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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E
EXTENSÃO
MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO LOCAL
Dilma Dutra Borges de Castro
A TECNOLOGIA DIGITAL NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO: uma experiência no município de Araxá
Belo Horizonte
2010
Dilma Dutra Borges de Castro
A TECNOLOGIA DIGITAL NO PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO:
uma experiência no município de Araxá
Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão
Social, Educação e Desenvolvimento Local do
Centro Universitário UNA, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre.
Área de concentração: Inovações Sociais
Educação e Desenvolvimento Local.
Linha de pesquisa: Processos Educacionais,
Tecnologias Sociais e Gestão do
Desenvolvimento Local.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosalina Batista
Braga
Belo Horizonte
2010
Ficha catalográfica desenvolvida pela Biblioteca UNA campus Guajajaras.
C355t Castro, Dilma Dutra Borges de
A tecnologia digital no processo de escolarização: uma experiência no município
de Araxá / Dilma Dutra Borges de Castro. – 2010.
158f.: il.
Orientador: Prof.ª Dr.ª Rosalina Batista Braga
Dissertação (Mestrado) - Centro Universitário UNA 2010. Programa de
Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.
Bibliografia f. 141 - 146
1. Inclusão digital – Aprendizagem – Pesquisa. 2. Tecnologia - digital.
I. Braga, Rosalina Batista. II. Centro Universitário UNA. III. Título.
CDU: 658.114.8
São muitos aqueles que colaboraram e estiveram ao meu lado de modo singular,
tornando possível este momento significativo da minha história de vida.
Deus, que dirigiu todas as condições, criou oportunidades, capacitou-me em todos os
momentos e desafios e possibilitou, na fé e no conhecimento dele, todas as respostas que
a ciência não pode dar.
Professores do Curso de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento
Local, que me desafiaram a uma formação interdisciplinar e com toda competência
foram exemplo de responsabilidade, ousadia e criatividade no processo de
aprendizagem.
Rosalina Batista Braga, orientadora incansável, com alegria e disposição incentivou
minha caminhada como pesquisadora, mantendo um clima de confiança e exigência tão
importantes na produção do conhecimento. Que aprendizado!
Professor Frederico Luiz Barbosa de Melo, presente no exame de qualificação e na
banca examinadora, deixando marcas de sua disponibilidade, da simplicidade e da
crítica enriquecedora.
Professor Bernardo Alves Furtado, parceiro na qualificação, firme nos seus
posicionamentos, oportuno nas suas avaliações.
Gestores da Secretaria de Educação de Araxá, Diretora, Supervisoras, professoras e
estudantes da Escola Municipal Leonilda Montandon – CAIC, atores do cenário desta
pesquisa, que me acolheram com profissionalismo, disponibilidade, afetividade e
cooperação. São aliados valorosos desse investimento, me ensinando em todo o tempo de
convivência, o otimismo e a perseverança na luta por uma educação pública de
qualidade.
Aos colegas do Mestrado, a troca de conhecimentos, os confrontos de idéias, o encontro,
o aprendizado coletivo, a solidariedade constante, as amizades construídas. Que prazer!
Meus pais e irmãs, presença constante e participação preciosa em tudo que faço.
Meu esposo, Murilo, exemplo de idealismo e realização, companheiro, amigo, apoio
constante nas minhas empreitadas.
Meus filhos, com quem exercitei a partilha dos espaços e da experiência do aprendizado,
dos bons desafios.
RESUMO
CASTRO, Dilma Dutra B. A Ttecnologia Digital no Processo de Escolarização: uma
experiência no município de Araxá. 2010. 1.....p. Dissertação Mestrado. Centro Universitário
UMA, Belo Horizonte, Minas Gerais, 2010.
Este trabalho apresenta o desenvolvimento da pesquisa que relaciona inclusão digital e
processo de escolarização. Levanta a problemática existente nas escolas públicas que com
poucos recursos e conhecimentos pedagógicos dispõem-se com ou sem apoio a introduzirem
o computador na escola. Dentre as muitas realidades deste contexto, selecionou-se aquela em
que o uso da tecnologia digital já foi incorporado no cotidiano escolar. Sendo assim, avalia a
ressonância da Internet na escolarização de alunos considerados infoincluídos, compreendidos
como aqueles que colocam sua capacidade de pensar, refletir e criticar para produzir
conhecimento significativo. É, portanto um sujeito ativo, com acesso intelectual e não mero
expectador. Este processo exige envolvimento do sujeito com as linguagens digitais e muita
articulação com as situações vivenciadas no cotidiano escolar. Especificamente avalia a
relação dos estudantes com o saber e identifica as mudanças nas relações com as disciplinas e
nas práticas escolares. A abordagem da pesquisa é qualitativa, compondo estudos
interpretativos que procuram compreender a complexidade e a especificidade da realidade
selecionada. Como procedimentos e instrumentos de coleta de dados optou-se por: entrevistas
semiestruturadas com diretor, supervisor, professores e estudantes; a análise de documentos
produzidos pelos estudantes como ―blogs‖, avaliações dos professores e a utilização de grupo
focal com os estudantes de 8º e 9º anos, do Ensino Fundamental. Verificou-se que as
tecnologias digitais estão impulsionando transformações significativas na prática pedagógica,
na relação dos estudantes com a escola e com o saber. Neste contexto, a curiosidade
potencializa o processo de aprendizagem e a pesquisa media essa nova relação com o saber,
desencadeando o avanço nas habilidades de leitura e escrita, a confiança da capacidade de
aprender, e relacionar o aprendizado com a vida pessoal e o futuro profissional. Entretanto,
põe em evidência a necessidade de cuidar para que os estudantes apropriem-se de saberes
socialmente relevantes das disciplinas escolares, pois não se sabe até que ponto os saberes de
interesse dos alunos viabilizam o acesso aos conceitos científicos que estruturam as
disciplinas escolares. Notou-se que, nos processos interativos, há uma tendência à
individualização e uma perda de primazia do coletivo, que merece consideração, uma vez que
o trabalho coletivo é essencial no cumprimento da função social da escola.
Palavras-chave: tecnologia digital, escolarização, pesquisa, curiosidade, saberes socialmente
relevantes.
ABSTRACT
CASTRO, Dilma Dutra B.de. Digital Technology in the Schooling Process: na
experience in Araxá. 2010. .....p. Master Theses. UNA University Center. Belo
Horizonte, Minas Gerais, 2010.
This paper presents the development of research that links digital inclusion and the
learning process. Raises the problems in the public schools with few resources and
pedagogical knowledge is available with or without support to introduce the computer
at school. Among the many realities of this context, we selected one in which the use
of digital technology has been incorporated into the school routine. Thus, evaluating
the resonance of the Internet in education of students considered infoincluídos,
understood as those who put their ability to think, reflect and criticize knowledge to
produce meaningful. It is therefore an active subject, with access rights and not mere
spectator. This process requires the involvement of the subject with the digital
languages and a lot of coordination with the situations experienced in daily school life.
Specifically assess the relationship of students with the knowledge and identifies the
changes in relations with the disciplines and school practices. The research approach is
qualitative, interpretive writing studies that seek to understand the complexity and
specificity of reality selected. As procedures and instruments for data collection was
chosen: Semi-structured interviews with director, supervisor, teachers and students, the
analysis of documents produced by students as blogs, ratings of teachers and the use of
focus groups with students in 8th and 9th grade of elementary school. It was found that
digital technologies are driving significant changes in pedagogical practice, the ratio of
students to the school and with knowledge. In this context curiosity enhances the
learning process and rating research this new relationship with knowledge, triggering
the advancement in the abilities of reading and writing, the trust's ability to learn, and
relate learning with the personal and professional future. However, highlights the need
to care for students to take ownership of socially relevant knowledge of school
subjects, it is not known to what extent the knowledge of interest to enable students
access to scientific concepts that structure the school subjects. It was noted that the
interactive processes is a trend to individualization and a loss of primacy of the
collective that deserves consideration, since the collective work is essential in meeting
the social function of schools.
Keywords: digital technology, education, research, curiosity, socially relevant
knowledge.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACOT- Apple Classrooms of Tomorrow
BDD- Banco de Dados Distribuidos
CMC- Comunicação Mediada por Computador
EAD- Educação à Distância
IDEB- Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
NT- Novas Tecnologias
ONG- Organização Não Governamental
PDE- Plano Decenal de Educação
PNE- Plano Nacional de Educação
PROINFO- Programa Nacional de Tecnologia Educacional
TIC- Tecnologias da Informação e Comunicação
WWW- World Wide Web
SUMÁRIO
1
1.1
1.2
1.3
INTRODUÇÃO.................................................................................
O cenário educacional e as tecnologias digitais..................................
O contexto do programa de inclusão digital........................................
Delineamento da pesquisa...................................................................
11
13
17
22
2
2.1
3
3.1
3.2
4
4.1
4.1.1
4.1.2
4.2
REVISÃO DA LITERATURA........................................................
AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA
COMUNICAÇÃO E A EDUCAÇÃO..............................................
Experiências educacionais no uso da tecnologia digital......................
A CIBERCULTURA E OS NOVOS DESAFIOS DA RELAÇÃO
COM O SABER.................................................................................
Questões conceituais envolvidas na relação com o saber...................
As linguagens das tecnologias digitais................................................
A TECNOLOGIA DIGITAL E O CONHECIMENTO NO
CONTEXTO DA ESCOLARIZAÇÃO
CONTEMPORÂNEA.........................................................................
Desafios da escolarização atual..........................................................
A complexificação da escola a partir da mudança na esfera do
conhecimento......................................................................................
A complexificação da escola em consequência da
universalização....................................................................................
A caminha histórica do conhecimento e suas implicações para a
escola contemporânea.........................................................................
25
25
32
37
42
47
51
51
52
57
59
5
5.1
5.1.1
5.1.2
5.1.3
REFERENCIAIS METODOLÓGICOS E INSTRUMENTOS
DE INVESTIGAÇÃO.......................................................................
Procedimentos e instrumentos de coleta de dados..............................
A análise de documentos....................................................................
As entrevistas......................................................................................
Utilização de grupos focais.................................................................
68
70
71
73
74
6
6.1
6.1.1
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS..........................
Estudantes infoincluídos e sua relação com o saber..........................
A curiosidade como elemento potencializador do processo de
76
76
6.1.2
6.2
6.3
6.3.1
6.4
aprendizagem......................................................................................
A pesquisa e a Internet como instrumento mediador de uma nova
relação com o saber e como mediadora da construção de capital
social...................................................................................................
Relação dos estudantes com as disciplinas escolares.......................
A mudança no interior da escola........................................................
Possíveis diálogos com o processo de mudança na escola.................
Mudanças nas relações dos alunos entre si e com os professores a
partir da introdução do computador na rotina escolar........................
77
81
95
108
111
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................
Introdução às Premissas para evolução da maturidade na
implementação de políticas públicas de inclusão
digital..................................................................................................
Premissas para evolução da maturidade na implementação de
políticas públicas de inclusão digital................................................
Níveis avaliativos da maturidade em políticas públicas de
inclusão digital...................................................................................
123
131
132
140
REFERÊNCIAS................................................................................
141
APÊNDICES......................................................................................
147
ANEXOS.............................................................................................
150
11
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como tema a relação entre inclusão digital e processo de escolarização.
