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A REPROVAÇÃO ESCOLAR: UM DESAFIO PARA AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS Zenir Maria Koch – UDESC [email protected] Beatriz B. C. Hanff – UFSC [email protected] Grayce Lemos – UDESC [email protected] Resumo: Neste artigo, discutiremos resultados escolares, após a implantação da avaliação por avanços progressivos em confronto com dados recentes de pesquisas sobre reprovação e interrupção escolar, realizadas nas escolas públicas municipais e estaduais de Florianópolis – SC, indagando sobre o significado das políticas educacionais adotadas em várias décadas como soluções imediatistas e remediativas para o fracasso escolar. A reprovação/interrupção dos/as alunos/as, no universo escolar, vem sendo debatida ao longo das décadas e motivo para a implantação de políticas educacionais em nosso país. Palavras-chave: Reprovação. Interrupção escolar. Políticas educacionais. Avanços progressivos. Classes de Aceleração. INTRODUÇÃO
Os dados sobre os resultados da educação brasileira e catarinense apresentados ao
longo das várias décadas revelam que os ganhos esperados com as políticas públicas na
melhoria da aprendizagem não foram obtidos, tampouco alteraram concepções sobre a
reprovação e a interrupção escolar.
Destacamos como centrais, neste artigo, as políticas educacionais: Sistema de Avanços
Progressivos – SAP dos anos 70 e Classes de Aceleração dos anos 901, as quais suscitam
questões sobre as soluções buscadas para resolver o problema da reprovação na escola pública
catarinense. A política do SAP merece ser trazida à discussão, tendo em vista que, em outros
estados e municípios brasileiros, nos últimos anos, medidas semelhantes vêm sendo
implementadas na promoção escolar, com a democratização do processo educativo no que se
refere à organização dos tempos e espaços de formação, aos conteúdos, aos métodos e
técnicas de avaliação.
Antecipando-se à política educacional de extensão de oito anos de escolaridade do
Ensino Fundamental adotada pela Lei na 5.692/71 para todo o Brasil, o governo catarinense,
em 1969, inclui no seu Plano de Governo – PLAMEG a educação como meta prioritária para
possibilitar o aprimoramento da força de trabalho reclamada pelo acelerado processo de
industrialização da época. Assim, lança-se em 1969, o Iº Plano Estadual de Educação 1969-
1980.
As principais mudanças introduzidas no primeiro plano de educação constituíam-se na
já citada adoção do Sistema de Avaliação por Avanços Progressivos e na extensão da
obrigatoriedade escolar de 4 para 8 anos, com a fusão dos Cursos Primário e Ginasial em um
só Curso Básico de 8 anos contínuos.
Já as classes de aceleração foram implementadas em 1996, em Santa Catarina, e, em
outros estados e municípios brasileiros, como medida de correção das dificuldades de
aprendizagem dos estudantes em situação de repetência ou multirrepetência, com defasagem
na idade regular e na série que freqüentavam naquele momento. O objetivo é corrigir a
trajetória escolar dos alunos, oferecendo-lhes condições didático-pedagógicas que
possibilitem o atendimento de suas necessidades de aprendizagem (ALMEIDA, 2002, p.4).
Apesar das mudanças introduzidas no ensino nos anos 70/90, o sistema educacional
brasileiro não teve a capacidade de reter o alunado na escola, prenúncio do inegável fracasso
das políticas governamentais. De acordo com Barreto e Alves (1987: 14), nos anos 80, o
brasileiro atingia, em média, três anos de escolaridade básica; em certas regiões do País,
como no Nordeste, aumentou o número de analfabetos dos 7 aos 14 anos, faixa de idade em
que a Constituição Nacional determina a obrigatoriedade da escolarização (In: KOCH,
1989).
Em 1970, em pleno milagre econômico, 24,3% dos jovens na faixa de 14 anos não
sabiam ler e escrever; em 1980, o índice baixou apenas 5%. Na faixa de 7 a 14 anos, o
decréscimo do número de analfabetos foi de cerca de 7%. Atualmente, existem no Brasil
cerca de 20 milhões de analfabetos com 15 anos ou mais e 30 milhões de pessoas que não
compreendem o que lêem (HADAD, 1993).
