a ladeira. O cão parou, e longo e profundo rosnado começou em sua garganta novamente; ele se agachou, curvado como se todas as suas quatro patas estivessem plantadas no chão como árvores. O ranger dos dentes brancos disse, muito claramente: Por esse caminho não . Mas Will , cerrando seus punhos, continuou subindo. Ele mudou levemente de direção de modo a passar perto do cão sem tocá-lo. Mas então inesperadamente, com um latido curto, o cão se at i rou em direção a ele, se agachando, e Will pulou involuntariamente – e perdeu o equil íbrio. Ele caiu de lado na encosta íngreme da col ina. Est icando seus braços desesperadamente para evitar cair rolando, ele escorregou e bateu de cabeça para baixo por algumas jardas, o terror alto como um grito em sua cabeça, até que sua queda foi interrompida por algo sacudindo furiosamente em sua manga. Ele se chocou contra uma pedra, com um baque entorpecedor.

Ele abriu os olhos. A l inha onde a montanha encontrava o céu estava girando diante dele. O cão estava muito perto, seus dentes f ixos na manga de sua jaqueta, puxando ele de volta, respiração quente, nariz preto e olhos vidrados. E ao ver os olhos, o mundo de Will girou e girou tão rápido que ele pensou que ainda devia estar caindo. O rugido estava em seus ouvidos novamente, e todas as coisas normais de repente se tornaram caos. Pois os olhos desse cão não eram como nenhum que ele já t ivesse visto; onde deveriam ser castanhos, eram branco-prateados: olhos da cor da cegueira, colocados em animal que conseguia enxergar. E enquanto os olhos prateados olhavam dentro dos dele, e a respiração do cão ofegava quente em seu rosto, em um confuso instante Will lembrou tudo que sua doença havia t i rado dele. Lembrou dos versos que haviam sido colocados dentro de sua cabeça como guia para a sol itária e t riste busca que agora ele estava dest inado a seguir; lembrou quem ele era e o que ele era – e reconheceu a forma que sob a máscara da coincidência t inha trazido ele até aqui em Gales.

Ao mesmo tempo outro tipo de inocência se desfez, e ele também estava consciente de um imenso perigo, como uma grande sombra sobre o mundo, esperando por ele através de toda essa terra estranha de vales verdes e picos de montanha escuros pela névoa. Ele era como um comandante de guerra a quem de repente eram dadas novidades: tornando-se ciente de repente, como não estivera um momento antes, de que logo além do horizonte um grande e ameaçador exército aguardava, preparando-se para para se erguer como uma grande onda e arrastar todos aqueles que ficassem em seu caminho.

Tremendo de espanto, Will esticou seu outro braço e acariciou as orelhas do cão.

13

Page 24: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Ele sol tou sua manga e ficou olhando para ele, l íngua rosada para fora de uma boa rosada.

“Bom cão,” Will disse. “Bom cão.” Então uma figura escura bloqueou o sol , e ele rolou rapidamente para sentar e ver quem estava parado al i del ineado contra o céu pelo sol .

Uma clara voz Galesa disse: “Você está ferido?”

Era um garoto. Ele estava bem vestido no que parecia um uniforme escolar: calças cinza, camisa branca, meias vermelhas e gravata. Ele t inha uma mochila pendurada sobre um ombro, e parecia ter mais ou menos a mesma idade de Will . Mas havia uma qualidade de estranheza nele, assim como acontecia com o cão, que fez a garganta de Will f icar seca e o deixou imóvel com um olhar vidrado; pois esse garoto era desprovido de cor, como uma concha esbranquiçada pelo sol de verão. O cabelo dele era branco, e suas sobrancelhas. Sua pele era pálida. O efeito era tão impressionante que por um momento Will ficou imaginando se o cabelo foi esbranquiçado proposi talmente – fei to com algum objetivo, para criar surpresa e espanto. Mas a idéia desapareceu tão rapidamente quanto havia surgido. A mistura de arrogância e hosti l idade que o encarava mostrou claramente que esse não era de modo algum aquele t ipo de garoto.

“Estou bem.” Will ficou de pé, balançando, jogando pedaços de samambaia de seu cabelo e de suas ropuas. Ele disse, “Você deveria ensinar ao seu cão a diferença entre pessoas e ovelhas.”

“Oh,” disse o garoto de modo indiferente, “ele sabia o que estava fazendo. Não ir ia lhe causar nenhum mal.” Ele disse algo em Galês para o cão, e ele trotou de volta subindo a col ina e sentou-se ao lado dele, observando os dois.

“Bem” - Will começou, e então parou. Tinha olhado para o rosto do garoto e descobriu ali outro par de olhos que ti ravam seu equilíbrio. Não era, dessa vez, aquela aparência sobrenatural que tinha visto no cão; foi a súbita surpresa de sentir que os t inha visto antes em algum lugar. Os olhos do garoto eram de uma estranha, cor dourada marrom-amarelada como os olhos de um gato ou de um pássaro, margeado por cíl ios tão pál idos que pareciam quase invisíveis, eles possuiam um brilho fr io impenetrável.

“O garoto corvo ,” ele disse instantaneamente. “É quem você é, é do que ele te chama, o antigo verso. Agora eu sei ele todo, consigo me lembrar. Mas corvos são pretos. Porque ele chama você assim?”

“Meu nome é Bran,” disse o garoto, sem sorrir, olhando alerta para ele. “Bran Davies. Eu moro lá embaixo na fazenda do seu t io.”

Will foi pego de surpresa por um momento, por causa da nova informação dele. “Na fazenda?”

“Com meu pai . Em uma pequena casa. Meu pai trabalha para David Evans.” Ele piscou na luz do sol, t i rou um par de óculos escuros de seu bolso, e colocou-os; os olhos marrom-amarelados desapareceram na sombra. Ele disse, exatamente no mesmo tom de conversa, “Bran realmente é a palavra em Galês para corvo. Mas pessoas chamadas Bran nas histórias antigas também são relacionadas com o corvo. Tem um monte de corvos nessas colinas. Então acho que você pode me chamar de “o garoto corvo” se desejar . Como um t ipo de l icença Poética.”

Ele t irou a mochila de seu ombro e sentou-se em uma pedra ao lado de Will , mexendo na alça de couro.

Will disse, “Como sabia quem eu era? Aquele David Evans é meu tio?”

“Eu também poderia perguntar como você me conhecia,” Bran disse. “Como você

14

Page 25: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

sabia, para me chamar de o garoto corvo?”

Ele correu um dedo para cima e para baixo da alça. Então ele sorriu de repente, um sorriso que iluminou seu rosto pál ido como fogo ardendo rapidamente, e ele t irou de novo os óculos escuros.

“Vou lhe dar as respostas para as duas perguntas, Wil l Stanton,” ele disse. “É porque você não é exatamente humano, e sim um dos Antigos Escolhidos da Luz colocado aqui para conter o terr ível poder do Escuro. Você é o últ imo daquele círculo a nascer na terra. E eu est ive esperando por você.”

15

Page 26: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Um: A Harpa Dourada

O Garoto Corvo

“Você sabe,” Will disse, “é a primeira busca, sem ajuda, para mim – e a últ ima, porque agora esse é o levante da úl t ima defesa que a Luz criar, para estar pronta. Tem uma grande batalha à frente. Bran – agora ainda não, mas não está muito longe. Pois o Escuro está se erguendo, para fazer sua grande tentativa de conquistar o mundo até o fim dos tempos. Quando isso acontecer, devemos lutar e temos que vencer. Mas só podemos vencer se t ivermos as armas certas. Isso é o que est ivemos fazendo, e ainda estamos, em uma busca como essa – reunindo as armas forjadas para nós há muito, muito tempo. Seis Signos da Luz encantados, um Graal dourado, uma harpa maravilhosa, uma espada de cristal . . . Agora todos foram alcançados menos a harpa e a espada, e eu não sei qual será o modo de encontrar a espada. Mas a busca pela harpa é minha. . .”

Ele pegou um raminho de tojo, e f icou sentado olhando para ele. “Vindo de um longo tempo no passado, foram criados três versos,” ele disse, “para me dizer o que fazer. Eles não estão mais escri tos, embora uma vez est ivessem. Estão apenas em minha mente. Ou pelo menos costumavam estar – para sempre, eu pensava. Mas então não faz muito tempo eu f iquei muito doente, e quando retornei da doença, os versos t inham sumido. Eu os esqueci . Não sei se o Escuro teve alguma coisa a ver com isso. É possível, enquanto eu. . . não era eu mesmo. Eles mesmo não poderiam ter arrancado as palavras, mas poderiam ter evi tado que eu as recuperasse novamente. Pensei que iria ficar louco, tentando lembrar. Eu não sabia o que fazer. Algumas pedaços voltaram, mas não muitos. . . não muitos. Até que eu vi o seu cão.”

“Cafal l ,” disse Bran. O cão levantou a cabeça.

“Cafal l . Aqueles olhos dele, aqueles olhos prateados. . . foi como se quebrassem um fei tiço. Ele também t inha me colocado no Antigo Caminho, o Caminho de Cadfan – bem aqui . E eu lembrei . Todos os versos. Tudo.”

“Ele é um cão especial,” Bran disse. “Ele não é. . . comum. Quais são os seus versos?”

Will olhou para ele, abriu sua boca, fechou-a novamente, e olhou para as montanhas confuso. O garoto de cabelo branco riu. Ele disse, “Eu sei. Pelo que você pode dizer, eu poderia estar com o Escuro ao invés de Cafal l . Não é isso?”

Will balançou a cabeça. “Se você fosse do Escuro, eu saberia muito bem. Tem um sentido, que nos diz. . . o problema é, que o mesmo sentido em part icular que diz que você não é do Escuro também não diz nada mais a seu respeito. Nadinha. Nada ruim, nada bom. Eu não entendo.”

“Ah,” Bran disse de forma zombeteira. “Eu mesmo nunca entendi isso. Mas posso dizer, eu sou como Cafall – também não sou exatamente comum.” Ele olhou para Will , os olhos de cíl ios pálidos observando, misteriosos. Então ele disse, reci tando intencionalmente, soando em um Galês cantado:

“No dia dos mortos, quando o ano também morre,Deve o mais jovem abrir as colinas mais antigasAtravés da porta dos pássaros, onde quebra a brisa.”

Will ficou sentado imóvel , horrorizado, olhando para ele. A terra se part iu em

16

Page 27: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

ondas. O céu estava caindo. Ele falou depressa, “O começo. Mas você não pode saber. Não é possível . Só tem três pessoas no mundo que. . .”

Ele parou.

O garoto de cabelo branco disse, “Eu estava aqui em cima com Cafall , uma semana atrás, aqui em cima onde você nunca encontra ninguém, e encontramos um velho. Era um velho estranho, com um monte de cabelo branco e um grande nariz curvado.”

Will disse lentamente, “Ah.”

“Ele não era Inglês,” disse Bran, “e também não era Galês, ainda que falasse Galês muito bem, e Inglês muito bem também, pelo jeito.. . Ele devia ser um dewin , um mago, sabia muito sobre mim.. .” Ele puxou uma folhagem de samambaia, franzindo a testa, e começou a picá-la em pedaços. “Muito sobre mim.. . Então ele me falou sobre o Escuro e a Luz. Nunca tinha ouvido nada em que acreditasse tanto, imediatamente, sem questionar. E ele me falou sobre você. Disse que era minha tarefa ajudá-lo em sua busca, mas que – uma nota de zombaria surgiu novamente na voz clara, perceptivel só por um instante – “mas que porque você não confiaria em mim, eu deveria aprender essas três l inhas, como um sinal. E então ele me ensinou.”

Will levantou a cabeça para olhar o vale, para as col inas cinza-azuladas nebulosas sob a luz do sol e estremeceu; a sensação de uma sombra que se erguia estava sobre ele novamente, como uma nuvem negra flutuando. Então ele disse, deixando isso de lado, agora falando sem a tensão da suspeita, “Tem três versos. Mas os dois primeiros são os que importam, por enquanto. As l inhas que o meu mestre Merriman ensinou a você aparecem no começo.

No dia dos mortos, quando o ano também morre, Deve o mais jovem abrir as colinas mais antigas Através da porta dos pássaros, onde quebra a brisa. Ali o fogo voará do garoto corvo, E os olhos prateados que enxergam o vento, E a Luz terá a Harpa de Ouro.

No lago confortável jazem os Adormecidos,No Caminho de Cadfan onde gri tam os falcões;Embora severas as sombras do Rei Cinzento caiam, Ainda cantando a harpa dourada guiaráPara quebrar o sono deles e pedir que cavalguem.

Ele se esticou e esfregou as orelhas de Cafall . “Os olhos prateados,” ele disse. Houve um silêncio, com apenas uma cotovia distante ainda cantando levemente no ar. Bran t inha escutado sem se mover, seu rosto pálido concentrado. Finalmente ele disse, “Quem é Merriman?”

“O velho que você encontrou, é claro. Se você quer dizer , o que ele é, isso é mais difícil . Merriman é meu mestre. Ele é o primeiro dos Antigos Escolhidos, e o mais forte, e o mais sábio.. . Agora ele não tomará parte nessa busca, eu acho. Não na procura. Tem coisas demais para nós todos fazermos, em lugares demais.”

“Caminho de Cadfan, dizia no verso. Lembro que ele me falou mais uma coisa, disse que Cafall colocaria você no Caminho, de modo que as duas coisas juntas, o lugar e o próprio Cafall , seriam importantes – então ele disse, e também no Caminho para mais tarde . Mais tarde – então ainda não agora, eu imagino.” Bran suspirou. “O que tudo isso signif ica?” Para toda sua estranheza, essa foi uma pergunta tr iste de um garoto bem normal.

“Eu estava pensando,” disse Will , “que o dia dos mortos deve ser All Hallows'

17

Page 28: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Eve. Você não acha? Dia das Bruxas, quando as pessoas costumavam acreditar que todos os fantasmas caminhavam.”

“Eu conheço alguns que ainda acreditam que eles andam,” Bran disse. Coisas como essas duram muito tempo, aqui em cima. Eu sei de uma senhora idosa que coloca comida do lado de fora para os espír itos, no Dia das Bruxas. Ela diz que eles também comem, ainda que se você me perguntar eu diga que são os gatos, ela tem quatro. . . o Dia das Bruxas será no próximo Sábado, você sabe.”

“Sim,” disse Will . “Eu sei. Muito perto.”

“Algumas pessoas dizem que se você sentar na entrada da igreja até chegar a meia-noite. Dia das Bruxas, você escuta uma voz gri tando nomes de todos que morrerão no ano seguinte,” Bran riu. “Eu nunca tentei .”

Mas Will não estava rindo enquanto escutava. Ele disse pensativo, “Você acabou de dizer, no ano seguinte i . E o verso diz, “No dias dos mortos quando o ano também morre.” Mas isso não faz sentido. O Dia das Bruxas não é o f im do ano.”

“Talvez uma vez tenha sido,” Bran disse. “O fim e o começo, uma vez, ao invés de Dezembro. Em Galês, o Dia das Bruxas é chamado Calan Gaeaf , e isso signif ica o primeiro dia do inverno. Um pouco quente para o inverno, é claro. Preste atenção, ninguém vai me fazer passar a noite no terreno da igreja de St. Cadfan, não importa o quanto esteja quente.”

“Eu est ive lá essa manhã, em St . Cadfan,” Will disse. “Foi isso que colocou o nome de volta na minha cabeça, de algum modo, vir procurar pelo Caminho. Mas agora que eu tenho o verso, devo começar do início.”

“A parte mais dif íci l ,” falou Bran. Ele afrouxou sua gravata da escola, enrolou-a e a enfiou dentro do bolso de sua calça. “Ele diz, o mais jovem deve abrir as colinas mais antigas, através das portas dos pássaros . Certo? E você é o mais jovem dos Antigos Escolhidos, e essas são as colinas mais ant igas na Grâ Bretanha, essas e as col inas Escocesas. Mas a porta dos pássaros, isso é dif íci l . . . Os pássaros têm seus buracos e ninhos por toda parte, as montanhas estão cheias de pássaros. Corvos, gaviões, falcões, plovers, carriças, wheatears, pipi ts , curlews – é maravilhoso, escutar os curlews down on the marshes na primavera. E veja, lá está um peregrino*.” Ele apontou para cima, para uma mancha escura no claro céu azul desl izando preguiçosamente em uma grande curva, longe acima das cabeças deles.

“Como pode saber?”

“Um falcão seria menor, então um esmeri lhão também. Não é um corvo. Poderia ser a buzzard. Mas acho que é um peregrino – você começa a conhecê-losyou, agora eles são tão raros que você olha mais cuidadosamente. . . e também tenho uma razão minha, porque peregrinos gostam de incomodar corvos, e como você disse, eu sou o garoto corvo.”

Will estudou ele: os olhos estavam escondidos novamente por trás dos óculos escuros, e o rosto pálido, quase tão pálido quanto o cabelo, estava inexpressivo. Sempre deve ser dif íci l anal isar esse garoto Bran; para saber direi to o que ele estava pensando ou sentindo. E ainda assim aqui estava ele, parte do conjunto: encontrado por Merriman, o mestre de Will , e agora por Will – e descri to em um verso profético que tinha sido fei to mais de mil anos atrás. . .

Ele disse, experimentalmente, “Bran.”

“Que foi?”

“Nada. Só estava prat icando. É um nome engraçado, nunca ouvi antes.”

18

Page 29: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“O único jei to em que ele é engraçado é nessa sua voz inglesa. Não é bran como um cereal do café-da-manhã, tem um som mais longo, braaan , braaan .”

“Braaaaaaan ,” disse Will .

“Melhorou.” Ele deu uma olhada para Will por cima dos óculos escuros. “Isso é um mapa saindo do seu bolso? Dexa eu ver ele aqui um minuto.”

Will o entregou. Agachando-se na encosta da col ina. Bran abriu ele sobre a samambaia farfalhante. “Agora,” ele disse. “Leia os nomes que eu apontar .”

Will olhou obediente para o dedo que se mexia. Ele viu: Tal y Llyn, Mynydd Ceiswyn, Cenimaes, Llanwrin, Machynlleth, Afon Dyfi , Llangelynin. Ele leu alto, arduamente, “Tally- l in, Minid Seeswin, Semeyes, Lan-rin Machine-leth, Affron Diffy, Lang-el ly-nin.”

Bran lamentou suavemente. “Eu t inha medo disso.”

“Bem,” disse Will defensivamente, “é exatamente asim que eles parecem. Oh, espere um minuto, lembro que Tio David disse que você pronuncia f como v . Então isso faz esse aqui Avon Divvy.”

“Duvvy,” falou Bran. “Escri to em Inglês, Dovey. O Afon Dyfi é o Rio Dovey, e aquele lugar bem ali é chamado Aberdyf i , que signif ica a boca do Dovey, Aberdovey. O y Galês é mais como o u Inglês em run ou hunt .”

“Geralmente” Will disse com suspeita.

“Bem, às vezes não. Mas seria melhor você considerar assim por enquanto. Olha aqui. . .” Ele remexeu dentro de sua mochila de couro e t irou um caderno e um lápis. Ele escreveu:

Mynydd Ceiswyn. “Agora aquele,” ele disse, “é pronunciado Munuth Kice i - iooin . Kice como rice . Vá em frente, diga.”

Will falou, observando incredulamente a pronúncia.

“Três coisa al i ,” disse Bran, escrevendo. Ele parecia estar adorando. “Duplo d tem sempre um som de th , mas um som suave, como em leather , não em smith . Então, c sempre é um som difíci l em Galês, como em cat . Então é g , para dizer a verdade – é sempre g como em go , não g como em gentle . E o w Galês é como o som de oo em pool , quase sempre. Então é por isso que Mynydd Ceiswyn é pronunciado Munuth Kice-oo-in.”

Will disse, “Mas deve ser un no final, não in , porque você disse que o y Galês era como u em run .”

Bran deu risadas. “Boa lembrança. Sinto muito. Essa é uma das vezes em que não é assim. Você simplesmente terá que se acostumar com eles se você for dizer os lugares corretamente. No final das contas você não pode reclamar que nós não somos consistentes, não quando o seu Inglês ant igos está cheio de coisas como dough , through and thorough .”

Will pegou o lápis e copiou do mapa “Cemmaes” e “Llangelynin.” “Então muito bem,” ele disse. “Se o c é dif íci l , então isso deve ser Kem-eyes .”

“Muito bem,” Bran disse. “Mas um s forte, não suave. Dizendo rápido ele soa Kemmess . Como chemist , sem o t .”

Will suspirou, olhando bastante para o próximo exemplo dele, “Som forte de g , e y . Então f ica.. . Lan-gel-un-in .”

19

Page 30: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Você etá chegando lá,” Bran disse; “Tudo o que tem de aprender agora é o único som que a maioria dos ingleses jamais consegue. Abra sua boca um pouco e coloque a ponta de sua língua contra a parte de trás de seus dentes da frente. Como se est ivesse prestes a dizer lan .”

Will deu a ele um olhar duvidoso, mas fez o que lhe foi di to. Então ele moveu seus lábios para cima, e fez uma cara semelhante a de um coelho.

“Pare,” Bran disse, depressa. “Seja educado, rapaz. Agora enquanto sua l íngua está lá, sopre pelos lados dela. Dos dois lados ao mesmo tempo.”

Will soprou.

“Está certo. Agora, diga a palavra lan mas dê um pequeno sopro antes de soltá-la. Desse jei to: l lan , l lan .”

“Llan , l lan ,” Will disse, sent indo-se como uma máquina a vapor, e parou surpreso. “Ei , isso soa Galês!”

“Muito bom,” Bran falou de modo crí t ico. “Você terá que prat icar . Na verdade quando um Galês diz isso, sua l íngua não f ica assim e o som todo sai dos lados de sua boca, mas isso não é bom para um Sais . Você vai fazer muito bem. E se você f icar cansado em tentar, pode usar o outro modo Inglês e dizer II como i thl .”

“Chega,” disse Will . “Chega.” '

“Tente só mais uma,” Bran disse. “Você não acreditaria no modo como algumas pessoas dizem essa. Bem, sim, você acreditaria, porque também fez isso.” Ele escreveu: Machynlleth.

Will gruniu, e deu uma respirada profunda. “Bem – tem o y - e o l l . . .”

“E o ch é meio que respirado, do jei to que Escoceses dizem loch . Como que no fundo de sua garganta.”

“Porque vocês tornam tudo tão complicado? Mach. . . un. . . l leth.”

“Machynlleth.”

“Machynlleth.”

“Nada mal mesmo.”

“Mas o meu realmente não soa como o seu. O seu soa mais molhado. Como Alemão. Achtung! Achtung!” Will gri tou de repente bem al to, e Cafal l pulou e lat iu, a cauda balançando.

“Você fala Alemão.”

“Meu Deus, não! Eu ouvi isso em algum velho fi lme. Achtung! Machynlleth!” ,

“Machynlleth ,” disse Bran.

“Está vendo, o seu parece mais molhado. Sploshier , acho que todos os bebes Galeses babam bastante.”

“Cai fora daqui ,” disse Bran, e tentou agarrar ele enquanto Will se esquivava. Eles correram descendo a montanha, r indo, fazendo um louco zigue-zague, com Cafall pulando alegremente ao lado.

Mas no meio do caminho. Will t ropeçou e diminuiu a velocidade; sem aviso, ele sent iu-se tonto, suas pernas fracas e inseguras. Ele cambaleou até uma parede próxima e

20

Page 31: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

se apoiou nela, ofegando. Bran gritava alegremente enquanto corria, mochila voando; então diminuiu, parou, olhou mais cuidadosamente e voltou.

“Você está bem?”

“Acho que sim. A cabeça dói. Mas o problema é com minhas pernas estúpidas, elas desistem fácil demais. Na verdade, acho que ainda estou me recuperando – eu estava doente, por algum tempo.. .”

“Eu sabia, e deveria ter me lembrado.” Bran ficou inquieto, irri tado com sua própria at itude. “Seu amigo Sr. Merriman disse que você esteve mais doente do que qualquer um percebia.”

“Mas ele não estava lá,” Will disse. “Bem. Não que isso signif ique alguma coisa, é claro.”

“Sente-se,” Bran disse. “Ponha sua cabeça para baixo, sobre os joelhos.”

“Estou bem. De verdade. Só tenho que recuperar meu fôlego.”

“Estamos bem perto de casa, ou devemos estar. Só algumas jardas por aquele caminho. . .” Bran subiu na alta parede de pedra para ter uma visão melhor.

Mas enquanto ele estava ali , de repente um enorme gri to furioso veio do outro lado da parede, e o lat ido de cães. Wil l viu Bran se levantar onde estava na parede, olhando para baixo de modo arrogante. Ele se ergueu para espiar por cima da parede, perto dos pés de Bran, e viu um homem se aproximando em uma “meia” corrida, gritando, e balançando um braço furiosamente; no outro braço ele carregava o que parecia uma espingarda. Quando chegou mais perto, começou a gri tar para Bran em Galês, a princípio Will não o reconheceu, pois ele não usava chapeu, e a cabeça desgrenhada de cabelo vermelho não estava famil iar . Então ele viu que era Caradog Prichard.

Quando o fazendeiro fez uma pausa para tomar ar, Bran falou claramente, usando Inglês, “Meu cão não caça ovelhas, Sr. Prichard. E de qualquer modo ele não está na sua terra, ele está desse lado da parede.”

“Eu digo que ele é um cão perigoso, e que esteve incomodando minhas ovelhas!” Prichard disse furiosamente; o seu Inglês era sibi lante, pesadamente acentuado, intensif icado pela fúria. “Ele e aquele maldi to cão de caça de John Rowlands. Vou atirar nos dois se eu os pegar, pode ter certeza que vou. E será melhor que você e o seu amiguinho Inglês fiquem fora da minha terra também, se vocês sabem o que é melhor para vocês.” Os pequenos olhos em seu rosto rechonchudo avermelhado observaram Will maliciosamente.

Will não disse nada. Bran não se mexeu; ele ficou ali olhando para o furioso fazendeiro. Ele disse suavemente, “Você teria má sorte, se ati rar em Cafal l , Caradog Prichard.” Passou uma das mãos pelo seu cabelo branco, puxando-o para t rás, com um gesto que para Will pareceu um tanto quanto afetado. “Você deveria vigiar mais atentamente essas ovelhas,” Bran disse, “antes de culpar os cães pelo trabalho das raposas.”

“Raposas!” Prichard falou desdenhosamente. “Eu reconheço matança fei ta por raposa quando vejo, e também reconheço quando é de um cão de caça. Fiquem longe de minha terra, os dois.” Mas agora não estava encarando os olhos de Bran, nem olhando para Will ; ele se virou sem dizer mais nenhuma palavra e saiu caminhando pelo pasto, com seus cães trotando nos calcanhares.

Bran desceu da parede.

“Bah!” ele disse. “Incomodando ovelhas! Cafal l é comparável a qualquer cão que

21

Page 32: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

trabalha nesse vale; ele jamais i ria correr atrás de qualquer ovelha, deixada sozinha na terra de Caradog Prichard.” Ele olhou para Prichard que desaparecia, e então para Will , e sorriu. Foi um estranho sorriso dissimulado; Will não t inha certeza se havia gostado disso.

“Você vai descobrir,” Bran falou, “que pessoas como ele têm um certo medo de mim, lá no fundo. É porque sou albino, você entende. O cabelo branco, e olhos engraçados, e sem muito pigmento na pele – um certo tipo de aberração, você poderia dizer.”

“Eu não dir ia isso,” Will falou lentamente.

“Talvez não,” Bran disse sem acreditar muito, com acidez em sua língua. “Mas isso é di to com bastante freqüencia na escola.. . e do lado de fora também, por homens bons como o Sr. Prichard. Você entende, todos os bons Galeses são escuros, de cabelos e olhos escuros, e as únicas criaturas de pele clara em Gales, nos dias antigos, eram os Tylwyth Teg . Os ant igos espíri tos, as pessoas pequenas. Qualquer um com a pele tão clara quanto eu deve ter alguma relação com os Tylwyth Teg . . . Ninguém acredita mais em tais coisas, ah não, é claro que não, mas no meio da noite do inverno quano o vento está soprando escuro e a velha televisão não está l igada, aposto com você que metade das pessoas nesse vale não gostaria de jurar que eu não poderia lançar o Olho do Mal sobre eles.”

Will coçou sua cabeça. “Certamente havia algo. . . desagradável. . . no modo que aquele homem olhou para você, quando você disse. . .” Ele balançou os ombros, como um cão saindo da água. Não olhou para Bran; ele não gostou das sombras de ardi losa arrogância que essa conversa t inha colocado no rosto do rapaz. Era uma pena, isso não deveria ser necessário; um dia ele ir ia take i t away. . . Ele disse, “Caradog Prichard não é escuro. Ele tem cabelo vermelho. Como cenouras.”

“Sua famíl ia é de Dinas Mawddwy way,” disse Bran. “A mãe dele, de qualquer jeito. Acreditava-se que uma vez houve toda uma tribo de vilões lá em cima, todos de cabelos vermelhos, verdadeiros terrores. Em todo caso, até hoje ainda tem cabeças vermelhas vindo de Dinas.”

“Ele realmente at i raria em Cafal l?”

“Sim,” Bran falou de modo curto. “Caradog Prichard é muito estranho. Há uma conversa de que qualquer um que passar a noite lá em cima sozinho em Cader na manhã seguinte descerá um poeta, ou louco. E meu pai diz que uma vez quando era jovem, Caradog Prichard passou a noite sozinho lá em cima em Cader, porque ele queria ser um grande poeta.”

“Isso não pode ter funcionado.”

“Bem. Talvez tenha funcionado de uma certa forma. Ele não é muito poeta, mas geralmente ele age como se fosse mais do que um pouquinho louco.”

“O que é Cader?”

Bran olhou para ele. “Não sabe muito sobre Gales, sabe? Cader Idris , bem al i .” Ele apontou para a l inha de picos cinza azulados cruzando o vale. “Uma das mais altas montanhas em Gales. Você deveria saber sobre Cader. Afinal de contas ela aparece em seu verso.”

Will franziu o rosto. “Não, não aparece.”

“Ah, sim. Não pelo nome, não – mas é importante naquela segunda parte. É onde ele mora, você entende, lá em cima em Cader. O Brenin Llwyd. O Rei Cinzento.”

22

Page 33: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Um: A Harpa Dourada

Raposa Cinza

Ninguém mais poderia sentir . Wil l sabia. Tanto quanto as aparências mostravam no exterior , não havia razão alguma porque alguém deveria sentir a mínima inquietação. Os céus estavam de um tranqüilo azul claro; o sol bri lhava com um calor fora de estação, então Rhys sentou sobre a traseira descoberta do trator enquanto arava os últ imos campos, cantando um claro tenor acima do rugido da máquina. A terra cheirava pura. Yarrow and ragwort enchiam a cerca viva de branco e amarelo, com os grãos vermelhos espessos de hawthorn acima deles; as ladeiras onde o vale começava a se erguer estavam marrom-douradas de samambaia, seca como um estopim nesse estranho sol de Indian-summer. Nebulosas no horizonte ao redor, as montanhas jaziam como animais que dormiam, suas cores suaves mudando a cada hora do dia do castanho para verde, para púrpura e de volta suti lmente.

Ainda por trás de toda essa delicadeza outonal, enquanto ele vagava pelos campos e pela montanha cheia de tojo, Will podia sentir a tensão aumentando por toda parte, avançando como uma lenta enchente incansável dos al tos picos acima do f im do vale. A inimizade estava começando a chocar-se contra ele. De forma lenta mas irresist ível , a pressão da malevolência estava se acumulando até o ponto em que poderia desabar e subjugá-lo. Apenas os sentidos ocultos de um Antigo Escolhido poderiam sentir o t rabalho do Escuro.

Tia Jen estava maravilhada com a mudança na aparência de Will . “Olhe para você – só alguns dias, mas agora tem cor nas suas bochechas, e se esse sol continuar você vai f icar moreno. Eu estava escrevendo para Alice ontem a noite. Eu disse, você não o reconheceria, ele parece um garoto diferente.. .”

“Um sol muito bom, com certeza,” disse o Tio de Will , David. “Mas um pouco exagerado, para essa época do ano, obrigado. Os pastos estão f icando secos, e a samambaia na montanha – agora um pouco de chuva seria muito bom.”

“Escute o que está dizendo,” falou Tia Jen, rindo. “Chuva é uma coisa que nunca temos pouco por aqui .”

Mas ainda assim o céu ensolarado sorria, e Will saiu com John Rowlands e seus cães para conduzir um bando de jovens ovelhas que deveriam passar o inverno na Fazenda Clwyd. O fazendeiro que era dono delas já as t inha levado descendo a metade do caminho até outra fazenda na cabeça do vale. Enquanto ele olhava para o amontoado caos branco de costas cheias de lã, sal tando e empurrando, oi tenta ou mais ovelhas jovens vigorosas bal indo e gri tando em um coro de arrebentar os ouvidos, Wil l não conseguia imaginar como elas poderiam ser levadas intactas até Clwyd. Quando apenas uma das ovelhas se afastava do resto e seguia para o lado em direção a ele, no local em que estava no campo, ele não conseguia persuadí-la a voltar para junto de suas colegas nem mesmo gritando, empurrando e batendo em seus flancos lanudos. “Baaaa,” dizia a ovelha, em um estúpido barí tono profundo, como se ele não est ivesse al i , e ela ficava perambulando e começava a mast igar na cerca viva. Foi nesse instante que Tip, o cão pastor de John Rowlands, t rotou de forma decidida na direção dela e a ovelha deu meia-volta obediente, saltando de volta para o grupo.

Will não conseguia ver como John Rowlands se comunicava com seus cães. Havia dois: o malhado Tip, que recebera esse nome por causa dos salpicados de branco sobre o seu focinho e na ponta de sua cauda balançante, e um cão maior, de aparência mais

23

Page 34: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

formidável chamado Pen, com um casaco de longo pêlo negro e uma orelha deformada, machucada em alguma briga muito tempo atrás. Rowlandsnão precisava fazer mais do que olhar para eles, um sorriso enrugando seu magro rosto moreno, com uma palavra suave em Galês, ou um rápido assobio, e eles part iam em alguma manobra complicada que um homem comum só entenderia após dez minutos de uma detalhada explicação.

“Ande na frente,” ele gri tou para Will através do profundo e enervante coro de baaas, enquanto abriu o portão e as avelhas jorraram para a estrada como leite. “Bem a frente, para fazer sinal para qualquer carro que vier e fazê-lo parar .”

Will piscou assustado. “Mas como eu mantenho as ovelhas afastadas? Todas vão passar por mim correndo!”

O sorriso de John Rowlands cint i lou branco no escuro rosto Galês. “Não se preocupe. Pen cuidará delas.”

E assim Pen fez; era como se ele t ivesse uma corda amarrada na frente do rebanho de ovelhas para mantê- lo em uma perfei ta curva bem apertada. Trotando, correndo, dei tando sobre a bariga, movendo-se sempre em frente, às vezes conduzindo uma ovelha errante na direção certa com um simples latido curto, ele as manteve todas movendo-se obedientes pela estrada. E Will , segurando a vara que John Rowlands havia entregue a ele, cavalgava em frente t ransbordando de orgulho, sent indo-se como se t ivesse sido um verdadeiro pastor desde o início dos tempos.

Eles encontraram apenas dois carros, na verdade, por todo o caminho descendo a estrada do vale, mas até mesmo conduzir esses dois para o lado da cerca viva foi batante prazeroso, com as ovelhas se amontoando em uma ondulante maré cinza. Wil l estava gostando tanto de seu trabalho que talvez, ele pensou mais tarde, deixou sua profunda cautela fraquejar . Pois quando o ataque veio, não sentiu aviso algum.

Eles estavam em uma parte deserta da estrada, com uma árida extensão de terra pantanosa de um lado da estrada e o lado escuro da montanha cheio de árvores elevando-se do outro. Aqui nenhum campo era cul tivado. Samambaia e pedras adornavam a beira da estrada como se ela fosse uma tr ilha sobre a montanha aberta. De repente Will percebeu uma mudança no som das ovelhas atrás dele: uma nota de susto mais alta em seu bal ir, uma confusão de cascos que se debatiam. Primeiro ele pensou que deveria ser John Rowlands e Tip, cercando uma ovelha fugit iva; mas então ele ouviu um assobio agudo que em um momento fez Pen girar ao redor das ovelhas, rosnando, lat indo, ameaçando-as para que f icassem imóveis. E ele ouviu John Rowlands gritando: “Will! Rápido! Will”

Ele correu de volta, contornando as assustadas ovelhas que baliam; então parou com um solavanco. A meio caminho passando pela manada, na borda da estrada, havia uma grande mancha vermelha na garganta de um dos animais que salt i tava, menor do que o restante. Wil l viu um movimento de relance na samambaia quando alguma criatura fugiu. Ela seguiu para longe em direção da montanha, e as folhagens balançaram e então ficaram paradas. Wil l observou aterrorizado enquanto a ovelha ferida cambaleou para o lado e caiu. Suas companheiras se afastaram dela, assustadas; os cães rosnaram e ameaçaram, contendo freneticamente o rebanho, e Will ouviu John Rowlands gritando, e o golpear de seu cajado contra a estrada. Ele também gri tava e balançava os braços para o rebanho de ovelhas ondulante, mantendo-as juntas enquanto elas tentavam fugir em pânico pelo terreno, e gradualmente os animais nervosos se acalmaram e ficaram parados.

John Rowlands estava se incl inando sobre a ovelha ferida.

Will gri tou, por cima das costas que balançavam, “Ela está bem?”

“Não está muito ferida. Errou a veia. Nós temos sorte.” Rowlands se abaixou, ergueu a ovelha inerte sobre seus ombros e segurou suas patas dianteiras e t raseiras

24

Page 35: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

separadamente, de modo que ela f icou pendurada pela costa de seu pescoço como um grande cachecol . Grunindo com o esforço, ele ficou de pé lentamente; seu pescoço e bochecha estavam manchados de vermelho pela lã ensangüentada da ovelha.

Will foi até ele. “Era um cão?”

Rowlands não podia mover sua cabeça, por causa da ovelha, mas seus olhos brilhantes giraram rapidamente. “Você viu um cão?”

“Não.”

'”Tem certeza?”

“Vi alguma coisa correndo para longe pela samambaia, mas não poderia dizer o que era. Só pensei que deveria ser um cão – quer dizer , o que mais poderia ter sido?”

Rowlands não respondeu, mas fez sinal para que ele seguisse em frente e assobiou para os cães. O rebanho começou a descer a estrada. Agora ele caminhava ao lado, deixando a retaguarda inteiramente para Tip; de modo eficiente e ordenado o cão manteve as ovelhas se movendo.

