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A Segunda Guerra Mundialalmanaquemilitar.com/.../06/a-historia-da-segunda-guerra-mundial.pdf · A assinatura do tratado de paz no final da Primeira Guerra Mundial deixou a Alemanha

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    Preldio da Guerra A assinatura do tratado de paz no final da Primeira Guerra Mundial deixou a Alemanha humilhada e despojada de suas possesses. Perdeu seus territrios ultramarinos e, na Europa, a Alscia-Lorena e a

    Prssia Oriental. Os exrcitos aliados ocuparam a regio do Reno, limitaram rigorosamente o tamanho do Exrcito e da Marinha alemes, e o seu pas foi obrigado a pagar indenizaes pela Primeira Guerra Mundial que logo provocaram o colapso de sua moeda e causaram desemprego em massa.

    Assim, foi numa Alemanha envenenada pelo descontentamento que Adolf Hitler ergueu a voz pela primeira vez. Apelando para a convico do povo alemo de que tinham sido brutalmente oprimidos pelos vencedores da guerra, logo conseguiu uma larga audincia. Falava de grandeza nacional e da superioridade racial nrdica, denunciava judeus e comunistas como aqueles que haviam apunhalado a Alemanha pelas costas e levado o pas derrota, e por meio de um programa intensivo de propaganda criou o Partido Nacional-Socialista, que em 1932 tinha 230 lugares no Parlamento alemo e cerca de 13 milhes de adeptos. Depois da morte do Presidente Hindenburg, em 1934, o poder de Hitler tornou-se absoluto. No vero de 1934, eliminou implacavelmente os rivais e, desprezando a regra de lei, estabeleceu um regime totalitrio.

    Em seguida deu inicio a um programa de rearmamento, em contraveno ao Tratado de Versalhes, mas sem ser impedido pelos demais signatrios, e no comeo de 1936 j estava confiante o bastante para enviar tropas alemes para reocupar a regio do Reno. Mais uma vez os Aliados no fizeram nenhuma tentativa para det-lo, e a operao foi bem sucedida. Mais tarde, no mesmo ano, ele e seu aliado italiano fascista Benito Mussolini enviaram auxlio a Franco na Guerra Civil Espanhola e assinaram um pacto unindo-os no Eixo Berlim-Roma.

    A preocupao primria de Hitler durante esse perodo foi com a necessidade alem de Lebensraum, ou seja, espao vital. Se o pas devia passar de nao de segunda categoria para primeira potncia mundial, necessitava de espao para se expandir, e se precisava comportar uma populao em rpido crescimento e exigindo prosperidade, necessitava de terras para cultivo e matrias-primas para energia e indstria.

    Comeou olhando na direo da ustria, que j possua um forte movimento nazista, mas cujo chanceler estava ansioso por conserv-la como nao independente. Os exrcitos de Hitler avanaram assim mesmo e, em 1938, entraram em Viena, sem encontrar oposio. Hitler tivera xito pela combinao de uma diplomacia de fora e um hbil desenvolvimento de sua mquina de propaganda.

    A Checoslovquia seria a prxima vtima. A regio fronteiria, conhecida como Sudetos, tinha uma populao alem que se sentia excessivamente discriminada tanto pelos tchecos quanto pelos eslovacos. A regio era rica em recursos minerais, tinha um grande exrcito, e ostentava fbricas de equipamento blico Skoda. Incitando o descontentamento da populao germnica, Hitler foi capaz de fomentar a agitao na Checoslovquia, que levou a um confronto armado na fronteira. Nessa altura, o primeiro-ministro britnico, Neville Chamberlain, representando os defensores da Checoslovquia - Inglaterra, Frana e Rssia -, foi Alemanha acalmar Hitler. O resultado de uma srie de reunies foi que, a menos que os Sudetos fossem anexados Alemanha, Hitler comearia uma guerra; mas se suas reivindicaes territoriais na Checoslovquia fossem atendidas, no faria reivindicaes posteriores no resto da Europa. A Frana e a Inglaterra concordaram - apesar de suas promessas de proteger a Checoslovquia -, e Hitler, quebrando tambm a sua promessa, mais tarde invadiu a Checoslovquia inteira. Considerou que a Inglaterra no estaria preparada para lutar por aquele pas, e que a Frana no ia querer lutar sozinha - e estava certo; mas na vez seguinte, quando invadiu a Polnia, elas declararam guerra.

    Como a histria provaria mais tarde, a declarao veio com excesso de atraso. As vacilaes das potncias ocidentais haviam permitido que Hitler alcanasse uma fora armada e uma posio na Europa, cujo desalojamento levaria seis anos de carnificina.

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    Comea a Luta

    Nas circunstncias, as exigncias de Hitler na Polnia at que foram modestas: tudo o que reclamava, dizia, era a devoluo do porto alemo de Dantzig e livre acesso a ele e Prssia Oriental atravs da Polnia, o Corredor Polons. A Polnia no estava inclinada a ceder, e vendo que a Inglaterra reagira violentamente ocupao da Checoslovquia, Hitler no fez muita presso no inicio. Afinal de contas, a Inglaterra havia duplicado seu efetivo blico e dera Polnia uma garantia absoluta de proteo. Mas percebeu que a garantia no valia nada sem o apoio russo de leste, e, percebendo que os ingleses iam se apressar a solicitar esse apoio, tratou de trazer a Rssia para o seu lado. Os russos tinham sido evitados pelos ingleses quando ofereceram, anteriormente, uma aliana, e no estavam relutantes, depois de superada a desconfiana inicial, em fazer um acordo com Hitler, particularmente quando este lhes prometia uma oportunidade de recuperar o territrio polons que havia perdido em 1918.

    Assinado o pacto Molotov-Ribbentrop, o caminho de Hitler estava livre, e em 1 de setembro de 1939 foras alemes cruzavam a fronteira polonesa. Seguiu-se a primeira demonstrao da eficcia da ttica mvel combinando foras blindadas e areas. Os poloneses concentraram seus exrcitos bem frente, perto da fronteira, e suas reservas ficaram escassamente espalhadas. Assim, quando as colunas blindadas de Hitler, apoiadas pela Luftwaffe, atravessaram as fortificaes da Polnia, as tropas polonesas, marchando a p, foram incapazes de retroceder com rapidez suficiente para se reagruparem. Num hbil movimento de pinas, Bock e Von Rundstedt, do norte e do sul respectivamente, lanaram seus homens em direo a Varsvia. Em 17 de setembro tropas russas cruzaram a fronteira oriental e, apesar da valente resistncia, Varsvia caiu a 28 de setembro.

    A oeste, ingleses e franceses haviam conseguido pouca coisa, parte por causa da lentido da mobilizao, parte por causa de idias tticas ultrapassadas. A leste a Polnia caiu porque seu Exrcito, ainda confiando em macias cargas de cavalaria, era um anacronismo, posto em total desorientao pela implacvel investida das foras compactas e altamente mveis de Hitler.

    A Alemanha e a Rssia dividiram a Polnia entre si, e a Rssia foi alm, fazendo considerveis exigncias territoriais Finlndia, contra o que os finlandeses se opuseram. Seguiu-se uma guerra onde os finlandeses lutaram dura e amargamente, mas que em maro de 1940 j era uma questo decidida.

    O colapso da Polnia foi seguido pelo que se tornou conhecido como guerra disfarada que durou at a primavera de 1940. Durante esses meses, os lderes aliados consideraram plano ofensivo aps plano ofensivo - sem chegar a concluso alguma -, enquanto Hitler, depois de ter a sua oferta de paz aos Aliados rejeitada em outubro, desenvolveu seus planos para uma ofensiva impetuosa e decisiva contra a Frana. Quanto mais cedo desencadeasse sua ofensiva, menos preparados estariam os franceses para lhe fazer frente, e depois de derrotada a Frana, ele tinha certeza de que a Inglaterra negociaria a paz. Entretanto, o tempo, seus generais e as condies climticas estavam contra ele, e mesmo quando finalmente fixou a data de 17 de janeiro para incio da ofensiva, um extraordinrio incidente liquidou seus planos. Um oficial alemo, voando de Munster para Bonn, perdeu a rota e aterrissou na Blgica. Foi preso, e com ele seus captores encontraram o plano operacional completo da Alemanha para o ataque ao oeste. Quando o novo plano, o Plano Manstein foi posto em prtica, trouxe poucas surpresas desastrosas para os Aliados.

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    "Quem quer que acenda a tocha da guerra na Europa nada pode desejar seno o caos".

    Adolf Hitler, 21 de maio de 1935

    A 30 de janeiro de 1933, Hitler ascendeu ao poder na Alemanha. Essa data marca, tanto quanto o pode fazer uma simples data, o fim do perodo "aps-guerra", na histria europia. Durante os catorze anos que se lhe seguiram, os estadistas tiveram seu pensamento subordinado guerra passada, s suas lies e aos problemas que ela deixou por solucionar. De 1933 em diante, eles se viram forados a subordinar cada vez mais seu pensamento prxima guerra, e no que passara.

    Em busca da paz

    O problema relevante, que as naes tiveram que enfrentar depois de 1918, foi o da criao de um mundo pacfico. A frase "uma guerra para terminar com a guerra" oculta uma profunda emoo nascida da revolta contra a barbrie da guerra, como meio de se solucionar disputas. Mas se uma repetio da pavorosa catstrofe tivesse de ser evitada, as condies capazes de torn-la possvel deveriam ser removidas. Particularmente, o direito soberano de toda nao, de perturbar a paz na busca das respectivas finalidades nacionais, era algo que devia ser abolido. A insistncia em torno desse direito e a recusa das Grandes Potncias em subordinar suas ambies individuais ao bem-estar geral, resultaram na anarquia internacional que produziu a guerra de 1914. A estabilidade da paz, somente poderia ser assegurada pela eliminao da violncia e a substituio dos mtodos legais nas questes internacionais.

    Assim, um dos maiores temas na histria do mundo de aps-guerra, o esforo em favor do estabelecimento de um mtodo para a soluo pacfica das questes. O Covenant da Liga das Naes asseverou, em seu prembulo, ser desejo dos signatrios promover a cooperao internacional "aceitando a obrigao de no recorrerem guerra" e "pelo firme estabelecimento da compreenso do direito internacional, como a verdadeira regra de conduta entre os governos". O Covenant procurou pr em prtica esses princpios pelo assentamento de um modo de agir definitivo, em favor dos acordos pacficos e pela criao de penalidades, ou "sanes", contra qualquer Estado que violasse essas resolues. Por meio do Pacto de Paris, ou Pacto Kellog, sessenta e dois Estados concordaram em renunciar guerra como "instrumento de poltica nacional" - isto , como mtodo de efetivar suas exigncias ou de satisfazer suas ambies - e prometeram que somente por meios pacficos procurariam ajustar suas disputas. Em adio a esse acordo geral, tratados especficos de conciliao e no-agresso foram concludos por muitos Estados com os seus vizinhos. Mesmo assim, a possibilidade da guerra sob certas circunstncias ainda permaneceu; mas se esses acordos tivessem sido fielmente observados, teriam representado um longo passo em prol da eliminao da guerra no mundo moderno.