Mesmo após a obrigatoriedade escolar, não se conseguiu atender a demanda efetiva
pela escolarização básica: o atendimento alcançado nos quatro primeiros anos baixou de
66,3%, em 1970, para 65,5%, em 1980 (Cf. Cunha, 1985:56). Nos oito anos de escolaridade,
em 1980, a taxa de atendimento na faixa era de apenas 67%; a de evasão, de 34%; e a de
reprovação atingia cerca de 50% na 1ª série. No final dos anos 80, a taxa de escolarização
geral do ensino fundamental esteve em torno de 80%, mas os dados do MEC indicavam que
70% dos estudantes das escolas públicas repetiam o ano. A evasão nas oito séries chegou a
61%. De cada 100 alunos matriculados, apenas 39 concluíam o ensino fundamental (In:
KOCH, 1989).
No final dos anos 90, embora 95,8% das crianças tenham tido acesso ao ensino
fundamental, somente 59,0% tinham chance de chegar até a 8ª série. Os dados de defasagem
idade-série apontam, em média, um atraso de 2 a 4 anos na escolaridade. Em percentuais,
significa que 46,7% dos alunos continuavam atrasados em relação a seus estudos (SPOZATI,
2000, p. 23).
Nesse período o MEC, destaca:
A taxa de promoção, que mede o número de alunos que passou de série, aumentou de 64,5%, em 1995, para 74%, em 1998. No mesmo período, a repetência caiu de 30,2% para 21,3% dos alunos e a taxa de abandono da escola baixou de 3,4% para 3,1% (BRASIL, 2000).
Ao mesmo tempo, que ressalta melhoria no desempenho escolar o Ministério da
Educação divulgou que os estudantes brasileiros ficaram em último lugar nas provas de
leitura, matemática e ciências do Programa Internacional de Avaliação de Aluno. O PISA
colocou o Brasil em último lugar entre os 32 países avaliados (GOIS, In: FOLHA DE SÃO
PAULO, 2002).
João Batista de Oliveira, criador do Projeto Acelera Brasil, diz que:
Mais da metade dos brasileiros com 15 anos de idade não consegue entender o que lê. Apenas 1% dos brasileiros dessa idade consegue atingir o nível máximo de desempenho, compatível com o de seus colegas no resto do mundo. Os dados são irrefutáveis. A reprovação do nosso sistema educacional, infelizmente, é merecida2.
Para o autor, acima citado, 20% a 40% dos alunos das quatro primeiras séries que
estão atrasados na escola são analfabetos3.
Os resultados do ensino, no âmbito federal e estadual, não sofreram alterações
significativas. Os estrangulamentos continuam existindo no período pós 90, em que se
observa uma profunda mudança em todos os níveis do sistema educacional, num esforço de
ajuste às políticas neoliberais.
.
(...) o discurso subjacente às ações reformistas é de enfrentar os trágicos problemas educacionais, há muito identificados: as dificuldades de aprendizagem dos alunos, a repetência, a defasagem idade/série e a evasão escolar. Ou seja, reivindicam a busca da qualidade da educação e o combate ao fracasso escolar (ALMEIDA, 2002, p.3).
Nessa direção, o discurso oficial tem enfocado a importância de se estender o ensino
fundamental a toda a população. Em Santa Catarina, existem especificidades que precisam ser
apontadas e estudadas, notadamente no período da Reforma do Ensino de 1º Grau (1970-
1985), marcado pela política de avaliação por avanços progressivos.
A POLÍTICA EDUCACIONAL DOS ANOS 70/80 EM SANTA CATARINA
Na reforma educacional catarinense dos anos 70/80, pregava-se a adoção do sistema
dos avanços progressivos para a democratização das oportunidades escolares. Além de
suprimir a repetência, atuaria positivamente sobre a baixa escolaridade que atingira o ensino
no final dos anos 60.
