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dangcong
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
A RECURSIVIDADE NO SISTEMA SINTTICO SUBJACENTE FACULDADE
DA LINGUAGEM
Dissertao de Mestrado
Sidriana Scheffer Rattova
Profa. Dra. Ana Maria Tramunt Ibaos
Orientadora
Porto Alegre
2014
SIDRIANA SCHEFFER RATTOVA
A RECURSIVIDADE NO SISTEMA SINTTICO SUBJACENTE FACULDADE
DA LINGUAGEM
Dissertao apresentada como requisito para a obteno
de grau de Mestre pelo Programa de Ps-Graduao da
Faculdade de Letras da Pontifcia Universidade
Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS.
Orientadora: Professora Dr. Ana Maria Tramunt Ibaos
Porto Alegre
2014
AGRADECIMENTOS
Obrigada, Duarte, meu marido, sempre compreensivo com as minhas ausncias,
atencioso com o nosso filho Joo Afonso, pela falta da me e ouvinte paciente sobre as
minhas explanaes a respeito da linguagem e seus mistrios.
Obrigada, Ana Maria Tramunt Ibaos, minha orientadora, sempre me recebendo em
sua sala com um sorriso que me tranquiliza. Seu conhecimento, praticidade, segurana e
humor singular me do confiana que me impulsiona a estudar cada vez mais.
Obrigada, Ivanete, minha colega e amiga, sempre pronta a me ajudar. Perdi as contas
de quantas vezes a importunei com minhas dvidas e nunca fiquei sem resposta. Espero, um
dia, poder retribuir a toda a ajuda que me deste.
Obrigada, Claudia Regina Brescancini, Ingrid Finger, Jorge Campos da Costa, Leda
Bisol, Lilian Cristine Scherer e Vera Wannmacher Pereira, meus professores, grandes
mestres, sempre atenciosos e prestativos, que me despertaram ainda mais o fascnio pelo
estudo da linguagem.
Obrigada, Cludia, Virgnia, Jlia, Marcelle e Alessandro pela acolhida em Porto
Alegre.
Enfim, obrigada a todos que contriburam para a realizao deste sonho, porque, de
outra forma, no seria assim.
Quando falamos uma lngua
sabemos muito mais do que aquilo que aprendemos.
Noam Chomsky
RESUMO
Este trabalho disserta sobre o fenmeno recursivo das lnguas naturais com base em uma
pesquisa bibliogrfica feita a partir dos estudos da Teoria da Gramtica Gerativa de Noam
Chomsky (1957). A noo de recursividade uma questo polmica e tem sido motivo de
grande debate na literatura recente (HAUSER, CHOMSKY e FITCH, 2002; PINKER e
JACKENDOFF, 2005, entre outros) e no h um consenso sobre a sua definio. Especula-se
que o componente sinttico recursivo no seja nico linguagem humana e, principalmente,
questiona-se a sua universalidade. Dessa forma, esta pesquisa procura iluminar as questes
problemticas apresentadas acima, partindo de um panorama dos vrios desdobramentos que
o conceito recursividade apresenta no que diz respeito a seu tratamento na Lingustica
Cognitiva, fazendo um percurso histrico desde a Matemtica at as relaes com a
linguagem, seguindo com uma investigao da natureza recursiva da sintaxe e culminando
com as reivindicaes relativamente recentes sobre a centralidade da recurso no contexto da
Biolingustica.
Palavras-chave: Recursividade. Sintaxe Gerativa. Lingustica Cognitiva. Biolingustica.
ABSTRACT
This work discusses upon natural language recursive phenomenon based on a bibliographic
research carried out from the studies of Generative Grammar Theory by Noam Chomsky
(1957). The notion of recursion is a polemic matter and it has been the subject of a great
debate in recent literature (HAUSER, CHOMSKY AND FITCH, 2002; PINKER AND
JACKENDOFF, 2005, among others) and there is not a consensus about its definition. It is
speculated that the recursive syntactic component is not only to language faculty and, mainly,
its universality is questioned. Thus, this research tries to elucidate the problematic issues
presented above, starting with an overview of the various deployment that the concept of
recursion presents with respect to its treatment in Cognitive Linguistic, making a historical
route from Mathematics to language relation, followed by an investigation of the recursive
nature of syntax and culminating with the relative recent claims about the centrality of
recursion in Biolinguistic context.
Keywords: Recursion. Generative Syntax. Cognitive Linguistic. Biolinguistic.
SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................................ 7
1 O FENMENO RECURSIVO .......................................................................................... 10
1.1 DEFININDO RECURSO ................................................................................................ 13
1.2 RECURSO E ITERAO: EM BUSCA DE UMA DEFINIO ................................ 17
1.2.1. Tipos de recurso .......................................................................................................... 19
1.2.2 Iterao ........................................................................................................................... 21
2 A NATUREZA RECURSIVA DA SINTAXE .................................................................. 26
2.1 O ESTRUTURALISMO EUROPEU E O ESTRUTURALISMO AMERICANO ........... 28
2.2 O GERATIVISMO DE CHOMSKY ................................................................................. 33
3 A RECURSIVIDADE COMO PROPRIEDADE NICA DA FACULDADE INATA
DA LINGUAGEM .................................................................................................................. 49
3.1 A FACULDADE E A EVOLUO DA LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DA
BIOLINGUSTICA .................................................................................................................. 50
3.1.1 Adaptao ........................................................................................................................ 52
3.1.2 Exaptao e spandrel .................................................................................................... 53
3.1.3 Gradual e saltacional ..................................................................................................... 54
3.2 CHOMSKY E A LNGUA COMO SISTEMA DE REPRESENTAO MENTAL DE
BASE INATA .......................................................................................................................... 55
3.3 PINKER E A LINGUAGEM COMO UM INSTINTO ..................................................... 60
3.4 A SINGULARIDADE DA RECURSO .......................................................................... 66
CONCLUSO ......................................................................................................................... 73
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 75
INTRODUO
Este estudo toma como base a Teoria da Gramtica com o objetivo de investigar o
fenmeno recursivo das lnguas naturais. A noo de recursividade h muito tem
desempenhado um papel importante no desenvolvimento do campo da Lingustica, mais
especificamente na abordagem Gerativa. Porm, o interesse pelo fenmeno recursivo das
lnguas naturais bem mais antigo. Descartes procurou ressaltar a diferena entre o homem e
o animal atravs da racionalidade e da variante lingustica. Da mesma forma, dois sculos
mais tarde, Wilhelm von Humbolt chamou a ateno capacidade humana de fazer o uso
infinito de meios finitos. Contudo, Descartes e Humbolt ainda no haviam falado
precisamente sobre recurso, e infinitude poderia ser produzida por outros meios.
Foi a partir dos estudos lingusticos de Noam Chomsky (1957) que uma teoria formal
lingustica com princpios recursivos desenvolveu-se tendo um modelo matemtico preciso de
linguagem baseado na recursividade. Chomsky mostrou que a noo central da teoria das
funes recursivas formais poderia ser adaptada linguagem, partindo do pressuposto de que
um processo recursivo aquele que pode reaplicar-se indefinidamente, dando origem a uma
estrutura hierrquica, visto que, at o momento, a lingustica estruturalista, na sua vertente
norte-americana, havia realizado uma descrio das relaes estruturais em termos de
constituintes imediatos.
Com o avano da teoria, algumas regras foram sendo eliminadas e a recursividade
passou a fazer parte da estrutura profunda das frases. Atualmente, com o Programa
Minimalista (CHOMSKY, 1986), houve um redirecionamento da teoria lingustica em relao
ao estudo da funo dos itens lexicais s interfaces semnticas e fonolgicas, e um nico
mecanismo identificado para esta funo, denominado Merge. Chomsky tem sido enftico
ao afirmar que a recursividade subjaz ao mecanismo Merge e esse processo que constri
recursivamente os objetos sintticos a partir dos itens lexicais (CHOMSKY, 1995).
Ainda assim, o termo recursividade problemtico, visto que no h um consenso
sobre o seu conceito, e as definies disponveis na literatura, muitas vezes, so vagas e
imprecisas em fornecer uma explicao. Certas definies salientam o encaixamento das
estruturas recursivas, outras utilizam as regras de estrutura frasal como base, outras
simplesmente equiparam a recursividade repetio e iterao. Assim, a dificuldade mais
significante em relao s definies a incapacidade em se fazer trs distines essenciais:
recurso no o mesmo que iterao, recurso no o mesmo que estrutura frasal e h
diferentes tipos de recurso.
8
Apesar de todas essas controvrsias e indefinies envolvendo o tema recursividade,
h aproximadamente 10 anos, a pesquisa sobre o fenmeno recursivo das lnguas naturais
passou a delinear-se sob a perspectiva biolingustica e assim um novo vis de pesquisa
desenvolveu-se desde o trabalho de Marc Hauser, Noam Chomsky e Tecumseh Fitch (HCF).
Com a publicao de um artigo, Hauser, Chomsky e Fitch (2002) formulam uma nova
hiptese envolvendo recurso. Os autores diferenciam a faculdade da linguagem entre Sentido
Amplo (Faculty of Language in the Broad Sense - FLB) e Restrito (Faculty of Language in
the Narrow Sense - FLN), extraindo da Biolingustica a distino entre os traos humanos que
podem ser relegados a capacidades cognitivas gerais que, de acordo com HCF, so
compartilhadas com outros animais, e traos que so especificamente humanos. Assim, a FLB
constituda por um sistema sensrio-motor, intencional-computacional e computacional
interno, que a faculdade da linguagem em sentido restrito (FLN), e a FLN apenas envolve a
propriedade da infinitude discreta, com base na recursividade.
