A Restauração Carmelitana Em Pernambuco - Tese

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restauração carmelitana em pernambuco no sec xix

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA DOUTORADO EM HISTRIA

    Decadncia e Restaurao da Ordem Carmelita em Pernambuco (1759-1923)

    MARIA DAS GRAAS SOUZA AIRES DE ARAUJO

    Recife 2007

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA DOUTORADO EM HISTRIA

    Decadncia e Restaurao da Ordem Carmelita em Pernambuco (1759-1923)

    MARIA DAS GRAAS SOUZA AIRES DE ARAUJO

    Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Histria da UFPE pela aluna Maria das Graas Souza Aires de Arajo, para a obteno do ttulo de Doutora em Histria, tendo como orientador o Prof. Dr.Carlos Miranda

    Recife 2007

  • Arajo, Maria das Graas Souza Aires Decadncia e restaurao da ordem Carmelita em Pernambuco (1759-1923). Recife: O Autor, 2007. 198 folhas Tese (Doutorado) Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Histria. Recife, 2007.

    Inclui bibliografia

    1. Histria de Pernambuco. 2. Governo Imperial 3. Ordem Carmelitas. 4. Poltica regalista. I. Ttulo.

    981.34 981.34

    CDU (2. ed.) CDD (22. ed.)

    UFPE BCFCH2007/09

  • Dedicatria

    Ao meu fiel amigo e companheiro, Kleber Arajo, desculpa pela ausncia e obrigada pelo seu amor.

    As minhas maravilhosas produes - Paloma e Lucas Aires

  • Agradecimentos

    Ao longo do desenvolvimento desta tese, pude contar com a participao e a dedicao de muitos amigos e instituies que contriburam

    sobremaneira com os objetivos acadmicos de nossa pesquisa. Deste modo,

    gostaria de agradecer, nesse momento to especial, a todos que colaboraram com o

    meu crescimento pessoal e intelectual, questionando pensamentos e atitudes.

    Inicialmente, gostaria de agradecer o empenho, a disponibilidade e a

    pacincia dispensados pelo Professor Doutor Carlos Miranda durante a construo

    crtica do projeto de pesquisa e desta tese. Sua orientao me proporcionou o

    interesse em buscar pistas documentais e bibliogrficas com a finalidade de

    esclarecer questionamentos iniciais. Reconheo com gratido a acolhida to

    carinhosa nos momentos em que precisei.

    Agradeo o tempo e a ateno concedidos pelos irmos do Carmo do

    Recife, os quais me proporcionaram o acesso documentao primria e secundria

    existente no Arquivo da instituio. Sou grata pelo o apoio e a gentileza do Fr. Sales,

    provincial da Baslica do Carmo do Recife, que sempre me auxiliou com respeito e

    amizade.

    Aos meus colegas do Departamento de Histria da UNIVERSO e, em

    especial, s minhas amigas Jeannie Menezes, Marclia Gama e Inocncia Galvo,

    pelos conselhos e gestos de carinho prestados nos momentos mais difceis na

    elaborao deste trabalho. Danielle Guimares, pelo cuidado e ateno conferidos

    na leitura e reviso gramatical da presente pesquisa.

    coordenao do programa de ps-graduao em Histria da UFPE,

    na pessoa do Professor Doutor Antnio Montenegro. Ao CNPq, pela ajuda financeira

    no decorrer destes trs anos.

    minha equipe de apoio familiar, sob a coordenao de minha me,

    Aida de Sousa, e a vice-coordenao de minha irm, Maria Jos Aires, que

    dispensaram ateno, carinho e pacincia aos meus filhos, Paloma e Lucas.

  • Tambm agradeo aos meus sobrinhos, Fernando e Patrcia Aires, pela pacincia e

    eficincia na realizao dos servios de ajuda tecnolgica prestados na elaborao

    deste estudo.

  • Resumo

    O presente trabalho tem por objetivo analisar o processo de

    decadncia da ordem Carmelita em Pernambuco, durante a poltica regalista do

    governo imperial, e a sua posterior restaurao, a partir de 1894, com a vinda dos

    carmelitas espanhis. Nessa perspectiva, procuramos estudar o contexto histrico do

    Imprio no qual foram impostas medidas restritivas aos antigos institutos monsticos

    dos beneditinos, franciscanos e carmelitas e, nesse meio, a conseqente situao

    vivenciada pelos carmelitas diante do esvaziamento de seus templos religiosos.

    Diante desta finalidade, a anlise documental referente decadncia do

    Carmo pernambucano nos possibilitou um maior entendimento acerca da reduo da

    influncia que os regulares exerciam na sociedade local e, ao mesmo tempo, serviu

    como subsdio para que entendssemos como ocorreu a implementao do projeto

    de restaurao da ordem no Brasil, a partir da proclamao da Repblica. Dessa

    forma, percebemos que, para restabelecer o vigor da ordem, os frades

    remanescentes do Recife solicitaram ajuda da Provncia do Doce Nome de Maria

    que enviou alguns grupos de religiosos para empreender tal objetivo. Salientamos

    que a chegada desses religiosos permitiu a reorganizao do carmelo

    pernambucano, assim como contribuiu para consolidar a romanizao da Igreja

    Catlica.

    Sendo assim, na elaborao desta tese, foram utilizados

    correspondncias, atas, ofcios, estatutos e os livros patrimoniais da ordem.

    Palavras-chave: restaurao, ordem carmelita, regalista.

  • Abstract

    The following thesis aims to analyze the decadence of the Carmelite

    Order of Pernambuco facing the regalistic politics during the Imperial government and

    its restoration after 1894, when Spanish Carmelites arrive. In this perspective, we

    studied the historical context of the Imperial period when restrictive politics were

    imposed to ancient monastic institutes of the Benedictines, the Fransciscanos and the

    Carmelites, leading to empty temples.

    Accessing documents about the Carmelite decadence of the Carmo of

    Pernambuco provided us a better understanding about the reduction of the influence

    of the regulars in the local society and at the same time about the implementation of

    the restauration project of this religious order in Pernambuco during the Republic

    proclamation. We realized that in attempt to recover the orders vigour the remainder

    friars of Recife asked for help from the province Doce Nome de Maria that sent some

    religious groups to support them. The arrival of these religious men permitted the

    reorganization of the Carmelite Order of Pernambuco contributing to consolidate the

    romanization of the Catholic Church.

    During the elaboration of this thesis, mails, official letters, statutes and

    patrimonial books from the Carmelites Order of Pernambuco were used.

    Key-words: restoration, religious order, regalist

  • Sumrio Lista de Abreviaturas e Siglas ---------------------------------------- 10 Introduo ------------------------------------------------------------------- 11 Cap. 1. Fixao e Expanso Carmelita em Pernambuco --------------- 29

    1.1. Fundao do carmo brasileiro --------------------------- --------- 30 1.2. O Carmo pernambucano -------------------------------------------- 37 1.2.1. Expanso carmelita no Recife ---------------------------- 41 1.2.2. Atuao carmelita em Goiana --------------------------- 46 1.3. Apogeu carmelitano -------------------------------------------------- 52 1.3.1. Carmelitas em Pernambuco no sculo XVIII ---------- 57 1.4. Enfraquecimento da cristandade ocidental --------------------- 63 1.4.1. Pombal e a expulso jesutica ----------------------------- 69 1.4.2. Crise do projeto colonial lusitano-------------------------- 77

    Cap. 2. Esvaziamento da Ordem Carmelita em Pernambuco --------- 82 2.1. Atitudes regalistas do Imprio ------------------------------------- 83 2.2. Em busca da romanizao ----------------------------------------- 90 2.3. Supresso dos carmelitas na Europa ---------------------------- 98 2.4. Decadncia do carmo brasileiro ----------------------------------- 103 2.4.1. Crise do carmelo pernambucano ------------------------- 110

    Cap.3 Restaurao do Carmo Pernambucano --------------------------- 132 3.1. Reorganizao catlica (1890-1921) ----------------------------- 133 3.2. Chegada dos restauradores espanhis ------------------------- 143 3.3. Fr.Andr Prat:implantao da Restaurao Carmelita ------ 156 3.3.1. Questo patrimonial da Ordem ---------------------------- 165 3.3.2. Consolidao da administrao de F.Andr Prat------ 171

    Consideraes Finais ---------------------------------------------------- 186 Fontes ------------------------------------------------------------------------- 190

    Bibliografia ------------------------------------------------------------------ 191

  • Lista de Abreviaturas e Siglas

    APEJE - Arquivo Pblico Estadual Jordo Emerenciano LAPEH - Laboratrio de Pesquisa e Ensino de Histria da UFPE. ACR - Arquivo do Convento do Carmo do Recife AHU - Arquivo Histrico Ultramarino - Portugal AFJN - Arquivo da Fundao Joaquim Nabuco

    10

  • Introduo

    O objetivo desta tese consiste em analisar os fatores que geraram a

    decadncia da ordem Carmelita em Pernambuco, durante a implementao da

    poltica regalista do Estado Portugus, e a sua posterior restaurao, a partir de

    1894, com a chegada dos reformadores espanhis. Dessa forma, foram levados em

    considerao os acontecimentos polticos, econmicos e sociais que desencadearam

    o processo de ruptura entre a Igreja e o Estado no Brasil e interferiram,

    sobremaneira, no projeto de consolidao e expanso desta Instituio.

    De incio, procuramos examinar o posicionamento dos carmelitas diante

    das medidas restritivas tomadas pelo governo em relao s antigas ordens

    religiosas (franciscanos, carmelitas, jesutas e beneditinos) desde a poca pombalina

    at o perodo da Proclamao da Repblica em 1889. A partir da, partimos para

    pesquisar as estratgias adotadas e implementadas pelos regulares com o intuito de

    reconstruir a sua ordem religiosa em terras brasileiras. Diante das informaes

    obtidas, verificamos que a reorganizao do instituto carmelitano fazia parte de um

    projeto mais amplo desenvolvido pelo Carmo europeu que, nessa poca, tambm

    estava restaurando sua estrutura monstica, fato que nos mostrou que a poltica de

    perseguio aos regulares no foi exclusividade do Estado Portugus.

    Nesse meio, a expanso das idias liberais propagadas pelo

    movimento da Ilustrao1 questionou a viso da Igreja Crist como propagadora de

    uma uniformidade ocidental que imps aos iluministas a tarefa de buscar outros

    princpios fomentadores para esta unidade2. Na realidade, foi colocada em

    1 Para entender a relao existente entre o Iluminismo e a decadncia das ordens monsticas no Brasil, utilizamos a definio que R.G.Collingwood expressou sobre o movimento. Por Iluminismo - Aufklrung - entende-se aquele esforo (to caracterstico dos princpios do sculo XVIII) de secularizar todos os setores da vida e do pensamento humanos. Foi uma revolta no s contra o poder da religio institucional como contra a religio em si mesma. In: COLLINGWOOD, R.G. A Idia de Histria. 6 ed. Lisboa, Editorial Presena. 1986. p.103 2 Concordamos com o telogo Hans Kng quando afirma que: Pela primeira vez na histria do cristianismo, os impulsos para um novo paradigma do mundo, da sociedade, da igreja e da teologia no vieram principalmente de dentro da teologia e da igreja, mas sim de fora. Agora, o ser humano

    11

  • questionamento a necessidade de o mundo ocidental se confundir com o

    cristianismo, bem como a de reivindicar a fundao de uma civilizao prpria3.