Logo eles chegaram até um casebre deserto um pouco afastada da estrada: com paredes de pedra, coberta por telhas, de aparência robusta, mas com o vidro quebrado em suas duas pequenas janelas. John Rowlands a pesada porta de madeira com um chute, cambaleou para debtro, e saiu sem a ovelha, respirando pesadamente e esfregando seu rosto em sua manga. Ele fechou a porta. “Ela vai f icar segura ali até que possamos voltar,” ele falou para Will . “Agora não fal ta muito.”

Em pouco tempo eles estavam em Clwyd. Will abriu o portão do pasto largo onde sabia que as ovelhas deveriam ficar , e os cães as cutucaram e empurraram para dentro. Por alguns momentos as ovelhas se moveram como um redemoinho, balindo e resmungando; então elas se acalmaram fazendo um barulho voraz sobre a grama exuberante.

John Rowlands pegou a Land-Rover e levou Will para buscar a ovelha ferida; no últ imo momento o cão negro Pen sal tou para dentro do carro e se enfiou entre os pés de Will . Will esfregou suas orelhas macias.

“Deve ter sido um cão que atacou aquela ovelha, com certeza?” ele disse enquanto eles seguiam.

Rowlands suspirou. “Espero que não. Mas na verdade, não consigo pensar em qualquer criatura selvagem que atacaria um rebanho, com homens e cães perto. Nada a não um lobo faria isso, e não há lobos em Gales faz uns duzentos anos ou mais.”

Eles sairam do casebre. Rowlands virou o carro para que a porta traseira ficasse de fáci l alcance, e entrou na pequena construção de pedra.

Ele estava do lado de fora quase no mesmo instante, de mãos vazias, olhando inquieto para ele. “Ela sumiu!”

“Sumiu!”

“Deve ter algum sinal - Pen! Tyrd yma!” John Rowlands foi rodeando pelo lado de fora do casebre, olhando atentamente para a grama, samambaia e tojo, e o cão negro saiu vasculhando ao redor dele, nariz abaixado. Will também olhou esperançoso, procurando por plantas esmagadas, sinais de lã ou sangue. Não viu nada. Uma pedra irregular de quartzo branco cinti lou diante deles sob o sol . A woodlark cantou. Então de repente, Pen deu um curto lat ido agudo e saiu seguindo um cheiro, t rotando confiante, cabeça abaixada, através da grama.

25

Page 36: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Eles o seguiram. Mas Will estava confuso, e podia ver a mesma confusão no rosto marcado de John Rowlands – pois o cão estava farejando por grama intocada, nenhum talo curvado pela passagem de nem mesmo uma criatura menor, quanto mais de uma ovelha. Havia o som de água correndo em algum lugar a frente deles, e logo eles chegaram a uma pequena corrente que descia em direção ao r io, as pedras que se projetavam em seu curso mostrando o quão abaixo do normal ela estava correndo na parte seca.

Pen fez uma pausa, olhou subindo e descendo a corrente sem sucesso, e foi até John Rowlands choramingando.

“Ele perdeu,” o pastor disse. “Seja lá o que fosse. Poderia não ter sido mais do que um coelho, é claro – embora eu jamais tenha ouvido falar de coelhos que teriam o cuidado de esconder seu rastro em água corrente.”

Will disse: “Mas o que aconteceu com a ovelha? Ela estava ferida, não poderia ter ido embora caminhando.”

“Principalmente através de uma porta fechada,” Rowlands disse secamente.

“Está certo, é claro! Você tem idéia de que animal seria esperto o bastante para voltar e levá-la embora?”

“Esperto o bastante, talvez,” Rowlands disse, olhando novamente para o casebre. “Mas não forte o bastante. Uma ovelha jovem pesaria cerca de cem l ibras, eu quase quebrei minhas costas carregando-a por um caminho curto. Seria necessário um grande cão bem forte para arrastar esse peso.”

Will ouviu a si próprio dizendo, “Dois cães?”

John Rowlands olhou para ele com olhos arregalados. “Você tem algumas idéias inesperadas, Wil l , para alguém que não cresceu em uma fazenda.. . s im, dois cães juntos poderiam arrastar uma ovelha. Mas como fariam isso sem deixar um grande rastro? E de qualquer modo, como poderiam dois ou vinte cães abrirem aquela porta?”

“Só Deus sabe,” disse Will . “Bem – talvez não tenha sido nenhum animal. Talvez alguém estivesse dir igindo por perto, ouviu a ovelha bal indo, t i rou-a do casebre e a levou. Quero dizer que eles não poderiam saber que voltaríamos.”

“Sim,” John Rowlands disse. Ele não pareceu convencido. “Bem, se alguém fez isso, deveremos encontrar a ovelha em casa quando chegarmos lá, pois ela tem a marca Pentref em sua orelha e qualquer um das redondezas saberia que no inverno nós guardamos as ovelhas de William Pentref. Agora vamos lá.” Ele assobiou para Pen.

Eles f icaram em si lêncio no caminho para casa, cada um perdido em concentrada e confusa conjectura. John Rowlands, Wil l sabia, estava preocupado por causa da necessidade de encontrar a ovelha rapidamente, para tratar de seus ferimentos. Ele, Will , t inha suas próprias preocupações. Embora não t ivesse mencionado para Rowlands, e dif ici lmente ousaria até mesmo pensar o que isso teria signif icado, sabia que no momento em que a ovelha ferida tinha cambaleado e caído ao lado do rebanho, ele t inha visto algo mais do que aquele desforme relance de movimento na samambaia onde o atacante fugiu. Tinha visto o bri lho de um corpo prateado, e o focinho do que pareceu muito com um cão branco.

Música estava fluindo da casa da fazenda em uma cadeia dourada, como se o sol est ivesse dentro da janela, bri lhando para fora. Wil l parou, surpreso, e f icou escutando. Alguém estava tocando uma harpa, longos arpeggios ondulando como a canção de um pássaro; então sem pausa alguma a música se t ransformou em algo como uma sonata de Bach, notas e padrões tão precisos como flocos de neve. Por um momento John Rowlands olhou para ele com um sorriso, então abriu a porta e entrou. Uma porta lateral estava

26

Page 37: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

aberta dando acesso a uma pequena sala que Will não havia notado antes; parecia um querto principal decrépito, afastado da grande sala de estar cozinha onde toda a verdadeira vida da casa acontecia. A música vinha desta sala; Rowlands enfiou sua cabeça através da porta, e assim também fez Will . Sentado, al i , correndo suas mãos sobre as cordas de uma harpa que t inha duas vezes a altura dele, estava Bran.

Ele parou, fazendo as cordas pararem com suas palmas. “Alô, para vocês.”

“Muito melhor” disse John Rowlands. “Muito melhor mesmo, isso, hoje.”

“Bom,” falou Bran.

Will disse, “Não sabia que você tocava harpa.”

“Ah,” Bran disse de modo solene. “Tem um monte de coisas que o Inglês não sabe. O Sr. Rowlands me ensina. Ensinou sua tia também, essa aqui é dela.” Ele correu um dedo pelas cordas sonoras. “Esse quarto congela no inverno, sempre, mas a melodia f ica melhor do que no calor. . . Ah, Will Stanton, não sabe em que ilustre lugar você está. Essa é a única fazenda em Gales onde há duas harpas. O Sr. Rowlands também tem uma na casa dele.” Ele apontou com a cabeça através da janela, para o tr io de casas de fazenda pelo terreno. “Geralmente eu pratico lá. Mas hoje o Sr. Rowlands está ocupado fazendo l impeza.”

“Onde está David Evans?” perguntou John Rowlands.

“No quintal com Rhys. No estábulo, eu acho.”

“Diolch .” Ele saiu, preocupado.

“Pensei que você estaria na escola,” disse Will .

“Meio-feriado. Esqueci porque.” Bran esava os óculos protetores cor de fumaça até dentro de casa; eles o faziam parecer excêntrico e i rreal, os círculos escuros inescrutáveis t irando toda a expressão de seu rosto pál ido. Ele também estava usando calças escuras, e um suéter escuro, tornando seu cabelo branco ainda mais impressionante e incomum. Will pensou de repente: ele deve fazer isso de propósi to, ele gosta de ser di ferente .

“Uma coisa terrível aconteceu,” ele disse, e contou a Bran sobre a ovelha. Mas novamente ele falou sobre a rápida visão que teve do atacante que o fez pensar que era um cão branco.

“Tem certeza que a ovelha estava viva quando John a deixou?” Bran disse.

“Oh, sim, acredito que sim. Sempre tem uma chance de que alguém simplesmente tenha parado al i e levado ela embora. I expect John's checking.”

“Que coisa estranha,” disse Bran. Ele f icou de pé, se esticando. “Eu já pratiquei bastante. Quer sair?”

“Vou falar para Tia Jen.”

No caminho da saída. Bran pegou sua mochila de couro de uma cadeira ao lado da porta. “Tenho que deixar isso em casa. E colocar a chaleira para Da. Ele virá tomar uma xícara de chá, daqui a pouco, se est iver trabalhando por perto.”

Will disse curioso, “A sua mãe trabalha também?”

“Oh, ela está morta. Morreu quando eu era bebê, não lembro dela.” Bran deu a ele uma estranha olhada de lado. “Então ninguém falou a você sobre mim? Meu pai e eu, nós somos solteiros que cuidam da casa. A Sra. Evans é muito legal , sempre. Nós fazemos a

27

Page 38: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

ceia na fazenda, nos f ins-de-semana. É claro, você ainda não esteve aqui no fim-de-semana.”

“Sinto como se est ivesse aqui faz semanas,” Will disse, levantando seu rosto para o sol . Algo no modo como Bran falou estava deixando ele estranhamente inquieto, e ele não quis pensar demais a respeito disso. Colocou o pensamento no fundo de sua mente, junto com aquela imagem da visão de relance do focinho branco através da samambaia.

“Onde está Cafal l?” ele disse.

“Oh, ele fai ficar fora com Da. Pensando que ainda estou na escola.” Bran riu. “Os momentos que tivemos quando Cafal l era jovem, tentando mostrar a ele que escola é para garotos e não para cachorrinhos. Quando fui para a escola primária na vi la, ele costumava sentar no portão o dia todo, apenas esperando.”

“Onde você vai agora?”

“Tywyn Grammar. Em um ônibus.”

Eles arrastaram seus pés pela poeira do caminho descendo até as casas, um caminho feito por rodas, dois sulcos com grama irregular crescendo entre eles. Havia t rês casas, mas só duas estavam ocupadas. Agora que ele estava mais perto, Will podia ver que a terceira t inha sido transformada em uma garagem. Ele olhou além, subindo o vale, onde as montanhas se erguiam azul-nebulosas e belas no céu claro, e ele tremeu. Embora o mistério da ovelha ferida t ivesse tomado a frente de sua mente por um breve momento, agora a profunda inquietação estava crescendo novamente. Por toda parte, através do campo, ele conseguia sentir a malevolência do Escuro crescendo, fazendo pressão. Ela não conseguia se concentrar sobre ele, seguindo-o como o olhar fixo de um grande olho feroz; um Antigo Escolhido tinha o poder de ocultar a si mesmo de modo que sua presença não podia ser sent ida tão precisamente. Mas claramente o Rei Cinzento sabia que ele estava destinado a vir , em breve, de algum lugar. Eles t inham suas profecias, assim como a Luz. As barreiras haviam se elevado, e estavam ficando mais fortes a cada dia. De repente Will sentiu o quão estranho era para ele ser o invasor; pois a Luz estava avançando contra o Escuro. Antes, através dos séculos, sempre tinha sido o contrário, com os poderes do Escuro lançando terr íveis ataques repet idamente sobre as terras dos homens protegidos pela Luz. A Luz sempre havia sido defensora dos homens, campeã de todos que o Escuro procurou arruinar. Agora, um Antigo Escolhido deveria propositalmente inverter o longo hábito da mente; agora ele deveria encontrar o impulso para o ataque, ao invés da resoluta defesa vigorosa que por tanto tempo havia mantido o Escuro afastado.

Mas é claro, ele pensou, até mesmo esse ataque é uma pequena parte de uma defesa, para criar resistência para aquele outro terrivelmente e últ imo momento quando o Escuro se erguerá novamente. É uma busca, para despertar os úl t imos al iados da Luz. E há pouquíssimo tempo.

Bran falou de repente, ecoando de forma assustadora a sua úl tima linha de pensamento, “Dia das Bruxas, hoje à noite.”

“Sim,” Disse Will .

Antes que pudesse falar mais, eles estavam na porta do casebre; ela estava parcialmente aberta, uma porta baixa pesadaa colocada na parede de pedra. O cão Cafal l veio pulando aos pés de Bran, um pequeno redemoinho branco, saltando e choramingando de prazer, lambendo a mão dele. Foi evidente o fato dele não ter latido. Lá dentro, uma voz de homem gritou, “Bran?” e começou a falar em Galês. Então quando Will seguiu Bran através da porta, o homem que falava, em mangas de camisa em uma mesa, f icou em um semi-si lêncio e o avistou. Ele parou de repente e disse formalmente, “Peço desculpas.”

28

Page 39: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Esse é Will ,” disse Bran, jogando sua bolsa de livros sobre a mesa. “O sobrinho do Sr. Evans.”

“Sim, pensei que talvez ele fosse. Como vai você, jovem?” O pai de Bran se aproximou, estendendo sua mão; o seu olhar era direto e seu aperto de mão firme, embora Will t ivesse uma curiosa sensação imediata de que que o homem de verdade não estava ali por trás dos olhos. “Eu sou Owen Davies. Tenho ouvido falar a seu respeito.”

“Cmo vai, Sr. Davies,” disse Will . Ele estava tentando não parecer surpreso. O que quer que ele esperasse no pai de Bran, não era esse homem: um homem tão completamente comum e pouco notável, pelo qual você poderia passar na rua sem perceber que ele estava lá. Alguém tão incomum como Bran deveria ter um pai incomum. Mas Owen Davies era totalmente mediano e normal: altura normal, cabelo castanho médio em uma quantidade média; um rosto agradável , comum, com um nariz levemente pontudo e lábios f inos; uma voz comum, nem profunda nem al ta, com a mesma enunciação precisa que, Will estava começando a aprender, pertencia a todos os homens Galeses do Norte. Suas roupas eram comuns, a mesma camisa, calças e botas que seriam usadas por qualquer um em uma fazenda. Até mesmo o cão que ficava ao seu lado, observando todos eles tranqüilamente, era um cão de caça Galês padrão, de costas negras, tórax branco, de cauda negra, completamente comum. Diferente de Cafal l: do mesmo modo que o pai de Bran não era nem um pouco como Bran.

“Tem chá no bule, Bran, caso vocês dois queiram uma xícara,” disse o Sr. Davies. “Eu já tomei a minha, vou sair para o grande pasto. E vou esta noite, tem um encontro na capela. A Sra. Evans vai lhes dar sua ceia.”

“Isso é bom,” Will falou alegremente. “Ele pode me judar com meu dever de casa.”

“Dever de casa?” disse Bran.

“Oh, sim. Esse não é apenas um feriado para mim, você entende. Eles me deram todo tipo de trabalho da escola, para que eu não f icasse atrasado. Álgebra, hoje. E História.”

“Isso vai ser muito bom,” Sr. Davies disse sério, colocando seu colete, “enquanto Bran se preocupar em fazer o seu próprio t rabalho também. É claro, sei que ele vai fazer isso. Bem, é muito bom ver você, Will . Vejo você mais tarde, Bran. Cafall pode f icar.”

E ele saiu, acenando para eles cordialmente mas com muita seriedade, deixando Will com o pensamento de que afinal de contas havia uma coisa sobre Owen Davies que não era totalmente comum; ele não possuia nem uma centelha de riso.

Não houve espressão alguma no rosto de Bran. Ele disse simplesmente, “Meu pai é uma pessoa importante para a capela. Ele é um diácono, e há dois ou três encontros para ele em uma semana. E nós vamos duas vezes aos Domingos.”

“Oh,” disse Will .

“Sim. Oh, está certo. Quer uma xícara de chá?”

“Na verdade não, obrigado.”

“Então, vamos sair .” De modo distraído Bran lavou o bule e o deixou emborcado sobre o escorredor de pratos. “Tyrd yma , Cafall .”

O cão branco sal tou feliz ao lado deles enquanto eles atravessavam os campos, para longe do casebre e da fazenda, subindo o vale em direção às montanhas e o pico soli tário próximo. Ele ficava em um ângulo reto em relação a montanha por t rás dele, destacando-se dentro do chão plano do vale.

29

Page 40: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“É engraçado como aquela rocha sticks out desse jeito,” disse Will .

“Craig yr Aderyn? É especial , é o único lugar na Grã Bretanha onde os cormorants fazem ninho no interior das terras. Não muito distante, é claro. Quatro milhas vindo do mar, estamos aqui . Você nunca esteve ali? Vamos lá, nós temos tempo.” Bran mudou de direção levemente. “Você pode ver os pássaros muito bem da estrada.”

“Pensava que a estrada era por aquele caminho,” disse Will , apontando.

“É meso. Nós podemos cortar até ela por esse caminho.” Bran abriu um portão que levava a uma tri lha, cruzava o caminho e seguia sobre a parede no outro lado. “O único detalhe é o seguinte, você tem que passar sem fazer barulho,” ele disse com um sorriso. “Essa é a terra de Caradog Prichard.”

“Depressa, Cafall ,” Will disse com um sussurro pesado, virando sua cabeça. Mas o cão não estava lá. Wil l fez uma pausa, confuso. “Bran? Onde está Cafal l?”

Bran assobiou. Os dois ficaram esperando, olhando para t rás, para a long sweep of the slate-edged stone wall along the stubbled f ield. Nada se moveu. O sol bri lhou. Bem longe, uma olvelha bal iu. Bran assobiou novamente, sem resultado. Então ele retornou, com Will bem perto atrás, e eles sibiram a parede novamente e desceram até a t ri lha que haviam cruzado.

Bran assobiou uma terceira vez, e chamou em Galês. Havia preocupação em sua voz.

Will disse, “Onde ele pode ter ido? Ele estava bem atrás de mim quando eu subi a parede.”

“Ele nunca faz isso. Nunca. Ele nunca se afasta de mim sem permissão, ou deixa de voltar quando é chamado.” Bran olhou ansioso pela tr i lha de cima abaixo. “Não gosto disso. Não deveria ter deixado ele chegar tão perto da terra do Sr. Prichard. Você e eu é uma coisa, mas Cafall . . .” Ele assobiou novamente, alto e desesperado.

“você não acha. . .” Will disse. Ele parou.

“Que Prichard at iraria nele, do jeito que disse?”

“Não, eu ia dizer , você não acha que Cafal l não vir ia porque sabe que não deveria entrar na terra do Sr. Prichard. Mas isso é bobagem, nenhum cão poderia pensar em algo desse jeito.”

“Oh,” Bran disse tr iste, “cães podem pensar coisas muito mais complicadas do que isso. Eu não sei . Vamos tentar por esse caminho. Leva até o rio.”

Eles seguiram pelo caminho, para longe da grandiosa massa de rocha de Craig yr Aderyn. Em algum lugar a frente deles, bem longe, um cão lat iu.

“É ele?” Will disse esperançoso.

A cabeça branca de Bran estava incl inada para um lado. O cão lat iu novamente, mais perto. “Não. Esse é o grande cão de John Rowlands, Pen. Mas Cafall deve ter ido por aquele caminho quando escutou ele.”

Os dois começaram a correr, pelo caminho pedregoso cheio de grama. Will logo perdeu o fôlego e f icou para trás. Bran desapareceu em uma curva no caminho em frente a ele. Quando Will fez a curva, duas coisas at ingiram sua consciência simultaneamente: a visão de Bran – sem Cafal l – conversando com seu pari e John Rowlands, e a terr ível certeza de que algo maligno havia tomado o controle de tudo que estava acontecendo agora na Fazenda Clwyd. Era uma percepção, como a súbita sensação de um forte som ou cheiro.

30

Page 41: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Ele chegou perto deles ofegando, enquanto Bran dizia: “. . .escutei Pen lat ir , e pensei que ele poderia ter vindo por esse caminho, então viemos correndo.”

“E você não viu nada?” Owen Davies disse. Seu rosto estava tenso com algum tipo de profunda preocupação. Vendo isso, Wil l sentiu um mau pressentimento se agarrar na boca de seu estômago.

John Rowlands disse, sua voz profunda excitada, “E você, Will? Você viu alguém, alguma coisa, agorinha mesmo no caminho?”

Will f icou surpreso. “Não. Só Cafal l , antes, e agora perdemos ele.”

“Nenhuma criatura passou por você?”

“Nadinha mesmo. Porque? Qual é o problema?”

Owen Davies falou, desolado, “No grande pasto subindo o caminho, tem quatro ovelhas mortas som suas gargantas dilaceradas, e não há portão algum aberto ou qualquer sinal do que pode ter atacdo eles.”

Will olhou assustado para John Rowlands. “Esse é o mesmo.. .”

“Quem pode dizer?” disse o pastor t ris temente. Como Davies, ele pareceu preso entre a agonia e a raiva. “Mas não são cães, não vejo como poderiam ser cães. Parece mais o t rabalho de raposas, embora como pode ser , eu não sei .”

“O milgwn , das colinas,” disse Bran.

“Bobagem,” seu pai disse.

“O quê?” disse Will .

“O milgwn ,” falou Bran. Seus olhos ainda estavaml girando rapidamente procurando por Cafal l , e ele falou automaticamente. “Raposas cinza. Alguns dos fazendeiros dizem que tem grandes raposas cinza que vivem lá em cima na montanhas, maiores e mais rápidas do que as nossas raposas vermelhas aqui embaixo.”

Owen Davies disse, “Isso é bobagem. Não existe tais coisas. Eu disse a você antes, não quero que você f ique escutando essas velhas histórias estúpidas.”

Seu tom era áspero. Bran encolheu os ombros.

Mas na frente da mente de Will surgiu de repente uma imagem brilhante, clara como um filme exibido em uma tela: ele viu t rês grandes raposas t rotando em l inha, enormes animais branco-acinzentados com casacos espessos crescendo largos como golas ao redor de seus pescoços, e com caudas parecidas com escovas. Elas se moveram pela encosta da col ina, entre as rochas, e por um instante uma delas virou sua cabeça e olhou diretamente para ele, com claros olhosvigi lantes. Naquele instante ele conseguiu vê-las tão claramente quanto conseguia ver Bran. Então a imagem se foi , elas desapareceram, e ele estava para ao sol novamente, mudo, confuso, sabendo que em uma das breves mensagens que poder surgir – muito raramente, apenas muito raramente – desprotegidas de um Antigo Escolhido para outro, seus mestres t inham lhe enviado uma imagem das criaturas do Rei Cinzento como aviso, agentes do Escuro.

Ele disse abruptamente, “Não são apenas histórias. Bran está certo.”

Bran olhou para ele, abalado pela l igeira certeza em sua voz. Mas Owen Davies olhou para longe com clara reprovação, os cantos de sua boca baixaram. “Não seja tolo, garoto,” ele disse fr iamente. “O que você pode saber sobre as nossas raposas?”

Will jamais soube o que poderia ter dito em resposta, pois quebrando o tenso

31

Page 42: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

si lêncio da tarde ensolarada veio um gri to de John Rowlands, urgente, alto.

“Tan! Olhe ali ! Tem fogo na montanha! Fogo!”

32

Page 43: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Um: A Harpa Dourada

Fogo na Montanha

Não havia muita fumaça, para tanto fogo. Em uma linha pela ladeira mais baixa da montanha, que de onde eles estavam só conseguiam ver por cima da cerca viva, chamas estavam ardendo na samambaia. Era como uma ferida comprida, um corte na pacíf ica ladeira castanha, agi tando-se com vida mortal e sinistra. Também havia um pouco de cor nela, e eles estavam longe demais para ouvir qualquer som. Por um momento Will só tomou consciência da surpresa que John Rowlands deveria ter ao ver tudo isso.

Eles estavam concentrados nas instruções, e na urgência da voz suave de Rowlands. “Para a fazenda, vocês dois, rápido. Liguem para os bombeiros de Tywyn e para a polícia, e então voltem com qualquer um que esteja lá. Todas as mãos que puiderem conseguir. E tragam vassouras para combater o fogo. Bran, você sabe onde elas estão. Vamos lá, Owen.”

Os dois homens correram subindo o caminho cruzando o vale, e os garotos mergulharam pelo portão que conduzia aos campos da Fazenda Clwyd, Bran girou sua cabeça ao redor em um redemoinho de cabelo branco: “Agora faça isso com cuidado,” ele disse seriamente, “ou você vai f icar mais doente.. .” e ele partiu como um velocista, deixando Will para fechar o portão e trotar resignadamente em seu rastro.

O telefonema t inha sido fei to no momento em que ele alcançou Bran na fazenda. David Evans os levou com ele na Land-Rover, junto com Rhys e um fazendeiro alto chamado Tom Ell is que estava lá, quando eles chegaram. A traseira do pequeno carro t inha sido rapidamente preenchida com vassouras e sacos, e muitos baldes que o tio de Will parecia ter pouca esperança de usar. Os cães, dessa vez, foram deixados para t rás.

“Eles não terão ut i l idade alguma contra o fogo,” disse Rhys, vendo Will incl inar sua cabeça para os lat idos queixosos. “E as ovelhas podem sair do caminho por elas mesmas – embora elas fiquem todas bem longe, por enquanto.”

“Fico imagindo onde está Cafall ,” Will disse, e então avistou o rosto de Bran e desejou que não tivesse visto.

De perto, o fogo na montanha era muito mais assustador do que havia parecido de longe. Agora podiam sentir o cheiro, e escutar; cheiro de fumaça mais amargo do que o de uma fogueira de fazenda; ouvir o suave som ameaçador das chamas consumindo a samambaia, como papel sendo amassado na mão, e o súbito rugido estalante enquanto um arbusto ou uma fi la de tojo went up. E eles podiam ver as chamas, saltando alto, vermelhas claras e amarelas nas bordas do fogo mas ferozes e quase invisíveis em seu centro.

Enquanto eles desciam do carro David Evans estava pedindo as vassouras. Wil l e Bran as reti raram: vassouras feitas como aquelas ant igas, mas com as cerdas mais longas e mais largas. John Rowlands e o pai de Bran, já equipados, estavam batendo na borda do fogo, tentando contê-lo; ma o vento estava soprando mais al to, e as chamas, agora saltando, agora rastejando, logo estavam passando por eles e viajando pela borda mais baixa da montanha. Enquanto elas contuavam subindo, rugindo pela encosta da col ina através da samambaia seca inflamável , Owen Davies pulou fora do caminho bem a tempo.

O estalo aumentou; o ar estava cheio de vapor, fumaça e part ículas negras de carvão e cinza rodopiando. Grande calor irradiava de encontro a eles. Estavam todos em

33

Page 44: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

uma l inha atacando as chamas, batendo com todas as suas forças e ainda assim, ext iguindo apenas uma centelha de vez em quando. John Rowlands gritou algo em Galês desesperadamente; então vendo o rosto de Will perto dele que mostrava não ter entendido, sol tou com esforço: “Devemos conduzir o fogo para mais alto, antes que possa alcançar Prichard! Manter ele afastado da rocha!”

Olhando em frente para a grande ladeira rochosa de Craig yr Aderyn, Will avistou pela primeira vez o canto de uma construção de rocha cinza projetando-se além de seu lado mais distante. A luz cinti lou em uma jato de água sendo lançado ao lado da casa; alguém estava molhando a terra ao redor dela, em um esforço para enfraquecer o fogo se ele chegar tão longe. Mas Will , batendo desanimado com sua comprida vassoura larga, sent iu que nada poderia deter ou controlar o inferno diante deles, agora resmungando al to acima de suas cabeças enquanto alcançava um amontoado de arbustos de amoras si lvestres. Era como uma enorme besta furisoa sobre a montanha, engolindo tudo em seu caminho com avidez irresistível. Era tão poderoso, e eles tão pequenos, que até mesmos os esforços de controlar seu caminho pareciam ridículos. Ele pensou: É como o Escuro – e pela primeira vez encontrou-se imaginando como o fogo poderia ter começado.

Abaixo deles, da rua passando ao pé do grande Craig, surgiu o ret ini t do sino do carro de bombeiros, e Will viu caminhos vermelhos através das árvores, e uma mangueira serpenteando através do ar . Vozes de homens estavam gri tando fracamente e havia um som de motores. Mas ali em cima na ladeira, o fogo estava ficando mais volumoso, enquanto o vento que soprava forte o conduzia em caminhos,e gradualmente eles foram forçados para baixo, para dentro das árvores margeando a estrada. Em um trovão tr iunfante o fogo rugiu atrás deles.

“Desçam a estrada!” gri tou o homem magro Tom Ellis. “Aquelas árvores serão at ingidas em um minuto!”

Will ofegou ao lado de John Rowlands. “O que vai acontecer?”

“Vão queimar, eventualmente.” Mas o rosto enrugado do Galês estava amargo.

Bran veio trotando do seu outro lado, sua pele branca manchada e suja. “O problema é esse vento, levando ele subindo o vale – a terra de Prichard está mesmo em perigo, Sr. Rowlands?”

John Rowlands diminuiu seu passo por um momento, para olhar pelo céu. Agora nuvens estavam se formando no ar azul , estranhas nuvens brancas sujas i rregulares que pareciam estar vindo de lugar algum. “Eu não sei. . . o vento causa uma mudança no tempo, e ele está virando, mas é difícil dizer para onde. . . devemos ter chuva mais cedo ou mais tarde.”

“Bem,” Will disse esperançosamente, “a chuva vai apagar o fogo, não vai?” Mas enquanto falava ele podia ouvir o estalo e o rugido do fogo como uma risada em suas costas, e não f icou surpreso quando John Rowlands balançou sua cabeça.

“Só um grande monte de chuva.. . o solo está tão seco, seco como nunca nessa época do ano – nada além de um aguaceiro terá algum efeito.” Ele olhou ao redor de novo, franzindo o rosto para as montanhas e para o céu. “Tem alguma coisa estranha, sobre esse fogo e tudo mais. . . algo está errado.. .” Ele balançou seus ombros, desistindo de procurar, e continuou andando enquanto eles faziam a curva e seguiam em direção do carro de bombeiros e seu motor barulhento.

Will pensou: Ah, John Rowlands, você vê mais do que acha que vê; embora não exatamente o bastante. O Lorde do Escuro começou seu trabalho nessas monatnhas, o Rei Cinzento está construindo uma barreira para isolar a harpa dourada,e, os Adormecidos que devem ser despertados, para que eu não consiga chegar até eles e completar a busca. Pois se ele puder afastá-los do alcance da Luz, então os Antigos Escolhidos não conseguirão alcançar seu poder máximo, e não haverá ninguém para

34

Page 45: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

impedir o Escuro de se erguer. . .

Ele disse, sem saber que falava alto: “Mas isso não vai funcionar!”

Uma voz disse suavemente em seu ouvido, “O que não vai funcionar?” os óculos escuros de Bran, cobrindo os seus olhos, estavam observando seu rosto.

Will olhou para ele e disse com súbita honest idade, “Não sei o que fazer com você.”

“Eu sei que não sabe.” Bran disse, um rápido sorriso contorcendo seu estranho rosto pál ido. “Mas vai precisar de mim so mesmo jei to.” Ele deu um giro, quando fumaça do fogo lá em cima da encosta da colina veio crescendo e descendo ao redor deles. “Não se preocupe,” ele disse, sorrindo. “Ninguém mais também nunca soube o que fazer comigo.” E ele se foi, girando, correndo, quase dançando subindo a estrada na direção do carro de bombeiros.

Will correu atrás dele. E então em um momento os dois foram brought up short por uma visão mais surpreendente do que qualquer outra. Debaixo da grande massa de Craig yr Aderyn os bombeiros t inham duas mangueiras trabalhando, molhando tanto a montanha quanto a beira da estrada em uma tentativa de impedir que o fogo sal tasse sobre Craig e descesse até a Fazenda Prichard. Outros corriam aqui e ali com baldes, vassouras, tudo com o que centelhas desgarradas poderiam ser apagadas antes que ganhassem força. A estrada estava zumbindo de ansiosa atividade. Mesmo assim, no meio de tudo isso, parado al i rígido e consumido pela fúria, estava Caradog Prichard com seu cabelo vermelho eriçado, sangue em sua camisa e uma espingarda segura em uma das mãos – e a outra mão estendida f irme, apontando de modo acusador enquanto gri tava com raiva para John Rowlands.

“Traga o cão para mim! Traga ele! Vou provar que foi ele, ele e aquela aberração branca daquele estranho garoto Davies! Vou mostrar! Seis ovelhas em meu campo, tem seis delas, com suas gargantas di laceradas, maldição, suas cabeças por um fio – e tudo por diversão, e foi isso que esses cães sanguinários fizeram e é por isso que vou at irar neles! Traga eles aqui! Traga eles! E eu vou provar!”

Os garotos f icaram congelados, olhando para ele com horror; naquele momento ele não era um ser humano, mas uma criatura enlouquecida possuida pela fúria, transformado em um animal i rracional . Tudo o que poderia ser visto nele era o desejo de ferir, e essa era, como sempre seria, a visão mais assustadora no mundo.

Olhando para Prichard com o olho de um humano e a visão de um Antigo Escolhido, Will estava cheio de uma opressora compaixão: uma consciência do que inevitavelmente deveria dominar Caradog Prichard se ele não fosse controlado, agora, para sempre, nessa raiva antes que fosse tarde demais. Pare, ele desejou gritar para ele: pare, antes que o Rei Cinzento o veja, estenda sua mão em um gesto de amizade, e você, ingenuamente, acei te e seja destruido. . .

Antes de pensar no que estava fazendo ele caminhou em frente, e o movimento trouxe o homem de cabelo vermelho em direção a ele. O dedo balançando cruelmente, golepando através do ar .

“Você aí também, Sais bach , você é parte disso, você e a fazenda de seu tio. Eles são cães de Clwyd, esses brutos assassinos, isso tudo está em suas mãos, e todos vocês vão me pagar, todos vocês.. .”

Saliva espumou nos cantos de sua boca. Não havia como conversar com ele. Wil l se afastou, e com a fúria dos gri tos de Prichard até mesmo os comabtentes do fogo f izeram uma pausa, surpresos. Não havia som algum a não ser a pancada do carro de bombeiros ecoando e o estalar das chamas que se aproximavam, e por um instante, movimento algum em toda parte. Então David Evans foi em frente, uma pequena forma

35

Page 46: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

l igeira com uma vassoura em sua mão e manchas de fuligem em seu rosto e em sua camisa, e ele pegou Prichard pelo ombro sem medo e o balançou, com força.

“O fogo estará sobre nós em minutos, Caradog Prichard – você quer que a sua fazenda queime? Todos nós aqui t rabalhando com nossas mãos machucadas para manter as chamas longe de seu telhado, e a sua esposa lá dentro fazendo o mesmo, e você f ica aqui gri tando suas bobagens e sem pensar em nada a não ser algumas ovelhas mortas! Você terá mais um monte de ovelhas mortas, homem, e uma fazenda morta também, se você não se recompor agora. Agora!”

Prichard olhou para ele inexpressivamente, os pequenos olhos bri lhantes tortos mostrando suspeita no rosto rechonchudo, e então ele pareceu acordar gradualmente, e perceber onde estava e o que estava acontecendo. Chocado, ele olhou para as chamas sal tando perto além da cerca viva. A bat ida do carro de bombeiros cresceu tornando-se um som agudo mais alto, enquanto os trabalhadores balançavam suas mangueiras para encarar o fogo que avançava; centelhas voavam em todas as direções enquanto batedores golpeavam freneticamente a samambaia. Caradog Prichard deu um curto grito agudo de terror, virou, e correu de volta em direção de sua casa na fazenda.

Sem dizer uma palavra Will e Bran juntaram-se às l inhas de batedores, margeando diagonamente subindo a encosta da col ina em um esforço para impedir que o fogo seguisse acima e além de Craig. O céu estava f icando mais escuro enquanto as nuvens ficavam mais espessas e a noite se aproximava, mas não havia sinal algum de chuva. Novamente o vento soprou forte, reduziu ao nada, ergueu-se em um súbito e novo sopro forte; não havia como dizer o que ele faria em seguida. Mais e mais forte Will conseguia sentir a inimizade do Rei Cinzento pressionando-o dos al tos picos na cabeça do vale; isso criava uma parede tão feroz quanto a parede de chamas que rugiam em direção a eles da outra direção, embora o único que podia sentir ambas as forças, o único que podia ficar preso entre as duas, fosse um Antigo Escolhido, Will Stanton, obrigado desde o nascimento a seguir nessa para onde quer que ela pudesse levar. . . De repente ele foiacometido de uma louca exci tação, t razendo energia de lugar algum para fortalçecer suas pernas e braços enfraquecidos. Gri tando com súbita exultação, sorrindo loucamente para Bran, ele golpeou com força as chamas lambendo a samambaia aos seus pés como se pudesse esmagá- las contra o chão em um instante.

Então a visão de relance de um movimento mais acima na montanha desviou seus olhos da l inha das chamas, e surgindo lá no alto das rochas ele viu, lançando-se em frente com velocidade surpreendente, a forma de uma raposa branco-acinzentada. Arbustos voando em sua esteira, orelhas incl inadas para trás; ela saltou o lado elevado de Craig yr Aderyn. A fumaça aumentou, subindo com o vento, e a raposa sumiu. Will t inha visto apenas por um rápido momento.

Ele ouviu um lamento al to de Bran. “Cafal l!”

Então o garoto Galês estava escalando a ladeira, ignorando os gri tos preocupados abaixo, ignorando o fogo, a fumaçae e tudo mais exceto a visão do animal branco que havia pensado ser o seu cão.

“Bran, volte! Não é Cafal l!” Will subiu desesperado atrás dele, seu coração pulsando como se fosse saltar de seu pei to. “Bran! Volte!”

A ladeira ficava mais e mais escarpada, até que eles estavam acima da própria Craig, passando através de samambaia, sobre grama escorregadia, ao redor de amontoados de rocha cinza. Finalmente Bran fez uma pausa em um desses montes, ofegando, olhando para ele fixamente. Will foi para o lado dele, mal conseguindo falar.

“Cafal l!” Bran gri tou dentro do nada.

“Não era Cafall , Bran.”

36

Page 47: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“É claro que era. Eu vi ele.”

“Era uma raposa, Bran. Uma das milgwn . Bran, é um truque, não percebe?”