Em 1969, a repetência nas quatro primeiras séries era de 23,4% e a perda de alunos,
num fluxo de quatro anos (1966/1969), era de 53,8%. A perda de alunos do primeiro para o
oitavo ano de escolaridade (1962-1969) estava em tomo de 93%. Num fluxo de oito anos, de
177.375 alunos ingressantes na 1ª série, apenas 7,7% chegava até a 8a série (SANTA
CATARINA, 1975).
As medidas do Plano de 1969 repercutiram favoravelmente na expansão quantitativa
da matrícula logo nos primeiros anos da Reforma, dadas as condições da demanda reprimida
do sistema, que se apresentava altamente seletivo. Esse efeito, é visualmente constatável
quando se examina a série histórica dos anos posteriores à implantação do SAP. Em 1966, a
pirâmide do ensino catarinense apresentava-se bastante afunilada; em 1976, quando já estava
em vigor o novo sistema de avaliação, a pirâmide, consideravelmente mais achatada, indicava
o aumento no número de ingressantes e de concluintes no Ensino de 1º Grau (KOCH, 1989).
Os bons resultados obtidos de imediato foram creditados, forçosamente, à promoção
automática, estabelecida por lei para garantir uma maior absorção de demanda, sem as perdas
de vagas acarretadas com a retenção. Em números, a educação catarinense teve a matrícula de
7 a 14 anos ampliada de 538.431, em ]970, para 623.724, em 1985. No entanto, o quadro
comparativo do atendimento da matrícula em relação à demanda escolar revela que a
escolarização em Santa Catarina sofreu considerável diminuição na sua série histórica
1970/1985. Basta observar que nesses anos, enquanto a população geral cresceu em 25%, a
matrícula do Ensino de 1º Grau cresceu apenas 13%. Se a expansão do sistema escolar não
acompanhou o aumento vegetativo da população, a tendência é tornar crescente também o
analfabetismo (KOCH, 1989).
Apesar do forte argumento de implantar o avanço progressivo para acabar com a
evasão e a repetência, a realidade escolar dos anos 80 demonstrou a persistência desses
problemas no interior da escola quando grande parte das crianças abandonava a sala de aula
logo nas primeiras séries. Segundo os dados estatísticos no ano da Reforma (1969), havia,
para um total de 188.882 alunos ingressantes na 1ªsérie, 13.413 evadidos. Dez anos após, a
matrícula no 1º ano escolar diminuiu para 154.774 e o número de alunos que se evadiu
aumentou para 14.681. Nos anos seguintes, a matrícula nessa série continuou diminuindo,
chegando em 1985 a 123.970 alunos. Do total de 156.153 alunos ingressantes na 1ªsérie, em
1978, apenas 32,9% chegou à 8ª série em 1985.
Observa-se que a perda de alunos já ocorria logo na passagem da 1ª para a 2ª série,
(24)%). Os dados indicavam, também, uma grande subtração de alunos nas séries
subseqüentes. Esta constatação revela um grande distanciamento, entre os resultados
pretendidos com o Sistema de Avaliação por Avanços Progressivos e os efetivamente
observados nas pesquisas desenvolvidas por: Auras (1991), Fiori et al. (1980), Oliveira
(1984) e Koch (1989).
Ficou manifesta a ineficiência dessa medida política, enquanto medida em prol da
democratização escolar e nem poderia ter sido diferente, uma vez que se pretendia manter a
criança dentro da escola.
Eliminar a reprovação pode ser uma forma de garantir a permanência,
se forem garantidas as condições de aprendizagem aos alunos, no entanto isso não aconteceu
em SC; (...) privilegiou-se o quantitativo com uma ampliação escolar arbitrária e
desordenada, ferindo o princípio pelo qual é preciso expandir, sim, o ensino, mas não vale
a pena expandir qualquer tipo de escola (KOCH, 1989, p. 79).