    As revolues cientfica e filosfica tiveram efeitos de longo alcance na

    sociedade europia, a qual, por vrios sculos, as autoridades eclesisticas

    interferiram na construo do seu pensamento. Desse modo, tais transformaes

    fizeram ensejar o Iluminismo e promoveram mudanas na poltica, no Estado e na

    sociedade. Em razo disso, a teologia crist, principalmente a escolstica, no foi

    poupada pelos pensadores iluministas.

    Em toda a Europa do sculo XIX, da pennsula ibrica Frana, a

    Alemanha, a Itlia e a ustria-Hungria difundiram uma idia comum: dar vida social

    um tom laico, no-confessional, a fim de subtrair o domnio dos padres4. A difuso

    deste pensamento reforou o interesse dos regimes polticos nacionais em subjugar

    o poder religioso em seus respectivos territrios, confiscando os bens patrimoniais

    dos eclesisticos e diminuindo a influncia das ordens monsticas. Nos pases

    catlicos romanos, houve uma crescente tentativa dos governos ou de outras

    agncias seculares de assumir funes at ento atribudas, em grande parte, aos

    regulares, especialmente a educao e a beneficncia social5.

    como individuo foi colocado no centro e, ao mesmo tempo, o horizonte humano ampliou-se e diferenciou-se quase infinitamente. In: KNG, Hans. Igreja Catlica. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. p. 188 3 Segundo Peter Berger, no nova, de forma alguma, a suspeita de que deve haver uma conexo entre o cristianismo e o carter do mundo ocidental moderno. Na realidade, pode-se interpretar o mundo moderno como a mais alta realizao do esprito cristo (como Hegel o interpretava), ou pode-se encarar o cristianismo como o principal fator patognico responsvel pelo suposto estado lastimvel do mundo moderno (como, por exemplo, em Schopenhauer e Nietzsche). In: BERGER, Peter L. O dossel sagrado: Elementos para uma teoria sociolgica da religio. (Organizao Luiz Roberto Benedetti; traduo Jos Carlos Barcellos). So Paulo:Ed.Paulinas, 1985. p.123. 4 MARTINA, Giacomo. Histria da Igreja de Lutero a Nossos Dias. A Era do Liberalismo. Tomo III. Traduo de Orlando Soares Moreira. So Paulo: Edies Loyola, 1996. p. 290 5 HOBSBAWN, Eric J. A Era das revolues: Europa 1789-1848. Traduo de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. p.244

    12

  • Desde o final do sculo XVIII at o ltimo quartel do sculo XIX, muitos

    monastrios foram fechados e suas propriedades vendidas. No Brasil,

    especificamente em Pernambuco, os carmelitas perderam alguns templos religiosos

    devido poltica de esvaziamento de seus edifcios. Ao longo desse perodo, o

    Estado decretou vrias leis restringindo o ingresso de novos regulares no interior da

    instituio carmelitana. Dessa maneira, os clrigos no conseguiram renovar o seu

    efetivo numrico, o que fez dificultar a implantao de seus mecanismos de controle

    social6.

    A tendncia geral desse perodo foi, portanto, de uma enftica

    secularizao7. Nesse tocante, concebemos o conceito de secularizao adotando a

    perspectiva de Peter Berger quando afirma que:

    Por secularizao entendemos o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura so subtrados dominao das instituies e smbolos religiosos. Quando falamos sobre a histria ocidental moderna, a secularizao manifesta-se na retirada das Igrejas crists de reas que antes estavam sob o seu controle ou influncia: separao da Igreja e do Estado, expropriao das terras da Igreja, ou emancipao da educao do poder eclesistico, por exemplo. Quando falamos em cultura e smbolos, todavia, afirmamos implicitamente que a secularizao mais que um processo socioestrutural. Ela afeta a totalidade da vida cultural e da ideao e pode ser observada no declnio dos contedos religiosos nas artes, na filosofia, na literatura e, sobretudo, na ascenso da cincia, como uma perspectiva autnoma e inteiramente secular, do mundo8.

    6 No decorrer de nosso trabalho, tomamos como referncia para esta denominao o posicionamento ideolgico do telogo Hans Kng quando analisa a viso de uma histria do estabelecimento da Igreja como instituio, como poder poltico, e no como uma histria da vida autntica dos cristos. In: KNG, Hans. Igreja Catlica. op.cit. p. 139 7 O termo secularizao ser bastante utilizado ao longo deste trabalho, assim como o seu derivado secularismo. 8 BERGER, Peter L. O dossel sagrado: Elementos para uma teoria sociolgica da religio. Op.cit. p.119

    13

  • A expanso do processo secularizador em nossa sociedade

    desencadeou uma srie de transformaes nas diferentes formas de relaes

    polticas, econmicas e sociais empreendidas entre a Ordem Carmo, a Igreja e o

    Estado. Percebemos, atravs de nossa pesquisa, os constantes conflitos emergidos

    entre os carmelitas e as elites dominantes pela posse dos bens patrimoniais dos

    regulares e a interferncia do episcopado que tambm visava a adquirir algumas

    possesses dos frades. Faz-se importante destacar que a anlise documental nos

    permitiu verificar a mudana de comportamento das elites governamentais e urbanas

    frente s intempries sofridas pelos carmelitas no sculo XIX. Como o catolicismo

    era a religio oficial do Brasil desde o perodo colonial, as ordens monsticas

    conseguiram organizar a sua estrutura institucional com relativa tranqilidade. Sendo

    assim, a prpria sociedade contribuiu para fundar os templos sacros e, ao mesmo

    tempo, garantir o sustento financeiro da ordem. Foi justamente nessa poca que os

    carmelitas constituram um slido patrimnio econmico e social.

    No entanto, com a implementao da poltica regalista, essa situao

    sofreu uma significativa alterao. O estudo das atas e ofcios9 elaborados pelos

    carmelitas, no transcorrer do sculo XIX, mostra que a prpria elite dominante, a qual

    ajudou na fundao dos conventos da ordem, passou a questionar o desempenho e

    a funo social dos regulares, desencadeando o esvaziamento dos seus edifcios e o

    declnio da ordem no Brasil.

    Com a separao entre o Estado e a Igreja aps a Proclamao da

    Repblica, os carmelitas puderam reconstruir o seu processo de evangelizao e

    formular o seu projeto de restaurao. Para alcanar tal intento, acreditamos que os

    regulares tenham restabelecido uma relao de cumplicidade entre as elites urbanas

    e o clero secular que apoiaram os religiosos com o objetivo de reforar a sua posio

    hegemnica na sociedade. Nessa perspectiva, tomamos como hiptese, ao longo de

    nosso trabalho, o fato de o Carmo privilegiar, como estratgia para sua restaurao e

    9 ACR - Livro de atas, breves, captulos, congregaes intermedirias e correspondncia oficial da Provncia Carmelita/1818-1886.

    14

  • posterior expanso, a vinda de lideranas intelectuais catlicas que pudessem atuar

    no novo direcionamento que o catolicismo estava assumindo no Brasil.

    O perodo entre os anos de 1889 e 1939 definiu uma reorganizao da

    Igreja Catlica inspirada em um projeto de romanizao elaborado pela Santa S. A

    fase republicana, com o decreto de separao entre o Estado e a Igreja e a abolio

    do Padroado, marcou o predomnio do catolicismo renovado, de inspirao romana,

    eclesial e sacramental. De acordo com Alpio Casali, durante o estabelecimento do

    laicismo constitucional da Repblica,

    (...) encontramos Igreja (setores dominantes) e Estado em posio final de inverso, sendo agora um Estado liberal diante de uma Igreja predominantemente ultramontana (romanizada) e, em muitos setores, monrquica. Definidos os campos da poltica laica e da atuao eclesistica, a Igreja hierrquica passou a atrair levas de missionrios europeus para o pas, para recatoliciz-lo no padro romano-papal10.

    Para reforar a nova orientao da Igreja, o Brasil passou a receber um

    significativo contingente de congregaes masculinas e femininas, vindas da Europa,

    que se espalharam pelo pas principalmente na regio sul. Esses religiosos, cuja

    grande maioria se estabeleceu, especialmente, nos centros urbanos, dedicaram-se

    fundao e organizao de institutos educacionais. Nesse nterim, os clrigos que

    possuam um grau de instruo mais elevado passaram a assumir a direo de

    vrias parquias nos diversos Estados da Federao11.

    Inseridos nessa conjuntura de reorganizao do catolicismo em terras

    brasileiras, os carmelitas espanhis chegaram a Pernambuco, no ano de 1894, com

    o fim de estabelecer novas estratgias de fixao e expanso social. Para alcanar

    o seu objetivo, os regulares se voltaram especialmente para as elites urbanas

    regionais que estavam preocupadas em construir uma nova identidade social. Nesse

    contexto, os reformadores intelectuais perceberam que poderiam empreender a sua

    10 CASALI, Alpio. Elite Intelectual e Restaurao da Igreja. Petrpolis, RJ:Vozes,1995. p.16-17 11 AZZI, Riolando. Elementos para a histria do catolicismo popular. In: REB, vol. 36, fascculo 141, Maro de 1976. p.121

    15

  • restaurao caso apoiassem tanto o projeto de reorganizao da Igreja Catlica

    quanto a consolidao do Estado republicano atravs do apoio s elites dominantes.

    Dessa forma, a afinidade de nossa pesquisa com o universo conceitual

    de Gramsci bastante eloqente, principalmente quando analisamos a definio que

    o autor formulou sobre o papel do intelectual na construo da nova ordem social

    poltica. A designao de intelectuais foi concedida queles que, nas primeiras

    dcadas do sculo XX, refletiram, defenderam e instituram prticas alusivas ao

    comportamento a ser adotado pelos fiis diante do novo modelo de catolicismo

    romanizado transmitido pela Igreja Romana. A reflexo dessa problemtica deve ser

    entendida em um contexto poltico e social mais amplo, no qual possamos perceber

    a discusso na sociedade sobre a busca de uma identidade nacional12.