Trata especificamente, de avaliar o impacto da utilização da internet na escolarização de
alunos infoincluídos. Entende-se infoincluídos como um nível de apropriação informacional
intermediário entre o mais elementar, que seria o simples acesso aos meios tecnológicos, às
suas ferramentas e instrumentos, e um nível qualificadamente superior que supõe mais que o
desenvolvimento de habilidades, requer a construção de conhecimentos e valores, significa
uma nova postura do sujeito, visto como ator social e cidadão. Enquanto o iniciante nesta
apropriação da informação faz um uso, praticamente, mecânico, sendo apenas um usuário, o
estudante infoincluído seria o indivíduo ativo, conhecedor, que tem potencialidade para
construir conhecimentos a partir das informações que encontra. (FERREIRA; DUDZIAK,
2004)
Os alunos, aqui referidos, já têm condições técnicas de colocarem em processo de
relacionamento com as Tecnologias da Informação e da Comunicação – TICs – a sua
capacidade de pensar, refletir e criticar para produzir conhecimento significativo. O nível de
interatividade não está restrito ao uso manual e reativo aos estímulos da máquina e softwares,
mas ocorre em situações de envolvimento intelectual, com trocas de informações qualitativas
para elaboração de conhecimentos relacionados aos saberes escolares em correspondência às
necessidades de saberes pessoais. Esse processo de transformação da informação em
conhecimento não se dá de forma espontânea. ―A elaboração do conhecimento revela uma
dimensão fortemente comprometida com o trabalho e com a persistência do sujeito
cognitivo.‖(PAIS, 2008, p. 60) Exige, portanto, um envolvimento arrojado do sujeito com as
linguagens que empregam o conhecimento, no caso, as tecnologias digitais e muita
articulação com as situações vivenciadas no seu cotidiano. Percebeu-se que estas condições
influenciam-no a continuar aprendendo e desenvolvendo habilidades que podem ocasionar
diferenças qualitativas em sua vida escolar. Especialmente no desenvolvimento de atitudes e
posicionamentos pessoais, incluindo a autoconfiança, autonomia, responsabilidade,
pensamento crítico, cooperação, enfim competências que estimulam a solução dos problemas
do seu cotidiano escolar.
Pela ótica da ciência da informação, a inclusão digital supõe, inicialmente, o acesso à
informação dos meios digitais para em seguida assimilar e reconstruir um novo conhecimento,
12
de modo a oportunizar melhoria na qualidade de vida das pessoas. Desta forma, promove-se a
aprendizagem no uso das TICs, e ao mesmo tempo, o acesso às informações disponíveis nas
redes, constituindo-se como uma diferença na vida dessas pessoas e, consequentemente, da
comunidade em que estão inseridas. (SILVA; JAMBEIRO; LIMA; BRANDÃO, 2005)
Uma educação para os tempos digitais deve comprometer-se com a formação de uma cultura
informacional. Neste contexto, alguns conceitos entrelaçam-se para ampliar sua compreensão:
o alfabetismo informacional e a cidadania. Nos embates conceituais presentes na literatura, a
alfabetização e letramento distinguem-se e aproximam-se, revelando que pessoas
alfabetizadas nem sempre são letradas, pois sabem codificar e decodificar mensagens escritas,
entretanto não aprenderam a argumentar, produzir um texto formal, interpretar um gráfico,
entre outros. O letramento diz respeito ao ―conjunto de práticas sociais que usam a escrita,
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos‖. (KLEIMAN
apud COLELLO, 2006, p.2) Sendo o seu surgimento, um atestado da necessidade deste
conhecimento, como uma condição para a conquista da cidadania.
Aplicado ao contexto digital, significa que não basta dominar o código escrito, ou saber usar o
teclado e programas, mas saber realizar práticas sociais mediadas por computadores. Assim, o
letramento digital está relacionado à competência de ―saber utilizar as TICs, acessar
informações por meio delas, compreendê-las, utilizá-las, e com isso, mudar o estoque
cognitivo e a consciência crítica, e agir de forma positiva na vida pessoal e coletiva.‖ (SILVA;
JAMEIRO; LIMA; BRANDÃO, 2005, p. 33)
Esse conceito reforça a idéia de que no nível elementar, o simples acesso à infraestrutura
tecnológica é um início, mas não é o bastante para que se opere a alfabetização informacional.
Esta competência, desenvolvida pelos infoincluídos, é que dá condições a eles de
encontrarem, organizarem, avaliarem e usarem a informação de forma eficaz, para solucionar
problemas. A forma mais qualificada deste processo, portanto, relaciona a alfabetização
informacional com a construção da cidadania, compreendendo como aliados dos
conhecimentos, a noção de valores da vida coletiva.
Nesse sentido, a educação para a informação, no contexto da inclusão digital, vem
ganhando importância como objeto de pesquisa emergente, vista como uma competência
13
essencial para o século XXI. (SILVA; JAMEIRO; LIMA; BRANDÃO, 2005) Esta pesquisa
insere-se no cerne desta questão, pois tem o olhar dirigido para a relação entre o processo de
escolarização e o uso qualificado das TICs na escola.
1. O cenário educacional e as tecnologias digitais
Com o objetivo de melhor posicionar a situação dos estudantes de Ensino Fundamental
incluídos digitalmente, e tecer uma clara compreensão da relevância desta pesquisa, que neste
momento, adianta-se na análise de um contexto ainda distante, no tempo, para a maioria das
escolas públicas, buscou-se representar um pequeno panorama da inclusão do computador no
cenário das escolas de Ensino Fundamental.
O Plano Nacional de Educação – PNE – um instrumento de gestão que prescreve um conjunto
de ações prioritárias ―para assegurar ao País, como um todo, nos próximos anos, cenários
educativos compatíveis com os desafios que ele enfrenta‖ (SAVIANI, 2008, p.200) deve ser
citado no início destas considerações. Esse documento expõe a necessidade de elevar,
gradativamente, a escolaridade da população brasileira, de modo a garantir o compromisso
constitucional de universalização do Ensino Fundamental e a erradicação do analfabetismo.
As metas propostas no PNE são desdobradas em ações planejadas e implementadas nos
municípios, na tentativa de efetivá-las e garantir a melhoria da qualidade da educação. Dentre
as metas propostas, está listado como item de infraestrutura, equipar as escolas de Ensino
Fundamental com aparelhos de Informática e multimídia. Mesmo antes do Plano Nacional
(2001), o governo federal vem executando e apoiando ações de inclusão digital por meio de
diversos programas, órgãos e iniciativas que visam proporcionar à população menos
favorecida o acesso às tecnologias da informação, capacitando-a para a prática de técnicas
computacionais, voltadas para o aperfeiçoamento da qualidade profissional e, também, da
melhoria do ensino. Na mesma direção, diversas fundações, ONG‘s e institutos adotam
parcerias e criam programas de inclusão digital com o intuito de aproximar o computador da
vida da população, criando novas perspectivas em busca da qualidade de vida.
O Ministério da Educação desenvolve, desde 1997, o Programa Nacional de Informática na
Educacão – Proinfo – a fim de introduzir o uso das tecnologias da informação e comunicação
nas escolas da rede pública, e promover o seu uso pedagógico. Em avaliação de impacto,
numa versão preliminar de implementação do programa no ano de 2002, concluiu-se como
14
impacto positivo concernente à sua dimensão pedagógica, a melhoria no aprendizado dos
estudantes, no desenvolvimento profissional dos professores, na gestão da escola e
organização da sala de aula. Entretanto, um estudo do Proinfo em Belo Horizonte (
OLIVEIRA, TOSTA, XAVIER, 2004) revela que a perspectiva educativa ainda é algo a ser
alcançado, sendo destacado que o uso do computador não se dá de forma significativa. Falta
capacitação para os professores, há medo em relação à tecnologia, também há comodismo dos
profissionais e insatisfação com a política norteadora da escola, o que pode impedir avanços.
A questão está presente na política educacional e, também, no interesse comercial de inserir
os computadores na escola, mas grande parte da população em escolarização, por razões
variadas, continua sem acesso à informática. Outro aspecto relevante a considerar é a
avaliação do tipo de uso que a população escolarizada tem feito da informática. Tem-se a
hipótese de que, apesar de insuficiente, é cada vez mais frequente o acesso, mas o uso
pedagógico ainda incipiente1. Uma observação inicial da escola pode revelar alguns aspectos
da situação. Há escolas que mantém os seus laboratórios fechados para proteger a máquina do
uso humano, valorizando-o mais como riqueza material do que como uma ferramenta a
serviço da aprendizagem. Um grande número de professores, resistentes à utilização dos
computadores, preferem o uso de instrumentos como o quadro e o giz à tecnologia dos novos
meios, mantendo-a associada à cultura extraescolar.
No cenário educacional, podem-se perceber vários graus de aproximação com as tecnologias
digitais. Muitas iniciativas de inclusão empreendidas não lograram êxito, pois inicialmente, o
computador foi utilizado à semelhança de uma máquina de escrever com melhores recursos,
comparando-se à forma de utilização do quadro, retroprojetor, de um lápis e papel. De
maneira ainda precária, porém intermediária, o acesso à internet possibilitou o consumo e
reprodução de informações. Neste contexto de uso, a escola, percebendo o poder de sedução
da máquina e seus recursos, também a utiliza como forma de encantamento e diversão.
1 Em pesquisa realizada com graduandos dos Cursos de Geografia, História, Letras, Matemática e Pedagogia do
Centro Universitário de Sete Lagoas, Fabiana Fonseca (2006) identificou que 82% dos alunos eram usuários da Internet. Entretanto, desses apenas 40% a utilizavam para fins escolares e esse uso era restrito à busca de texto
sobre temas escolares.
Trabalho Monográfico de Licenciatura de Fabiana Frederighi Fonseca da FAFISETE – UNIFEMM, Sete Lagoas, 2006. 56p.
15
Contudo, em outro grau de aproximação da tecnologia, vêem-se as experiências mais ousadas
que buscam adequar metodologias, aliadas à convicção do seu potencial de transformação.
Para que este tipo de aproximação mais ousada ocorra, o cotidiano das escolas é modificado,
fazendo emergir problemas de diversas naturezas: professores resistentes, turmas grandes e
apenas um computador (às vezes o da secretaria), alterações constantes nos horários,
necessidade de estudo e formação dos profissionais. Currículos precisam de ser questionados
e metodologias debatidas. Apesar de múltiplas exigências, o potencial de mudança e inovação
deste contexto torna-se estimulante. Este seria um cenário fértil a uma nova cultura
tecnológica na escola. No entanto, é preciso acompanhar, criteriosamente, o uso das
tecnologias neste percurso, avaliando as suas contribuições ao processo de escolarização.
Pode-se considerar a inserção dos recursos tecnológicos da informática na educação, um fato
recente, apesar de Buckingham dizer que a tecnologia digital está nas escolas há mais de 25
anos, e que ―grande parte do que acontece na educação permanece, relativamente, intocado
pelas tecnologias‖ (BUCKINGHAM, 2008, p.9).
A questão do desafio à escolarização é considerada no estudo do fracasso e do êxito escolar,
porém, faz-se necessária a investigação na perspectiva da efetividade do uso das tecnologias
digitais e as possíveis transformações que podem promover na vida escolar dos estudantes.
―Existem muito poucas evidências convincentes de que o uso da tecnologia em si aumenta o
desempenho dos alunos. [...] Na maioria dos casos, o uso nas escolas é estreito, sem
imaginação e instrumental‖ (BUCKINGHAM, 2008, p.9). Neste sentido, ao considerar o
enorme potencial dos meios digitais para o ensino, Buckingham defende que eles não devem
ser vistos, apenas, como tecnologias, mas como formas de cultura e comunicação.
O computador é o principal, dentre os vários representantes da tecnologia da informação
como o papel, fax, arquivo, livro, jornal, retroprojetor, projetor de slides, televisão e outros.
(NETO, 2006). Isso porque ele concentra uma pluralidade de ações como: recuperação,
armazenamento, organização, tratamento, processamento, produção e disseminação da
informação pertinente às várias áreas de conhecimento. Estas ações estão cada vez mais
integradas ao cotidiano da sociedade contemporânea, e como ícones da tecnologia digital, o
16
computador e a internet, contribuem, em toda sua complexidade, para a construção de novos
paradigmas ou perspectivas educativas.
Essa tecnologia, potencialmente, oferece o meio agilizador na produção de conhecimento,
alterando a trama no processo ensino-aprendizagem, e as relações da tríade didática:
professor, aluno e conteúdo, desafiando a descoberta de um novo processo de cognição.
Passa-se a vislumbrar a coexistência de uma compreensão da linguagem digital, ao mesmo
tempo em que a linguagem oral e impressa, numa dinâmica comunicativa própria. O que
coloca a escola diante da necessidade de compreender este fenômeno sóciolinguístico cultural
que confere à linguagem um importante papel de inserção sociocultural do educando.