Will tossiu, sufocando com um sopro de fumaça negra que espalhava-se ao redor da ladeira por trás e abaixo deles. Eles não conseguiam ver nada a não fumaça e as rochas íngremes, com caminhos de céu cinzento acima de suas cabeças. Abaixo, não havia sinal da fazenda, homens ou do vale, e em seus ouvidos nenhum som a não ser o suspiro do vento, e em algum lugar as vozes fracas dos pássaros.

Bran olhou para Will mostrando dúvida.

“Bran, eu tenho certeza.”

“Está bem. Eu t inha tanta certeza.. . Sinto muito.”

“Não precisa. Não foi você que viu. Foi o Rei Cinzento fazendo que visse. Mas o problema é, não podemos voltar por aquele caminho, o fogo está subindo atrás de nós.. .”

“Tem um caminho descendo pelo outro lado,” Bran disse, esfregando suor de seus olhos. “Não tem samambaia para o fogo queimar al i , só pedras. Mas é um caminho difícil .” Ele olhou com dúvida para o pálido rosto sujo de Will .

“Eu estou bem. Vamos lá, vamos lá.”

Eles escalaram a rude escada de grama e pedra, agora apoiando-se com ambas as mãos e pés.

“Tem um ninho de passarinho aqui!” Will t inha visto uma pilha desarrumada de galhos e samambaia a um pé de distância de sua cabeça.

Teria passarinhos também, se não fosse o fogo. É um local para fazer ninhos na primavera, eu disse. Não apenas para os cormorants – corvos também. Montes de pássaros.. . é por isso que a chamam de Rocha dos Pássaros, é claro. Aqui. . .” Bran parou ereto em uma grande monte pedra, ladeado por samambaia. “Esse é o cume. Ela desce para o outro lado em direção da Fazenda Prichard.”

Mas Will estava imóvel , olhando para ele. “Rocha dos Pássaros?”

“Isso mesmo,” Bran disse, surpreso. “Rocha dos Pássaros. Craig yr Aderyn, rocha dos pássaros. Pensei que soubesse disso.”

Will falou suavemente, refletindo:

No dia dos mortos, quando o ano também morre, Deve o mais jovem abrir as colinas mais antigas Através da porta dos pássaros, onde quebra a brisa. . .

Bran ficou olhando para ele. “Você quer dizer. . . a porta dos pássaros. . . aqui?”

“Rocha do Pássaro. Deve ser isso. Eu sei . E esse é o dia dos mortos. . .” Will virou sua cabeça depressa, olhando para o céu onde nuvens f lutuavam como montes cinzentos de fumaça. “E o vento está mudando, sinta. . . Não.. . Sim, lá está de novo.. . Um vento ruim, um vento do Escuro. Não gosto disso. Bran, o Rei Cinzento está nele.” Agora ele falou sem nenhum pensamento em Bran como qualquer outra coisa a não ser um aliado, sempre.

O garoto de cabelo branco falou desolado, “Está virando para o norte. Esse é o pior vento de todos, o vento do norte. Gwynt Traed yr Meirw , eles oo chamam, o vento que sobra ao redor dos pés dos mortos. Ele traz tempestades. E coisa pior, às vezes.”

37

Page 48: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

O estalar distante do fogo parecia mais alto agora. Wil l olhou por cima de seu ombro, descendo a colina; a fumaça estava mais espessa al i , e ele sentiu mais calor no ar. O vento rodopiava em rajadas, carregando cinzas e fuligem da parte de baixo em estranhos redemoinhos escurosao redor de suas cabeças. De repente Will soube com terrível certeza que o Rei Cinzento estava consciente de sua presença, precisamente consciente, reunindo seu poder para atacar – e foi nesse primeiro momento de consciência que o fogo na montanha t inha começado. Ele mostrou medo em uma súbita sensação de terr ível solidão. Um Antigo Escolhido, sozinho sem os outros da Luz, estava vunerável ao Escuro em sua pleni tude. Embora ele não pudesse ser destruido para sempre, ainda poderia ser desarmado; o poder total do Senhor do Escuro poderia, se o at ingisse sem defesa, lançá-lo para fora do Tempo por um espaço tão grande que ele não poderia ajudar seus companheiros até que fosse tarde demais. Então o Rei Cinzento atacava Will com o fogo agora, e com tudo mais que pudesse estar ao seu comando.

E Bran estava mais vulnerável ainda. Will virou para trás depressa. “Bran, vamos lá, pelas montanhas até o topo. Antes que o fogo.. .”

A voz dele morreu em sua garganta. Si lencioamente no terreno ao redor deles, saindo dos buracos e fendas, fazendo a volta nas curvas e penhascos, surgiram furtivamente as formas fantasmagóricas branco-acinzentadas das milgwn , mais de vinte delas: cabeças abaixadas, mostrando os dentes, um punhado branco cint ilando em cada cauda cinzenta espessa rígida. O cheiro de raposa delas estava mais forte no ar do que o da fumaça. Na cabeça delas estava o rei raposa, o l íder delas, a l íngua vermelha estendida de uma boca aberta em um largo sorriso ameaçador, seus dentes brancos longos como dedos e pontudos como pregos, estalact ites de ossos. Os olhos eram brilhantes; a gola projetava-se branca ao redor dos ombros e pescoço largo.

Will cerrou os punhos, gritando furiosas palavras de poder na Linguagem Antiga, mas a grande raposa cinza não demonstrou medo. Ao invés disso deu um súbito sal to no ar , posicionando-se direto em um lugar elevado, como Will uma vez t inha visto uma raposa fazer em um campo de Buckinghamshire, muito longe desse vale, para descobrir que perigo esprei tava em um campo de trigo mais al to do que a cabeça dela. Quando sal tou, o rei raposa deu um curto latido agudo, profundo e claro. Os milgwn sol taram um rosnado baixo. E uma súbita labareda de chama subiu ao lado de Will com um som parecido com o de tecido rasgando, enquanto o fogo na montanha finalmente explodiu no terreno de Craig yr Aderyn e rugiu estalando ao redor deles na samambaia.

Will retrocedeu encolhido. Não havia como escapar a não ser passando pelo rei raposa. E a grande raposa estava agachada imóvel , abaixada sobre sua barriga, preparando-se para saltar.

Houve um agudo grito repentino no ombro de Will . Bran saltou para frente, balançando em sua mão um galho torto ardendo em chamas, um feixe de chamas; ele o enfiou no rosto da raposa cinza. Gri tando, o animal caiu para t rás em meio aos seus companheiros, e as raposas correram confusas. Antes que o galho pudesse descer queimando até seu braço, Bran o ati rou para o lado. Mas inesperadamente, pego por uma rajada de vento, ele caiu sobre o lado oposto do cume, descendo em direção da colina que não foi queimada. Ele passou por cima da borda, e desceu para o lado mais distante de Craig onde o fogo de outro modo não deveria ter chegado. Houve um soprar de chama quando o fogo tocou em sua nova presa. Bran gemeu de horror.

“Will! Eu mandei o fogo descendo até a fazenda Prichard – estamos cercados pelos dois caminhos!”

“O topo!” Will gritou depressa. “Temos que chegar até o topo!” Com toda a certeza dos ant igos inst intos ele sabia o lugar que deviam encontrar; ele t inha começado a chamar por ele de modo persuasivo, invisível , acordando para sua busca. Ele sabia como ele deveria parecer; sabia o que deveria fazer quando chegassem até lá. Mas chegar até lá era outra questão. Chamas estalavam em ambos os lados deles, fazendo arder suas

38

Page 49: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

peles secas; em frente, as milgwn se agrupavam em um semi-círculo apertado, esperando, esperando.. .

Desesperadamente Will colocou proteção sobre ele mesmo e Bran, standing foursquare virado para o norte e gri tando algumas palavras na Linguagem Antiga: era o Feit iço de Helledd, para dar l iberdade a um andarilho contra qualquer imposição daqueles que mantinham a terra sobre a qual ele andava. Mas não havia muita esperança nele; ele sabia que isso não poderia durar muito tempo. Ao seu lado ele ouviu Bran sol tar um grande gri to implorando, como uma criança pequena pedindo ajuda sem saber a quem chamar.

“Cafal l! Cafall!”

E surgindo do nada vindo em direção a eles apareceu uma listra branca, sal tando na raposa mais próxima, arrastando-a para o lado, de modo que ela girou com um gemido e foi rolando e rolando. O apertado semi-círculo ondulou, incerto. Cafal l pulou rangendo os dentes sobre a próxima raposa, suas mandíbulas se fechando rápida e forte sobre o ombro dela, e os animais uivaram de modo horrível e se afastaram. There in the rent he had torn in the rank of the milgwn the white dog stood, guerreiro como um touro, com suas pernas plantadas f irmes na rocha, e a mensagem cint ilando em seus estranhos olhos prateados era clara. Wil l agarrou Bran pelo braço e deslizou com ele passando por Cafall , l ivre, enquanto as raposas ofegantes hesitavam.

“Lá em cima, Bran, rápido! É o único lugar!”

Os olhos de Bran tremularam sobre a terra negra e pêlo branco, col inas escuras e céu cinza; ele viu o grande rei raposa das milgwn observando-os, controlado novamente, preparado para a perseguição. Então Cafal l , curvando-se apra encarar o animal, começou a dar um grande rosnado crescente mais terrível do que qualquer som que Bran já t inha ouvido em sua vida. Como que em cumprimento de algum t ipo de dest ino, o cão estava tornando possível que eles escapassem. Não havia motivo para não obedecer. Com uma súbita torrente de confiança e humildade, Bran virou e começou a subir atrás de Will .

Escalando com mãos e pés sobre o cume rochoso. Will seguia para o lugar onde eles deveriam ir ; esse lugar cantava para ele, chamando. Abaixo das pedras nas quais eles de agarravam, fumaça rodopiava como um mar escuro; lá em cima, pássaros invisíveis gritavam e grasnavam com medo feroz. Quando ele não conseguiu subir mais. Wil l viu uma fissura saliente nas rocas diante dele, uma longa fenda alargada e desgastada pelo frio, vento e chuva. Seus lados de granito cinza estavam com placas de l íquen. Irresist ívelmente, ele o chamava.

Ele gri tou para Bran: “Aqui!” Então sua voz ficou mais al ta, comandando. “Cafal l!”

Os lados de granito da rachadura elevavam-se três vezes mais al tos do que sua cabeça. Ao entrar, Wil l olhou para trás por cima do ombro; ele viu Bran seguindo, confuso, e então uma veloz forma branca desl izando atrás dele, enquanto Cafal l disparou em frente, encostando brevemente seu nariz na mão de Bran quando passou. Do lado de fora sobre a rocha, uma tumultuada gri taria de fúria confusa ergueu-se das milgwn , impedidas de entrar. O poder do mestre delas, Wil l agora sabia, t inha poder sobre as rochas e monatnhas e todos os lugares al tos de Gwynedd; mas apenas sobre aqueles. O lado de dentro da rocha e da montanha era um domínio diferente.

Ele seguiu em frente. Na sua parte mais distante, a rachadura rochosa alargava um pouco. A luz era fraca. As coisas pareciam indist intas, como que em um sonho. Do lado de fora, as raposas latiam e gemiam. E então não havia mais nada na frente de Will a não ser rocha cinza: uma formidável parede lisa, no f im da fenda. Will olhou a rocha, e sua mente se encheu de uma calorosa sensação de descoberta e alívio tão intensa quanto alegria. O cão Cafal l estava ao lado dele, ereto e orgulhoso como um jovem cavalo. Will baixou uma das mãos para repousar na cabeça branca. O outro braço ele ergueu diante de

39

Page 50: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

dele, com dedos bem estendidos em um gesto de comando, e ele falou três palavras na Linguagem Antiga.

E diante dele, a rocha se part iu, como um grande portão, com um som suave, muito suave de música delicada que era pesarosmanete famil iar e ao mesmo tempo estranha, desaparecendo tão logo era ouvida. Wil l caminhou em frente através das portas rochosas, com Cafal l t rotando confiante ao lado dele, cabeça erguida e cauda balançando. E Bran, um pouco hesi tante, seguiu atrás deles.

40

Page 51: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Um: A Harpa Dourada

Rocha dos Pássaros

Não havia como dizer se eles estavam mais fundo dentro de Craig yr Aderyn, ou t inham caminhado pelas rochosas portas cinzentas para dentro de outro lugar e tempo. Para Will isso não t inha importância. A excitação estava pulsando através dele, nesta estava o verdadeiro início de sua primeira busca como um Antigo Escolhido. Virando para olhar para trás, ele viu sem surpresa que as portas pelas quais eles t inham vindo não estavam mais lá. A parede rochosa no f inal da câmara agora estavam planas e inteiras, e sobre ela, bem al to, pendia um escudo dourado redondo, cint ilando fracamente em uma luz que vinha de algum lugar bem fundo dentro da sala.

Will olhou para Bran, mas o garoto Galês pareceu não estar perturbado. Seu rosto pálido estava estranhamente vulnerável sem os seus óculos protetores, mas Will não conseguiu ler nenhuma expressão nos olhos parecidos com os de um gato; mais uma vez ele sentiu uma intensa curiosidade a respei to desse estranho garoto que não tinha cor, nascido no vale assombrado pelo Escuro – mortal , e ainda assim também uma criatura que já era conhecida pelos Antigos Escolhidos séculos antes. Como será que ele. Wil l , ele mesmo um Antigo Escolhido, poderia sentir tão pouco da natureza de Bran?

“Você está bem?” ele disse.

“Estou bem,” disse Bran. Ele estava olhando para cima nas paredes, além de. “Duw ,” ele disse suavemente. “Lindo. Olhe para aquelas.”

Era uma comprida sala vazia. Em suas paredes estavam penduradas tapeçarias, duas de cada lado, suas cores ricas tão profundamente bri lhantes que também pareciam brilhar na meia- luz, como o escudo dourado. Will piscou reconhecendo as imagens bordadas al i , tão ricas quanto aço inox: Um unicórnio prateado, um campo de rosas, um cint ilante sol dourado. . .

Toda a luz nesse quarto pareceu, agora ele viu, vir de apenas uma chama. Em um cast içal de ferro projetando-se da parede de pedra próximo ao fim da sala, ali estava apenas uma vela enorme. Tinha vários pés de al tura, e ardia com brilho intenso e uma chama que não balançava. A comprida sombra da vela estendia-se sobre a parede e o chão, imóvel , sem dançar. Sua imobil idade, Will percebeu, era a imobil idade da Alta Magia, um poder além da Luz e do Escuro ou qualquer f idel idade – a mais forte e mais remota força no universo, que em breve ele e Bran deveriam encarar nesse lugar.

Houve um fraco choramingo ao seu lado, malmente audível . Ele olhou para baixo, e viu o cão Cafall olhando para trás, para Bran.

Will disse suavemente, “Então, vamos lá.”

O nariz fr io do cão tocou em sua mão, e Cafall virou e t rotou rapidamente para seu mestre, balançando sua cauda. Bran enfiou seus dedos no pelo da cabeça do cão com rápida e forte afeição, e Will soube que mesmo com toda a sua calma aparente havia na mente dele um incerto pânico que se aproximava, que Cafal l havia sentido e procurou aliviar . Wil l sentiu uma rápida ponta de simpatia por Bran, mas não havia tempo para explicações. Ele sabia que devia confiar em sua sensação inst intiva de que, em último caso, a estranha distância sempre aparente em Bran provaria ser a estranheza da grande força.

He disse bem alto, sem se virar , “Por aqui.” Então ele caminhou firmemente

41

Page 52: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

descendo a longa câmara al ta. Bran seguiu com Cafal l; Wil l conseguiu ouvir os passos ecoando no chão pavimentado de rocha. Chegou até a vela alta na parede. Seu candelabro de ferro estava preso na parede na altura de seu ombro; os lados lisos da vela chegavam bem mais al to, acima de sua cabeça, de modo que a chama branca bri lhava lá em cima como uma cint i lante lua cheia.

Will fez uma pausa. “Primeiro a lua,” ele disse. “Então estrelas e, se tudo estiver bem, um cometa, e então o pó das estrelas. E finalmente, o sol .”

“O que?” disse Bran.

Will olhou sem realmente enxergar. Por trás de seus olhos ele estava olhando dentro de sua própria mente e memória, não para Bran. Aqui nesse lugar ele era um Antigo Escolhido, ocupado com os assuntos da Luz; nada mais t inha muita relevância. Ele disse, “Essa é a ordem das coisas, pela qual a Alta Magia deve ser conhecida. De modo que ninguém deve estar ao alcance dela exceto por direito de nascença.”

Bran disse, “Ainda não sei sobre o que você está falando.” Então balançou sua cabeça em um rápido gesto de nervosa desculpa. “Sinto muito, não quis parecer. . .”

“Não importa,” disse Will . “Apenas siga. Você verá.”

Os passos ecoaram novamente, e então eles estavam no f im da sala comprida e não havia nada diante deles a não ser um buraco no chão. Bran olhou desconfiado para o buraco.

Will disse, “Faça o que eu f izer.” Ele sentou na borda da rude abertura retângular no chão, e em poucos momentos conseguiu ver uma escada, descendo em um ângulo íngreme. Abaixando-se cautelosamente, ele descobriu que a escadaria era estreita e escura; era como descer em um poço. Quando estendeu uma das mãos para cada lado, elas tocaram a rocha no mesmo instante, e a rocha do teto também estava muito perto de sua cabeça. Ele seguiu descendo lentamente. Em um momento ele conseguiu ouvir os passos cuidadosos de Bran seguindo logo atrás, e o suave arranhar das garras de Cafal l . Por algum tempo o brilho da câmara superior chegou atrás deles lá embaixo, lançando formas dançantes de sombras nas paredes próximas, mas logo até mesmo elas desapareceram, e não havia mais nenhuma luz no túnel escadaria. Em seus lados, os dedos de Will encontraram dois canais fei tos para formar balaustradas, um refúgio estável para as mãos de qualquer um que estivesse descendo. Ele disse baixinho, sua voz malmente ecoando, “Bran, se estender suas mãos. . .”

“Eu encontrei,” Bran disse. “Como corrimões, não são? Essa foi uma idéia bri lhante de alguém.” As palavras eram tranquilas, mas havia tensão por t rás delas. Suas vozes soram suavemente na escadaria, abafadas como que abafadas pela neblina.

Will disse, “Vá com cuidado. Posso parar de repente.” Ele estava se esforçando para ouvir a voz de seus inst intos; imagens aleatórias e impressões t remularam entrando e saindo de sua mente. Alguma coisa estava chamando ele, algo próximo, próximo.. .

Ele colocou uma das mãos para frente, bem a tempo de evitar chocar-se contra uma parede de pedra. Não tinha nenhuma outra escada a frente: só um beco sem saída rochoso.

“O que é isso?” disse, atrás.

“Espere um momento.” Uma instrução estava crescendo dentro da memória de Will , como um eco de outro mundo. Ficando com seu pés plantados f irmemente no últ imo degrau, ele colocou a palma de ambas as mãos contra a face áspera invisível da rocha barrando o caminho deles, e empurrou. Ao mesmo tempo ele falou certas palavras na Linguagem Antiga que surgiram em sua mente.

42

Page 53: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

E a rocha se part iu, s ilenciosamente, como tinha fei to quando as grandes portas se abriram silenciosamente na Rocha dos Pássaros, embora aqui nenhuma música tocasse. Com Bran e Cafall em seus calcanhares. Will andou para frente dentro de um leve bri lho de luz que o fez sentir tal admiração que só conseguiu ficar parado e contemplar.

Eles não estavam mais onde estiveram. Estavam parados em algum lugar em outro tempo, no teto do mundo. Ao redor deles estava o céu aberto noturno, como uma grande bola negra invertida, e nela bri lhavam as estrelas, milhares sobre milhares de bri lhantes centelhas de fogo. Will ouviu Bran sol tar um rápido suspiro. Eles f icaram imóveis, olhando para cima. As estrelas cint ilavam ao redor deles. Não havia som algum em toda parte, em toda a imensidão do espaço. Will sent iu uma onda de vertigem; foi como se eles est ivessem na úl tima fronteira do universo, e se caissem, cair iam fora do Tempo.. . Enquanto observava, reconheceu gradualmente a estranha inversão da realidade na qual eles estavam. Ele e Bran não estavam em uma noite sem tempo observando as estrelas no céu. Era o contrário. Eles próprios eram observados. Cada ponto ardente naquele grande hemisfério profundo de estrelas e sóis estava focado sobre eles, contemplando, considerando, julgando. Pois ao seguir na busca pela harpa dourada, ele e Bran estavam desafiando o poder sem fronteiras da Alta Magia do universo. Deveriam ficar desprotegidos diante dele, no caminho deles, e lhes seria permit ido passar apenas se t ivessem o direi to por nascimento. Sob aquela luz das estrelas do infinito inclemente, qualquer desafiante sem o devido direito seria lançado ao nada tão facilmente quanto um homem lançar uma formiga de sua manga.

Will ficou parado, esperando. Não havia mais nada que pudesse fazer. Procurou por amigos no céu. Encontrou a Águia e o Touro, com Aldebarã brilhando vermelha e as Pleiades cint ilando; ele viu Orion brandindo sua clava bem alto, encorajando, com Betelgeuse e Rigel winking at shoulder and toe. Ele viu o Cisne e a Águia voando em direção um ao outro pelo reluzente rastro do Caminho Leitoso; viu o confuso brilho da distante Andrômeda, e os vizinhos próximos da Terra Tau Ceti e Procyon, e Sir ius a estrela cão. Com desejosa esperança Will olhou para elas; com esperança em saudação, pois durante seu momento de aprendizado dos caminhos de um Antigo Escolhido ele havia f lutuado entre todos elas.

Então o céu girou, e as estrelas se incl inaram e mudaram; agora o Centauro galopava acima, e a dupla estrela azul Acrux suportando a Cruzeiro do Sul . A Hidra estendia-se preguiçosamente sobre os céus, com o Leão marchando, e o grande Ship navegava em seu tranqüilo caminho eterno. E f inalmente um reluzente ponto de luz, com uma longa cauda curvada, surgiu brilhando no campo de visão sobre metade da bola invert ida do céu, passando em um longo movimento progressivo majestoso; e Will soube que ele e Bran t inham sobrevivido na primeira prova deles.

Ele pressionou levemente o braço de Bran, e viu um tremeluzir de luz refletida enquanto a cabeça branca virava.

“É um cometa!” Bran sussurrou.

Will falou em resposta suavemente, “Espere. Tem mais, se tudo correr bem.”

A comprida cauda cinti lante do cometa moveu-se gradualmente para fora de vista, descendo no horizonte do mundo sem nome e tempo deles. No hemisfério negro as estrelas ainda brilhavam e viraram lentamente; debaixo delas Will sentiu-se tão infinitesimalmente pequeno que pareceu impossivel que ele pudesse ao menos existi r . A imensidão fazia pressão sobre ele, apavorante, ameaçadora – e então, em um l igeiro f lash de movimento parecido com uma dança, como o cinti lar de um peixe que sal tava, surgiu uma leve claridade de uma estrela cadente no céu. Então outra, e outra, aqui, al i , por todo redor. Ele ouviu Bran sol tar um pequeno chiado de prazer, uma centelha com o mesmo súbito bri lho de alegria que preenchia seu próprio ser. Faça um pedido a uma estrela, disse uma voz baixa em sua cabeça de algum dia distante de sua infância: Faça um pedido a uma estrela – o gri to de um prazer e fé tão antiga quanto os olhos do homen.

43

Page 54: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Faça um pedido a uma estrela cadente,” disse Bran suavemente em seu ouvido. Ao redor deles os meteoros morriam rapidamente e desapareciam, enquanto pequenos pontos de poeira estelar em seu longo rastro nebuloso agarravam-se ao halo etéreo da terra, ardiam brilhantes e sumiam.

Eu desejo , disse Will com força em sua mente: Eu desejo. . . Oh, Eu desejo. . .

E toda a bri lhante luminosidade do céu se foi, em um trenular de tempo que eles não podiam segurar, e a escuridão surgiu ao redor deles tão rápido que eles piscaram sem em descrença em seu espesso vazio. Estavam de volta na escadaria debaixo da Rocha dos Pássaros, com degraus de pedra sob seus pés e uma balaustrada de pedra curva sensível ao menor toque de suas mãos. E quando Will esticou uma das mãos para tatear adiante, descobriu que não havia parede de pedra alguma al i para barra seu caminho, mas apenas livre espaço aberto.

Lentamente, vaci lante, ele seguiu descendo a escura escadaria, e Bran e Cafall o seguiram.

Então muito gradualmente uma luz fraca começou a surgir vindo debaixo. Will viu um cint ilar das paredes que os confinavam; então a forma dos degraus abaixo de seu pés; então, aparecendo ao redor uma curva na comprida escadaria em forma de túnel , o círculo bri lhante que marcava o seu f im. A luz f icou mais bri lhante, o círculo mais largo; Will sent iu seus passos tonarem-se mais rápidos e mais ansiosos, e mocked himself , mas não conseguiu evi tar .

Então o inst into fez com que t ivesse cautela, e nós últ imos degraus da escadaria, diante da luz, ele parou. Atrás dele, ouviu Bran e o cão pararem também, ao mesmo tempo. Will ficou escutando seus sentidos, tentando definir a origem do alerta. Ele viu, sem ver exatamente, que os degraus nos quais ele estava tinham sido fei tos na rocha com imenso cuidado e simetria, com ângulos perfeitos, l isos como vidro, cada detalhe tão claro quanto se a rocha t ivesse sido cortada logo no dia anterior . Ainda assim, havia um perceptível furo no centro de cada degrau, que só poderiam ter sido criado por séculos de pés que passaram. Então ele parou de notar tais coisa, pois a consciência o tocou na parte mais profunda de sua mente e disse a ele o que deveria fazer.

Cuidadosamente Will ergueu a manga esquerda de seu suéter até o cotovelo, deixando o antebraço nú. Na parte inferior de seu braço cint ilava a l ívida cicatr iz que uma vez tinha sido queimada ali acidentalmente como uma marca a ferro: o signo da Luz, um círculo cortado por uma cruz. Com um lento gesto proposi tal , meio defensivo, meio desafiador, ele ergueu seu braço marcado diante de seu rosto, como se est ivesse protegendo seus olhos da luz, ou se protegendo de um ataque inesperado. Então ele caminhou descendo os úl timos degraus da escadaria e entrou na luz. Assim que pisou no chão, ele sentiu o choque de uma sensação como nada que já t inha conhecido. Um cinti lar de um brilho branco o cegou, e sumiu; um rápido trovão estourou em seus ouvidos, e sumiu; uma força como o golpear de uma onda de alguma grande explosão at ingiu levemente seu corpo, e sumiu. Will ficou imóvel , respirando depressa. Ele sabia que sob sua singular proteção, havia t razido eles através da últ ima porta da Alta Magia: uma barreira viva que consumiria qualquer invasor em uma lufada de energia tão impensável quanto o holocausto do sol . Então ele olhou dentro da sala diante dele, e por um momento de i lusão pensou ter visto o próprio sol.

Era uma imensa sala cavernosa, de teto alto, i luminada por tochas enfiadas em suportes nas paredes de pedra, e nebulosa por causa da fumaça. A fumaça vinha das tochas. Mesmo assim, no centro do chão ardia uma grande chama cint ilante, sozinha, sem nenhuma chaminé ou lareira para contê-la. Ela não soltava fumaça alguma, mas queimava com uma luz branca de tal bri lho que Will não conseguia olhar diretamente para ela. Nenhum calor intenso vinha desse fogo, mas o ar estava carregado com o cheiro aromático de madeira queimando, e havia o som do estalar de uma tora no fogo.

44

Page 55: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Will seguiu em frente passando pelo fogo, acenando para que Bran o seguisse; então ele parou abruptamente quando viu o que estava logo adiante.

Três f iguras sentavam obscuros no fim da câmara, em três grandes tronos que pareciam ser feitos de ardósia Galesa azul esverdeada. Eles não se moveram. Pareciam ser homens, vestidos em longos hobes com capuz de diferentes tonal idades de azul . Um robe era escuro, um era claro, e o robe entre eles era o azul-esverdeado de um mar de verão. Entre os t rês t ronos estavam dois baús de madeira entalhada. No início não parecia haver mais nada na grande sala, mas após um momento de observação Will soube que havia movimento nas sombras profundas além do fogo, na escuridão ao redor dos t rês lordes iluminados. Essas eram figuras bri lhantes em uma tela escura, i luminadas para capturar os olhos; na escuridão além delas outras coisas de natureza desconhecida esprei tavam.

Ele não conseguia dizer nada sobre a natureza das t rês figuras, além de sentir grande poder. Nem seus sentidos como um Antigo Escolhido conseguiam penetrar na escuridão ao redor. Era como se uma barreira invisível permanecesse ao redor deles, através da qual nenhum encanto poderia passar.

Will ficou perto diante dos tronos, olhando. Os rostos dos t rês lordes estavam escondidos nas sombras de seus robes encapuzados. Por um momento houve si lêncio, quebrado apenas pelo suave estalar do fogo que ardia; então saindo das t revas uma voz profunda disse, “Nós o saudamos. Will Stanton. E o nomeamos pelo signo. Will Stanton, Buscador dos signos.”

“Saudações,” Will disse, com a mais forte e clara voz que conseguia mostrar , e abaixou sua manga sobre o seu braço marcado. “Meus lordes,” ele disse, “é o dia dos mortos.”

“Sim,” disse a f igura no robe azul mais claro. Seu rosto pareeu fino nas sombras de seu capuz, os olhos bri lhando, e sua voz era suave, sibilante, assobiante. “Simmmmmm.. .” Ecos sussurravam como serpentes surgindo do escuro, como se centenas de outras pequenas vozes sibilantes viessem de formas indefinidas atrás dele, e Will sentiu os cabelos menores da costa de seu pescoço se eriçarem. Atrás dele escutou Bran soltar um lamento involuntário abafado, e soube que o horror deveria estar rastejando como uma névoa branca através da mente dele. A força de Will como um Antigo Escolhido se rebelou. Ele disse com fria reprovação repentina, “Meu lorde?”

O horror se desfez, como uma nuvem soprada pelo vento, e o lorde no robe azul claro riu suavemente. Will ficou ali franzindo o rosto para ele, imóvel: um pequeno garoto de jeans e suéter, que apesar de tudo sabia poder digno de encontrar esses três. Ele disse, agora confiante, “É o dia dos mortos, e o mais jovem abriu as antigas colinas, através da porta dos pássaros. E teve permissão de passar do olho da Alta Magia. EU vim em busca da harpa dourada, meus lordes.”

A segunda f igura no robe azul-marinho disse, “E o garoto corvo com você.”

“Sim.”

Will virou para Bran, que estava hesitante mais perto do fogo, e acenou para ele. Bran seguiu em frente bem lentamente, os pés tão relutantes como se lutassem contra melado, e f icou ao seu lado. A luz das tochas nas paredes bri lharam em seu cabelo branco.

O lorde no robe azul-marinho se incl inou de seu trono um pouco para frente; eles viram um rosto forte e sério e uma barba cinza pontuda. Ele disse, surpreendentemente, “Cafal l?”

Ao lado de Bran o cçao branco estava ereto e t remendo. Ele não se moveu uma polegada para frente, como que obedecendo alguma instrução interior que dizia a ele seu

45

Page 56: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

lugar, mas sua cauda balançava furiosamente de um lado para o outro como nunca t inha balançado para ninguém a não ser Bran. Ele emit iu um leve e curto choramingo.

Dentes brancos cint i laram no rosto encapuzado. “Ele foi bem nomeado. Bem nomeado.”

Bran disse com ciúmes, em uma súbita ansiedade feroz, “Ele é meu cão!” Então adicionou, um pouco abafado, “Meu lorde.” Will conseguiu sentir a preocupação nele assim como a sua própria temeridade.

Mas a r isada das sombras foi amigável . “Não tenha medo, garoto. A Alta Magia jamais t i raria o seu cão de você. Certamente os Antigos Escolhidos também não, e o Escuro poderia tentar mas não teria sucesso.” Ele se curvou para frente de repente, de modo que por um instante o rosto forte e barbado estava claro; a voz abrandou, e houve uma dolorosa tristeza nela. “Apenas as criaturas da terra t iram umas das outras, garoto. Todas as criaturas, mas os homens mais do que todas. Eles t i ram a vida, e l iberdade, e tudo que outro homem possa ter – às vezes por ganância, às vezes por estupidez, mas nunca por qualquer escolha a não ser a sua própria. Tenha cuidado com sua própria raça, Bran Davies – eles são os únicos que sempre irão machucá- lo, no f inal.”

O temor correu por Will quando sentiu a profunda tr isteza na voz, pois havia uma compaixão nela direcionada somente a Bran, com se o garoto Galês est ivesse próximo de alguma grande afl ição. Ele teve uma rápida sensação de uma misteriosa proximidade entre esses dois, e soube que o lorde no robe azul-marinho estava tentando dar a Bran força e ajuda, sem ser capaz de explicar porque. Então a figura encapuzada se incl inou para trás súbitamente, e aquele modo de agir desapareceu.

Will disse roucamente, “Entretanto, meu lorde, os direi tos daquela raça sempre foram assuntos da Luz. E em uma busca deles eu reinvindico a harpa dourada.”

O lorde de voz suave no robe mais claro, que tinha falado primeiro, swift ly stood. Sua capa girou ao redor dele como uma névoa azul; olhos bri lhantes cint ilaram do tênue rosto f ino no capuz.

“Responda os t rês enigmas como exige a lei , Antigo Escolhido, você e o Corvo Branco, aquele seu ajudante ali , e a harpa será sua. Mas se responder errado, as portas de pedra fecharão, e vocês serão deixados indefesos na fria montanha, e a harpa estará perdida pela Luz para sempre.”

“Nós responderemos,” Will disse.

“Você, garoto, o primeiro.” A névoa azul girou novamente. Um dedo ossudo estava est icado apontando para Bran, e o capuz sombreado virou. Will virou também, ansioso; ele meio que t inha esperado por isso.

Bran engasgou. “Eu? Mas – mas eu.. .”

Will se est icou e tocou em seu braço. Ele disse suavemente, “Tente. Apenas tente. Estamos aqui apenas para tentar . Se a resposta est iver adormecida em você, era despertará. Se não est iver, não importa. Mas tente.”

Bran olhou sério para ele, e Will viu sua garganta se mover quando ele engoliu em seco. Então a cabeça branca virou de volta. “Está bem.” '

A suave voz sibi lante disse, “Quem são os Três Mais Antigos do Mundo?”

Will sentiu a mente de Bran vacilar em pânico, enquanto tentava encontrar significado nas palavras. Não havia modo de oferecer ajuda. Nesse lugar, a lei da Alta Magia impedia um Antigo Escolhido de colocar o menor pensamento ou imagem dentro de outra mente: Para Will só era permit ido escutar. Então, tenso, ele f icou escutando o turbilhão dos pensamentos de seu amigo, enquanto eles corriam desesperadamente

46

Page 57: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

procurando ordem.

Bran se esforçou. Os Três Mais Antigos do Mundo.. . em algum lugar ele sabia. . . era estranho e ao mesmo tempo famil iar, como se ele t ivesse visto em algum lugar, ou l ido.. . as três criaturas mais ant igas, as t rês coisas mais ant igas.. . t inha lido isso na escola, e t inha l ido isso em Galês. . . as coisas mais ant igas.. .

Ele t irou seus óculos do bolso de sua camisa, como se tocar neles pudesse clarear sua mente, e ele viu ao olhar para eles o reflexo de seus próprios olhos. Olhos estranhos. . . olhos assustadores, eles os chamavam na escola. Na escola. Na escola. . . Estranhos olhos marrom-amarelados, como os olhos de uma coruja. Ele colocou os óculos de volta em seu bolso lentamente, sua mente tateando em um eco. Ao seu lado, Cafal l se mexeu bem levemente, sua cabeça se movendo de modo que tocou a mão de Bran. O pelo esfregou em seus dedos suavemente, muito suavemente, como o toque de penas. Penas. Penas. Penas . . .

Ele conseguiu.

Will , ao seu ladoa, sentiu em sua própria mente o eco da torrente de alívio, e se esforçou para conter sua alegria.

Bran se ajeitou e l impou sua garganta. “Os Três Mais Antigos do Mundo,” ele disse, “são a Coruja de Cwm Cawlwyd, a Águia de Gwernabwy, e o Melro de Celli Gadarn.”

Will falou suavemente, “Oh, muito bem! Muito bem!”

“Está certo,” disse a fina voz acima deles, sem emoção. Como um céu da manhã o robe azul calro girou diante deles, e a f igura mergulhou de volta em seu trono.

Do trono central ergueu-se o lorde no robe azul-marinho; pisando em frente, ele olhou para Will . Por t rás de sua barba cinza seu rosto pareceu estranhamente jovem, embora sua pele fosse morena e cast igada como a pele de um marinheiro que esteve muito tempo no mar.

“Will Stanton,” ele disse, “quem eram os três homens generosos da Ilha da Grã bretanha?”

Will olhou para ele. O enigma não era impossível ; ele sabia que a resposta jazia em algum lugar em sua memória, coletada do grande Livro de Gramarye, l ivro tesouro do encantamento da Luz que havia sido destruido tão logo ele, o úl timo dos Antigos Escolhidos, t inha sido apresentado ao que ele continha. Will colocou sua mente para t rabalhar, procurando. Mas ao mesmo tempo um enigma mais profundo o preocupava. Quem era esse lorde no robe azul-marinho, com seu grande interesse em Bran? Ele sabia sobre Cafal l . . . claramente ele era um lorde da Alta Magia, e mesmo assim havia alguma coisa famil iar nele. . . alguma coisa famil iar . . .

Wil l colocou o pensamento de lado. A resposta para o enigma t inha vindo para a superfície de sua memória.

Ele disse claramente, “Os três homens generosos da I lha da Grã Bretanha. Nudd o Generoso, f i lho de Senllyt . Mordaf o Generoso, fi lho de Serwan. Rhydderch o Generoso, f i lho de Tydwal Tudglyd. E o próprio Arthur era mais generoso do que os três .”

De propósi to, quando falou a últ ima linha sua voz ecoou através da sala como um sino.

“Está certo,” disse o lorde barbado. Ele olhou pensat ivo para Will e pareceu quase dizer mais alguma coisa, mas ao invés disso ele apenas balançou a cabeça lentamente. Então, girando seu robe em uma onda azul-marinha, ele voltou para seu trono.