Contudo, essa hiptese tem sido vigorosamente desafiada por Pinker e Jackendoff
(P&J) (2005) que, apesar de concordarem com a distino entre a faculdade da linguagem em
sentido amplo e restrito, apresentam vrios contrapontos aos argumentos de HCF e ao
minimalismo em termos mais gerais. Consideram que a hiptese da recurso como o nico
componente da linguagem em sentido restrito partiu dos conceitos do minimalismo e este
ignora muitas propriedades fundamentais da linguagem, tal como a fonologia, o lxico, a
morfologia e os dispositivos sintticos, como pronomes, artigos, complementizadores,
auxiliares, quantificadores, modo e aspecto, os quais desempenham um papel importante na
sintaxe das lnguas naturais e que, pelo menos, alguns desses outros aspectos tambm podem
ser nicos faculdade humana da linguagem. Alm do mais, os autores sugerem que a
recursividade parece desempenhar um papel em outros sistemas da cognio humana, como,
por exemplo, na msica ou na formulao de sequncias de aes complexas.
A dissonncia entre os protagonistas desse debate ocorre em virtude dos pressupostos
tericos que cada um defende. Embora ambos aceitem a hiptese de que a linguagem tenha
evoludo pela seleo natural, para Chomsky h uma gramtica universal de base inata e a
linguagem surgiu atravs da exaptao, ou seja, no avano evolutivo, a linguagem pode ter
surgido por um acidente de percurso. Por outro lado, Pinker aposta na evoluo; segue o
darwinismo clssico e afirma que a linguagem um conjunto de propriedades de vrias
naturezas que evoluiu como qualquer outro ser vivo, como uma forma de instinto.
Para podermos tratar de todos esses assuntos de forma coerente e organizada, este
estudo apresentado em trs captulos. O primeiro captulo trata das interpretaes associadas
9
ao termo recursividade na Matemtica e na Computao, disciplinas das quais provm o
conceito incorporado pela Lingustica. Nesse momento, tambm sero apresentados os tipos
de recurso descritos na literatura atual, bem como as diferentes interpretaes do termo
recursividade, iterao e estrutura hierrquica. No captulo dois, exploraremos a natureza
recursiva da sintaxe abordando a incorporao da noo de recursividade na Teoria da
Gramtica, atravs de um percurso histrico, desde o incio da Teoria Gerativa at o Programa
Minimalista.
O captulo trs apresenta os estudos que vm sendo conduzidos na rea da
Biolingustica e Lingustica Evolucionria e discute o debate entre Chomsky, Hauser e Fitch
versus Pinker e Jackendoff sobre a natureza da linguagem humana, seu percurso evolutivo,
como ela adquirida, de que forma se desenvolve e qual o papel da recursividade nesse
processo. Assim, o ponto de embate se a recursividade universal e de base inata, se ela
compe um trao unicamente humano da linguagem e se o nico componente que diferencia
a linguagem humana das demais. Ento, apresentamos o conceito de linguagem na
perspectiva da Biolingustica e traamos alguns caminhos na histria da evoluo que podem
ter colaborado para o surgimento da linguagem. Introduzimos tambm os princpios tericos
que norteiam a investigao de Chomsky e seus associados acerca da evoluo da linguagem
e a viso de Pinker e Jackendoff da linguagem como um instinto.
Esse estudo motivado pelo fato de esse tema ser amplamente discutido na literatura
estrangeira, porm com pouca repercusso em nosso meio acadmico, visto que encontramos
poucos registros de publicaes em portugus brasileiro at o momento. Por isso, acreditamos
que a relevncia dessa pesquisa justifica-se pela sua aplicabilidade terica, pois poder
contribuir como embasamento terico para futuras pesquisas, principalmente no mbito da
Sintaxe Gerativa, da Lingustica Cognitiva e da Biolingustica.
1 O FENMENO RECURSIVO
O carter recursivo da linguagem humana um dos aspectos que diferencia nosso
sistema comunicacional de todos os outros sistemas utilizados por no humanos. A
capacidade de encaixar estruturas em outras, num processo recursivo, dotou a nossa espcie
com uma habilidade ilimitada de criar sentenas para expressar um conjunto igualmente
ilimitado de possveis significados. Considerando os limites de nossa memria e de nossa
capacidade de processamento, podemos combinar frases para fazer sentenas ad infinitum.
O conceito de recursividade incorporado pela lingustica provm das cincias
formais, mais precisamente da Matemtica e da Computao. Segundo Parker (2006), o
conceito do termo recurso, que a rea da Lingustica oferece, carece muitas vezes de uma
definio. No entanto, este no parece ser um problema especfico da Lingustica, uma vez
que, conforme a autora, na Computao, de onde a Lingustica herdou a noo, as
significaes necessitariam de um fio condutor comum. Igualmente na Matemtica, rea na
qual o termo foi originalmente estabelecido, nota-se uma situao semelhante (SOARE,
1996). De fato, no h um consenso entre os linguistas para a definio de recursividade e,
dependendo da rea em que ela usada, algumas definies so mais informativas do que
outras.
Na Matemtica, por exemplo, onde o termo originou-se, um objeto dito recursivo
se ele constituir parcialmente ou for definido em termos de si prprio. Nesse contexto um tipo
especial de procedimento (algoritmo)1 ser utilizado algumas vezes para a soluo de alguns
problemas. Esse procedimento denominado recursivo. Assim, na Matemtica a
recursividade caracterizada como uma propriedade de mecanismos, relaes ou
determinados objetos. Por isso, encontramos conjuntos recursivos, algoritmos recursivos,
funes recursivas, problemas com solues recursivas, definies recursivas, etc.
Embora seja amplamente conhecido que a Teoria da Gramtica, inaugurada por
Chomsky (1955), contm componentes recursivos, pouco se discute as fontes sobre as quais o
autor debruou-se com o objetivo de formular as verses iniciais de tais componentes. Sabe-
se que o conceito de Gramtica Formal (1955) foi inspirado no domnio da Lgica
Matemtica e, em especial, no domnio das funes recursivas por Gdel, Church, Turing,
Post e Kleene, nas dcadas de 30 e 40. Chomsky tinha como objetivo representar os
1 Tanto na Matemtica, quanto na Computao, um algoritmo uma lista bem definida, ordenada e finita de
operaes que permitem obter um resultado. Dado um estado inicial e uma entrada (input), atravs de passos
sucessivos e claramente definidos, chega-se a um estado final obtendo-se uma sada (output).
11
resultados da anlise lingustica emprica atravs de um corpo terico sistemtico, rigoroso e
integrado, como se apresenta no campo da Matemtica.
No entanto, a noo da natureza recursiva da linguagem natural j havia sido
percebida por Yehoshua Bar-Hillel (1953) com a publicao de On recursive Definitions in
Empirical Science. Segundo Tomalin (2007), nesse artigo, o autor j mencionara que as
definies recursivas precisariam no ser apenas empregadas no contexto da Matemtica e da
Lgica Formal, mas que tais definies poderiam tambm facilitar as metodologias analticas
adotadas pelas cincias empricas, como a Lingustica.
Bar-Hillel considerou como exemplo de recurso elementar os axiomas dos nmeros
naturais de Giuseppe Peano, apresentado em 1889 na obra "Arithmetices Principia Nova
Methodo Exposita". Nessa obra, Peano estabelece nove axiomas para a aritmtica. Quatro
destes so verdades acerca da igualdade, mas os outros cinco so os postulados especiais
seguintes:
1) O nmero 1 um nmero natural;
2) Cada nmero n tem um sucessor n' em IN:
3) No existe nenhum nmero natural que tenha como sucessor o nmero 1;
4) Se n = m ento n' = m';
5) Todo o conjunto de nmeros naturais que alm de ter o nmero n, tem tambm
o sucessor de cada nmero n, possui todos os nmeros naturais.
Embora Peano tenha apresentado axiomas recursivos em 1889, foi Kurt Gdel quem
apresentou o uso das funes recursivas primitivas2 em 1931, em seu Teorema da
Incompletude, em que o autor afirma que:
A number-theoretic function is said to be recursive [rekursiv] if there is a finite
sequence of number-theoretic functions 1, 2, ..n that ends with and has the
property that every functions k of the sequence is recursively defined [rekursiv
definertist] in terms of two of the preceding functions, or results from any of the
preceding functions by substitution, or is, a constant or the successor function x + 1
(GDEL, 1986 [1931] p. 159).3
2 Funo Primitiva Recursiva estabelece que uma frmula pode ser calculada num limite finito de tempo. Para
obter essa certeza lana-se mo de uma definio recursiva, por exemplo, a definio fatorial n = n (n-1)!,0! = .
Segundo Gdel (1986), apenas uma definio, no o mtodo mais eficiente de calcular um fatorial, mas
temos a garantia de obtermos o resultado em um nmero determinado de passos. 3 Considera-se recursiva [rekursiv] uma funo de nmeros tericos se houver uma sequncia finita de
funes de nmeros tericos 1, 2, .....n, que termina com e possui a propriedade de cada funo k da
sequncia recursivamente definida [rekursiv definertist] em termos de duas funes precedente ou o resultado de
qualquer uma das funes precedentes por substituio, ou seja, uma constante ou a funo sucessora x + 1.
12
Em outro artigo de 1934, Gdel estende sua teoria definindo as funes recursivas
gerais. Na tentativa de especificar quais classes de funes de nmeros teorticos poderiam
ser precisamente classificadas como sendo recursivas, Gdel percebeu que havia certas
funes efetivamente calculveis4 que no eram funes primitivas recursivas e,
consequentemente, ele foi obrigado a definir uma classe maior de funes recursivas gerais.
Assim, o matemtico definiu as funes como sendo primitivas e gerais.
Em 1936 Alonzo Church introduziu a ideia de conjuntos recursivamente
enumerveis5, sendo que essas estruturas matemticas foram, mais tarde, reformuladas por
Emil Post (1940). Na apresentao de Post, um conjunto de nmeros naturais no negativos,
A, recursivamente enumervel se h uma funo recursiva geral, , o qual enumera os
membros do conjunto. Essa hiptese provou ser o marco do desenvolvimento da teoria das
funes recursivas, onde Church e Alan Turing publicaram, separadamente, dois artigos que
introduziram as noes de -definibilidade6 e computabilidade7, respectivamente. Esses
trabalhos foram amplamente responsveis pelo desenvolvimento da teoria da computabilidade
como uma rea de pesquisa independente durante o perodo de 1940 e 1950.