É inegável que a linguagem digital complexifica o processo de produção, circulação e
socialização do conhecimento, dinamiza e influencia a construção de competências para a
apreensão e operação da realidade. A existência de novos modelos de comunicação possibilita
a criação e combinação de imagens, sons e textos. Para Valente (2008) essas facilidades
exigem diferentes habilidades e vários tipos de letramento: o digital (uso das tecnologias
digitais), visual (uso das imagens), o sonoro (de sons) e informacional (busca crítica da
informação). Essa expansão da comunicação e expressão via tecnologias digitais, ou seja,
leitura e escrita na tela, uso de processadores de texto, navegação na web e ainda a facilidade
de manipular textos e imagens, alteram a maneira como as linguagens são produzidas, usadas
e processadas.
O mesmo autor faz a relação do conceito de ―letramento forte‖ com a visão político-social de
Paulo Freire, que vê a leitura e a escrita como meio de tomar consciência da realidade e
transformá-la. Estas condições tecnológicas oferecem a oportunidade das pessoas serem
autoras, produtoras e disseminadoras de conhecimento. Portanto, é desejável que as
tecnologias digitais estejam incorporadas na escola para que os ―alunos e educadores possam
aprender a ler, escrever e expressar-se por meio delas‖ (VALENTE, 2008, p.13).
No estudo pedagógico das TIC‘s, Sancho (2006) argumenta que na visão cognitivista de
ensino-aprendizagem, o computador é comparado ao cérebro humano, percebido como uma
ferramenta que transforma o que toca ou quem os toca. Assim, toda atividade mediada por ele
17
promove o desenvolvimento de capacidades cognitivas e metacognitivas, além de melhorar a
motivação e rendimento.
Para quem considera que o problema da aprendizagem reside na expressividade e na
diversificação dos códigos utilizados para representar a informação nos meios de
ensino, a facilidade de integrar textos, gráficos e linguagem audiovisual e pictórica
proporcionada pelos sistemas multimídia vem a ser a resposta para os problemas de
motivação e rendimento dos alunos (e inclusive dos professores).
Quem considera que a aprendizagem se baseia na troca e na cooperação, no
enfrentamento de riscos, na elaboração de hipóteses, no contraste, na argumentação,
no reconhecimento do outro e na aceitação da diversidade vê nos sistemas
informáticos, na navegação pela informação e na ampliação da comunicação com
pessoas e instituições geograficamente distantes a resposta às limitações do espaço
escolar. (SANCHO, 2006, p. 21).
Nesse ponto de vista, evidencia-se a necessidade de correspondência entre a concepção do
processo de ensino-aprendizagem e as oportunidades que o uso da informática na educação
pode trazer. Esta questão está refletida no uso cotidiano das tecnologias, nas experiências de
aprendizagem mais significativas, em oposição aquelas que dificultam o sucesso escolar.
No cenário da educação brasileira está incomodamente presente, o fracasso escolar. Para
Charlot (2000, p. 16) o termo é utilizado pela mídia e educadores, para referir-se a ―alunos
que não conseguem acompanhar o ensino que lhes é dispensado, que não adquirem os saberes
que supostamente deveriam adquirir, que não constroem certas competências‖. Refere-se,
portanto, àquilo que o aluno não conseguiu ter ou ser. Se esta é uma realidade bem visível,
como ela se insere na relação com as novas tecnologias que chegam às escolas? Como
equacioná-la no contexto das novas tecnologias digitais, que interferem no cotidiano escolar?
Neste estudo, propôs-se analisar um conjunto de fenômenos que repercutem na escolarização
dos alunos, a partir da utilização do computador e da internet. Estes estudantes são
considerados infoincluídos, a partir de um Programa de inclusão digital vivenciado nos
últimos anos na escola pública estudada.
2. O contexto do Programa de inclusão digital
O referido Programa é desenvolvido por um Instituto, que se identifica como ONG –
Organização Não Governamental - de atuação nacional, que busca disseminar uma tecnologia
social inovadora no contexto educacional. Ele mantém parcerias que lhe possibilita aliar o
18
conhecimento em educação e o Know-how tecnológico junto às escolas públicas, a fim de
criar oportunidades de desenvolvimento humano para jovens que frequentam estas escolas.
Conforme a concepção do Programa,―a tecnologia quando usada de forma criativa e
inovadora, é ferramenta poderosa para transformar as relações entre alunos e professores,
aproximando-os e criando condições para a melhoria da qualidade da educação‖ (CHAVES,
2004, p.12). Assim apoia o uso da tecnologia digital na educação básica para ampliar as
possibilidades das pessoas desenvolverem seus potenciais, e ainda, facilitar a comunicação, o
diálogo e o acesso às informações e melhorar as perspectivas de trabalhabilidade destes
estudantes. A concepção de educar do Instituto em questão é mais do que transferir
informações e conhecimentos, é criar condições para o desenvolvimento do ser humano,
através do acesso às TICs. Esta é a sua causa essencial.
Segundo o Instituto, os ―programas que oferecem dão origem a tecnologias sociais que podem
contribuir efetivamente para a transformação da realidade de milhares de crianças e jovens e,
consequentemente, de suas famílias e comunidades...‖ (CHAVES, 2004, p.10).Para esta
efetivação optou pela estratégia de investimento em mudanças estruturais na escola, propondo
que esta deve refletir sobre seus fins, conceitos e metodologias, e investir na potencialidade
dos jovens.
O Programa da inclusão digital apresenta como objetivo geral promover educação de
qualidade com foco no desenvolvimento de competência e habilidades. Especificamente,
pretende, ainda, formar professores para a utilização de tecnologias digitais na sala de aula e
desenvolver uma comunidade de aprendizagem entre as escolas que participam do programa.
O plano estratégico do programa visa orientar o currículo escolar para sustentar-se nos quatro
pilares apresentados pelo Relatório da Unesco, organizado por Jacques Delors. Estes pilares,
segundo o autor, representam as dimensões da vida humana: aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a conviver e aprender a ser2. Segundo o programa, são eles que podem fazer
emergir capacidades, talentos e competências. ―Entendendo competência como a capacidade
de realizar ações concretas, partindo de conhecimentos aliados a valores, atitudes e
2 Relatório da Unesco para a Educação do século XXI, in: CHAVES, Eduardo ( coordenador). Sua escola a 2000
por hora: educação para o desenvolvimento humano pela tecnologia digital. São Paulo: Saraiva, 2004.
19
habilidades.‖3 As competências básicas são categorizadas como: pessoais, relacionais,
cognitivas e produtivas. A partir delas geram-se atitudes e habilidades que levam os alunos a
concretizarem suas ações de forma autônoma.
Desta forma, para aprender a conhecer, apresentam-se as competências cognitivas com
objetivos voltados para o desenvolvimento intelectual e o domínio de ferramentas básicas
para ampliar a consciência de si e do mundo. Ao aprender a fazer, estão relacionadas as
competências produtivas que intencionam capacitar para a transformação do lugar onde se
vive, considerando os aspectos econômico, ambiental, social, político e cultural. Já o aprender
a conviver, configura-se em competências relacionais, enquanto o aprender a ser gera uma
série de competências pessoais (CHAVES, 2004). Estas competências orientam a definição
dos conteúdos, a metodologia, e ainda, constituem-se em indicadores para o desenvolvimento
de potenciais.
A questão a ser processada pelas instituições que adotam o programa é mudar o foco da
educação para a aprendizagem, o que supõe que o aluno seja autor da própria aprendizagem e
protagonista do seu desenvolvimento. Esta nova concepção implica um trabalho
interdisciplinar articulado com todo o contexto da escola e a introdução de uma metodologia
de projetos de aprendizagem. Esta metodologia valoriza o aluno e seu processo de construção
de conhecimentos e é considerada pelo programa como a forma mais adequada para organizar
situações de aprendizagem para o desenvolvimento de competências.
A metodologia desenvolvida no programa encontra-se estruturada em três ações
intrinsecamente relacionadas. Num primeiro momento, os alunos manifestam suas
curiosidades frente a uma temática específica, que será investigada utilizando os recursos da
informática. A segunda etapa refere-se ao processo de coleta e seleção de dados, análise e
conclusão da pesquisa. A terceira ação diz respeito à avaliação da aprendizagem que acontece
de forma contínua e sistemática. O mais importante nesta avaliação não é avaliar a aquisição
de conhecimentos, mas de competências e habilidades desenvolvidas no processo.
Neste contexto, define-se o papel da tecnologia:
3 Guia para Interlocutores. Instituto Airton Senna- Programa Sua Escola a 2000 por hora. 2005.71 p.
Mimeografado.
20
Aproximando o potencial da interação das tecnologias digitais e a ação
educativa planejada, o Programa....busca garantir que essas oportunidades
consolidem, de fato, uma mudança de qualidade na educação. A tecnologia
é uma via estratégica nesse processo todo de mudança, pois contribuirá para
a concretização dessa nova concepção de aprendizagem e educação. ( GUIA
PARA INTERLOCUTORES, 2005, p.15)
A metodologia de projetos de aprendizagem do programa utiliza as novas tecnologias,
justificadas em três argumentos. Primeiro, porque elas facilitam o acesso à informação, à
comunicação, estimulam a expressão de ideias e a aprendizagem colaborativa. Segundo, pelo
fato de tornarem possível o acesso às novas formas de escrita e leitura. Para além da
tradicional experiência escolar com textos lineares, a tecnologia digital viabiliza a interação
com blocos de textos interconectados, possibilitando que o leitor faça diversos itinerários. Por
último, torna possível a produção de textos coletivos, com a colaboração de vários autores que
nunca se encontraram face-a-face. (Guia para Interlocutores, 2005, p. 55)
Este programa foi adotado pelo município de Araxá, do interior de Minas Gerais, com uma
população em torno de 90.000 habitantes e localização no Alto Paranaíba. Sua microrregião é
propícia a diferentes ramos de atividades, especialmente a agropecuária, o turismo e a
mineração. Em relação aos padrões nacionais, possui boa qualidade de vida, se for
considerado que 98% da sua população são atendidos em energia elétrica, água tratada e
saneamento básico. Seu índice de analfabetismo é muito pequeno, não ultrapassando a 2% da
população, com idade superior a 15 anos. É uma cidade que possui equipamentos ligados à
(re)produção cultural, que facilitam o acesso a bens culturais. Possui ainda, Academia de
Letras com vários escritores e publicações, clubes de serviço, clubes sociais e esportivos,
diversas manifestações culturais e ações de preservação da memória da cidade, através de
ícones que marcam o seu espaço social.
A educação do município é servida por escolas públicas, municipais e particulares,
compreendendo desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. O sistema municipal conta
com uma rede de oito escolas de Ensino Fundamental, sendo cinco situadas na área rural e
três na área urbana, atendendo 5.053 estudantes, no ano de 2005. Neste mesmo ano, momento
em que se efetivou a parceria com o Instituto, havia um desconforto por parte das lideranças
educacionais, quanto ao currículo e o próprio ensino, que se realizava de 5ª à 8ª série. `A
época, aconteciam investimentos em programas e projetos que visavam atualização dos
professores de 1ª à 4ª série, especialmente, no que diz respeito à alfabetização, mas pouco
21
investimento na formação dos professores e no ensino das séries finais. Já havia um
reconhecimento de avanço nas concepções de alfabetização e do processo de ensino e
aprendizagem das séries iniciais. Contudo, ainda almejavam-se melhores perspectivas para o
ensino das séries finais do ensino fundamental.
O propósito de promover avanços neste segmento do ensino, motivou o encontro entre o
Instituto e a Rede de Educação Municipal, que a partir deste momento, em parceria,
começaram a estruturar o espaço escolar e adquirir as máquinas, assim como o acesso à
internet e a preparação dos profissionais e estudantes. Logo a seguir, no ano de 2008, duas
destas escolas, localizadas em dois grandes bairros da periferia urbana, iniciaram os projetos
de aprendizagem utilizando classmates (um modelo compacto de notebook próprio para
estudantes). A parceria com o Instituto possibilitou a escolha de duas turmas de cada escola
para receberem estes mini computadores ( 130 alunos), assim como seus professores (20) para
receberem notebooks. Assim, poderiam realizar as aulas de pesquisa em conjunto, podendo,
inclusive, começar a levar o computador para casa, com a oportunidade de apresentar seus
projetos, webfólios (espaço virtual de troca, onde as escolas registram projetos, cotidiano,
suas conquistas e desafios) aos seus familiares, motivando-os ao uso. Aos estudantes, é
reservado um horário na escola para que, livremente, utilizem os classmates para entrar na
internet, fazer suas pesquisas, ler e-mails, acessar o Orkut4, participar de chats
5, ouvir
músicas. Além disso, trocam experiências com alunos de outras escolas em chats e listas de
discussão que acontecem mensalmente.