    Em Intelectuais e a Organizao da Cultura13, Gramsci afirmou que os

    intelectuais so um grupo social autnomo, com uma funo social de porta-vozes

    dos grupos ligados ao mundo da produo. No mundo moderno, a categoria dos

    intelectuais, assim entendida, ampliou-se de modo inaudito. Deste modo, percebe-se

    a importncia das instituies privadas da sociedade civil como a igreja, escola,

    12 Segundo Hugues Portelli: A anlise gramsciana do catolicismo a das funes sociais, ideolgicas e polticas que ele desempenhou desde o seu aparecimento. Esta histria divide-se em dois captulos essenciais: o primeiro, que se estende at as Reformas, durante o qual a Igreja estende seu domnio ideolgico at o monoplio e a rivalidade com o aparelho de Estado: a fase orgnica; neste perodo, a Igreja a casta intelectual da classe dirigente. O segundo captulo, que continua at hoje, o do declnio; aqui a Igreja, progressivamente despojada de suas diferentes funes, deve defender seus privilgios contra as novas camadas intelectuais: esta segunda fase a da Igreja que se torna casta de intelectuais tradicionais. In: PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questo religiosa. So Paulo: Ed.Paulinas,1984.p.45. Para analisar a importncia dos intelectuais carmelitas no processo de reorganizao da Igreja Catlica em Pernambuco, tomamos como referncia, para esta denominao, o conceito de Gramsci sobre o papel do intelectual na formao da sociedade. Este grupo, segundo Gramsci, atua como mediador entre a elite dominante e as camadas subordinadas. Nesse contexto, os intelectuais se tornaram "comissrios" das camadas dirigentes que deveriam contribuir para a consolidao da hegemonia social e do domnio poltico. In: GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organizao da Cultura. 3 ed. RJ: Civilizao Brasileira, 1981, p.11. 13 Segundo Gramsci: A mais tpica das categorias de intelectual a dos eclesisticos, que monopolizaram por muito tempo (numa inteira fase histrica que parcialmente caracterizada, alis, por esse monoplio) alguns servios importantes: a ideologia religiosa, isto , a filosofia e a cincia da poca, atravs da escola, da instruo, da assistncia, etc. [...] A categoria dos eclesisticos pode ser considerada como a categoria intelectual organicamente ligada aristocracia fundiria. In: GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organizao da Cultura. op.cit.p.5

    16

  • sindicatos, jornais, famlia e outros, como entidades fomentadoras de uma nova

    vontade e moral social.

    Ao estudar as correspondncias enviadas entre os carmelitas

    reformadores que vieram a Pernambuco, como Frei Andre Prat, e os regulares

    espanhis, acreditamos ter encontrado indcios de que a aproximao entre a ordem

    do Carmo, a Igreja Catlica e o Estado republicano foi bem mais intensa do que se

    supunha. Essa idia contrasta com a concepo, muito difundida na historiografia

    brasileira, de que a separao entre o Estado e a Igreja, em 1889, tenha originado

    um total afastamento da hierarquia eclesistica do domnio pblico. Thomas

    Bruneau, em seu livro Catolicismo em poca de Transio, analisou que:

    Depois de 400 anos oficializada, a Igreja se viu de repente excluda do domnio pblico e sem o apoio do Estado para a sua influncia religiosa. [...] A Igreja e o Estado deveriam ter pouco ou quase nenhum contato, e entre eles no se pretendia nenhuma cooperao, competio ou mesmo conflito: legalmente tinham que se ignorar mutuamente14.

    Atravs da pesquisa documental, percebemos que, mesmo tendo

    ocorrido a separao oficial entre o domnio espiritual e o pblico, os carmelitas

    conseguiram restabelecer a sua ordem, em Pernambuco, com o apoio tanto das

    autoridades civis quanto das elites urbanas. Para entender o estabelecimento dessas

    relaes sociais, utilizamos como aporte terico-metodolgico o pensamento de

    Gramsci que afirma que a religio e, mais especificamente, a Igreja Catlica pregam

    uma ideologia conservadora que busca atingir as camadas populares atravs de

    diversos mecanismos15. Nessa perspectiva, a estrutura eclesistica, quando aliada

    14 BRUNEAU, Thoms C. Catolicismo brasileiro em poca de transio. So Paulo: Edies Loyola, 1974. p. 65. 15 Na Amrica do Sul e na Amrica Central, a maior parte dos intelectuais de tipo rural e, j que domina o latifndio, com extensas propriedades eclesisticas , tais intelectuais so ligados ao clero e aos grandes proprietrios. Os intelectuais de tipo rural so, em sua maior parte, "tradicionais" isto , ligados massa social camponesa e pequeno-burguesa das cidades. GRAMSCI, A. Os Intelectuais e a Organizao da Cultura. op.cit. p.13-21.

    17

  • aos grupos dirigentes, possibilita o fortalecimento da influncia desses mesmos

    setores sobre os grupos dirigidos16.

    Gramsci estudou detalhadamente a aliana firmada entre a Igreja

    Catlica e o Estado liberal na Itlia nas primeiras dcadas do sculo XX. Seu objetivo

    era analisar as razes polticas, econmicas e ideolgicas que impulsionaram os

    eclesisticos a firmar um acordo com as autoridades governamentais. Nesse tocante,

    procuramos analisar a crtica gramsciana em relao Igreja Catlica frente ao

    modelo de Estado liberal instaurado na Itlia, objetivando entender a sua poltica de

    alinhamento progressivo com o governo. De acordo com a sua pesquisa, a crise

    social e poltica de 1898 foi o ponto de partida para a unio entre o Estado e a Igreja

    que levou concordata de 192917.

    Tendo como referncia a anlise realizada por Gramsci, pudemos

    compreender o processo de transformao vivenciado pela instituio catlica no

    Brasil frente s mudanas geradas pela instaurao da Repblica. Nesse meio,

    entendemos que a modificao da Igreja ocorreu devido a dois fatores: s

    transformaes na sociedade e na poltica brasileira e s modificaes na Igreja

    internacional. A Igreja, no Brasil, nesse perodo, voltava-se para Roma. Sabemos

    que as condies objetivas entre Estado e Igreja, em nosso pas, eram distintas das

    condies italianas. Contudo, a Igreja nacional, insistiu em tomar, durante algum

    tempo, como referncia para sua relao com o Estado brasileiro, precisamente o

    tipo de relao Vaticano-Estado italiano18.

    A partir da, a Igreja estabeleceu como seu objetivo a conquista e

    manuteno da hegemonia, na esfera da sociedade civil, no descartando alianas e

    pactos, diretamente com o Estado, negociando a sua influncia sobre as massas em

    troca de privilgios constitucionais. Dessa forma, procurando fixar o seu novo carter

    institucional, o episcopado, em Pernambuco, buscou o apoio da ordem carmelita com

    16 GRAMSCI, Antonio. Concepo Dialtica da Histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1989. p.16 17 PORTELLI, Hugues. Gramsci e a questo religiosa. op.cit. p.111 18 CASALI, Alpio. Elite Intelectual e Restaurao da Igreja. op.cit. p.13

    18

  • a finalidade de conseguir ampliar a sua rede de influncias com o Estado e com as

    elites dominantes. De acordo com Alpio Casali,

    Com efeito, a Igreja no Brasil no descartou as oportunidades de tentar acordos ou alianas diretas com o Estado, por corredores palacianos, recurso teoricamente anacrnico para uma novel repblica19.

    Torna-se importante enfatizar que, ao longo de nossa pesquisa,

    procuramos trabalhar a Igreja enquanto Instituio20 que buscou restaurar seu perfil

    e sua influncia frente construo da nova identidade nacional. A partir desse

    entendimento, analisamos a participao que os intelectuais carmelitas tiveram na

    reorganizao eclesistica. Acreditamos que seria difcil investigar tal problemtica

    sem antes estudar o arcabouo poltico e social que estava se definindo, no Brasil,

    nas primeiras dcadas do sculo XX. Nesse sentido, concordamos com o estudo de

    Scott Mainwaring quando esclarece que, como qualquer outra instituio, a Igreja

    influenciada pelas mudanas na sociedade em geral. Entretanto, segundo o autor,

    [...] tambm importante levar em considerao as formas pelas quais a Igreja influi no processo poltico. A Igreja no somente um objeto de mudana. Como uma instituio importante, ela tambm exerce influncia sobre a transformao poltica. Ela afeta a formao

    19 CASALI, Alpio. Elite Intelectual e Restaurao da Igreja. op.cit. p.12 20 Adotamos como referncia para esta denominao, o estudo de Scott Mainwaring o qual afirma que: Um postulado bsico bem estabelecido pela anlise institucional contempornea e pelos estudos sociolgicos clssicos diz que qualquer exame da Igreja e da poltica deve levar em considerao o carter institucional da primeira. A f um fenmeno supra-racional que se proclama pairar sobre todos os outros valores. A Igreja tem incio nessa f, mas, como toda a instituio, ao desenvolver interesses, ento tenta defend-los. O objetivo principal de qualquer Igreja propagar sua mensagem religiosa. Todavia, dependendo da percepo que tenha dessa mensagem, pode vir a se preocupar com a defesa de interesses tais como sua unidade, posio: em relao s outras religies, influncia na sociedade e no Estado, o nmero de seus adeptos e sua situao financeira. Quase toda instituio se preocupa com a prpria preservao; muitas tratam de se expandir. Essas preocupaes facilmente levam adoo de mtodos que so inconsistentes quanto aos objetivos iniciais. In: MAINWARING, Scott. Igreja Catlica e Poltica no Brasil - 1916 - 1985. SP:Brasiliense, 1989. p.15-16.

    19

  • da conscincia das vrias classes sociais, mobiliza algumas foras polticas ou as critica21.

    Percebe-se, portanto, que uma relao de proximidade com as elites

    governamentais e urbanas fazia parte do modelo de Igreja da neocristandade. Para

    implementar tal projeto, a instituio catlica no Brasil contou tambm com a

    participao de religiosos estrangeiros. Nessa perspectiva, procuramos resgatar, no

    decorrer de nossa pesquisa, os mecanismos utilizados pelos carmelitas espanhis

    com o fito de restaurar a sua Ordem em Pernambuco e analisar a sua relao com o

    projeto de romanizao implementado pela Igreja Catlica. Ao mesmo tempo,

    verificamos que, para efetivar o seu plano de restaurao, os regulares direcionaram

    os seus esforos para obter o apoio das elites que possibilitaram essa "recatolizao

    religiosa" visando a atenuar os problemas sociais que surgiam no incio do sculo

    XX.

    O interesse em pesquisar sobre essa temtica surgiu no decorrer da

    elaborao da dissertao de mestrado sobre a "Fixao e Expanso da Ordem

    Carmelita em Pernambuco no Perodo Colonial" 22, na qual procuramos entender o

    processo de adaptao e expanso dos carmelitas na sociedade colonial

    pernambucana. A construo desse estudo suscitou o interesse pela questo da

    decadncia da Ordem, em fins do sculo XVIII, e sua posterior restaurao, no final

    do sculo XIX, pois, no perodo em que foram investigados os documentos alusivos

    ao trabalho de mestrado, foi possvel vislumbrar um rico acervo documental referente

    a estes sculos, despertando, assim, o interesse em dar continuidade Histria dos

    Carmelitas.

    Aps um levantamento inicial, percebemos a escassez de trabalhos

    concernentes ao papel desempenhado pelos carmelitas, no perodo citado, na

    construo da sociedade pernambucana. Praticamente os dois nicos estudiosos

    que pesquisaram sobre a respectiva matria foram Andr Prat e Pereira da Costa.

    21 Idem, p.25 22 ARAUJO, Maria das Graas Souza Aires de. Carmelitas em Pernambuco: Fixao e Expanso. Recife: Programa de Ps-graduao em Histria/ UFPE, 2000. Dissertao de Mestrado.