Pelo fato de ser demonstrado que as funes recursivas gerais (definidas por Gdel)
poderiam ser expressas novamente em ambos os termos de -clculo e mquinas de
computao (por exemplo, Turing)8, essas trs teorias distintas rapidamente tornaram-se
interligadas e, juntas, formaram as trs bases distintas da Matemtica (TOMALIN, 2007).
Em 1952, Stephen Kleene publicou Introduction to Metamathematics, obra na qual
procurou compilar os resultados obtidos por Peano, Gdel, Church, Turing e Post, e, de
acordo com Tomalin (2007), foi a partir dessa obra que muitos linguistas interessados nos
avanos das teorias da Lgica e da Matemtica familiarizaram-se com os conceitos de funes
e perceberam que esses conceitos poderiam ser aplicados no campo da Lingustica, com o
objetivo de fortalecer os estudos da linguagem sobre bases mais rigorosas e especficas.
4 Conforme Soare (1996), uma funo efetivamente calculvel (ou computvel, ou simplesmente calculvel) se
ela pode ser calculada por um processo mecnico finito. 5 Dizemos que um conjunto A recursivamente enumervel se existe um procedimento que enumera os
elementos de A. Isto quer dizer que existe um procedimento que emite todos os elementos de A, possivelmente
com repeties. 6Church introduziu, atravs da noo de -definibilidade, o conceito de efetivamente calculvel, onde tentou
demonstrar que toda funo recursiva geral de nmeros inteiros pode ser -definvel e cada funo -definvel de
nmeros positivos inteiros recursiva (CHURCH, 1936). 7 A Teoria da Computabilidade proposta por Turing introduziu a noo de funo computvel de Turing e
provou que toda a sequncia calculvel -definvel computvel e vice-versa (SOARE, 1996). 8 A mquina abstrata de Alan Turing ou mquina de Turing identifica como a funo computvel, qualquer
funo que possa ser processada por ela. Intuitivamente, a mquina de Turing torna a computao uma atividade
semelhante que ocorre em uma fbrica. Os valores iniciais de uma funo computvel so a matria-prima e os
valores finais so o produto (SILVA e MELO, 2006, p. xi).
13
Apesar do uso do termo recurso ou recursividade ser bastante difundido na
literatura, tanto no domnio da Lingustica como em outros campos, sua definio no tem
recebido um tratamento claro e esclarecedor. Muitos autores afirmam que at pouco tempo
atrs no havia na literatura uma preocupao manifesta em elucidar os pontos obscuros
associados noo (PARKER, 2006; TOMALIN, 2007; entre outros). Essa situao est
comeando a mudar com a recente publicao de alguns trabalhos que visam a discutir os
alcances e limites do conceito, tanto no seio da teoria Lingustica quanto na sua aplicao nas
Cincias Cognitivas de um modo geral (PARKER, 2006; TOMALIN, 2007; LOBINA, 2010;
VAN DER HULST, 2010; CORBALLIS, 2011; entre outros). Nesse sentido, a seo que
segue tem por objetivo explorar e discutir a noo de recursividade em todos os seus aspectos.
1.1 DEFININDO RECURSO
Com o objetivo de esclarecermos o conceito de recurso, temos que levar em conta
as diferentes distines que a literatura atual oferece. Essas caracterizaes se distinguem com
base no aspecto que resulta mais saliente na definio de cada uma delas. Parker (2006)
delimita quatro grupos que so utilizados na Teoria Lingustica, que sero discutidos a seguir.
A primeira distino baseada na infinitude discreta da lngua. Carnie (2002, p. 91)
oferece uma definio que liga a propriedade da infinitude discreta recurso nas regras de
estrutura frasal que geram as sentenas gramaticais da lngua. De acordo com o autor,
recursivity is the property of loops in the phrase structure rules that allows infinitely long
sentences, and explains the creativity of the language9. A estrutura abaixo exibe as alas
(loops) a que Carnie se refere. O autor afirma que uma gramtica com tais regras nos
permitir gerar sentenas como:
(1) He knows that I know that John met Mary.10
S NP VP
NP (det) N (CP)
VP V { NP }
{CP }
CP S11
9 recursividade a propriedade de alamento nas regras de estrutura frasal, que permitem sentenas
indefinidamente longas e explicam a criatividade da linguagem. 10
Ele sabe que eu sei que John encontrou Mary. 11
Adotaremos, neste trabalho, a nomenclatura em ingls.
14
A ala (loop) mencionada por Carnie (2002) realizada pelo fato de que toda a
sentena contm um NP, que contm um CP que, por sua vez, contm uma sentena (S). A
essa natureza indireta de alamento (looping) chamamos de recurso indireta.
Chomsky (2000), nas verses mais recentes da teoria, tambm utiliza o termo
recursividade como sinnimo de infinitude discreta, que tomada, muitas vezes, como
sinnimo de criatividade e produtividade lingustica. Segundo o linguista (CHOMSKY, 2000,
p. 3), human language is based on an elementary property that also seems to be biologically
isolated: the property of discrete infinity, which is exhibited in its purest form by the system
of natural numbers 1,2,3 ....12
A segunda distino procura explicar o fenmeno recursivo atravs do alamento
(looping) exibido nas regras de estrutura frasal. Christiansen (1994, p. 120) formaliza essas
regras afirmando que recursion entails that non-terminal symbol on the left-hand side of a
rule reappears on the right hand side of the same or another rule.13 Essa definio sugere que
todos os smbolos terminais14 devem aparecer no lado direito da estrutura frasal caso eles
sejam utilizados, mas que, se aparecerem novamente sozinhos, no acarretar recurso.
Assim, haver recurso se: (1) o smbolo no terminal aparecer em ambos os lados da mesma
regra, ou (2) ele aparecer no lado direito de uma regra cujo lado esquerdo consistir em um
smbolo terminal ou no terminal que aparece no lado direito da regra que, por sua vez, o
smbolo no terminal original aparece no lado esquerdo. No exemplo acima, a regra para o
smbolo no terminal (S) se expande para incluir um smbolo no terminal (NP), que se
expande para conter outro smbolo no terminal (CP) cuja regra se expande novamente para
incluir o smbolo no terminal inicial (S).
Pinker (2003) tambm sugere que o alamento (looping) que permite gerar
sentenas de nmero infinito, visto que uma sentena pode ser composta de um NP e um VP,
e um VP pode ser composto de um verbo ou outro NP, criando, assim, uma ala (loop) regida
pelo princpio da recursividade. Segundo o autor, a phrase is defined as a sequence of
phrases, and one or more of those daughter phrases can be of the same kind as the mother
12
A linguagem humana baseada na propriedade elementar que tambm parece ser biologicamente isolada: a
propriedade da infinitude discreta, que exibida em sua forma pura pelo sistema dos nmeros naturais 1,2,3... 13
A recurso acarreta que um smbolo no-terminal no lado esquerdo de uma regra reaparece no lado direito da
mesma ou de outra regra. 14
Conforme Raposo (1992), os smbolos ou constituintes terminais so as palavras, e os smbolos no terminais
so as Categorias Sintagmticas, por exemplo, NP, VP, etc.
15
phrase (PINKER, 2003, p. 18).15 Assim, a partir desses conceitos, recurso e estrutura frasal
so definidas como sendo sinnimos.
Uma terceira definio de recurso na literatura lingustica envolve a noo de
encaixamento (embedding), particularmente encaixamento de constituintes idnticos. Essas
definies abstm-se de ligar recurso diretamente s regras da gramtica formal, um fato que
permite tais definies serem mais acessveis. Kirby (2002, p. 27) define recurso comoa
property of language with finite lexica and rule-sets in which some constituent of an
expression can contain a constituent of the same category16
. Carnie (2002, p. 61) define
recurso como sendo o encaixamento de constituintes idnticos quando afirma que recursion
is the ability to embed structures iteratively inside one another.17Da mesma forma que
Pinker e Jackendoff (2005) quando sugerem a existncia de um constituinte que contm um
outro do mesmo tipo, Parker (2006, p. 181) explica recurso como a process that involves
the embedding of an action or object inside another action or object of the same type, each
embedding being dependent in some way on the action or object it is embedded inside.18
Corballis (2011, p. 6) descreve como [...] recursive constructions need not involve the
embedding of the same constituent, but may contain constituents of the same kind a process
sometimes known as self-similar embedding.19
Vrias outras definies de recurso envolvem iterao e podem ser divididas em
dois tipos: (a) aquelas que confundem os conceitos de recurso e iterao, (b) as que definem
recurso como sendo oposta iterao. Radford (1997), por exemplo, sugere que recurso
um procedimento que pode ser repetido vrias vezes. De acordo com esta definio, recurso
simplesmente a aplicao de algo sucessivamente. Hurford (2004, p. 560), por outro lado,
define iterao como iteration is doing the same thing over and over again, until some
criterion is met20, e recurso a recursive procedure is (partially) defined in terms of itself.21
Pinker e Jackendoff (2005, p. 203) tambm ilustram a diferena entre recurso e iterao. De
acordo com os autores, tail recursion can be mimicked by a computational device that
15
Uma frase definida como uma sequncia de frases e uma ou mais das frases geradas podem ser do mesmo
tipo da frase inicial. 16
Uma propriedade com um lxico finito e um conjunto de regras no qual algum constituinte de uma expresso
pode conter um constituinte da mesma categoria. 17
Iterao a habilidade de encaixar estruturas iterativamente, uma dentro de outra. 18
Recurso envolve o encaixamento de uma ao ou objeto dentro de uma outra ao ou objeto de um mesmo
tipo, cada encaixamento sendo dependente de alguma maneira da ao ou objeto em que se encontra
encaixado. 19
Uma construo recursiva no precisa envolver encaixamento de um mesmo constituinte, mas pode conter
constituintes do mesmo tipo um processo conhecido, s vezes, como encaixamento auto-similar. 20
Iterao fazer a mesma coisa repetidamente at que algum critrio seja encontrado. 21
Um procedimento recursivo (parcialmente) auto-definido.
16
implements simple iteration, where one instance of a procedure can be completed and
forgotten by the time the next instance has begun. Nested recursion, however, cannot be
mimicked by iteration.22 Parker (2006, p. 181) aponta iterao como a mere repetition of an
action or object, each repetition being a separate act that can exist in its entirely apart from the
other repetitions.23 Por fim, Corballis (2011) sugere que a distino entre recurso e iterao
uma questo de interpretao.