A inclusão das escolas no programa deu-se de forma crescente no interior das oito escolas,
que começaram com poucos integrantes, sendo que sua multiplicação atingiu em 2008, 921
alunos e 45 professores.
O Instituto tem como princípio que toda ação educativa deve esperar melhoria no desempenho
escolar dos alunos e esta deve apresentar-se de forma mensurável. Por isso, em um dos
encontros com a Secretária de Educação municipal apresentou resultados que têm como fonte
o seu próprio banco de dados e o censo escolar. O resultado até agora obtido informa que a
média de aprovação, em 2006, era de 75,4%. Se comparados com a média de aprovação dos
4 Rede social disponibilizada pelo Google na internet.
5 O Chat na internet é uma forma de comunicação sincrônica, online, que utiliza um software para manter
discussões em tempo real, via teclado ( COSTA; OLIVEIRA, 2004, p. 61).
22
alunos que participam do programa de 92,3%, têm-se, hipoteticamente, um índice de melhoria
no aproveitamento escolar de 17,8%.
3. Delineamento da pesquisa
Diante deste cenário educacional descrito, avaliou-se o efeito que o uso do computador e da
internet promoveu na escolarização dos estudantes, a fim de perceber se a vivência com novos
mecanismos de interação proporcionados pelas tecnologias digitais acarreta transformações
no cotidiano escolar. Desde o início desta pesquisa, trabalhou-se com a hipótese de que a
captação da realidade dos alunos incluídos no programa, devia dar-se de forma diferenciada
daquela em que se aprendia o mundo, através de livros e da tradução oral, da centralidade do
professor na sala de aula. Esperava-se que os processos interativos, estivessem a fomentar
novas sociabilidades, alterando, também, a rotina das atividades escolares e a relação dos
estudantes com o conhecimento. Segundo Costa; Oliveira ( 2004, p. 112) estas novas
tecnologias potencializam o ―envolvimento multissensorial, afetivo e intelectual dos
indivíduos‖, o que corrobora para retratar mudanças significativas no espaço-tempo-processo
escolar.
Na pesquisa literária, notou-se uma discussão sobre a adequação de metodologias e a
necessidade de projetos educativos (BARBOSA, 2005; SANCHO, 2006) e ainda, estudos
sobre a utilização das novas linguagens (COSCARELLI, 2006) assim como, as relações entre
as tecnologias e o conhecimento (PAIS, 2008). Estas abordagens contribuíram para
reposicionar a ferramenta no processo ensino-aprendizagem e na estruturação de algumas
categorias de análise desta pesquisa. Porém, o estudo que relaciona a tecnologia digital e o
processo de escolarização, considerando a relação com os saberes de estudantes já incluídos
digitalmente, é um contexto ainda inexplorado nas pesquisas.
Os pesquisadores estudam diferentes formas de utilização das TICs na escola, investigam o
processo de aprender, as características da cognição com a utilização do computador e da
Internet, a necessidade de projetos que insiram a tecnologia no processo pedagógico.
Outrossim, ainda, não é possível identificar discussões sobre a infoinclusão no processo de
escolarização, que alterações promovem no cotidiano escolar e as contribuições que resultam
no aprendizado dos estudantes.
23
Pode-se considerar que esta é uma questão imprescindível para o desenvolvimento de
políticas públicas sociais, especialmente as educacionais que visam à inclusão digital, de
modo que revejam a coerência entre seus objetivos, concepções, meios de implementação e as
necessidades de seus beneficiários, a fim de conquistarem sua efetividade.
Sendo assim, a partir da experiência vivenciada na escola pública, esta pesquisa objetivou
analisar as ressonâncias do uso das tecnologias digitais nos processos de escolarização de
estudantes infoincluídos, que cursam as séries finais do ensino fundamental. Aprofunda,
especificamente, na verificação de mudanças: - na relação com os saberes escolares dos
alunos infoincluídos, - nas relações dos alunos com os colegas, com os professores a partir da
integração do computador na rotina escolar, - na relação com as disciplinas e práticas
escolares. A pesquisa permitiu verificar como a escola está dialogando com estas mudanças.
Para consecução destes objetivos, estruturou-se a revisão da literatura a partir do marco
teórico de autores que consubstanciaram a organização formal desta pesquisa em 5 capítulos.
Além desta introdução, o capítulo dois retrata a revolução tecnológica na sociedade da
informação, observando alguns aspectos que expressam essa relação e seus reflexos na
educação (CASTELLS,1999). Descreve, ainda, de forma breve, uma experiência americana e
outra européia de introdução dos computadores nas escolas. (SANDHOLTZ; RINGSTAFF;
DWYER,1997 e SANCHO, 2006)
No capítulo três, com as contribuições de PIERRE LÈVY (2008) são abordados conceitos
como ciberespaço, cibercultura, tecnologias intelectuais, ecologias cognitivas e considerações
sobre as transformações dos processos culturais, a partir das novas linguagens e suas
influências na relação com o saber. A definição destas novas linguagens no universo da
cognição, mediado pelas tecnologias digitais, teve como referência principal: COSCARELLI
(2006).
No capítulo quatro, são destacados os desafios da escolarização contemporânea, através de
CANDAU(2002), CORDEIRO (2007) LIBÂNEO (1994), MACEDO (2005), ZABALA
(2002), SANTOMÈ (1998), DUBET ( 2003), ALARCÃO (2001), desenvolvendo sobre a
complexificação do conhecimento e da universalização do ensino. Apresenta uma trajetória
histórica do conhecimento relacionando-o à organização dos saberes disciplinares e suas
24
transformações atuais com a introdução das TICs, a partir das pesquisas de BURKE (2003),
CHERVEL (1990), MORIN (2006) e outros já citados.
O quinto capítulo ocupa-se da conceituação da metodologia qualitativa utilizada, assim como
da descrição dos instrumentos metodológicos e da realização dos processos de busca dos
dados.
No capítulo cinco encontram-se os resultados da pesquisa e sua análise, ficando por último as
considerações finais.
O aprofundamento teórico e a pesquisa de campo resultaram em um conjunto de elementos
fundamentais ao desenvolvimento de projetos sustentáveis de inovação, em inclusão digital na
educação escolar. A partir dos resultados desta pesquisa foram construídas algumas premissas
para orientar políticas públicas e colaborar para o avanço nos resultados educacionais pela via
da tecnologia digital. O documento apresenta-se em anexo.
Esta é uma pesquisa alinhada aos eixos de formação do Curso de Mestrado em Gestão Social,
Educação e Desenvolvimento Local, pois atende às necessidades de contribuir para a
construção de alternativas a serem apropriadas pelas políticas sociais e educativas, visa
identificar problemas e possibilidades de aprendizagem no uso de Tecnologias Sociais e
Inovações sócio-educativas. O estudo teórico e prático da realidade subsidia proposta de
intervenção que visa a melhoria na educação, e consequentemente as condições de vida da
população. Sendo assim, insere-se no equacionamento entre educação, inovação e
desenvolvimento.
25
REVISÃO DA LITERATURA
2. AS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO E A EDUCAÇÃO
As tecnologias de informação e de comunicação, presentes na sociedade contemporânea,
estão chegando à escola de forma lenta, controversa, através de experiências que revelam os
limites e possibilidades de sua utilização, no ambiente educacional. Há que se propor estudos
desta questão, de forma distanciada da visão maniqueísta e determinista de uso da técnica. Na
opinião de Levy (2008) ela não é nem boa, nem má, e muito menos neutra, mas produzida
dentro de uma cultura, condiciona a sociedade e é condicionada por ela. Neste contexto, é
oportuno explorar a relação entre as tecnologias de informação e comunicação (TICs) e os
processos escolares, para compreender e tomar decisões sobre a sua utilização.
A reflexão desta questão inicia-se pela contextualização das mudanças que ocorrem na
sociedade, nas relações sociais e educacionais a partir da rapidez da penetração das
tecnologias da informação e da comunicação (TICs) na vida cotidiana. Para iniciar esta
discussão, considera-se relevante a contribuição de Castells (1999), que vê como tema
estrutural para pensar a sociedade contemporânea, a revolução da tecnologia da informação.
Esta se dá como um evento importante, a partir do final do século XX, marcando a passagem
a um novo paradigma.
É um evento histórico com a mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII,
que impacta, não apenas, o domínio da atividade humana, passa a ser o tecido em que a
atividade é exercida. É sobre este tecido que se constroem as relações pessoais e profissionais.
Não pode ser considerado apenas um produto da evolução técnica e histórica, é o próprio
processo de construção.
O ponto central desta Revolução são as tecnologias da informação, processamento e
comunicação. Assim, conhecimento e informação são essenciais na geração de novos
conhecimentos e processamento, criando um ciclo muito rápido de realimentação entre a
inovação e seu uso. A sua difusão amplia o seu poder, na medida em que os usuários
apropriam-se dela, e desenvolvem novos processos. Nesta dinâmica, usuários e criadores
26
podem tornar-se os mesmos sujeitos, pois se cria uma relação muito próxima entre os
processos sociais de criação e a utilização destas produções culturais. Nas máquinas como o
computador, os programas, são extensões da mente humana. O que se pensa e o como se
pensa é expresso em bens ou produtos materiais e intelectuais (CASTELLS, 1999).
Desta forma, é comum a utilização do termo ―sociedade da informação‖ para substituir a
―sociedade pós-industrial‖, relacionando-a a reestruturação do capitalismo, desde a década de
80. Alguns aspectos da sociedade da informação são característicos para refletir sobre a nova
revolução tecnológica, como foi designada por Castells (1999, p.78).
O primeiro aspecto é que as tecnologias agem sobre a informação, portanto, a informação é
sua matéria prima. Se no passado utilizava-se a informação para agir sobre as tecnologias,
agora, as tecnologias desenvolvem e permitem ao homem atuar sobre a informação. O
segundo, refere-se à penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias. Quase todos os
processos da existência individual e coletiva são moldados pelos novos meios tecnológicos.
De alguma maneira, as pessoas são afetadas por ela no seu cotidiano.
Já um terceiro aspecto diz respeito ao predomínio da lógica de redes, que se configura em
relações complexas e pode ser implementada em qualquer processo e organização,
distinguindo-se pela sua flexibilidade. Da lógica de redes decorre a quarta característica, e
distingue este paradigma tecnológico pela sua capacidade de reconfiguração. Os processos
são modificáveis, assim como as organizações, através da reorganização dos seus
componentes.
O quinto aspecto desta revolução tecnológica refere-se à crescente convergência de
tecnologias específicas para um sistema altamente integrado. Neste sistema de informação,
faz-se a junção da microeletrônica, das telecomunicações, da optoeletrônica e os
computadores.
Há uma perspectiva otimista nesta dita ―sociedade da informação‖, no que diz respeito ao uso
das tecnologias, e realmente é inegável o fascínio e a própria euforia com os avanços da
informática e a difusão da internet. Com base nas características do novo paradigma
27
técnicoeconômico definido por Castells, Werthein descreve algumas expectativas positivas
co-relacionadas, possibilitando vislumbrar alguns desdobramentos.
A penetrabilidade das novas tecnologias dá dinamismo ao processo de mudança e prepara a
sociedade para enfrentar as transformações técnico-econômicas. Mas também, constata-se que
não há uma ação extensiva, a ponto de atingir a sociedade como um todo, e muito menos
profundidade, para generalizar a criticidade da sociedade em relação a estas transformações.
A lógica das redes permite aplicações avançadas das tecnologias e utilização de estratégias de
integração ensino/aprendizagem, pois possibilita a realização de aprendizagem de forma
colaborativa, continuada, individualizada e amplamente difundida. O que representa um
avanço, em relação ao paradigma anterior.
A flexibilidade é uma característica que incorpora a idéia de aprendizagem em vários níveis,
especialmente o organizacional. Desta forma, atende significativamente a reestruturação
capitalista, pois possibilita a contínua adaptação dos trabalhadores, consumidores, usuários.
