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8/17/2019 A Relação Homem e Mundo Na Cosmologia Absurdista de Albert Camus
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A RELAÇÃO HOMEM E MUNDO NA COSMOLOGIA ABSURDISTADE ALBERT CAMUS
Danilson da Silva Barbosa1
José Carlos da S. Simplício2
Resumo:
Neste artigo, propomos uma reflexão acerca do modo como o mundo se apresenta para ohomem, procurando identificar as marcas de uma “cosmologia absurdista”. Assumindo a viada interface filosofia-literatura, própria do pensamento de Albert Camus, queremos mostrar que a razão é incapaz de compreender a lógica intramundana.
Palavras-chaves: Absurdo. Cosmologia. Homem. Mundo. Albert Camus
1. INTRODUÇÃO
Desde há muito, uma das principais tentativas dos homens foi a de descobrir a origemde tudo que existe. Quantos esforços foram envidados para que tal tentativa chegasse a bom
termo. Desta busca surgiram muitas respostas: mitos, filosofias e ciências, as quais tentam,
cada uma a seu modo, diminuir a sensação de desconforto presente no coração humano.
Muitas vezes, alguns pensadores defenderam uma idéia de perfeita relação entre
homem e mundo, como se o mesmo fosse a morada feita sob medida para o homem e que a
beleza do mundo respaldasse harmonia entre todas as coisas criadas.
O filósofo Albert Camus percorre o caminho da contramão. Para ele, o mundo é umgrande enigma cuja solução está bem distante da capacidade que o homem tem de
compreender. Nele, somos estrangeiros, exilados, acometidos de toda sorte de flagelos.
Ignoramos nossa origem, nosso fim e, mais que isso, o porquê estamos aqui. Essa falta de
respostas gera o que ele chamou de sentimento do absurdo. De fato, conforme Japiassú e
1 Graduando do 6º semestre do Curso de Filosofia no Instituto de Filosofia Nossa Senhora das Vitórias. E-mail:
[email protected] Professor de Filosofia do Dfch/UESB e Coordenador da Rede de Estudos da Complexidade. E-mail:
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Marcondes, “a partir das obras de Camus e Kafka, fala-se muito do absurdo (...) para designar
o ‘incompreensível’, o ‘desprovido de sentido’ e o ‘sem finalidade’” (1990, p. 12).
Revoltar-se contra essa ordem estabelecida é, para Camus, o melhor caminho para
viver no mundo absurdo. Essa revolta não exige que o homem negue o mundo, mas que
assuma como tarefa a sua condição de existente e todas as consequências que dela provem.
Albert Camus nasceu em uma propriedade vinícola perto de Mondovi, na Argélia, no
dia 7 de novembro de 1913. Teve uma infância muito pobre em Argel. Seu pai morreu na
batalha de Marne, em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial. Sua mãe viu-se obrigada a ir
para Argel, para a casa de sua avó materna. Foi ajudado pelo professor Louis Germain, que
viu em Camus um futuro promissor. Durante o segundo grau, quase abandonou os estudos
devido aos problemas financeiros da família. A ajuda do professor Jean Grenier foifundamental para que ele seguisse estudando e se graduasse em filosofia.
Após terminar o doutorado teve uma crise de tuberculose e seu desejo desesperado de
viver o colocou face-a-face com o sentimento do absurdo. Estes acontecimentos tiveram um
peso decisivo no desenvolvimento de sua obra filosófico-literária. Em 1957, ganhou o prêmio
Nobel de Literatura. Morreu no dia 4 de janeiro de 1960, aos 46 anos, vítima de um acidente
de automóvel.
2. COSMOVISÕES NA HISTÓRIA
A cosmologia é uma busca de explicar e compreender a origem do mundo e de como
ele se mantém. Experimentando o mundo como um lugar hostil, os mitos eram a melhor
forma de arrazoar aquilo que era incompreensível aos homens. Assim, na perspectiva
mitológica, o mundo tem sua origem nos deuses: amores, nascimentos, brigas, mortes,
acordos entre diversas divindades geraram esta realidade. Também os fenômenos naturaiseram comumente atribuídos à ação dos deuses. Deste modo era explicada, compreendida e,
sobretudo, aceita a irracionalidade do mundo ou a impossibilidade de a razão dar conta de
decifrar os enigmas do mundo.