    Nesses acontecimentos, a Repblica Alem teve parte louvvel. A amargura que se seguiu guerra, e que achou expresso num conflito contnuo e intil, entre vitorioso e vencido, comeou a atenuar-se pelo ano de 1924. Os aliados reconheceram a necessidade de aceitar a Alemanha como componente normal da sociedade europia das naes. A Alemanha, por sua vez, sob a orientao de Stresmnann, abandonou a atitude de resistncia e vingana, em favor de uma poltica de "reconciliao e realizao". O resultado imediato dessa mudana foi o Tratado de Locarno em 1925. A Alemanha trocou mtuas garantias, com a Blgica e a Frana, prometendo ambos os lados jamais entrar em guerra um contra o outro, e resolver por meios pacficos "as questes de qualquer espcie que surgissem entre eles". Os tratados alemes de arbitramento com a Polnia e a Tchecoslovquia formaram parte do mesmo acordo. Em 1926, um tratado de no-agresso foi firmado entre a Alemanha e a Rssia. No mesmo ano, a Alemanha ingressou na Liga das Naes e aceitou as obrigaes do Covenant. Em 1928, ela foi um dos signatrios originais do Pacto de Paris, e, em 1929, suas relaes pacficas com a Rssia foram reforadas por um tratado de conciliao

    Ambiente e Origem

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    entre as duas potncias. De tais aes poder-se-ia deduzir que a Alemanha estava pronta para tomar parte ativa, seno dirigente, na causa da paz.

    Atrs desses auspiciosos acontecimentos, contudo, outros, menos promissores se estavam processando. Subsistiam muitas das primitivas concepes de pr-guerra. A atitude de desconfiana e receio, legada pela guerra passada, custava a se desvanecer. E, o que no menos importante, a tentativa de criar um mundo pacfico originou-se da situao estabelecida pelos tratados de 1919. No h necessidade de se discutir aqui a sabedoria ou justia dos tratados. bastante se reconhecer que uma das suas causas fra o anseio de se proteger contra qualquer novo ataque das potncias derrotadas. As naes vitoriosas sentiram que deviam permanecer bastante fortes para jugular qualquer tentativa dessa natureza - ou melhor ainda, que os seus inimigos deviam tomar-se impotentes para repetir a agresso de 1914. Se um sistema de paz permanente pudesse ser estabelecido, essa atividade de desconfiana seria talvez abandonada. Mas at que pudessem confiar na eficcia de um sistema de segurana coletiva, no qual um Estado ameaado pelos seus vizinhos pudesse contar com a proteo de outros Estados, as naes acharam que deveriam continuar confiando na sua prpria superioridade de fora.

    O resultado foi que a idia de se resolver disputas por negociaes, ao invs da fora, teve na prtica um xito muito limitado. As naes vitoriosas mostravam-se relutantes em conceder quaisquer vantagens substanciais das quais seus antigos inimigos se pudessem um dia utilizar contra ela. Isto significou que a Alemanha, por sua vez, se desiludiu de toda a idia de solues pacficas. Stresemann conduziu a sua poltica com dificuldade, contra um forte elemento nacionalista, que acreditava mais na violncia que na conciliao. Quando a poltica de Stresemann demonstrou ser incapaz de produzir os resultados esperados, e quando, alm disso, a Alemanha mergulhou com o resto do mundo na depresso de 1929, o caminho estava aplainado para a derrocada de sua poltica de moderao e para a volta ao dio e violncia. A filosofia de Hitler

    O dio e a violncia levaram Hitler ao poder. Ele simbolizava um ponto de vista inteiramente hostil aos ideais que animavam os esforos tendentes ao estabelecimento de uma paz permanente. Contra o conceito de uma comunidade de naes, ele se batia por um nacionalismo fantico. Contra a idia do domnio do direito, ele antepunha a supremacia da fora armada. Os esforos que resultaram na criao da Liga das Naes e assinatura do Pacto de Paris estavam baseados na crena de que a paz no s era desejvel como possvel, e de que disputas entre naes poderiam ser solucionadas por meios de pacficas negociaes. O esprito que Hitler representava recusava-se a admitir que os desejos da Alemanha pudessem ficar comprometidos por concesses feitas a outras naes. Esses desejos tornaram-se "direitos" que no poderiam ser preteridos, que nem mesmo ficariam sujeitos a negociaes, mas teriam que ser concedidos Alemanha - ou a conseqncia seria a guerra.

    Os alemes que adotaram esse ponto de vista, encontraram um objetivo concreto de ataque no Tratado de Versalhes. Por esse tratado, a Alemanha perdeu uma oitava parte de seu territrio de pr-guerra, inclusive terras que tinham sido suas durante geraes, e mesmo sculos. Perdeu mais de seis milhes de sua populao, muitos alemes que assim ficaram separados da me-ptria. A perda do territrio significou a privao de importantes recursos, tais como carvo e ferro; e, alm disso, a perda das antigas colnias, privou a Alemanha de outras fontes de abastecimento. Essas perdas serviram para desmantelar-lhe a organizao econmica pr-guerra, e suas probabilidades de recompor-se ficaram gravemente dificultadas pelas reparaes de guerra que lhe foram impostas. Alm disto, o tratado imprimiu-lhe humilhaes como a "mentira de culpada pela guerra", pelas quais ela aceitou a responsabilidade pela guerra de 1914; as restries sobre suas foras armadas de terra e mar e a proibio de ter uma fora area militar; a criao de uma permanente zona desmilitarizada em ambas as margens do Reno, nas quais nem tropas, nem fortificaes eram permitidas; e um exrcito aliado de ocupao, que permaneceria em solo alemo pelo menos durante quinze anos depois da paz.

    O primeiro objetivo da Alemanha nazista foi o de quebrar esses grilhes impostos pelo acordo da paz.

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    Mesmo reconhecendo a perda da Alscia-Lorena como definitiva, a Alemanha se recusava a aceitar indefinidamente uma situao que deixasse sua fronteira ocidental indefesa contra uma invaso. Na sua fronteira oriental, a Alemanha estava completamente insatisfeita com os limites de 1919. A perda de Dantzig, o desmembramento da Silsia, a criao do Corredor Polons, que separou terras alemes, tudo, enfim, era olhado como afrontas intolerveis aos direitos nacionais alemes. O retorno final desses territrios tornou-se, pois, um objetivo consistente da poltica exterior alem.

    Mas os objetivos de Hitler foram muito alm disto. Embora tivesse adotado tanto a atitude militarista como as ambies pangermnicas, que existiram na Alemanha de antes da guerra, acabou por completo com os objetivos da diplomacia de antes da guerra. Bismarck, depois da sua vitria sobre a Frana, renunciou qualquer desejo de maior extenso das fronteiras alemes. Descrevendo a Alemanha como um "Estado saciado", ele se concentrou na construo de alianas e de amizades que a garantissem contra ataques. Quando os seus sucessores iniciaram uma poltica expansionista, fizeram-no mais na esfera colonial que na europia. Hitler, no Mein Kampf, manifesta o seu desdm por ambas as polticas. No bastante para a Alemanha recuperar as terras que perdeu como resultado da guerra. "A exigncia do restabelecimento das fronteiras de 1914, uma loucura poltica... As fronteiras de 1914 nada mais significam para o futuro da nao alem " E a seus olhos a volta das colnias, pelo menos no momento, igualmente sem importncia. "Para a Alemanha, a nica possibilidade de realizar uma poltica territorial solidamente alicerada consiste na conquista de terras novas na prpria Europa."

    Atrs dessa idia jazem as teorias raciais e nacionalistas de Hitler: raa como fundamento de todo o progresso humano, e pureza de sangue como fundamento da raa. "O povo no perece por perder guerras, mas pela perda daquela fora de resistncia, que contida apenas no sangue puro." A raa mais alta, a criadora exclusiva da cultura moderna, a ariana ou nrdica, que se corporifica da maneira mais pura nos alemes. dever sagrado dos germnicos manter essa pureza e assegurar a sua supremacia sobre as raas inferiores que os rodeiam.

    E o dever fundamental dessa raa superior, no somente o de sobreviva, mas tambm o de expandir-se. O Estado "deve garantir raa que ela cumpre uma finalidade sobre este planeta". A Alemanha tem que possuir toda a terra que for necessria para que o seu povo tenha conforto e segurana. "O direito terra e solo pode ser mudado para dever, uma vez que sem extenso de solo, uma grande nao se veja condenada runa." isso se aplica no somente atual populao da Alemanha, mas ao seu crescimento futuro. "Hoje somos 80 milhes de alemes na Europa. Mas a justeza desta poltica externa no ficar estabelecida, seno quando dentro de um simples sculo 250 milhes de alemes estejam vivendo neste continente."

    Esta a doutrina que se resume na frase "sangue e solo". Envolve ela a determinao de reunir todos os alemes num s Estado, e a de adquirir terra bastante para lhes prestar apoio de acordo com o valor de sua superioridade racial. "Sem dvida, tal poltica territorial no pode achar por exemplo a sua finalidade cumprida no Camerum, mas sim quase que exclusivamente na Europa". Mas onde na Europa pode a Alemanha encontrar terras para a expanso de sua populao? Somente naquela grande planura setentrional que se estende para o leste das fronteiras alemes. "Falando de terras na Europa, hoje em dia apenas podemos referir-nos em primeira instncia Rssia e aos Estados fronteirios sob a sua influncia. Eles parecem ser o caminho que o destino nos aponta". E os povos inferiores que j vivem nessas terras, no tm direito algum que prevalea contra as necessidades do alemo superior. Como j o expressou grosseiramente Alfred Rosenberg: "A honra racial exige territrio, e territrio bastante. Numa luta assim no pode haver considerao por vis poloneses, tchecos, etc. O terreno tem de ser limpo para os camponeses alemes".

    Um programa desse modo revolucionrio, no deixa claramente lugar para mtodos de moderao. Stresemann, com suas limitadas aspiraes, pde ter esperana em ser afinal atendido por meio de negociaes pacficas. Hitler no podia esperar tal coisa e, de fato, no teve desejo algum de adotar esse meio. Ele o repudiou deliberadamente em favor de uma soluo pela fora. "A reconquista de territrios

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    perdidos" - diz ele no Mein Kampf "no pode ser obtida com solenes apelos a Deus todo-poderoso, ou por meio de piedosas esperanas numa Liga das Naes, mas apenas pela fora armada". E, de fato, este mtodo no somente necessrio, mas admirvel. "Aqueles que querem viver devem lutar, e os que no quiserem combater neste mundo de eternas lutas, no merecem viver... Nas guerras eternas, tornou-se grande a humanidade - na paz eterna, a humanidade se arruinaria".

    A Alemanha e o desarmamento

    A qualquer um que percebeu o significado desse programa, deve ter ficado claro que a Alemanha de Hitler precisava ser tratada de um modo muito diferente do da Alemanha de Stresemann. Contudo, a despeito de seu interesse pela asceno de Hitler, as potncias demonstraram pouca compreenso da natureza fundamental da metamorfose que assim teve lugar, no somente na Alemanha, mas tambm na situao internacional. Elas estavam talvez menos dispostas que nunca a fazer concesses de grande alcance que pudessem enfraquecer a sua presente situao de segurana; mas o mtodo do gradual ajuste pela negociao, foi ainda o que tentaram aplicar nas suas relaes com o novo regime.

    E, de fato, a despeito da crescente impacincia da Alemanha, esse mtodo lhes trouxe j importantes benefcios. O mais notvel foi a soluo da questo das reparaes. Haviam sido feitos esforos para modificar e regularizar suas dificuldades econmicas por meio do Plano Dawes de 1924 e do Plano Young de 1929; e quando o ltimo destes planos fracassou como resultado da depresso, ficou finalmente claro que toda a poltica de reparaes se tornara impraticvel. Ela foi abandonada em conseqncia da conferncia de Lausanne de 1932; embora certas reivindicaes fossem pr-forma mantidas e apesar de uma tentativa ter sido feita para encadear a resoluo com o problema do dbito da guerra, a resoluo significou para todos os efeitos que o problema das reparaes chegara a um fim.