À convergência tecnológica, associa-se a possibilidade de acesso fácil, rápido, ilimitado e
eficiente ao conhecimento humano.
Estas características criam um novo modo de processamento da informação e inevitavelmente
a escola deve refletir, pois a mediação das novas tecnologias demanda um novo modelo de
ensino e de aprendizagem.
Na observação de Werthein (2000), o foco sobre a tecnologia pode alimentar duas visões
despropositadas. A primeira, indicando um determinismo tecnológico, na qual a
transformação desta sociedade da informação via tecnologia, ocorrerá, inevitavelmente, e terá
uma lógica técnica e neutra. Neste caso, a sociedade e o mercado de trabalho deveriam
submeter-se às exigências das tecnologias que surgem, sem análise da necessidade de
utilização e de suas consequências. A segunda, uma visão evolucionista, significando apenas
uma etapa de desenvolvimento. Tanto uma como outra ―distorcem a análise do complexo
processo de mudança social e alimentam uma atitude passiva, contemplativa, em relação a
esse processo‖ (WERTHEIN, 2000, p.4). Estas visões ignoram que tanto o estado quanto as
forças sociais locais interagem e criam processos de transformação social. As tecnologias não
são neutras, são desenvolvidas num mundo cheio de valores e interesses que não favorecem
28
toda a população. Os processos gerados em torno das tecnologias e práticas políticas e
econômicas dominantes nem sempre são positivos para todos os indivíduos e a sociedade.
É preciso reconhecer que as desigualdades se reproduzem neste novo paradigma. A maioria
da população está longe de integrar-se a ele. Este é um desafio ético que somente poderá ser
superado pela ação social consciente (GUEVARA, 2000 apud WERTHEIN, 2000).
O ritmo dos avanços evidencia, ainda mais, as desigualdades sobre o acesso às informações.
O advento deste paradigma criou uma realidade complexa, provocou assimetrias no mercado
de trabalho e na vida cotidiana das pessoas, constituindo nova forma de segregação. Os
desafios são de caráter amplo, de diversas naturezas: técnica, econômica, cultural, legal,
psicológica. Mas, além destes, o desafio que especialmente está proposto a partir deste
trabalho é avaliar o reflexo das tecnologias da informação e da comunicação na educação.
Além destas expectativas positivas e seus desdobramentos, é interessante considerar a
especulação de Tiffin e Rajansingham (apud WHERTEIN, 2000) no campo da educação,
quando questionaram se a tecnologia da informação produziria um sistema de comunicação
tão eficiente quanto uma sala de aula tradicional:
Os autores chamam a atenção para a sala de aula como um ―sistema de
comunicação que torna possível a um grupo de pessoas encontrar-se para
falar sobre algo que desejam aprender, ver figuras e diagramas e ler textos
que as ajudem a compreender. Numa sala de aula convencional isto é
tornado possível pelas paredes que dão proteção contra o barulho e
interferência externos de forma que, aqueles que estão dentro da sala, podem
ouvir e ver uns aos outros e também, no quadro-negro, as palavras,
diagramas e figuras sobre o assunto que está sendo aprendido. A questão é,
pode a tecnologia da informação fornecer um sistema de comunicação
alternativo que seja pelo menos tão eficiente quanto a sala de aula
convencional?‖ (TIFFIN e RAJANSINGHAM, 1995, p.6 apud
WERTHEIN, 2000, p.6)
Segundo WERTHEIN, na década de 90, a tecnologia da realidade virtual levou a previsões
ficcionais do processo da educação. Apesar de visões muitas vezes idílicas, os benefícios da
aplicação das novas tecnologias no campo da educação precisam ser reconhecidos e melhor
elucidados. Para isso, não basta conhecer as novas coletividades de informação que se
apresentam a partir dos avanços da internet: as propostas de educação a distância (EAD), os
fóruns, chats, encontros de aprendizagem colaborativa, as bibliotecas digitais, as
29
videoconferências, o correio eletrônico, as salas de bate papo, todos meios que podem
enriquecer e possibilitar acesso rápido às informações e produção de conhecimentos. É
necessário o aproveitamento socialmente eficiente destes recursos. No caso da educação, é
preciso relacionar a aplicação destas novas tecnologias, com a transformação das taxas de
analfabetismo, e do acesso à educação formal avançada que utilize estas tecnologias.
Para responder a pergunta de Tiffin e Rajansingham talvez se pudesse dizer que nada
substituiria a efetividade da comunicação desta sala de aula para a aprendizagem de um
estudante de três ou quatro décadas atrás, cujas tecnologias usuais eram o giz, o quadro negro,
o livro, o lápis. Mas considerando os avanços tecnológicos e as mudanças que se efetivaram
na sociedade, é impossível não perceber o descompasso da escola neste processo. A
velocidade das transformações tecnológicas não é processada no interior da escola com a
mesma dimensão e rapidez. Sancho (2006, p.16) concluiu em suas pesquisas que a
―introdução de uma tecnologia tão suave como o computador e mais tarde a internet em uma
estrutura tão dura como a escola,‖ permitia refletir sobre a forma de fazer educação. Esta
visão de sala de aula da educação formal retratada pelos autores necessita de uma revisão que
considere as alterações nos processos interativos proporcionados pelas tecnologias da
informação e comunicação (TICs), a viabilização das condições de acesso, e também, as
interações entre seus sujeitos fim e sujeitos meio ( aluno/aluno, professor/professores e
professor/aluno).
Nesta sociedade, que já se diz interativa, a comunicação mediada por computadores (CMC)
excluirá grande parte da humanidade e por um longo tempo, dificilmente alcançará o acesso
como o conquistado pela televisão. Seu uso se expandirá principalmente pelo sistema
educacional, porém, seu desenvolvimento começa nos níveis mais altos de educação e
riqueza, sendo incapaz de atingir grandes segmentos da massa, sem instrução (CASTELLS,
1999).
Por outro lado, para os usuários regulares, favorece uma comunicação desinibida e no meio
empresarial estimula a participação dos trabalhadores. Ao analisar os usuários Castells (1999)
30
observa que mulheres e outros grupos sociais oprimidos parecem tender a se expressar de
forma mais aberta, embora as mulheres sejam minoria como usuárias6.
Ainda não se descobriu a oportunidade que o uso das novas tecnologias tem como meio de
reverter o jogo de poder presente na comunicação, que se estabelece face a face:
Funciona como se o simbolismo do poder embutido na comunicação frente a
frente ainda não tivesse encontrado sua linguagem na nova CMC. Em razão
da novidade histórica do veículo e da relativa melhora do status relativo ao
poder dos grupos tradicionalmente subordinados, como as mulheres, a CMC
poderia oferecer uma oportunidade de reversão dos jogos de poder
tradicionais no processo de comunicação. (CASTELLS, 1999, p. 384).
No contexto social familiar e educacional, a discussão da assimetria das relações pais e filhos,
professor e aluno com a introdução do computador faz-se presente. Em pesquisa feita sobre as
idéias coletivas, que influenciam a maneira como as pessoas vêem a informática, verificou-se
que a representação mais frequente é que as crianças conhecem mais sobre computadores do
que os adultos e ―esse aprendizado é feito com uma facilidade tamanha que não precisa nem
buscar conhecimento: só o fato de não ser adulto já lhe delega esta posição.‖ (GIANOLLA,
2006, p. 72).
Para avaliar os impactos sociais e culturais da CMC, deve-se ter em mente, a pesquisa
sociológica sobre as utilizações sociais da tecnologia. Castells cita o trabalho que Claude
Fischer produziu sobre a história social do telefone nos EUA, que mostra a elasticidade social
de qualquer tecnologia. As comunidades estudadas adotaram o telefone para melhorar as
redes sociais de comunicação e reforçar hábitos sociais enraizados. ―O telefone foi adaptado,
não apenas adotado‖ (CASTELLS, 1999, p.380). Portanto, as pessoas moldam a tecnologia
para atender às suas necessidades. Passa a ser compreensível a idéia de que a CMC não
substitui os outros meios de comunicação, ela vem reforçar os padrões sociais, preexistentes.
Desta maneira, o computador interage com outros sistemas de comunicação de forma mais
ativa, com opções de horários.
No entanto volta-se a reforçar o caráter restritivo de acesso à CMC:
Como o acesso à CMC é cultural, educacional e economicamente restrito, e
continuará por muito tempo, seu impacto cultural mais importante poderia
6 -Uma pesquisa realizada por Cysne, Alves e Côrtes ( 2007), com base no PNAD revelou que a chance que uma
pessoa do sexo masculino de acessar a internet é 32,1% maior que a chance de uma pessoa do sexo feminino.
31
ser o reforço potencial das redes sociais culturalmente dominantes, bem
como o aumento de seu cosmopolitismo e globalização. (CASTELLS,
1999,p.387)
Julga-se necessário destacar o papel do sistema educacional, especialmente das escolas
públicas para expandir este acesso às novas tecnologias, de maneira sustentada e inovadora.
Outra análise dos processos interativos diz respeito à diferenciação ou tipificação criada pelo
uso dos meios de comunicação. São classificados por Thompson ( 2001) como: interação face
a face, interação mediada e interação quase mediada. Os processos de interação, que na maior
parte do tempo da história humana, foram vivenciados na relação face a face, dão um salto
qualitativo nos processos sociais, pelo desenvolvimento destas tecnologias comunicacionais.
Surgem novas formas de interação, em que indivíduos distantes, compartilham do mesmo
ambiente espaço-temporal, apesar de distantes fisicamente. Identifica-se como interação
quase-mediada, aquela na qual se produz informações para um número indefinido de
receptores potenciais, sem reciprocidade interpessoal, ou seja, produzem-se formas simbólicas
para outros que não estão fisicamente presentes. É quase-mediada pelo fato de ser
monológica, processando uma comunicação no sentido único.
A sala de aula, como parte deste contexto, vivencia histórica e necessariamente os processos
sociais de interação face a face e recentemente, as suas relações são mediadas por novos
meios tecnológicos como o computador. Infere-se que estes fluxos de interações no cotidiano
adquirem caráter híbrido, pois os cenários de interação tornam-se múltiplos, e muitas vezes
simultâneos. Torna-se cada vez mais comum, o estudante interagir ao mesmo tempo,
virtualmente com dois ou mais interlocutores e, diretamente com o professor na sala de aula.
Portanto, com interações quase-mediadas e face a face. Esta condição complexifica a relação
pedagógica7 inserindo a dimensão tecnológica junto a outras questões de análise do processo
ensino-aprendizagem, e exige do professor um aprendizado para saber lidar com esta situação
de forma proveitosa.
7 -Relação pedagógica: conjunto de interações que se estabelecem entre o professor, os alunos e o conhecimento
e outras dimensões do processo ensino-aprendizagem, como a linguística, a pessoal e cognitiva. CORDEIRO,J.
Didática. São Paulo: Contexto, 2007.
32
2.1 Experiências Educacionais no uso da Tecnologia Digital
Desenvolvidas as questões conceituais mais amplas que permitem posicionar melhor o
contexto educacional, pretende-se considerar as possibilidades e obstáculos à presença das
tecnologias da informação e da comunicação na escola. Partiu-se do cenário atual,
representado pela revolução tecnológica, que com seus matizes econômicos e políticos
definem a nossa sociedade como uma sociedade da informação e do conhecimento, e assim
cria expectativas positivas, e também, grandes desafios à sua efetivação na sociedade
contemporânea. Neste processo insere-se a educação, e nela a escola como representante do
ensino formal, que em meio às possibilidades do uso das tecnologias, encontra ora saída
milagrosa para os seus problemas, ora apresenta-se como um novo empecilho na sua
caminhada pedagógica.
O que se pode observar na experiência do projeto ―Salas de Aula do Futuro da Apple‖
(ACOT) nos Estados Unidos - uma pesquisa que envolveu universidades, escolas públicas e a
Apple Computer, nos seus registros de dez anos de coleta sistemática de dados, publicados em
1997, é que as expectativas são as mesmas de hoje,na realidade brasileira. Vislumbra-se uma
mudança possível com a utilização do computador nas escolas, mas não se sabe efetivamente
como ela deve ser operacionalizada.