47

Page 58: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

A sala pareceu mais escura, cheia de sombras dançando que vinham da luz tremulante do fogo. Um flash repentino e um estalar surgiu atrás dos garotos, quando uma tora caiu e as chamas sal taram; instintivamente Will olhou para t rás. Quando ele virou para frente de novo, a terceira figura, qu não t inha falado ou se movido até agora, estava alt iva e silenciosa de pé, em frente a seu trono. Seu robe era azul escuro, bem escuro, o mais escuro dos três, e seu capuz estava tão puxado para frente que não havia parte alguma de rosto visível, apenas sombra.

Sua voz era profunda e ressonante, como o som de um violoncelo, e ela fez surgir música dentro da sala.

“Will Stanton,” ela disse, “qual a costa que teme o mar?”

Will caminhou para frente impulsivamente, suas mãos se fechando apertadas, pois essa voz chegou até a parte mais profunda dele. Certamente, certamente. . . mas o rosto sob o capuz estava escondido, e lhe eram negados todos os meios de reconhecimento. Cada pedaço de seus sentidos que tentavam alcançar os grandes tronos encontravam uma barreira de negação da Alta Magia. Mais uma vez Will desist iu, e concentrou sua mente no últ imo enigma.

Ele disse lentamente. “A costa que teme o mar. . .”

Imagens dançavam entrando e saindo de sua mente: grandes ondas batendo contra uma costa rochosa.. . . a luz verde no oceano, o reino de Tétis, onde estranhas criaturas conseguiam viver. . . então um mar mais suave, quebrando em longas ondas lentas em uma praia dourada sem fim. A costa. . . a praia. . . a praia. . .

A imagem tremulou e mudou. Ela se dissolveu em uma colorida f loresta de árvores ant igas retorcidas, seus t roncos l isos com uma curiosa casca cinza clara. Suas folhas dançavam acima, novas, suaves, bri lhantes com um verde del icado que possuia em si toda a primavera. O início do tr iunfo sussurrou na mente de Will .

“A costa,” ele disse. “A praia onde o mar quebra. Mas ela também é uma floresta, de adorável grama, que está no cabo de um formão e nas pernas de uma cadeira, na cabeça de uma vassoura e na sela de um cavalo trabalhador. E também ouso jurar que esses dois baús entre os seus t ronos são fei tos dela. Os únicos lugares onde ela não pode ser usada são debaixo do céu aberto e no mar aberto, pois sua madeira perde sua vir tude se for molhada pela água. A resposta para seu enígma, meu lorde, é a madeira da árvore de faia.”

As chamas sal taram no fogo atrás deles, e de repente a sala estava bri lhante. Alegria e al ívio pareceram emergir através do ar. Os dois primeiros lordes de robe azul se ergueram de seus t ronos para ficar ao lado do terceiro; eles se elevaram encapuzados sobre os garotos como três torres. Então o terceiro lorde puxou para t rás o capuz de seu robe azul escuro, para revelar uma cabeça de olhos profundos com nariz semelhante a um bico de gavião e um punhado de rebelde cabelo branco. E a barreira contra o reconhecimento da Alta Magia desapareceu.

Will gri tou cheio de alegria, “Merriman!”

Ele sal tou em frente até a alta figura como uma criança pequena sal ta para seu pai , e agarrou suas mãos estendidas. Merriman sorriu para ele.

Will riu bem alto com prazer. “Eu sabia,” ele disse. “Eu sabia. E mesmo assim.. .”

“Saudações, Antigo Escolhido.” Merriman falou. “Agora você cresceu completamente dentro do Círculo, desse modo. Se t ivesse falhado nessa parte da busca, tudo mais teria sido perdido.” As fr ias l inhas duras se seu rosto estavam suavizadas pela afeição; seus olhos escuros ardiam como tochas negras. Então ele se virou para Bran, segurando ele pelos ombros. Bran olhou para ele, pálido e sem expressão alguma.

48

Page 59: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“E o garoto corvo,” a voz profunda disse genti lmente. “Nos encontramos de novo. Você executou bem a sua parte, como era sabido que faria. Mantenha sua cabeça erguida com orgulho. Bran Davies. Você carrega uma grande herança dentro de você. Muito tem sido pedido a você, e mais ainda será. Muito mais.”

Bran olhou para Merriman sem piscar com seus olhos parecidos com os de um gato, e não disse nada. Sentindo o humor do garoto Galês. Wil l percebeu um constrangedor prazer.

Merriman deu um passo para trás. Ele disse, “Três Lordes da Alta Magia têm a guarda da harpa dourada por muitos séculos. Não há nomes aqui nesse lugar, nem lealdades nessa tarefa. Aqui , como em outros lugares que vocês ainda não conhecem, tudo está sujeito a lei , a Alta lei . Não tem importância alguma que eu seja um Lorde da Luz, ou que meu colega al i seja um Lorde do Escuro.”

Ele fez uma leve reverência irônica para a figura alta que usava o robe de azul mais claro. Wil l prendeu a respiração ao entender repentinamente, e olhou para o rosto f ino escondido sob o capuz. Mas ele foi virado para longe dele, olhando para dentro das sombras da sala.

A figura central no robe azul-marinho deu um passo em frente. Havia grande e t ranqüila autoridade nele, como se ele fosse confiante, sem pompa, em saber que ele mesmo era o mestre naquela sala. Ele colocou para trás seu capuz e eles viram toda a força e delicadeza do rosto barbado. Embora sua barba fosse cinza, seu cabelo era castanho, apenas levemente l is trado de cinza. Ele pareceu um homem na metade de seus anos, com todo poder não reduzido, e ainda assim com sabedoria já adquirida. Mas , Will pensou, ele não é um homem...

Merriman inclinou sua cabeça respei tosamente, movendo-se para o lado. “Senhor,” ele disse.

Will observou, finalmente começando a entender.

Ao lado de Bran, o cão Cafal l emit iu o mesmo som de devoção que t inha fei to antes. Olhos claros azuis observaram Bran, e o lorde barbado falou suavemente, “Que a fortuna o guarde em minha terra, meu fi lho.”

Então enquanto Bran olhou para ele perplexo, o lorde se ergueu, e sua voz elevou-se. “Will Stanton,” ele disse. “Dois baús estão entre nossos t ronos. Você deve abrir o baú da minha direita, e pegar o que encontrará al i . O outro permanecerá selado, para o caso de necessidade, até outro momento que espero jamais chegue. Aqui agora.”

Ele se virou, apontando. Will foi até o grande baú entalhado, girou seu fecho forjado em ferro, e empurrou no topo. Era tão largo, e a parte de madeira tão pesada, que ele teve que se ajoelhar e empurrar para cima com toda força dos dois braços; mas balançou sua cabeça em uma negativa de aviso quando Bran começou a se mover para ajudar.

Lentamente a pesada tampa subiu, e caiu aberta, e por um momento houve um delicado som como o de uma canção no ar. Então Will se est icou para dentro do baú, e quando se levantou novamente estava carregando em seus dois braços uma pequena e cint ilante harpa dourada.

O som da música na sala desapareceu, dando lugar a um pequeno estrondo crescente como um trovão distante. Ele foi ficando mais próximo e mais alto. O lorde de robe mais claro, azul celeste, seu rosto ainda encapuzado e escondido, se afastou deles. Ele segurou sua capa e a girou em uma longa curva.

O fogo sibi lou e se apagou. Fumaça encheu a sala, escura e amarga. Trovão retumbou e rugiu ao redor. E o lorde no robe azul celeste deu um grande grito de fúria, e

49

Page 60: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

desapareceu.

50

Page 61: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Um: A Harpa Dourada

Olhos Que Enxergam O Vento

Eles f icaram si lenciosos na escuridão fracamente iluminada. Em algum lugar além da rocha, trovão ainda retumbava e rugia. As tochas queimavam, ondulantes e fumacentas, nas paredes.

Bran falou de modo sombrio: “Ele era o – o.. .”

“Não,” Merriman disse. “Ele não é o Rei Cinzento. Mas ele é alguém muito próximo a ele, e agora ele voltou até ele. E a fúria deles vai se elevar ainda mais porque será aguçada pelo medo, medo do que a Luz pode ser capaz de fazer com essa nova Coisa de Poder.” Ele olhou para Will , seu rosto magro tenso de preocupação. “A primeira parte perigosa da busca está completa, Antigo Escolhido, mas perigo pior ainda está por vir .”

“Os Adormecidos devem ser despertados,” Will disse.

“Isso está certo. E mesmo que ainda não saibamos onde eles dormem, nem saberemos até que você os tenha encontrado, é quase certo que eles estejam terr ivelmente, perigosamente próximos ao Rei Cinzento. Por muito tempo nós sabemos que havia uma razão para que ele mantivesse sua garra fr ia nessa parte da terra, embora não pudéssemos entender. Um vale feliz, esse sempre foi, e l indo; e ainda assim ele escolheu fazer seu reino aqui , ao invés de em algum lugar remoto horrível do tipo escolhido pela maioria de sua linha. Agora está claro que só pode exist i r uma razão para isso: para estar perto do lugar onde os Adormecidos estão, e para manter seu local de descanso dentro do poder dele. Assim como essa grande rocha, Craig yr Aderyn, ainda está dentro de seu poder.. .”

Will disse, seu rosto arredondado sério, “O fei tiço de proteção, pelo qual viemos até aqui intocados, agora já fez o seu curso. E ele só pode ser fei to uma vez.” Ele olhou para Bran com tristeza.

“Devemos ter uma recepção interessante lá fora, quando deixarmos esse lugar.”

“Não se preocupe. Antigo Escolhido. Agora você terá uma nova proteção consigo.”

As palavras vieram profundas e gentis do topo da sala. Virando, Will viu que o lorde barbado, seu robe azul como o mar do verão, estava sentado no trono novamente nas sombras. Enquanto ele falava, pareceu que a luz começava a crecser gradualmente na sala; as tochas queimaram mais al to, e cint ilando entre eles agora Will conseguia ver compridas espadas penduradas na rocha.

“A música da harpa dourada,” disse o lorde de robe azul, “tem um poder que não pode ser quebrado pelo Escuro nem pela Luz. Ela possui a Alta Magia, e enquanto a harpa está sendo tocada, aqueles sob sua proteção estão seguros de qualquer t ipo de dano ou fei t iço. Toque a harpa de ouro, Antigo Escolhido. Sua música o envolverá em segurança.”

Will disse lentamente, “Por encantamento eu poderia tocá-la, mas acho que seria melhor ser tocada pela arte de dedos habil idosos. Não sei como tocar a harpa, meu lorde.” Ele fez uma pausa. “Mas Bran sabe.”

Bran olhou para o instrumento quando Will lhe ofereceu.

51

Page 62: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Nunca uma harpa como essa, entretanto,” ele disse.

Ele pegou a harpa de Will . Sua estrutura era delgada mas ornada, moldada de um modo que uma vinha dourada com folhas douradas e f lores pareciam enrolar-se ao redor dela, entrando e saindo por suas cordas. Até mesmo as próprias cordas pareciam como se fossem fei tas de ouro.

“Toque, Bran,” falou suavemente o lorde barbado.

Segurando a harpa na curva de seu braço esquerdo de forma experimental , Bran correu seus dedos genti lmente sobre as cordas. E os sons que vieram delas foram de tal doçura que Will , ao lado dele, prendeu a respiração de espanto; ele nunca t inha ouvido notas ao mesmo tempo tão del icadas e ressonantes, enchendo a sala com música como a líquida canção dos pássaros de verão. Atento, fascinado, Bran começou a ti rar as notas tr is tes de uma antiga canção de ninar Galesa, elaborando-a gradualmente, preenchendo-a, enquanto ganhava confiança ao sentir as cordas sob sua mão. Will observou a concentrada devoção de um músico no rosto dele. Espiando por um instante o lorde no trono, e Merriman, soube que nesse momento eles também foram arrebatados, carregados para fora do tempo pela música que não era da terra, f luindo como a Alta Magia em um fei tiço cantado.

Cafal l não fez som algum, mas encostou sua cabeça contra o joelho de Bran.

Merriman disse, sua voz profunda suave sobre a música, “Vá agora, Antigo Escolhido.” Seus olhos profundos olhos sombreados encontraram os de Will brevemente, em uma forte comunicação de confiança e esperança. Will olhou para ele por um últ imo momento na alta sala i luminada por tochas, com sua figura de robe escuro al t iva como uma árvore, e o lorde barbado desconhecido sentado imóvel em seu trono. Então ele se virou e conduziu Bran, seus dedos ainda arrancando gentilmente uma melodia da harpa, em direção a estrei ta escadaria de pedra até a câmara da qual eles t inham vindo. Quando ele o fez subir , ele se virou e ergueu um braço em saudação, então seguiu.

Bran ficou na sala rochosa acima, tocando, enquanto Cafal l e Will subiram atrás dele. E enquanto ele tocava, al i tomaram forma na parede vazia no fim da câmara, sob o único escudo dourado pendurado, as duas grandes portas através das quais eles t inham entrado no coração da Rocha dos Pássaros.

A música da harpa ondulou em uma escala ri tmada crescente, e lentamente as portas se abriram para dentro. Além, eles viram o céu cinzento nebuloso entre as paredes íngremes da rachadura. Ainda que o fogo não queimasse mais na montanha, um cheiro forte de queimado pairava no ar . Quando eles caminharam para o lado de fora, Cafall passou por eles, através da fenda, e desapareceu.

Súbitamente at ingido por um medo de perdê-lo novamente, Bran parou de tocar. “Cafal l! Cafal l!” ele gritou.

“Veja!” Will disse suavemente.

Ele estava meio virado, olhando para trás. Atrás deles, os dois pedaços de rocha fecharam-se lentamente e pareceram sumir da existência, deixando apenas uma desgastada face de pedra, com a aparência que tivera por milhares de anos. E no ar flutuava uma leve nota da del icada música que desaparecia. Mas Bran só estava pensando em Cafal l . Depois de uma breve olhada para a rocha, ele enfiou a harpa debaixo de seu braço e correu para a abertura pela qual o cão tinha desaparecido.

Antes que pudesse chegar até ela, um turbi lhão branco apareceu lançando-se sobre eles através de uma nivem de cinza f ina, rangendo os dentes, chutando, jogando Bran para o lado com tanta força que ele quase largou a harpa. Era Cafal l; mas um Cafal l louco, furioso, t ransformado, rosnando para eles, i rr i tado, levando-os mais fundo dentro da rachadura como se eles fossem inimigos. Em um momento ou dois ele t inha os dois

52

Page 63: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

emprensados e surpresos contra a parede rochosa, e estava se agachando diante deles mostrando seus compridos dentes laterais em um rosnado fr io.

“O que é isso?” Bran disse inexpressivamente quando teve ar suficiente para respirar . “Cafal l? Mas que diabos.. .”

E em um instante eles souberam – ou teriam sabido, se ainda tivessem tido tempo de imaginar. Pois de repente o mundo todo ao redor deles era um alvoroço de barulho e destruição. Galhos queimados, quebrados, passaram girando por cima do topo da f issura rochosa; pedras soltas desceram rolando de lugar algum de modo que eles se abaixaram inst int ivamente, cobrindo suas cabeças. Eles caíram no chão, espremendo-se dentro de um ânguloentre terra e pedra, com Cafal l perto ao lado. Ao redor, o vento rugiu e golpeou a rocha com um som como um al to gri to humano louco amplif icado além do que seria possível acreditar. Era como se todo o ar em Gales t ivesse sido concentrado em um grande tornado de destruição, e est ivesse atingindo em um frenesi de fúria frustrada o abrigo na estreita abertura no qual eles se agachavam desesperadamente.

Will se inclinou sobre suas mãos e joelhos. Tateou com uma das mãos até agarrar o braço de Bran. “A harpa!” ele resmungou. “Toque a harpa!”

Bran piscou para ele, impressionado pelo barulho acima, e então ele entendeu. Lutando contra o vento apavorante que o pressionava entre as paredes rochosas para se levantar, ele segurou a harpa dourada contra o seu flanco e passou sua mão direita sobre as cordas de modo trêmulo.

Súbitamente o tumulto reduziu. Bran começou a tocar, e enquanto as doces notas f luiam como a canção de uma cotovia, o grande vento morreu. Do lado de fora, havia apenas os ruídos de pedras sol tas caindo aqui e ali , uma a uma, descendo pela rocha. Por um momento um raio de sol sol i tário desceu e cinti lou no ouro da harpa. Então ele se foi , e o céu pareceu mais mais sombrio, o mundo mais cinza. Cafal l f icou de pé, lambeu a mão de Bran, e os conduziu tranqüilamente para fora até a ladeira do lado de fora da fenda estreita que os t inha protegido da fúria da ventania. Eles sentiram uma leve chuva começando a cair.

Bran deixou seus dedos desl izarem preguiçosamente mas persistentes sobre as cordas da harpa. Ele não t inha intenção alguma de parar novamente. Olhou para Will , e balançou sua cabeça si lenciosamente com admiração, remorso e inquisição.

Will se agachou e pegou o focinho de Cafal l entre suas mãos. Ele balançou a cabeça do cachorro genti lmente de um lado para o outro. “Cafal l! Cafal l!” ele disse admirado. Por cima do ombro ele disse para Bran, “Gwynt Traed y Meirw , é assim que você diz? Com toda sua ant iga força o Rei Cinzento enviou seu vento do norte sobre nós, o vento que sopra ao redor dos pés dos mortos, e com os mortos é onde deveríamos estar se não fosse por Cafal l – lançados para longe em um tempo além do amanhã. Antes que pudéssemos ter visto ao menos uma árvore se curvando, ele estaria sobre nós, pois ele desceu de muito alto e nenhum olho humano poderia tê-lo visto. Mas esse seu cão de caça é o cão com os olhos prateados, e tais cães conseguem enxergar o vento. . . Então ele viu, e sabia o que ele faria, e nos conduziu de volta para um lugar seguro.”

Bran disse sentindo-se culpado, “Se eu não t ivesse parado de tocar, talvez o Brenin Llwyd não tivesse nem mesmo ter enviado o vento. A magia da harpa o teria impedido.”

“Talvez,” Will disse. “E talvez não.” Ele esfregou a cabeça de Cafal l uma últ ima vez e se ergueu. O cão pastor branco olhou para Bran, l íngua estendida como se est ivesse r indo, e Bran disse para ele com carinho, “Rwyt t i 'n gi doa . Bom garoto.” Mas seus dedos não pararam de se mover sobre a harpa.

Eles desceram lentamente a rocha. Embora agora fosse manhã, o céu não estava nem um pouco mais claro, mas cinza e pesado de nuvens; a chuva ainda estava fraca, mas

53

Page 64: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

estava claro que ela aumentaria e f icaria o dia todo, e que agora o vale estava a salvo de qualquer outra ameaça de fogo. Toda a ladeira próxima da montanha, Rocha dos Pássaros e a borda do vale estavam escurecidos e tostados, e aqui e al i pequenos montes de fumaça subiam. Mas agora todas as centelhas estavam apagadas, e as cinzas frias e molhadas, e as terras verdes de fazenda esse ano não ir iam ficar em condições para queimar.

Bran disse, “A harpa trouxe a chuva?”

“Acho que sim,” disse Will . “Só espero que não traga mais nenhuma outra coisa. Esse é o problema com a Alta Magia, como falar na Linguagem Antiga – é uma proteção, e ainda assim o marca, faz com que seja fácil encontrá-lo.”

“Logo estaremos no vale.” Mas quando ele falou. O pé de Bran escorregou na face de uma pedra molhada e ele incl inou para o lado, agarrando em um arbusto para evitar cair – e largou a harpa. No instante que a música parou, a cabeça de Cafal l se ergueu e ele começou a lati r furiosamente, em uma mistura de raiva e desafio. Ele pulou para cima de uma rocha que se projetava e ficou posicionado ali , olhando ao redor. Então, repentinamente o latido se t ransformou em um uivo selvagem profundo, como o uivo de um cão de caça, e ele sal tou.

A grande raposa cinza, rei das milgwn , desviou no meio do ar e deu um gri to terrível. De uma parte elevada na Rocha dos Pássaros ele havia se lançado sobre eles, alvejando diretamente a cabeça e o pescoço de Bran. Mas o choque do sal to feroz de Cafal l t i rou o seu equil íbrio o bastante para jogá-lo girando para o lado, escorregando descendo pela rocha. Ele gri tou novamente, um som sobrenatural que fez os garotos se encolherem de pavor, e não parou para se virar, mas correu alucinado descendo a montanha. Em um instante Cafall , lat indo com alegre tr iunfo, estava correndo atrás dele.

E Will , em cima da pedra vazia sob o chuvisco do céu cinzento, foi instantaneamente preenchido de um pressentimento de desatre tão grandioso que sem pensar ele se esticou e agarrou a harpa dourada, e gri tou para Bran, “Pare Cafal l ; Pare ele! Pare ele!”

Bran deu um olhar aterrorizado para ele. Então se ati rou atrás de Cafal l , correndo, tropeçando, chamando o cão de volta desesperadamente. Descendo da rocha com a harpa debaixo de um braço, Will viu sua cabeça branca se movendo rápida sobre o campo mais próximo e, além, uma mancha de velocidade que ele sabia ser Cafall perseguindo a raposa cinza. Sua cabeça confusa por causa do mau presságio, ele também correu. Ainda em terreno mais al to, ele conseguia ver dois campos distantes do telhado da fazenda de Caradog Prichard, e próximo um grupo branco acinzentado de de ovelhas e as f iguras de homens. Ele derrapou fazendo uma parada repentina. A harpa! Não havia como explicar a harpa, se alguém a visse. Ele t inha certeza de que estaria entre os homens em poucos momentos. A harpa tinha que ser escondida. Mas onde?

Ele olhou ao redor loucamente. O fogo não havia tocado esse campo. No lado mais distante do campo ele viu um pequeno alpendre, não mais do que três paredes de pedra e um telhado, que era um abrigo aberto para ovelhas no inverno, ou um depósito para comida no inverno. Estava cheia de fardos de feno já empilhado recentemente. Correndo até lá, Wil l enfiou a pequena harpa cinti lante entre dois fardos de feno, de modo que ela ficou completamente invisível do lado de fora. Então, se afastando, ele est icou uma das mãos e, na Linguagem Antiga, colocou sobre a harpa o Fei tiço de Caer Garadawg, pelo poder do qual apenas a canção de um Antigo Escolhido seria capaz de t irar a harpa daquele lugar, ou até mesmo torná-la visível.

Então ele correu pelo campo em direção da Fazenda Prichard, onde gri tos distantes marcavam o fim da perseguição. Ele conseguiu ver, em uma campina além das construções da fazenda, a grande raposa cinza desviando e sal tando em um esforço para ti rar Cafal l de seus calcanhares, e Cafal l correndo bem próximo de modo perseverante.

54

Page 65: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Uma loucura parecia ter tomado conta da raposa; espuma branca escorria de suas mandíbulas. Wil l chegou tropeçando sem fôlego no terreno da fazenda para encontrar lutando para abrir caminho através de um grupo de homens e ovelhas no portão. John Rowlands estava lá, e Owen Davies, com o tio de Will; suas roupas e rostos cansados ainda escurecidos pela cinza da luta contra o fogo, e Caradog Prichard estava olhando de cara feia com sua arma enfiada debaixo do braço.

“Aquele cachorro maldi to f icou louco!” Prichard rosnou.

“Cafal l! Cafal l!” Bran forçava seu caminho frenet icamente pelo campo, dispersando as ovelhas, sem prestar atenção a ninguém. Prichard rosnou para ele, e Owen Davies disse asperamente, “Bran! Onde você estava? O que está fazendo?”

A raposa cinza sal tou al to no ar , como eles t inham visto ela fazer uma vez antes na Rocha dos Pássaros. Cafall pulou atrás dela, mordendo-a em pleno ar.

“O cão está louco,” David Evans disse t ristemente. “Ele vai atacar as ovelhas.. .”

“Ele só está tentando pegar aquela raposa!” A voz de Bran estava alta por causa da angústia. “Cafal l! Tyrd yma! Largue ela!” '

O t io de Will olhou para Bran como se não pudesse acreditar no que tinha ouvido. Então olhou para Will . Ele disse, confuso, “Que raposa?”

O horror explodiu no cérebro de Will , quando de repente ele entendeu, e ele gritou. Mas era tarde demais. A raposa cinza no campo fez uma curva e veio saltando diretamente até eles, com Cafal l em seus calcanhares. No últ imo momento ela fez uma curva para o lado e sal tou em uma das ovelhas que agora se ecolhia aterrorizada no portão, e mergulhou seus dentes na garganta lanuda. A ovelha gri tou. Cafal l pulou na raposa. Vinta jardas de distância, Caradog Prichard sol tou um gri to furioso, ergueu sua arma, e ati rou bem no pei to de Cafal l .

“Cafal l!” O gri to de terror de Bran at ingiu Will com tanta força que ele fechou seu olhos de dor; ele sabia que esse sofrimento iria ecoar em seus ouvidos para sempre.

A raposa cinza ficou esperando que Will olhasse, sorrindo, a l íngua estendida de uma boca manchada de vermelho pelo sangue. Ela olhou diretamente para ele com um rosnado de desprezo inconfundível . Então sal tou pelo campo, direto como uma flecha, e desapareceu sobre a cerca viva mais distante.

Bran estava de joelhos perto do cão, gemendo, apoiando a cabeça branca em seu colo. Ele chamou desesperadamente por Cafall , afagando suas orelhas, baixando sua bochecha apenas uma vez, com carinho, para encostar em seu pescoço macio. Mas não havia nada a ser feito. O tórax era uma ruína despedaçada. Os olhos prateados estavam vidrados, não piscavam. Cafal l estava morto.

“Cão assassino sangrento!” Prichard ainda estava resmungando com fúria, em uma espécie de contentamento selvagem. “Não vai matar mais nenhuma de minhas ovelhas! É muito bom ter se l ivrado dele!”

“Ele só estava atrás da raposa. Estava tentando salvar sua ovelha velha!” Bran sufocou com as palavras, e chorou.

“Do que você está falando? Uma raposa? Dammo , garoto, você é tão louco quanto o cão.” Prichard ti rou o cartucho de sua arma, seu rosto gorducho desdenhoso.

Owen Davies estava de joelhos ao lado de Bran. “Venha, bachgen ,” ele disse, sua voz gentil . “Não tinha raposa em lugar algum. Cafall estava seguindo para a ovelha, não há dúvida. Todos nós vimos. Ele era um cão adorável , um l indo” – sua voz tremeu, e ele l impou a garganta – “mas deveter f icado ruim da cabeça. Não posso dizer que eu mesmo não teria at irado nele, no lugar de Caradog. Isso é o certo. Uma vez que um cão se

55

Page 66: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

transforma em um matador, essa é a única coisa a fazer.”

Seu braço estava bem apertado em volta dos ombros de Bran. Bran olhou para o resto deles, t irando seus óculos cegamente e esfregando uma das mãos sobre os seus olhos. Ele disse, alto, incrédulo, “Mas nenhum de vocês viu a raposa? A grande raposa cinza na qual Cafal l pulou quando ela ia matar a ovelha?”

John Rowlands disse, sua voz profunda e misericordiosa, “Não, Bran.”

“Não tinha raposa. Bran,” David Evans disse. “Sinto muito, garoto bach . Vamos lá, agora. Deixe o seu pai te levar para Clwyd. Levaremos Cafal l logo depois de você.”

“Ah,” disse Prichard com uma fungada. “Você pode ti rar aquele cadáver do meu quintal quando quiser , s im. E também pagar a conta do veterinário quando eu tiver aquela ovelha tratada.”

“Cae dy geg , Caradog Prichard,” disse o tio de Will de modo brusco. “Conversaremos sobre todo esse negócio de ataque de ovelhas mais tarde. Você pode ter um pouco de consideração com o garoto, com certeza.”

Caradog Prichard olhou para ele, seus pequenos olhos brilhantes e inexpressivos. Ele fez sinal a um de seus homens para levar a ovelha ferida. Então ele cuspiu, de modo casual, no chão, e caminhou para sua casa na fazenda. Uma mulher estava parada lá na porta. Ela não t inha se movido durante tudo que t inha acontececido.

O pai de Bran o ajudou a ficar de pé, e o levou embora. Bran pareceu confuso. Olhou para Will de forma vazia, como se ele não est ivesse al i .

David Evans disse com tr isteza, “Espere um minuto. Tem alguns sacos no carro. Vou lá buscar.”

John Rowlands ficou ao lado de Will na chuva fina, sugando um cachimbo vazio, olhando pensativo para o corpo branco imóvel com o horrível corte vermelho em seu pei to. Ele disse, “E você viu essa raposa. Will Stanton?”

“Sim,” Will disse. “É claro. Estava na nossa frente tão claramente quanto você está agora. Tinha tentado nos atacar na Rocha dos Pássaros, e Cafal l a perseguiu até aqui embaixo. Mas nenhum de vocês podia vê-la. Então ninguém jamais acreditaria em nós, acreditariam?”

John Rowlands ficou em silêncio por um momento, seu rosto moreno enrugado ilegível. Então ele disse, “Às vezes nessas montanhas há coisas em que são muito dif íceis de acreditar , mesmo quando você as viu com seus próprios olhos. Por exemplo, tem Cafall , e com nossos olhos vimos ele pular sozinho naquela ovelha. E de fato alguma coisa realmente enfiou seus dentes na garganta da ovelha e deve ter ficado com a boca cheia de sangue ao fazer isso, pois t inha sangue sobre toda aquela lã da ovelha e é sorte que ela esteja viva. E ainda tem uma coisa estranha, que não vai sair da minha cabeça – que embora o pobre Cafal l esteja caído al i com seu próprio sangue sobre o peito partido, não tem nenhum sangue em sua boca .”

56

Page 67: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Dois: Os Adormecidos

A Garota das Montanhas

Will disse, “Desculpe, Sr. Davies, Bran já voltou da escola?”

Owen Davies deu um solavanco para cima. Ele estava curvado sobre o motor de um trator em uma das casas pequenas da fazenda; seu cabelo fino estava desgrenhado e seu rosto manchado de óleo.

“Sinto muito,” Will disse. “Fiz você dar um pulo.”

“Não, não, garoto, está tudo bem. Eu só estava um pouco mais distante do que esse motor, eu acho.. .” Ele fez a careta que parecia ser o mais próximo que já t inha chegado de um sorriso. Todas as l inhas em seu rosto fino parciam não levar a lugar algum. Will pensou: sem expressão, sempre. “Bran está em casa, s im. Acho que vai encontrar ele na casa. Ou lá em cima. . .” Sua leve voz preocupada se arrastou.

Will disse suavemente, “Com Cafall .” Eles t inham enterrado o cão na noite anterior , lá em cima no declive mais baixo da montanha, com uma pedra pesada sobre o túmulo para manter os predadores longe.

“Sim, acho que sim. Lá em cima,” Owen Davies falou.

De repente Will quis dizer algo, mas as palavras escapuliam. “Sr. Davies, Sinto muito por isso. Tudo isso. Ontem. Foi terr ível ,”

“Bem, sim, obrigado.” Owen Davies estava envergonhado, evitando o contato com a emoção. Ele disse, olhando dentro do motor do trator , “Isso não poderia ser evitado. Você nunca consegue prever quando um cão pode enfiar em sua cabeça ir atrás de uma ovelha. É um em um milhão, mas pode acontecer. Mesmo o melhor cão do mundo. . .” Ele olhou para cima de repente, e por um momento seus olhos encontraram os de Will , embora parecessem estar olhando não para ele mas além, dentro do futuro ou do passado. Sua voz surgiu mais fi rme, como a de um homem mais jovem. “Realmente acredito, preste atenção, que Caradog Prichard estava mesmo pronto para at i rar no cão. Isso é algo muito drástico, e normalmente não é feito com outra criatura do homem, de qualquer modo não diante de seu rosto. Estávamos todos al i , não seria nada ter segurado Cafall . E para um perseguidor de ovelhas às vezes pode ser dado um lar, em algum lugar longe das ovelhas, sem ter que matá- lo. . . Mas não posso dizer isso a Bran, e você também não deve. Isso não ajudaria ele.”

Seus olhos tremularam para longe de novo, e Will observou, fascinado e perturbado, enquanto o eco de outro tempo era lançado para longe como um casaco e deixava o famil iar Owen Davies com seu ar sem humor, de leve culpa.

“Bem,” Will disse. “Acho que você está certo, mas não, eu não mencionaria isso para Bran. Agora vou procurar por ele.”

“Sim,” Owen Davies disse avidamente, virando seu rosto ansioso, desamparado, para as colinas. “Sim, você poderia ajudar ele, eu creio.”

Mas Will sabia, enquanto caminhava pelo caminho lamacento, que havia pouca chance de que ele, ou qualquer um da Luz, pudesse confortar Bran.

Quando chegou até a borda do vale, onda a terra começa a subir, ele viu muito

57

Page 68: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

pequena e distante acima dele, a meio caminho subindo a montanha, a figura de John Rowlands como se fosse um boneco. Seus dois cães, pontos preto e brancos, se moviam para frente e para trás. Wil l olhou, hesi tante, para o local mais distante descendo o vale onde Bran teria ido até a terra: sozinho com seu sofrimento. Então, por inst into, ele começou a subir direto, através da samambaia e tojo. John Rowlands deveria ser uma boa pessoa para conversar , primeiro.

Porém, foi Bran quem ele viu primeiro.

Ele se aproximou repentinamente, sem esperar por isso. Estava em uma parte do caminho subindo a ladeira, ofegando enuanto ainda estava subindo, e fez uma pausa para tomar fôlego, levantando sua cabeça, viu al i diante dele sentado em uma pedra a figura famil iar: jeans escuro e suéter, cabelo branco como um farol , óculos escuros sobre os olhos pál idos. Mas agora os óculos não estavam visíveis, nem os olhos, pois Bran estava sentado com a cabeça abaixada, imóvel , embora Will soubesse que ele deveria ter ouvido o barulho de sua aproximação.

Ele disse, “Alô, Bran.”

Bran levantou sua cabeça lentamente, mas não disse nada.

Will disse, “Não havia cão como ele, nunca, em lugar algum.”

“Não, não havia,” Bran disse. Sua voz estava baixa e rouca; ele pareceu cansado.

Will tentou encontrar palavras de conforto, mas sua mente não conseguia ajudar a não ser usando a sabedoria de um Antigo Escolhido, e esse não era o jeito de chegar até Bran. Ele disse, “Foi um homem que matou ele Bran, mas esse é o preço que temos que pagar pela l iberdade dos homens sobre a terra. Que eles podem fazer coisas ruins assim como boas. As sombras existem nesse arranjo, assim como raios de sol. Justamente como você me disse uma vez, Cafall não era um cão comum. Ele era uma parte do longo arranjo, como são as estrelas e o mar. E ninguém poderia ter fei to sua parte melhor, ninguém no mundo todo.”

O vale estava tranqüilo sob o seu taci turno céu cinzento; Will ouviu apenas o canto de um melro em uma árvore, os sons dispersos das ovelhas nas ladeiras; o leve zumbido de um carro que passava em uma estrada distante.

Bran levantou sua cabeça e t irou seus óculos; os olhos marrom-amarelados estavam inchados e avermelhados em seu rosto branco. Ele sentava ali encolhido, joelhos curvados, os braços moles pendurados sobre eles.

“Vá embora,” ele disse. “Vá embora. Queria que você nunca tivesse vindo aqui . Queria nunca ter ouvido falar da Luz e do Escuro, e de seu maldi to velho Merriman e seus versos. Se eu tivesse a sua harpa dourada nesse momento eu jogaria no mar. Não sou mais parte de sua estúpida busca, não me importo com o que acontecer. E Cafall nunca foi parte dela também, ou parte de seu l indo arranjo. Era meu cão, e eu amava ele mais do que tudo no mundo, e agora ele está morto. Vá embora .”

Os olhos avermelhados fr ios e imóveis observaram Will por um longo momento, e então Bran colocou de volta seus óculos escuros e virou a cabeça para olhar pelo vale. Era uma despedida. Sem dizer uma palavra Will f icou de pé novamente e caminhou subindo a col ina.

Pareceu um longo tempo até que chegou a John Rowlands. O pastor magro e de pele curt ida estava agachado parcialmente ajoelhado sobre uma cerca quebrada, remendando-a com um punhado de arame farpado. Ele sentou sobre os calcanhares enquanto Will vinha subindo ofegante, e olhou para ele através de olhos estrei tos, seu rosto moreno marcado franzido contra o bri lho do céu. Sem fazer nenhuma saudação, ele disse, “Esse aqui é o nível mais al to do pasto Clwyd. As fazendas da colina possuem o

58

Page 69: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

pasto além – a cerca é para manter nossas ovelhas embaixo. Mas elas são muito inteligentes em quebrá-las, especialmente agora que os carneiros estão fora.”

Will assentiu, tr istemente.

John Rowlands olhou para ele por um momento, então se levantou e o chamou até um alto afloramento de rocha um pouco acima na montanha. Eles sentaram do lado abrigado do vento; mesmo al i o lugar era como um lockout post , governando todo o vale. Wil l olhou ao redor dele rapidamente, seus sentidos alertas, mas o Rei Cinzento ainda jazia recluso; o vale estava tão calmo quanto est ivera desde o momento em que Cafall t inha morrido.

John Rowlands disse, “Ainda tem o resto da cerca para checar, mas estou pronto para fazer um intervalo. Tenho uma garrafa térmica aqui. Gostaria de tomar um pouco de chá. Wil l?”

Ele entregou a tampa da garrafa cheia de chá amargo marrom. Will f icou surpreso consigo mesmo ao beber avidamente. Quando t inha acabado, John Rowlands falou suavemente, “Você sabia que aqui você está sentado perto do Caminho de Cadfan?”

Will olhou para ele de modo severo, e não foi o olhar de um garoto de onze anos e ele não se preocupou em disfarçar esse fato. “Sim,” ele disse. “É claro que sabia. E você sabia que eu sabia, e foi por isso que mencionou.”

John Rowlands suspirou e colocou um pouco de chá. “Ouso dizer,” ele disse com um curioso tom que tinha inveja, “que agora você poderia fazer de olhos vendados todo o caminho de Tywyn até Machynlleth sobre as col inas no Caminho de Cadfan, muito embora nunca tenha estado nesse país antes.”

Will puxou para trás seu cabelo liso castanho, úmido em sua testa por causa da subida. “Os Antigos Caminhos estão espalhados por toda a Grã Bretanha,” ele disse, “e podemos seguir em um para qualquer lugar, uma vez que o tenhamos encontrado. Sim.” Ele olhou através do vale. “Foi o cão de Bran que o encontrou para mim aqui em cima, no início.” ele falou com tristeza.