    Outro terreno em que a Alemanha obteve uma vantagem importante, se bem que muito mais limitada, foi o do desarmamento. As naes vitoriosas se colocaram na obrigao moral de tomar medidas reais nesse terreno. O Covenant da Liga asseverava que isso era necessrio para a manuteno da paz. A clusula do Tratado de Versalhes que imps o desarmamento Alemanha, afirmou que isto foi feito "com a finalidade de tornar possvel a iniciativa de uma limitao geral dos armamentos de todas as naes." Numa nota Alemanha a respeito dessa clusula, os aliados tinham dito:

    As potncias aliadas e associadas desejam tornar claro, que as suas exigncias em relao ao armamento alemo, no foram feitas unicamente com o objetivo de tornar impossvel Alemanha retomar a sua poltica de agresso militar. Elas tambm representam os primeiros passos para a reduo e limitao dos armamentos, o que constituiria um dos mais frutferos preventivos da guerra e cuja realizao dever ser um dos primeiros deveres da Liga das Naes.

    Quando, pois, se reuniu a primeira conferncia do desarmamento, em fevereiro de 1932, a Alemanha achou que tinha o direito de exigir que essa promessa fosse cumprida, ou que a Alemanha fosse libertada das limitaes que lhe tinham sido impostas. Ficou demonstrado ser difcil a adoo do primeiro caso, e a Frana em particular mostrou-se relutante em aceitar o segundo. Apesar de tudo, um acordo foi conseguido a 11 de dezembro de 1932 - acordo por meio do qual a Inglaterra, a Frana e a Itlia concordavam com o princpio de "igualdade de direitos, num sistema que daria segurana a todas as naes". O passo foi dado somente depois que a Alemanha se retirou da conferncia de desarmamento, e a efetiva aplicao do princpio foi passvel de nova dilao. Mas a prpria aceitao do princpio, foi uma concesso muito real. No mais foi possvel resistir-se indefinidamente s reivindicaes da Alemanha neste terreno.

    Cedo tornou-se aparente, entretanto, que Hitler tinha pouca inteno de aguardar o lento progresso das negociaes - se que tinha mesmo algum desejo de obter um acordo negociado. Pelo ms de maro de 1933, seus desafios tinham ido to longe que a Gr-Bretanha se viu compelida a apresentar uma srie

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    inteiramente nova de propostas, numa tentativa para solver o impasse. A 13 de maio, um discurso do vice-chanceler von Papen, fez com que o mundo aguardasse com alarme, em suspense, a mensagem que Hitler devia dirigir ao Reichstag quatro dias mais tarde. Um apelo direto do presidente Roosevelt, teve o efeito de moderar a linguagem de Hitler, mas no a sua atitude fundamental. J ele estava pondo em jogo as tticas que se iriam tornar familiares, que consistiam na apresentao de propostas aparentemente razoveis e, em seguida, na fuga a qualquer negociao efetiva pela rejeio de tudo que pudesse significar uma garantia de sua boa f. O clmax sobreveio a 14 de outubro de 1933. Na manh desse dia, tinha sido discutida em Genebra uma nova proposta britnica que considerava um gradual desarmamento geral, sob a condio da Alemanha abster-se do rearmamento durante o intervalo necessrio realizao da iniciativa. tarde desse mesmo dia, Berlim anunciou a retirada da Alemanha, no somente da conferncia, mas tambm da Liga das Naes. Foi o sinal de que Hitler tinha abandonado toda az pretenso de uma ao coletiva em favor do desafio, baseado na fora.

    Duas outras tentativas de manter a Alemanha associada aos esforos conjuntos desenvolvidos pelas outras potncias, tinham fracassado nesse nterim. Em junho, uma Conferncia Econmica Mundial teve lugar em Londres. Em agosto, ela foi protelada numa atmosfera de desapontamento e desiluses. Mas no decorrer da conferncia, a Alemanha tinha revelado a idia que fazia das solues econmicas, num memorando em que exigia a devoluo das colnias alemes e a liberdade de agir vontade contra a Rssia. Em julho, realizou-se em Roma uma conferncia e nela Mussolini buscou um acordo que aplainaria o caminho do desejo mtuo da Alemanha e da Itlia de revisar o tratado de paz, com o apoio benevolente da Gr-Bretanha a sobrepor-se oposio da Frana. Mas a idia somente conduziu a um Pacto das Quatro Potncias, pacto to intil que nenhuma delas se deu sequer ao trabalho de o ratificar. Pelo ms de outubro, a Alemanha estava convencida de que, no momento, iria mais longe, caminhando sozinha.

    A Alemanha se rearma

    A despeito da gravidade da situao, o governo britnico preferiu manter-se otimista. Recusou-se a admitir que a brecha fosse permanente ou que os mtodos de conciliao fossem da por diante igualmente ineficazes. "A Alemanha no objeto de imposies" - disse Sir John Simon. "Ela parte numa discusso... Saudamos as garantias de Herr Hitler de que o nico desejo da Alemanha a paz e de que ela no tem intenes agressivas". A Gr-Bretanha, portanto, assumiu o papel de mediadora, numa tentativa de afastar as dificuldades, particularmente as existentes entre a Frana e a Alemanha. "A questo poltica central" - como disse Sir John Simon - " como conciliar a exigncia alem de igualdade com o desejo de segurana da Frana." Para esse fim a Gr-Bretanha encorajou ativamente negociaes diretas entre os dois Estados, baseadas na aceitao de uma medida limitada e controlada de rearmamento a favor da Alemanha.

    Nada resultou desses esforos. A Frana estava determinada a encarar o rearmamento alemo como um perigo. A Alemanha por sua vez acompanhava suas ofertas com condies que pareciam anular limitaes efetivas. Em tais circunstncias, a Frana ficou mais determinada que nunca a tornar sua segurana absolutamente certa antes que se visse diante de uma Alemanha rearmada e agressiva; e em 1934 o primeiro ministro francs, Barthou, efetuou ativos esforos com essa finalidade.

    O resultado foi o projeto de um Locarno oriental. A crescente preocupao da Rssia com o crescimento da Alemanha Nazista f-la cada vez mais desejosa de tomar parte nos esforos em favor do estabelecimento de segurana coletiva. A profisso de f hitleriana de pacficas intenes deu uma oportunidade para a apresentao do novo projeto como uma prova de sua sinceridade. A Frana pode ter se mostrado cptica sobre o resultado, mas a Gr-Bretanha estava ansiosa por no deixar de tentar todos os esforos. Enquanto ela prpria no estava disposta a aceitar novas incumbncias, deu sua benvola aprovao idia de um pacto de mtuas garantias entre a Alemanha e suas vizinhas orientais, inclusive a Rssia, e a um complementar tratado de garantias entre a Rssia e a Frana, tratado a que a Alemanha teria

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    uma oportunidade de se associar e o qual seria um elo com Locarno e o Covenant. Mas toda a esperana numa realizao compreensiva desses planos desfez-se a 10 de setembro de 1934, quando uma nota alem estabeleceu tantas condies para a discusso da proposta, que elas praticamente tiveram o significado de uma rejeio imediata.

    Entrementes, multiplicaram-se os sinais da inteno alem de levar a sua poltica agressiva ao limite mximo que permitisse o seu estado de relativa fraqueza. O fato de que, a despeito das limitaes impostas pelos tratados, ela j comeara a rearmar-se, foi revelado pelo oramento alemo de maro de 1934. Ao mesmo tempo, um discurso de Hitler acentuando os tpicos provocadores da mudana de fronteiras e da unidade racial fez crescer o alarme tanto na Frana como nos pequenos Estados fronteirios Alemanha. No tardou muito que fatos concretos viessem aumentar essa sensao de perigo. A campanha alem no Sarre, onde se realizou um plebiscito em janeiro de 1935, foi caracterizada pelas tticas nazistas de fanfarronice e ameaa; e, embora a votao que devolveu aquela rea Alemanha tivesse significado a soluo pacfica do que poderia ter sido um problema perigoso, ela no foi, talvez, seno um infeliz encorajamento dos mtodos e aspiraes nazistas. A presso nazista sobre Dantzig tornou-se fator seriamente inquietante. A agitao nazista em torno do Memel avolumou-se quase at o perigo de um ataque Litunia. Mais srias que todas, as provocaes nazistas na ustria conduziram em julho de 1934 ao assassnio do chanceler Dollfuss e perspectiva de uma invaso alem. No constituiu surpresa o fato de que durante esse ano os pequenos Estados comearam a esquecer suas diferenas e a reunir-se com o fim de proteger-se mutuamente. A formao de um pacto balcnico em fevereiro e de um pacto bltico em setembro e - mais notvel ainda - a corrida tardia dessas pequenas naes para o reconhecimento da Unio Sovitica, mostraram como sentiram o vento que estava soprando.

    O governo britnico, contudo, continuava a esperar o melhor, e o retorno do Sarre Alemanha parecia apresentar uma oportunidade para novos esforos. Hitler, ao tempo de sua retirada da Liga, tinha asseverado que o Sarre representava a nica exigncia territorial alem Frana. "Quando o territrio do Sarre tiver sido restitudo Alemanha, somente um louco poder considerar a possibilidade de uma guerra entre os dois Estados." Sendo Hitler sincero, no parecia haver razes para que um acordo no fosse conseguido.

    De conformidade com isto, e como resultado de uma reunio em Londres, a Frana e a Gr-Bretanha apresentaram uma srie de propostas a 3 de fevereiro de 1935. Elas propuseram "uma geral conveno livremente negociada entre a Alemanha e as outras potncias", a qual envolvia a remoo das restries em torno do rearmamento alemo, em troca da volta da Alemanha Liga das Naes e o abandono de sua parte de todas as intenes agressivas por meio da participao numa srie de tratados de no-agresso e de assistncia mtua.

    A formal resposta alem foi, como de costume, plausvel e especiosa. Expressando um desejo sincero de "promover a salvaguarda da paz", ela se mostrou a favor de pactos bilaterais, como preferveis a um tratado geral. Mas a verdadeira resposta alem foi dada na forma de uma ao que mostrou a diferena entre as palavras e as aes. A 10 de maro, o general Goering anunciou que a Alemanha j tinha, em violao ao tratado, criado uma fora area militar. E a 16 de maro, enquanto Sir John Simon esperava ir dentro de poucos dias a Berlim para discutir as recentes propostas, um decreto alemo anunciou a restaurao do alistamento obrigatrio e a criao de um exrcito de cerca de 550.000 homens.

    Poltica conciliatria britnica

    O resultado mostrou o sucesso daquela poltica de passo-a-passo que era o alicerce da ttica hitleriana. "Um hbil conquistador" - tinha Hitler escrito no Mein Kampf - "impor sempre que possvel as suas exigncias ao conquistado por meio de fatos consumados. Porque a rendio voluntria mina o carter de um povo; e com um povo assim pode-se calcular que nenhuma dessas opresses em detalhe fornecer razes bastantes para que torne a recorrer s armas." Aplicando este princpio, ele o ampliou pelos

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    constantes esforos para dividir e isolar seus adversrios, e uma tentativa para desarm-los depois de cada golpe de violncia que era apresentado como a ltima das aes dessa natureza. A oferta de uma base aparente para a paz futura.