Em resumo, a definio do termo recurso na Teoria Lingustica pode ser
classificada da seguinte maneira:
1) Infinitude discreta (CARNIE, 2002; CHOMSKY, 2002);
2) Estrutura frasal (HORROCKS, 1987; PINKER, 2003);
3) Encaixamento, principalmente de constituintes da mesma natureza (KIRBY,2002;
CARNIE, 2002; PINKER e JACKENDOFF, 2005; PARKER, 2006; CORBALLIS,
2011);
4) Iterao ( RADFORD, 1997);
5) Recurso versus iterao (HURFORD, 2004; PINKER e JACKENDOFF, 2005;
PARKER, 2006).
Apesar de haver um nmero expressivo de definies, muitas vezes contraditrio,
sobre o significado de recurso, muitas delas pecam em no diferenciar a distino entre
recurso e iterao, como tambm dois tipos importantes de recurso: tail recursion e nested/
embedded recursion. Compreende-se por tail recursion como sendo simplesmente um tipo de
recurso que envolve encaixamento na borda direita ou esquerda do sintagma. Por outro lado,
nested/embedded recursion acarreta o encaixamento no centro, deixando material em ambos
os lados do constituinte encaixado, sendo que a nested recursion normalmente produz
dependncias de longa distncia24. Iterao, por sua vez, envolve apenas a repetio de uma
ao ou de um objeto um nmero arbitrrio de vezes.
Uma terceira distino pode ser estabelecida entre recursividade e estrutura frasal.
No raras vezes, ambos os conceitos so assumidos como sendo anlogos. Embora a ideia de
estrutura frasal refira-se relao hierrquica dos constituintes na sentena, uma estrutura
frasal pode ser hierarquicamente organizada sem por isso ser, obrigatoriamente, recursiva. A
22
Tail recursion pode ser mimetizado por um dispositivo computacional que implementa iterao simples, onde
uma instncia de um procedimento pode ser completado e esquecido pelo tempo que a prxima instncia
comeou. Nested recursion, no entanto, no pode ser mimetizada pela iterao. 23
Uma mera repetio de uma ao e um objeto, sendo cada repetio um ato separado que pode existir
independente de outras repeties. 24
Segundo Parker (2006), uma dependncia de longa distncia a relao entre dois elementos ou posies de
uma frase ou sentena que podem ser separados, porm a existncia e forma de um dos elementos so regulados
pelo outro.
17
diferena crucial entre recurso e estrutura frasal se d pelo fato de que enquanto a primeira
envolve constituintes idnticos dentro de outros constituintes, a segunda envolve frases
encaixadas em outras frases. Ento, para haver recurso necessrio fazer uso da hierarquia
existente na estrutura frasal, porque precisamos da capacidade de encaixar constituintes,
porm, o contrrio no ocorre.
Segundo Lobina e Garcia-Albea (2009, p. 1352),
There seem to have a strong tendency to confuse hierarchically structure
representations with recursion. Even though hierarchical data structure call for
recursive mechanisms, the latter are not automatic because of the former. Recursion
always involve hierarchy, but not all hierarchy involves recursion iteration may
well be right candidate for some structure/tasks.25
Com efeito, uma estrutura frasal, por natureza, possui uma forma hierrquica, os
elementos da computao sinttica so combinados para formar estruturas maiores, que
chamamos de frases, e frases so combinadas com outras frases para formar frases ainda
maiores. Essa formao sucessiva de frases resulta em uma estrutura hierrquica que pode ser
representada atravs de rvores sintticas (LOBINA e GARCIA ALBEA, 2009).
Segundo Parker (2006), o esclarecimento destas diferenas do um suporte terico na
alegao de Hauser, Chomsky e Fitch (2002) sobre a centralidade da recurso na faculdade
da linguagem, bem como fornecem um contexto mais amplo sobre as teorias de evoluo da
linguagem. Portanto, na seo que segue, examinaremos os diferentes tipos de recurso e
faremos um contraponto entre recurso e iterao. As definies sero seguidas de exemplos
que auxiliaro na compreenso referente a cada conceito.
1.2 RECURSO E ITERAO: EM BUSCA DE UMA DEFINIO
Neste espao, procuraremos definir os diferentes tipos de recurso disponveis na
literatura. Tambm achamos pertinente fazer um breve estudo comparativo da definio de
recurso que a Computao oferece. No entanto, em ambos os casos h pouco consenso entre
os pesquisadores, tendo em vista que algumas definies salientam a natureza de
encaixamento (embedded) das estruturas recursivas, outras usam regras de estrutura frasal
25
Parece haver uma forte tendncia em confundir representaes de estruturas hierrquicas com recurso.
Embora a estrutura de dados hierrquicos chame por mecanismos recursivos, este ltimo no automtico por
causa do primeiro. A recurso sempre envolve hierarquia, mas nem toda a hierarquia envolve recurso iterao
pode ser uma boa candidata para algumas estruturas ou tarefas.
18
como base, e outras ainda associam recurso com iterao ou simples repetio. Contudo,
apesar do uso por vezes intercambivel entre algumas das noes, possvel estabelecer
algumas distines relevantes. De acordo com Parker (2006), a maior dificuldade referente
definio de recurso , muitas vezes, a incapacidade de se fazer duas importantes distines:
recurso no a mesma coisa que iterao e muito menos que estrutura frasal ou hierrquica.
Ainda, segundo a autora, as definies de que a Computao dispe tm mais a oferecer em
termos de especificar as devidas distines.
Na Computao a recurso ocorre quando um dos passos de um determinado
algoritmo envolve a repetio desse mesmo algoritmo (PONTES JUNIOR, 2010, p. 4).
Assim, possvel obter um objeto ou sequncias infinitas a partir de um componente finito.
Santiago e Bedregal (2004, p. 22) definem recurso como um mtodo para definir funes
que descreve como uma funo retorna valores a partir de resultados previamente obtidos. Os
autores mencionam que a recurso na computao utilizada em trs maneiras distintas: (i)
nas definies; (ii) na soluo de problema; e (iii) nas estratgias de programao.
De acordo com Santiago e Bedregal (2004), as definies recursivas so muito
utilizadas na definio de funes matemticas, como a funo fatorial (n!)26 e a sequncia
Fibonacci27. Tambm h estratgias recursivas para a soluo de problemas, uma tcnica de
dividir e conquistar. A ideia bsica dividir um problema em um conjunto de subproblemas
menores, que so resolvidos independentemente para depois serem combinados a fim de gerar
uma soluo final, como, por exemplo, a Ordenao. Dado um conjunto de nmeros
podemos, recursivamente, dividi-los em conjuntos menores at alcanarmos conjuntos com
um ou dois elementos. Esses conjuntos podem ser facilmente ordenados e depois combinados
novamente dando origem ordenao. As estratgias de programao utilizam a programao
recursiva, que permite que funes chamem a elas mesmas.
Assim, na Computao, um algoritmo recursivo deve fazer pelo menos uma chamada
a si mesmo, procedimento denominado de recurso direta, ou um algoritmo pode chamar
outro algoritmo, que por sua vez invoca uma chamada ao primeiro, classificado como
recurso indireta. Algumas vezes, a nfase tambm colocada na repetio de um dado
processo, o que constitui um processo iterativo. Iterao definida como a repetio de
instrues em um programa e a noo utilizada em dois sentidos: (a) como termo geral,
26
O fatorial de um nmero natural n (representado n!) o produto de todos os nmeros inteiros positivos
menores ou iguais a n. Segundo tal definio o fatorial de 5 representado por 5! (cinco fatorial), sendo que 5!
igual a 5 . 4 .3 .2 .1 que igual a 120, assim como 4! igual a 4 . 3. 2 .1 que igual a 24. 27
A sequncia Fibonacci uma sequncia numrica obtida de forma recursiva, cujos termos da sequncia so
chamados nmeros de Fibonacci, no qual os primeiros dois termos so os nmeros 0 e 1 e cada termos
subsequente corresponde soma dos dois precedentes. Assim temos: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, ...
19
sinnimo de repetio; (b) como um meio de descrever uma forma particular de repetio
com um estado mutvel. Conforme Santiago e Bedregal (2004), embora recurso e iterao
sejam mecanismos diferentes utilizados para a soluo de problemas, ambos podem ser
empregados indistintamente, porque para todo o algoritmo recursivo existe pelo menos um
algoritmo iterativo correspondente e vice-versa.
Passaremos agora s definies dos diferentes tipos de recurso e distino entre
recurso e iterao empregada na Lingustica.
1.2.1. Tipos de recurso
A primeira distino bsica de recurso, que brevemente mencionamos na seo
anterior, entre tail recursion e nested/embedded recursion.
Tail recursion o tipo de recurso que existe quando um sintagma encaixado em
outro sintagma do mesmo tipo, porm, esse encaixamento ocorre no comeo ou no final da
sentena ou frase. De acordo com Ibaos & Rattova (2013), essa variao de recurso muito
comum na linguagem natural e muitas vezes confundida com iterao. No entanto, se
considerarmos os exemplos abaixo, observamos que essas sentenas no podem ser analisadas
como uma simples proposio de sintagmas.
(2) A bola do filho da amiga da minha me est no jardim.
(3) O rapaz que beijou a garota que conheceu Pedro no bar que eu recomendei
meu vizinho.
Em (2) todo o NP contm um ncleo bola, bem como um NP modificador do filho da
amiga da minha me, que por sua vez contm outro ncleo me e um NP modificador o filho
da amiga, e assim sucessivamente. Percebemos que cada NP contm um outro NP menor
encaixado, at chegarmos no final da sentena. Todos os NPs so encaixados na borda
esquerda, por isso denominamos de left-branching recursion.
Na sentena (3), o encaixamento recursivo ocorre na borda direita. Todo o NP
consiste em um determinante O seguido de um ncleo rapaz seguido de um modificador CP
que beijou a garota que conheceu Pedro no bar que eu recomendei. Nesse caso, cada CP
contm uma frase que contm um CP menor encaixado nele na borda direita da sentena, o
que caracteriza right-branching recursion.