John Rowlands baixou o capuz de sua roupa, coçou sua cabeça e o puxou para frente novamente. “Ouvi falar de vocês,” ele disse. “A minha vida toda, de vez em quando, embora não muito nesses dias. Mais quando eu era garoto. Costumava pensar que encontraria um de vocês, uma vez, quando eu era muito jovem, ainda que eu possa dizer que era apenas um sonho.. . E agora estive pensando sobre o modo como o cão morreu, e conversei um pouco com o jovemBran.”

Ele parou, e Will olhou nervoso para tentar ver o que ele poderia dizer em seguida, mas não escolheu usar sua arte para descobrir .

“E eu acho. Will Stanton,” disse o pastor, “que devo ajudá-lo de qualquer maneira que você possa precisar . Mas não quero saber o que você está fazendo, não quero que explique isso para mim de modo algum.”

De repente Will sentiu como se o sol t ivesse surgido. “Obriagao,” ele disse. O menor dos cães de John Rowlands, Tip, se aproximou tranqüilamente e sentou-se aos seus pés, e ele esfregou as orelhas macias.

John Rowlands olhou para baixo, pela ladeira marrom samambaia; O olhar de Will o seguiu o dele. Logo acima da terra escurecida onde o fogo t inha at ingido, eles podiam ver a pequena f igura que era Bran, sentado encolhido de costas para eles, sua cabeça branca encostada em seus joelhos.

“Esse é um momento muito ruim para Bran Davies,” o pastor disse.

“Estou fel iz que ele tenha falado com você,” Will disse desolado. “Ele não

59

Page 70: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

conversaria comigo. Não que eu o culpe. Ele vai f icar tão sol itário, sem Cafal l . Quero dizer, o Sr. Davies é muito bom, mas não exatamente. . . e não ter mãe, também, faz isso ficar pior.”

“Bran nunca conheceu sua mãe,” John Rowlands disse. “Ele era muito pequeno.”

Will disse curiosamente, “Como ela era?”

Rowlands bebeu seu chá, balançou a xícara vazia e a enroscou de volta na garrafa. “O nome dela era Gwen,” ele disse. Ele segurou a garrafa em suas mãos distraidamente, olhando para dentro de sua memória. “Ela era uma das coisas mais belas que você jamais verá. Pequena, com uma pele clara e cabelo negro, e olhos azuis como a flor veronica, e uma sorriso bri lhante em seu rosto que era como música. Mas ela também era uma estranha garota selvagem. Veio das montanhas lá fora, e nunca dir ia de onde veio, ou como.. .”

Ele se virou abruptamente e olhou sério para Will , com os olhos escuros que pareciam sempre estar estreitos por causa do tempo ruim. “Eu deveria imaginar,” ele disse com súbita agressividade, “que sendo o que é, você saberia tudo sobre Bran.”

Will disse suavemente, “Não sei nada sobre Bran, a não ser o que ele me disse. Realmente não somos muito diferentes de você, Sr. Rowlands, a maioria de nós. Apenas nossos mestres são diferentes. Nós sabemos muitas coisas, mas elas não coisas que se intrometam nas vidas dos homens. Nisso, nós somos como todos os outros – sabemos apenas aquilo que t ivermos vivido, ou o que alguém nos contou.”

John Rowlands concordou com a cabeça, ficando menos severo. Abriu sua boca para dizer alguma coisa, parou, puxou seu cachimbo de seu bolso e empurrou seu conteúdo com um dedo. “Bem,” ele disse lentamente, “talvez eu devesse contar a você a história desde o início. Isso vai ajudar a entender Bran. Ele mesmo sabe um pouco disso muito bem – ele realmente pensa tanto sobre isso, sozinho, que eu gostaria que nunca tivessem falado para ele.”

Will não disse nada. Ele sentou perto de Tip, e colocou um braço ao redor do pescoço dele. John Rowlands acendeu seu cachimbo. Ele disse, através da primeira nuvem de fumaça, “Foi quando Owen Davies era um homem jovem, trabalhando na Fazenda Prichard, o velho Sr. Prichard estava vivo naqueles dias. Caradog trabalhava para seu pai também, esperando assumir e tocar o lugar, embora ele não pudesse ser comparado a Owen para o t rabalho. . . Owen era pastor para Prichard. Era um sujeito sol itário, até então. Ele morava em uma casinha que era dele. Lá fora no pântano, mais perto das ovelhas do que da fazenda.” Ele soprou um pouco mais de fumaça, e olhou para Will . “Você esteve naquela casa. Está deserta agora. Ninguém viveu ali faz anos.”

“Aquele lugar? Onde você deixou a ovelha, depois. . .” Assustado, Will viu novamente em sua mente a figura de John Rowlands cambaleando dentro da pequena casa de pedra na samambaia, com a ovelha ferida sobre os seus ombros e sangue da lã dela em seu pescoço. A pequena casa da qual, quando eles t inham voltado meia hora mais tarde, a ovelha ferida havia desaparecido sem deixar rastros.

“Aquele lugar. Sim. E em uma noite feros no inverno, com chuva e um vento norte soprando, houve uma bat ida na porta de Owen. Era uma garota, vindo do nada, meio congelada por andar através da tempestade. E exausta de carregar seu bebê.”

“Seu bebê?”

John Rowlands olhou descendo as montanhas, para a f igura encolhida de Bran, sentado sozinho em sua pedra. “Aquele bebê era um sujei t inho forte, só alguns meses de idade. Ela guardava ele em um t ipo de t ipóia na sua costa. A única coisa estranha nele, Owen viu, era que não tinha cor alguma. Rosto branco, cabelo branco, pálpebras brancas, e olhos muito estranhos, marrom-amarelados como de uma coruja.. .”

60

Page 71: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Will disse lentamente, “Entendo.”

“Owen colocou a garota para dentro,” John Rowlands disse. “Ela a trouxe de volta à vida, gradualmente, com muito cuidado, naquela noite e no dia seguinte – e o bebê também, embora bebês sejam criaturas fortes e ele não est ivesse tão ruim. E antes que t ivessem passado vinte e quatro horas, Owen Davies estava mais apaixonado por aquela estranha garota l inda do que eu já t inha visto um homem se apaixonar por uma mulher. Ele nunca tinha amado alguém tanto antes. Owen era muito tímido. Foi como uma maldi ta explosão.. . Com um homem como aquele, isso é perigoso – quando ele f inalmente ama, entrega todo o seu coração sem tomar cuidado ou pensar, e seu coração pode nunca mais voltar para ele pelo resto de sua vida.” Ele parou por um momento, a compaixão suavizando seu rosto marcado pelo tempo, e ficou sentado em si lêncio. Então ele disse, “Bem. Então al i estavam eles. No dia seguinte Owen saiu para ver as ovelhas, deixando a garota descansando na casa. No caminho de volta ele parou em minha casa, aqui em Clwyd, para pegar um pouco de leite para o bebê. Sempre fomos amigos desde que ele era um garoto, ainda que eu seja mais velho. Eu não estava lá, mas minha esposa estava, e ele contou a ela sobre Gwen e o bebê. Minha Blodwen tem um coração caloroso e bom bom ouvido. Ela disse que ele era como um homem pegando fogo, radiante, t inha que contar para alguém.. .”

Descendo longe na ladeira mais baixa. Bran levantou de sua pedra e começou a perambular sem destino pela samambaia, olhando como se est ivesse procurando alguma coisa.

“Quando Owen voltou para sua casa,” John Rowlands disse, “ele ouviu um grito. Nunca t inha escutado uma mulher gri tar antes. Havia um cão estranho do lado de fora da porta. O cão de Caradog Prichard. Owen entrou na casa como um como um arame se part indo, e encontrou a garota lutando com Caradog. Caradog t inha vindo para descobrir porque Owen não esteve no trabalho no dia anterior , e ao invés disso encontrou Gwen, e decidiu em seu jei to sujo que ela deveria ser uma mulher frívola, e fáci l de obter se ele gostasse dela.. .” John Rowlands se incl inou para o lado deliberadamente e cuspiu na grama. “Me desculpe. Wil l ,” ele disse, “mas é assim que me sinto quando minha boca está falando sobre Caradog Prichard.”

“O que aconteceu? O que ele fez?” Will estava perdido de admiração nessa névoa turva de romance que cercava o comum Owen Davies.

“Owen. Ele ficou louco. Nunca foi um lutador, mas jogou Caradog porta afora, e foi atrás dele, quebrou seu nariz e arrancou dois dentes dele. Então eu cheguei, e fiz uma boa coisa ou ele teria assassinado o homem. Blodwen tinha me enviado com algumas coisas para o bebê. Levei Caradog para casa. Ele não quis que chamassem o doutor. Estava com medo do escândalo. Não posso dizer que tinha muita simpatia por ele. Desde então seu nariz nunca mais teve a mesma aparência.”

Ele olhou descendo a ladeira novamente. A cabeça branca de Bran ainda estava curvada sobre o chão, enquanto ele se movia lentamente, sem propósi to, para frente e para t rás.

“Bran pode ficar feliz em ter sua compania. Wil l . Na verdade, não há muito mais a dizer . Mais um dia e mais uma noite a garota Gwen ficou com Owen na casa, e ele a pediu em casamento. Ele era um homem fel iz, a luz brilhava dele. Nós os vimos por uma parte daquele dia, e ela também parecia tão alegre quanto ele. Mas então, logo de madrugada na manhã seguinte, o quarto dia, Owen foi acordado pelo bebê chorando, e Gwen não estava lá. Tinha desaparecido. Ninguém soube para onde ela foi. E ela nunca mais voltou.”

Will disse, “Bran me disse que ela morreu.”

“Bran sabe que ela desapareceu,” John Rowlands disse. “Mas talvez seja mais confortável acreditar que sua mãe morreu do que pensar que ela fugiu e o deixou sem

61

Page 72: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

pensar duas vezes.”

“Foi isso que ela fez? Simplesmente desapareceu e deixou o bebê para trás?”

John Rowlands concordou com a cabeça. “E um bilhete. Dizia: Seu nome é Bran. Obrigada, Owen Davies. E isso foi tudo. Onde quer que tenha ido, desde então nunca mais ninguém ouviu falar dela ou a viu, nem verá. Owen veio até nós com o bebê naquela manhã. Tinha perdido a cabeça, louco por perder Gwen. Ele subiu nas col inas, e não desceu por três dias. Procurando por ela, você sabe. Pessoas ouviam ele gri tando, Gwennie, Gwennie. . . Blodwen e a Sra. Evans, sua tia, tomaram conta de Bran. Ele era um ótimo bebê. . . O velho Prichard demit iu Owen, é claro. Naquela época o seu tio David perdeu um homem, então ele contratou Owen, e Owen se mudou para a casa em Clwyd onde ele vive agora.”

“E ele criou Bran como seu f ilho,” Will disse.

“Isso mesmo. Com ajuda de todo mundo. Houve um pouco de confusão, mas no final permit iram que ele adotasse o garoto. A maioria das pessoas acabou pensando que Bran realmente era fi lho de Owen. E a única coisa que não disseram a Bran foi que ele não é – ele acredita que Owen é seu pai , e você deve tomar cuidado para jamais sugerir qualquer coisa diferente.”

“Tomarei” Will disse.

“Sim. Não tenho preocupação alguma a seu respei to.. . À vezes acho que Owen também acredita que Bran é seu f ilho de verdade. Ele sempre foi bastante rel igioso, você entende, e mais tarde ele se apegou mais ainda em sua religião. Talvez você não consiga entender isso totalmente, Wil l bach , mas porque Owen sabia que era errado pelas regras de sua fé viver aqueles poucos dias sozinho na mesma casa com Gwen, então ele começou a sentir que isso era tão errado quanto se ele Gwennie, não estando casados, t ivessem um bebê juntos. Como se os dois t ivessem gerado Bran. Então ele ainda pensa em Bran – até o dia de hoje – na maior parte com amor, mas com um pouco de culpa. Sem nenhuma boa ração, preste atenção, a não ser a sua própria consciência. Owen tem consciência demais. As pessoas não se importam, nem mesmo o pessoal de sua capela – eles pensam que Bran é seu f ilho natural , mas o tut- tutt ing tinha acabao fazia muito tempo. Eles t inham cérebro suficiente para julgar um homem pelo que ele mesmo t inha provado ser , não por algum erro que possa ou não ter feito muito tempo atrás.”

John Rowlands suspirou, e se esticou, bateu seu cachimbo e enterrou as cinzas na terra. Ele f icou de pé; os cães pularam para seu lado. Ele olhou para Will .

“Tudo isso estava por trás,” ele disse, “quando Caradog Prichard at i rou no cão de Bran Davies.”

Will pegou uma flor de um arbusto ao seu lado; ela brilhou amarela em sua mão suja. “As pessoas são muito complicadas,” ele disse com tr isteza.

“Elas são,” John Rowlands disse. Sua voz ficou um pouco rouca, mais alta e clara do que tinha f icado. “Mas quando as batalhas entre você e seus adversários t iver acabada. Will Stanton, no final o destino do mundo todo vai depender justamente dessas pessoas, e de quantas delas são boas ou más, estúpidas ou sábias. E com certeza isso é tão complicado que eu não ousaria prever o que elas farão com o mundo delas. Nosso mundo.” Ele assobiou suavemente. “Tyrd yma , Pen, Tip.”

Ele pegou seu rolo de arame farpado cuidadosamente, e com os cães seguindo, ele se afastou ao lado da cerca, sobre a col ina.

62

Page 73: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Dois: Os Adormecidos

O Rei Cinzento

Will seguiu em direão a Bran pela ladeira lentamente. Agora era um dia cinza; a chuva t inha caído a noite toda, e ainda t inha mais por vir . O céu estava baixando, ameaçador, e todas as montanhas estavam perdidas dentro de nuvens. Will pensou: o respirar do Brenin Llwyd.

Ele viu Bran começar a subir a col ina, diagonalmente, em uma óbvia tentat iva de evitá-lo. Will fez uma pausa, e decidiu desisti r . Um jogo ridículo de fizar desviando pela montanha não faria bem para ninguém. E além disso, a harpa t inha que ser levada para um lugar seguro.

Ele saiu através da samambaia molhada na longa caminhada lamacenta até o lado mais distante da fazenda de Caradog Prichard. Suas calças já estavam ensopadas, independente das botas Well ington emprestadas da Tia Jen. Em parte do caminho, ele cruzou a terra que tinha sido atingida pelo fogo, e uma fina camada de cinza negra se agarrou em suas botas.

Will foi caminhando com mau humor. Agora ele olhou ao redor para o caso de Caradog Prichard estar por perto, mas os campos estavam desertos, e estranhamente silenciosos. Nenhum pássaro cantava hoje; até mesmo as ovelhas pareciam quietas, e raramente havia o som de um carro da estrada do vale. Era como se todo o vale cinza esperasse por alguma coisa. Will tentou sentir o humor do lugar de modo mais acurado, mas agora o tempo todo sua mente estava se enchendo gradualmente com a inimizade do Rei Cinzento, crescendo, crescendo, um sussurro se t ranformou em um chmado, oara logo tornar-se um gri to furioso. Era difícil concentrar atenção para muito mais.

Ele chegou até o abrigo telhado onde havia escondido a harpa entre os pacotes de feno empilhados. A força de seu próprio feit iço fez ele parar , a dez pés de distância, como se ele t ivesse bat ido contra uma parede de vidro.

Will sorriu. Então para quebrar o encantamento no cminho apontado, ele começou a cantar muito levemente. Era um fei t iço-canção da Língua Antiga, e suas palavras não eram como palavras da fala humana, mas mais indefinidas, uma uestão de nuance de som. Ele era um bom cantor, bem ensinado, e as claras notas altas fluiram através do ar como raios de luz. Wil l sentiu a força do fei t iço de resistência se desfazer. Ele chegou ao final do verso.

A voz de Caradog Prichard disse fr iamente atrás dele, “É mesmo um pequeno rouxinol , não é?”

Will congelou. Se virou lentamente e f icou em si lêncio, olhando para o rosto gorducho pastoso de Prichard, com seu nariz torto, e olhos brilhantes como groselhas negras.

“Bem?” Prichard disse impaciente. “O que acha que está fazendo aqui, parado no meio do meu campo cantando para a cerca viva? Você está louco, garoto?”

Will abriu a boca, mudando seu rosto sut ilmente para mostrar uma espressão de total estupidez. “Foi a canção. Apenas pensei nela, queria experimentá- la. Dizem que você é um poeta, deveria entender.” Ele diminuiu sua voz, de modo conspirador. “Às vezes eu escrevo canções, você entende. Mas por favor não conte a ninguém. Eles sempre acham graça. Acham que é estúpido.”

63

Page 74: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Prichard disse: “Seu tio?”

“Todos em casa.”

Prichard olhoupara ele com suspeita. A orgulhosa palavras “poeta” tinha causado seu efei to, mas ele não era o tipo de homem que relaxava de forma imprudente, ou por muito tempo. Ele falou orgulhosamente, “Oh, os Ingleses – não sabem nada de música, não estou surpreso. Eles são estúpidos. Você tem uma voz muito boa, para um garoto Inglês.” Então de repente sua voz ficou áspera. “Mas não estava cantando Inglês, estava?”

“Não,” Will disse.

“Então oque era?”

Will sorriu para ele de modo confidencial. “Na verdade, nada. Eram apenas palavras sem sentido que pareciam se encaixar bem na melodia. Você entende.”

Mas o peixe não mordeu. Os olhos de Prichard estrei taram. Ele olhou com um movimento nervoso rápido subindo o vale na direção das montanhas, e então de volta para Will . Ele falou súbitamente, “Não gosto de você, garoto Inglês. Tem alguma coisa estranha em você, tem sim. Toda essa conversa sobre canções e cantoria não explica porque está aqui na minha terra.”

“Pegando um atalho, só isso,” Will disse. “Eu não estava machucando nada, honestamente.”

“Atalho, não é? De onde para onde? A terra de seu tio é por ali , de onde você veio, e não tem nada do outro lado de nós a não ser pântano e montanha. Nada para você. Volte para Clwyd, rouxinol , de volta para o seu pequeno amigo chorão que perdeu seu cão. Cai fora. Cai fora daqui!” De repente ele estava gritando, o rosto rechonchudo vermelho. “Cai fora! Cai fora!”

Will suspirou. Só havia uma coisa a fazer. Ele não queria arr iscar atrair atenção mais próxima do Rei Cinzento, mas era impossível deixar a harpa vulnerável aos olhos de Caradog Prichard. Agora o homem estava olhando para ele furioso, apertando seus punhos em uma mostra da mesma fúria inexplicável que Will t inha visto tomar conta dele antes. “Cai fora, estou dizendo!”

Ali no campo aberto sob o céu cinzento parado. Will est icou um braço, com todos os cinco dedos esticados, e disse uma simples palavra suave. E Caradog Prichard estava preso fora do tempo, imóvel , com sua boca semi-aberta e sua mão erguida apontando, seu rosto congelado exatamente com a mesma fúria horrível que o t inha distorcido quando at irou em Cafal l . Era uma pena. Will pensou tr istemente, que ele não pudesse ser deixado daquele jei to para sempre.

Mas fei tiço algum dura para sempre, e a maioria por um curto período de tempo. Rapidamente Will seguiu até o abrigo de pedra, procurou entre os montes de feno, e reti rou a a pequena harpa dourada cint ilante. Uma parte de sua moldura estava presa em um saco velho esfarrapado deixado entre os montes; ele arrancou os dois impaciente, enfiou-os debaixo de seu braço. Então deu a volta para ficar atrás de Caradog Prichard. Apontou para ele mais uma vez uma das mãos com os dedos est icados, e disse uma simples palavra. E Caradog Prichard, como se jamais t ivesse planejado fazer alguma outra coisa, caminhou pelo campo na direção de sua casa de fazenda sem olhar para trás. Quando chegou lá. Wil l soube, ele estaria convencido de que tinha ido direto do dia de trabalho para casa, e não teria lembrança alguma de Will Stanton parado em um campo cantando para o céu.

A forma pançuda cansada desapareceu pelo caminho no f inal do campo. Will desembaraçou o saco velho da moldura dourada intr incada da harpa, e estava quase para

64

Page 75: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

jogá-la fora quando percebeu como ela podria ser úti l como cobertura; um pacote indefinido debaixo de seu braço poderia ser explicado, se por acaso encontrasse alguém, muito mais facilmente do que uma harpa dourada cinti lante e obviamente sem preço. Enquanto ele colocava cuidadosamente a harpa dentro do saco, franzindo seu nariz por causa do pó de feno, um movimento pelo campo chamou sua atenção. Ele olhou para cima e por um momento até mesmo a harpa saiu de sua mente.

Era a grande raposa cinza, rei das milgwn , criatura de Brenin Llwyd, movimentando-se rapidamente pela cerca viva. Com uma fúria repentina Will se esticou apontando um braço e gri tou uma palavra para detê-la, e o grande animal cinza, não mais na terra de seu mestre, caiu para t rás no meio do pulo como se tivesse sido agarrada por um tremendo vento repentino. Levantando-se, ela ficou parada olhando para Will , a l íngua vermelha pendurada. Então ergueu seu longo focinho e sol tou um uivo baixo, como o de um cão com problemas.

“Não adinta gritar,” disse Will fazendo esforço. “Pode f icar aí até que eu decida o que fazer com você.”

Mas então, involuntariamente, ele estremeceu. De repente o ar pareceu mais fr io, e atrvés dos campos, ao redor dele, ele conseguiu ver se arrastando uma baixa névoa próxima ao solo que não havia notado antes. Elntamente ela veio atravessando sobre as cercas, impiedosa, como alguma grande criatura rastejante. Ela veio de todas as direções, da montanha, do vale, das ladeiras mais baixas, e quano Will olhou de volta para a raposa cinza parada no campo, viu algo mais que deu para a névoa um calafrio de novo terror. A raposa estava mudando de cor. A cada momento, enquanto ele observava, seu corpo lustroso e a cauda espessa foram ficando mais e mais escuros, até ue f icaram quase pretos.

Will olhou, franzindo o rosto. Ele pensou de modo irrelevante, “Parece com Pen.” E de repente prendeu a respiração, ao perceber algo que não era irrelevante de jei to algum – que foi Pen, o cão de John Rowlands, que juntamente com Cafal l , t inha sido acusado por Caradog Prichard do ataque às ovelhas feito na verdade pelas raposas cinzentas do Rei Cinzento.

Algo imensuravelmente forte o estava pressionando, quebrando o seu próprio encantamento. Enquanto Will ficou confuso e enfraquecido por um momento, a grande raposa, agora negra como carvão, realizou seu estranho salto exultante no ar, sorriu para ele del iberadamente, e se foi, correndo veloz pelo campo. Ela desapareceu através da cerca viva distante, na direção em que Caradog Prichard havia tomado, na direção da fazenda. Will sabia exatamente o que iria acontecer quando ela chegasse lá, e não havia nada que ele pudesse fazer. Ele estava sendo repelido pelo poder do Rei Cinzento, e agora ele estava encarando de modo relutante uma idéia na qual ele não havia pensado antes: a possibil idade de que esse poder, muito maior do que o seu próprio, era de fato tão grande que ele poderia jamais ser capaz de concluir a busca que lhe foi designada.

Pressionando os dentes, ele agarrou a harpa enrolada debaixo de seu braço e part iu pelo campo seguindo para a Fazenda Clwyd. Desl izou cuidadosamente por baixo do arame farpado que margeava o campo, cruzou a esquina do próximo, subiu as escadas que levavam até a rua. Mas o tempo todo seus passos ficavam mais e mais lentos, sua respiração mais forçada. De algum modo, al i embaixo de seu braço, a harpa f icava mais e mais pesada, até que ele malmente podia se mover por causa do peso dela. Ele sabia que não era apenas uma questão de sua própria fraqueza. Contra sua resistência, algum grande encantamento estava deixando a preciosa Coisa de Poder sob o seu braço com um peso impossível para qualquer força humana suportar. Agarrando-se na harpa, ele arfou de dor com seu peso imposível, e mergulhou no chão com ela.

Quando se agachou ali ele levantou sua cabeça e viu que agora a névoa serpenteava por toda parte ao redor dele; o mundo todo estava branco-acinzentado, sem formas. Ele olhou dentro da neblina. E gradualmente, a neblina tomou forma.

65

Page 76: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

A figura era tão imensa que primeiro ele não t inha conseguido perceber que ela estava ali . Ela se espalhava mais larga que o campo, e al to no céu. Tinha uma forma, mas não uma forma terrena reconhecível ; Wil l podia ver seus contornos com o canto dos olhos, mas quando olhava diretamente para qualquer parte dela, não havia nada lá. Ainda assim a f igura erguia-se diante dele, imensa e terr ível , e ele sabia que esse era um ser de maior poder do que qualquer coisa que já havia encontrado em sua vida. De todos os Grandes Lordes do Escuro, nenhum era individualmente mais poderoso e perigoso do que o Rei Cinzento. Mas porque ele sempre havia permanecido desde o início dos tempos em sua imobil idade entre os picos Cader Idris , nunca descendo até os vales ou ladeiras mais baixas, nenhum dos Antigos Escolhidos jamais t inha encontrado ele, para aprender que força ele t inha sob seu comando. Então agora Will , sozinho, últ imo e o menor dos Antigos Escolhidos, o encarava sem defesa a não ser sua magia da Luz de nascença e sua próprias capacidades mentais.

Uma voz emergiu da forma nebulosa, ao mesmo tempo doce e terrível. Ela encheu o ar como a própria névoa, e Will não conseguia dizer que l inguagem ela falou, nem se ela falou para que os ouvidos pudessem escutar; apenas soube que as coisas que ela disse estavam em sua cabeça instantaneamente.

“Você não deve despertar os Adormecidos, Antigo Escolhido,” disse a voz. “Vou impedí- lo. Essa é minha terra, e nela eles dormirão para sempre, com dormiram esses muitos séculos. Sua harpa não os despertará. Vou impedí- lo.”

Will sentou em um pequeno monte despedaçado, seus braços na harpa qe ele não conseguia mais carregar. “É minha busca,” ele disse. “Sabe que devo continuar.”

“Volte,” disse a voz, soprando através de sua mente como o vento. “Volte. Leve a harpa em segurança com você, uma Coisa de Poder para a Luz e seus mestres. Deixarei você ir , se voltar agora e deixar minha terra. Você fez por merecer isso.” A voz ficou mais áspera, mais fr ia do que a neblina. “Mas se você buscar os Adormecidos, destruirei você, e a harpa dourada também.”

“Não,” Will disse. “Eu sou da Luz. Você não pode me destruir .”

“Não será muito diferente da destruição,” a voz disse. “Vamos lá. Você sabe disso. Antigo Escolhido.” Ela ficou mais suave, mais sibi lante e desagradável , como se est ivesse elaborando um pensamento maligno; de repente Will lembrou do lorde no robe azul celeste.

“Os poderes do Escuro e da Luz são iguais em força, mas somos um pouco diferentes em nosso. . . tratamento. . . com aqueles que est iverem sob nossa vontade.” A voz rastejou como sobre a pele de Will uma lesma. “Volte. Antigo Escolhido. Não vou avisar a Luz novamente.”

Invocando toda sua confinça, Will se levantou, deixando a harpa no chão aos seus pés. Ele fez uma pequena reverência zombeteira para a névoa cinza para a qual agora ele sabia, não deveria olhar diretamente. “Você deu seu aviso, Majestade,” ele disse, “e eu o escutei . Mas não vai fazer diferença. O Escuro nunca pode mudar a mente da Luz. Nem pode obstruir a tomada de uma Coisa de Poder uma vez que ela tenha sido reclamada da forma correta. Retire seu fei tiço da harpa dourada. Você não possui direi to algum de tocá-la com encantamento.”

A névoa girou mais escura; a voz f icou mais fria, mais remota. “A harpa não está encantada. Antigo Escolhido. Retire-a do saco.”

Will se curvou. Tentou mais uma vez carregar a harpa enrolada no saco, mas ela não se mexeu; ela poderia ser uma pedra enraizada bem fundo na terra. Então puxou o saco para o lado para descobrir a harpa, e a pegou, e a brilhante coisa dourada veio em sua mão tão leve quanto sempre havia sido.

66

Page 77: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Ele olhou para o saco. “Tem mais alguma coisa ali .”

“É claro,” disse o Rei Cinzento.

Will rasgou o saco esfarrapado de modo que ela f icou aberta; ainda parecia totalmente vazia, como parecera da primeira vez. Então ele notou em uma dobra uma pequena pedra branca altamente polida, não era maior do que um seixo. Se abaixou para pegá-la. Ela não se moveu.

Ele disse lentamente, “É uma warestone.”

“Sim,” a voz disse.

“Sua warestone. Um canal para o Escuro. De modo que quando ela é deixada em um certo lugar, você pode saber tudo o que está acontecendo naquele lugar, e pode colocar nela seu desejo de fazer outras coisas acontecerem. Ela esteve escondida naquele velho saco o tempo todo.”Uma súbita lembrança tremulou em sua mente. “Não me admiro e ter perdido o controle sobre a raposa das milgwn .”

Vindo da névoa, uma risada surgiu. Foi um som aterrorizante, como o primeiro som de uma avalanche. Então ao invés disso, e pior, a voz apareceu sussurrando. “Uma warestone do Escuro não possui valor algum para a Luz. Entregue para mim.”

“Você t inha colocado ela na fazenda de Caradog Prichard,” Will disse. “Porque? De qualquer modo ele é sua criatura, você não precisa de uma warestone para ele.”

“Aquele tolo não é nenhum dos meus,” o Rei Cinzento disse desdenhosamente. “Se o Escuro se mostrasse a ele, ele derreteria de medo como manteiga sob o sol. Não, ele não é do Escuro. Mas ele é muito úti l . Um homem tão envolto em sua própria má vontade é um presente da terra para o Escuro. É tão fácil dar a ele as idéias apropriadas.. . Muito úti l , certamente.”

Will disse tranqüilamente. “Também há tais homens, de um t ipo oposto, que inconscientemente servem a Light .”

“Ah,” disse a voz com malícia, “mas não muitos Antigo Escolhido. Não muitos, eu creio.” Ela f icou aguda novamente, e a névoa rodopiou mais fria. “Entregue a mim a warestone. Ela não trabalhará contra você, mas também não trabalhará para você. Ela sempre se apegará na terra ao toque da Luz – como faria uma warestone sua, se você t ivesse uma, ao meu toque.”

“Não preciso de uma,” Will disse. “E certamente não preciso da sua. Pegue-a.”

“Fique longe. Voupegá-la e irei embora. E se em uma noite e um dia você não t iver ido também, dessa minha terra, você cessará e exist ir pelos padrões humanos. Antigo Escolhido. Você não irá nos impedir , nem com seus seis Signos nem com sua harpa de ouro.” A voz se elevou e cresceu como um vento forte. “Pois nossa hora está quase chegando, independente de você, e o Escuro está se erguendo, o Escuro está se erguendo!”

As palavras rugiram pela mente de Will assim como a névoa serpenteava escura e fria em volta de seu rosto, obscurecendo tudo, até mesmo o chão sob seus pés. Ele não conseguia mais ver a harpa, mas apenas sentí- la segura nos seus dois braços. Ele balançou tonto, e um frio terrível atingiu todo o seu corpo.

Então sumiu. E ele ficou na rua entre as cercas vivas, com a harpa encostada ao seu pei to, e ao redor dele o vale estava vazio sob o céu cinzento, e aos seus pés jazia um pedaço de saco velho.

Trêmulo, Will se curvou e enrolou a harpa novamente, e seguiu para a Fazenda Clwyd.

67

Page 78: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Ele se esgueirou escada acima até seu quarto para esconder a harpa, fazendo uma saudação para Tia Jen. Ela respondeu por cima do ombro sem se virar, mexendo cuidadosamente em uma panela no fogão. Mas quando Will desceu as escadas de novo, a grande cozinha pareceu cheia de gente. Seu t io e Rhys estavam andando impacientes, os rostos tensos de preocupação. John Rowlands tinha acabado de entrar pela porta.

“Você viu ele?” Rhys explodiu para Rowlands ansiosamente.

O rosto moreno marcado pelo tempo de John Rowlands ganhou algumas linhas extras quando suas sobrancelhas levantaram. “Quem eu deveria ter visto?”

David Evans puxou uma cadeira e se jogou sobre ela cansado. Ele suspirou. “Caradog Prichard estava lá fora agorinha. Essa loucura não tem fim. Ele diz que outra de suas ovelhas foi atacada por um cão essa tarde – essa foi morta. Diz que aconteceu bem ali em seu terreno, de novo, e que ele e sua espoda viram tudo. E está espalhando de cima abaixo que o cão era Pen.”

“Ele estava balançando sua arma, o maldi to lunático,” Rhys falou com raiva. “Com certeza ele teria at i rado no cão, se você e Pen est ivessem aqui. Graças a Deus não estavam.”

John Rowlands calmamente, “Fico surpreso que ele não estava esperando por nós no portão.”

“Eu disse a ele que você tinha saído para a montanha, atrás de algumas ovelhas,” disse o tio de Will , sua cabeça curvada, desanimado. “Sem dúvida que o tolo estará lá fora procurando por você.”

“Ele vai acabar at irando em uma ovelha, eu não f icaria surpreso,” John Rowlands disse. “Se ele conseguir encontrar a ovelha negra.”

Mas David Evans estava preocupado demais para sorrir . “Deixe que ele faça isso, e providenciarei para que ele vá para a delegacia de Tywyn, sejam cães ou não. Não gosto disso, John Rowlands. O homem está agindo como se. . . eu não sei , realmente acho que a mente dele começou a fraquejar. Ele estava del irando. Cães matarem ovelhas é uma coisa ruim, Deus sabe, mas ele estava agindo como se tivessem sido crianças que foram mortas. Se ele t ivesse crianças. Acho que é melhor que ele não tenha.”

“Pen esteve comigo o dia todo, sem pausa,” John Rowlands disse, sua voz profunda calma.

“Claro que estava,” disse Rhys. “Mas Caradog Prichard não acreditaria nisso mesmo se t ivesse observado você a cada minuto do dia com seus próprios olhos. Ele é ruim desse jei to. E ele vai voltar amanhã, disso não há dúvida.”

“Até lá, talvez Betty Prichard seja capaz de fazê-lo ver a razão,” falou Tia Jen. “Embora ela jamais tenha tido muita sorte antes, Deus sabe. Aquele deve ser um homem difíci l com o qual estar casado.”

John Rowlands olhou para o t io de Will . “O que faremos?”

“Não sei ,” falou David Evans, balançando sua cabeça lentamente. “O que você acha?”

“Bem,” John Rowlands disse, “eu estava pensando que se você não estiver usando a Land-Rover de manhã, eu poderia i r bem cedo subindo o vale e deixar Pen com Idris Jones Ty-Bont por alguns dias.”

O tio de Will levantou sua cabeça, seu rosto se i luminando pela primeira vez. “Deus. Muito bom.”

68

Page 79: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Jones Ty-Bont deve um favor a você, por emprestar o t rator nesse verão. De qualquer modo, ele é um bom sujei to. E um dos cães dele é da mesma ninhada que Pen.”

“Essa é uma idéia muito boa,” Rhys disse simplesmente. “E nós estamos sem plugs para a motosserra. Você pode pegar uma em Abergynolwyn quando voltar .”

Rowlands riu. “Então está tudo combinado.”

“Sr. Rowlands,” disse Will . “Posso ir também?”

Eles não tinham notado que ele estava ali ; cabeças surpresas se viraram para onde ele estava parado na escada.

“Seja bem-vindo,” John Rowlands disse.

“Isso seria ótimo,” Tia Jen falou. “Ontem eu estava mesmo pensando que ainda não t ínhamos levado você até Tal y Llyn. Lá em cima tem o lago. A fazenda de Idris Jones é bem perto dele.”

“Caradog Prichard não vai nem sonhar que o cão possa estar lá,” disse David Evans. “Isso vai dar tempo para ele esfriar.”

“E se a matança de ovelhas continuar. . .” disse Rhys. Ele deixou a frase no ar de propósi to.

Agora tem o seguinte pensamento,” a t ia de Will disse. “Devemos ter certeza de que Caradog pense que Pen ainda está aqui . Então se ele enxergar com seus próprios olhos Pen atacar uma ovelha de novo amanhã, haverá uma resposta rápida para ele.”

“Então está bem,” John Rowlands disse. Pen está em casa fazendo sua ceia, acho que vou me juntar a ele. Part iremos às cinco e meia, Wil l . Caradog Prichard não é a pessoa que acorda mais cedo no mundo.”

“Talvez o jovem Bran gostasse de ir com você, sendo um Sábado,” disse David Evans, agora se incl inando relaxado para t rás em seu carro.

“Acho que não,” disse Will .

69

Page 80: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Dois: Os Adormecidos

O Lago Confortável

Will esperava ser o único em movimento na casa, às cinco da manhã, mas sua Tia Jen estava de pé antes dele. Ela deu a ele uma xícara de chá, e um grande pedaço de pão caseiro e manteiga.

“Lá fora está fr io tão cedo,” ela disse. “Você vai se sentir melhor com alguma coisa por dentro.”

“Pão e manteiga são cinco vezes mais gostosos aqui do que em qualquer outro lugar,” disse Will . Olhando para cima enquanto mast igava, viu que ela olhava para ele com um engraçado meio sorriso.

“Você é a imagem da saúde,” ela disse. “Exatamente como seu irmão maior Stephen, na sua idade. Ninguém adivinharia o quanto você esteve doente, não faz muito tempo. Mas pelo amor de Deus, não é bem um descanso restaurador que est ivemos dando a você. O fogo, e toda essa coisa de assassinato de ovelhas”

“Excitante,” disse Will , abafado, com a boca cheia.

“Bem, sim,” falou a Tia Jen. “Na verdade, em um lugar onde nada fora do comum jamais acontece, geralmente, do f inal de um ano até o próximo. Acho que já t ive exci tação bastante, por enquanto.”

Will falou suavemente, de propósi to, “Acho que a últ ima agitação de verdade aconteceu quando apareceu a mãe de Bran.”

“Ah,” sua t ia disse. Seu rosto agradável estava i legível . “Você ouviu falar disso, não ouviu? Imagino que John Rowlands contou para você. Ele é uma alma gentil , Shoni mawr , sem dúvida teve suas razões. Diga-me. Will , você teve algum tipo de discussão com Bran?”

Will pensou: E isso era o que você queria me perguntar, com a xícara de chá, porque você também é uma alma genti l , e pode sentir o sofrimento de Bran. . . E eu gostaria de poder ser bastante honesto com você .