    Cedo tornou-se visvel que neste caso no havia perigo algum de um recurso guerra. Embora a Gr-Bretanha protestasse, ela no se uniria Frana na considerao da possibilidade de medidas punitivas. A Gr-Bretanha, a Frana e a Itlia se reuniram em Stresa em abril para condenar a ao alem - condenao ecoada uma semana mais tarde pela Liga das Naes. A Alemanha no teve obstculos; e os acontecimentos que se seguiram poderiam, sob certos aspectos, sugerir que a Alemanha estava no caminho de ainda outros avanos como resultado de seu provocante recurso poltica da fora.

    Porque, afinal de contas, impunha-se a pergunta: agora que a Alemanha tem armas, de que modo provavelmente vai us-las? Todos os que acreditavam em que os verdadeiros propsitos de Hitler estavam expressos no Mein Kampf, viram-se obrigados a prever que uma Alemanha rearmada seguiria uma poltica de agresso baseada na fora. Mas linguagem do livro poder-se-ia contrapor as expresses de devoo paz to freqentes nos discursos de Hitler. A despeito de uma srie de aes que poderiam parecer curiosamente em desacordo com essa aspirao, uma parte da opinio britnica mostrou-se fortemente inclinada a aceitar a palavra de Hitler e desenvolver esforos, at agora fteis, para o encontro de uma base permanente de concrdia.

    Em conseqncia, apenas nove dias depois que a Alemanha anunciou o seu rearmamento, Sir John Simon e Mr. Antony Eden visitaram Berlim e conferenciaram com Hitler e seus oficiais. Embora tivesse sido anunciado depois do encontro que "as aspiraes dos dois governos so assegurar e reforar a paz europia promovendo a cooperao internacional", nenhum resultado especfico foi conseguido; e a alegada amistosidade das conversaes no impediu a Gr-Bretanha de unir-se censura Alemanha em Stresa e Genebra. Mas em maio uma nova oportunidade surgiu para explorar ainda mais as perspectivas de conciliao.

    Essa oportunidade se apresentou quando do discurso de Hitler perante o Reichstag, a 21 de maio de 1935. Uma vez mais, ele negou quaisquer propsitos agressivos e insistiu em que uma Alemanha forte e satisfeita seria uma contribuio paz europia. E ainda mais, subordinou a poltica alem a treze pontos que pareciam adequados para oferecer uma base real a um acordo construtivo. Reiterando sua exigncia por uma real eqidade, Hitler lhe acrescentou a promessa implcita de voltar Liga se esta fosse separada do Tratado. Prometeu respeitar para o futuro no somente as clusulas territoriais de Versalhes, mas todos os tratados voluntariamente firmados; e foi tornado claro que isso envolvia a aceitao da zona desmilitarizada ao longo do Reno. Renovou a oferta de concluir pactos de no-agresso com os vizinhos da Alemanha, e aduziu a isto ofertas de um pacto areo suplementar ao de Locarno, aceitao de um esquema justo e prtico para a limitao dos armamentos e "um arranjo internacional que evitar de um modo efetivo e tornar impossveis todas as tentativas de interferncia externa nos negcios de outros Estados".

    Essas ofertas, encorajadoras ao primeiro relance, mostraram-se notavelmente artificiosas mal foram feitas tentativas para transform-las em realidade. A idia de um pacto areo jamais passou de uma troca de pontos de vista; e um questionrio britnico tendente a obter uma explanao mais precisa das idias de Hitler encontrou contnua escapatria. Um acordo se seguiu rapidamente, mas este dificilmente podia ser encarado como um obstculo aos progressos de Hitler ou contribuio segurana coletiva.

    Este foi o acordo naval anglo-germnico. Durante a visita de Sir John Simon, Hitler tinha apresentado suas exigncias por uma igualdade com a Frana no ar, e por uma armada igual a 35% da marinha britnica. Estas exigncias foram repetidas em seu discurso de 21 de maio. A Gr-Bretanha no teve esperana alguma de fazer a Frana concordar com a igualdade area alem, mas ela tambm teve em vista o fato de ter a Alemanha criado uma fora area eficiente a despeito de todas as objees. Ficou convencida de que

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    a Alemanha iria rearmar-se; faltava apenas saber se o rearmamento seria limitado por um acordo definitivo ou livremente realizado sem nenhuma restrio efetiva. A Gr-Bretanha, portanto, decidiu-se a negociar em torno da questo naval; e sua deciso foi reforada quando recebeu a informao de que em abril, j haviam sido dadas ordens para a construo de doze submarinos alemes, cujas partes tinham sido manufaturadas no inverno anterior. O resultado foi o tratado naval anglo-germnico de 18 de junho de 1935. A Alemanha no s obteve o direito de construir uma fora naval igual a 35% da britnica; ela tambm se reservou o direito de igualdade em submarinos, sob a condio de que, no presente, no fosse alm de 45 por cento.

    "Consideramos este acordo" - disse o Primeiro Lord do Almirantado ao pblico britnico - "essencialmente como uma contribuio paz mundial... Temos de lidar com o problema essencialmente prtico de que a Alemanha j est construindo uma frota que est fora dos limites assentados no Tratado de Versalhes; o que fizemos foi, por acordo com a Alemanha, circunscrever os efeitos que pudessem decorrer dessa deciso unilateral". Nem todos ficaram satisfeitos com esta explicao. O povo britnico, recordando-se dos estragos produzidos pelos submarinos durante a guerra de 1914, sentiu-se chocado por ver essa arma devolvida Alemanha. A Frana, por sua vez, achou-se ultrajada pela aceitao dessa nova violao de tratado pela Alemanha, aceitao registrada sem consulta Frana e em menos de dois meses depois da adeso da Gr-Bretanha condenao da Alemanha em Stresa. Estas reaes, e o fato da Gr-Bretanha ter-se resolvido a arrost-las, foram uma demonstrao do desejo de encontrar uma base ajustada e estvel para as relaes com a Alemanha, mesmo ao preo das mais graves concesses.

    Locarno e Rennia

    A maneira da Frana abordar o problema foi completamente diferente. Desde o fim da guerra a Frana tinha estado receosa do restabelecimento militar alemo e resolvida a pr-se em guarda contra tal fato. Falhando nos esforos para obter uma garantia militar da Gr-Bretanha, ela se lanou a alianas com os pequenos Estados da Europa oriental, os quais tambm careciam de proteo contra os desejos das potncias derrotadas de recuperar os territrios perdidos. Estas ligaes de certa maneira enfraqueceram quando a Frana pareceu no desejosa ou incapaz de oferecer oposio efetiva durante o perodo inicial do governo de Hitler. Pelo vero de 1934, entretanto, a Frana estava fazendo novos esforos, no somente para fortalecer amizades existentes como para atrair-lhes tambm a Rssia. A Gr-Bretanha, resolvida a evitar a diviso da Europa em dois campos hostis iguais aos que existiram antes de 1914, insistiu em que o tratado deveria ajustar-se estrutura do Covenant da Liga e apresentar-se Alemanha em termos de igualdade. Por meio de interpretaes extremamente engenhosas, essas condies foram triunfalmente obtidas. A 2 de maio de 1935, foi assinado um tratado, pelo qual a Frana e a Rssia prometeram apoio mtuo contra a agresso, em termos especificamente vinculados ao Covenant e compatveis com a participao alem.

    Mas a Alemanha de jeito nenhum ficou abrandada com esse convnio. A sua objeo de que o tratado foi na realidade dirigido contra si podia constituir um reconhecimento implcito de intenes agressivas, mas apesar de tudo, no foi molestada por isto. At ento seus progressos tinham sido feitos com xito em relao Frana e Inglaterra. Agora, tinha de levar em conta a Rssia; e se as suas atividades provocassem guerra, seria uma guerra em duas frentes, igual a que Bismarck sempre procurou evitar e igual precipitada pelos seus mais ineptos sucessores em 1914.

    A par disto, houve um fator altamente emocional. Hitler e o movimento nazista eram os inimigos declarados e mortais do bolchevismo. As pginas do Mein Kampf esto prenhes de diatribes contra os comunistas e de ataques aos dirigentes da Rssia como "comuns criminosos tintos de sangue, a escria da humanidade." O espetculo da Frana procurando a ajuda dos Sovietes foi apenas menos chocante que a compreenso de que os Sovietes agora tinham a garantia da ajuda da Frana.

    O primeiro passo de Hitler em resposta foi de uma simplicidade impudente. Acusou a Frana do

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    rompimento de um tratado. Num memorando de 29 de maio de 1935, o governo alemo expressou a opinio de que qualquer ao militar baseada no pacto franco-sovitico seria "uma flagrante violao do Tratado de Locarno". Se o problema se tivesse limitado discusso de um princpio, teria sido apenas mais um exemplo divertido de Satans censurando o pecado. Mas esta reivindicao trazia consigo uma conseqncia prtica de vital importncia tanto para a Frana como para a Alemanha.

    Pelo Tratado de Versalhes, a Alemanha estava proibida de construir fortificaes ou de manter foras armadas na Rennia ou numa faixa de 50 quilmetros a leste do Reno. A despeito do rearmamento e conscrio, a fronteira ocidental da Alemanha estava, assim, aberta invaso francesa. Com a entrada da Rssia no quadro, este apresentava um perigo mais grave que nunca. Se a Alemanha quisesse ter um caminho livre para o leste, teria, a todo o custo, que barrar o caminho aberto a oeste.

    J foi tornado claro que a Alemanha no teve escrpulo algum em violar o Tratado de Versalhes. Mas a zona desmilitarizada estava garantida pelo Tratado de Locarno - o tratado que Hitler, a 21 de maio, tinha prometido respeitar. Se, contudo, a Frana realmente tivesse rompido o Tratado de Locarno, Hitler poderia sentir-se livre de seus compromissos. Este foi o ponto de vista que ele resolveu no somente adotar, mas agir sobre essa base. A 7 de maro de 1936, tropas alems marcharam sobre a Rennia, numa demonstrao designada como ocupao "simblica" - simblica, com a durao de uma semana, com a participao de 90.000 homens.

    O estado-maior alemo tinha-se oposto ao movimento, convicto de que dessa vez a Frana lutaria. O estado-maior francs queria a luta. Mas Hitler ao escolher essa oportunidade fizera-o com caracterstica astcia. A Frana e a Gr-Bretanha j estavam envolvidas na situao criada pela invaso da Etipia e a adoo por parte da Liga de sanes contra a Itlia. Um voto impondo sanes de petrleo, que a Gr-Bretanha estava advogando, podia conduzir guerra. Sob as circunstncias era improvvel que a Itlia, embora um dos garantidores de Locarno, - entrasse em ao contra a Alemanha. O outro garantidor, a Gr-Bretanha, sofria a presso da Frana por promessas de ao, mas mostrava uma averso arraigada a comprometer-se. E a Frana estava envolta no turbilho poltico precedente a uma eleio que enfraquecia as mos de seu governo para negcios estrangeiros.

    Assim, Hitler jogou e ganhou. A Itlia no agiu. A Gr-Bretanha associou-se a um apelo francs Liga, e aprovou a oferta francesa de submeter a questo da validade do Locarno corte de Haia, mas se recusou a considerar uma ao militar ou a solicitar Liga uma ao contra a Alemanha. A usual oferta alem de uma nova base de paz, incluindo uma srie de pactos de no-agresso, pode ter contribudo para essa moderao. Indubitavelmente a Gr-Bretanha estava menos impressionada que em ocasies anteriores. O discurso de Hitler a 24 de maro mostrou quo pouco um documento assinado poderia faz-lo respeitar compromissos. "Se o resto do mundo se cinje letra de tratados, eu me cinjo a uma eterna moralidade. Eu, como representante do povo alemo, devo assegurar nao o direito de viver e de salvaguardar sua honra, liberdade e interesses vitais." Expressando "alguma dvida em torno da concepo mantida pelo governo alemo sobre a base em que os futuros entendimentos fossem fundados", Mr. Eden dirigiu quele governo um questionrio em que solicitava explicaes precisas sobre os vrios pontos de Hitler, demonstrando ao mesmo tempo que as negociaes por um tratado seriam inteis "se uma das partes doravante se sentisse livre para negar suas obrigaes sob o fundamento de que ela, na ocasio, no estava em condies de concluir um tratado a cujo cumprimento se obrigara". No surpreende o fato da Alemanha, depois de procurar uma resposta evasiva a essas perguntas desastradas, ter-se decidido em suma a deixar de responder. A despeito disto, a Gr-Bretanha ainda prosseguiu nos esforos para chegar a alguma base de entendimentos.