Nested recursion ou embedded recursion ocorre quando o encaixamento aparece no
interior da frase, deixando material em ambos os lados do constituinte encaixado. Exemplos
20
de nested recursion so mais difceis de construir, visto que eles raramente ocorrem na
linguagem cotidiana (PARKER, 2006). Para ilustrar esse tipo de recurso, utilizaremos um
exemplo, em ingls, bastante usado na literatura.
(4) The mouse the cat the dog chased bit ran.28
Aqui, o NP que aparece primeiro na sentena pertence ao verbo que aparece na
posio final, o segundo NP pertence ao penltimo verbo e o terceiro NP pertence ao primeiro
verbo. Representando essa sentena em outra maneira teramos: The mouse ran, the cat bit,
the dog chased. Porm, em (4) o NP the dog chased est encaixado no centro da sentena the
cat bit, que tambm est encaixado no centro da sentena the mouse ran. O encaixamento
cercado em ambos os lados por material adicional e neste caso no pode ser considerado tail
recursion.
Nested recursion envolve dependncias de longa distncia pelo fato de que o
encaixamento ocorre no meio da sentena ou frase. A frase que inicia antes do constituinte ou
a frase encaixada termina aps o encaixamento, assim, h uma dependncia entre o comeo e
o final da frase. No exemplo (4) h uma dependncia entre o NP the mouse e o verbo com que
o NP concorda ran, porm h frases que separam esses elementos. De fato, a nica
dependncia que no de longa distncia entre o NP the dog e o verbo chased. Numa frase
onde ocorre tail recursion no h dependncia de longa distncia simplesmente porque o
encaixamento ocorre na borda.
Christiansen (1994) faz uma distino audaciosa entre tail recursion e nested
recursion. Para o autor, tail recursion pode ser considerada uma iterao recursiva e nested
recursion como uma recurso no iterativa. Assim, para Christiansen, tail recursion nada
mais do que iterao. O autor justifica tal distino pelo fato de que, embora tail recursion
envolva um encaixamento de frases do mesmo tipo, tal encaixamento sempre ocorre na borda,
dando a impresso de que h uma simples repetio ao invs de um encaixamento
(embedded). Com efeito, de acordo com Fedor et al. (2009), se encaixarmos vrias frases num
processo de nested ou emdebbed recursion, teramos grandes dificuldades de processamento
devido dependncia de longa distncia em que os constituintes se encontram.
Diferentemente, tail recursion no exige que mantenhamos em nossa memria tais elementos.
28
O rato o gato o cachorro perseguiu mordeu correu.
21
Mesmo assim, tail recursion distingue-se claramente de iterao se analisarmos as
estruturas a nvel sinttico e semntico. Observemos os exemplos seguintes:
(5) Joo comprou uma bola, um carrinho e um jogo.
(6) O filho da amiga da me do Joo comprou apenas uma bola.
A sentena (5) exibe uma estrutura plana onde qualquer constituinte pode ser movido
sem alterao expressiva de significado; os NPs so independentes uns dos outros. Na
sentena (6), diferentemente, qualquer alterao de um NP acarretar em mudana de
significado.
Devido restrio que encontramos em fazer qualquer movimento de NP em (6),
diferentemente do que ocorre em (5), temos a indicao de que (6) no iterao, mas sim
recurso, e embora na rea da Computao a recurso, mais especificamente tail recursion, e
iterao sejam aplicadas indistintamente, na linguagem natural, a semntica fora que tail
recursion e iterao sejam distintas, visto que encontramos diferenas na estrutura que no
so visveis a nvel de sequncia de palavras.
Na seo seguinte, examinaremos com mais detalhes o conceito de iterao, bem
como os diferentes tipos que podem ocorrer na linguagem natural.
1.2.2 Iterao
Sob um ponto de vista mais amplo, a iterao aparece como sendo o tipo mais
simples de recursividade. No que diz respeito linguagem, entretanto, a distino entre ambos
os processos ocorre com base na diferena entre encaixamento e repetio. Corballis (2011)
afirma que a simples repetio pode levar a sequncias de extenso infinita. O autor
exemplifica com a sentena it rained and it rained and it rained e afirma que essa sucesso de
palavras repetidas apenas nos informa que choveu muito, no recursiva porque cada adio
da orao and it rained no motivada pela anterior.
Para o autor, iterao uma variante mais sutil da repetio, porm, num processo
iterativo, h um input da aplicao anterior. Sob esta anlise, iterao seria ento como
recurso e, de fato, na lgica matemtica iterao pertence classe das funes recursivas
gerais. Porm, num processo iterativo, h a simples repetio de uma ao, a retirada de
qualquer elemento da sentena no resulta na alterao do resultado. Ao compararmos as
sentenas The mouse the cat the dog chased bit ran e The mouse ran, the cat bit, the dog
22
chased, a primeira impresso que temos a de que estamos diante da mesma coisa. No
entanto, a diferena entre os dois casos torna-se clara se analisarmos o nvel estrutural. No
levando em conta aspectos pragmticos, a estrutura sinttica das duas sentenas
completamente diferente. Temos uma estrutura recursiva na primeira sentena, visto que h
um encaixamento de constituintes idnticos, e um processo iterativo na segunda, visto que o
primeiro constituinte no motiva o seguinte, e assim sucessivamente.
Karlsson (2010) afirma que a principal diferena entre recurso e iterao que a
recurso constri estruturas aumentando o nvel de profundidade dos elementos encaixados,
ao passo que a iterao produz apenas estruturas planas. Embora Karlsson tambm classifique
a recurso em dois tipos, nested or embedded recursion e tail recursion, o autor aponta seis
tipos diferentes de iterao:
1) Iterao estrutural (structural iteration);
2) Aposio (apposition);
3) Reduplicao (reduplication);
4) Repetio (repetition);
5) Listagem (listing);
6) Sucesso (succession).
Segundo Karlsson (2010), a iterao estrutural o tipo mais importante de iterao,
visto que ocorre com mais frequncia na lngua. A principal manifestao da iterao
estrutural a coordenao, com ou sem conjunes. A essncia da coordenao e de todos os
outros tipos de iterao estrutural optionally add an instance of the same structural type as
the current one, with (syndetically) or without (asyndetically) a coordinating conjunction29
(KARLSSON, 2010, p. 46). Ou seja, todos os constituintes (NP, AP, PP, etc.) e oraes
(oraes relativas, infinitivas, etc.) podem ser iterativamente coordenadas no mesmo nvel
estrutural, como tambm modificadores livres, por exemplo, os modificadores adjetivais (no
os determinantes).
Ainda segundo o autor, as duas estruturas iterativas mais importantes e frequentes
so as oraes coordenadas e as oraes que contm sintagmas nominais (NP). No h limites
no nmero de conjuntos no nvel constituinte ou na quantidade de oraes coordenadas que
possa existir em uma nica sentena.
Aposio a iterao dos NPs no mesmo nvel de profundidade. A caracterstica que
define esse tipo de iterao a correferncia mtua. Esse conjunto de propriedades ope-se
29
Adicionar, opcionalmente, uma elemento do mesmo tipo estrutural ao j existente, com uma conjuno
coordenada sindtica ou assindtica.
23
coordenao como um tipo de iterao especial que motivado semanticamente. A estrutura
apositiva quntupla, que segue, exemplifica uma iterao apositiva (os ncleos dos NPs esto
salientados): Not far away sits the object of the loving ovation of the crowd, Henrik Gabriel
Porthan, the most magnificent teacher of the Academy, the founder of national history, a
man who gave his name to a whole epoch in the history of our culture30 (KARLSSON, 2010,
p. 48).
Outro tipo de iterao, denominada de reduplicao sinttica, frequentemente
chamada de repetio. um tipo de iterao em que uma palavra repetida com o objetivo de
intensificar, argumentar, diminuir ou simplesmente continuar uma ao. Usualmente a
construo desse tipo de iterao assindtica, mas ela tambm pode ocorrer na forma
sindtica, especialmente com advrbios, comparativos e verbos. O exemplo dado
anteriormente, it rained and it rained and it rained, um tipo clssico de reduplicao31.
A repetio o conceito iterativo de repetio simples (plain repetition), refere-se
mais ao discurso e psicolinguisticamente motivado. O sujeito repete, frequentemente de
forma involuntria, algumas palavras ou sintagmas, especialmente as palavras que pertencem
a uma categoria gramatical fechada, com o objetivo de ganhar tempo para completar a
mensagem. O resultado dessa repetio no considerado gramaticalmente correto, como
neste exemplo: E, e se se se fossemos sair agora.
Por fim, temos a listagem e sucesso. A listagem um mecanismo iterativo
predominantemente usado em taxionomias lexicais restritas. Conforme os exemplos abaixo:
a) Smith, Brown, Jones, .....
b) Segunda, tera, quarta, ....
c) Um, dois, trs, ....
Um tipo especial de listagem conhecido como sucesso, conforme o item (c). A
sucesso constitui-se a partir do conceito de nmeros, dado qualquer nmero n, o sucessor
possibilita a produo de n + 1.
A Figura 1 e a Figura 2, a seguir, resumem, de forma ilustrativa, o conceito e
diferentes tipos de recurso e iterao.
30
No muito longe, est sentado o objeto ovacionado com amor pela multido, Henrik Gabriel Porthan, o
professor mais magnfico da academia, o fundador da histria nacional, um homem que deu seu nome a toda
uma poca na histria de nossa cultura. 31
Corballis (2011) classifica como repetio.