“Não,” ele disse. “Mas perder Cafal l foi tão ruim para ele que acho que ele só quer ficar sozinho. Por algum tempo.”

“Pobre garoto.” Ela balançou a cabeça. “Seja paciente com ele. É um garoto sol itário, e teve uma vida estranha, de algumas maneiras. Tinha sido maravilhoso para ele ter você por aqui, até que isso estragou tudo.”

Uma pequena dor atravessou o antebraço de Will ; ele o segurou, e percebeu que vinha da cicatr iz da Luz, sua marca quente.

Ele falou de repente, “Ela nunca mais voltou, Tia Jen? A mãe de Bran? Como ela conseguiu simplesmente ir embora e deixar ele, desse jeito?”

“Não sei,” sua tia disse. “mas não, nunca mais houve sinal algum dela.”

“Em um minuto, ir embora para sempre. . . Acho que isso deve incomodar muito Bran.”

70

Page 81: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Ela olhou para ele séria, “Alguma vez ele já falou algo sobre isso?”

“Oh, não, é claro que não. Nunca conversamos sobre isso. Eu só senti – Tenho certeza que deve incomodar ele, lá no fundo.”

“Você é um garoto engraçado,” falou sua tia curiosamente. “Às vezes parece um adulto. Acho que deve ser por ter mutos irmãos e irmãs mais velhos do que você.. . Talvez entenda Bran melhor do que a maioria dos garotos poderiam.”

Ela hesitou por um momento, então aproximou sua cadeira. “Vou te dizer uma coisa,” ele falou, “caso isso possa ajudar Bran. Sei que você tem bastante bom senso para não falar com ele sobre isso. Acho que Gwen, sua mãe, t inha algum tipo de problema em sua vida passada sobre o qual não podia fazer nada, e que por causa disso ela sentiu que deveria dar a Bran uma vida que seria l ivre disso. Ela sabia que Owen Davies era um homem bom e cuidaria do garoto, mas também sabia que simplesmente não amava Owen tão profundamente quanto ele a amava, não o bastante para casar com ele. Quando as coisas chegam a esse ponto, não há nada que uma mulher possa fazer. É melhor ir embora.” Ela fez uma pausa. “Não melhor abandonar Bran, você poderia dizer .”

“Isso era exatamente o que eu ia dizer,” falou Will . “Bem,” disse a sua tia. “Gwen falou uma coisa para mim, naqueles poucos dias que esteve aqui , quando ficamos sozinhas uma vez. Nunca falei sobre isso, mas eu nunca esqueci . Ela disse: Se uma vez você traiu uma grande confiança, não ousa deixar que confiem em você novamente, porque uma segunda traição seria o fim do mundo. Não sei se você consegue entender isso.”

“Quer dizer que ela estava com medo do que poderia fazer?”

“E com mais medo do que tinha fei to. Fosse lá o que fosse.

“Então ela fugiu. Pobre Bran,” disse Will .

“Pobre Owen Davies,” disse sua tia.

Houve uma leve batida na porta, e John Rowlands colocou sua cabeça para dentro. “Bore da ,” ele disse. “Pronto, Will?”

“Bore da , John,” disse a Tia Jen, sorrindo para ele.

Colocando sua jaqueta. Wil l virou de repente e deu nela um abraço desajei tado. “Obrigado. Tia Jen.”

O sorriso dela se i luminou de prazer e surpresa. “Veremos você quando nos encontrarmos novamente,” ela disse.

John Rowlands falou, quando estava ligando o carro no portão da fazenda, “Ela adora você, sua tia.”

Will segurou a porta aberta para que Pen subisse; o cão pulou por cima do assento na traseira, e ficou deitado no chão docilmente.

“Eu também gosto muito dela. E minha mãe também.”

“Então tenha cuidado, está certo?” Rowlands disse. Seu rosto moreno marcado estava livre de qualquer expressão, mas as palavras t inham força. Wil l olhou para ele de maneira um pouco fria.

“O que você quer dizer?”

“Bem,” Rowlands disse cuidadosamente, virando a Land-Rover para dentro da estrada. “Não tenho muita certeza do que está acontecendo ao nosso redor, Will bach , ou

71

Page 82: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

para onde isso está levando. Mas aqueles homens que sabem tudo sobre a Luz também sabem que há uma ferocidade em seu poder, como a espada nua da lei , ou o queimar branco do sol.” De repente sua voz soou muito forte para Will , e muito Galesa. “Quer dizer, bem em seu núcleo. Outras coisas, como humanidade, piedade, e caridade, que a maioria dos homens bons consideram mas preciosas do que todo o resto, elas não vêem em primeiro lugar para a Luz. Oh, às vezes elas estão ali ; com freqüencia, com certeza. Mas na longa corrida a preocupação das pessoas é com o Deus absoluto, diante de tudo mais. Vocês são como fanát icos. Seus mestres, de qualquer modo. Como os ant igos Cruzados – oh, como certos grupos em toda crença, embora essa não seja uma questão de religião, é claro. No centro da Luz há uma fria chama branca, do mesmo modo como no centro do Escuro há um grande buraco negro sem fundo como o Universo.”

Sua voz calorosa e profunda cessou, e houve apenas o rugido do motor. Will olhou acima dos campos cinzentos pela névoa, em si lêncio.

“Esse foi um longo discurso,” John Rowlands falou sem jei to. “Mas eu só estava dizendo, tenha cuidado para não esquecer que há pessoas nesse vale que podem ser feridas, mesmo perseguindo boas causas.”

Will ouviu novamente em sua mente o grito angust iado de Bran quando o cão Cafal l foi morto com um t iro, e ouviu sua fr ia rejeição: vá embora, vá embora.. . E por um segundo outra imagem, inesperada, surgiu em sua mente vinda do passado: o forte rosto magro de seu mestre Merriman, o primeiro dos Antigos Escolhidos, fr io ao julgar uma figura muito querida que, através da fragi lidade de não ser mais do que um homem, uma vez havia traído a causa da Luz.

Ele suspirou. “Entendo o que está dizendo,” ele falou com tr isteza. “Mas você nos julga mal , porque você mesmo é um homem. Para nós, só há o destino. Como um trabalho a ser fei to. Nós estamos aqui simplesmente para salvar o mundo do Escuro. Não se engane, John, o Escuro está se erguendo, e vai tomar conta do mundo muito em breve se nada ficar em seu caminho. E se isso por acaso acontecer, então nunca mais haverá quest ionamento, para ninguém, seja sobre a calorosa caridade ou sobre o frio do bem absoluto, porque nada existi rá no mundo ou nos corações dos homens exceto aquele buraco negro sem fundo. A caridade, a piedade e o humanitarismo são para vocês, são as únicas coisas pelas quais os homens existem juntos em paz. Mas nesse caso difícil em que nós da Luz estamos envolvidos, confrontando o Escuro, não podemos fazer uso algum dessas coisas. Estamos travando uma guerra. Estamos lutando pela vida ou morte – não por nossa vida, lembre-se, uma vez que não podemos morrer . Pelas suas.”

Ele esticou sua mão para t rás, por cima do assento, e Pen a lambeu com sua macia língua molhada.

“Às vezes,” Will disse lentamente, “nesse tipo de guerra, não é possível fazer uma pausa, para suavizar o caminho para um ser humano, porque até mesmo essa pequena coisa poderia significar um fim do mundo para todos os outros.”

Uma chuva f ina começou a embaçar o pára-brisas. John Rowlands ligou os limpadores, olhando em frente para o mundo cinza enquanto dir igia. Ele disse, “Esse é um mundo fr io no qual você vive, bachgen . Eu mesmo não penso tão adiante. Eu me preocuparia com o ser humano acima de todas as regras, o tempo todo.”

Will afundou em seu assento, se enrolando em uma bola, erguendo seus joelhos. “Oh, eu também,” ele falou de modo triste. “Eu também, se eu pudesse. Isso faria com que eu me sentisse muito melhor por dentro. Mas isso não funcionaria.”

Atrás deles, Pen se levantou inesperadamente, latindo. Will se desenrolou como uma cobra assustada; John Rowlands pisou no freio, derrapando, e falou rápido e baixo com o cão em Galês. Mas Pen ainda continuava de pé na traseira da Land-Rover imóvel como um cão empalhado, lat indo furiosamente, e no momento seguinte, como se est ivesse observando alguma coisa fora de si mesmo, Will sent iu seu próprio corpo f icar

72

Page 83: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

r ígido quando sentiu a mesma força. Suas unhas enterraram-se nas palmas de suas mãos.

John Rowlands não parou o carro, embora t ivesse diminuido a velocidade. Ele deu uma olhada para o terreno lamacento por sua janela, através da neblina, e acelerou novamente. Em um momento ou dois Will sentiu a tensão sair de seus menbros, e se encostou no assento, ofegando. O cão parou de lat ir , e em súbito silêncio f icou deitado no chão tranqüilamente como se nunca t ivesse se mexido.

Rowlands falou, com dureza em sua voz profunda, “Acabamos de passar pela casa. A casa vazia, onde perdemos a ovelha.”

Will não disse nada. Sua respiração estava vindo rápida e superficial, como tinha acontecido quando estava se recuperando do pior momento de sua doença, e ele encolheu os ombros e curvou sua cabeça sob o violento peso do poder do Rei Cinzento.

John Rowlands dir igiu mais rápido, lançando o forte carro fazendo curvas cegas. A estrada serpenteava através do vale; grandes ladeiras novas se erguiam em seu lado leste, subindo até o céu cinza e vazio, cheias de pedras t raiçoeiras. Por tada parte elas se elevavam sobre os tranqüilos campos verdes, dominantes, ameaçadoras. E então f inalmente surgiram sinais de estradas laterais , e casas de telhado cinza espalhadas, e diante deles, quando Rowlands reduziu ao chegar em um cruzamento. Will viu o lago Tal y Llyn.

Sua tia o t inha chamado de lago mais adorável em Gales, mas estando escuro al i na manhã cinzenta, ele era mais sinistro do que adorável . Um sua superfície negra imóvel nenhuma onda se movia. Ele enchia o chão do vale. Acima dele subiam as primeiras ladeiras de Cader Idris, a montanha do Rei Cinzento, e além, no lado mais distante do vale, uma passagem conduzia através das colinas – para longe, Will sentiu, em direção ao f im do mundo. Agora ele havia recuperado seu controle, mas podia sentir a tensão agitando em sua mente. O Rei Cinzento havia sentido sua aproximação, e a consciência de sua furiosa host i l idade foi tão clara como se t ivesse sido gri tada bem alto. Wil l sabia que não levaria muito tempo antes que um dos vigias, um peregrino fez uma curva bem alto sobre as ladeiras, t ivesse uma clara visão dele. Então ele não sabia o que aconteceria.

John Rowlands virou a Land-Rover descendo por uma tri lha acidentada, longe do lago, e em pouco tempo eles chegaram até uma fazenda enfiada sob as ladeiras mais baixas de Cader Idris. Wil l sal tou para abrir e fechar o portão, e enquanto caminhava subindo no terreno da fazenda ele viu um homem pequeno in a flat cap sair da casa para receber o carro. Cães estavam latindo. Ele conseguiu ver um deles esperando um pouco mais afastado onde o fazendeiro o tinha deixado: um cão pastor um pouco menor do que Pen, mas com exatamente o mesmo pelo negro, e a mancha branca debaixo do queixo.

Rowlands iniciou uma animada conversa em Galês enuanto Will se aproximava deles. “Idris, esse é um novo ajudante que eu tenho – o sobrinho de David Evans, Will , da Inglaterra.”

“Como vai você, Sr. Jones,” disse Will .

Idris Jones Ty-Bont piscou para ele quando apertavam as mãos; ele t inha olhos escuros enormes e particularmente sal ientes que o faziam parecer desconcertantemente com um bebê. “Como vai , Wil l? Ouvi dizer que esteve se divertindo com nosso amigo Caradog Prichard.”

“Todos est ivemos,” John Rowlands disse de modo assustador. Ele deu um assobio por cima de seu ombro, e Pen sal tou para fora do carro, olhou para cima como se estivesse procurando permissão para part ir , e trotou para encontrar o outro cão negro. Eles giraram ao redor um do outro cordialmente, sem lat ir .

“A Lala ali é irmã dele, acredite ou não,” Idris Jones falou para Will . “Eles vieram

73

Page 84: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

da mesma ninhada, over Dinas way. Faz algum tempo, hein, John? Agora vamos entrando, Megan acabou de fazer chá.”

Na calorosa cozinha, com a vigorosa e sorridente Sra. Jones que t inha quase duas vezes o tamanho de seu marido, o cheiro de bacon fr itando deixou Will faminto de novo. Ele se encheu alegremente com dois ovos fri tos, dois pedaços grossos de bacon curado em casa, e biscoitos Galeses quentes, como panquecas em miniatura, cobertos de groselha. A Sra. Jones começou a conversar instantaneamente com John Rowlands em um alegre Galês f luente, parecendo quase nunca tomar fôlego, ou dar caminho para uma frase ou duas na voz suave de seu marido, ou na voz profunda de Rowlands. Claramente ela estava adorando transmit ir toda a fofoca local , e absorver um pouco que pudesse emanar de Clwyd. Will , cheio de bacon e contente, quase tinha deixado de prestar atenção quando viu John Rowlands, escutando, mostrar um repentino sobressal to e sentar mais para frente, t i rando seu cachimbo da boca.

Rowlands disse, em Inglês, “Você disse, lá em cima do lago, Idris?”

“Isso mesmo,” disse o Fazendeiro Jones, obedientemente trocando de língua com um rápido sorriso para Will . “Lá em cima em uma sal iência. Não tive chance de chegar muito perto, pois estava correndo atrás de minhas próprias ovelhas, mas tenho quase certeza de que era uma ovelha Pentref. Não estava morta por muito tempo, eu acho, as aves ainda não estiveram muito tempo em cima dela – talvez um dia ou dois. O que me interessou foi o sangue no pescoço. Era bastante velho, muito escuro, deve ter estado na lã muito antes da ovelha ter estar morta. E para uma ovelha que já deveria estar ferida, aquela ladeira era um diabo de lugar muito engraçado para i r. Bem, vou mostrar mais tarde.”

Will e John Rowlands olharam um para o outro.

“Você acha que é aquela ovelha?” Will disse. “Aquela que desapareceu?”

“Acho que deve ser ,” John Rowlands disse.

Mas mais tarde, quando Idris Jones os levou para ver a ovelha, ele não deixaria Will chegar perto o bastante para ver.

“Não é uma visão agradável, bachgen ,” ele disse, olhando em dúvida para Will e colocando novamente o cap em sua cabeça. “Quando os corvos estiveram sobre ela por um dia ou dois, uma ovelha f ica uma coisa horrível , se não est iver acostumado com isso.. . espere aqui um minuto ou dois, nõs voltaremos logo.”

“Está certo,” disse Will , resignado. Mas quando os dois homens seguiram subindo o escarpado lado escorregadio da montanha, ele sentou depressa em um súbito ataque de tontura, e percebeu que certamente não teria sido uma boa idéia ter ido mais longe. Eles estavam sobre uma ladeira que se erguia acima do lago, uma larga curva de pedregulhos desprotegida e pouca grama quebrada por protuberâncias e afloramentos de granito. Mais adiante descendo o vale, a montanha estava coberta por escuras f lorestas de árvores de abeto, mas aqui a terra era aberta, inóspita. A ovelha morta jazia em uma plataforma que para Will parecia totalmente inacessível ; bem alto acima de sua cabeça ela se projetava da montanha, e o patético amontoado branco sobre ela não estava visível de onde ele sentava. Ele também não podia ver John Rowlands e Idris Jones, subindo bem al to com os dois cães negros.

Duzentos pés abaixo estava o lago, sua calmaria quebrada apenas por um pequeno bote se movendo preguiçosamente saindo do pequeno hotel de pescadores que estava aninhado sob as montanhas no lado oposto. Wil l não conseguiu ver nenhum outro sinal de vida em qualquer outra parte no resto do lago, ou nos dois lados do vale. Agora a terra parecia mais branda, com cores sut is em toda parte, pois o sol estava atravessando de modo intermitente entre nuvens que desl izavam.

74

Page 85: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Então houve um barulho de movimento acima dele, e John Rowlands veio descendo a ladeira íngreme, plantando seus calcanhares fi rmemente na argila sobre a grama fina. Idris Jones e os cães o seguiam. O rosto marcado de Rowlands estava gél ido.

Ele disse, “Essa é a mesma ovelha. Wil l . Mas como ela conseguiu sair daquela casa e chegar aqui em cima está além de mim. Não faz sentido algum.” Ele olhou para Idris Jones por cima do ombro, que estava balançando sua cabeça semelhante a de um pássaro com nervosismo. “Nem para Idris. Eu contei para ele a história.”

“Oh,” Will disse t ristemente, agora sem se preocupar em disfarçar, “na verdade isso não foi muito complicado. A milgwn a levou.”

Ele viu com o canto do olho que Idris Jones Ty-Bont ficou imóvel de repente, em cima da ladeira, olhando para ele. Evitando os olhos do fazendeiro, ele sentou ali segurando seus joelhos contra seu pei to, e olhou para John Rowlands de modo despreocupado pela primeira vez, não com os olhos de um garoto mas com os de um Antigo Escolhido. O tempo estava f icando curto, e ele estava cansado de f ingir.

“O rei das milgwn,” ele disse. “O chefe das raposas de Brenin Llwyd. Ele é o maior de todas elas, e o mais poderoso, e seu mestre deu a ele o poder para fazer muitas coisas. Ele ainda não é mais do que uma criatura, mas ele não é de jei to nenhum.. . comum. Por exemplo, agora nesse momento ele está exatamente da cor de Pen, de modo que seria dif íci l para qualquer homem que, com seus próprios olhos, visse ele atacando uma ovelha, não pensar com certeza que foi Pen que ele estava vendo.”

John Rowlands estava olhando para ele, seus olhos escuros bri lhantes como pedra polida. Ele disse lentamente, “E talvez antes disso ele pudesse ter ficado exatamente da cor de Cafal l , e assim também qualquer um poderia ter pensado. . .”

“Sim,” Will disse. “Eles poderiam.”

Rowlands balançou sia cabeça abruptamente como que para ti rar um peso dela. “Acho que está na hora de descer dessa montanha, garoto Idris,” ele disse fi rmemente, fazendo Will se levantar.

“Sim,” Idris Jones falou depressa. “Sim, sim.” Ele os seguiu, parecendo totalmente confuso, como se t ivesse acabado de ouvir uma ovelha lati r como um cão e estivesse tentando encontrar um jeito de acreditar no que t inha ouvido.

Os cães trotaram na frente deles, agora se virando de modo protetor para ter certeza de que eles estavam seguindo. John Rowlands logo sol tou Will para que ele caminhasse sozinho, pois em fi la simples era o único modo possível de descer o ondulante caminho escarpado, fei to pelas ovelhas e raramente usado por homens. Will estava na metade do caminho descendo até o lago antes que caísse.

Ele jamais conseguiria explicar , mais tarde, como tropeçou. Só poderia ter di to, muito simplesmente, que a montanha balançou – e não poderia esperar que nem mesmo John Rowlands, no alto de sua confiança, pudesse acreditar nisso. Porém, a montanha realmente balançou, através da malícia de seu mestre o Brenin Llwyd, sendo que um pedaço do caminho sob os pés de Will pulou perceptivelmente para um lado e voltou, como um gato arqueando sua costa, e Will só viu isso com horror no momento que perdeu o equilíbrio e rolou descendo. Ele ouviu os homens gri tarem e percebeu uma movimentação quando Rowlands mergulhou para agarrá-lo. Mas ele já estava rolando, batendo, e foi apenas uma plataforma de granito, projetando-se como a plataforma na qual eles t inham encontrado a ovelha morta, que o impediu de descer rolando todos os cem pés até a borda dolago. Ele bateu com força contra a pedra irregular, e gri tou de dor quando uma flecha de fogo pareceu at ingir queimando seu braço esquerdo. Mas a pedra o salvou. Ele ficou parado.

De modo genti l como uma mãe, John Rowlands verificou o osso do braço dele. Seu

75

Page 86: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

rosto estava com uma cor estranha, onde o sangue havia desaparecido sob o bronzeado. “Duw ,” ele falou depressa, “você tem sorte, Wil l Stanton. Vai doer bastante pelos próximos dias, mas tanto quanto posso dizer , não está quebrado em parte alguma. E ele poderia muito bem estar em pedaços.”

“E o garoto no fundo do Llyn Mwyngil!” Idris Jones falou trêmulo, se levantando e tentando recuperar o fôlego perdido. “Como diabos você conseguiu cair desse jeito, bachgen? Não estávamos indo tão rápido, mas você caiu com tanta velocidade. . .” Ele assobiou levemente, e t i rou seu cap para enxugar sua testa.

“Com cuidado,” disse John Rowlands, colocando Will de pé cuidadosamente. “Agora você está bem para caminhar? Não está ferido em mais nenhum lugar?”

“Eu vou ficar bem. De verdade. Obrigado.” Will estava tentando olhar para Idris Jones. “Sr. Jones? Do que foi que você chamou o lago?”

Jones olhou para ele inexpressivo. “O que?”

“Você disse, o garoto deveria estar no fundo do lago. Não disse? Mas não disse Tal y Llyn, você o chamou por algum outro nome. Llyn alguma coisa.”

“Llyn Mwyngil . Esse é o nome correto, o ant igo nome Galês.” Jones estava olhando para ele com uma espécie de surpresa confusa, claramente suspei tando que a queda havia at ingido Will na cabeça. Ele adicionou distraidamente, “É um bom nome mas não muito usado esses dias, nem mesmo no Serviço Oficial de Topografia. . . como Bala também. Ele deveria ser Llyn Tegid com sempre foi , mas agora não o chamam mais assim em lugar algum e apenas chamam de Lago Bala.. .”

Will disse, “Llyn Mwyngil , o que isso signif ica em Inglês?”

“Bem.. . o lago no lugar confortável. Retiro Confortável . Que seja.”

“O lago confortável,” Will disse. “Não me admira eu ter caído. O lago confortável.”

“Sim, você poderia colocar isso desse modo, l ivremente, eu acho.” Idris Jones recompôs sua mente de repente e se virou angust iado. “John Rowlands, qual é o problema com esse garoto maluco que você encontrou, que f ica parado aqui em cima falando semânticas em uma montanha, quando esteve perto de quebrar seu pescoço? Desça ele até a fazenda antes que ele tenha um ataque e comece a speaking with tongues.”

A risada profunda de John Rowlands mostrava al ívio. “Vamos lá, Will .”

A rechonchuda Sra. Jones tagarelou preocupada sobre Will e colocou uma compressa fria em seu antebraço. Ninguém ouviria falar dele fazendo alguma coisa, ou indo a qualquer lugar. Os raios de sol i rregulares agora estavam mais quentes, e Will não achou desagradável dei tar suas costas na gramaperto da casa de fazenda, com o nariz frio de Pen tocando em seu ouvido, e observar as nuvens desl izando pelo céu azul pál ido. John Rowlands decidiu que iria até Abergynolwyn, que ficava próxima, para buscar a spark plug que Rhys queria da garagem de lá. Idris Jones descobriu negócios que significavam que ele deveria ir também. Os dois anunciaram firmemente que Will deveria ficar com a Sra. Jones e os cães, e descansar. Ele sentiu que eles mesmos ainda estavam se recuperando de sua queda, tratando ele como uma frági l peça de porcelana chinesa que, desde que tinha sobrevivido magicamente sem quebrar, deveria ser colocada muito cuidadosamente em uma prateleira e não ser tocado por um especial espaço de tempo.

A Land-Rover se afastou com os dois homens. A Sra. Jones fazia barulho andando para frente e para trás até que estivesse sat isfei ta consigo mesma de que Will não est ivesse sentindo dor, ou qualquer agonia, e então saiu e sentou-se para fazer um bolo em sua cozinha.

76

Page 87: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Por algum tempo Will ficou sentado brincando ociosamente com os cães, pensando no Rei Cinzento em uma mistura de breve triunfo, ressentimento, agressividade, e nervosismo pelo que poderia acontecer a seguir. Pois agora não havia como escapar. Ele soube, de algum modo, até mesmo quando tinham saído naquela manhã. Seu caminho jazia f irmemente através do centro de Brenin Llwyd. No lago agradável jazem os Adormecidos. . . No caminho de Cadfan onde gri tam os falcões. . . Nunca havia lhe ocorrido seguir a rota mais simples saindo do enigma, e seguir andando pelo Caminho de Cadfan até que ele o levasse a um lago. Mas no f inal não faria diferença. Mais cedo ou mais tarde ele teria vindo até aqui , até Tal y Llyn, Llyn Mwyngil , o lago no lugar confortável sob a sombra do Rei Cinzento.

Levando Pen com ele, e deixando para trás uma paciente Lala resignada, ele passeou além do portão da fazenda e saiu descendo a rua cercada. Algumas amoras silvestres pendiam sobre o banco gramado, e uma pequena cotovia cantava por t rás da cerca; quase poderia ser verão. Mas embora o sol bri lhasse, na distância sobre os arbustos Will podia ver neblina ao redor dos picos de Cader Idris.

Ele estava em um suspenso estado de mente sonhador, parcialmente por causa da aspir ina para a dor em seu braço que a Sra. Jones tinha fei to ele tomar, quando de repente ele viu um garoto surgir descendo a rua na direção dele em uma bicicleta. Wil l pulou para um lado. Houve o barulho de freios, um monte de poeira, e o garoto caiu em uma confusão de pernas e rodas girando do outro lado da rua. His cap caiu e Will viu o cabelo branco. Era Bran.

Seu rosto estava úmido de suor; sua camisa colada em seu peito, e sua respiração vindo em grandes baforadas. Ele não teve tempo para saudação, ou explicação.

“Will - Pen – leve ele para longe daqui , esconda-o! Caradog Prichard descobriu. Ele está vindo. Ele está louco, jura que vai matar Pen aconteça o que acontecer, e ele está a caminho daqui agora, com sua arma. . .”

77

Page 88: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Dois: Os Adormecidos

The Warestone

Bran ficou de pé, ret irando a poeira e a grama.

Will olhou para ele. “Você veio de bicicleta o caminho todo desde Clwyd?”

Bran balançou a cabeça confirmando. “Caradog Prichard apareceu rugindo em sua van essa manhã, procurando por Pen. Ele está decidido em at irar nele. Fiquei apavorado, Will . A aparência dele, não é de um homem de jei to nenhum. E acho que ele esteve caçando John Rowlands e Pen a noite toda, ele estava com aparência horrível, e não fez a barba.” Agora sua respiração estava f luindo com mais normalidade. Ele pegou sua bicicleta. “Vamos lá. Rápido!”

“Para onde devemos ir?”

“Não sei. Qulquer lugar. Apenas para longe daqui .” Ele enfiou sua bicicleta por cima do banco que margeava a rua pela esquerda, e os conduziu através de arbustos e árvores na direção do terreno pantanoso que estendia-se de volta descendo o vale, para longe do lago.

Will cambaleou atrás dele, com Pen ao seu lado. “Mas ele sabe mesmo que estamos aqui? Não poderia saber.”

“Essa é a única parte que não entendo,” Bran disse. “Ele estava tendo uma grande discussão com seu primo Rhys, sobre onde estava Pen, e de repente ele parou no meio da conversa e ficou muito quieto. Foi quase como se ele estivesse escutando. Então ele falou, sei para onde eles foram. Foram para o lago. Simplesmente assim. Rhys tentou convencê-lo a esquecer isso, mas não acho que tenha funcionado. De algum jei to Prichard simplesmente sabia. Tenho certeza que ele está a caminho de Ty-Bont. Pen! “Ei!” Ele assobiou, e o cão parou logo em frente, esperando por eles.

Agora eles estavam andando em chão que se elevava, através de samambaia na al tura da cintura, em um caminho de ovelhas que ondulava.

“Então como você chegou aqui antes dele?” disse Will .

Bran olhou por cima do ombro com um rápido sorriso; ele havia se movido adiante no caminho, empurrando sua bicicleta. Alguma coisa parecia ter fei to com que ele abandonasse a imagem de desespero que Will t inha visto no dia anterior .

“Caradog Prichard não ficará muito fel iz com isso,” Bran disse solene. “Eu t inha minha faca em meu bolso, e aconteceu de estar passando perto de sua van quando ele não estava olhando, e eu enfiei ela no seu pneu traseiro, e dei uma boa sacudida. E quando fiz isso enfiei no seu pneu reserva também. Você sabe como ele tem o pneu reserva preso no lado da van? Isso é um erro, ele deveria manter ele do lado de dentro.”

A tensão dentro de Will foi l iberada como uma mola que fosse l iberada, e ele começou a ri r. Uma vez que t inha começado, foi difícil parar. Bran fez uma pausa, sorrindo, e então o sorriso se t ransformou em um risada e em pouco tempo eles estavam tremendo de tanto ri r, vibrando, cambaleando, agarrando-se um no outro, em uma louca gargalhada de fel icidade com o cão Pen saltando ao redor deles com alegria.

“Imagina só a cara dele,” Will suspirou, “quando sair com a van e puf! O pneu

78

Page 89: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

baixar, e ele sair furioso e o trocar, e sair correndo de novo, e puf. . .”

Eles começaram a rir de novo, gargarejando.

Bran t irou seus óculos escuros e os esfregou. “Mas preste atençao,” ele disse, “a longo prazo isso vai deixar tudo pior, porque ele vai saber muito bem que alguém cortou seus pneus de propósito, e isso simplesmente vai deixar ele mais louco do que nunca.”

“Valeu a pena,” Will disse. Controlado novamente, mas alegre, ele deu uma olhada de lado meio t ímida para Bran. “Ei ,” ele falou. “Foi muito legal de sua parte você vir aqui, considerando tudo.”

“Oh, bem,” Bran disse. Ele colocou os óculos de novo, tornando-se mais uma vez insondável; seu cabelo branco estava colado em sua testa em linhas úmidas escurecidas. Ele pareceu estar prestes a dizer mais alguma coisa, mas mudou de idéia. “Vamos lá!” ele disse; sal tou sobre a sua bicicleta e começou a pedalar erraticamente pelo caminho que serpenteava pela samambaia.

Will começou a correr. “Para onde estamos indo?”

“Só Deus sabe!”

Eles seguiram correndo em uma perseguição lunát ica e alegre pelo vale: sobre ladeiras abertas, descendo em buracos; subindo em ridges, entrando e saindo em meio a rochas com líquen; através de grama, samambaia, urze e tojo, e muitas vezes, sobre terreno mais úmido perto de uma das pequenas correntes que elimentavam o r io por juncos e folhas de íris. Eles t inham seguindo um longo caminho desde o lago; agora essa era a terra do vale principal, terra de pasto aberta, fundindo-se com os campos aráveis de Clwyd e a Fazenda Prichard mais distante descendo, passando pelas col inas.

De repente Bran derrapou, balançando para o lado. Achando que ele t inha caído. Will foi ajudar, mas Bran agarrou seu braço e apontou ansioso do outro lado do terreno pantanoso. “Bem ali! Na estrada! Tem uma curva descendo um longo caminho onde você pode ver carros vindos, antes que cheguem aqui – Tenho quase certeza que acabei de ver a van de Prichard!”

Will agarrou Pen pela coleira e olhou ao redor rapidamente. “Temos que nos esconder – atrás daquelas pedras al i?”

“Espere! Eu sei onde estamos! Tem um lugar melhor, logo aqui em cima – vamos lá!” Bran saiu de novo. O grande cão pastor escorregou da mão de Will e seguiu atrás dele. Wil l correu. Eles deram a volta em um grupo de árvores próximas, e ali além delas estava o bri lho de rocha cinza e ardósia, por t rás de uma baixa parede em ruinas. A casa parecia bastante diferente por t rás. Will não a reconheceu até que fosse tarde demais. Bran t inha corrido para dentro, escancarando a porta de trás quebrada, antes que ele pudesse gri tar para avisá-lo, e então não houve al ternativa a não ser seguir atrás dele.

Despido aos olhos do Rei Cinzento, sentindo a força do Escuro fazendo pressão de modo súbito e forte sobre ele como uma gigantesca mão, ele cambaleou atrás do cão e do garoto de cabelo branco para dentro da casa da qual a milgwn t inha roubado a ovelha ferida, a casa onde Owen Davies t inha lutado com Caradog Prichard pela mulher que havia gerado e abandonado Bran; a casa assombrada, agora mais do que nunca, pela malícia do Escuro que se erguia.

Mas Bran, encostando sua bicicleta contra uma parede, estava lúcido e i leso. “Isso não é perfeito? É uma velha cabana de pastor, ninguem a usou faz anos. . . rápido, bem aqui – mantenha sua cabeça abaixada. . .”

Eles se agacharam ao lado da janela. Pen dei tado quieto ao lado deles, e viram através do buraco com bordas irregulares a pequena van cinza passando a talvez

79

Page 90: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

cinqüenta jardas de distância na estrada. Prichard estava dir igindo lentamente. Eles podiam ver ele olhando de um lado para o outro, varrendo a área. Ele olhou sem curiosidade alguma para a casa, e seguiu em frente.

A van desapareceu pela estrada para Tal y Llyn. Bran se encostou contra a parede. “Uau! Sorte!”

Mas Will não estava prestando atenção alguma. Estava ocupado demais em proteger sua mente da furiosa malevolência do Rei Cinzento. Ele disse entre os dentes, as palavras saindo lentas e arrastadas, “Vamos. . . cair . . . fora. . . daqui . . .”

Bran olhou para ele, mas não fez perguntas. “Tudo bem. Tyrd yma , Pen.” Ele se virou para o cão, e de repente sua voz se elevou como o vento nos fios. Pen! O que é isso? Olha pra ele. Will!”

O cão estava deitado sobre o etômago, suas quatro patas est icadas abertas, sua cabeça abaixada para o lado encostada no chão. Foi horrível, não natural ; uma posição impossível para qualquer criatura viva normal. Um leve choramingo assobiante saiu de sua garganta, mas ele não se moveu. Era como se pregos invisíveis o mantivessem colado contra o chão.

“Pen!” Will disse com horror. “Pen!” Mas não conseguiu erguer a cabeça do cão. O animal não estava paral isado por qualquer circunstância natural. Somente um encantamento poderia pressioná-lo com tanta força na terra que nenhuma mão viva poderia movê- lo.

“O que é isso?” Havia medo no rosto de Bran.

“Isso é o Brenin Llwyd,” Will falou. Seu tom pareceu mais profundo do que antes para Bran, mais ressonante. “Isso é o Brenin Llwyd, e ele esqueceu a barganha que fez quando conversamos ontem. Esqueceu que me deu uma noite e um dia.”

“Você conversou com ele?” Bran ouviu sua voz sair em um sussurro quebrado, e ele se agachou al i imóvel ao lado da janela.

Mas novamente Will não estava prestando atenção. Ele falou para si mesmo, com essa mesma voz estranha. “Está sendo enviado não a mim e sim para o cão. Então, é indireto, um disposit ivo. Eu acho.. .”

Ele parou súbitamente e olhou para Bran, apontando um dedo para ele e fazendo um alerta, “Você pode me observar se quiser, embora fosse melhor que não o fizesse, mas não deve dizer nada, e nem fazer movimento algum. Nenhum.”

“Está certo,” Bran disse.

Ele observou, agachando-se no sujo chão quebrado em um canto, e ele viu Will se mover para o meio da sala, para f icar ao lado do cão horrivelmente prostrado.

Will se curvou e pegou um pedaço quebrado de madeira dos detri tos que estavam espalhados por toda parte, resul tado de anos vazios. Ele o encostou no chão diante de seus pés e, girando, desenhou um círculo ao redor de Pen e dele mesmo no chão com a ponta do bastão. Onde o círculo foi desenhado, brotou um anel de chama azul , e quando ele estava completo Will relaxou e ficou bem ereto, como alguém livre de um grande peso que estivesse empurrando ele para baixo. Ele ergueu o bastão vert icalmente no ar acima de sua cabeça, de modo que ele tocou o teto baixo, e ele disse algumas palavras em uma l inguaguem que Bran não entendeu.

A casa pareceu começar a ficar muito escura, sendo que os olhos fracos de Bran, piscando, não conseguiam ver nada a não ser o anel azul de fogo fr io e a forma de Will sombreada no meio dele. Mas então ele viu que outra luz estava começando a brilhar na sala: uma pequena centelha azul , em algum lugar no canto mais distante, ficando mais

80

Page 91: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

brilhante de modo constante até que ardia com tal intensidade que ele foi forçado a olhar para longe.

Will disse alguma coisa, concentrado e furioso, na linguagem que Bran não conseguia entender. O círculo de chamas azuis cinti lou alto e então baixo, alto e baixo, alto e baixo, três veses, e então de repente se apagou. Instantaneamente a casa estava cheia de luz do dia novamente, e a bri lhante estrela de luz não podia ser vista em lugar algum. Bran sol tou um longo e baixo suspiro, olhando pela sala para tentar ver para onde a luz tinha ido. Mas agora a sala pareceu tão diferente e comum que ele não poderia dizer . Nem poderia imaginar onde o círculo havia sido desenhado, embora soubesse que ele est ivera ao redor de Will .

Wil l , parado al i , era a única coisa na sala que absolutamente pareceu não ter mudado, naquele segundo – e mesmo ele agora parecia diferente mais uma vez, um garoto como havia sido, mas olhando pelo chão irri tado como se estivesse procurando por uma bola de gude errante que t ivesse rolado para longe.

Ele olhou para Bran e disse de mal-humor, “Venha olhar para isso.” Então sem esperar, enquanto Bran se levantava nervosamente, ele atravessou até o canto mais distante da sala, se agachou, e começou a remexer em uma pequena pi lha de pedaços de pedra que estava al i , espalhados aleatoriamente e sujas, entre os detr i tos. Empurrando-os para o lado, ele l impou um espaço no qual uma pequena pedra branca jazia sozinha. Ele disse para Bran, “Pegue-a.”

Confuso, Bran se est icou e pegou a pedra. Mas descobriu que não conseguia erguê-la. Ele tentou com seus dedos. Ele ficou de pé, curvou as pernas, e tentou novamente erguê-la do chão. Ele olhou para a pedra, e então para Will .

“Ela faz parte do piso. Deve ser .”

“O piso é fei to de ardósia,” Will disse. Ele ainda pareceu zangado, quase petulante.

“Bem.. . s im. Não tem pedras na ardósia, é verdade. Mas do mesmo jei to ela está presa, de algum modo. Pedaço de quartzo. Não vai se mover.”