    A Gr-Bretanha garante a Frana

    Mas justamente com esses esforos desenvolveu-se uma ocorrncia de grande importncia. A Gr-Bretanha no reconheceu que o Tratado de Locarno se tivesse invalidado. Se a Alemanha repudiou o

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    tratado, porque naturalmente no podia obter vantagens dele. As garantias Frana e Blgica, contudo, ainda permaneciam de p, e sua importncia tinha aumentado. A 19 de maro, a Gr-Bretanha prometeu assistncia Blgica e Frana no caso de agresso no provocada e inaugurou conversaes militares entre os estados-maiores. Mas, enquanto que pelo tratado de Locarno no havia a obrigao para a Frana de auxiliar a Gr-Bretanha se esta fosse atacada, a nova adaptao, que alcanou uma base precisa pelos fins de novembro, tornou essa obrigao recproca. Com efeito, a ao alem tinha transformado o Locarno de uma garantia de que a Alemanha participava numa aliana contra ela - numa aliana que a Frana em vo procurou obter mesmo desde 1919. Em julho de 1934, como uma das conseqncias do assassnio de Dollfuss, Mr. Baldwin tinha asseverado que a fronteira da Gr-Bretanha estava no Reno. A ocupao alem da Rennia, seguida como foi do prolongamento do servio militar para dois anos e da inaugurao de um Plano Quatrienal nas linhas de uma economia de guerra, fez agora a Gr-Bretanha reconhecer que ela devia ter-se postado com todas as suas foras atrs dessa linha.

    Assim foi inaugurada a poltica dual que mais tarde foi definida por Lord Halifax. "Nossa primeira resoluo impedir a agresso. No momento, a doutrina da fora barra o caminho a um acordo. Mas se a doutrina da fora fosse abandonada, todas as questes relevantes seriam facilmente solvveis. A poltica britnica descansa sobre um duplo alicerce de propsitos. Um deles a nossa determinao de resistir fora. O outro o reconhecimento de nossa parte do desejo do mundo de prosseguir na obra construtiva da paz". As conversaes militares foram a expresso do primeiro propsito. O segundo foi corporificado nas tentativas britnicas de obter uma conferncia em que um novo Locarno ficasse estabelecido - tentativas que finalmente ruram como um resultado da guerra civil espanhola.

    O Eixo Roma-Berlim

    O significado vital da luta na Espanha foi vividamente resumido num memorando escrito pelo capito Liddell Hart ao ministrio da Guerra da Gr-Bretanha, em maro de 1938. "As pessoas que falam em evitar outra Grande Guerra" - asseverou ele - "j esto vinte meses atrasadas. A segunda Grande Guerra do sculo XX comeou em julho de 1936... A assistncia direta que a Itlia deu com a fora area e a assistncia indireta que a Alemanha deu com a fora naval, transportando as tropas de Franco da frica para a Espanha; foram as primeiras operaes da guerra atual... Que ns, neste pas, deixamos de ver essa "guerra em progresso" devido ao fato de ainda estarmos pensando politicamente, enquanto os Estados ditatoriais pensam militarmente".

    Fosse qual fosse a base de seu pensar, havia um pensamento grave e dominante na mente dos governos britnico e francs: o pensamento de evitar que a guerra espanhola se alastrasse e envolvesse a Europa. Com este propsito, eles advogaram uma poltica generalizada de no-interveno. Era uma poltica admirvel na teoria, mas o seu valor prtico foi anulado pela formal recusa da Alemanha e da Itlia de cumprir suas promessas. Procurando salvaguardar a paz, as democracias abstinham-se de agir, enquanto os ditadores mandavam homens e material para a Espanha. A poltica evitou uma guerra aberta, mas encurtou em muito o caminho para o conflito final, pois que a cooperao de Hitler e Mussolini conduziu ao eixo Roma-Berlim e ps um fim ao isolamento alemo.

    Uma aliana entre a Alemanha e a Itlia um dos objetivos essenciais contidos no Mein Kampf. Durante trs anos, as suspeitas italianas quanto s intenes alemes na ustria estiveram no caminho. Mas pelo ano de 1936, a Itlia desviou sua ateno do Danbio e concentrou-se no Mediterrneo. Os acontecimentos haviam mostrado quo teis essas duas potncias podiam ser uma outra. A recusa alem de participar das sanes contra a Itlia diminuiu grandemente a eficincia dessas sanes. A ao alem na Rennia impediu a continuao e endurecimento das sanes, fato que poderia ter tido as mais srias conseqncias. A Alemanha, por sua vez, tinha dado uma clara ilustrao da utilidade da Itlia como freio da Gr-Bretanha e da Frana. E agora os dois Estados estavam lutando lado a lado para esmagar o governo republicano da Espanha. E entre o entendimento a respeito da Espanha e a colaborao num mbito

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    europeu, ia apenas um passo.

    E, de fato, no comeo de 1936, haviam sido tomadas medidas nesse sentido. As visitas dos representantes oficiais comearam em maro, e, em julho, foram assinados acordos sobre comrcio e aviao. Em julho chegaram a um acordo sobre a ustria. O reconhecimento alemo da conquista da Etipia foi um gesto amigvel e bem recebido. A 25 de outubro, foi assinado um acordo que estabelecia a unidade de esforos na esfera diplomtica e a cooperao na Espanha e no Danbio. A 1o de novembro, em Milo, Mussolini proclamou a aproximao como "um eixo em torno do qual todos os Estados europeus animados pelo desejo da paz podem colaborar".

    A conseqncia imediata dessa colaborao foi o desaparecimento da ustria.

    A anexao da ustria

    A ascenso de Hitler ao poder fizera declinar o entusiasmo austraco por uma unio com a Alemanha, mas aumentara a presso nazista sobre a ustria, tanto no interior como no exterior. J em maio de 1933, correram boatos sobre um possvel golpe nazista. As organizaes nazistas andavam ativas dentro do pas; atravs da fronteira vinha uma torrente contnua de rdio-propaganda e injrias; importante fonte de renda foi aniquilada com a taxao em mil marcos dos "vistos" aos turistas alemes que se destinavam ustria; uma "Legio Austraca" de refugiados nazistas foi formada em solo alemo. A ustria logo sentiu a necessidade de uma proteo substancial contra a sua agressiva vizinha.

    Pelo ano de 1934, os apelos do chanceler Dollfuss causaram alguma impresso entre as potncias. A 17 de fevereiro, a Frana, Itlia e Gr-Bretanha anunciaram terem chegado a um "comum ponto de vista quanto necessidade de manter-se a independncia e integridade da ustria, em conformidade com os seus tratados pertinentes ao caso." Mas era preciso algo mais que a manifestao de pontos de vista. Em maro, uma srie de acordos entre a ustria, Hungria e Itlia, materializados no protocolo romano de colaborao econmica e poltica, mostrou que Dollfuss se tinha lanado nos braos de Mussolini.

    Os protocolos deixaram de salvar o prprio Dollfuss, mas, provavelmente para o momento, salvaram a ustria. Em julho, uma tentativa de levante nazista resultou no assassnio de Dollfuss, mas fracassou na deposio do governo; e a pronta concentrao de tropas italianas na fronteira foi uma advertncia eficaz a Hitler para que no interferisse. O acontecimento de algum modo aumentou a preocupao da Frana e da Gr-Bretanha pela liberdade austraca. A 27 de setembro estas duas potncias e a Itlia reafirmaram a sua declarao do ms de fevereiro anterior. Em janeiro de 1935, a Frana e a Itlia prometeram consultar-se no caso de ameaa independncia austraca. A 3 de fevereiro, a Gr-Bretanha concordou com unir-se a tais consultas. O compromisso foi reafirmado em Stresa, em abril. E em maro de 1936, a reafirmao dos protocolos de Roma pareceu uma garantia do apoio de Mussolini.

    Na verdade, entretanto, a desabrochante amizade entre Hitler e Mussolini j tinha amortecido os zelos deste com relao independncia austraca. Mussolini estava agora ansioso por ver a ustria em paz com a Alemanha, mesmo que fosse ao preo de concesses. Em conseqncia, o chanceler Schusschnigg, que sucedeu a Dollfuss, sentiu-se na obrigao de concluir o acordo austro-alemo de 11 de julho de 1936. Neste, Hitler reconheceu "a plena soberania do Estado Federal Austraco"; mas a vaga promessa da ustria de, em troca, reconhecer que era um Estado germnico, e agir nessa conformidade, encerrou possibilidades suficientemente alarmantes para aqueles que confiavam na continuao de sua independncia.

    Tambm aqui havia a questo de at onde as promessas de Hitler mereciam crdito. Na primavera de 1933 ele dissera que no nutria o pensamento de invadir pas algum. No seu discurso de 21 de maio de 1935, asseverara: "A Alemanha no pretende, nem deseja interferir nos negcios internos da ustria, anexar a ustria ou realizar um Anschluss." Quando da ocupao da Rennia, ele anunciara que a luta alem pela

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    igualdade estava concluda, e que "ns no temos exigncias territoriais a fazer na Europa." E ao compromisso especfico ustria em julho ele poderia ter acrescentado a sua garantia de 30 de janeiro de 1937 de que "j passou o perodo das chamadas surpresas."

    Mas contra essa resoluo apresentou-se a reiterada insistncia nazista em torno da unio de todos os alemes num s Reich. Na primeira pgina do Mein Kampf, Hitler tinha escrito: "A ustria germnica deve tornar grande ptria alem. . . Sangue comum pertence a um Reich comum". O problema era portanto saber em que palavras de Hitler acreditar; se nas faladas ou nas escritas. E neste, como na maioria dos casos, eram as pessoas que acreditavam no Mein Kampf que estavam com a razo.

    Dentro de um ano, a contar de suas ltimas garantias, Hitler se decidiu a marchar sobre a ustria. O general von Fritsch, chefe do exrcito alemo, e o baro von Neurath, ministro das Relaes Exteriores, opuseram-se a isso. Em fevereiro de 1938, eles foram afastados, como parte do expurgo geral nos postos mais altos. Uma vez mais, Hitler antepunha sua vontade opinio dos peritos que receavam que tal ato significasse a guerra.

    Os acontecimentos sucederam-se rapidamente. A 8 de fevereiro, o chanceler Schusschnigg foi convidado para uma entrevista com Hitler em Berchtesgaden, e quatro dias mais tarde, l comparecia. Esperava ele poder confundir Hitler com a apresentao de provas duma trama nazista que violou o acordo de 1936. Ao invs disto, foi submetido a crticas prenhes de ameaas. Sob a ameaa de invaso, Schusschnigg concordou com a remoo de restries contra o Partido Nazista e admisso de dois simpatizantes nazistas a postos ministeriais. Em troca, Hitler prometeu reafirmar a independncia da ustria.