No panorama histórico do projeto, os professores falam de suas expectativas:
No início do projeto, nós achávamos que a tecnologia seria utilizada para
apoiar a aprendizagem individualizada, a auto-expressão através da escrita, e
os exercícios e a prática. Além de mais liberdade para os alunos para
trabalharem em seu próprio ritmo, nós esperávamos uma integração
tranqüila da tecnologia nas salas de aula bastante tradicionais. Nós
antecipamos que os alunos poderiam aprender de forma mais eficiente com o
simples acréscimo desta nova ferramenta. ( SANDHOLTZ; RINGSTAFF;
DWYER, 1997, p. 25)
O que puderam constatar nos primeiros anos desta pesquisa é que o acréscimo da tecnologia
não revolucionou a instrução em sala de aula. Embora tivessem mudado o ambiente físico, os
professores transferiram toda a abordagem tradicional para os meios eletrônicos. Apesar de
não conseguirem modificar as tarefas de aprendizagem dos alunos, eles começaram a
identificar outros tipos de mudanças relacionadas aos questionamentos dos professores quanto
às suas crenças, o que levou ao desenvolvimento de novas estratégias. Aos poucos foram
33
redefinindo os papéis dos alunos e deles próprios como professores. Concluíram que a
tecnologia em si não muda a educação, o que importa mesmo é a forma como ela é utilizada.
Já a coordenadora do grupo de pesquisa em Formação, Inovação e Novas Tecnologias do
Parque Científico de Barcelona, a partir de suas experiências em projetos de implementação
das TICs na Europa, diz que as tecnologias têm um caráter transformador e promovem três
tipos de efeitos: alteram a estrutura dos interesses (as coisas em que pensamos), portanto
adquire-se a capacidade de considerar o que é prioritário, o que é essencial, obsoleto; mudam
o caráter dos símbolos (as coisas com as quais pensamos) uma vez que ampliam o repertório
de signos, os sistemas de armazenagem, de gestão e acesso à informação, dando força ao
conhecimento público8; modificam a natureza da comunidade (de uma área com base
territorial, local, passa a ser vista, também, como um espaço virtual em que se desenvolve o
pensamento) que pode ser no ciberespaço, na totalidade do mundo conhecido e também do
virtual (SANCHO; 2006).
Torna-se difícil negar a influência das tecnologias digitais, até mesmo pelo fascínio que
exerce em educadores, que pensam encontrar nelas a solução para a escola atual. Ao
considerar historicamente a repercussão na introdução do livro, da televisão e do vídeo, deve-
se planejar melhor a integração do computador nos processos de ensino-aprendizagem.
Alguns obstáculos devem ser considerados e o principal deles é o ensino centrado no
professor. É natural que os professores sem formação adequada para incluir o computador
como ferramenta pedagógica, traduzam suas aulas tradicionais para o computador, como
aconteceu no início do projeto ACOT. Nesta perspectiva, o que ocorre na introdução das TICs
é uma adaptação da ferramenta às próprias crenças dos professores, muitas vezes implícitas e
pouco refletidas. Geralmente é característico o quadro de concepções: ensinar é explicar,
aprender é escutar, o conhecimento é o que contém nos livros e o professor é que deve
determinar o que é possível fazer com as tecnologias (SANCHO; 2006).
8 -Conhecimento público é considerado exógeno ao contrário do conhecimento ontogenético. Este último, cresce
no sujeito como resultado da sua carga genética e o conhecimento adquirido mediante aprendizagem no
ambiente, o público é externo, acumulado pela humanidade de diferentes formas e por complexos processos
sociais. As instituições sociais e as tecnologias da informação e comunicação são os melhores portadores deste
conhecimento. ( SANCHO, 2006,p.37)
34
Outro empecilho é ver o computador como máquina de ensinar, promissora para o
desenvolvimento do pensamento lógico. A origem desta representação, talvez, esteja
relacionada ao fato de que as operações no computador são matemáticas, possui um programa
lógico binário e assemelha-se com os neurônios que temos no cérebro. ( GIANOLLA, 2006).
É pertinente considerar que é comum em culturas e organizações escolares tradicionais a
resistência a processos de mudanças e inovações. Mesmo aumentando o acesso a
equipamentos e toda a infraestrutura, ainda é reduzido o número de professores que utiliza o
computador em suas salas de aula, e deve-se considerar que, muitos dos que utilizam, relutam
em modificar suas práticas e expectativas sobre os alunos.
Introduzir as TICs na escola, é algo mais do que implementar um sistema de informática, tem
a ver com a cultura da escola. A história de mudança e inovação no campo educacional está
muito associada à lógica importada do mundo produtivo e também percebida como algo
previsível, feito em etapas. É previsto a necessária mudança para outra lógica, aquela relativa
ao sentido, de maneira que os sujeitos e as instituições sejam mais donos de si, mais plenos e
autônomos em sua maneira de ser, fazer e pensar (MESSINA, 2001). Oferecer alternativas
para superar uma cultura de mudança pedagógica e tecnológica significa refletir para que e
para quem ela esteja sendo pensada.
Devem-se oferecer alternativas para superar as limitações dos ambientes educacionais e
criação de ambientes de aprendizagem virtual, propiciar o protagonismo da comunidade
escolar como agente de mudança e comprometimento com a melhoria da escola. Portanto,
para se desenvolver um projeto é necessário o envolvimento da comunidade educacional,
estimulando os professores e a escola como um todo a encontrar seu próprio caminho para
garantir projetos sustentáveis de inovação. Senão, tornar-se-ão como tantos outros que
começaram para fracassar (SANCHO, 2006).
Na experiência de Juana Sancho( 2006, p.25), os resultados mais importantes do processo de
desenvolvimento do projeto nas escolas européias foram o conjunto de estratégias utilizadas
na promoção da mudança. Investiram sobretudo: nas concepções do que significa ensinar no
século XXI, na interação docente, no papel dos professores e alunos no processo de
aprendizagem, na melhor maneira de administrar o tempo e o espaço, na conceituação de
35
conhecimento escolar e o papel das diferentes linguagens (textual, visual, audiovisual,
informática, etc).
Em face destes obstáculos e da necessidade de seu enfretamento, as pesquisas equilibram as
expectativas, abrindo muitas possibilidades e motivos na utilização das tecnologias na sala de
aula. Talvez, um dos depoimentos científicos mais remotos para se começar a estudar a
relação das crianças com as máquinas, e estimular os profissionais da educação na
transformação da sua prática, tenha sido de SEYMOUR PAPERT (2008, p,27):
No meu caso, ocorreu uma virada no início da década de 1960, quando os
computadores mudaram na essência o meu modo de trabalhar. O que mais
me impressionou foi que determinados problemas abstratos e difíceis de
captar tornaram-se concretos e transparentes e que certos projetos
potencialmente interessantes, mas complexos demais para empreender,
tornaram-se manejáveis. Ao mesmo tempo tive minha experiência da
empolgação e do poder de domínio que mantêm as pessoas trabalhando noite
a dentro com seus computadores. Percebi que as crianças poderiam ter
condições de desfrutar das mesmas vantagens – um pensamento que mudou
minha vida.
É nesse contexto, que Papert começa a repensar a escola na era da informática, criticando-a. A
sua percepção sobre os processos de interação com o computador não foi enganosa. A visão
cognitiva da aprendizagem e do ensino vê o computador como uma metáfora do cérebro
humano. Toda atividade mediada por ele, pressupõe desenvolvimento da capacidade cognitiva
e metacognitiva, ou seja, diz respeito à capacidade de resolver problemas, planejar, organizar
tarefas. Papert reforça esta idéia quando diz que certos problemas difíceis de resolver
tornaram-se concretos, manejáveis, denotando que o meio digital torna possível novas
aprendizagens, novas possibilidades de domínios. Outro aspecto aparente é a sua empolgação,
que pode ser traduzida como uma experimentação inovadora. O acesso a novas informações e
mais recentemente a multimídia possibilita pelo uso desta ferramenta, melhorar a motivação,
e consequentemente, o rendimento escolar do aluno.
Apesar da estrutura organizativa e pedagógica da escola atual não ser a mais adequada para a
introdução das TICs, Sancho diz que espera a sua transformação positiva, assim como,
aconteceu no mundo produtivo, econômico e cultural, por isso propõe sete axiomas para
converter as TICs em motor de inovação pedagógica ( McCINTOCK, 2000 apud SANCHO,
2006):
36
1º-Infraestrutura tecnológica adequada: os ambientes educativos devem apresentar condições
que atendam às necessidades mínimas das crianças, e estarem certos de como as tecnologias
podem cooperar para melhorar a prática da escola.
2º-Utilização de novos meios nos processos de ensino-aprendizagem: o computador deve ser
um recurso de uso cotidiano, de busca, criação e pesquisa, não apenas constituir-se como
disciplina extracurricular e esporádica. Todos os alunos devem ter acesso aos novos meios,
que devem estar incluídos como aspectos do currículo.
3º-Enfoque construtivista de gestão: os docentes têm dificuldade de implementar idéias
alheias, portanto, se a inovação e a mudança educacional vêm como imposição administrativa,
tornará sua adoção muito difícil. O enfoque construtivista de gestão procura fomentar e apoiar
as iniciativas dos professores. Os projetos em que se consideram as perspectivas dos docentes,
seus conhecimentos pedagógicos, necessidades, contribuições, medos, resistências, têm mais
chance de êxito.
As questões fundamentais do projeto educativo devem ser questionadas. Planejar e gerir a
escola na era da informação exigem considerar o contexto social do ensino para tomar
decisões, realizar um projeto educativo compartilhado. E neste aspecto, as tecnologias podem
ser de grande valia na gestão.
4º-Investimento na capacidade do aluno adquirir sua própria educação: o êxito da educação
não estaria centrado nos resultados medidos por provas padronizadas mais do que na
qualidade das aprendizagens conquistadas pelos alunos. Essa visão tradicional do ensino vai
contra a idéia das tecnologias digitais como investimento na autonomia dos estudantes. Para
este aprendizado é necessário permitir que o aluno aprenda perguntando, vencendo desafios.
5º-Impossibilidade de prever os resultados da aprendizagem: há uma forte tendência de
estabelecer objetivos comportamentais, e não colocar foco na finalidade do processo. Os
professores não têm que estabelecer, desde o início, o que os alunos vão aprender, mas
priorizar o processo e estabelecer, ao final, o seu valor educativo e formativo para cada
indivíduo e grupo.
6º-Ampliação do conceito de interação docente: o contexto comunicativo, centrado no
professor de modo unidirecional, impede o interesse, a curiosidade que se manifesta pelas
perguntas do aluno. Esta maneira pressupõe que haja apenas uma forma de representar o
saber: reproduzindo-o. Deve-se ampliar esta dimensão e o significado da interação docente, e
37
isso quer dizer repensar os sistemas organizativos e simbólicos do ensino, criar e colocar em
prática ambientes diversificados de aprendizagem.
7º-Questionar o senso pedagógico comum: revisar profundamente questões como: a idade
própria para aprender, quem pode fazer escolhas pedagógicas válidas, como deve ser o
controle do processo educacional.
Propõe-se uma articulação entre a tecnologia e a educação, de modo que a sua inclusão no
contexto escolar seja, criticamente, construída, numa dimensão humana, social e cultural e
não como mero artefato. As tecnologias em si não são educativas e sim dependentes de uma
proposta educativa (Corrêa, 2006). Por isso, faz-se necessário ampliar a compreensão dessa
relação, e uma perspectiva de estudo e sustentação de análise é a contribuição de Pierre Levy,
que sugere pensar o espaço cibernético na sua dimensão cultural.