“É uma warestone,” Will falou, agora sua voz estava suave, e cansada. “A consciência do Rei Cinzento. Eu devia ter imaginado. Elá é, nesse lugar, seus olhos, seus ouvidos e sua boca. Através dela – apenas pelo fato dela estar al i – ele não apenas sabe tudo que acontece nesse lugar , como pode enviar seu poder para fazer algumas coisas. Apenas algumas coisas. Não qualquer magia muito grande. Mas, por exemplo, ele é capaz de paralisar Pen ali de modo que não podemos ser mais capazes de mover ele do que somos de mover a própria warestone.”

Bran se ajoelhou em agonia ao lado do cão, e acariciou a cabeça encostada de modo tão estranho contra o chão. “Mas se Caradog Prichard nos seguir até aqui – ele pode, seus cães podem – então ele simplesmente vai at irar em Pen ali mesmo onde ele está dei tado. E não poderemos fazer nada para impedir .”

Will falou com tr isteza, “Essa é a idéia.”

“Mas Will , isso não pode acontecer. Você tem que fazer alguma coisa!”

“Só tem uma coisa que eu posso fazer,” disse Will . “Embora obviamente eu não possa dizer a você o que é, com aquela coisa al i . Isso signif ica que terei que pegar emprestada sua bicicleta. Mas não tenho certeza se você deveria f icar aqui sozinho.”

“Alguém tem que ir . Não podemos deixar Pen desse jei to. Não sozinho.”

“Eu sei . Mas a warestone.. .” Will olhou para a pedra como se ela fosse alguma criança pequena irr i tante sentada al i agarrada em um objeto precioso demais para que ela

81

Page 92: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

est ivesse segurando. “Não é uma arma particularmente poderosa,” ele disse, “mas é uma das mais antigas. Todos nós usamos elas, tanto a Luz quanto o Escuro. Existe regras, de certo modo. Na verdade nenhum de nós pode ser afetado por uma warestone – apenas observado. Aquela pedra desgraçada pode dar ao Rei Cinzento uma idéia do que eu faço e digo aqui . Uma idéia geral, como uma imagem – ainda bem que não é tão específica como uma televisão. Ela não pode fazer nada para me ferir , ou para impedir que eu faça o que eu quiser fazer – a não através do controle que possui sobre objetos. Quero dizer, na prática ela não pode me afetar, porque sou um Antigo Escolhido, mas ela pode transmit ir o poder do Escuro – ou da Luz, se por acaso ela pertencesse a um Antigo Escolhido – para afetar homens, animais, e coisas da terra. Ela pode impedir que Pen se mova, e então me impedir de movê- lo. Você entende? Sendo assim, se você ficar aqui, não há como saber exatamente o que ela pode fazer com você.”

Bran falou obst inado: “Não me importo.” Ele sentou de pernas cruzadas ao lado do cão. “Ela pode me matar , não pode?”

“Oh, não.”

“Bem, então. Eu vou ficar . Vá em frente, leve a bike.”

Will assentiu, como se isso fosse o que ele estivesse esperando. “Voltarei o mais rápido que puder. Mas tome cuidado. Fique bem atento. Se algo acontecer, será do jeito que você menos espera.”

Então ele havia saido pela porta, e Bran foi deixado na casa com o cão pressionado impossivelmente espremido contra o chão de ardósia por um forte vento invisível , olhando para uma pequena pedra branca.

“Bom dia, Sra. Jones. Como você está?”

“Bem, obrigada, Sr. Prichard. E você?”

O rosto gorducho pál ido de Caradog Prichard estava bri lhando de suor. A impaciência colocou de lado sua cortesia Galesa. Ele disse abruptamente, “Onde está John Rowlands?”

“John?” disse a alegre Megan Jones, esfregando mãos sujas de farinha em seu avental . “Veja só, que pena, você perdeu ele. Idris e ele foram para Abergynolwyn faz meia hora. Não voltarão até o jantar , e hoje ele será tarde. . . Você quer ver ele com urgência, é isso, Sr. Prichard?”

Caradog Prichard olhou para ela inexpressivo e não respondeu. Ele disse, com uma voz alta forte, “O cão de Rowlands está aqui?”

“Pen? Meu Deus, não,” a Sr.a Jones disse com sinceridade. “Não com John fora.” Ela sorriu amavelmente para ele. “Então, é o homem que você quer ver, ou o cão? Bem, na verdade, você é bem vindo para esperar por eles aqui, ainda que como eu disse, pode levar algum tempo. Deixa eu trazer uma xícara de chá para você, Sr. Prichard, e um bom bolo Galês fresco.”

“Não,” disse Prichard, passando sua mão distraidamente por seu espesso cabelo vermelho. “Não. . . não, obrigado.” Ele estava tão perdido em sua própria mente que pareceu malmente estar consciente da presença dela. “Vou sair até a cidade para ver se encontro eles lá. No Crown, talvez. . . John Rowlands tem alguns negócios com Idris Ty-Bont não tem?”

“Oh,” disse a Sra. Jones t ranqüilamente, “ele só está visi tando. Já que de qualquer modo t inha alguma coisa para fazer em Abergynolwyn. Só uma ligação, você sabe, Sr. Prichard. Assim como você.” Ela sorriu inocentemente para ele.

“Bem,” disse Caradog Prichard. “Muito obrigado. Adeus.”

82

Page 93: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Megan Jones olhou para ele enquanto ele virava a van cinza rapidamente e se afastava dir igindo descendo a rua. Seu sorriso desapareceu. “Não é um homem bom,” ela disse de um modo vago. “E tem alguma coisa por t rás daqueles olhos pequenos dele que nã´é boa de jeito nenhum. Foi muita sorte que o jovem Will tenha levado aquele cão para dar um passeio justo agora.”

Will pedalou forte, abençoando a estrada do vale por ser plana, deixando a bike correr apenas com o impulso somente quando seu coração parecia estar prestes a saltar de seu pei to. Ele dir igia só com uma das mãos. Não t inha falado nada a respeito de seu braço machucado, e Bran não t inha percebido, mas ele f icava doendo de modo anormal quando tocava o guidom com sua mão esquerda. Ele tentou não pensar como seria quando carregasse a harpa dourada.

Agora, essa era a única coisa a ser feita. A música da harpa era a única magia dentro de seu alcance que libertaria Pen do poder da warestone. Em todo caso, agora era a hora de levar a harpa até o lago confortável , para real izar seu objetivo mais profundo. Tudo estava se juntando, como se duas estradas levassem até a mesma passagem na montanha; ele só poderia ter esperança de que as estradas est ivessem bloqueados por algum obstáculo que pudesse manter isoladas as duas ao mesmo tempo. Dessa vez mais do que nunca, a questão de manter o Escuro afastado dependia tanto das decisões e emoções dos homens quanto da força da Luz. Talvez até mais.

Raios de sol fragmentados tremulavam entrando e saindo de seus olhos, enquanto nuvens desl izavam rapidamente pelo céu. Finalmente, ele pensou ironicamente, temos um dia bom. Suas rodas cantavam na estrada; agora ele estava quase na Fazenda Clwyd. Ele f icou imaginando como explicaria para Tia Jen a sua chegada repentina, assim como sua part ida súbita mais tarde. Provavelmente ela seria a única lá. Ela devia estar lá quando Caradog Prichard apareceu mais cedo aquela manhã, e durante a t roca de seus dois pneus muti lados. Talvez ele pudesse dizer que t inha vindo pegar alguma coisa para ajudar a t irar Prichard do rastro, para impedir que ele encontrasse Pen. . . alguma coisa que John Rowlands tinha sugerido.. . mas ele ainda teria que deixar a casa com a harpa dourada. Tia Jen não deixaria aquele objeto todo enrolado em um saco passar debaixo de seus olhos sem ao menos perguntar o que estava embrulhado al i . E que razão possível poderia alguém ter, muito menos o seu sobrinho, para não deixar ela ver?

Will desejou, não pela primeira vez, que Merriman est ivesse com ele, para al iviar tais dif iculdades. Para um Mestre da Luz, não era grande problmea transportar seres e objetos não apenas através do espaço mas também através do tempo, num piscar de olhos. Mas para o mais jovem dos Antigos Escolhidos, não importa o quanto fosse séria sua necessidade, esse era um talento grande demais.

Ele chegou até a fazenda; entrou pedalando; abriu a porta dos fundos. Mas quando ele chamou, ninguém veio. De repente ele percebeu com seu espír ito se i luminando que não tinha visto carro algum do lado de fora. Sua t ia e seu t io devem ter saído; de qualquer maneira, isso era um lance de sorte. Ele correu escada acima até o seu quarto, disse as palavras necessárias para liberar a harpa dourada da proteção, e correu descendo novamente com ela debaixo do braço, um saco formando um tosco pacote t riangular estranho. Ele estava a meio caminho até a bicicleta quando a Land-Rover entrou pelo portão fazendo barulho.

Por um segundo Will congelou em pânico; então ele caminhou lentamente, com cuidado, até a bicicleta, e a virou preparado para sair.

Owen Davies desceu do carro e ficou olhando para ele. Ele disse, “Foi você que deixou o portão aberto?”

“Oh, Deus.” Will estava realmente chocado: t inha cometido o clássico pecado de fazenda, sem ao menos perceber. “Sim, eu abri , Sr . Davies. Isso é terrível. Eu sinto muito mesmo.”

83

Page 94: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Owen Davies, ereto e sério, balançou sua cabeça coberta por um chapéu em reprovação. “Isso é uma das coisas mais importantes para lembrar, fechar qualquer portão que tenha aberto em uma fazenda. Você não sabe qual dos animais de seu t io pode ter escapulido, ele deveria ter sido mantido fechado. Sei que você é Inglês, e sem dúvida um garoto da cidade, mas isso não é desculpa.”

“Eu sei ,” Will disse. “E nem mesmo sou um garoto da cidade. Realmente sinto muito. Vou falar com Tio David.”

Pego de surpresa por essa honesta demonstração de confissão, Owen Davies emergiu abruptamente da piscina de seriedade que t inha ameaçado engolir ele. “Bem,” ele disse. “Vamos esquecer isso dessa vez, nós dois. Acho que posso dizer que não fará isso de novo.”

Seu olhar desviou um pouco para o lado. “Essa que você tem aí é a bicicleta de Bran? Ele veio com você?”

Will apertou forte entre seu cotovelo e o corpo a harpa embrulhada. “Peguei ela emprestada. Ele saiu para andar de bike, e eu estava. . . lá em cima no vale, caminhando, e eu vi ele, e pensamos que poderíamos nos divert ir fazendo voar um grande aeromodelo que eu estive fazendo.” Ele bateu no pacote debaixo de seu braço, passando ao mesmo tempo sua perna por cima do sel im da bici leta. “Então agora estou voltando. Está tudo bem? Você não precisa dele para qualquer coisa?”

“Oh, não,” Owen Davies disse. “Nada mesmo.”

“John Rowlands levou Pen para o Sr. Jones em Ty-Bont totalmente são e salvo,” Will disse alegremente. “Eu devo jantar lá , mais tarde – Sra. Jones disse – tudo bem eu levasse Bran de volta comigo também, Sr. Davies? Por favor?”

A expressão comum de alarmada decência surgiu no rosto magro de Owen Davies. “Oh, não, agora, a Sra. Jones não está esperando ele, não há necessidade de incomodá-la com outro. . .”

Inesperadamente, ele parou. Foi como se tivesse escutado alguma coisa, sem entender. Confuso, Will viu seu rosto tornar-se estranhamente surpreso, com a aparência de um homem tendo um sonho que havia sonhado muitas vezes mas nunca t inha sido capaz de interpretar . Era uma aparência que ele jamais esperaria encontrar no rosto de um homem tão previsível e descomplicado como o pai de Bran.

Owen Davies observou ele olhando diretamente em seu rosto, que estava muito mais incomum. Ele disse, “Onde disse que você e Bran estavam brincando?”

A dignidade de Will ignorou a úl tima palavra. Ele chutou o pedal da bicicleta. “Lá fora no pântano. Um longo caminho subindo o vale, perto da estrada. Não sei como descrever exatamente – mas f ica a mais da metade do caminho até a fazenda do Sr. Jones.”

“Ah,” Owen Davies disse vagamente. Ele piscou para Will , aparentemente de volta em sua pessoa nervosa comum. “Bem, ouso dizer que estaria tudo bem se Bran for jantar também. John Rowlands estando lá – Deus sabe que Megan Jones está acostumada a al imentar um monte de bocas. Mas deve lembrar de dizer a ele que deve estar em casa antes que escureça.”

“Obrigado!” disse Will , e saiu antes que ele pudesse mudar de idéia, fechando o portão cuidadosamente depois que passou. Ele deu um grito de despedida, apenas tendo tempo de notar a mão do pai de Bran erguida lentamente enquanto pedalava.

Mas ele não estava a muitas jardas pela estrada, pedalando com uma das mãos desajei tada e lentamente com a harpa enfiada em seu braço esquerdo dolorido, quando

84

Page 95: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

todo o pensamento em Owen Davies foi removido de sua cabeça pelo Rei Cinzento. Agora o vale estava pulsando com poder e malevolência. O sol estava em seu ponto mais alto, embora não est ivesse mais do que na metade do caminho subindo pelo céu naquele dia de Novembro. A úl t ima parte do tempo para que Will cumprisse sua única busca sozinho t inha começado. Sua mente estava tão ocupada com o não pronunciado início da batalha que tudo que seu corpo podia fazer era empurrar a bicileta, e ele mesmo, lentamente pela estrada.

Ele prestou pouca atenção quando a Land-Rover passou assobiando por ele, indo veloz na mesma direção. Muitos carros já t inham passado por ele, em ambas as jornadas, e nessa área rural Land-Rovers eram comuns. Não havia razão alguma pela qual essa deveria ser diferente das outras.

85

Page 96: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parta Dois: Os Adormecidos

O Casebre No Pântano

Sozinho com o cão pastor imóvel , Bran foi novamente até a pi lha de entulho no canto da sala e olhou para a warestone. Tão pequena, tão comum: era simplesmente como qualquer outra das pedras de quartzo espalhadas sobre a terra. Ele se curvou novamente e tentou levantá-la, e sent iu o mesmo golpe de descrença quando ela não se mexeu. Era como a terrível ati tude na qual Pen estava. Le estava olhando para o impossível.

Ocorreu a ele pensar porque ele não estava com medo. Talvez fosse porque parte de sua mente ainda acreditava que essas coisas eram impossíveis, mesmo enquanto as via claramente. O que uma pedrinha poderia fazer com ele? Ele foi até a porta da casa e ficou olhando através do vale, na direção da Rocha dos Pássaros. Era dif íci l ver o Craig daqui: uma sal iência escura insignificante, reduzida pela montanha atrás. Ainda assim aquela também t ivesse guardado o impossível ; ele havia descido até as profundezas daquela rocha, e em uma caverna encantada encontrou três Lordes da Alta Magia. . . Bran teve uma súbita imagem da f igura barbada no manto azul marinho, dos olhos do rosto encapuzado prendendo os seus, e sentiu uma estranha sensação acolhedora na lembrança. Ele jamais esqueceria aquela figura, claramente o maior dos t rês. Havia algo particular e próximo a respei to dele. Ele até mesmo t inha conhecido Cafall .

Cafal l .

“Não tenha medo, garoto. A Alta Magia jamais t iraria o seu cão de você. . . Apenas as criaturas da terra t iram umas das outras, garoto. Todas as criaturas, mas os homens mais do que todas. Eles t iram a vida.. . Tenha cuidado com sua própria raça, Bran Davies - eles são os únicos que sempre irão machucá-lo. . .”

A dor da perda que Bran tinha começado a aprender a ocultar presa dentro dele como uma flecha. Em um grande tumulto sua mente se encheu com imagens de Cafal l como um fi lhotinho de pernas vaci lantes, Cafal l seguindo ele até a escola, Cafal l aprendendo os sinais e comandos dos cães pastores, Cafall molhado pela chuva, o longo pelo achatado em uma linha reta por sua espinha, Cafal l correndo, Cafall bebendo de uma corrente, Cafall dormindo com seu queixo morno nos pés de Bran.

Cafal l morto.

Então ele pensou em Will . Foi culpa de Will . Se Will nunca tivesse levado ele até. . .

“Não,” Bran disse bem al to repentinamente. Ele se virou e olhou para a warestone. Ela estava tentando confundir sua mente para que ele pensasse mal de Will , e então separá-los? Afinal de contas, Wil l havia dito que o Escuro poderia tentar chegar até ele do modo que menos poderia esperar. Era isso, com certeza. Ele estava sendo influenciado sut ilmente para que se virasse contra Will . Bran sentiu-se fel iz consigo mesmo por notar tão cedo.

“Você pode economizar o esforço,” ele disse para a warestone de modo zombeteiro. “Não vai funcionar, está vendo?”

Ele voltou para a porta e olhou para as col inas. Sua mente retornou ao pensamento em Cafal l . Era difícil manter distância da úl tima imagem: a pior, e ainda assim mais preciosa porque era a mais próxima. Ele ouviu de novo o ti ro, e o modo como ele t inha ecoado pelo terreno. Ouviu seu pai dizendo, enquanto Cafal l jazia sangrando esvaindo

86

Page 97: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

sua vida e Caradog Prichard desdenhava com o sucesso: Cafall estava seguindo para a ovelha, não há dúvida.. . Não posso dizer que eu mesmo não teria atirado nele, no lugar de Caradog. Isso é o certo. . .

O certo, o certo. Seu pai sempre tinha tanta certeza, sobre o certo e o errado. Seu pai e todos os amigos de seu pai na capela, e acima de todos o sacerdote com sua pregação sobre o bem e o mal , e o modo certo de viver. Para Bran isso era um padrão disciplinar: capela duas vezes nos Domingos, ouvir e sentar parado sem incomodar, e não cometer os pecados que o Livro de Deus proibe. Para o seu pai era mais: encontro de oradores, de vez em quando duas vezes em uma semana, e sempre a necessidade de se comportar do jei to que as pessoas esperam que um diácono se comporte. Não t inha nada errado com a capela e tudo isso, mas Bran sabia que seu pai se entregava a isso mais do que qualquer outro membro da capela que ele já t inha visto. Ele era como um homem transtornado, com seu rosto ansioso e ombros encolhidos, sobrecarregados por um senso de culpa que Bran nunca t inha sido capaz de compreender. Não havia alegria em suas vidas; a infini ta penitência sem sentido de seu pai não permit ir ia. Bran nunca t inha recebido permissão de ir ao cinema em Tywyn, e aos Domingos ele não podia fazer nada a não ser i r para a capela e andar pelas col inas. Seu pai f icava relutante em deixar ele ir para concertos e jogos na escola. Foi necessário muito tempo até mesmo para que John Rowlands o persuadisse a deixar Bran tocar harpa em competições em eisteddfodau . Era como se Owen Davies mantivesse os dois, ele mesmo e Bran, trancados em uma pequena caixa no vale, fr ios e soli tarios, fora de contato com todas as coisas brilhantes da vida; como se eles est ivessem condenados a uma vida na prisão.

Bran pensou: Não é justo. Tudo que eu t inha era Cafall , e agora até Cafal l se foi . . . Ele podia sentir a t risteza crescendo em sua garganta, mas ele engoliu com força e cerrou seus dentes, determinado a não chorar. Ao invés disso fúria e ressentimento cresceram em sua mente. Que direi to t inha o seu pai de tornar tudo tão amargo? Eles não eram diferentes das outras pessoas. . .

Mas isso está errado, disse a voz em sua mente. Vocês é diferente. Você é o esquisi to com o cabelo branco, e a pele pál ida que não ficará bronzeado no sol , e os olhos que não conseguem suportar a luz. Branquela, eles o chamam na escola, e Cara-pálida, e tem um garoto lá de cima do vale que faz o sinal contra o Olho do Mal na sua direção quando acha que você não está olhando. Eles não gostam de você. Oh, você é diferente, é isso mesmo. O seu pai e seu rosto f izeram você se sentir diferente toda sua vida, você seria uma aberração por dentro mesmo se tentasse tingir seu cabelo, ou pintar sua pele.

Bran andou de um lado para o outro na sala da casa, furioso e ao mesmo tempo confuso. Ele bateu uma das mãos contra a porta. Sentiu como se a sua cabeça est ivesse prestes a explodir . Tinha esquecido da warestone. Não lhe ocorreu que essa assombração também poderia estar sendo gerada pela ação suti l do Escuro. Tudo pareceu ter desaparecido do mundo exceto a fúria ressentida contra seu pai que inundava sua mente.

E então do lado de fora da porta da frente quebrada da casa houve o barulho de um carro se aproximando, e Bran olhou bem na hora de ver seu pai descer da Land-Rover e caminhar na direção da casa.

Ele ficou imóvel , sua cabeça zunindo de fúria e surpresa. Owen Davies abriu a porta e f icou olhando para ele.

“Pensei que você estaria aqui,” ele disse.

Bran simplesmente falou. “Porque?”

Seu pai fez o estranho movimento de abaixar sua cabeça que era um de seus famil iares gestos de nervosismo. “Will esteve lá em cima na fazenda, pegando alguma coisa, e disse que vocês dois estavam aqui em cima, em algum lugar. . . ele deve aparecer daqui a pouco.”

87

Page 98: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Bran estava parado rígido. “Porque você está aqui? Will fez você pensar que t inha alguma coisa errada?”

“Oh, não, não,” Owen Davies falou depressa.

“Bem, então, o que. . .”

Mas seu pai t inha visto Pen. Ele f icou imóvel por um momento. Então falou suavemente, “Mas tem alguma coisa errada, não é?”

Bran abriu sua boca, e fechou de novo.

Owen Davies entrou na sala e se curvou sobre o indefeso cão pastor. “Como foi que ele se feriu antão? Foi uma queda? Nunca vi um animal deitar tão.. .” Ele acariciou a cabeça do cão, e sent iu as pernas dele, então moveu sua mão para pegar uma pata. Pen deu um choramingo quase inaudível , e revirou seus olhos.

A pata não se moveu. Não estava r ígida; estava simplesmente presa na terra, como a warestone. O pai de Bran tentou em cada uma das quatro patas, e a cada vez não conseguiu mover nem uma fração de polegada. Ele se levantou e se afastou lentamente, olhando para Pen, Então ele ergueu sua cabeça para olhar Bran, e em seus olhos um terrível medo estava misturado com acusação.

“O que você esteve fazendo garoto?”

Bran falou, “Esse é o poder de Brenin Llwyd.”

“Besteira!” Owen Davies disse fr iamente. “bobagem supersticiosa! Não vou permit ir que fale daquelas ant igas histórias pagãs como se elas fossem verdadeiras.”

“Está bem. Da,” Bran disse. “Então é besteira superst iciosa que você não consiga mover o cão.”

“É algum tipo de rigor das juntas,” seu pai disse, olhando para Pen. “Para mim parece que ele quebrou as costas, e os nervos e músculos estão todos r ígidos.” Mas não havia convicção em sua voz.

“Não há nada errado com ele. Ele não está ferido. Ele está desse jei to porque. . .” De repente Bran sentiu que ir ia longe demais para contar a seu pai sobre a warestone. Ele disse ao invés disso, “É a malícia de Brenin Llwyd. Através de sua trapaça Cafal l levou um tiro quando não deveria ter levado, e agora ele está tentando fazer com que seja fáci l para aquele louco Caradog Prichard pegar Pen também!”

“Bran, Bran!” A voz de seu pai estava alta de agitação. “Você não deve se deixar levar tanto pela morte de Cafal l . Não havia como impedir , bachgen , ele se transformou em um perseguidor de ovelhas e não t inha jeito para isso. Um cão assassino tem que ser morto.”

Bran falou, tentando impedir que sua voz tremesse, “Ele não era um cão assassino, Da, e você não sabe o que está falando. Porque se soubesse, porque não consegue mover Pen um centímetro de onde ele está dei tado? É o Brenin Llwyd, estou dizendo, e não tem nada que você possa fazer.”

E ele podia dizer pela apreensão nos olhos de Owen Davies que lá no fundo, ele acreditava que essa era a verdade.

“Eu deveria saber,” seu pai falou tristemente. “Quando encontrei você aqui nesse lugar, eu deveria saber que tais coisas estavam acontecendo.”

Bran olhou para ele. “O que você quer dizer?”

88

Page 99: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Seu pai não pareceu escutar . “Aqui, de todos os lugares. O sangue vai dizer, eles dizem. O sangue vai dizer. Ela veio aqui das montanhas, saindo da escuridão para esse lugar, e então aqui é onde você veio também. Mesmo sem saber, você veio aqui . E o mal surge disso novamente.” Seus olhos estavam arregalados e ele estava piscando muito rápido, olhando para o vazio.

Suspeita do seu significado começou a rastejar dentro da mente de Bran como uma neblina da manhã sobre o vale. “Aqui . Você fica dizendo, aqui . . .”

“Essa era minha casa,” Owen Davies falou.

“Não,” Bran disse. “ 'Oh, não.”

“Onze anos atrás,” Davies disse, “Eu morei aqui.”

“Eu não sabia. Nunca pensei. Esteve vazia desde que me lembro; nunca pensei nela como se fosse uma casa de verdade. Eu venho aqui quase sempre quando saio sozinho. Se chove. Ou apenas para me sentar . Às vezes” – ele engoliu em seco – “às vezes eu f injo que ela é minha casa.”

“Ela pertence a Caradog Prichard,” seu pai disse de modo vazio. “Seu pai a mantinha como a casa do pastor. Mas agora os homens de Prichard moram na fazenda.”

“Eu nunca pensei ,” Bran disse novamente.

Owen Davies f icou sobre Pen, olhando para baixo, seus ombros finos curvados. Ele disse com tr isteza, “O poder de Brenin Llwyd, sim. E foi isso que a trouxe até mim saindo das montanhas, e então a levou embora de novo. Nada mais poderia ter feito isso. Tenho tentado criar você direi to, longe de tudo isso, na oração e na bondade, e o tempo todo o Brenin Llwyd esteve tentando levar você de volta para onde sua mãe foi . Você não deveria ter vindo aqui.”

“Mas eu não sabia,” Bran disse. A raiva ardeu nele súbitamente como uma centelha que foi soprada. “Como eu poderia saber? Você nunca me contou. De qualquer modo nunca houve outro lugar para onde ir. Você nunca permite que eu vá para Tywyn, nem mesmo até a piscina ou a praia depois da escola com os outros. Para onde mais você permite que eu vá além dos pântanos? E como eu poderia saber que não deveria vir até aqui?”

Davies falou miseravelmente, “Eu queria te manter l ivre disso. Isso t inha acabado, t inha ido embora, eu queria manter você longe do passado. Ah, nunca deveríamos ter f icado aqui . Eu deveria ter mudado para longe do vale no início.”

Bran balançou sua cabeça de um lado para o outro como se tentasse jogar fora dela alguma coisa; o ar na casa pareceu estar f icando opressivo, pesado, cheio de tensão que causava formigamento como o aviso de uma tempestade. Ele disse friamente, “Você nunca me falou nada, nunca. Sempre tenho que fazer tudo que você manda o tempo todo. Isso está certo. Bran, faça isso, isso é para o seu bem, esse é o jeito que deve se comportar . Nem mesmo falou sobre minha mãe, nunca falou. Eu nem tive uma mãe – bem, isso não é tão incomum, tem dois garotos na escola que também não. Mas eu nem sei nada sobre a minha. Só que o nome dela era Gwen. E sei que t inha cabelos negros e olhos azuis, isso só porque a Sra. Rowlands me contou, não você. Você nunca me contaria nada, a não ser que ela fugiu quando eu era bebê. Nem sei se ela está viva ou morta.”

Owen Davies disse t ristemente, “Nem eu, garoto.”

“Mas quero saber como ela era!” A tensão ecoou na cabeça de Bran como um mar furioso; agora ele estava gri tando. “Quero saber! E você está com medo de me contar, porque deve ter sido por sua causa que ela fugiu! Foi culpa sua, eu sempre soube que era.

89

Page 100: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Você deixou ela isolada de todo mundo do mesmo jeito que sempre me deixou, e foi por isso que ela fugiu!”

“Não,” seu pai disse. Ele começou a caminha inquieto para frente e para trás na pequena sala; olhou para Bran ansiosamente, com cautela como se ele fosse um animal selvagem que pudesse saltar. Bran pensou que a cautela fosse por medo; não havia nada mais em sua experiência que ele pudesse imaginar.

Owen Davies disse, se atrapalhando com as palavras, “Você é jovem. Bran. Tem que entender, eu sempre tentei fazer o que é certo, contar a você tanto quanto fosse certo. Não contar nada que pudesse ser perigoso para você. . .”

“Perigoso!” Bran disse desdenhosamente. “Como poderia ser perigoso saber a respeito da minha mãe?”

Por um momento o controle de Davies fraquejou. “Olhe bem al i!” ele disparou, apontando para Pen. O cão ainda continua imóvel , preso de modo terr ível, como uma pele estendida para secar. “Olhe para isso! Você diz que é o poder de Brenin Llwyd – e então me pergunta como poderia ser perigoso?”

“Minha mãe não tem nada a ver com o Brenin Llwyd!” Mas quando ouviu sua próprias palavras Bran parou, pensativo.

Seu pai falou de modo tr is te em meio ao si lêncio, “Isso é uma coisa que jamais saberemos.”

“O que você quer dizer?”

“Escute. Eu não sei para onde ela foi. Ela veio das montanhas, e de volta para as montanhas ela foi, no f inal , e nenhum de nós a viu novamente, nunca.” Owen Davies estava se esforçando para que as palavras saíssem uma a uma, com dificuldade, como se cada uma delas lhe causasse dor. “Ela foi por sua própria escolha, ela fugiu, e ninguém soube porque. Eu não mandei ela embora.” Sua voz falhou de repente. “Mandei ela embora! lesu Crist , garoto. Eu perdi a cabeça procurando por ela lá em cima naquelas col inas, procurando por ela e nunca encontrando, gri tando, e nunca tendo uma palavra em resposta. E nenhum som em toda parte a não ser os pássaros gri tando, e as ovelhas, e o vento era um lamento vazio em meus ouvidos. E o Brenin Llwyd por trás de sua neblina sobre Cader e Llyn Mwyngil , escutando o eco de minha voz gritando, sorrindo para si mesmo porque eu jamais saberia para onde ela foi . . .”

A angúst ia em sua voz era tão clara e sincera que Bran f icou em si lêncio, incapaz de responder.

Owen Davies olhou para ele. Ele disse lentamente, “Acho que chegou a hora de contar a você, já que começamos isso. Eu t inha que esperar, você entende, até que você fosse velho o bastante para começar a entender. E eu sou seu pai legalmente. Bran, porque adotei você desde o início. Eu peguei você quando era um bebê, e Deus sabe que sou seu pai em meu coração e na minha alma. Mas você não nasceu de mim e sua mãe. Não posso dizer quem era seu pai de verdade, ela nunca falou uma palavra sobre ele. “Quando ela saiu das montanhas, vindo do nada, ela o t rouxe consigo. Ela ficou comigo por três dias, e então foi embora para sempre. E levou uma parte de mim com ela.” Sua voz tremeu, então estabi lizou. “Ela me deixou um bilhete.”

Ele ti rou a carteira surrada de couro de seu bolso e puxou de um bolso interno um pequeno pedaço de papel . Desdobrando com grande del icadeza, ele o entregou a Bran. O papel estava enrugado e frági l , quase partindo nas dobras; ele continha apenas umas poucas palavras a lápis, em uma estranha escri ta arredondada. “Seu nome é Bran. Obrigada, Owen Davies.”

Bran dobrou o bilhete novamente, muito lenta e cuidadosamente, e o entregou de

90

Page 101: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

volta.

“Isso foi tudo que ela deixou, Bran,” disse o seu pai. “Aquele bi lhete – e você.”

Bran não conseguiu pensar em palavra alguma para dizer . Sua cabeça estava cheia de imagens que rodopiavam e perguntas: uma encruzi lhada com uma dúzia de curvas e nenhuma placa informando por qual delas seguir. Ele pensou, como tinha pensado mil vezes desde que era velho o bastante, no enigma que era sua mãe, sem rosto, sem voz, o lugar dela em sua vida não era nada a não ser uma dolorosa ausência. Agora, através dos anos, ela havia trazido para ele outra ausência, outro vazio: era como se ela est ivesse tentando ti raro seu pai também – de qualquer modo o pai que, quaisquer que fossem suas diferenças, sempre tinha imaginado como sendo seu. Ressentimento e confusão aumentaram e diminuiram na mente de Bran como o vento. Ele pensou furiosamente: Quem sou eu? Olhou para Pen, e a casa, e a warestone do Brenin Llwyd. Ele ouviu novamente o lembrete amargo de seu pai : o Brenin Llwyd por t rás de sua neblina sobre Cader e Llyn Mwyngil . . . Os nomes ecoaram em sua cabeça, e não conseguiu entender porque they should. Llyn Mwyngil , Tal y Llyn. . . o rugido em sua cabeça cresceu; pareceu vir da warestone.

Ele olhou na direção da pedra. E de novo, como quando Will est ivera al i , a casa pareceu f icar escura, e o ponto de luz azul começou a bri lhar do canto escurecido, e súbitamente Bran teve um estrnaho solavanco de consciência de uma parte de sua mente da qual jamais t ivera consciência. Foi como se uma porta est ivesse abrindo em algum lugar dentro dele, e ele não sabia o que encontraria do outro lado. Em um flash através de sua consciência surgiu um rápido conjunto de imagens, que não fazia sentido algum, como se estivesse sonhando enquanto caminhava.

Ele pensou ter visto névoa girando sobre a montanha, e nela a al ta f igura vestida de azul do lorde que Will chamou Merriman, encapuzado, sua cabeça curvada e seu braço esticado apontando para uma casa dentro de um vale – a casa na qual agora estva Bran. Em um breve momento Bran viu uma mulher, com o cabelo negro balançando ao vento, e ele sentiu-se lavado por amor e ternura, de modo que ele quase gritou para impedir que a sensação desaparecesse. Mas então ela se foi, e a névoa rodopiou, e então a f igura encapuzada estava ali novamente, e a mulher também, olhando para a casa, est icando seus braços com saudade. Então a figura do lorde chamado Merriman passou seu braço ao redor da mulher e eles sumiram, desaparecendo na névoa, fora de vista e, ele sabia, fora do mundo. Ele viu apenas mais outra imagem: longe lá embaixo, através de uma brecha na névoa, a água de um lago distante cinti lando como uma jóia perdida.

Bran não entendeu. Sabia que de algum modo estava vendo algo vindo do passado a respeito de sua mãe, mas não houve o bastante. “O que Merriman teria a ver com a vinda dela, com o início e o fim disso?” Ele piscou, e percebeu que estava olhando para seu pai novamente. Os olhos de Davies estavam; arregalados de preocupação; ele estava segurando o braço de Bran, e chamando o nome dele.

E na nova parte de sua mente que não tinha visto antes. De repente Bran sabia que agora tinha o poder para fazer mais coisas do que poderia ter fei to normalmente. Ele esqueceu todo o resto que t inha acontecido naquele dia, pensando apenas no vislumbre de sua mãe em uma montanha sobre um lago cinti lante; de repente ele só queria chegar a Tal y Llyn e as ladeiras de Cader Idris, para descobrir se essa nova parte de sua mente poderia sentir al i mais alguma memória do modo que ele t inha começado. E ele também sabia que podia fazer mais alguma coisa. Dando um salto, ele falou para o cão com uma voz forte que dificilmente parecia ser sua, Tyrd yma Pen!”

E saindo de seu estado de paral isia o cão pastor negro se ergueu instantaneamente, e saltou, e o garoto e o cão sairam correndo para longe pelo pântano.

Owen Davies, seu rosto marcado envelhecido de medo e preocupação, por um momento ficou observando silenciosamente. Então se movu pesadamente até o carro, e

91

Page 102: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

dirigiu para longe da casa pela estrada até a fazenda de Idris Jones.

Will seguia mais lentamente do que tinha esperado. O estranho formato da harpa, apertada contra seu peito, feria seu braço machucado e fazia doer tanto que logo ele mal poderia evi tar largá-la. Ele parava com frequência para mudar sua posição. Também havia outras razões para parar , pois agora a ferocidade da malevolência formando-se no vale lançava-se sobre ele como uma grande mão, empurrando-o, ameaçando agarrá-lo com dedos gigantes e esmagá- lo. Wil l continua de modo perseverante. Primeiro a casa, então o lago . No caos desconexo que tentava forçá-lo a recuar, somente os pensamentos e imagens mais simples podiam sobreviver, manter sua forma. Primeiro a casa, então o lago . Ele percebeu que dizia isso para si mesmo ofegante. Essas eram as duas tarefas para a harpa que, acima de todo o resto, deveria certi f icar-se de efetuar nessas próximas duas ou três horas. A música encantada deve libertar Pen das garras da warestone, na casa, para que ele escape da arma de Caradog Prichard. Essa era uma questão simples. Mas então, mais importante do que tudo no mundo, a música deveria acordar os Adormecidos do lago confortável , as criaturas que dormiam seu sono atemporal ao lado de Tal y Llyn – seja lá quem ou o que essas criaturas pudessem ser. Pois se um Lorde do Escuro como o Rei Cinzento podia obter um poder tão surpreendente como esse que agora enchia esse vale, após séculos de sono murmurante debaixo de sua montanha, então com certeza o Escuro estava se erguendo, e todo o seu poder aumentando como uma vasta nuvem ameaçando engolir o mundo todo.

Finalmente ele chegou até a casa. E a encontrou vazia.

Will ficou parado dentro da sala com paredes de pedra, confuso e ansioso. Como Pen poderia ter escapado do poder da warestone? Onde estava Bran? Será que Caradog Prichard surgiu caçando, com ajuda do Rei Cinzento, e levou os dois? Impossível . Caradog Prichard era um servo inconsciente, que não sabia nada sobre os seus próprios laços com o Rei Cinzento; era apenas um homem, com os inst intos de um homem – os piores inst intos, com os melhores t ristemente submersos. Onde estava Bran?

Ele cruzou até o canto da sala. A pequena pedra branca que era a warestone jazia exatamente como est ivera antes, inocente e mortal . Ao redor dele a força do Rei Cinzento atacava implacavel. Vá embora, desista, você não vencerá, desista, vá embora . Wil l procurou desesperadamente em meio aos poderes de sua própria mente para descobrir o que poderia ter acontecido com Bran e o cão, mas não encontrou nada. Ele pensou tr istemente: você nunca deveria ter deixado eles sozinhos aqui . Com um t ipo de furiosa auto-humilhação ele se curvou mais uma vez e colocou sua mão na pequena pedra arredondada que, como ele sabia, estaria fortemente presa ao chão, além de qualquer habilidade sua de movê- la uma fração de polegada.