    Tornou-se em breve evidente que isto era apenas o comeo. Em seu discurso de 20 de fevereiro Hitler proclamava em altos brados sua vontade de ser o protetor de todos os alemes, mas no assumiu nenhum compromisso especfico quanto liberdade austraca. Sentindo-se trado, Schusschingg decidiu agir com coragem e firmeza. Iniciou negociaes com os dirigentes da classe trabalhadora, cujas organizaes tinham sido desfeitas nos dias sangrentos de fevereiro de 1934; e anunciou um referendum para o dia 13 de maro sobre a questo da independncia austraca.

    Essa ltima medida precipitou a ao. Mussolini chamou-a de "uma arma que explodir em vossas mos." Hitler estava certo de que dessa vez no haveria tropas italianas no Passo do Brenner. Von Ribbentrop, em Londres, assegurava ao governo britnico que Hitler no tinha inteno alguma de atacar a ustria. A Frana, como um dos resultados da demisso do premier Chautemps, estava sem governo. Demonstraes nazistas irromperam na ustria. A imprensa alem clamou contra atrocidades austracas. Um ultimato expedido ao meio-dia de 11 de maro exigia que fosse revogada a convocao do plebiscito. As quatro da tarde, um segundo ultimato exigia a demisso de Schusschnigg s sete e trinta. A rejeio de qualquer um dos dois ultimatos significaria uma invaso alem. Afim de evitar corresse sangue, Schusschnigg capitulou. Um governo apressadamente formado por chefes nazistas convidou Hitler a mandar tropas ustria afim de preservar a ordem. Na manh do dia 12, a invaso comeou. No dia 13, a ustria era formalmente anexada. No dia 14, Hitler entrou triunfalmente em Viena, sua primeira conquista incruenta.

    Bastava somente dar uma olhadela ao mapa para se ver que a Tchecoslovquia seria a prxima.

    A crise de maio de 1938

    A prpria existncia da Tchecoslovquia era uma afronta para certos princpios fundamentais do credo nazista. Dentro das fronteiras desse Estado, principalmente na zona ocidental conhecida como regio dos sudetos, havia mais de trs milhes de habitantes de raa alem, os quais, com seus ancestrais, tinham estado ali durante sculos. At 1919, tinham sido sditos no da Alemanha, mas do imprio dos Habsburgos. Mas a idia da gente de sangue alemo viver sob o domnio eslavo, desafiou as doutrinas

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    raciais nazistas. A poltica de reunir todos os alemes num s Estado devia estender-se aos sudetos.

    Mas, alm da voz do sangue, havia o apelo do solo. A Tchecoslovquia apresentava-se como um formidvel obstculo ao programa nazista de expanso para o leste. Essa "fortaleza construda por Deus no corao da Europa", como a chamou Bismarck, estava reforada por obras modernas de defesa e guarnecida por um exrcito bem equipado. Mais que isto, ela estava de aliana com a Frana, e assim era um instrumento de possvel guerra em duas frentes. Tinha de ser isolada e esmagada, para que ficasse livre o caminho s ambies nazistas.

    Mas, acima de tudo, a Tchecoslovquia tinha entrado em relaes estreitas com a Rssia. Um tratado, concludo ao tempo da aliana franco-sovitica, previa assistncia mtua sob a condio de que tambm a Frana cumprisse as suas obrigaes. A idia de que um pequeno Estado vizinho tenha aceito auxlio bolchevista contribuiu para enfurecer os nazistas. Mais e mais a Rssia estava sendo apresentada ao povo alemo como seu inimigo mortal, e os esplios a serem ganhos da Rssia eram acenados, sedutores, diante de seus olhos. Os atos da reunio de Nuremberg em setembro de 1936 tinham sido compostos na maioria de diatribes contra as Sovietes. Hitler declarara: "Se tivssemos os montes Urais com o seu incalculvel depsito de tesouros em matrias-primas, a Sibria com as vastas florestas e a Ucrnia com os tremendos campos de trigo, a Alemanha sob a direo nacional-socialista nadaria em fartura".

    Essa hostilidade ao bolchevismo tomou forma no pacto Anti-Comintern, firmado pela Alemanha e Japo em novembro de 1936. Embora dirigido contra a comunismo mais que Rssia especificamente, a sua promessa de tomar severas medidas contra as atividades comunistas "internas ou externas" no deixava nem um pouco de ser ameaadora, apesar de seu carter vago. A Itlia aderiu ao acordo em 1937; a Espanha, Hungria e Manchukuo apuseram-lhe mais tarde as assinaturas. Em contraste com esses aliados na luta, a Tchecoslovquia se apresentava a Hitler como um Estado que estava sendo "usado pelo bolchevismo como o ponto de ingresso. No fomos ns que procuramos um contacto com o bolchevismo, mas o bolchevismo usou esse Estado para abrir um canal para a Europa central". Rumores de avies e bases russos em solo tcheco foram usados para emprestar apoio a essa acusao. A idia de que a Tchecoslovquia era um instrumento ao ataque russo Alemanha, foi facilmente estendida crena de que os prprios tchecos eram bolchevistas.

    Quando a ustria foi anexada, a Alemanha dera garantias de que no tinha desgnio algum referente Tchecoslovquia. Tornou-se claro, pouco depois, que essa promessa tinha mais ou menos o mesmo valor que os anteriores compromissos nazistas. A ttica j usada contra a ustria foi novamente posta em prtica. Uma torrente de insultos foi dirigida pelas autoridades e pela imprensa da Alemanha contra os tchecos e seus lderes. Acusaes precipitadas de atrocidades tchecas foram espalhadas pelo rdio. Fomentou-se o descontentamento interno entre eslovacos e alemes; e entre estes o instrumento foi o Partido alemo dos Sudetos, chefiado por Konrad Henlein.

    Esse grupo tinha conseguido nova proeminncia em conseqncia da depresso e da subida de Hitler ao poder. De 1933 em diante, recebeu ele cada vez maior apoio do Estado alemo. Suas exigncias, contudo, na ocasio limitavam-se a uma maior liberdade dentro da Tchecoslovquia. Autonomia e no anexao, era a sua reivindicao oficial at as vsperas do Munique.

    A anexao da ustria encorajou Henlein para um novo gesto de atrevimento. A 25 de abril de 1936, o seu programa de Carlsbad continha a reivindicao da quase completa independncia para todos os alemes dentro do Estado, numa base que os entregava praticamente direo de Hitler. Em maio, a organizao das tropas de assalto sudetas foi outro sinal de que se preparavam perturbaes.

    As potncias, e particularmente a Gr-Bretanha, estavam ainda relutantes em ir ao encontro dos acontecimentos. Cinco dias depois da conquista da ustria, a Rssia props uma conferncia em que fossem estudados os meios de impedir nova agresso. A Gr-Bretanha considerou-a prematura e recusou-

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    se a assumir novos compromissos na Europa oriental. A proposta sovitica, disse Chamberlain a 24 de maro, "envolvia menos a consulta com um ponto de vista a ser assentado do que o concertar de ao contra uma eventualidade que ainda no se apresentara." Mas, recusando quaisquer garantias antecipadas, ele aduziu advertncia: "Onde paz ou guerra esto em jogo, obrigaes legais no ficam envolvidas, e se a guerra rebentasse certamente no ficaria confinada queles que assumiram tais obrigaes". Em outras palavras, embora a Gr-Bretanha no prometesse adeso, tambm no prometeu ficar de lado.

    A extenso do perigo ficou demonstrada na crise que culminou a 21 de maio. As eleies municipais tchecas estavam marcadas para 22 de maio. No dia 19 chegou a notcia da concentrao de onze divises alemes na fronteira. Aos pedidos ingleses de informaes, a Alemanha respondeu que os movimentos de tropa eram "rotina". Mas um incidente ocorrido na fronteira e a recusa de Henlein de continuar as negociaes que haviam sido realizadas com o governo, convenceu os tchecos de que uma invaso estava em projeto. Na sexta-feira, 21 de maio, guarneceram suas fortificaes fronteirias e apelaram para a Gr-Bretanha e a Frana. O governo francs prometeu ficar ao lado dos tchecos. A Gr-Bretanha concordou em vir em apoio da Frana. A ao francesa tambm atrairia a Rssia. Na segunda-feira a crise tinha passado, com a negativa indignada da Alemanha de que tivesse quaisquer desgnios em relao Tchecoslovquia, e deciso de Henlein de reabrir as negociaes com o premier Hodza.

    O Pacto de Munique

    Mas isso serviu apenas para diminuir temporariamente a tenso. A questo sudeta tinha levado a Europa beira de uma conflagrao geral. O ponto de vista britnico exigia urgentemente uma nova tentativa de "consulta para um acordo", antes que nova crise tornasse a guerra inevitvel. A Frana estava igualmente ansiosa por uma soluo pacfica. Uma sugesto alem de que as quatro potncias ocidentais "arbitrassem" a questo foi rejeitada a 22 de julho. Mas os tchecos sofriam presso no sentido de fazerem as maiores concesses possveis aos sudetos; e a 4 de agosto, no papel de "investigador e mediador", Lord Runciman chegou a Praga.

    A situao nas seis semanas seguintes caracterizou-se pelo aumento das concesses tchecas e por uma agressividade cada vez maior por parte dos nazistas. A 5 de setembro, foi apresentado um plano liberal, que dava aos sudetos alemes autonomia local e plena participao no governo central. Mas a esse tempo a imprensa alem estava publicando clamorosas histrias de atrocidades e denunciando os tchecos como mentirosos, torturadores e assassinos que queriam chapinhar em sangue alemo, e as desordens provocadas por alemes pareciam aplainar o caminho para uma interveno.

    "Estamos convictos" - disse Sir John Simon a 27 de agosto - "de que com boa vontade de todos ser possvel encontrar-se uma soluo que satisfaa todos os interesses legtimos". Mas a Alemanha estava resolvida a obter uma soluo de acordo com o seu ponto de vista, mesmo ao risco de guerra. A fase final foi inaugurada pelo discurso de Hitler em Nuremberg, a 12 de setembro de 1938. O Estado nazista, bradou ele, estava rodeado de conspiradores, desde democratas at bolchevistas. Os sudetos alemes estavam sendo tratados como animais ferozes. A Alemanha no se submeteria a um tratamento assim. Desde maio que os alemes apressavam a concluso de suas obras fortificadas no oeste. "No mais estou disposto, em circunstncia alguma, a encarar com intrmina tranqilidade o prosseguimento da opresso dos compatriotas alemes na Tchecoslovquia".

    O discurso foi o sinal para distrbios na regio dos sudetos. Segundo parecia, esperava-se que o exrcito alemo atravessasse de uma vez a fronteira. Mas no houve invaso, e a polcia tcheca logo restaurou a ordem. A 15 de setembro, Henlein pela primeira vez exigiu claramente a anexao. O governo tcheco respondeu ordenando a sua priso, e ele fugiu para a Alemanha. Apesar das ameaas de Hitler, Praga se manteve firme.

    Era preciso saber-se, contudo, se uma atitude firme no fez seno aumentar o perigo da guerra. A 14 de

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    setembro, o premier Chamberlain decidiu-se a uma tentativa pessoal de chegar a um acordo com Hitler. "Em vista da situao cada vez mais crtica" - telegrafou - "proponho avistar-me convosco com uma proposta tendente a encontrar uma soluo pacfica". No dia 15, ele chegou de avio e encontrou-se com Hitler em Berchtesgaden.