    20

  • Riolando Azzi, em seu trabalho A Vida Religiosa no Brasil: enfoques histricos

    ressaltou a carncia de estudos referentes situao das ordens monsticas perante

    as atitudes regalistas do Imprio, enfatizando que:

    No tarefa fcil, pois a antiga historiografia produzida pelos carmelitas, franciscanos e beneditinos quase que completamente omissa a esse respeito, por ser considerada ento menos "exemplar" ou "edificante" para ser publicada23.

    Frei Andr Prat foi um carmelita que chegou ao Recife, no incio do

    sculo XX, com o propsito de restaurar o Carmelo pernambucano. Em sua obra,

    Notas Histricas sobre as Misses Carmelitanas no Extremo Norte do Brasil,

    pesquisou o processo de expanso e consolidao dos carmelitas no territrio

    brasileiro sem, contudo, tecer maiores consideraes sobre o declnio da Ordem

    durante o Imprio. Um dos poucos momentos que aborda o tema quando lamenta

    que " ... a vida e existncia [da Ordem Carmelita] tenha-se tornado to triste ou

    precria que pelos anos de 1890 o nmero de religiosos carmelitas existentes no

    Brasil, era apenas 7"24.

    Alm de Fr. Andr Prat, pode-se destacar o estudo de Pereira da Costa,

    cujo livro, A Ordem Carmelita em Pernambuco, retratou as principais realizaes dos

    carmelitas na sociedade pernambucana, ressaltando as etapas de crescimento da

    ordem. No entanto, o autor no aprofundou as discusses sobre o processo de

    esvaziamento dos conventos carmelitas e tambm no pesquisou sobre a

    restaurao do grupo.

    23 AZZI, Riolando (org.). A Vida Religiosa no Brasil: enfoques histricos. So Paulo: Ed.Paulinas, 1983. p.15 24 PRAT, Fr. Andr. O.Carm. Notas Histricas sobre as Misses Carmelitanas no Extremo Norte do Brasil (Sculos XVII e XVIII). Tomo I. Recife. 1941.

    21

  • Alm desses dois autores citados, no decorrer de nossa pesquisa,

    tambm utilizamos, como bibliografia secundria, os trabalhos do Fr. Ismael

    Carretero25 e do Fr. Joaqun Smet26 que nos permitiu um maior entendimento sobre

    o processo de supresso e restaurao dos carmelitas na Europa, bem como o de

    esvaziamento do Carmo em Pernambuco e sua posterior reorganizao. Apesar da

    leitura dessas obras ser de fundamental importncia, por se tratar de uma pesquisa

    elaborada pelos prprios regulares, tivemos o cuidado de interpretar suas

    informaes, levando em considerao a autoria dos dados, os objetivos e condies

    de sua produo.

    Conforme j foi dito neste trabalho, a escassez de publicaes sobre a

    ordem carmelita em Pernambuco dificulta a elaborao de uma discusso

    historiogrfica mais aprofundada. Nessa perspectiva, procuramos analisar os

    trabalhos publicados sobre a decadncia e restaurao das antigas ordens

    monsticas (franciscanos e beneditinos) com a finalidade de investigar a metodologia

    utilizada pelos seus autores e, a partir da, us-la como arcabouo terico-

    metodolgico para a nossa pesquisa.

    Desse modo, destacamos trs estudos que foram utilizados como

    norteadores de nossa prtica metodolgica, na medida em que aprofundaram alguns

    aspectos tpicos da reforma e da romanizao da Igreja a partir de meados do sculo

    XIX. Ferdinand Azevedo, em seu trabalho Espiritualidade Ultramontanista no

    Nordeste (1866-1874): Um Ensaio27, abordou a espiritualidade ultramontana que

    caracterizou a ao dos jesutas italianos no Nordeste. J.Jongmans28, em sua

    25 CARRETERO, Ismael Martinez. O.Carm. Exclaustracin y Restauracin del Carmen En Espaa (1771-1910). Roma: Edizioni Carmelitane. 1996. 26 SMET, Joaqun. Los Carmelitas. Historia de la Ordem del Carmen. Supresiones y Restauracin (1750-1959).Tomo 5. Traduccion y Preparacion de la edicion espaola por Antonio Ruiz Molina, O. Carm. Biblioteca de Autores Cristianos. 1995 27 AZEVEDO, Pe. Ferdinand. Espiritualidade Ultramontanista no Nordeste (1866-1874): Um Ensaio. In: AZZI, Riolando. A Vida Religiosa no Brasil: enfoques histricos. So Paulo: Ed.Paulinas, 1983. 28 Para entender o contexto poltico, social e religioso vivenciado pela sociedade pernambucana, em fins do sculo XIX e incio do XX, tomamos como referncia o trabalho de J.Jungmans. Nele, o autor fez uma anlise sobre a restaurao dos beneditinos em Olinda, entre os anos de 1895-1899, enfatizando a chegada dos restauradores que, em 08 de dezembro de 1895, abriram o noviciado no Mosteiro de So Bento. O autor analisou a reforma beneditina como parte de um fenmeno mais amplo: o da romanizao da Igreja no Brasil. Dessa forma, chegou a concluso que: Quer atravs da

    22

  • pesquisa concernente A Reforma da Ordem Beneditina no Brasil, mostrou a

    complexidade da atuao restauradora dos beneditinos. Por fim, trabalhamos com a

    obra de Hugo Fragoso, Uma contribuio para a Histria Vocacional da Provncia

    Franciscana de Santo Antnio29, que analisou as solues utilizadas pelos religiosos

    alemes que vieram restaurar a provncia franciscana de Santo Antnio. Alm

    desses estudos, tambm utilizamos, como referencial temtico para a construo de

    nossa pesquisa, a anlise elaborada por Oscar Beozzo, intitulada Decadncia e

    Morte, Restaurao e Multiplicao das Ordens e Congregaes Religiosas no

    Brasil30, que enfatiza a relao existente entre restaurao das ordens religiosas e a

    sociedade burguesa vigente.

    Nunciatura, quer atravs da Secretaria de Estado ou da Congregao dos Religiosos, a Santa S acompanhou passo a passo a restaurao das congregaes brasileiras. Atravs do respectivo trabalho, o autor pde constatar a falta de respeito, por parte dos monges reformadores, por tudo que existia no Brasil, j que os frades importaram tudo da Europa, impondo, exclusivamente, concepes estrangeiras. In: JONGMANS, J. A Reforma da Ordem Beneditina no Brasil. In: AZZI, Riolando (org.). A Vida Religiosa no Brasil: Enfoques Histricos. So Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p.150 29 Ao longo de seu estudo, Frei Hugo Fragoso analisou as caractersticas adotadas pelos restauradores alemes da Provncia da Saxnia para reestruturar a Ordem Franciscana no Brasil. No entanto, o enfoque principal utilizado neste trabalho foi o problema vocacional encarado como parte integrante da restaurao franciscana. Para tanto, os regulares contaram com o apoio do episcopado brasileiro que intercedeu junto Santa S. Uma reflexo importante do autor sobre o assunto, e que foi bastante utilizada no decorrer de nossa pesquisa, foi que [...] a congregao dos bispos e regulares, desde o fim do Imprio, determinara que os franciscanos, beneditinos, carmelitas e mercedrios fiquem inteiramente sujeitos aos bispos dos lugares. Essa uma mudana fundamental para entender o novo posicionamento da Igreja a partir da Proclamao da Repblica. A Igreja Catlica passou a atender orientao da Santa S e no mais do Estado brasileiro. Da mesma forma aconteceu com as antigas ordens monsticas que no usufruam mais da autonomia que possuam durante a colnia. In: FRAGOSO, Hugo. Uma contribuio para a Histria Vocacional da Provncia da Provncia Franciscana de Santo Antnio. In: AZZI, Riolando (org.). A Vida Religiosa no Brasil: Enfoques Histricos. So Paulo: Ed. Paulinas, 1983. p.155 30 Em seu trabalho, Oscar Beozzo analisou que: A segunda metade do sculo XIX enlaa duas conjunturas distintas em relao vida religiosa. Atravs dessa afirmao, o autor refere-se ao fato de que se, por um lado, estava ocorrendo um esvaziamento das antigas ordens religiosas, por outro, novas congregaes comeavam a chegar ao Brasil imbudas por perspectivas e promessas. Foi o caso, por exemplo, dos Lazaristas (1820), capuchinhos italianos (1840-ltimas levas), dominicanos (1881) e salesianos (1883). Entretanto, Oscar Beozzo no pesquisou sobre as etapas de fixao de cada instituto, preferindo, em seu trabalho, fornecer referncias de ordem quantitativa que serviram de base para uma anlise comparativa da vida religiosa do perodo. In: BEOZZO, Jos Oscar. "Decadncia e Morte, Restaurao e Multiplicao das Ordens e Congregaes Religiosas no Brasil". In: AZZI, Riolando. A Vida Religiosa no Brasil: enfoques histricos. So Paulo:Ed.Paulinas, 1983. p.85

    23

  • O estudo desses trabalhos possibilitou um maior entendimento terico-

    metodolgico sobre o processo de esfacelamento e posterior reorganizao das

    ordens religiosas no Brasil. Os autores citados elaboraram uma anlise mais crtica,

    substituindo a tradicional historiografia religiosa, geralmente de carter triunfalista ou

    apologtico31.

    Para a elaborao da presente pesquisa, utilizamos, principalmente,

    uma documentao existente nos Arquivos do Carmo do Recife, da Bahia e de Belo

    Horizonte. Quando iniciamos os nossos estudos, sentimos grande dificuldade em

    acessar o acervo documental que necessitvamos pois a documentao pertence ao

    arquivo particular da ordem do Carmo e, portanto, s pode ser consultado mediante

    autorizao do provincial. Concomitantemente, os regulares no possuem um local

    apropriado para o acondicionamento de suas fontes histricas, as quais esto

    armazenadas em pastas catalogadas pelos prprios frades. Vrios documentos,

    principalmente dos sculos XVIII e XIX, esto ilegveis devido presena de traas.

    Ao consultar o acervo percebemos que, ao longo dos anos, os carmelitas, com o

    objetivo de preservar os dados contidos em seus documentos, comearam a

    transcrev-lo. Contudo, pela falta de verba e apoio institucional, os regulares ainda

    no conseguiram organizar, de maneira adequada, o seu patrimnio cultural.

    No Arquivo do Carmo do Recife, trabalhamos com o livro de atas,

    breves, captulos e correspondncia oficial da provncia carmelitana entre os anos de

    1818-1886. Nele, encontramos uma rica documentao referente ao esvaziamento

    dos conventos carmelitas do Recife, de Goiana e da Paraba, assim como

    verificamos as vrias tentativas implementadas pelos regulares com o fito de

    reerguer a sua estrutura monstica. Paralelamente, tambm pesquisamos as

    informaes contidas no Livro de Tombo da Ordem, datado dos sculos XVIII e incio

    do XIX, no qual analisamos a evoluo da perda patrimonial dos religiosos.