3. A CIBERCULTURA E OS NOVOS DESAFIOS DA RELAÇÃO COM O SABER
A importância que o uso do computador adquiriu na sociedade, estimulou esforços dos
sistemas educacionais em equipar suas escolas com laboratórios de informática. Dowbor
(2001, p.15) diz que a questão não é inundar as escolas e outras instituições com
computadores, pois estudos feitos por empresas revelam que a simples informatização leva ao
acúmulo de equipamentos que são utilizados como máquinas de escrever. Diz ainda que
―trata-se de organizar a assimilação produtiva de um conjunto de instrumentos poderosos que
só poderão funcionar efetivamente ao promovermos a mudança cultural, no sentido mais
amplo, correspondente‖. Esta mudança cultural dá-se de uma forma lenta e planetária, ou seja,
plena. O mesmo autor cita um estudo que revelou que a informática só passou a ser utilizada
de forma plena e criativa nas empresas norte-americanas, depois que chegou uma nova
geração de técnicos que havia assimilado as tecnologias desde a escola. Estes seriam os
―nativos digitais‖ ( PRENSKY apud DUARTE; NEVES, 2008), a geração daqueles que
nasceram após a popularização dos computadores pessoais e internet; em oposição aos
―imigrantes digitais,‖ representado pela maioria dos professores que hoje estão desafiados
neste aprendizado.
Pierre Lévy (2008) propõe pensar esta mudança através do conceito cibercultura,
estabelecendo a hipótese de que ela expressa o surgimento de um novo universal, muito
38
diferente das formas culturais até então vivenciadas no nosso cotidiano. Ele se constrói num
espaço antes inexistente e precisa de ser incluído na perspectiva das mudanças anteriores da
comunicação humana. Uma cultura que se institui no ciberespaço – ― o espaço de
comunicação aberto pela interconexão mundial de computadores e das memórias dos
computadores‖ (LÉVY, 2008,p. 92). É mais do que uma infraestrutura, é uma forma de
utilização para um tipo particular de relação entre as pessoas.
A analogia que explica esta concepção utiliza a história do correio. As técnicas materiais e
organizacionais do correio já existiam na China e, também, desde a Antiguidade, e mais tarde
no Império Romano. No entanto, elas foram esquecidas durante a alta Idade Média. No século
XV, alguns estados implantaram o sistema de correio a serviço do governo central. Servia
para enviar ordens e receber notícias de vários pontos do reino. O fato notável é que a
verdadeira inovação social deu-se no século XVII, ao modificar a relação entre as pessoas,
pois a correspondência começou a ser feita de indivíduo para indivíduo, e não mais do centro
para a periferia e vice versa. Desta maneira, expandiram-se as correspondências econômicas,
administrativas, a literatura epistolar, as cartas de amor. Assim, ―o correio como sistema
social de comunicação, encontra-se nitidamente ligado à ascensão de idéias e das práticas que
valorizam a liberdade de expressão e a noção de livre contato entre os indivíduos‖(LÉVY,
2008, p.125).
Portanto, este é um exemplo de como uma infraestrutura de comunicação pode ser investida
de uma corrente cultural, que transforma seu significado social e estimula sua evolução
técnica e organizacional. O correio existia como infraestrutura técnica, havia séculos. Os
europeus, ao inventarem uma nova prática da correspondência entre os indivíduos, atribuíram-
lhe um profundo significado humano. O mesmo ocorre com o ciberespaço. Quando os
computadores saíram das mãos dos informatas e foram alcançados pelas pessoas físicas, que
passaram a utilizá-lo sem a especialização técnica, o significado social da informática foi
transformado, e isso foi utilizado pela indústria. O crescimento da comunicação baseado na
informática deu-se nos anos 80, através de jovens metropolitanos cultos, que exploraram e
construíram um espaço de compartilhamento, de encontro.
São três os princípios, segundo Lévy (2008), que orientam o crescimento do ciberespaço: -
Primeiro, a ―interconexão‖, que permite um meio informacional oceânico, possibilitando a
39
comunicação interativa sem fronteiras. – O segundo, refere-se às ―comunidades virtuais‖,
construídas a partir dos interesses, conhecimentos, projetos mútuos, processos de cooperação
e troca, independente da proximidade geográfica e da filiação institucional. Neste espaço
social, é passível a ocorrência de conflitos, mas também, de desenvolvimento de afinidades,
alianças intelectuais e amizades. É o espaço da construção de laços sociais, a possibilidade de
uma relação humana desterritorializada e transversal. Por último, a ―inteligência coletiva‖,
que seria o modo de realização da humanidade que a rede digital universal favorece.
Lévy ( 2008) chama a atenção sobre o futuro dos sistemas educacionais e do aspecto da
formação na cibercultura, pois deve-se levar em conta uma análise das mudanças que operam
na relação com o saber. Seus argumentos partem de algumas constatações: a velocidade do
surgimento e renovação dos saberes e saber-fazer; a nova natureza do trabalho que passa a
significar aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos; e ainda o fato do
ciberespaço suportar tecnologias intelectuais, ou seja, as tecnologias amplificam, exteriorizam
e modificam as funções cognitivas humanas, o que favorece novas formas de acesso à
informação, novos estilos de raciocínio e de conhecimento. Além disso, as memórias são
objetivadas em documentos digitais, reproduzíveis e compartilhadas. Tudo isso aumenta o
potencial de inteligência coletiva. Estas questões são confirmadas pelo autor ao dizer que:
O saber-fluxo, o trabalho-transação de conhecimento, as novas tecnologias
da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do
problema da educação e da formação. O que é preciso aprender não pode
mais ser planejado nem precisamente definido com antecedência. Os
percursos e perfis de competência são todos singulares e podem cada vez
menos ser canalizados em programas ou cursos válidos para todos. ( LÉVY,
2008,p. 158)
Portanto, apresenta-se a idéia de revisão do planejamento escolar concernente ao ensino e
aprendizagem. Compreende-se, também, que neste contexto de uso das novas tecnologias (
NT) a relação com o saber ganha nova dimensão, considerando que o sujeito cognitivo se
constrói em ambientes que apresentam, também, novas relações com os objetos do
conhecimento ( COSTA; OLIVEIRA, 2004). Isso porque, as novas representações do
conhecimento exigem que a escola, que está inserida neste contexto, supere as práticas
reducionistas de conhecimento e promova interações em ambientes de aprendizagem que se
constituirão, segundo Lévy (1999), numa ―nova ecologia cognitiva‖.
Nesse contexto do ciberespaço, promove-se um saber que é pensado junto com, dentro de
grupos, dentro de instituições. Os suportes da informática, tanto o papel como o computador e
40
a web (WWW- World Wide Web) não determinam os conteúdos do conhecimento, mas eles
contribuem para estruturar uma ecologia cognitiva das sociedades. O termo ecologia cognitiva
é utilizado por Pierre Lévy, com base nas idéias de Bateson(1991) e Guattari (1989). Diz
respeito ao espaço de agenciamentos ( Internet, por exemplo), onde as formas interativas
constituem e definem as possibilidades individuais, institucionais e técnicas. Segundo Lévy
(1999), estas possibilidades articulam-se formando coletividades pensantes. Neste contexto, a
palavra ecologia indica existência de relações entre os organismos vivos e não vivos, e a
palavra cognitiva denota relação com um novo conhecimento. Assim, é conceituada como a
busca por uma nova ecologia cognitiva, que envolve relações entre sujeitos, objetos e meio
ambiente que propiciem outras formas de perceber e entender os processos de construção do
conhecimento.9 Portanto, nas sociedades sem escrita, os conteúdos ou representação deles não
sobreviviam por muito tempo. Para codificar seus saberes, estas sociedades desenvolveram
técnicas como a narrativa e seus artifícios, a dramatização e a identificação. Já na sociedade
com escrita, o saber destaca-se das identidades pessoais e coletivas e busca a objetividade e
universalidade.
Assim, as ecologias cognitivas condicionam valores e critérios de julgamento das sociedades.
Estes critérios de avaliação do saber colocam-se em jogo na cibercultura, especialmente ao se
questionar quem são os seus atores. Nas sociedades anteriores à escrita, o saber estava
representado na comunidade viva, as pessoas poderiam ser consideradas bibliotecas vivas.
Com o advento da escrita, o saber era transmitido nos livros, portanto o intérprete é quem
domina o conhecimento. Com o surgimento da impressão, um terceiro tipo de conhecimento
aparece na figura do sábio e do cientista, passando o saber a ser transmitido pela Biblioteca,
não mais pelo livro. Finalmente, o saber é transmitido pelas coletividades humanas vivas e
inteligentes, sendo seu portador direto o ciberespaço – uma região dos mundos virtuais,
segundo Lévy (2008). Portanto, este é um saber ―destotalizado‖, que flutua e traz um
sentimento de desorientação, de desordem, mas é também, condição da existência de soluções
práticas. Nesta condição, o ideal mobilizador da informação é a inteligência coletiva.
Do ponto de vista da prevalência das linguagens existentes nestes diferentes tempos históricos
pode-se dizer que sua evolução abriu novas perspectivas para a cognição humana. Até a
9
HTTP://www.cinted.ufrgs.br/renote/nov2005/artigosrenote/a43_meio_ambiente_educação_informática.pdf.>ace
sso em 21/04/09.
41
Antiguidade, a linguagem dos gestos e a linguagem oral foram as formas mais primitivas de
comunicação, mas também, consideradas como importantes instrumentos de preservação da
cultura. A palavra oral ―era usada pelos antigos como elemento de gestão da memória social,
visto que toda experiência, toda descoberta, todo acervo cultural desses povos se encontravam
na memória dos indivíduos‖(BELMIRO, 2006, p. 13). Para que isso ocorresse eram
necessárias repetições periódicas, a fim de promover o armazenamento, caso contrário as
representações da sociedade poderiam desaparecer. Neste caso, emissor e receptor da
mensagem estavam no mesmo espaço e tempo para que pudessem escutar, repetir e agir
coletivamente.
O advento da escrita revolucionou a comunicação, ao possibilitar a separação do emissor e
receptor no tempo e no espaço (MCLUHAN apud BELMIRO, 2006). Ela passa a separar os
discursos das circunstâncias de produção, possibilitando a acumulação dos saberes,
desobrigando a memória humana como detentora da informação. As mensagens passam a ser
recebidas fora do seu contexto e novos recursos tecnológicos, como espaçamento, pontuação,
parágrafos, sumários, entre outros, são desenvolvidos como auxiliares da leitura do texto.
A invenção da imprensa disponibilizou o livro como seu principal suporte, e possibilitou a
perpetuação da mensagem, a produção de comparação, análises e críticas. Faz-se presente a
partir desta experiência, o trabalho do leitor que interpreta, apropria, inventa e produz novas
significações. Mas ― essa liberdade leitora, no entanto, não é absoluta, é cercada de limitações
derivadas das capacidades, limitações e hábitos que caracterizam as práticas de leitura em
suas diferenças de tempo e de espaço‖( BELMIRO, 2006, p. 16).
Nessa continuidade histórica, o ciberespaço inaugura uma nova fase na comunicação com a
chegada dos microprocessadores usados nos computadores pessoais. Uma mudança passa a
ser operada pela linguagem digital na qual ―a relação entre emissor e receptor é dissolvida,
abrindo-se, assim, o universo de criação e interpretação dos signos, inviabilizando a
determinação de um sentido prévio‖ (LÉVY, 2008, p. 17). Talvez seja possível compreender
esta inviabilidade como expressão das possibilidades contínuas de lidar com a novidade, com
o inesperado no processo de interação e produção de novos conhecimentos, uma nova
dinâmica na comunicação humana.
42
Na concepção de Lévy (2008), o ciberespaço, como interconexão dos computadores do
planeta, tende a tornar-se a principal infraestrutura de produção, transação e gerenciamento
econômicos e, também, um equipamento coletivo de memória, pensamento e comunicação.
Por isso, qualquer política de educação terá que levar esta realidade em consideração.
Reafirma esta questão ao dizer que‖as tecnologias digitais surgiram, então, como a
infraestrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização
e de transação, mas também, novo mercado da informação e do conhecimento‖(LÉVY, 2008
p. 32).
Sendo assim, é necessário compreender as mudanças culturais e sociais que acompanham a
evolução tecnológica, verificando a presença das novas tecnologias na educação. Na
perspectiva de Lévy (2008), as mudanças na relação com o saber, efetivam-se pelas
tecnologias digitais e as redes de comunicação interativa. Esse saber-fluxo, tem uma relação
intensa com a aprendizagem, a transmissão e produção de conhecimentos. Entretanto, esta
mudança pode ser bloqueada por estilos de pedagogia que não mobilizam a iniciativa dos
aprendizes, e que não tenham percebido que esse processo supõe trajetos de aprendizagem
personalizada, coerentes com diferentes objetivos e necessidades dos indivíduos e
comunidades.