    Na entrevista que se seguiu, Chamberlain. descobriu que "a situao era muito mais aguda e muito mais premente do que eu tinha imaginado." Teve a impresso de que Hitler estava determinado a anexar a regio dos sudetos e estudava uma invaso imediata. O mximo que ele prometeria seria, caso a Gr-Bretanha aceitasse as suas exigncias, e se nada novo ocorresse para for-lo a uma ao, refrear-se de hostilidades ativas at Chamberlain ter tempo para consultar o seu gabinete. "No tenho dvida alguma" - disse mais tarde Chamberlain na Cmara dos Comuns - "de que somente a minha visita evitou uma invaso para a qual tudo tinha sido preparado".

    No dia 16, Lord Runciman comunicou a substncia do relatrio que mais tarde vasou numa carta ao primeiro ministro (a 21 de setembro). Nesse documento, ele acentuou que os tchecos tinham concordado com, praticamente, todas as exigncias de Henlein, e que pela maioria das recentes dificuldades a culpa deveria ser atribuda a Henlein e seus adeptos. Mas, prosseguiu, "h um perigo real, o perigo mesmo de uma guerra civil, na continuao deste estado de incertezas. Conseqentemente, h razes muito reais para uma poltica de imediata ao drstica." Essa ao, concluiu Lord Runciman, por um curioso processo de lgica, deveria consistir antes de tudo em satisfazer Henlein pela entrega da regio sudeta Alemanha.

    Havendo tomado tal deciso, o governo britnico entendeu-se com o premier e ministro dos Estrangeiros francs, que chegou a Londres no dia 19. O resultado foi a apresentao no dia seguinte ao governo tcheco de uma srie de exigncias cuja natureza era a de um ultimato. Essas exigncias incluam a transferncia de todas as zonas com mais de 50% de habitantes alemes; o ajuste da fronteira por uma comisso internacional; e a garantia das novas fronteiras por uma fiana internacional de que participariam a Gr-Bretanha e a Frana. Quando o governo tcheco protestou, e props arbitragem sob o tratado germano-tcheco de 1925, o Sr. Benes foi informado por uma mensagem enviada s 2,15 da madrugada de que a Gr-Bretanha e a Frana lhe recusariam o apoio se rejeitasse a proposta. No dia 21, os tchecos cederam, e no dia seguinte Chamberlain voou a Godesberg a fim de obter de Hitler um acordo final.

    Achou que Hitler ainda no estava satisfeito. Um novo memorando. acompanhado de um mapa, inclua exigncias de mais outras concesses, inclusive a imediata ocupao militar das zonas a serem cedidas. Esta ltima condio abria justamente as perspectivas de um choque armado que Chamberlain se esforava por evitar. Mas o seu protesto a Hitler obteve como resposta apenas demoradas invectivas contra os tchecos e a ameaa de ao imediata.

    Chamberlain voltou de Godesberg com a paz ainda na balana. As novas exigncias foram enviadas a Praga, com a observao de que "os governos francs e britnico no podem continuar a tomar a responsabilidade de aconselh-los a no mobilizar". Foi uma promessa implcita de apoio no caso de os tchecos, como quase estavam prontos a fazer, rejeitarem as exigncias. A rejeio e mobilizao tchecas seguiram-se de fato; e a 26 de setembro a promessa foi feita em definitivo, por uma declarao em Londres, de que se a Alemanha atacasse a Tchecoslovquia "o resultado imediato tem que ser a Frana dar-lhe assistncia e a Gr-Bretanha e a Rssia ficarem certamente ao lado da Frana".

    Hitler mostrou poucos sinais de recuo. Uma proposta para uma conferncia de potncias resultou em nada. A 26 de setembro, Hitler exigiu que a rendio se efetuasse at o dia 1o de outubro, e prometeu que "se este problema estiver solucionado, a Alemanha no ter mais problemas territoriais na Europa." Mais tarde foi informado de ter dito a Mussolini que tinha decidido comear a invaso a 28 de setembro. Duas mensagens do Presidente Roosevelt no conseguiram demov-lo dessa atitude. A frota britnica foi mobilizada. A Frana convocou reservas e guarneceu a Linha Maginot. Chamberlain apelou a Mussolini para que usasse sua influncia, e escreveu a Hitler: "Sinto que podeis obter todo o essencial sem guerra e

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    sem dilao." Mas tudo pareceu demonstrar que Hitler queria a guerra.

    A 28, a tenso desfez-se. Hitler convidou Chamberlain, Daladier e Mussolini a uma conferncia em Munique. No dia 30, pouco depois da meia noite, o acordo foi firmado. As zonas cedidas iriam ser ocupadas por escalas entre 1o e 10 de outubro. Uma comisso iria determinar as fronteiras e decidir em que zonas o plebiscito deveria realizar-se. Foram tomadas precaues quanto Hungria e Polnia. A Gr-Bretanha e a Frana renovaram suas promessas de garantia. Em adio, a Gr-Bretanha e a Alemanha firmaram uma declarao de que o acordo era "simblico do desejo dos nossos povos de nunca mais entrarem em guerra um contra o outro".

    Mesmo este tratado no conseguiu reprimir as exigncias hitlerianas. Ele acabou por tomar no somente as zonas da maioria alem, mas tambm as puramente tchecas. A comisso internacional de fronteiras fracassou em impedir a rapacidade alem. Uma fora para policiar as zonas em plebiscito foi organizada na Inglaterra e depois dissolvida. Nenhum plebiscito foi realizado. O tratado de garantias jamais foi observado. E no dia 19 de dezembro, Mr. Chamberlain disse a respeito do governo nazista: "Estou ainda espera de um sinal... de que eles esto prontos para dar a sua contribuio paz".

    Esse sinal nunca veio. A presso alem sobre o remanescente da Tchecoslovquia - reorganizada agora em um Estado federal - prosseguiu por meio de uma srie de exigncias econmicas e polticas. A 26 de setembro, Hitler dissera: "No estamos interessados em oprimir outros povos. No desejamos absolutamente ter outras nacionalidades entre ns... No momento em que a Tchecoslovquia tiver solvido seus outros problemas... o Estado tcheco no mais me interessa. No queremos mais tcheco algum."

    Em maro de 1939, Hitler anexou a Bomia e a Morvia e proclamou um protetorado sobre a Eslovquia.

    A absoro da Tchecoslovquia

    Os passos que conduziram a esta ao seguiram uma trilha agora tornada familiar - a de excitar desordens internas e violentas exigncias eslovacas de autonomia, a do desencadeamento de uma campanha na imprensa alem martelando sobre "sanguinrio terror tcheco" e "uma orgia de insolncia hussita", a da chamada do premier Hacha de Praga a Berlim e extorquindo-lhe um "pedido" de interveno por parte da Alemanha no momento em que as tropas nazistas j se achavam em movimento. Mas os fatores envolvidos eram novos; e quando Mr. Chamberlain assegurou que "a opinio pblica mundial recebeu um choque mais forte do que quaisquer outros que lhe tenham sido aplicados, mesmo pelo atual regime da Alemanha", expressou ele a percepo de que a poltica alem tinha entrado numa fase nova, em que os antigos mtodos no mais eram adequados.

    A primeira fase da poltica de Hitler culminou com a ocupao da Rennia em maro de 1936. Ligava-se remoo das restries internas que o Tratado de Versalhes tinha imposto Alemanha. Em 1938, na segunda fase, veio o ataque s fronteiras estabelecidas pelo tratado, sob a alegao de que elas violavam a "autodeterminao" e o direito de se unirem todos os alemes num s Estado. Mas nem a independncia nacional nem a unidade racial puderam ser apresentadas como motivos para novas anexaes. Estas se basearam numa reivindicao de mais terras, o que abriu uma perspectiva de expanso indefinida. "A Bomia e a Morvia" - disse Hitler na sua proclamao - "pertenceram por milhares de anos ao espao vital do povo alemo. A fora e a injustia separaram-nas arbitrariamente de seu antigo, histrico engaste... de conformidade com o princpio de autopreservao que o Reich est resolvido a intervir decisivamente para restabelecer as bases de uma razovel ordem centro-europia". Em tais bases seria fcil justificar-se uma tentativa alem de restabelecer o santo Imprio Romano em toda a Europa setentrional e oriental.

    Assim, toda a fantasiosa segurana que os pequenos Estados hauriam da crena de que Hitler queria apenas alemes no Reich desapareceu por completo. "Esses recentes acontecimentos" - disse Chamberlain

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    - tm feito, certa ou erradamente, com que todos os Estados adjacentes Alemanha se sentissem ansiosos e inseguros quanto s futuras intenes da Alemanha". A separao de Memel da Litunia, e sua anexao pela Alemanha, a 21 de maro, dificilmente deve ter aquietado essas emoes. Os Estados das regies do Danbio e dos Blcs olhavam interessados os novos acontecimentos. J um comrcio agressivo orientado pela Alemanha os impelira estreitamente ao sistema econmico nazista. Os esforos para uma completa dominao nazista, no somente econmica, mas poltica, pareciam exercer presso mais ativa que nunca. Isto ficou demonstrado pela informao de que a 17 de maro a Alemanha tinha apresentado um virtual ultimato Romnia, ultimato que teria colocado, se satisfeito, a vida econmica daquele pas sob completo controle alemo. A informao foi desmentida pela Alemanha, que mais tarde negociou um tratado de comrcio mais moderado com a Romnia. Mas os desmentidos alemes tinham agora deixado de influir sobre os governos europeus.

    A perspectiva de uma infinita expanso do controle alemo devia forosamente afetar a poltica das outras potncias, inclusive a da Gr-Bretanha. No auge da crise de Munique, Mr. Chamberlain tinha dito num discurso pelo rdio: "Sou um homem de paz at as profundezas da minha alma. O conflito armado entre naes um pesadelo para mim. Mas se eu estivesse convencido de que alguma nao tinha resolvido dominar o mundo pela ameaa da fora, acho que se deveria resistir." Agora, condenando as novas anexaes, ele perguntou significativamente: " este o fim de uma velha aventura, ou o comeo de uma nova? este o ltimo ataque a um pequeno Estado, ou ser ele seguido por outros? este, de fato, um passo na direo de uma tentativa para a dominao do mundo pela fora?"

    Parecia haver lugar muito pequeno para dvida sobre as respostas. Toda a base da conciliao e boa f sobre a qual se presumia que repousava o acordo de Munique tinha sido agora destruda. As garantias de Hitler, disse Chamberlain, tinham sido lanadas ao vento, e a confiana britnica estava completamente destruda. Fra claramente indicada uma nova base poltica britnica.

    A frente de paz

    A natureza dessa base foi definida por Lord Halifax no dia 20 de maro. "Se e quando se tornar evidente para os Estados que no h garantia visvel contra os sucessivos ataques dirigidos a todos os que possam parecer que esto no caminho dos planos ambiciosos de dominao, ento logo a concha da balana pender para o outro lado, e em todos os crculos ser da mesma forma imediatamente possvel encontrar-se mais disposio para considerar que a aceitao de mais largas obrigaes mtuas ditada pelas necessidades de autodefesa, mesmo que o no seja por outras razes."

    A poltica dual da Gr-Bretanha, de fato, mudou agora de natureza. Ela no foi abandonada, mas a nfase foi diretamente voltada ao avesso. At aqui o peso maior tinha sido posto na conciliao, com a perspectiva da resistncia mantida relutantemente em reserva, como ltimo e desesperado recurso. Agora estava claro que a resistncia era a primeira necessidade; mas ainda havia a esperana de que, quando a fora e determinao dessa resistncia fossem tornadas dominadoramente visveis, uma volta conciliao, com alguma perspectiva de sucesso, seria possvel.