24
Figura 1 - Recurso
RECURSO
Infinitude discreta, estrutura frasal, encaixamento, iterao
TAIL RECURSION NESTED/EMBEDDED
RECURSION
RIGHT-BRANCHING LEFT BRANCHING
Encaixamento de constituinte Encaixamento de constituinte Encaixamento de
ou frase na borda direita ou frase na borda esquerda constituinte ou frase
no centro
Encaixamento na borda Encaixamento no centro
No h dependncia de longa distncia Material em ambos os lados
No h como remover um constituinte ou frase Dependncia de longa distncia
O output torna-se o prximo input
25
Figura 2 - Iterao
ITERAO
Repetio de uma ao
Estrutural Aposio Reduplicao Repetio Listagem Sucesso
Coordenao
com ou sem
conjunes
Iterao de
NPs no
mesmo nvel
de
profundidade
Repetio de
palavras com
o objetivo
intensificador
Repetio de
palavras de
uma
categoria
fechada
Iterao de
taxionomias
lexicais
restritas
Conceito de
nmeros n
n + 1
As discusses feitas at aqui tiveram como objetivo tratar das interpretaes
associadas ao termo recursividade no domnio da Matemtica, da Computao e da
Lingustica. Tambm apresentamos os diferentes tipos de recurso e iterao descritos na
literatura atual e fizemos um contraponto entre recurso, estrutura frasal e iterao. No
captulo que segue, exploraremos a natureza recursiva da sintaxe abordando a incorporao da
noo de recursividade na Teoria da Gramtica, atravs de um percurso histrico, desde o
incio da Teoria Gerativa at o Programa Minimalista.
26
2 A NATUREZA RECURSIVA DA SINTAXE
Muitas vezes argumenta-se que a recursividade no desempenha um papel to
importante na sintaxe da linguagem natural quanto a abordagem chomskyana assume possuir.
Alguns linguistas justificam essa crtica simplesmente pelo fato de que no uso cotidiano da
linguagem as conversas consistem de sentenas curtas e que algumas lnguas parecem no
apresentar nenhum vestgio de recursividade, como o caso da lngua amaznica Pirah32
(EVERETT, 1991). Essa objeo, no entanto, no leva em conta o fato de que o sistema capaz
de produzir sentenas muito simples, como O livro do Pedro ou A foto da garota, j
recursiva, visto que permite um constituinte ser encaixado em um constituinte maior. Assim,
um sistema capaz de gerar estruturas to simples j fornece automaticamente o carter
ilimitado da linguagem. Segundo Rizzi (2008), impor uma limitao no comprimento das
sentenas complicaria o sistema. O autor considera inapropriada a imposio de um nmero
limitado no comprimento das sentenas, baseando-se apenas no fato de que as pessoas usam
um nmero reduzido de sentenas encaixadas no dia a dia.
Podemos dizer que saber uma lngua significa possuir certo inventrio de elementos
de alguma forma estocados em nossa memria, e os procedimentos computacionais para
combinar os elementos deste inventrio para formar entidades de ordem superior (RAPOSO,
1992). Esse inventrio o lxico, que consiste em dois sistemas de itens lexicais: (a)
categorias lexicais principais, que formada por substantivos ou nomes (N), adjetivos (A),
verbos (V), preposies (P) e advrbios (Adv). Cada uma dessas categorias o elemento
central de uma categoria hierarquicamente superior na estrutura das frases; (b) categorias
sintagmticas, que so as categorias superiores construdas com base nas categorias lexicais e
que so basicamente construdas por determinantes (D), complementizadores (Comp), etc.
(RAPOSO, 1992, p. 67).
Tambm, segundo Rizzi (2008), h outras listas de elementos que devem ser
estocadas na memria, prontas para serem usadas na computao lingustica33 e que definem a
estrutura do lxico. Quando essa cascata de nveis deixa o lxico e entra na sintaxe,
comeamos a colocar as palavras juntas, o procedimento computacional torna-se recursivo e
faz surgir entidades de ordem superior: frases e sentenas, que podem ser de comprimento
indefinido.
32
De acordo com Daniel Everett (1991), a lngua Pirah dispe os fonemas em palavras e palavras em frases ou
sentenas, mas os encaixa em outras frases e sentenas, no exibindo, portanto, a propriedade recursiva. 33
Como, por exemplo: fonemas, estrutura silbica, morfemas, expresses idiomticas, etc.
27
Chomsky (1996) afirma que a linguagem possui propriedades de som e significado34.
Assim, um modelo de linguagem deve ser capaz de conectar as representaes de som com as
representaes de significado sobre um domnio ilimitado. A estrutura abaixo representa de
forma satisfatria o quadro exposto at ento:
Figura 3 Representao de som e significado na gramtica
LXICO
SOM Sintaxe SIGNIFICADO
Os itens so selecionados do lxico principal para o lxico sintagmtico e agrupados
atravs de um procedimento recursivo da sintaxe. Dessa forma, a representao das interfaces
de som (em ingls PF) e significado (em ingls LF)35 so computados e acessados por outros
sistemas; o sistema auditrio articulatrio36 e o sistema conceitual intencional37. Nessa
concepo, a sintaxe o ncleo gerativo central, o dispositivo que gera um nmero ilimitado
de representaes, tambm , em certo sentido, subordinada aos sistemas externos que lidam
com os sons e os significados porque ela til s necessidades de tais sistemas (RIZZI, 2009).
Isso claramente expresso atravs de certos conceitos de economia que so assumidos para
aplicar as computaes sintticas na verso mais recente do programa de investigao
gerativista o Programa Minimalista. De acordo com o programa, um dispositivo sinttico
usado somente quando ele for necessrio para obter certo efeito de interface, porque o que
realmente interessa para a expresso do pensamento e da comunicao a articulao e o
pareamento entre som e significado. A sintaxe, portanto, um dispositivo que torna possvel a
realizao desse pareamento sobre um domnio ilimitado.
Desde os anos 50, a Teoria da Gramtica tem adotado vrias tcnicas recursivas em
diferentes modelos lingusticos, visto que at a primeira metade do sculo XX o
estruturalismo de Ferdinand Saussure (1916) concebia a linguagem como um inventrio
sistemtico de signos lingusticos, sendo que cada signo consistia num pareamento entre
som/significado; basicamente uma teoria do lxico. Um inventrio, no entanto, limitado por
definio. Assim, essa abordagem era intrinsecamente incapaz de resolver a questo
fundamental da criatividade, exceto pela infinita possibilidade combinatria de signos
34
No considerando, obviamente, outras modalidades de linguagem, como a linguagem de sinais. 35
Em ingls chamamos de Phonectic Form (PF) e Logical Form (LF). 36
Fontica e Fonologia. 37
Semntica e Pragmtica.
28
lingusticos, que foram denominados por Saussure de parole, e que, nas palavras de Lyons
(2009, p. 164) basicamente contm um repertrio lingustico congelado, sem a presena da
sintaxe produtiva.
Assim, na primeira seo deste captulo, procuraremos expor, em linhas mais gerais,
os pressupostos tericos que norteiam a escola estruturalista, que teve a sua afirmao na
Europa a partir do livro Cours de linguistique gnrale, publicado em 1916 como obra
pstuma do linguista suo Ferdinand de Saussure e alcanou os Estados Unidos da Amrica,
atravs do estruturalismo denominado americano, porm com significativas diferenas
motivacionais e orientacionais.
2.1 O ESTRUTURALISMO EUROPEU E O ESTRUTURALISMO AMERICANO
Conforme Ilari (2009), toda a revoluo cientfica que implique numa nova
orientao terica parte de um pequeno conjunto de metforas que resultam em uma nova
maneira de enfocar os fatos a serem explicados. Assim, na lingustica histrica do sculo XX,
a metfora de base para a compreenso dos fenmenos lingusticos era a ideia evolucionista
da transformao das espcies. O estruturalismo europeu, atravs de Saussure, elegeu como
noo central para a compreenso do fenmeno lingustico a noo de valor e pertinncia
(ILARI, 2009, p. 57). Essa noo s pode ser compreendida a partir de um conjunto de
distines tericas, entre as quais se incluem distino lngua versus fala, a distino forma
versus substncia e as noes de significante, significado e signo.
A primeira distino, lngua e fala, surgiu a partir da reflexo de vrias experincias
extradas do dia a dia por Saussure. Uma dessas experincias foi o jogo. Tanto a experincia
de jogar como a experincia de comunicar-se atravs de uma lngua historicamente dada
acarreta a interao com as pessoas, e so passveis de serem analisadas sob vrios pontos de
vista. Em Saussure, o jogo evocado, a princpio, para contrapor os vrios desenvolvimentos
que se podem prever a partir da regra do jogo (ILARI, 2009). Isto , dadas as regras, as
probabilidades de possveis jogadas so ilimitadas, porm sempre de acordo com as normas.
A ideia de que no jogo de xadrez, por exemplo, so possveis determinadas jogadas
e outras no, leva a valorizar o que no se observa, ou seja, as regras do jogo, que a
condio de possibilidade do jogo, fazendo uma analogia com a lngua, condio para a
comunicao. Assim, chega-se oposio saussureana entre lngua e fala ou entre o sistema e
os possveis usos do sistema. De acordo com Newmeyer (1986), Saussure se ops claramente
ao uso do sistema, que era entendido como entidade abstrata e os eventos comunicativos
29
realizados, e estabeleceu que o objeto especfico da lingustica teria que ser a regra do jogo,
isto , o sistema e no as mensagens a que ele serve de apoio. A oposio entre os atos
lingusticos concretos e o sistema que lhes serve de suporte foi denominada como a oposio
lngua/ fala (ou langue/ parole).
A lngua (langue), segundo Saussure (2006 [1916]), um sistema de signos, um
conjunto de unidades que se relacionam organizadamente dentro de um todo e que faz a
ligao entre o significante (imagem acstica) e um significado (conceito), cuja relao
arbitrria se define em termos paradigmticos (imagens de outros elementos na memria) ou
sintagmticos (todos os elementos da lngua se relacionam com outro, formando cadeias de
enunciados). Alm do sistema de signos, a lngua a parte social da linguagem, exterior ao
indivduo; no pode ser modificada pelo falante e obedece s leis do contrato social
estabelecido pelos membros da comunidade. Ao conjunto linguagem-lngua, Saussure
instaura ainda outro elemento: a fala (parole), a qual, segundo o autor, um ato individual que
resulta das combinaes feitas pelo sujeito falante utilizando o cdigo da lngua e se expressa
por mecanismos necessrios produo dessas combinaes (atos de fonao).
A distino entre linguagem/ lngua/ fala situa o objeto da Lingustica para Saussure.