As pesquisas de campo desenvolvidas nos anos 80 denunciaram o número de crianças
fracassadas na escola pública catarinense.
Nas primeiras séries, mais de 50% se evadiam e outras tantas não conseguiram se alfabetizar nos oito anos de passagem pela escola. Por isso, a maioria concluía o Ensino de 1°Grau sem os conhecimentos básicos necessários ao prosseguimento dos estudos e ao enfrentamento da vida e do trabalho (KOCH, 1989).
De acordo com Koch (1989), muitos alunos do Ensino de 1° Grau foram empurrados
até as classes de recuperação (nas 4ªs e 8 ªséries) sem serem ao menos alfabetizados. Como o
sistema não teve a capacidade de promovê-los, os alunos ficaram retidos nas séries
intermediárias, apresentando um acréscimo de matrícula nessas séries, em relação à série
imediatamente anterior.
A implementação do Sistema de Avanços Progressivos, transformado em promoção automática, na prática, acabou se tornando, um instrumento banalizador do conteúdo escolar, prejudicando sensivelmente, a qualidade do ensino (KOCH,1989, p. 78).
Evidencia-se, assim, no sistema educacional catarinense a persistência fracasso
escolar, que foi camuflado no período de vigência do Sistema de Avanços Progressivos.
Razão pela qual, a população, exigiu do Governo, em 1985, a extinção dessa política.
A REALIDADE OBSERVADA NA ESCOLA
Apesar de implantada a política das Classes de Aceleração, os dados recentes apontam
no ensino fundamental público catarinense, um enorme contingente de estudantes repetentes
ou multirrepetentes.
Em escolas públicas de Florianópolis, nossos estudos desenvolvidos em 2003/2004 e
em 2005/2006, detectaram altos índices de reprovação, em turmas regulares, nas escolas da
rede estadual e municipal. Os índices de aprovação nas escolas estaduais de Florianópolis,
conforme relatórios de avaliação das Classes de Aceleração, do período 1998/2003, ficaram
em torno de 50 % (KOCH et. al., 2004).
Os dados de 2005/2006, coletados em 12 escolas (5 municipais e 7 estaduais) de
Florianópolis, quando da realização da Pesquisa: Um Estudo sobre o Contexto da Reprovação
no Ensino Fundamental em Santa Catarina, desvelam informações importantes para análise da
reprovação, mostrando que as singularidades precisam ser estudadas. Em primeiro lugar, as
médias de reprovação escolar por série, apresentadas na estatística oficial, pouco retratam o
que ocorre nas escolas. Enquanto o censo escolar coloca uma reprovação média de 30%, nas
turmas de 1ª a 8ª série, os dados pesquisados nas Secretarias Acadêmicas, por escola/ ano/
série, confirmaram que existem escolas com uma média anual de 50% de reprovação, e outras
com índices bem superiores.
Conforme Hanff (2005), outro fator importante, resultante da análise das planilhas das
escolas, foi a identificação de bruscas alterações nos índices de reprovação escolar, numa
série histórica de 5 anos. Para exemplificar, em uma das escolas estaduais, de 1998 a 2002, as
mudanças na 5ª série variaram: 69,5% (em 1998); 25,0% (em 1999); 46,0% (em 2000); 3,2%
(em 2001) e 26,2% em 2002.
A concepção da maioria dos/as professores/as de 1ª e 5ª série, detectada na pesquisa
sobre reprovação, é que os/as alunos/as reprovam porque não querem aprender. São na sua
maioria indisciplinados/as, desinteressados/as, ou pertencem a famílias consideradas
defasadas culturalmente. Na prática educativa, constatou-se que são poucos/as os /as
professores/as que tomam iniciativas para identificar os motivos da não aprendizagem dos/as
alunos/as e as possíveis soluções Esses/as educadores/as, raramente se colocaram ou
colocaram a escola como parte responsável pela reprovação.