    Um dos resultados foi a acelerao do rearmamento britnico. J prognosticada na primavera de 1935, a deciso definitiva tinha sido tomada em 1936; e em 1937 a verba de um milho e meio de libras para um perodo de cinco anos ficou decidida. J em fevereiro de 1939 era evidente que esta soma seria possivelmente ultrapassada. Os acontecimentos de maro trouxeram razes novas; e de 283.500.000 libras esterlinas do ano anterior, o oramento da defesa britnica subiu para 382.456.000 libras esterlinas, com aproximadamente 600.000.000 de libras esterlinas em projeto para o ano vindouro. As foras britnicas foram aumentadas no fim de maro. Em maio comearam com os Estados Unidos negociaes para a acumulao de uma reserva de matrias-primas. E no dia 27 de abril, o passo sem precedentes foi dado pela Gr-Bretanha quando ela anunciou a adoo do alistamento obrigatrio em tempo de paz. A nao

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    estava mobilizando suas foras para a emergncia vindoura.

    Entrementes, a frente unida franco-inglsa estava sendo firmemente consolidada. A 6 de fevereiro, seus compromissos mtuos foram confirmados por Chamberlain numa declarao de que todas as foras de cada um dos pases estariam disposio do outro em caso de guerra, e de que "a solidariedade dos interesses pelos quais a Frana e este pas esto unidos tal que qualquer ameaa aos interesses vitais da Frana, de onde quer que venha, deve determinar a imediata cooperao deste pas." O significado desta solidariedade foi demonstrado a 7 de maro, quando foram revelados os planos de uma fora expedicionria britnica de 19 divises - cerca de 300.000 homens. A adoo do alistamento obrigatrio foi outro sinal das intenes britnicas. Desde ento, a Gr-Bretanha e a Frana, em todas as questes de diplomacia, deviam ser compreendidas como agindo de perfeito acordo.

    A mais aguda questo diplomtica passava ento a ser a Polnia. Imediatamente depois de seus triunfos na Bomia e no Memel, Hitler voltou a sua ateno para a sua vizinha oriental. Exigiu ele o retorno da Cidade Livre de Dantzig, a cesso de uma faixa de terra para uma rodovia atravs do Corredor Polons e crescentes direitos para a minoria alem na Polnia. Os poloneses rejeitaram a exigncia, convocaram tropas e notificaram a Frana e a Inglaterra. A Frana j estava ligada Polnia por uma aliana. Agora, a Inglaterra se colocou a seu lado. A 31 de maro, Chamberlain declarou: "No caso em que o governo polons julgue de importncia vital resistir pela fora a uma ao que ameace a independncia da Polnia, o governo de Sua Majestade ver-se- na necessidade imediata de emprestar ao governo polons todo o apoio que estiver ao seu alcance".

    Este foi o comeo da frente de paz cuja finalidade era impedir nova agresso, se preciso pela fora. No ms seguinte, semelhantes garantias foram dadas Romnia e Grcia pela Frana e Gr-Bretanha, e um acordo de assistncia mtua no Mediterrneo foi firmado entre a Gr-Bretanha e a Turquia em maio. Estas garantias constituram para a poltica britnica iniciativas quase to revolucionrias como a conscrio. Mesmo desde a guerra, a Gr-Bretanha se tem recusado firmemente a aceitar acordos remotos e indefinidos na Europa central e oriental. Sua volta a esta poltica serviu para mostrar at que ponto ela estava resolvida a impedir a todo o custo a ameaa de dominao nazista sobre a Europa.

    Dantzig e a Polnia

    A resposta de Hitler foi caracterstica: repudiou um outro grupo de tratados. No seu discurso de 28 de abril, utilizou-se da garantia Polnia como desculpa para a denncia tanto da declarao de amizade que a Alemanha e a Inglaterra tinham feito em Munique como do tratado naval anglo-germnico de 1936. Isto era algo que a Inglaterra podia receber calmamente, como tinha recebido a declarao alem, em dezembro anterior, sobre a inteno de aumentar a fora submarina alem ap nvel da britnica. Mais sria foi a denncia do tratado de no agresso germano-polons de 1934. Tratava-se ento de um acordo concludo para um perodo de dez anos e ao qual Hitler estava habituado a referir-se com especial orgulho como sendo uma prova de seu desejo de paz. Em maio de 1935, ele dissera: "Reconhecemos o Estado polons como a ptria de uma grande nao patritica, com a compreenso e a cordial amizade de leais nacionalistas". Em fevereiro de 1938, ele disse que a compreenso "tinha conseguido remover todo o atrito entre a Alemanha e a Polnia e lhes possibilitado trabalhar juntas em verdadeira amizade." Em setembro seguinte, asseverou: "Estamos todos convencidos de que esse acordo resultar numa duradoura pacificao." Ainda em fins de janeiro de 1939, Herr von Ribbentrop disse no decurso de uma visita a Varsvia: "Posso assegurar aos alemes na Polnia que o acordo de 1934 ps um ponto final inimizade entre os nossos povos". Agora, em abril, Hitler desfez esse acordo sob a alegao de que ele havia sido violado pela garantia britnica e "portanto no mais est em vigor."

    A campanha contra a Polnia tomou agora uma intensidade familiar. A imprensa alem clamava contra os horrveis maus tratos infligidos aos alemes na Polnia e a intolervel provocao que a Polnia oferecia Alemanha. Herr Forster, lder dos nazistas de Dantzig, ia e voltava entre aquela cidade e a de Berlim de

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    uma maneira que lembrava a de Konrad Henlein. Os recursos de Hitler tornaram-se mais fortes em maio com a concluso de uma aliana militar com a Itlia, aliana pela qual uma estava ligada outra no caso de conflito armado. Verificaram-se expulses j de poloneses, j de alemes. "Turistas", lembrando de perto membros das tropas de assalto, passaram subitamente a visitar Dantzig em grande nmero. Armas eram contrabandeadas para a cidade em crescentes quantidades. Multiplicaram-se os choques internos na Polnia; um conflito ameaava irromper entre as autoridades de Dantzig e os guardas alfandegrios poloneses; tiroteios de fronteira acrescentaram a isto tudo um toque de mau agouro. "A Alemanha" - disse Hitler, depois de os acontecimentos terem servido ao seu trgico propsito - "estava determinada a acabar com essas condies macednicas em sua prpria fronteira, e, mais ainda, fazer isto no somente no interesse da ordem, mas tambm no interesse da paz europia".

    A Gr-Bretanha, nesse nterim, nos esforos para completar a frente de paz, abriu negociaes com a Rssia.

    As negociaes com a Rssia

    A 18 de maro, o governo britnico perguntou o que o governo sovitico faria no caso de um ataque no provocado Romnia. A Rssia respondeu com a sugesto de uma conferncia internacional para considerar a questo da agresso alem. Com uma singular escolha de adjetivos, o governo britnico considerou tal proposta como sendo prematura; mas em seguida a uma conferncia com o presidente francs em Londres, a 21 de maro, a Gr-Bretanha se decidiu a sugerir que a Frana, a Polnia e a Rssia formassem a seu lado e fizessem uma declarao que inclusse um compromisso de consultas no caso de nova agresso. Com a deciso de garantir a Polnia e os outros Estados, tornou-se urgentemente desejvel um acordo mais estreito e numa base mais positiva de ao com a Rssia. J num discurso sobre a poltica exterior, a 10 de maro, Stalin dissera: "Apoiamos em sua luta pela independncia os povos que se tornaram vitimas de agresso." Parecia agora haver em ambos os lados, a esperana de alcanar um acordo.

    As razes completas do esboroamento daquelas esperanas somente sero conhecidas quando se dispuser de um relatrio minucioso das negociaes. Um fator, entretanto, logo se tornou claro. O governo sovitico desejava estender aos Estados Blticos uma garantia articulada que os protegesse de agresses tanto indiretas como abertas. Os Estados blticos, por sua vez, recusaram ruidosamente qualquer assistncia no solicitada, particularmente da Rssia. A Gr-Bretanha procurou obter algum arranjo que implicasse em compromissos. "Espero que seja possvel agora" - disse Chamberlain a 7 de junho - "sugerir-se uma frmula aceitvel aos trs governos que, enquanto consideram os direitos e interesses de outros Estados, asseguram cooperao entre esses Estados para a resistncia contra a agresso". As conversaes continuavam a arrastar-se. A impacincia sovitica se manifestara na substituio de Litvinov por Molotov como ministro do Exterior. A 12 de junho, Mr. William Strang, um funcionrio do Foreign Office, seguiu para Moscou com novas propostas. A 31 de julho, com as dificuldades ainda no resolvidas, a Gr-Bretanha e a Frana se decidiram a enviar uma misso militar a Moscou. Mas pelos meados de agosto a questo ainda estava em ponto morto e a crise chegou a uma nova e final fase.

    No dia 16 de agosto, enquanto a mobilizao dos exrcitos europeus, pela terceira vez num ano, adiantava-se bastante, a Alemanha anunciou uma nova srie de exigncias que implicavam na anexao tanto do Corredor Polons como de Dantzig. No mesmo dia, o embaixador britnico em Berlim informou ter tido uma conversao com o secretrio de Estado, baro von Weizsacker. "Ele pareceu muito confiante e expressou a crena de que a assistncia russa Polnia no s seria inteiramente negligente, mas que a URSS no fim at se uniria partilha dos despojos poloneses. Nem mesmo a minha insistncia sobre a inevitabilidade da interveno britnica pareceu preocup-lo." No dia 18, tropas alemes ocuparam a Eslovquia e comearam a concentrar-se na fronteira meridional da Polnia. A 19, um tratado comercial russo-germnico foi firmado. A 21, os dois pases anunciaram a deciso de concluir um pacto de no-

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    agresso.

    A Alemanha e a Rssia, na verdade, j tinham um pacto de no-agresso desde 1926. Mas em vista das perseguies de Hitler ao comunismo, ele foi considerado por ambos os lados como letra morta. A declarao do novo acordo, particularmente nesse tempo, atribuiu-lhe uma vital importncia; e o verdadeiro pacto, datado de 23 de agosto, era muito mais especfico e obrigatrio que o primeiro. Mostrava claramente a vontade de Hitler de eliminar a Rssia como preldio de uma definitiva ao contra a Polnia.

    A vinda da guerra

    Se esperava que a Gr-Bretanha e a Frana recuassem, Hitler errou por completo. O primeiro resultado foi a reafirmao das garantias Polnia e sua incorporao dessas num tratado definitivo. A Frana convocou novas reservas. A Gr-Bretanha tornou clara a sua posio numa nota dirigida Alemanha a 22 de agosto:

    Tem sido alegado que se o governo de Sua Majestade tivesse tornado a sua posio mais clara em 1914, uma grande catstrofe teria sido evitada. Haja ou no verdade nesta alegao, o governo de Sua Majestade est resolvido a que nesta ocasio no surja to trgico erro de interpretao. Se vier o caso, ele est decidido e preparado para empregar, sem delongas, todas as foras sob o seu comando, e impossvel prever-se o fim das hostilidades uma vez iniciadas.

    Esta advertncia foi acompanhada, contudo, da solicitao de uma trgua e de diretas negociaes entre a Polnia e a Alemanha, com uma oferta de cooperao britnica para a consecuo de um acordo. O pedido foi vasado numa mensagem pessoal de Chamberlain a Hitler e a qual foi levada de avio a Berlim por Sir Neville Henderson. Obteve uma recepo tempestuosa, mas a resposta que recebeu foi intransigente. Dantzig e o Corredor eram interesses a que a Alemanha no podia renunciar. As aes britnicas haviam encorajado a a