Com o surgimento da filosofia (séc. VI a.C.) os primeiros filósofos buscaram na
natureza o princípio de todas as coisas, a arché . Para Tales, por exemplo, a água ou o úmido é
o princípio de todo o universo: tudo que existe é feito de água. Ela, “transforma-se a si mesma
em todas as coisas e transforma todas as coisas nela mesma” (CHAUÍ, 2002, p. 57). Portanto,
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desde os homens aos seres inanimados, tudo é água. Após Tales muitos outros filósofos
tentaram encontrar esse elemento primordial que deu origem a tudo.
Posteriormente, na idade média, com a elaboração dos grandes sistemas filosóficos e
teológicos, constrói-se uma visão em que Deus, numa perspectiva judaico-cristão, é
concebido como criador e organizador de todas as coisas.
Agostinho de Hipona, (séc. IV d.C.) afirma a incapacidade do homem de compreender
a si mesmo e o mundo em que está, mas, segundo ele, só pela graça de Deus seria possível
chegar a uma resposta (BLANK , 2008, p. 6). Segundo Agostinho o homem, criado por Deus, só
encontra o verdadeiro sentido para a vida quando vai ao encontro do criador, devotando ao
mesmo um louvor necessário. Assim se expressa Agostinho, em suas Confissões:
Todavia, esse homem, particulazinha da criação, deseja louvar-Vos. Vós
o incitais a que se deleite nos vossos louvores, porque nos criastes para
Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós.
(2000, p. 37)
Tomás de Aquino, por sua vez, afirma que pelas coisas criadas é possível chegar ao
criador. Assim, ele elabora cinco argumentos (“cinco vias”) na tentativa de provar a existência
de Deus e todas essas partem do próprio mundo, isto é, consideram algum aspecto da
realidade, apreendida pelos sentidos. No pensamento tomista o homem pertence ao reino dos
seres imateriais (por sua alma), mas esta se encontra essencialmente ligada a um corpo que
está presente no mundo material.
3. DA COSMOLOGIA DO ABSURDO OU DO ABSURDO DO COSMOS
No existencialismo ateu, a questão central da cosmologia, isto é, o problema da origem
do mundo, não é tão acentuada; ao contrário, ela é até menosprezada. Afinal, o que primeiro
importa é a condição de existente do homem no mundo, pois
só existe um problema filosófico realmente sério (...) julgar se a vida vale
ou não a pena ser vivida (...). O resto, se o mundo tem três ou quatro
dimensões, se o espírito tem nove ou dez categorias, vem depois (CAMUS,
2008b, p. 17).
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Nessa perspectiva, torna-se de suma importância saber se viver neste mundo vale ou não a
pena. Para quem nunca pensou nisso a resposta pode ser imediata: claro que viver vale a pena!
Mas Camus convida a uma reflexão mais profunda sobre a questão da irracionalidade
intramundana e o sentimento do absurdo que surge do divórcio entre o homem e o mundo.
Para os filósofos naturalistas da Grécia antiga, como já o dissemos, o homem era
constituído a partir do mesmo princípio que todas as outras coisas existentes. Eles
acreditavam que, num mundo feito de coisas, o homem era somente mais uma entre todas
elas. E como cada um desses objetos tinha o seu lugar, o sentido da vida era encontrar e
ocupar o seu lugar no mundo.
Camus, diferentemente dos antigos, vive e pensa no sentido da vida com grande
agnosticismo. Para ele, portanto, não existe harmonia entre homem e mundo; ao contrário,
existe mesmo uma contradição. Ele compara o homem com um ator num cenário
desconhecido, um estrangeiro numa terra desconhecida privado das lembranças de sua pátria
de origem, e é exatamente desta contradição que surge o sentimento do absurdo.
O mundo é um lugar irracional. Mesmo que, por meio dos sentidos, o experimentemos
cotidianamente, ainda assim é impossível encontrar nele uma explicação racional. De fato, a
razão não é capaz de compreendê-lo; por mais informações que obtenhamos do mundo,
inclusive aquelas que nos vem pela ciência, ele ainda nos será desconhecido. Nesse sentido,
Camus assevera: “Este mundo não é razoável em si mesmo, eis tudo que posso dizer” (CAMUS,
op. cit., p. 35).
Então, como é este mundo absurdo?