E a warestone saiu tão faci lmente quanto qualquer outra pedra, e ficou sol ta em sua palma, com se pedisse para ser usada.

Will f icou olhando para ela. Não podia acreditar no que viu. O que tinha tinha sol to a garra da warestone? Nenhuma magia que ele conhecia podia fazer tal coisa. Era uma parte da Lei , que a Luz não poderia mover uma warestone do Escuro, nem o Escuro influenciar a warestone da Luz. A monstruosa rigidez, uma fez usada, não poderia ser quebrada por ninguém mais a não ser o dono da pedra. Então quem poderia ter quebrado o poder da warestone de Brenin Llwyd, a não ser o próprio Brenin Llwyd, o Rei Cinzento?

Will balançou sua cabeça impaciente. Estava desperdiçando tempo. De qualquer jeito, uma coisa era certa: agora deixada sem dono, seu controle quebrado, a warestone estava fora da Lei e poderia ser usada para dizer a ele o que poderia ter acontecido para deixá-la nesse estranho estado atual .

Will continuou segurando firme a harpa; sentiu que jamais largaria ela de novo, muito menos nesse lugar. Mas ele f icou parado no centro da sala com a warestone em sua

92

Page 103: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

palma aberta, e ele falou certas palavras na Linguagem Antiga, e esvaziou sua mente e esperou para receber qualquer que fosse a sensação que a pedra pudesse colocar nela. O conhecimento não seria simples e aberto, ele sabia. Nunca era.

Ele veio, enquanto ele estava parado al i com seus olhos fechados e sua mente ecoando, em uma série de imagens tão rápidas que eram como uma narrat iva, um pedaço de uma história. Will viu o rosto de um homem, forte e bonito, mas desgastado, com olhos claros azuis e uma barba cinza. Embora as ropuas fossem estranhas e r icas, ele soube quem era ele em um instante: o rosto era o do segundo lorde na caverna da Rocha dos Pássaros, o Lorde no robe azul marinho, que t inha falado com tal particular – e então inexplicável – proximidade com Bran.

Havia uma profunda tr isteza nos olhos do homem. Então Will viu o rosto de uma mulher, de cabelo negro e olhos azuis, distorcido em uma ameaçadora mistura de pesar e culpa. E em algum lugar com eles ele viu Merriman. Então ele estava vendo um lugar diferente, uma construção baixa com pesadas paredes de pedra e uma cruz acima de seu telhado – uma igreja, ou uma abadia – e dela Merriman estava conduzindo a mesma mulher, com um bebê nos braços dela. Eles estavam em um lugar alto, em um dos Antigos Caminhos; houve um grande turbi lhão de névoa; um correr , e uma torrente de imagens tão rápida que Will não conseguiu acompanhar, nem distinguir mais do que um flash da casa, e um ereto e sorridente Owen Davies com um rosto mais jovem, sem marcas; e cães e ovelhas e ladeiras de montanhas verdes de samambaia, e uma voz gritando, “Gwennie, Gwennie.. .”

Então, mais claro do que qualquer outra coisa, ele viu Merriman, encapuzado no robe azul escuro, parado com a mulher de cabelo negro lá em cima na ladeira acima do Vale Dysynni , no Caminho de Cadfan. Ela estava chorando levemente, lágrimas correndo lentas e cinti lantes descendo por suas bochechas. Agora ela não t inha nada em seus braços. Merriman estendeu sua mão, dedos bem est icados, e Will ouviu através do assobio do vento um som de música semelhante a sinos que, como um Antigo Escolhido seguindo os caminhos dos Antigos Escolhidos, ele t inha ouvido antes em outros lugares e tempos. Então o turbi lhão veio novamente, e tudo era confusão, embora agora ele soubesse pela música que o que estava testemunhando era uma viagem de volta para outra época, muito tempo atrás: o movimento através do Tempo que não representava dificuldade para um Antigo Escolhido, ou um Lorde do Escuro, porém impossível para os homnes a não ser em sonhos. Em um últ imo flash de imagem ele viu a mulher que estivera com Merriman se virar e ir tr is temente de volta para dentro da abadia fei ta de pedra, e desapareceu por t rás de suas paredes pesadas. E sozinho em algum outro lugar distante, e ainda assim sobreposto na abadia como o reflexo no vidro que cobre uma foto, ele viu o rosto barbado do lorde que t inha usado o robe azul marinho, com o anel dourado de um rei coroando sua cabeça.

E de repente Will entendeu a verdadeira natureza de Bran Davies, a criança trazida do passado para crescer no futuro, e ele sentiu uma terr ível compaixão por seu amigo, nascido para um dest ino terrível do qual ele, ainda, poderia não ter nenhuma idéia clara. Era difícil até mesmo pensar a respeito de um poder e responsabil idade tão surpreendentemente profundos. Agora ele viu que ele, Wil l Stanton, úl timo doa Antigos Escolhidos, estava destinado a ajudar e apoiar Bran no tempo que estava por vir , exatamente como Merriman sempre est ivera ao lado do grande pai de Bran. O pai que não t ivera conhecimento da existência de seu f ilho, quando ele havia nascido, e que só agora, pelos séculos, como um Lorde da Alta Magia tinha visto ele pela primeira vez.. . Agora estava bastante claro como a posse da warestone havia sido quebrada. Ao lado da f igura of this rank, o poder do Rei Cinzento definhou até a insignificância. Mas – isso era verdade apenas se Bran realmente soubesse o que estava fazndo. Quanto da sua infinitamente poderosa natureza enterrada realmente havia sido liberada? O quanto ele t inha visto, na casa; que imagens tinham girado dentro de sua própria mente inocente?

Agarrando sua harpa, esquecendo a dor em seu braço machucado com a pressa, Wil l correu para fora da casa, subiu na bicicleta e seguiu pela estrada para Tal y Llyn.

93

Page 104: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Bran não poderia ter ido para mais nenhum lugar. Agora todas as estradas deveriam levar até o lago, e aos Adormecidos. Pois em jogo não estava apenas a busca pela harpa dourada, o despertar dos Adormecidos, mas um poder da Alta Magia que poderia, se ainda não reconhecido e não controlado, destruir não apenas aquela busca mas a Luz também.

94

Page 105: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Parte Dois: Os Adormecidos

O Despertar

Quando Will chegou a Tal y Llyn, ele soube que deveria tentar ficar fora de vista. Não havia como dizer onde Caradog Prichard poderia estar; se ele t inha ido para a fazenda de Idris Jones, where he would have turned from there\a133. Will pensou em ir até a fazenda para checar, mantendo-se escondido na curva pela alameda caso a van cinzenta pudesse estar lá. Então ele mudou de idéia. Havia pouco tempo. Agarrando seu pacote, ele seguiu passando pelo topo da Ty-Bont lane, e saiu na esquina onde a estrada fazia a curva ao redor do lago.

Tal y Llyn estendia-se diante dele, atingida pelo vento que o dia todo t inha enviado nuvens volumosas deslizando rapidamente pelo céu. Verde pela grama e marrom de samambaia, as montanhas subiam de suas praias em ambos os lados; o lago escuro enchia o vale por todo o caminho até a ponta mais distante, onde as montanhas se encontravam em um grande V para fazer a passagem de Tal y Llyn. Will obdervou a água ondulante.

Fogo na montanha encontrará a harpa de ouro

Tocada para despertar os Adormecidos, os mais antigos dos antigos. . .

Onde ela deveria ser tocada, e quando? Não aqui, do lado de fora na desprotegida estrada do vale.. . Ele virou para o lado e pedalou em direçao ao lado do vale onde, acima dos tranqüilos campos verdes, as primeiras ladeiras de Cader Idris subiam como uma parede que t inham o céu como telhado. Era a ladeira na qual eles encontraram a ovelha morta; a ladeira que o Rei Cinzento havia sacudido para jogar Will no lago. O instinto dos Antigos Escolhidos ainda fez com que Will lutasse para seguir em direção a ela; para chegar até a fortaleza do inimigo, em um desafio deliberado contra a poderosa força que o forçava para t rás. Quanto maior as dificuldades, ele pensou, maior a vitória.

Houve um rugido em seus ouvidos, enquanto ele seguia pedalando com a harpa embrulhada debaixo de seu braço. Mais e mais perto o lado da montanha elvava-se acima ele. Logo a estrada faria uma curva. Para ficar perto do lago, ele deveria desmontar e subir os campos e a ladeira de traiçoeiras pedras sol tas, para f icar isolado com uma visão ampla da água. Mas ele sentiu que era para lá que deveria i r .

Então de repente, rapidamente, Caradog Prichard surgiu na estrada na frente dele e agarrou o guidom da bicicleta, de modo que Will tombou para o lado caindo ao chão dolorosamente.

Quando ele se levantou, segurando a harpa com um braço que agora estava doendo mais ainda, Will não sentiu raiva ou medo e sim uma aguda irr itação. Prichard: sempre Prichard! Enquanto o Rei Cinzento agigantava-se em medonha ameça sobre a Luz, Prichard como um rato que gri tava deveria se intrometer eternamente para arrastar Will para as insignificantes rival idades e fúrias dos homens comuns. Olhou para Caradog Prichard com um desdém mudo que o homem não teve o bom senso de reconhecer como sendo perigoso.

“Onde você vai, Inglês?” disse Prichard, segurando firmemente a bicicleta. Seu cabelo vermelho estava desgrenhado; seus pequenos olhos cint ilaram de forma estranha.

Will disse, frio como peixe no inverno, “Isso não tem nada a ver com você.”

95

Page 106: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“Modos, modos,” falou Caradog Prichard. “Eu sei muito bem onde você está indo, meu querido jovem – você e Bran Davies estão tentando esconder aquele outro maldi to cão assasssino de ovelhas. Mas não existe jei to no mundo que você possa me impedir de chegar até ele. Então, o que você tem aí, hum?”

Com uma suspeita descuidada ele tentou pegar o embrulho debaixo do braço de Will .

A reação de Will foi mais rápida até do que seus próprios olhos poderiam acompanhar. A harpa era importante, importante demais para ser colocada em tal r isco tolo. Instantaneamente, ele era um Antigo Escolhido em todo arder de poder, erguendo-se terrível como um pilar de luz. Crescendo com a fúria, ele esticou um braço apontando para Caradog Prichard – mas encontrou, em uma resposta furiosa, uma barreira de terrível resistência do Rei Cinzento.

Primeiro Prichard se encolheu diante dele, seus olhos arregalados e sua boca frouxa de terror, esperando pela aniquilação. Mas quando percebeu que estava protegido, lentamente a malícia surgiu em seus olhos. Will observou cuidadosamente, sabendo que o Brenin Llwyd estava assumindo o maior de todos os riscos que qualquer lorde da Luz ou do Escuro poderia correr , ao canalizar seu próprio imenso poder através de um mortal comum que não t inha a menor consciência das terríveis forças ao seu comando. O Lorde do Escuro deve estar em um estado desesperado, para confiar de um modo tão perigoso sua causa a um servo.

“Me deixe em paz, Sr. Prichard,” disse Will . “Eu não tenho o cão de John Rowlands comigo. Nem mesmo sei onde ele está.”

“Oh, sim, você sabe, garoto, e eu também.” As palavras jorraram de Prichard, mais próximas da superfície de sua mente do que a surpresacom seu novo dom. “Ele foi levado para a fazenda Jones Ty-Bont, para f icar longe de mim de modo que possa voltar ao seu trabalho assassino. Mas isso não vai funcionar, com certeza não, não tenha esperanã nisso, eu não sou tão idiota.” Ele olhou para Will . “E é melhor você me dizer onde ele está, garoto, diga o que pretende fazer, ou vai ser muito ruim para você.”

Will podia sentir a raiva e malícia do homem girando em torno da mente dele como um pássaro enlouquecido preso em uma sala sem saída. Ah, Brenin Llwyd , ele pensou com uma espécie de tristeza, seus poderes merecem algo melhor do que serem colocados em alguém sem discipl ina ou treinamento, sem a capacidade de usá-los adequadamente.. .

Ele disse, “Sr. Prichard, por favor me deixe em paz. Não sabe o que está fazendo. De verdade. Não quero ter que machucá- lo.”

Caradog Prichard olhou para ele em um momento de genuína surpresa, como um homem no instante antes de entender o sentido de uma piada, então ele explodiu em uma grande r isada. “Você não quer me machucar? Bem, isso é muito bom, agora, estou fel iz em ouvir isso, muito prestat ivo. Muito genti l . . .”

Agora os raios de sol que haviam i luminado esporadicamente a manhã tinham sumido; nuvens cinzentas espessas estavam no céu, descendo o vale rodopiando no vento que agi tava o lago. De repente, algum instinto no fundo da mente de Will o fez perceber a escuridão que crescia como algo pesado ao redor, e despertou a decisão que tomou conta dele enquanto a r isada zombeteira de Caradog Prichard splut tered down into control . Ele deu um ou dois passos para trás, segurando a harpa bem firme ao seu lado. Então quase fechando os olhos, ele invocou silenciosamente os dons que o tornavam um Antigo Escolhido em plena força, os feit iços que o faziam capaz de cavalgar o vento, voar além do céu e sob o mar; do círculo da Luz que o havia colocado nessa busca para a úl t ima conexão na defesa deles contra o Escuro que se erguia.

Houve um som como o do mar murmurante surgindo do lago Tal y Llyn, Llyn

96

Page 107: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Mwyngil , e da borda mais distante da água escura uma onda enorme veio se deslocando. Ela curvou-se al ta e de crista branca, cheia de espuma como se est ivesse prestes a quebrar. Ainda assim ela não quebrou, mas deslizou pela água na direção deles, e em seu topo curvado estavam seis cisnes brancos, movendo-se suaves como vidro, suas grandes assas esticadas tocando na ponta das asas umas das outras. Elas eram enormes aves poderosas, suas penas brancas cinti lando como prata polida mesmo na luz cinza do céu cheio de nuvens. Enquanto se aproximavam mais e mais, um dos cisnes levantou sua cabeça no gracioso pescoço curvado e deu um longo gri to, como um aviso, ou lamento.

Eles continuaram vindo, na direção da margem, na direção de Will e Caradog Prichard. A onda cresceu mais e mais alta: uma onda verde, bri lhando com uma estranha luz translúcida que pareceu vir do fundo do lago. Era claro que as aves mergulhariam sobre eles, e a onda quebrou em cima deles e correu em frente descendo o vale, com toda a água do lago em uma longa torrente, varrendo fazendas, casas e pessoas diante dela em total devastação, descendo ao mar.

Will sabia que isso não era verdade, mas foi a imagem que estava forçando dentro da mente de Caradog Prichard.

O cisne branco deu mais um forte gri to, o som agudo de uma alma em vazio absoluto, e Caradog Prichard cambaleou para trás, seus pequenos olhos esbugalhados de horror e descrença, com uma das mãos agarrando seu cabelo vermelho. Ele abriu sua boca, e estranhos sons sem palavras sairam dela. Então algo pareceu dominá- lo, e ele deu um solavanco e f icou imóvel , braços e pernas presos em ângulos incomuns; e o ar estava cheio de um veloz som sibi lante que surgiu tão rápido que seria impossível definir sua direção.

Mas Will , alarmado, sabia o que isso deveria ser. Ao aceitar ajuda do Escuro, o homem Galês havia condenado sua própria mente.

Ele viu nos olhos de Caradog Prichard o rápido flash de loucura quando a razão humana foi descartada pelo terr ível poder do Rei Cinzento. Ele viu a mente balançar do mesmo jei to que o corpo, ainda inconscientemente, possuída. A costa de Prichard ficou ereta; sua forma rechonchuda parecer se erguer mais alta do que antes, e os ombros se curvaram em pista de imensa força. A força da magia do Brenin Llwyd estava nele e pulsando dele, e ele olhou para a onda que avançava e gri tou com uma voz estr idente algumas palavras em Galês.

E os cisnes elevaram-se gritando no ar e fizeram uma curva para longe com longas batidas lentas de asas, de repente a onda entrou em colapso, arrastada para baixo pelo peso de uma tremenda agitação de milhares e milhares de peixes. Prateados, cinzentos e verde escuros cinti lantes eles se agitavam na superfície, percas, t rutas, enguias e lúcios de bocas inclinadas com dentes pontiagudos e pequenos olhos malévolos. Foi como se todos os peixes em todos os lagos de Gales estivessem se agi tando al i em uma enorme massa na água de Llyn Mwyngil , smoothing i ts surface into a quivering sti l lness . Ainda assim, foi com uma voz e uma mente não mais do que humana que um feit iço tão grande havia sido lançado. Um calafrio atingiu Will quando ele entendeu essa nova perversão de Brenin Llwyd. Não haveria nenhuma confrontação aberta. Ele próprio nunca mais veria o Rei Cinzento, pois em tal encontro de dois polos de encantamento havia perigo de aniquilação para um deles. Ao invés disso Will i ria encarar, como estava fazendo agora, o poder do Rei Cinzento canalizado através da mente de um homem com desejos maldosos mas inocente: um homem transformado em um recipiente terrivelmente vulnerável para o Escuro. Se a Luz realizasse qualquer ataque f inal aniquilador nesse encontro, o Escuro ainda estaria protegido, mas a mente do homem inetvi tavelmente seria destruida. Caradog Prichard, se agora estivesse são, seria então lançado para sempre na loucura. A não ser que Will pudesse de algum modo evitar tal encontro, não havia como impedir isso. O Rei Cinzento estava usando Prichard como um escudo, sabendo que ele próprio poderia permanecer protegido se o escudo fosse destruido.

97

Page 108: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Will gritou angust iado, malmente percebendo que o fez, “Caradog Prichard! Pare! Nos deixe em paz! Para o seu próprio bem, me deixe em paz!”

Mas não havia nada que ele pudesse fazer. A dinâmica do confl ito entre eles já estava grande demais, como uma roda girando mais e mais rápida colina abaixo. Caradog Prichard estava olhando para o lago de peixes que se debatiam com prazer infanti l , esfregando suas mãso, falando continuamente consigo mesmo em Galês. Ele olhou para Will e sorriu. Não parou de falar, mas mudou para o Inglês, as palavras saindo em uma torrente semi-enlouquecida, muito rápidas.

“Agora você vê as l indas criaturinhas, tantos milhares delas, e todas nossas e fazendo o que mandamos, mais eficientes contra seis cisnes do que você esperava, hum, dewinn bach? Ah, você não sabe contra o que está lutando, agora já perdemos tempo demais com bobagens, meus amigos e eu, chegou a hora de você me mostrar o cão, o cão, porque tudo que você tentar mandar contra nós não adiantará nada. De jei to nenhum. Então eu quero o cão agora, Inglês, você vai dizer onde posso encontrar o cão, e minha boa arma está lá no carro esperando por ele e não vai ter mais matança de ovelhas nesse vale. Vou me assegurar disso.”

Ele estava observando Will , os pequenos olhos movendo-se para cima e para baixo como pequenos peixes, e de repente mais uma vez seu olhar fixou na harpa embrulhada.

“Mas primeiro gostaria de saber o que é isso aí debaixo de seu braço, garoto, então acho que você vai me mostrar se quiser que o deixemos em paz.” Ele riu de novo na últ ima palavra, e Will soube que agora não havia esperança de chegar ao lado da montanha, o lugar do qual teria sido mais seguro e mais adequado para tocar a harpa dourada. Lentamente ele deu um passo para t rás, com um movimento suave para evitar assustar Caradog Prichard, e enquanto a cautela surgia tarde demais nos olhos bri lhantes do fazendeiro, ele ret irou a harpa de suas cobertas, colocou-a inclinada em um braço como tinha visto Bran fazer, e passou os dedos da outra mão sobre as suas cordas.

E então o mundo mudou.

Agora o céu já estava com um tom cinza mais pesado do que estivera, enquanto a tarde escurecia em direção à noite e as nuvens f icavam espessas de chuva. Mas quando o ondulante fluxo de notas da pequena harpa espalhava-se no ar , em uma dolorosa doçura, um estranho bri lho pareceu começar a cint ilar muito sut ilmente vindo do lago, nuvens, do céu, montanha e vale, samambaia e grama. Cores f icaram mais fortes, lugares escuros mais intensos e misteriosos; cada visão e sensação estava mais vívida e pronunciada. Os peixes que cobriam toda a superfície ondulante do lago começaram a mudar; bri lhando prateados, peixe atrás de peixe saltou no ar e fez uma curva descendo novamente, até que o lago pareceu não estar mais sobrecarregado com um grande peso de criaturas morosas, mas vivo e dançante com l istras brilhantes de luz prateada.

E saindo do céu na entrada do mar no f inal do vale, descendo em direção ao lago, outro som elevou-se sobre os doces arpejos r itmados para frente e para trás enquanto Will correu seus dedos suavemente subindo e descendo as cordas de sua harpa. Houve um gri to, como o gri to de gaivotas. E voando em grupos e pares, sem formação, surgiram descendo as estranhas formas negras el ipsóides de cormorões, vinte ou tr inta deles, mais do que Will já t inha visto voando juntos. Os reis das aves pescadoras do mar, nunca vistos normalmente longe do mar e seus penhascos e precipícios, eles vieram descendo planando até a superfície do Llyn Mwyngil e começaram a pegar os peixes que sal tavam, e de repente Will lembrou das histórias de Bran sobre como a Rocha dos Pássaros, Craig yr Aderyn, é o único lugar no mundo onde os cormorões se reunem e fazem seus ninhos no interior das terras, porque na terra do Rei Cinzento a costa não possui penhascos rochosos para tais coisas, mas apenas areia, praias e dunas.

Descendo elas mergulharam. Os peixes pularam, cinti lando; os cormorões os engoliram; desviaram para longe; mergulharam e engoliram novamente. Caradog Prichard

98

Page 109: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

soltou um lamento zangado como uma criança desapontada. A luz curiosa bri lhou através do vale. Os dedos de Will ainda deslizavam sobre a harpa, e a música fluia deliberada e clara como água da primavera. Ele estava envolvido em uma tensão que cruzava através dele como eletr icidade, uma poderosa antecipação de maravilhas desconhecidas; he felt as taut as though every hair stood on end . E então, de uma vez só, os peixes desapareceram, a superfície do lago súbitamente estava l isa como vidro escuro, e todos os cormorões subiram em uma nuvem e fizeram uma curva para longe, gritando, desaparecendo subindo de volta o longo vale até a Rocha dos Pássaros. E embora a luminescência que estivesse no vale estivesse suspensa na luz do dia, à meia luz da lua, Wil l viu seis f iguras tomarem forma.

Eram cavaleiros, cavalgando. Eles saíram da montanha, das ladeiras mais baixas de Cader Idris que estendiam-se do lago para dentro da fortaleza do Rei Cinzento. Eles eram cinza-prateados, figuras cint ilantes conduzindo cavalos da mesma meia-cor estranha, e eles cavalgaram sobre o lago sem tocar na água, sem fazer qualquer som. A música da harpa os envolveu, e enquanto eles se aproximavam, Will viu que estavam sorrindo. Vestiam túnicas e capas. Cada um t inha uma espada pendurada em seu f lanco. Dois estavam encapuzados. Um usava uma coroa em forma de anel em sua cabeça, um anel de nobreza reluzente, embora não fosse a coroa de um rei . Ele virou para Will , enquanto o grupo fantasmagórico passava cavalgando, e curvou sua cabeça barbada sorridente em saudação. A música da harpa nas mãos de Will ecoou pelo vale como sinos, e Will curvou sua cabeça em moderada saudação mas não parou de tocar.

Os cavaleiros passaram por Caradog Prichard, que estava de boca aberta e inexpressivo perto do lago, procurando pelos fantást icos peixes desaparecidos, e claramente não via nada mais. Ele tem o poder do Rei Cinzento. Wil l pensou, mas não os olhos. . . Então de repente os cavaleiros f izeram uma curva de volta na direção da ladeira da montanha, e antes que Will pudesse ter tempo de ficar admirado, ele viu que Bran estava ali na ladeira, perto das pedras sol tas, perto da borda que t inha impedido a sua própria queda mais cedo naquele dia. O cão pastor negro Pen estava ao lado dele, e subindo a ladeira atrás deles estava Owen Davies, curvado e cansado, com o mesmo vazio no rosto que Caradog Prichard mostrava. Os homens comuns não deveriam ver que os Adormecidos, despertos de seus longos séculos de descanso, agora estavam cavalgando para resgatar o mundo do Escuro que se erguia.

Mas Bran conseguia ver.

Ficou parado observando os Adormecidos com um bri lho de prazer em seu rosto pálido. Levantou uma das mãos para Will , e abriu os braços em um gesto de admiração pelo modo como ele tocava a harpa. Por um momento ele não pareceu mais do que um descomplicado garoto comum, absorto pela surpresa de uma visão maravilhosa. Mas só por um momento. Os seis cavaleiros, cint ilando prateados em suas montarias prateadas, f izeram uma atrás de seu líder e pararam por um momento alinhados diante do lugar na encosta onde Bran estava. Cada um tirou sua espada e a segurou erguida diante de seu rosto em uma saudação, e bei jou o lado de sua lâmina como que em respei to a um rei . E Bran ficou ali parado magro e ereto como uma árvore jovem, seu cabelo branco brilhante em uma crista prateada, e incl inou sua cabeça para eles com seriedade com a tranqüila arrogância de um rei dando uma bênção.

Eles embainharam suas espadas novamente se viraram, e os cavalos cinza-prateados correram dentro do céu. E os Adormecidos, despertos e cavalgando, subiram alto sobre o lago e se afastaram, desaparecendo mais e mais longe dentro da escuridão da passagem em Tal y Llyn e além, até que tinham ido embora do vale, e não podiam mais ser vistos.

Will parou seus dedos sobre a harpa dourada, e sua delicada melodia morreu, deixando apenas o sussurro do vento. Ele sentiu-se drenado, como se toda a força tivesse ido embora dele. Pela primeira vez se lembrou que ele, não era apenas um Antigo Escolhido, mas também um convalescente, ainda fraco pela longa doença que no início

99

Page 110: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

havia enviado ele para Gales.

Então, também por uma fração de instante, ele se lembrou do que John Rowlands havia dito sobre a frieza no coração da Luz, quando percebeu por qual ação ele t inha ficado tão doente de repente. Mas foi só por um instante. Para um Antigo Escolhido tais coisas não tinham importância.

Súbitamente ele foi empurrado para o lado, e uma rápida mão áspera arrancou a harpa dourada de suas mãos. O poder do Rei Cinzento parecia ter desaparecido de Caradog Prichard, mas ele não era o que t inha sido antes que ele surgisse.

“Então, tudo tem a ver com isso,” Prichard disse rudemente. “Uma maldi ta harpa, uma pequena coisa de ouro como a que ela estava tocando.”

“Me devolva isso,” Will disse. Então ele fez uma pausa. “Ela”.

“É uma harpa Galesa, Inglês, uma bem antiga.” Prichard olhou para ela com seriedade. “O que isso poderia estar fazendo em suas mãos? Você não tem o direi to de segurar uma harpa Galesa.” De repente ele estava olhando para Will de modo cruel . “Vá para casa. Volte para o seu lugar. Cuide de seus próprios assuntos.”

Will falou, “A harpa cumpriu seu propósi to. O que você quis dizer com, como a que ela estava tocando?”

“Cuide de seus próprios assuntos,” Prichard disse novamente, com selvageria. “Faz muito tempo, e não tem nada a ver com você.”

Pelo canto de seus olhos Will podia ver que Owen Davies havia se juntado a Bran em cima da encosta da col ina, com Pen se mexendo inquieto entre eles. Desesperadamente ele tentou fazer sinal para que Bran se afastasse, ficasse fora de vista; ele não conseguia entender porque ele f icava al i em campo aberto, onde uma olhada casual os revelaria para Caradog Prichard. Saia! Ele gritou silenciosamente. Vá embora! Mas era tarde demais. Alguma coisa, talvez a movimentação ansiosa do cão pastor, t inha atraído os olhos de Prichard; ele olhou semi-conscientemente para cima da a montanha, e congelou.

Cada parte do momento ardeu no cérebro de Will , de modo que mais tarde ele poderia sentiria o rugido veloz do desastre iminente e ver como uma clara pintura o carrega céu cinzento, a montanha que se elevava, o lago escuro ondulante, os impressionantes rastros de cor gerados por um garoto de cabelo branco e um homem com um reluzente cabelo vermelho: e acima de tudo isso, o estranho brilho de uma luz como a luminosidade de advertência que pendia sobre o campo antes de uma terr ível tempestade. Caradog Prichard se virou na direção dele, um rosto marcado com uma terr ível mistura de raiva, reprovação, e dor, e no centro de tudo isso uma fina camada de ódio e o desejo de machucar em retorno. Olhando para o rosto de Will proposi talmente, ele levou seu braço para t rás e jogou a harpa dourada dentro do lago. Ondulações rodopiaram na superfície da água escura, e então pararam.

Então Prichard correu, leve como um garoto, lançando-se na direção da montanha, e de Bran parado al i como uma estátua com o cão Pen. No últ imo momento antes de chegar na ladeira ele virou para o lado, pela estrada curva que levava de volta descendo o vale; e Will viu que ele t inha deixado a pequena van cinza lá na estrada e agora estava correndo até ela com velocidade desesperada.

No mesmo momento ele percebeu porque, e lançou um grande feit iço de impedimento em Prichard – apenas para que ele fosse desviado pela proteção do Rei Cinzento que o fazendeiro, sem saber, ainda carregava com ele. Caradog Prichard chegou até a van, abriu suas portas traseiras e t irou sua longa espingarda, a mesma arma com a qual ele t inha at i rado em Cafal l , o cão de Bran. Rapidamente ele ergueu o cano da arma, virou e começou a caminhar, de modo firme e del iberado, na direção do garoto e do cão

100

Page 111: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

na colina. Agora ele não tinha pressa. Não havia abrigo para onde eles pudessem correr . Wil l enterrou as unhas nas palmas de suas mãos, sua mente procurando por uma defesa efet iva. Então ele ouviu o som de um carro barulhento.

A Land-Rover girou com velocidade surpreendente vindo da estrada da Fazenda Ty-Bont, e fez a curva até o lago. John Rowlands deve ter visto Prichard, sua van e sua arma de uma só vez em um momento de horror, pois o pequeno carro volumoso parou bruscamente quase aos pés do fazendeiro. A porta mal pareceu abrir antes que a forma magra de John Rowlands est ivesse do lado de fora. Ele ficou imóvel , encarando Caradog Prichard, o garoto e o cão na encosta da colina mais além. “Caradog,” ele disse. “Não tem nenhuma ovelha com a garganta cortada aqui. Você não tem o direito, e nenhuma necessidade.”

A voz de Prichard estava alta e perigosa. “Tem uma ovelha morta lá em cima!” E Will viuque o corpo da ovelha atacada pela milgwn, ainda lá em cima em sua plataforma, estava visível como um montinho brancode onde eles estavam. Então pela primeira vez ele soube porque o Rei Cinzento certi ficou-se de que sua milgwn deveria levá-la até aquele local.

Aquela é uma ovelha Pentref , daqueles abrigos de inverno em Clwyd,” John Rowlands disse.

“Oh, provavelmente,” disse Prichard, com desprezo.

“Vou te mostrar . Suba e veja.”

“Mesmo se for , qual a importância disso? Ainda continua sendo aquele seu cão assassino que fez essas coisas – para ovelhas sob a sua própria guarda também, não é mesmo? Qual é o problema com você, Rowlands, que ainda continua com ele?” Seu rosto brilhando com o suor da fúria, Prichard levantou sua arma ao nível de sua cintura, na direção da col ina.

“Não,” John Rowlands disse atrás dele, sua voz muito profunda. Algo em Caradog Prichard estalou, e ele se virou para encarar Rowlands, a arma ainda apontada. Sua voz f icou ainda mais al ta e aguda, ele estava como um arame prester a se part ir .

“Você f ica sempre metendo o seu nariz, John Rowlands. Tentando me impedir agora, do jei to que me impediu antes. Você não deveria ter me impedido naquele momento, eu teria lutado com ele e venceria, e então ela ficaria comigo. Ela f icaria comigo, se você não tivesse se intrometido.”

Suas mãos estavam brancas onde ele apertava a arma; suas palavras saíam tão rápidas que se atropelavam. John Rowlands ficou mudo, olhando para ele, e Will viu a compreensão seguir gradualmente a surpresa naquele rosto quando ele percebeu do que Prichard estava falando.

Mas antes que pudesse falar, a voz de Owen Davies saiu inesperadamente clara e forte da encosta acima deles, como um sino tocando. “Oh, não, com certeza, ele não teria f icado com você, Caradog. Nunca. E você não estava ganhando aquela briga e nunca teria ganho nem em mil anos, e foi sorte sua que John Rowlands se intrometeu. Eu não sabia o que estava fazendo, mas eu te mataria se eu pudesse, por ferir minha Gwen.”

“Sua Gwen?” Prichard cuspiu as palavras para ele. “A Gwen de qualquer homem! Isso estava claro como a luz no céu. “Porque mais ela escolheria um homem como você, Owen Davies? Ela era uma coisa adorável que saiu das montanhas, com o rosto de uma flor , e dedos que faziam a música sair daquela pequena harpa que ela carregava como nenhuma outra música que você já ouviu. . .” Por um instante houve uma terrível nostalgia na voz dele. Mas quase com a mesma velocidade, novamente o rosto louco torturado se contorceu de malevolência. Ele olhou para a cabeça branca de Bran.

101

Page 112: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

“E o fi lho bastardo al i , que você manteve todos esses anos para me atormentar , para me lembrar – você também não tem direito algum sobre ele, eu poderia ter tomado conta dela e de sua criança melhor do que você. . .”

Bran falou com uma voz alta distante, que pareceu vir de tão longe no passado que causou um calafrio na espinha de Will : “E então você teria ati rado no meu cão Cafal l , Sr . Prichard?”

“Aquele animal nem ao menos era seu cão,” Prichard disse de modo áspero. “Aquele era um dos cães de seu pai.”

“Oh, sim,” Bran disse com a mesma voz distante. “Sim, realmente. Meu pai t inha um cão chamado Cafall .”

O sangue de Will latejou em suas veias, pois ele sabia que o Cafal l de que Bran falava não era o cão Cafal l que tinha levado um tiro, e o pai não era Owen Davies. Então agora Bran, o Pendragon, devia conhecer sua verdadeira, magnífica, herança terr ível . Então uma úl tima surpresa surgiu na mente de Will . Deve ter sido Owen Davies quem deu o nome ao cão morto, pois Bran havia di to que Cafal l t inha vindo até eles quando ele mesmo era apenas um garotinho. Porque Owen Davies t inha dado o nome do cão do grande rei para o cachorro de seu fi lho?

Os olhos dele desviaram para a magra forma nada impressionante de Owen Davies, e viu que o homem estava lhe observando.

“Oh, sim,” Davies falou. “Eu sabia. Tentei não acreditar nisso, mas eu sempre soube. Ela veio de Cader Idris , você entende, e esse é o Assento de Arthur, em Inglês. Ela surgiu do passado com o f ilho de Arthur, porque t inha traído seu lorde o rei e temia que ele expulsasse seu próprio f ilho como resul tado. Através do encantamento de dewin ela t rouxe seu garoto para o futuro, para longe dos problemas deles – o futuro que agora é o tempo atual para nós. E ela deixou ele aqui. E talvez - talvez ela mesma não tivesse que voltar para o passado, se o gordo idiota não t ivesse interferido, e escutado a harpa, e desejasse minha Guinevere, e tentasse levá-la embora.”

Ele olhou fr iamente para Caradog Prichard. Com um rosnado de fúria Prichard levantou sua arma até seu ombro, mas John Rowlands rapidamente esticou um braço longo e puxou-a dele antes que seu dedo pudesse alcançar o gat ilho. Prichard gritou furioso, deu um grande empurrão nele e sal tou para longe, subindo com fúria venenosa na direção da plataforma onde estavam Bran e Owen Davies.

Bran se aproximou de Davies e colocou seu braço ao redor de sua cintura, e ficouperto. Esse foi o primeiro gesto de afeição entre os dois que Will jamais t inha visto. E uma maravilhosa e agradável surpresa surgiu no rosto cansado de Owen Davies quando ele olhou para a cabeça branca do garoto, e os dois f icaram parados ali , esperando.

Prichard subiu na direção deles, com um olhar assassino. Mas John Rowlands estava bem perto atrás deles. Ele balançou a arma para Prichard como um bastão, batendo no f lanco dele, e então o agarrou e segurou com a força de um homem muito mais jovem. Debatendo-se selvagemente, mas f icou preso e indefeso, Caradog Prichard colocou sua cabeça para t rás e deu um terr ível grito de loucura, quando todo o controle do Escuro o deixou, e sua mente entrou em colapso nas ruínas que agora deveriam restar. E com os Adormecidos cavalgando, e a úl tima esperança de machucar Bran se esvaindo, o Rei Cinzento desist iu de sua batalha.

Os ecos do gri to de Prichard tornaram-se um longo uivo através das montanhas, crescendo, caindo, crescendo, ecoando de pico em pico, enquanto todos os poderes do Escuro desapareceram para sempre de Cader Idris , do vale de Dysynni , de Tal y Llyn. Frio como a morte, angustiado como toda as perdas no mundo, ele morreu na distância e mesmo assim pareceu ficar suspenso no ar.

102

Page 113: a rebelião das trevas - livro 4 - o rei cinzento - susan cooper.pdf

Eles ficaram imóveis, capturados pelo horror.

A névoa que os homens chamavam o respirar do Rei Cinzento veio rastejando descendo pela passagem e descendo pelo lado das montanhas, rolando e ondulando, ocultando tudo que at ingia, até que isolou cada um deles dos outros. Um confuso som murmurante saiu da névoa, mas apenas Will viu as grandes formas cinzentas das raposas fantasmas, as milgwn do Brenin Llwyd, vieram velozes descendo a montanha, e mergulharam no lago escuro, e desapareceram.

Então a névoa fechou-se sobre Llyn Mwyngil , o lago no ret iro confortável, e houve um frio silêncio por todo o vale a não ser pelo distante bal ido, às vezes, de uma ovelha da montanha, como o eco da voz de um homem chamando o nome de uma garota, bem distante.

*******

Aqui termina THE GREY KING, quarto l ivro da série THE DARK IS RISING.O primeiro l ivro foi chamado de OVER SEA, UNDER STONE. O segundo l ivro THE

DARK IS RISING. O terceiro GREENWITCH e o quinto SILVER ON THE TREE.

103