    No tocante documentao alusiva ao perodo da restaurao

    carmelita, consultamos as correspondncias enviadas entre os reformadores

    carmelitas do Recife e os frades da provncia espanhola. A maioria das cartas foi 31 AZZI, Riolando. A Vida Religiosa no Brasil: enfoques histricos. So Paulo:Ed.Paulinas, 1983. p.7

    24

  • escrita por Fr. Andr Prat, considerado um dos principais intelectuais da reforma do

    Carmo, e nelas podemos analisar as principais estratgias adotadas pelos frades

    para reorganizar o seu instituto monstico. Ao mesmo tempo, em sua

    correspondncia, o dito clrigo relatou o cotidiano dos frades frente s dificuldades

    geradas para o processo de adaptao dos reformadores.

    Outra fonte documental importante para o entendimento do perodo de

    restaurao foi o Livro de Tombo da ordem, datado do incio do sculo XX, no qual

    encontramos referncias alusivas ao comportamento dos regulares diante das novas

    relaes sociais surgidas com a Proclamao da Repblica. O acesso a essa

    documentao reforou a nossa tese sobre o interesse e a participao das elites

    urbanas e governamentais na restaurao do Carmo. Paralelamente, tambm

    verificamos que o episcopado pernambucano serviu como mediador desse processo.

    A nossa hiptese foi reforada quando estudamos as reportagens, divulgadas tanto

    pelo Dirio de Pernambuco quanto pelo Jornal do Comrcio, que propagavam o

    empenho da sociedade em decretar Nossa Senhora do Carmo como padroeira do

    Recife.

    Gostaramos de enfatizar que as fontes que deram suporte documental

    a esta tese no foram consideradas como reproduo exata da realidade mas

    representaes elaboradas por determinados setores da sociedade em um

    determinado contexto histrico. interessante ressaltar que, ao analisar a citada

    documentao, tivemos o cuidado de refletir sobre as informaes registradas,

    levando em considerao os seguintes aspectos: a origem das fontes, os objetivos e

    condies de sua produo, o que relatavam e os interesses envolvidos.

    Acreditamos que esses documentos devam ser questionados de acordo com a sua

    especificidade e avaliados como caracterstica informativa de um determinado

    perodo. Nessa perspectiva, as informaes contidas nos registros carmelitas foram

    interpretadas como pistas para o maior entendimento da historiografia religiosa.

    25

  • Assim sendo, corroboramos com Carlo Ginzburg quando afirma que o conhecimento

    histrico indireto, indicirio e conjetural32.

    Esta tese se divide em trs captulos. No primeiro, estudamos a fase de

    maior crescimento poltico, econmico e social usufruda pela ordem do Carmo

    desde a sua chegada ao Brasil em 1580. O apogeu carmelitano ocorreu,

    aproximadamente, em meados do sculo XVIII, perodo em que os regulares j

    haviam constitudo um considervel patrimnio financeiro e participavam ativamente

    das atividades religiosas e sociais desempenhadas pela Igreja Catlica em seu

    processo de fixao e expanso em nosso pas. Entretanto, foi nesse mesmo tempo

    que ocorreu a crise da cristandade ocidental. Em vrios pases europeus,

    propagavam-se as idias liberais e laicizantes favorveis diminuio do poder

    institucional da Igreja crist. Imbudo pelas concepes regalistas da poca, o

    Marqus de Pombal deliberou a expulso dos jesutas das possesses lusitanas, fato

    que proporcionou uma grande modificao na estrutura organizacional da ordem

    carmelita. Os frades que vivenciavam um perodo de grande desenvolvimento social

    passaram, a partir da atitude tomada pelo ministro de D.Jos, a serem perseguidos

    pelo governo portugus.

    O estudo da poltica regalista de esvaziamento das antigas ordens

    monsticas permitiu que entendssemos melhor a conjuntura poltica e econmica

    em que se estabeleceu a decadncia dos carmelitas em Pernambuco. Esse declnio

    foi examinado no decorrer do segundo captulo, no qual pudemos discorrer acerca

    das transformaes sofridas pelos regulares do Carmo pernambucano ao longo do

    sculo XIX. Para compreender a crise do carmelo brasileiro, achamos necessrio

    analisar a situao de supresso que a ordem tambm presenciou na Europa e, a

    partir da, entender porque os regulares, em Pernambuco, no receberam ajuda

    institucional.

    No ltimo captulo desta tese, abordamos a relao existente entre a

    restaurao do Carmo pernambucano, iniciada em 1894, e as camadas sociais

    32 GINZBURG, C. Mitos, Emblemas, Sinais: morfologia e histria. So Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.156-157.

    26

  • dominantes. A reforma carmelita foi entendida como elemento fundamental para a

    implementao do projeto de romanizao da Igreja catlica no Brasil e da

    consolidao do Estado republicano. Desse modo, procuramos analisar a

    participao dos intelectuais carmelitas nesse processo de reordenao da

    sociedade pernambucana nos primeiros anos da Repblica.

    De acordo com a proposta analisada acima, consideramos ser de

    extrema importncia para a construo de nosso estudo a abordagem do contexto

    histrico vivenciado pelos carmelitas, em Pernambuco, desde o perodo de apogeu

    da Ordem, em meados do sculo XVIII, at a sua posterior restaurao realizada no

    final do sculo XIX, o que insere este trabalho no que alguns historiadores

    denominam de longa durao, conceito elaborado por Fernand Braudel e analisado

    em sua obra, O Mediterrneo e o mundo mediterrnico33, que afirma que os

    fenmenos duram sculos e, por isso, os seus movimentos s so percebidos se o

    campo cronolgico de observao for aumentado. Foi justamente nessa perspectiva

    levantada por Braudel que optamos iniciar a nossa pesquisa sobre os carmelitas a

    partir de meados do sculo XVIII. Acreditamos que, para compreender as

    transformaes econmicas, polticas e sociais sofridas pelo carmelo pernambucano

    no decorrer do sculo XIX e incio do sculo XX, seria necessrio abordar a

    conjuntura poltica que proporcionou a decadncia dos religiosos. Diante desse

    objetivo, tornou-se imprescindvel examinar os fatores que desencadearam esse

    processo de declnio e, portanto, optamos por iniciar a nossa pesquisa a partir da

    perseguio perpetrada pelo Marqus de Pombal s antigas ordens monsticas

    fixadas nos domnios portugueses. A partir dessa percepo, pudemos nos dedicar,

    de forma especial, ao perodo que vai desde o estabelecimento do Alvar de 1855

    at o final do provincialato de Fr. Andr Prat, em Recife, no ano de 1923.

    Enfim, gostaramos de enfatizar que acreditamos que qualquer anlise

    ou explicao de um fato histrico, por mais abrangente e completo que pretenda

    ser, no conseguir contemplar integralmente o objeto que se deseja explicitar. Com 33 BRAUDEL, Fernand. O Mediterrneo e o mundo mediterrnico. Lisboa: Livraria Martins Fontes, v.1 e II, 1984. p.118

    27

  • isso, buscamos esclarecer que a nossa inteno, ao trabalhar com a decadncia e

    restaurao do Carmo em Pernambuco, foi a de trazer uma nova perspectiva

    histrica em relao participao das antigas ordens religiosas na formao da

    sociedade brasileira e, assim, fornecer novos elementos para a construo de uma

    anlise mais aprofundada sobre a historiografia religiosa no Brasil.

    28

  • CAPTULO 1: Fixao e Expanso Carmelita em

    Pernambuco

    29

  • 1.1. Fundao do carmo brasileiro

    A historiografia brasileira contempla vrios trabalhos concernentes a

    instalao dos jesutas, beneditinos e franciscanos no Brasil. Contudo, percebemos

    uma escassez bibliogrfica alusiva a participao dos carmelitas na construo

    social de Pernambuco. Nessa perspectiva, para compreender a decadncia e

    restaurao do Carmo em Pernambuco, acreditamos ser necessrio explicar como e

    porque ocorreu a fixao e expanso dos carmelitas em nossa regio, e a partir da,

    analisar os conflitos polticos e sociais que ocasionaram no declnio da ordem34.

    Com a finalidade de reforar a expanso do catolicismo, o Estado

    Portugus, juntamente com a Santa S, estimulou a vinda das antigas ordens

    religiosas ao Brasil. A chegada dos jesutas, franciscanos, carmelitas e beneditinos,

    no decorrer do sculo XVI, trouxe, para a Igreja, um maior grau de organizao,

    independncia e disciplina. Esses religiosos estavam comprometidos com o

    processo de evangelizao e doutrinao das prticas catlicas. Como se sabe, os

    franciscanos foram os primeiros religiosos a desembarcarem em terras brasileiras,

    porm a primeira ordem religiosa que veio ao Brasil com a inteno de catequizar e

    estruturar instituies de ensino foi a Companhia de Jesus.

    Na colnia portuguesa, a evangelizao e a catequese sistemticas se

    iniciaram no ano de 1549, com a chegada dos primeiros padres jesutas liderados

    por Manuel da Nbrega. Os jesutas influenciaram os assuntos ligados catequese

    e educao e contriburam com a fundao de algumas cidades coloniais. Todo

    esse empenho dos religiosos resultou na construo dos primeiros colgios

    jesuticos do Brasil, no sculo XVI, situados na Bahia, Vitria, So Vicente, Olinda e

    Rio de Janeiro.

    34 Gostaramos de enfatizar que o objetivo de nossa pesquisa trabalhar a decadncia e restaurao do carmo, entre os anos de 1759 e 1923. Portanto, no vamos aprofundar o assunto sobre a chegada e expanso do Carmo, no Brasil. Esse tema foi trabalhado em nossa dissertao intitulada Carmelitas em Pernambuco: Fixao e Expanso. In: ARAUJO, Maria das Graas Souza Aires. op.cit.

    30

  • Essas instituies de ensino representavam a principal modalidade

    educacional do pas e se destinaram tanto preparao de candidatos ao ministrio

    presbiteral como formao intelectual da elite. Ofereciam quatro estgios de

    estudos sucessivos: o curso Elementar, o de Humanidades, o de Artes e o de

    Teologia, este ltimo voltado para os clrigos. Geralmente, funcionavam de segunda

    a sbado e seguiam o modelo das entidades educacionais jesuticas europias35.

    Dando continuidade s suas atividades educacionais, na primeira

    metade do sculo XVIII, os jesutas passaram a estabelecer seminrios

    especificamente eclesisticos com o intuito de formar o seu clero. Essa atitude

    estimulou tambm a fundao de seminrios diocesanos que aumentou o nmero de

    seculares no Brasil e melhorou a sua formao36.

    A dependncia dessas instituies de ensino em relao aos jesutas

    era to decisiva que quase todos os seus seminrios foram fechados aps a

    expulso desses religiosos do Brasil, em 1759, desencadeando um processo de

    declnio na formao do clero. Nesse meio, o nico seminrio diocesano que restou

    na colnia foi o do Rio de Janeiro37.