Na obra A queda, Camus tenta, através de uma série de metáforas, descrever o mundo
a partir da visão do Zuyderzee, na ilha de Marhken:
Aqui temos (...) a mais bela das paisagens negativas! Veja, à nossa
esquerda, aquele monte de cinza, a chamam aqui de duna, o dique
cinzento à direita, a margem arenosa lívida a nossos pés e, a nossa frente,
o mar com a cor esmaecida de espuma, o vasto céu onde se refletem as
águas pálidas. Um inverno amorfo, na verdade! Nada mais do que linhas
horizontais, nenhum brilho, o espaço é incolor, a vida, morta. Não será a
retração universal, o nada sensível a nossos olhos? Nenhum ser humano,
sobretudo, nenhum ser humano (CAMUS
, 2007, p. 55).
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Assim é o mundo para Camus. Não um mundo organizado e bom, lugar em que pelas
coisas criadas é possível se chegar ao criador, como pensava Tomás de Aquino. Para ele, nada
de belas praias, belas montanhas, rios, vales, florestas e animais para nossa admiração, mas
somente “paisagens negativas”, que, muito distantes de levar ao criador e organizador de
tudo, leva a um sentimento de estranheza, plantando o absurdo no coração do homem (CAMUS,
2008b, p. 28).
Se tomarmos por base este raciocínio, tudo no mundo, mesmo as mais belas paisagens,
se revestem de estranheza. Pois “no fundo de toda beleza jaz algo de desumano” (ibidem);
“desumano” porque o homem se sente excluído do cenário. Este desencantamento com o
mundo leva-nos a perder o sentido ilusório com que o olhávamos. O mundo volta a ser
exatamente como ele sempre foi: um lugar desconhecido, que não pode ser explicadoracionalmente. Neste momento, não o compreendemos mais. Ficamos privados do artifício de
criar cenários familiares para aliviar o desconforto de estar neste mundo confuso.
É exatamente dessa contradição que nasce o sentimento do absurdo:
Um mundo que se pode explicar, mesmo com raciocínios errôneos, é um
mundo familiar. Mas num universo repentinamente privado de ilusões e
de luzes, pelo contrário, o homem se sente um estrangeiro. É um exílio
sem solução, porque está privado das lembranças de uma pátria perdida
ou da esperança de uma terra prometida. Esse divórcio entre o homem e a
vida, o ator e seu cenário é propriamente o sentimento do absurdo.
(CAMUS, 2008b, p. 20)
Uma vez que a vida neste mundo é passageira e, com a morte, tudo aquilo que
construímos chegará a seu fim, se encontrará com o nada, ela perde completamente o seu
sentido.
Para qualquer um que pense assim, quase todas as atividades humanas parecem
inevitavelmente vãs. A morte chegará sem que saibamos onde estamos e, uma vez que
estejamos mortos, assim será para sempre. Se o nada é o destino de todos nós, todo valor e
importância que damos à vida não passam de um jogo humano, em que nós mesmos nos
enganamos. Comemos, bebemos, dormimos, procuramos permanecer vivos, fugir do perigo,
adiar ao máximo o inevitável encontro com a morte. Mas, nada disso tem sentido.
Independente do que lhes aconteça, “o essencial [é] cumprir o dever” (CAMUS, 2008c, p. 44).
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Antes de encontrar o absurdo, o homem cotidiano vive com metas, uma
preocupação com o futuro ou a justificação (não importa em relação a
quem ou a quê). (...) Depois do absurdo, tudo fica abalado. A idéia de que
“existo”, minha maneira de agir como se tudo tivesse um sentido (...),
tudo isso acaba sendo desmentido de maneira vertiginosa pelo absurdo de
uma morte possível. (CAMUS, 2008b, pp. 68-69)
A questão da sorte do homem no mundo é o tema principal que permeia o livro A
peste. Na cidade de Orã, acometida por uma terrível peste transmitida por ratos, os habitantes
encontram-se “separados” do resto do mundo e ameaçados a todo instante pelo perigo de
contágio. Neste lugar extremamente hostil, a morte acaba se tornando algo comum entre eles.
Assim Camus mostra a dramática relação entre o homem e o mundo. Inocentes ou
culpados somos vítimas dos flagelos que ignoramos a origem. Mas no mundo somos
vulneráveis a esses infortúnios. Ainda que, na maioria das vezes, pouco nos importemos com
eles ou questionemos a seu respeito.
Como compreender um mundo assim?
Em O estrangeiro, o protagonista Mersault é um escriturário de Argel que viaja até
uma cidade próxima para enterrar sua mãe. Ele não chora no enterro, demonstrando ser um
tanto insensível com a situação.Mersault mata um árabe e é levado ao tribunal onde sua indiferença com a mãe
adquire mais relevância do que o assassinato cometido. Durante o julgamento acontece uma
batalha verbal entre defesa e acusação. Em meio a isso tudo ele se sente um verdadeiro
estrangeiro.