Diante dessa situação, os/as alunos/as, reproduzem o discurso de fracassados,
vitimados por eles mesmos. Alguns estudantes de 5ª série, quando indagados sobre os motivos
que os levaram a reprovação, afirmaram terem sido reprovados/as por adotarem
comportamentos não compatíveis à sala de aula. Foi a bagunça. Eu conversava muito. É que
eu tinha um colega que estudava comigo e ele era bem bagunceiro. Foi por bagunça e por
mata aula. Eu não prestava atenção nas aula.
A análise dos discursos dos/as professores/as pesquisados/as aponta que, embora
reconhecendo o efeito prejudicial da reprovação, a consideram um benefício para o aluno. A
reprovação é centrada na pessoa do aluno, com poucos referentes ao sistema escolar. Quem
reprova é o/a aluno/a e não a escola. Assim, (...) a alegação da falta de interesse do aluno
como justificativa para o mau desempenho escolar precisa ser combatida de forma radical
porque ela implica a própria renúncia da escola a uma das suas funções essenciais (PARO,
2001, p. 5).
Na visão de Rui Canário, ao analisar os sistemas educativos na contemporaneidade, a
escola passou de um contexto de certezas, para um contexto de promessas, inserindo-se,
actualmente, num contexto de incertezas. Pois, mesmo com a expansão dos níveis de
escolaridade, acentuam-se, cada vez mais, as desigualdades sociais, cuja raiz se encontra nas
mudanças verificadas no mundo do trabalho (CANÁRIO, 1996).
Não passa na escola, hoje, uma discussão sobre os princípios do “fracasso” e do
“sucesso” escolar. Na pesquisa, as razões, colocadas pelos/as professores/as, sobre o que leva
o estudante à reprovação, com maior intensidade, nas escolas públicas, principalmente, nas 1ª
e 5 ª séries, ainda não são esclarecedoras. As opiniões, nesse sentido, foram vagas e difusas,
contribuindo muito pouco para o entendimento da questão. Por exemplo, dizer que o
estudante não está preparado para cursar a primeira série, do ensino fundamental, e que há
rompimento na passagem da quarta para a quinta série, explica pouco.
Os principais fatores que pesam na ocorrência da reprovação foram citados pelos/as
professores/as de 1ª e de 5ª séries na ocasião das entrevistas. Os de 1ª série apontaram:
imaturidade dos alunos; a não freqüência às aulas; dificuldades de leitura e de interpretação;
dificuldades em acompanhar as atividades em sala e falta de compromisso da família. Já os/as
professores/as de 5ª série apontaram: falta de estímulo e interesse por parte do aluno; excesso
de brincadeiras e gazeio de aulas; indisciplina; idade avançada; ambiente não favorável em
casa; falta de concentração; mudança da 4ª série para a 5ª série e falta de domínio de leitura,
de escrita, de interpretação de textos e das operações básicas de matemática (In: KOCH et al.,
2006).
O reconhecimento das “limitações” a que estão sujeitos/as e a percepção de que são
poucos os resultados concretos que a escola pode proporcionar (REIS et. al., 2003, p. 18-9),
parece não desanimar os estudantes. Apesar de tudo, alguns continuam na escola com a
esperança de um dia serem aprovados/as. A importância da aprovação, passa pela necessidade
de manter o vínculo social básico, que une as pessoas e as sociedades.
Para Hargreaves (2004, p. 192), a possibilidade de rompimento desse “vínculo social
básico” cria sentimentos de distância excessiva ou exposição diante dos que nos rodeiam.
Para esses/as alunos/as, as dificuldades de aprendizagem, que se refletem principalmente nos
chamados conteúdos básicos, na escrita e no cálculo, faz aflorar o sentimento de vergonha e
de negatividade: eu não consigo”; “eu não sei fazer”. Por isso, há necessidade constante de
aprovação, de forma a manter suas integridades enquanto alunos/as.