    A ordem jesutica, ao contrrio das outras ordens religiosas, manteve

    um contato direto com a Santa S. Essa relao permitiu aos regulares usufrurem

    uma certa autonomia no Estado Portugus que, contudo, ao longo dos sculos XVII

    e XVIII, passou a cercear a sua influncia nos agrupamentos indgenas. A

    Companhia de Jesus alm de possuir privilgios nas esferas pedaggica e

    missionria, conferidos pela Santa S e reconhecidos pelos reis portugueses,

    tambm se tornou uma das instituies religiosas mais ricas da Amrica Portuguesa.

    A ordem dos jesutas acumulou, at meados do sculo XVIII, um vasto patrimnio

    adquirido atravs de doaes e privilgios, constitudo por sesmarias, propriedades

    urbanas, fazendas de gado, engenhos e escravos africanos. Para se ter uma idia da

    influncia dos inacianos na colnia, basta enfatizar que quase todas as suas

    35 CASALI, Alpio. Op.cit. p. 45 36 Ibidem, p.45 37 Ibidem, p.47

    31

  • instituies de ensino se sustentaram mediante a administrao de fazendas e

    engenhos adquiridos atravs de dotaes.

    At o ano de 1580, os jesutas tiveram exclusividade na prtica religiosa

    do Brasil como missionrios "oficiais" do governo portugus. A partir dessa data,

    ocorreu a unio entre a Coroa lusitana e espanhola (1580-1640), estimulando o

    ingresso de novos institutos religiosos na colnia. Alm da forte ao missionria, no

    decurso do sculo XVI, outras ordens religiosas, como a dos franciscanos, carmelitas

    e beneditinos, atuaram na evangelizao colonial. Esses institutos religiosos tiveram

    seus principais conventos situados nos grandes centros econmicos da colnia. Para

    estimular a vinda desses clrigos, a Coroa lhes concedeu privilgios e doaes de

    terras, principalmente nas provncias do Norte. A participao dos regulares nos

    problemas educacionais e evangelizadores da colnia atenuou o trabalho dos

    clrigos seculares e reforou o desenvolvimento da colonizao brasileira38.

    O trabalho sistemtico da ordem franciscana s se iniciou a partir de

    1585, quando Frei Melchior de Santa Catarina fundou, em Pernambuco, a primeira

    Custdia no Brasil. Ainda no final do sculo XVI, foram institudos, na regio

    nordeste, quatro conventos franciscanos em Salvador, em Igarassu, na Paraba e em

    Vitria39.

    Por volta de 1767, a ordem franciscana atingiu seu apogeu no Brasil

    com cerca de mil religiosos. O convento franciscano de Olinda foi o centro de

    formao filosfico-teolgico para os religiosos que no realizaram seus estudos em

    Portugal. Os frades se destacaram no processo de povoamento e ocupao do litoral

    nordestino, atravs das Bandeiras e de outras expedies da poca. Geralmente,

    uniam-se aos senhores de engenho, rezando missas em suas fazendas ou

    abenoando as moendas de acar40.

    38AZZI, Riolando (org.). A Vida Religiosa no Brasil: enfoques histricos. So Paulo: Ed.Paulinas, 1983.Op.cit. p.12 39 LACOMBE, Amrico Jacobina. A Igreja no Brasil Colonial". (Livro segundo. Vida Espiritual. Cap.I). In: HOLANDA, Srgio Buarque de (dir.). Histria geral da civilizao brasileira. Tomo I/2vol.: A poca Colonial. Administrao, Economia e Sociedade. 7.ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 1993. p.72 40 PRIORE, Mary Del. Religio e religiosidade no Brasil colonial. Histria em movimento. Coordenao da srie: Francisco M.P.Teixeira. So Paulo: Ed. tica, 1994. p.13

    32

  • Outra importante ordem religiosa que se instalou em terras brasileiras

    no final do sculo XVI foi a dos beneditinos. Mais dedicados vida contemplativa e

    menos interessados na catequese, os frades desembarcaram em Salvador, no ano

    de 1581, onde constituram o primeiro mosteiro da ordem na Amrica.

    Posteriormente, esses religiosos iniciaram seu processo de expanso na colnia

    fundando conventos em Pernambuco41, So Paulo, na Paraba e no Rio de Janeiro.

    A invaso dos holandeses, em meados do sculo XVII, dificultou a ao religiosa dos

    regulares em Pernambuco e na Bahia. S aps a expulso dos invasores, em 1654,

    os frades conseguiram restabelecer o seu trabalho. Nessa poca, os beneditinos

    principiaram os seus estudos de filosofia e de teologia na Bahia, organizando a

    primeira casa de estudos superiores da provncia42.

    A chegada dos carmelitas no territrio brasileiro remonta ao ano de 1580, quando o primeiro grupo de frades desembarcou na vila de Olinda. Eles vieram

    ao Brasil a pedido do cardeal D.Henrique que solicitou, ao vigrio provincial dos

    carmelitas em Portugal, Fr. Joo Caiado, o apoio dos religiosos para que estes

    acompanhassem uma expedio comandada por Frutuoso Barbosa, fidalgo da Casa

    Real, tendo em vista a povoao da Paraba. Havia uma grande preocupao do

    governo portugus em povoar a sua nova colnia e, para tal empreendimento, era

    necessrio o apoio da Igreja Catlica que deveria atuar na converso do gentio e na

    propagao do cristianismo43.

    Com esse intuito, Fr. Joo Caiado atendeu solicitao do cardeal

    D.Henrique e enviou, para o Brasil, quatro religiosos carmelitas: Fr. Domingos Freire,

    Fr. Alberto de Santa Maria, Fr. Bernardo Pimentel e Fr. Antnio Pinheiro. O principal

    objetivo dos frades era fundar uma provncia carmelitana em terras americanas e

    41 Idem. p.170. Os beneditinos vieram a Pernambuco, no ano de 1592, mediante solicitao do donatrio Jorge de Albuquerque Coelho, onde primeiramente residiram na igreja de S. Joo de Olinda e, depois, na igreja de Nossa senhora do Monte. 42 AZZI,Riolando. "A Instituio eclesistica durante a primeira poca colonial". (Cap.II: o Padroado Portugus). Op.cit.p.213 43 SMET, Joaqun. O.Carm.Los Carmelitas. Historia de la Ordem del Carmen. Las reformas. Personas, literatura, arte (1563-1750). Tomo III. Traduccion y Preparacion de la edicion espaola por Antonio Ruiz Molina, O. Carm. Biblioteca de Autores Cristianos. 1991. p.17

    33

  • abrir um noviciado da ordem na povoao da Paraba. Entretanto, partindo de

    Lisboa, em 31 de janeiro de 1580, a expedio de Frutuoso Barbosa foi um fracasso

    devido a fortes tempestades que dispersaram as embarcaes. Com essas

    intempries, os regulares foram obrigados a se estabelecerem em Pernambuco,

    enquanto o capito retornou a Portugal44.

    O donatrio da Capitania de Pernambuco, nesse perodo, era Jernimo

    de Albuquerque que lhes fez doao de uma ermida dedicada a Santo Antnio e So

    Gonalo. A inteno do administrador era incentivar a fixao dos religiosos em suas

    terras, com o escopo de atuarem na colonizao e povoamento de Olinda. Para tal

    empreendimento, era necessrio obter a autorizao do bispo do Brasil, D.Fr.

    Antnio Barreiros. Este congratulou a chegada dos religiosos e apoiou a iniciativa do

    Fr. Domingos Freire em encetar a expanso da ordem a partir da vila de Olinda. No

    ano de 1588, os carmelitas iniciaram a construo de seu primeiro convento no

    continente americano, financiado com recursos advindos do governador, da cmara

    e do povo45.

    Aps a fundao do convento de Olinda, os religiosos empreenderam novas construes em outras regies do Brasil. Seguiu-se, dessa forma, a edificao

    dos templos de Salvador (1586), Santos (1589) e do Rio de Janeiro (1590)46. Em

    1596, foram erigidos os conventos de So Paulo e da Paraba. Tambm, nesse

    mesmo ano, abriu-se um curso de teologia, precedido do de humanidades, no

    convento de Olinda. Nesta mesma instituio ocorreu a formao de novios e o

    estudo da lngua indgena. Foi do convento olindense, casa central das misses, que

    saram os primeiros missionrios carmelitanos para cristianizar os indgenas do

    Maranho, Gro-Par e Amazonas47. A expanso carmelita foi to prspera que, no

    44CARRETERO, Ismael Martnez, O.Carm. l Centenrio de La Restauracion Del Brasil (1894-1994). Atos Comemorativos. Ciclo de Conferncias. So Paulo e Recife, 1994. p. 164 45HOONAERT, Eduardo. A Evangelizao do Brasil Durante a Primeira poca Colonial. In: HOONAERT, Eduardo (coord.). Histria Geral da Igreja na Amrica Latina: Histria da Igreja no Brasil. Tomo II/1. 3 ed. Petrpolis: Vozes. So Paulo:Paulinas, 1983. p.56 46 CARRETERO, Ismael Martnez, O.Carm. Op.cit. p.164 47 PRAT, Fr. Andr, O.Carm. Notas Histricas sobre as Misses Carmelitanas no Extremo Norte do Brasil (Sculos XVII e XVIII). Tomo I. Recife. 1941. p.29

    34

  • final do sculo XVI, foi criada uma vice-provncia carmelitana brasileira, dependente

    da lusitana, composta pelos quatro conventos acima mencionados.

    Dando continuidade ao processo expansionista, no decorrer do sculo

    XVII, foram erguidos outros templos carmelitas, consolidando a efetiva participao

    dos frades na formao social brasileira. Para poder vislumbrar esse crescimento,

    interessante registrar o rpido aumento de religiosos no Brasil que, no ano de 1606,

    j contabilizavam um total de 99, distribudos da seguinte forma: 30 em Olinda; 30 na

    Bahia; 14 no Rio de Janeiro; 10 em Santos; 8 em So Paulo e 7 na Paraba48. Em

    1635, existiam mais de 200 carmelitas em terras brasileiras49.

    As principais atividades pastorais realizadas pelos regulares ao

    chegarem ao Brasil foram a instruo, a assistncia espiritual e moral para a

    populao e a propagao da devoo mariana. Ao mesmo tempo, os frades se

    empenharam na evangelizao das comunidades indgenas fundando misses ao

    longo do territrio brasileiro, principalmente no norte do pas50.