Neste réu talvez se configure a maior identificação de um homem que se sente
estrangeiro no mundo, com a espécie humana. Camus diz no prefácio desta obra: “O herói do
meu livro é condenado porque não joga o jogo”. Assim, Mersault é a figuração do homemabsurdo, aquele que reconhece a irracionalidade do mundo e não aceita as regras do jogo,
ainda mais que isso: ele não entra no jogo. Não quer ser escravo, não quer herdar uma culpa
cujos motivos da condenação ele ignora (CAMUS, 2007).
Diante disso, Camus aponta a revolta como o caminho mais autêntico:
Que é um homem revoltado? Um homem que diz não. [...] Um escravo,
que recebeu ordens durante toda a sua vida, julga subitamente inaceitável
um novo comando. [...] Ele demonstra, com obstinação, que traz em si
algo que “vale a pena...” e que deve ser levado em conta. De certa
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maneira, ele contrapõe à ordem que o oprime uma espécie de direito a não
ser oprimido além daquilo que pode admitir (CAMUS, 2008a, p. 25).
O homem revoltado ante a absurdidade imposta à existência não se dobra, lamentando
o destino imutável. Mas quer dar um sentido a sua vida. Camus utiliza o Mito de Sísifo3
comometáfora capaz de dizer e mostrar em que consiste a vida do homem revoltado.
A mitologia grega conta que os deuses haviam condenado Sísifo a rolar uma enorme
pedra até o cimo de uma montanha. Mas logo depois de realizar a tarefa, a pedra cairia
montanha abaixo novamente. Sísifo, num círculo sem fim e sem sentido, de um trabalho
inútil, teria que realizar essa tarefa por toda eternidade.
O mito de Sísifo tornou-se uma alegoria que representa o verdadeiro amor do homem
em relação ao mundo. Sísifo despreza a vontade dos deuses, tem ódio da morte e grande paixão pela vida. Mesmo consciente de sua situação de condenado, prefere permanecer dono
de seu destino e vencer o divórcio entre o ator e o cenário, isto é, entre o homem e o mundo.
Em Camus, Sísifo opta pela revolta em vez do desespero. Essa revolta consiste em
assumir com teimosia a absurdidade, concordando com sua tarefa, ressignificando-a. O
absurdo é vencido pela decisão humana de fazer dele o seu destino. Uma vez tomada essa
decisão Sísifo sente-se feliz, e essa felicidade é a vitória da revolta contra a absurdidade de
uma condição imposta e imutável.
ela [a relação homem e mundo] não pode ser dividida. Destruir um dos
seus termos é destruí-la totalmente. Não pode haver absurdo fora de um
espírito humano. Por isso o absurdo acaba, como todas as coisas, com a
morte. Mas tampouco pode haver absurdo fora deste mundo (CAMUS,
2008b, p. 45).
À semelhança de Sísifo estão os homens no mundo: condenados a viver num mundo
absurdo, sem sentido. Assim sendo, como o Sísifo de Camus, devemos dar um sentido próprio
à nossa vida. Isto significa aceitar a condição de existente, assumir o mundo com todas as
implicações que disso decorre, não fugir da contradição inerente à relação homem-mundo. Tal
relação apresenta-se como constitutiva, na medida em que um precisa vitalmente do outro,
pois como diz Camus, “o absurdo não está no homem (...) nem no mundo, mas na sua
presença comum” (ibidem).
3 Sísifo, personagem da mitologia grega, foi condenado pelos deuses a empurrar, sem descanso, um rochedo atéo cume de uma montanha, de onde a pedra sempre caía novamente, em virtude do seu peso. Tal castigo ocondena a realizar um trabalho inútil e sem esperança. Entretanto, por sua persistência, Sísifo é também símboloda paciência e da perseverança frente aos obstáculos.
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4. PALAVRAS FINAIS
Quando buscamos compreender nosso tempo percebemos que, mais que em outros
momentos históricos e com maior intensidade, predomina a marca da inconstância. Nosso
mundo apresenta-se, cada vez mais, como sociedades mutantes, nas quais o sentido das coisas
parece ser cada vez mais fugaz, escorregadio; e mais: quando tal sentido se esvai fica o que
Viktor E. Frankl chama de “vazio existencial” (2008 p. 131).