Os/as alunos/as revelaram, na maior parte dos casos estudados, sentimento de desvalia,
e a construção de uma auto-imagem de incapacidade e de fracasso. Os relatos de suas
experiências escolares deixam claro a vivência de um processo descontínuo de escolarização,
onde estão presentes situações de fracasso escolar, que aliadas a outros fatores de ordem
afetiva e sócio- econômico-cultural, em conformidade com Charlot (2000), tornam os/as
alunos/as desinteressados/as na escola.
O que se observa é que as escolas públicas não vêem condições para uma ação
pedagógica competente para reverter a situação dos/as reprovados/as, evadidos/as e
multirrepetentes. Nesse aspecto, Perrenoud (2003, p. 12), diz: A escola continua muito
despreparada diante dos alunos que não têm interesse “em encher a cabeça de coisas cabeça
de coisas inúteis” e que não percebem o poder e o prazer que esses saberes poderiam lhes
trazer.
Vimos que a trajetória escolar de muitos/as alunos/as de 1ª e 5ª série é marcada por
uma escolaridade acidentada, com inúmeras reprovações, interrupções e retornos.
O/as pesquisados/as com histórico de reprovação na 1ª série, através das entrevistas
realizadas em 4 escolas da pesquisa (2 estaduais e 2 municipais), apontaram o número de
vezes que foram reprovados nesta e em outras séries. A maioria, em torno de 50%, foi
reprovada uma vez na 1ªsérie, outros 40%, duas a três vezes, e houve aluno que chegou a
reprovar cinco, seis vezes ou mais, conforme representação gráfica a seguir.
Gráfico 01 – Número de reprovação na 1ª série, dos alunos em escolas de educação básica das redes de ensino municipal e estadual – Florianópolis – 2006.
Fonte: Quadro 01 Número de reprovação na 1ª série, dos alunos EBM Osmar Cunha, EBE Celso Ramos e EBE Rosinha Campos – Florianópolis – 2006.
Depois da reprovação na 1ª série, o maior percentual foi 2ª série, seguida da 3ª e da 4 ª
série, como destaca o Gráfico 02.
Gráfico 02 - Número de reprovação, em outras séries, dos alunos reprovados na 1ªsérie, das escolas de educação básica das redes de ensino municipal e estadual – Florianópolis – 2006.
Fonte: Quadro 02 - Número de reprovação na 1ª série, dos alunos EBM Osmar Cunha, EBE Celso Ramos e EBE Rosinha Campos – Florianópolis – 2006.
Nas 5ª séries, as áreas que mais reprovam são Português, Matemática, Geografia,
História e Inglês. (In: Koch et. al., 2006), não obrigatoriamente nesta ordem. As reprovações,
nas áreas citadas, variam, dependendo da escola e dos/as professores/as.
EEBBMM 11 EEEEBB 22 EEEEBB 33 EEBBMM 44
A situação de reprovação e interrupção é uma questão que precisa ser examinada com
maior profundidade pelo conjunto dos educadores que conduzem o ensino público, tendo em
mente questões como:
Por que a cultura da reprovação se perpetua mesmo com as novas políticas públicas?
Por que alunos/as interrompem seus estudos no Ensino Fundamental? Por que a reprovação se
concentra mais nas 1ª e 5ª séries em escolas públicas? Por que crianças/jovens do gênero
masculino e de raça/cor negra são os mais atingidos pelo fracasso escolar? Por que estudantes
do gênero masculino estão mais defasados em relação a idade/série, no Ensino Fundamental?
Que medida a escola pode adotar para evitar e/ou corrigir o problema interrupção e
reprovação escolar? Quais as concepções sobre as dificuldades de aprendizagem que
permeiam a prática educativa dos professores e dos profissionais que atuam na coordenação
pedagógica dessas escolas que vêm enfrentando os problemas da reprovação? A escola pode
vencer a barreira da reprovação desenvolvendo projetos pedagógicos de apoio aos/às
alunos/as em situação de fracasso escolar?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reformas educacionais, geralmente, são instaladas nas escolas, "num chão
institucional", usando o termo de Patto (1998), que não as comportam, sem levar em conta a
realidade da escola e dos seus estudantes.