    Com o final da Unio Ibrica, em 1640, os doze conventos instalados

    na colnia brasileira se subdividiram em duas vice-provncias: a do Estado do Brasil,

    com 9 conventos; e a do Estado do Maranho, j ento com 3 casas religiosas. A

    partir desse perodo, os carmelitas comearam a solicitar que as vice-provncias

    fossem elevadas categoria de provncias independentes de Portugal. Para tanto, os

    frades alegaram que o carmelo brasileiro contava com nmero suficiente de

    religiosos instrudos e experientes para garantir a sua administrao51. De acordo

    48 AZZI, Riolando. A Instituio Eclesistica durante a primeira poca colonial. In: HOONAERT, Eduardo (coord.). Histria Geral da Igreja na Amrica Latina: Histria da Igreja no Brasil. op.cit. p.218 49 Idem, p. 164 50 Segundo Eduardo Hoonaert, aps a eliminao dos indgenas da faixa litornea, os carmelitas comearam a atuar no Maranho, onde foram considerados excelentes defensores das fronteiras do imprio portugus no interior do vale amaznico. No litoral, entretanto, perderam rapidamente o eln missionrio e ficaram dando "assistncia" aos moradores, aperfeioando seus conventos que so, ainda hoje, famosos. In: HOONAERT, Eduardo. A Evangelizao do Brasil Durante a Primeira poca Colonial. In: HOONAERT, Eduardo (coord.). Histria Geral da Igreja na Amrica Latina: Histria da Igreja no Brasil. Tomo II/1. 3 ed. Petrpolis: Vozes. So Paulo:Paulinas, 1983. p. 56 51WERMERS, Manuel Maria. Carmelita. A Ordem Carmelita e o Carmo em Portugal. Lisboa:Unio Grfica, 1963. p.227

    35

  • com um levantamento feito em 1675, o nmero de religiosos na vice-provncia do

    Brasil era de 186 e na vice-provncia do Maranho era de 60 frades.

    Atravs desses dados estatsticos, percebe-se a rpida expanso

    empreendida pelos religiosos na colnia brasileira. Tambm, observa-se a

    preocupao dos regulares em se fixar nas principais regies econmicas do Brasil,

    onde a populao mais abastada concedia esmolas e doaes para manuteno e

    sustento dos frades. No decorrer do sculo XVII, a ordem foi constituindo um

    volumoso patrimnio, composto por casas, templos religiosos, fazendas e engenhos,

    por isso tornaram-se parcialmente independentes do governo lusitano.

    A presena dos regulares foi marcante nos principais centros

    econmicos da colnia, exceo feita ao territrio de Minas Gerais onde houve

    restries por parte da Coroa. Geralmente, os regulares possuam uma formao

    intelectual mais aprimorada que os seculares e, por isso, tornavam-se responsveis

    pela divulgao da cultura entre a populao. Seus templos religiosos figuraram

    como centros de saber e evangelizao e, em virtude disto, a sociedade exigiu do

    governo portugus a vinda de novos regulares.

    A fixao das ordens religiosas tambm incutiu adorao a diversos

    santos com especial devoo. A ordem franciscana, por exemplo, inspirou culto a

    S.Francisco de Assis, St.Clara, St.Antnio e S.Benedito. J os carmelitas

    consagraram St.Elias e St.Teresa. Os beneditinos veneraram S.Bento, St.

    Escolstica e S.Bernardo e a ordem jesutica reverenciou St.rsula. Alm de

    contemplar os santos, os frades tambm incentivaram o culto da Virgem, que

    assumiu diversos ttulos nos diferentes Institutos religiosos. Os mercedrios

    dedicaram preito a N.S. das Mercs, os franciscanos a N.S.da Conceio e os

    carmelitas a N.S.do Carmo52. Alm disso, a influncia das ordens sentida na

    criao da Ordem Terceira do Escapulrio do Carmo, sob a inspirao dos

    carmelitas, e da Ordem Terceira da Penitncia, sob a orientao franciscana.

    52 Azzi, Riolando. Elementos para a histria do catolicismo popular. In: RTB, vol 36, fascculo 141, maro de 1976. p.111

    36

  • O crescimento do carmelo, em Pernambuco, tambm foi rpido e

    prspero ao longo dos sculos XVI e XVII. Nessa poca, a ordem incentivou a

    fundao de quatro templos religiosos situados nos principais locais de crescimento

    econmico da regio. Depois de tecer algumas anlises sobre o desenvolvimento

    dos carmelitas no Brasil, estudaremos como se efetivou o processo de fixao e

    expanso da ordem em Pernambuco, procurando entender a relao existente entre

    os frades e a sociedade colonial pernambucana. A percepo desse perodo

    permitir uma maior compreenso de como ocorreu o movimento de decadncia dos

    regulares em Pernambuco no final do sculo XVIII.

    1.2. O Carmo Pernambucano

    O Carmo de Olinda, bero da Ordem carmelitana no Brasil, teve sua construo iniciada no ano de 1588, na prpria localidade que servia de residncia

    aos padres, junto capela de Santo Antnio e So Gonalo. A permisso para

    construir um convento naquela regio fora obtida sob a condio de que as imagens

    de Santo Antnio e So Gonalo ficassem situadas no altar-mor, ao lado da imagem

    de Nossa Senhora do Carmo. Simultaneamente, ficou estabelecido que os carmelitas

    deveriam celebrar, anualmente, uma missa cantada em homenagem a Santo

    Antnio, considerado o orago do respectivo local. Por esse motivo, o templo passou

    a ser denominado Convento de Santo Antnio e os seus respectivos doadores

    conquistaram o direito de terem sepulturas na igreja do convento53.

    De acordo com a documentao trabalhada nessa pesquisa, percebe-

    se a riqueza decorativa das capelas no interior do convento. O templo do Carmo,

    construdo com doaes e dinheiro dos prprios senhores de engenho da regio, era

    considerado um dos monumentos mais ricos da poca. Um dos principais objetos de

    decorao da Igreja era a famosa imagem de Nossa Senhora da Boa Morte,

    encontrada submersa entre os arrecifes de Pernambuco. Em homenagem a santa, o 53 COSTA, F.A. Pereira da. A Ordem Carmelitana em Pernambuco. Prefcio de Mauro Mota. Recife:Arquivo Pblico Estadual, 1976. p.94

    37

  • capito Lus Pinho de Matos fundou a capela da Senhora da Boa Morte no interior

    do templo54.

    Gradativamente, o Carmo de Olinda teve sua estrutura arquitetnica

    ampliada. A prpria sociedade cobrava e incentivava a vinda de eclesisticos e, por

    isso, os carmelitas olindenses perceberam a sua influncia social e religiosa

    aumentar. A vila de Olinda55, ao longo do sculo XVI, enobreceu-se com o

    estabelecimento das principais ordens religiosas europias (franciscanos,

    beneditinos, carmelitas e jesutas) que concorriam entre si disputando espao

    territorial e temporal.

    Do convento de Olinda, os frades partiram em busca de novos locais

    para evangelizao. Alm da construo de igrejas e conventos, os carmelitas

    fundaram vrios hospcios que serviram de hospedaria para os religiosos

    trabalharem nas misses. Esses templos eram erguidos em locais estratgicos,

    prximos aos aldeamentos carmelitas, e possuam uma grande importncia pois as

    misses carmelitanas, ao contrrio das jesuticas, tinham um carter temporrio e,

    por isso, era necessrio manter um ponto de apoio entre os aldeamentos e os seus

    conventos56.

    Contudo, mesmo com o crescimento obtido pelos regulares, no decorrer

    do sculo XVI e incio do sculo XVII, o carmelo olindense sofreu uma grande perda

    de poder poltico e econmico devido invaso dos holandeses em Pernambuco, no

    ano de 1630. O Carmo de Olinda, dado o incndio ocorrido em 16 de fevereiro de

    1631, foi reduzido a um tero de sua estrutura original. Faz-se importante mencionar

    que a maioria dos templos catlicos olindenses foi transformada em estrebarias, pois

    54 FREYRE, Gilberto. Olinda: 2 guia prtico, histrico e sentimental da cidade brasileira. 5 edio. Rio de janeiro: J. Olympio, 1980. p.71 55 De acordo com o cnego Jos do Carmo Baratta, Olinda, vila de mais de dois mil habitantes, com duas parquias, S. Salvador e S.Pedro, com setenta e duas ruas principais ocupando quase trs quartos de lguas, com um comrcio opulento, possua o colgio dos jesutas, onde os filhos dos habitantes recebiam a instruo primria e at secundria, os conventos de S.Francisco e de N.S. do Carmo, e o mosteiro de S.Bento, residindo, em todos eles, uns 130 religiosos, sacerdotes e leigos e um recolhimento de senhoras, o da Conceio, cuja casa primitiva fora cedida em 1585. In: BARATTA, Cnego Jos do Carmo. Op.cit. p.20 56 MELLO, Jos Aylton Coelho & SANTANA, Flvio Dionsio. Bero Carmelitano no Brasil. Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. 1997.

    38

  • os holandeses praticavam o protestantismo e, sendo assim, no veneravam os

    templos e as imagens catlicos57.

    Com a invaso, os religiosos do Carmo fugiram, abandonando o templo

    carmelitano de Olinda, e foram se refugiar no convento da Bahia. Nessa sada, os

    frades enterraram algumas imagens e levaram vrios objetos, j que tinham receio

    de perder todo o seu patrimnio. Aqueles que permaneceram em Olinda ficaram

    proibidos de celebrar missa ou quaisquer atos da cristandade. Foi apenas no ano de

    1633, por solicitao de Matias de Albuquerque, que foi concluda uma conveno

    com os comissrios holandeses estabelecendo algumas regras para a continuidade

    da guerra. Entre os pontos firmados encontramos: no matar mais os prisioneiros,

    no incendiar ou pilhar as igrejas ou imagens de santos e no maltratar os

    eclesisticos como ocorria anteriormente.

    Com a chegada do novo administrador, o conde Maurcio de Nassau,

    em janeiro de 1637, os catlicos obtiveram uma certa liberdade religiosa. Os frades

    puderam continuar suas atividades pastorais e, em virtude disto, muitos regulares

    retornaram s suas casas em Olinda. Contudo, um ano depois de sua chegada, o

    Conde foi pressionado pelos ministros protestantes a restringir as atividades dos

    religiosos catlicos. Com isso, no ano de 1639, o governo holands proibiu a

    realizao de procisses e determinou que as bnos dos engenhos fossem

    realizadas pelos ministros luteranos. Tambm promoveu a interdio e qualquer

    comunicao entre o clero catlico do Brasil holands e o da Bahia58. Alm disso,

    Nassau ordenou que os regulares franciscanos, beneditinos, carmelitas e jesutas

    fossem recolhidos durante o perodo de um ms, na ilha de Itamarac, pois foram

    acusados de incitar a populao contra o governo holands.

    Com a expulso dos holandeses em 1654, os clrigos puderam

    reconstruir os seus templos religiosos e reiniciar seus trabalhos em Olinda, Recife e

    nas parquias do interior. No entanto, a invaso holandesa trouxe algumas

    modificaes para a Ordem Carmelita. O Carmo de Olinda, aps a sada dos

    57 BARATTA, Cnego Jos do Carmo. Op.cit. p. 26 58 BARATTA, Cnego Jos do Carmo. Op.cit. p. 28.

    39

  • holandeses, no conseguiu mais adquirir o poder poltico e social que usufrua, pois,

    gradualmente, estava perdendo territrio para os carmelitas da Bahia que, ao longo

    do perodo holands, ficaram responsveis pela administrao geral do Carmo no

    Brasil. Assim sendo, os recursos advindos da Bahia, para ajudar na sustentao dos

    frades, diminuam cotidianamente e, dessa forma, os regulares necessitaram de mais

    auxlio da prpria populao.