Dela resulta a diviso do estudo da linguagem em duas partes: uma investiga a lngua e a
outra analisa a fala. As duas partes so consideradas inseparveis visto que so
interdependentes: a lngua a condio para produzir a fala, mas no h lngua sem o
exerccio da fala. Portanto, tem de haver duas lingusticas: a lingustica da lngua e a
lingustica da fala. Saussure debruou-se sobre a lingustica da lngua, produto social
depositado no crebro de cada um (SAUSSURE, 2006 [1916], p. 21), um sistema inerente ao
indivduo e imposto pela sociedade. Ainda afirma que o nico e verdadeiro objeto da
lingustica a lngua, considerada em si mesma, e por si mesma. Segundo Lyons (2009), tal
afirmao na tradio saussureana interpretada como a implicao de que um sistema
lingustico uma estrutura que pode ser separada, no somente das foras histricas que lhe
deram origem, mas tambm da matriz social em que funciona e do processo psicolgico
atravs do qual ele adquirido e tornado disponvel para uso no comportamento lingustico.
Voltemos metfora do jogo e ao conceito de valor. Num jogo de xadrez, por
exemplo, possvel substituir uma pea perdida por outro objeto qualquer, desde que seja
convencionado que a pea improvisada representar a verdadeira. Esse fato revela a
importncia do regulamento do jogo, de que o material de que so feitas as peas conta menos
do que a funo que lhes atribuda por conveno. Cada pea desempenha uma funo
diferente de outra e o mesmo ocorre na lngua, ou seja, cada elemento lingustico deve ser
30
diferente dos outros elementos com os quais contrai relao e com isso ocorre uma definio
negativa do signo: um signo o que os outros no so (FIORIN, 2010, p. 58). Fazendo uma
relao com a linguagem, esse raciocnio leva a outra tese saussureana, de que a descrio de
um sistema lingustico no a descrio fsica de seus elementos, e sim a descrio de sua
funcionalidade e pertinncia (ILARI, 2009, p. 59).
A ideia de pertinncia leva deciso de considerar, como objetos de anlises, apenas
os elementos da fala que podem ser considerados pertinentes. Assim, de acordo com Ilari
(2009), falar em pertinncia significava excluir como no lingusticas uma srie de
informaes que a lingustica histrica havia considerado at ento. Essa excluso foi
representada atravs da distino da forma e substncia. A forma corresponde ao que
Saussure chamou de valor, isto , um conjunto de diferenas. Por exemplo, para estabelecer
uma distino formal de um som ou de um sentido, necessrio estabelecer oposies entre
eles por traos, visto que os sons e sentidos no se opem em blocos. A substncia ope-se
forma, visto que se define como o suporte fsico da mesma, tem existncia perceptiva, mas
no necessariamente lingustica (ILARI, 2009, p. 61)
A definio de signo dada por Saussure substancialista, pois ele trata do signo em
si. Conforme Saussure (2006 [1916], p. 80), o signo lingustico une no uma coisa e uma
palavra, mas um conceito e uma imagem acstica. Com isso, denominou-se de significante a
imagem acstica atribuda ao signo e de significado o conceito que lhe conferido.38
O lao que une o significante e o significado, segundo Saussure, arbitrrio, ou seja,
no h nenhuma relao necessria entre o som e o sentido. Isso comprovado pela
diversidade das lnguas; cada uma delas possui uma maneira diferente para especificar um
determinado elemento e, conforme Ilari (2009), tem tudo a ver com a noo de valor
lingustico, porque cada lngua organiza seus signos atravs de uma complexa rede de
relaes que no ser encontrada em nenhuma outra lngua. Portanto, a arbitrariedade, que a
primeira caracterstica do signo lingustico, de carter cultural, um acordo coletivo entre
falantes que compartilham a mesma lngua. Um segundo atributo do signo lingustico
definido pelo linguista o carter linear do significante que, por ser de natureza auditiva, faz
com que se desenvolva no tempo e possua duas caractersticas: (i) representa uma extenso; e
(ii) essa extenso mensurvel numa s dimenso - uma linha (SAUSSURE, 2006 [1916],
p. 84). Assim, a linearidade uma caracterstica das lnguas naturais, segundo a qual os
38
Saussure (2006) ressalta que a imagem acstica no o som material, mas impresso psquica desse som, o
que ele nos representa sensorialmente e exemplifica esse carter atravs da observao da nossa prpria
linguagem. De acordo com o autor, podemos recitar um poema ou falarmos com ns mesmos sem movermos os
lbios nem a lngua.
31
signos, uma vez produzidos, dispem-se uns depois dos outros numa sucesso de tempo ou
espao. Dessa forma, no h como produzir mais de um elemento lingustico de cada vez; um
som vir, necessariamente, aps o outro, assim como uma palavra ocorrer aps a outra, e no
h como produzir dois sons ou duas palavras ao mesmo tempo.
Esse alinhamento distribui os enunciados em relaes de combinao entre dois ou
mais elementos consecutivos que podem ser chamados de sintagmas e, dentro de um
sintagma, um termo s adquire o seu valor porque se ope ao que o precede ou ao que o segue
(SAUSSURE, 2006 [1916])39
. A essas relaes Saussure denominou relaes sintagmticas.
Alm das relaes sintagmticas, h tambm relaes baseadas na seleo dos elementos que
so combinados, ou seja, um signo pode ser associado a outros signos por meio do seu
significado, por meio do seu significante ou por meio de outros smbolos40
. A essas relaes
entre os elementos do sistema lingustico Saussure denominou relaes associativas.
Contudo, de acordo com Fiorin (2010), para se referir s relaes associativas entre os signos,
a Lingustica consagrou o termo relaes paradigmticas.
Para finalizar o quadro das doutrinas saussureanas, no podemos deixar de
mencionar uma ltima oposio, que foi a distino entre sincronia e diacronia. A sincronia
ocupa-se em descrever o estgio a que uma determinada lngua tinha chegado a algum
momento da sua histria, ao passo que a diacronia limita-se a considerar as mudanas que a
lngua sofre ao longo do tempo (ILARI, 2009). Visto que Saussure valorizava a
sistematicidade da lngua e declarava que a diacronia s se interessa por formas isoladas,
acabou por priorizar os estudos sincrnicos, o que caracterizou um estudo de vanguarda
cientfica para a poca.
Assim como o estruturalismo europeu tratava cada lngua como um sistema coerente
e integrado, o estruturalismo americano tambm partilhava da mesma ideia. Tanto os
linguistas europeus como os americanos tentaram enfatizar a incomparabilidade estrutural das
lnguas individuais (WEEDWOOD, 2002). O surgimento do estruturalismo americano foi
condicionado pela anlise descritiva das centenas de lnguas amerndias no final do sculo
XIX, visto que muitas delas eram faladas por um pequeno nmero de indivduos. Diante das
lnguas a serem estudadas, os pesquisadores americanos procuraram realizar uma tarefa
puramente descritiva, que deveria evitar a interferncia dos conhecimentos prvios do
39
O autor utiliza como exemplo: re-ler; contra todos; a vida humana; Deus bom; etc (SAUSSURE, 2006
[1916], p. 142). 40
Saussure (2006 [1916]) utiliza como exemplo de associao o signo ensinamento que por meio do significado,
associa-se ensinamento aprendizagem, educao, etc., por meio do significante, associa-se ensinamento a
elemento, lento, etc. e por meio de outros signos, associa-se a ensinar, ensinemos, etc.
32
linguista (ILARI, 2009). Esse fato correspondia crena de que cada lngua possui uma
gramtica prpria, e reforada pelas teses relativistas de Benjamin Lee Worf, segundo as
quais as diferenas lingusticas determinam a viso de mundo e o modo como as vrias
culturas representam a realidade. Ento, muitos linguistas, como Franz Boas, estavam menos
preocupados com a construo de uma teoria geral da estrutura da linguagem humana do que
com a prescrio de firmes princpios metodolgicos para a anlise de lnguas pouco
familiares.
Partindo do princpio de que cada lngua tem sua prpria gramtica e da preocupao
de extrair as categorias gramaticais a partir de dados e no a partir de experincias prvias de
anlise, parece que h uma reafirmao da tese saussureana da arbitrariedade. Porm, segundo
Newmeyer (1986), os estruturalistas americanos no se identificaram como saussureanos,
visto que, para os estruturalistas europeus, a linguagem era o resultado de uma conveno
social, j no estruturalismo americano ela inerente ao ser humano, adquirindo um carter
mais naturalista. Dessa maneira, os estruturalistas americanos tomaram como referncia
intelectual Leonard Bloomfield, cujo livro Language (1933) determinou os estudos do
estruturalismo americano por vrias dcadas.
Com o objetivo de obter o mximo do rigor cientfico no estudo da linguagem41,
Bloomfield adotou um enfoque predominantemente behaviorista do estudo da lngua,
eliminando, em nome da objetividade cientfica, toda a referncia a categorias mentais ou
conceituais. O estruturalismo americano partilhava dos princpios da escola de psicologia
conhecida como behaviorismo. Segundo os behavioristas, tudo o que comumente descrito
como sendo produto da mente humana inclusive a linguagem pode ser explicado em
termos do reforo e do condicionamento de reflexos puramente fisiolgicos. Assim, a
linguagem estaria condicionada a uma questo de hbitos ou padres de estmulo e resposta.
No final da dcada de 60, o modelo estruturalista j estava dando sinais de
esgotamento nos Estados Unidos da Amrica. No caso do estruturalismo europeu esses sinais
manifestavam-se na forma de ataques que apontavam para um fator importante: o
estruturalismo no considerou alguns aspectos dos fenmenos lingusticos que so essenciais
para a sua compreenso, como, por exemplo, o papel que o sujeito desempenha na lngua
(ILARI, 2009).
41
De acordo com Newmeyer (1986), nos Estados Unidos, nas dcadas de 40 e 50, tudo o que era considerado
cincia garantia prestgio e admirao, e a lingustica estrutural era considerada um ramo das cincias humanas
que estavam perto de alcanar resultados comparveis queles das cincias naturais. Porm, a concepo de
cientfico naquele perodo era completamente empiricista.