Na contemporaneidade, a busca desenfreada pelo acesso ao prazer ou por qualquer
coisa que se apresente como tal, obriga boa parte das pessoas, com grande frequência, a
buscar desesperadamente por ocasiões que possibilitem a satisfação de necessidades as mais
diversas. Em muitos casos, nem se trata de necessidades reais, mas de desejos transformados
em necessidades. Inicia-se, assim, um círculo vicioso estimulado pelas propagandas que, na
verdade, seduzem enquanto são apresentadas e acolhidas como promessas de realização plena,
felicidade total. O sucesso das ofertas advindas da indústria do consumo se explica, em boa
parte, porque prometem ao homem a superação de muitos dos nossos “vazios existenciais”.
Promessas de vida plena, de mundo perfeito se revelam, no entanto, mentirosas; todas
as expectativas de encontrar a felicidade absoluta se mostram como pura ilusão.
É certo que, se concordarmos com os antigos, todo ser humano anseia pela felicidade,
pela eudaimonia, isto é, pela vida boa ou vida feliz. O desejo de felicidade está por trás de
todas as nossas buscas, em qualquer circunstância. Na França do século XVII, já dizia Pascal:
“Os homens todos, sem exceção, desejam ser felizes. Por distintos os meios que usam, tendem
todos a esse propósito... É esse o motivo de todas as ações de todos os homens, inclusive dos
que vão se enforcar...” (1999, P Nº 425, P. 137). Na perspectiva camusiana, o mundo é o locus
das experiências absurdas; nesse sentido, nos perguntamos: é possível ainda continuarmos
falando e, mais que isso, teimando em buscar ser felizes? Ainda mais: se somos, como afirmaPascal, “... incapazes de curar a morte, a miséria, a ignorância...” (1999, P Nº 168, p. 75), há
algo a fazer se não desesperar-se? Sim! É possível imaginar e experimentar Sísifo feliz!
Assumimos a radicalidade angustiada da resposta dada por Camus. Afinal de contas, mesmo
habitando um mundo em que não há um sentido objetivo, o sentindo da vida está na escolha
de querer viver. E viver consiste, em última instância, em assumir como meta experimentar
cotidianamente a contradição intramundana que, no fundo, é parte das contradições inerentes
à condição humana.
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Aceitamos a necessidade da relação permanente, simbiótica e de cumplicidade entre
homem e mundo. Vivemos e testemunhamos tal experiência. Às vezes, de forma precária e
limitada; às vezes, como comunhão que se aproxima do êxtase. Quando isso ocorre, diz
Camus: “...Não é preciso aprofundar mais. Uma única certeza é suficiente para aquele que
busca. Trata-se apenas de extrair todas as consequências dela” (2008b, p. 45). Ou, como nos
lembra Pascal: “... Apesar dessas misérias, o homem quer ser feliz, e somente quer ser feliz, e
não pode deixar de querer sê-lo” (1999, P Nº 169, p. 75). Enfim, advogamos aqui, a
necessidade de abraçar uma esperança sísifa. E, por isso comungamos com Dantas e, com ele,
concluímos:
A insistência da fé na esperança, no amor e na compreensão do outro,
certamente contribuirá para imaginarmos nossos ‘Sísifos’ mais felizes no próximo século que já começou e que continuará a rolar seus rochedos
(2003, p. 87).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGOSTINHO, Aurélio. Confissões. São Paulo: Nova Cultura, 2000.
BLANK , Renold. Encontrar sentido na vida: propostas filosóficas. São Paulo: Paulus, 2008.
CAMUS, Albert. O estrangeiro. Rio de Janeiro: Record, 1977.
______. O Homem revoltado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008a.
______. O Mito de Sísifo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008b.
______. A Peste. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008c.
______. A Queda. Rio de Janeiro: BestBolso, 2007.
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. Vol. I,2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
DANTAS, A. Galeno A. É preciso imaginar Sísifo feliz. In: ALMEIDA, Maria Conceição de;KNOBB, Margarida e ALMEIDA, Ângela Maria de. Polifônicas Idéias: Por uma ciência quesonha. Porto Alegre: Sulina, 2003.
FRANKL, VIKTOR E. Um Sentido para a vida: Psicoterapia e humanismo. 14ª ed. Aparecida,
SP: Idéias & Letras, 2005.
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JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: JorgeZahar, 1990.
PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.