    A influncia dos frades carmelitas na sociedade olindense era to forte

    que as famlias mais abastadas doavam parte de seus bens aos irmos em troca da

    celebrao de missas pelas suas almas e de seus familiares. Em certas ocasies, o

    prprio doador escolhia o local de celebrao das missas, que poderia ser as

    capelas de seus engenhos ou as igrejas dos prprios conventos. Alm disso, era

    muito comum a prtica de doaes para a ornamentao de determinados locais

    pios, haja vista a grande preocupao com a aparncia das capelas no interior dos

    templos. Normalmente, cada capela possua um patrono responsvel pela sua

    instituio e manuteno. A decorao e a suntuosidade estampadas nesses locais

    simbolizavam o poder econmico e poltico de seu fundador. Havia, inclusive, uma

    certa rivalidade entre os instituidores que objetivavam mostrar quem era detentor de

    maior riqueza.

    No obstante ao fato de que a populao apoiava a fixao dos

    religiosos em Olinda e os ajudava financeiramente, os carmelitas enfrentavam um

    problema no interior da Ordem: o aumento das obrigaes religiosas e a diminuio

    do nmero de frades, em meados do sculo XVII, obrigaram os regulares a reduzir a

    quantidade de encargos religiosos. Essa situao ocorreu porque, aps a expulso

    dos holandeses, um grupo de carmelitas passou a organizar um movimento para a

    construo de um templo carmelitano no Recife, cidade com uma situao

    geogrfica mais privilegiada em meio ao porto e casa da Alfndega. Alm disso, na

    poca da invaso holandesa, o Recife se transformou na sede do governo holands

    e, por isso, teve um grande desenvolvimento poltico e econmico. Aps a sada dos

    invasores, muitos religiosos e comerciantes preferiram Recife a Olinda para morar.

    Essa situao ocasionou um forte desentendimento no carmelo pernambucano, pois

    40

  • havia um grupo desejoso em continuar morando em Recife, ao contrrio dos

    carmelitas olindenses que acharam precipitada a fundao de um outro templo em

    Pernambuco.

    1.2.1. Expanso carmelita no Recife

    Com a sada dos holandeses de Pernambuco, em 1654, a Cmara do Senado de Olinda doou, para residncia dos carmelitas, uma casa - localizada na

    freguesia de Santo Antnio do Recife - que funcionou como um ponto de apoio

    denominado hospcio59. Aps alguns anos morando nesse edifcio, os frades

    resolveram fundar um convento com o apoio da sociedade recifense, entretanto a

    Cmara olindense se ops a este objetivo e enviou uma carta ao Estado Portugus

    alegando que os frades do Carmo desejavam arruinar e despovoar o convento de

    Olinda.

    Nesse perodo, o templo se encontrava abandonado e parcialmente

    destrudo, o que significava um grande prejuzo temporal e espiritual para a

    sociedade. Alm disso, os regulares j possuam tarefas para desempenharem em

    Olinda, como a celebrao de missas, festas religiosas e sufrgios e, por isso,

    ficavam impossibilitados de assumir tantos trabalhos. Sendo assim, a Cmara de

    Olinda declarou que seria uma grande perda para a localidade a sada dos frades

    para o novo templo60. Em carta rgia de 19 de dezembro de 1672, el-Rei respondeu

    que concordava com o Senado de Olinda e proibiu a fundao de um novo templo no

    Recife61.

    No ano de 1675, os frades, insatisfeitos com a resoluo do Conselho

    Ultramarino, enviaram uma petio ao el-Rei. Nesse documento, os religiosos

    59 Flvio Guerra relata que, em poca no precisada, porm que se determina como sendo antes de 1675, foi feita aos religiosos carmelitas a doao do antigo palcio de Nassau situado na Boa Vista. Segundo consta, o imvel estava em runas, mas serviria para o estabelecimento de um hospcio e uma capela na banda do Recife. In: GUERRA, Flvio. Velhas Igrejas e Subrbios Histricos. Recife:Edio da Fundao Guararapes. 1979. p. 133 60 LAPEH - AHU., Cx. 6,fl. 37 (28.11.1672). 61 LAPEH - AHU., Cdice 276, fl. 76v. (19.12.1672).

    41

  • argumentaram que j residiam na Boa Vista h sete anos e, por isso, desejavam

    ampliar o edifcio. Entretanto, mais uma vez o pedido foi negado e o Conselho

    ordenou o retorno dos religiosos a Olinda62.

    Inconformados com a negativa da Coroa Portuguesa, os frades

    resolveram continuar na vila sob suas prprias expensas. E, nesse meio, mais uma

    vez a cmara escreveu para el-Rei relatando:

    "os frades se meteram na casa de um morador conhecido como

    Miguel do Valle, a quem expulsaram fora dela, levantando altar e pondo sacra com muita incidncia, chegando o negcio ao termo, que para os obrigarem a largar a casa, fora necessrio pr nela cerco de infantaria"63.

    Tomando conhecimento dessa atitude contestatria dos religiosos, os

    oficiais da Cmara de Olinda convocaram o vigrio geral da capitania e, juntos, foram

    at a povoao do Recife solicitar uma atitude do governador, Dom Francisco de

    Almeida, contra a rebeldia dos regulares64. Assim sendo, as autoridades ordenaram

    a imediata retirada dos religiosos da localidade e pediram a volta de todos ao

    convento de Olinda.

    Em carta rgia de 9 de novembro de 1676, el-Rei ordenou, ao

    governador Andr Vidal de Negreiros, que impedisse os frades em sua tentativa de

    erguer uma nova estrutura carmelitana. Tambm fora estabelecido, atravs de uma

    Proviso rgia datada de 1677, que todos os regulares que tivessem um convento

    em Olinda deveriam retornar a esta vila. Porm, caso s possussem templo na vila

    do Recife, teriam permisso de continuar residindo nesse local. Se porventura, os

    regulares no cumprissem essa norma, ficariam sem receber suas ordinrias65. O

    Conselho Ultramarino queria, assim, o restabelecimento e reconstruo das

    estruturas religiosas de Olinda incendiadas pelos holandeses.

    62 LAPEH - AHU - Cdice 93 - Registro de Provises 1669-1687. 63 COSTA,F.A. Pereira da. Op.cit.p.119. 64 LAPEH - AHU, PE, Cx.6, n. 125 e 126 (09.12.1675). 65 LAPEH - AHU, PE, Cx.6, n. 125 e 126 (09.12.1675).

    42

  • A 5 de maio de 1679, mesmo contrariando o posicionamento da

    Cmara de Olinda, o governador Aires de Castro lavrou uma carta de sesmaria onde

    doou, aos carmelitas, uma data de terras para a melhoria das condies de

    habitao dos religiosos66 e o fortalecimento da religio catlica no Recife. Essas

    terras67 se achavam livres e isentas de tributos, foro ou penso alguma e os padres

    tinham a obrigao de deixar o Conselho examinar suas tarefas quando desejasse.

    Dessa forma, surgiu o Carmo Velho e a capelinha anexa, sob a

    invocao de N.S. do Desterro, tudo dentro de um vasto coqueiral ao lado de uma

    senzala. Para conseguir fundar essa estrutura arquitetnica, os carmelitas

    convidaram pessoas influentes da sociedade para se tornarem patronos de suas

    capelas. Foi o caso, por exemplo, do capito Diogo Cavalcanti de Vasconcelos, rico

    proprietrio em Goiana - casado com a irm de Andr Vidal de Negreiros e devoto de

    N.S. do Carmo - que props, aos frades carmelitas, a construo de uma capela-mor

    no convento. Com essa edificao, custeada com recursos prprios, Diogo

    Cavalcanti solicitou que ele e sua esposa fossem sepultados aos ps do altar-mor.

    Nessa poca, comumente, o patrono de uma capela e a sua famlia eram enterrados

    no prprio templo68. Alm disso, o dito proprietrio ficou responsvel pela

    66 Os carmelitas, atravs de uma petio elaborada pelo Fr. Cristvo de Cristo e mais religiosos do hospcio de N.S. do Carmo da povoao do Recife, solicitaram aos oficiais da Cmara mais terras, uma vez que viviam em desconforto, em meio mar, e precisavam fazer oficinas e quintais para seu sustento. 67Segundo Flvio Guerra: Esclarece-se, assim, que o convento dos carmelitas no Recife e respectiva Igreja, foram fundados inicialmente nas runas do antigo palcio da Boa Vista, construdo por Maurcio de Nassau, estendendo-se aps por mais uma "grande data de terras salgadas doadas aos religiosos"pelo governador Aires de Sousa e Castro. In: GUERRA, Flvio. Op.cit.p. 134 68 Em relao ao sepultamento nas igrejas, a legislao eclesistica proibia a venda de qualquer parte dos templos religiosos, mesmo que fosse destinada a obteno de jazigos. O espao das igrejas, capelas e cemitrios eram considerados sagrados e, por isso, os religiosos eram proibidos de cobrar algum dinheiro pela sepultura. Eles podiam aceitar ajuda financeira, em forma de esmola, que seria utilizada para a construo e manuteno do local. Normalmente, era o que ocorria quando os cristos obtinham licena para construir seu prprio jazigo. In: VIDE, Sebastio Monteiro da. Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia feitas e ordenadas pelo Ilustrssimo e Reverendssimo Senhor D. Sebastio Monteiro da Vide, 5 Arcebispo do Dito Arcebispado, e do Conselho de Sua Majestade: Propostas e aceitas em o snodo Diocesano, que o dito Senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. So Paulo: Tipografia 2 de dezembro de Antnio Louzada Antunes, 1853.

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  • organizao e conservao da capela, onde instalou alfaias de ouro e prata e

    cadeiras de couro69.

    Aps a fundao dessa ermida, Diogo Cavalcanti legou grande parte de

    seus bens para a manuteno do templo, pois, somente em 1687, el-Rei D.Pedro II

    concedeu uma licena para funcionamento do convento do Recife como asilo

    prprio. At esse perodo, os regulares no receberam nem patrimnio e nem

    cngruas para o seu sustento. As obras da reforma continuaram lentas at o ano de

    1690, quando foram ativadas na administrao do padre Fr. Joo de So Jos,

    tambm conhecido como comissrio da Reforma Turonense70 em Pernambuco71. O

    religioso pretendia tomar posse do templo carmelitano do Recife, com o objetivo de

    iniciar, nessa localidade, o movimento reformista institudo no Carmo de Goiana.

    interessante observar a situao de dependncia financeira que os

    frades do Recife ainda conservavam em relao ao governo lusitano, j que as

    cngruas recebidas pelos carmelitas olindenses eram investidas na reconstruo do

    convento de Olinda. Os prprios carmelitas residentes em Olinda no conseguiram

    empreender grandes esforos em construir o Carmo do Recife, pois no contavam

    com nmero suficiente de religiosos para trabalhar nos dois conventos. Por isso

    desejavam o apoio do governo incitando a vinda de religiosos e o aumento de suas

    ordinrias72.

    Paulatinamente, o templo carmelitano do Recife foi construdo com o

    apoio da populao e dos regulares. Os entraves ocorridos desde o incio de sua

    fundao representaram uma tentativa da Cmara de Olinda em continuar

    centralizando a administrao da Capitania de Pernambuco, uma vez que, cada ve