33
Por sua vez, nos Estados Unidos, a lingustica descritiva viu-se fortemente
enfraquecida devido chegada da lingustica chomskyana, que comandou uma revoluo
cientfica que atingiu em cheio os princpios bsicos do estruturalismo americano. Sob o
ponto de vista terico, a lingustica chomskyana ops-se lingustica descritiva americana
quando props que os estudos deveriam ser conduzidos a partir de um novo enfoque: a
competncia sinttica, entendida como uma capacidade ou disposio do falante, isto , um
objeto mental.
Esse novo enfoque sugeria que a lingustica no deveria mais tratar daquilo que se
observa, mas sim das propriedades lingusticas internas que os indivduos possuem. Assim, o
princpio bloomfieldiano de rejeitar os objetos mentais soou incompatvel com alguns
argumentos apresentados por Chomsky, como, por exemplo, a pobreza de estmulo. Chomsky
tambm rejeitava as explicaes behavioristas acerca da aquisio da linguagem
argumentando que aprendemos as lnguas, mas somos dotados biologicamente com uma
gramtica que nos permite ter esse conhecimento. A partir desse momento, a diversidade das
lnguas passou a ser bem menos interessante do que a sua semelhana profunda.
Ento, essa nova abordagem de representao da linguagem levou a uma nova
metodologia de investigao. A fim de poder explicar a capacidade dos falantes em
reconhecer sentenas bem e mal formadas, Chomsky recorreu a instrumentos de clculo
lgico e isso levou a entender as gramticas como sistemas formais construdos para gerar
todas as sentenas da lngua. Assim, na seo que segue analisaremos os elementos que
constituram a Teoria Gerativa.
2.2 O GERATIVISMO DE CHOMSKY
A partir da segunda metade do sculo XX, Noam Chomsky apresentou uma das
primeiras contribuies referentes ao estudo da linguagem baseado na regularidade sinttica
da linguagem natural. Ele empenhou-se em demonstrar a ineficincia da teoria behaviorista da
linguagem mostrando que no se pode provar que grande parte do vocabulrio tcnico
behaviorista (estmulo, resposta, condicionamento, reforo, etc.), seja relevante na aquisio e
uso da linguagem humana. Chomsky afirmou que a linguagem independente de estmulo e
essencialmente criativa, no sentido de que o enunciado que algum profere em dada ocasio ,
em princpio, no predizvel, e no pode ser descrito como resposta a algum estmulo
identificvel, seja ele lingustico ou no.
34
A criatividade, segundo Chomsky, uma qualidade peculiarmente humana,
manifesta-se atravs da propriedade de recursividade e governada por determinadas regras.
Os enunciados que produzimos tm certa estrutura gramatical: eles esto em conformidade
com regras de boa formao identificveis e so regidos por propriedades extremamente
formais iguais s que se aplicam no campo das Cincias Formais.
Assim, Chomsky mostrou que a noo central da teoria das funes recursivas,
desenvolvidas no estudo das fundaes matemticas, poderia ser adaptada linguagem. Um
procedimento recursivo aquele que pode reaplicar-se indefinidamente, dando sustentao
estrutura hierrquica. O exemplo abaixo ilustra um caso simples de recurso na linguagem
natural em que um constituinte de um determinado tipo pode ser encaixado em outro
constituinte do mesmo tipo (os constituintes esto delimitados por colchetes) indefinidamente:
Eu conheci [ o rapaz [que comprou [ o livro [que agradou [ os crticos [ que
escreveram....]]]]]].
A noo de recursividade sempre teve um lugar de destaque na Teoria Gerativa na
hora de fornecer uma explicao para algumas das caractersticas mais relevantes das lnguas
humanas, em particular, a infinitude discreta, ou seja, a propriedade que um conjunto de
possveis expresses lingusticas tem de ser infinita. Embora, muitas vezes, o termo seja
associado noo de criatividade lingustica, quando falamos em recursividade, essa noo
engloba um conjunto maior de propriedades. Inicialmente, temos a impresso de que a Teoria
Lingustica abraou a noo de recursividade como uma ferramenta para reduzir a
complexidade da gramtica, mas tambm como um meio de enfatizar seu aspecto criativo,
como podemos perceber nas palavras de Chomsky (1956, p. 116): If a Grammar has no
recursive steps it will be prohibitively complex. If it does have recursive devices, it will
produce infinitely many sentences.42
Numa das primeiras verses da teoria, Chomsky (1955) introduziu o conceito de
Gramtica Formal ou Gramtica Gerativa com o objetivo de aplicar descrio das lnguas
naturais alguns resultados fundamentais alcanados no campo da Matemtica, no domnio das
funes recursivas. De acordo com o autor, para a gramtica de uma lngua ser adequada,
necessrio que satisfaa duas condies: (1) a gramtica dever ser capaz de gerar
recursivamente a totalidade de frases dessa lngua e, valendo-se da competncia de falante
42Se uma gramtica no possui passos recursivos ela ser proibidamente complexa. Se ela possuir dispositivos
recursivos, produzir sentenas infinitamente.
35
nativo, qualquer indivduo ser capaz de julgar corretamente a sua gramaticalidade, ou seja,
todo falante nativo ser capaz de distinguir as sequncias bem formadas da sua lngua, das
sequncias mal formadas, independente do fato de ele ter sido exposto anteriormente a essa
sequncia; (2) uma gramtica dever ser capaz de atribuir a cada uma das frases de uma
determinada lngua uma descrio estrutural, ou seja, ela dever ser capaz de fornecer uma
explicitao de elementos a partir dos quais a frase construda, da ordem em que os
elementos se arranjam, da sua estrutura hierrquica e das suas inter-relaes. Em geral, ela
dever prover toda a informao que possa ser considerada relevante para a compreenso
dessa frase pelo falante.
Com o objetivo de definir o primeiro aspecto que faz parte da definio de uma
gramtica adequada, Chomsky partiu de termos puramente abstratos e determinou, com base
no vocabulrio V, a linguagem L:
(1) V= {a, b, c}
L = {a, b, aa, aba, ac, bac}
Como podemos perceber, cada uma das frases de L resulta da combinao entre si de
elementos que constituem o vocabulrio de L. O problema que se coloca a partir de uma
linguagem L o de saber o modo que se poder representar essa linguagem, ou seja, como
especificar as frases dessa linguagem. Assim, se ela contiver um nmero finito de frases, basta
enumerar sucessivamente cada uma delas. Se a linguagem, todavia, for finita, como o caso
das lnguas naturais, h o problema de encontrar um processo infinito das suas frases. Para
tornar possvel essa enumerao, uma gramtica ter de incorporar um mecanismo particular a
que Chomsky denominou de mecanismo recursivo.
Portanto, uma das formas de estruturao de uma gramtica para gerar
recursivamente as frases ou sequncias de uma lngua atravs de um processo de
enumerao das sequncias de uma lngua L, que sero definidos por um conjunto finito de
funes f,......, fn, em que cada uma estabelece uma correspondncia entre pares de
sequncias em L. Consideremos as seguintes frases da lngua L:
(2) (ab, cdecde, f, ff, cde, abab)
Verificamos que podemos agrupar essas sequncias em pares
36
(3) (ab, abab; cde, cdecde; f, ff)
e que podemos associar a esse conjunto de pares a funo f que estabelece uma
correspondncia entre os pares de frases que tm como caracterstica principal o fato de uma
delas duplicar a outra. Poderamos dizer, ento, que essa funo opera sobre uma sequncia x
para produzir uma sequncia xx, que duplica aquela. Essas funes podem derivar um
conjunto infinito de frases a partir de um nmero finito de pares de linguagem. Podemos,
dessa maneira, associar a cada funo uma regra de equivalncia, como, por exemplo:
(4) abc ~ a
(5) ab ~ ba
O smbolo (~) indica equivalncia; o termo da esquerda pode ser substitudo pelo
smbolo da direita, uma vez que so equivalentes pela lei de formao. Desse modo, iniciando
com a frase a podemos derivar babcc, por exemplo:
a (incio)
Regra 1 abc
Regra 2 bac
Regra 3 babcc
Poderamos continuar aplicando as regras1 e 2 para obter um nmero infinito de
elementos para a linguagem L. O mecanismo recursivo foi aplicado.
Para a Gramtica Gerativa, utilizamos regras orientadas do tipo XY em vez das
regras simtricas do tipo X ~ Y. importante observarmos que, com essa nova notao, no
h uma relao reflexiva e simtrica. A nova relao binria, irreflexiva e no simtrica, a
seta () pode ser lida reescreve-se como. uma instruo que reescreve a sequncia
esquerda da seta, na sequncia sua direita. Um sistema irrestrito de reescritura, que
Chomsky chamou de Sistema de Reescrita, o qual possui quatro componentes centrais: (i) um
vocabulrio no terminal; (ii) um vocabulrio terminal; (iii) smbolos auxiliares; e (iv)
smbolos terminais.
Em regras como
1) S A B
2) A a
3) B b
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temos um smbolo inicial S, smbolos no terminais A e B e smbolos terminais a e b. De
acordo com a regra (1), S pode ser expandido em A e B; seguindo a regra (2), A pode ser
expandido em a; e por fim, a regra (3) diz que B pode ser expandido em b. Como resultado
obtemos a estrutura sintagmtica apresentada na Figura 4:
Figura 4 Estrutura Sintagmtica
S ................. regra (1)
regra (2) ................. A B ............ regra (3)
a b
Podemos perceber que estas regras so gerativas, porque so explicitamente
descritivas e apresentam um smbolo no terminal esquerda e um smbolo terminal direita,
sendo que o conjunto destas regras que possui a propriedade da recursividade, ou seja,
determinadas regras permitem que uma categoria expandida reaparea na sua prpria
expanso. Sem contar que temos a possibilidade de quebrar sentenas em frases e ento
aplicar regras recursivas para sobrepor frases em frases, ou encaix-las dentro de outras
frases. Por exemplo, podemos encaixar um Sintagma Nominal (NP) um Sintagma verbal
(VP), um Determinante (D), e assim indefinidamente. Como resultado, possvel identificar
uma aplicao recursiva interna no sistema de reescrita. Consideremos o exemplo abaixo,
onde as regras de reescrita podem ser interpretadas como transformaes de sequncias no
lado esquer