Em Santa Catarina, as escolas da rede pública foram palco das políticas “bem
intencionadas” que não alteraram a qualidade do ensino fundamental. O que se observa é que,
nesses anos todos, as escolas públicas não conseguiram vencer a barreira da reprovação e da
multirreprovação, principalmente na 1ª série, evoluindo para um processo constante de
interrupção escolar.
As diferentes movimentações escolares, por reprovações/interrupções, não se
coadunam com a forma pelas quais, as escolas se organizam. São planejadas com base na
seriação, na transmissão seqüencial dos conteúdos com uma organização curricular baseada
em pré-requisitos.
Davies (2002, p.23), ao analisar a implantação de políticas educativas globais,
realizadas na década de 1990, no Brasil, critica o processo de divulgação, pelo governo
federal, da universalização do ensino fundamental, através da interpretação equivocada dos
dados estatísticos que considera apenas parte das informações e produzem relatórios que
minimizam os problemas educacionais e sociais brasileiros. O autor aponta a falácia na
adoção das políticas educativas e a fragilidade dos discursos, que pregam a universalização do
ensino no Brasil. Questões similares, durante a década de 90, já vinham sendo apontadas, pelo
pesquisador Alceu Ferraro.
Para Ferraro (2004), a universalização do ensino, apesar da divulgação feita no
Governo Fernando Henrique Cardoso, ainda não foi efetivada. Não basta, segundo ele,
considerar o acesso à escola. É, preciso levar em conta a capacidade de permanência e
conclusão dos alunos, como também a qualidade de ensino oferecida.
A Pesquisa: Um estudo sobre o contexto da reprovação no Ensino Fundamental de SC
confirmou a existência de uma “cultura da reprovação”, remetendo para a necessidade de se
repensar as políticas educacionais e a ação educativa. Nessa direção, torna-se importante
destacar que:
•A reprovação é um dos fatores que possibilita a interrupção dos estudos.
•Os resultados escolares alcançados nas séries iniciais mantêm relação com os
resultados alcançados nas quintas séries.
•A reprovação escolar se constitui na passagem do mundo da regularidade escolar para
o da instabilidade, com a possibilidade de ocorrência de outras reprovações e interrupções.
•As interrupções escolares são naturalizadas pela escola.
•Há ainda predominância, por parte dos professores, de uma visão das teorias da
“carência cultural” para explicar as dificuldades dos alunos e das famílias e as causas da
reprovação e da interrupção escolar. Conseqüentemente, não se alteram conteúdos e práticas
curriculares.
•Há tendência nos alunos de incorporarem os rótulos das teorias da “carência cultural”,
culpabilizando a si mesmos pelas reprovações escolares.
1 Sobre a Política dos Avanços Progressivo, ver especialmente: Auras (1991), Amorim (1984),Dutra et alii(1984),Fiori etalii(1980), Oliveira(1984) e Koch (1989); sobre dados de reprovação e interrupção utizamos:Pesquisa: A pedagogia da repetência em questão: um estudo de caso sobre as Classes de Aceleração (2003/2004) , )., coordenada pela Profª Zenir Maria Koch – FAED/UDESC, com a participação da Profª Beatriz B. C. Hanff – CED/UFSC e das Acadêmicas do Curso de Pedagogia:Celma e Juliana Ignácio da Silva e da Pesquisa: Um estudo sobre o contexto da reprovação no Ensino Fundamental em SC (2005/2006), coordenada pela Profª Zenir Maria Koch – FAED/UDESC, com a participação da Profª Beatriz B. C. Hanff – CED/UFSC e das Acadêmicas do Curso de Pedagogia:Juliana Ignácio da Silva, Renata da Cunha Silveira e Grayce Lemos. 2 Disponível em www.educacional.com.br/entrevista/entrevista0074, acesso em 10/08/2003. 3 Disponível em www.educacional.com.br/entrevista/entrevista0074, acesso em 10/08/2003.
REFERÊNCIAS
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