3.1 Questões conceituais envolvidas na nova relação com o saber
Levando-se em consideração as transformações nos processos culturais, a partir das
linguagens oral, escrita e digital e, paralelamente pela designação de seus respectivos atores,
faz-se necessário discutir concepções que sustentem parte desta trama que envolve a
apropriação das NTs, no contexto escolar. Certamente, algumas das concepções mais
necessárias dizem respeito à cognição, informação, conhecimento e aprendizagem.
A informação, no contexto da comunicação, caracteriza-se como uma mensagem enviada de
um emissor para o receptor, o que significa um processo de codificação e decodificação,
produção de significado e atribuição de sentido por ambos. Segundo Duarte e Neves (2008),
na produção de significados é possível combinar códigos distintos, na configuração das
mensagens por ter um caráter mais ou menos universal, pode-se referir, por exemplo, a uma
cultura que compartilha o mesmo código linguístico. Já a produção de sentido, tem caráter
43
histórico-social, neste caso devem-se considerar as condições de recepção, fatores sociais e
culturais do receptor.
Outra concepção qualifica a informação como instrumento modificador da consciência do
homem e de seu grupo social (BARRETO apud COSTA e OLIVEIRA, 2004). Desta forma, o
conceito de informação relaciona-se com a concepção de conhecimento visto como uma
alteração realizada no estado cognitivo do sujeito fruta de uma interação com uma estrutura
de informação. Esta informação agrega valor ao conhecimento do sujeito, integra o seu
conjunto de saberes e torna a assumir o seu caráter objetivo. Nesse sentido, a informação só
existe porque alguém pode atribuir-lhe significado, o que supõe um processo cognitivo.
Machado (1996) relaciona informação e conhecimento com mais outros dois elementos –
dados e inteligência – constituindo o que ele chama de pirâmide informacional.
Pirâmide Informacional
Fonte: MACHADO, 1996, p.65.
Há uma interrelação entre esses elementos e a escola deve considerá-los em conjunto para
desempenhar sua função, que não é apenas formar e informar. Se o eixo central das atividades
escolares é a produção de significações, é necessário conceituar e compreender a
movimentação dos elementos da pirâmide.
Para que se cumpra a função de produção de significado, é preciso alimentar-se de dados e
informações, acumulados historicamente ou gerados continuamente ou mantidos em
44
constantes transformações, para assim construir e/ou desenvolver o conhecimento e a
inteligência das novas gerações.
Na base, estão os dados que podem ser: quantitativos e qualitativos, acumulados e
organizados de modo sistemático, como nas listas telefônicas, em gráficos, tabelas, ou
composto por observações desinteressadas, desprovidas de interesses. Desta forma, vai
depender de pessoas interessadas que os organizem e atribuam significados, transformando
em informação.
As informações referem-se a dados analisados e já processados. É neste nível que estaria os
meios de comunicação, podendo-se considerar, especialmente para este estudo, o computador
e a internet. Segundo Machado (1996) a informação é a matéria prima fundamental da escola,
porém o cerne de suas atividades não deve estar nesse nível. O mero acúmulo de informações
não conduz à construção de conhecimento. Na visão de Wurman (1991) citado por Machado
(1996) a ordem não é a garantia da compreensão, ela pode ocorrer pelo caminho da subversão.
Mas é preciso garantir a compreensão, que é a cura para o que ele chama de ―ansiedade da
informação‖, própria da sociedade atual.
Portanto, compreender é produzir significação, é envolver-se em relações. Assim, atingi-se o
conhecimento, que é a capacidade de estabelecer conexões, processar informações, analisá-
las, armazená-las e ainda avaliá-las segundo sua relevância a fim de organizá-las. É possível
pensar que a tarefa da escola estaria nesse nível, entretanto, o autor vai mais além:
Muitas vezes, pretende-se que o cerne da atividade escolar deveria situar-se
neste nível da pirâmide, identificando-se a vocação formativa da escola com
uma opção nítida pelo conhecimento, em contraposição ao caráter instável e
perfunctório de meras informações. Tal opção, no entanto, não passa de mal
entendido, na medida em que o conhecimento associa-se simbioticamente a
uma base de informações, ao mesmo tempo em que se articula
necessariamente com o nível seguinte da pirâmide informacional, qual seja,
o da inteligência. (MACHADO, 1996, p.68)
A inteligência significaria a competência do sujeito ou organização para administrar os
conhecimentos, dados, informações ou construir novos. É a capacidade de ter projetos, de
criar, uma face da capacidade humana inteligente. Para Machado (1996, p.68), é nesse sentido
que dever-se-ia convergir a maior parte das atividades escolares, num movimento constante
que estimule a criação de ―expectativas, esperanças, fatos, artefatos, princípios, conceitos.‖
45
As autoras Duarte e Neves (2008) realçam o fato de que algumas pessoas entendem a
cognição como o ato da aprendizagem, e vêem a aprendizagem como conhecimento. Por isso,
propõem avançar nas suas relações, ampliando os elementos conceituais. O ponto de partida
seria a aprendizagem, concebida como:
[...] um processo que vai além do processo cognitivo, porque não só
corresponde a mudanças estáveis (mas não imutáveis) de estruturas
cognitivas, ou seja, formação de redes no campo, diferenciação de áreas (não
estruturadas, estruturadas como um todo, reestruturadas numa nova
dimensão homóloga ou não à anterior, mas cujo produto se apresenta
diferente); também engloba mudanças de interesse, chamadas pelo autor de
valências (relação entre região do sujeito e regiões de atração) e, ainda,
mudanças de valores e ideologias. (DUARTE; NEVES, 2008, p. 774).
A visão de que a cognição é um mero mecanismo de processamento da informação está
presente no senso comum e em muitos autores do campo da comunicação. Para as autoras, a
cognição é muito mais do que um simples processamento da informação, envolve, também, a
análise, o julgamento, a crítica, e ainda, uma articulação permanente entre razão e emoção. É
um sistema complexo em transformação constante para a formação de significações, assim
descrito:
O pensamento ―pula‖ de uma representação para outra, desenha trilhas
que se bifurcam: tece tramas. Em sua hipertextualidade, se organiza
em modo ―fractal‖, no qual qualquer nó pode se revelar, como uma
rede que leva a outra rede, que leva a outra rede [...] sendo ―mantido
na trilha‖, pelo controle da percepção seletiva ligada à realidade.
(MAMEDE-NEVES apud DUARTE; NEVES, 2008, p. 775).
Esse sistema complexo é explicado por Lévy (1999) da seguinte maneira: a partir da audição
de uma palavra, ativa-se uma rede de outras palavras, conceitos, imagens, sensações, odores,
lembranças, afetos, e forma-se a configuração de uma grande rede semântica. A visão deste
fenômeno complexo está fundamentada em processos não lineares, de produção de sucessivas
sínteses, que sempre resultam em processos de transformação, que são irreversíveis aos
estados anteriores. Nesse processo, o conhecimento estrutura-se a partir da interpretação e
esta pressupõe o entendimento. Com esta compreensão Duarte; Neves (2008) inferem que é
muito simplista afirmar que as novas tecnologias ampliam a cognição, desenvolvem o
raciocínio. Aceitar esta prerrogativa é ignorar a complexidade do processo cognitivo que
propicia a aquisição do conhecimento.
46
Saber operar os recursos tecnológicos, neste caso, da informação e
comunicação, tanto pode envolver apenas uma pequena dose de cognição,
com sínteses muito básicas, quanto pode exigir um esforço imenso para
integração dos componentes distintos de uma imensa rede de significações e
para a produção de estratégias hipotético-dedutivas, nas quais o pensamento
crítico é essencial.(MAMEDE-NEVES apud DUARTE; NEVES, 2008,
p.776)
Do ponto de vista de Levy (1999, p. 160), ―os processos intelectuais não envolvem apenas a
mente, colocam em jogo coisas e objetos técnicos complexos de função representativa e os
processos operatórios que os acompanham‖. Pensando assim, as tecnologias intelectuais,
como a escrita, o livro e o computador têm um papel fundamental nos processos cognitivos,
pois intervêm nas faculdades de percepção, manipulação e imaginação.
Os novos modos de representação do conhecimento e manipulação da informação interferem
na percepção, levando à compreensão de que é a percepção o paradigma referente da
cognição, e não o raciocínio. Nesta teoria, conhecida como conexista, as redes mentais
passam, continuamente, do estado estabilização para a desestabilização. Cada nova percepção
promove mudanças na rede. Neste caso, para compreender a cognição humana não se faz
diferenciação entre a percepção, aprendizagem e memorização, mas estas funções combinadas
articulam-se pela experiência. (LÉVY, 1999). Este paradigma explica que a relação entre as
tecnologias intelectuais e o sistema cognitivo, ou seja, entre as faculdades de perceber,
imaginar e manipular e as tecnologias intelectuais é que promoveriam o pensamento abstrato.
Enquanto a faculdade da percepção faz o reconhecimento das formas, a capacidade de
imaginar possibilita fazer simulações mentais do mundo exterior, antecipar consequências dos
atos, sendo uma condição para se tomar decisões, tendo, portanto, um papel fundamental para
a aprendizagem. A aptidão cognitiva de manipular seria mais operativa, responsável por fazer
as trocas com o ambiente, o que é essencial para o pensamento lógico e para a construção da
cultura. É nessa bricolagem que o sujeito pode ―trafegar, reordenar e dispor parcelas do
mundo que nos cerca de tal forma que elas acabem por representar alguma coisa‖. (LÉVY
1999, p. 157) Isso significa que esta atividade envolve os sistemas semióticos, exige
interpretação, domínios de uso e significação.
Morin (1995) amplia a compreensão deste fenômeno da cognição na construção do
conhecimento, definindo o pensamento como algo complexo, que não pode ser linear e nem
47
simples, pois enfrenta a confusão, incerteza e contradição ao mesmo tempo. Em sua
conceituação, sugere que este pensamento complexo é responsável pela ampliação do saber.
Esse saber nunca se esgota e nem há um saber total, mas é aquele que vai se construindo,
reconstruindo.
3.2 As linguagens das tecnologias digitais
Nesse universo de cognição, mediado pelas tecnologias intelectuais, surgem novas formas de
representação do conhecimento e uma nova linguagem passa a fazer parte do cotidiano
escolar, que utiliza a tecnologia digital. Segundo Costa e Oliveira (2004), são elas: a
simulação, o hipertexto, o banco de dados distribuídos (BDD – um conjunto de banco de
dados logicamente inter-relacionados e distribuídos por uma rede de computadores) e os
sistemas inteligentes (forma de construir e organizar os conhecimentos através das
tecnologias). A simulação pode ser reconhecida como uma ferramenta relevante ao processo
de aprendizagem, uma vez que conteúdos complexos ganham representações visuais, teóricas
e práticas no ambiente virtual tornando possível a vivência de processos de experimentos, a
realização de intervenções e verificação de suas consequências.
O hipertexto constitui outra representação do conhecimento, que é definida grosso modo por
Coscarelli (2006, p.73) como ―um texto que traz conexões, chamadas links, com outros textos
que, por sua vez, conectam-se a outros, e assim por diante, formando uma grande rede de
textos‖.
Nessa perspectiva é possível relacionar o hipertexto cibernético e o pensamento humano,
identificando-os como complexos sistemas de redes interligadas. Lévy (1999) relaciona o
hipertexto a um conjunto de nós ligados por conexões. Estes nós podem ser palavras, páginas
imagens, sons, que não estão ligados linearmente, mas cada um realiza conexões em estrela.
Navegar por ele significa configurar um percurso que pode ser muito complicado, pois cada
nó pode conter uma rede inteira. Pode-se, assim, trabalhar com a hipótese de que a
hipertextualidade presente nas novas tecnologias ajuda a entender as questões do pensamento
ou da metacognição, ou seja, tornar possível a consciência e a regulação sobre os próprios
processos cognitivos. Este favorecimento permite análise crítica da informação e pressupõe
sociabilidade onde haja interação entre desiguais, mas com objetivos comuns.
48
A noção de hipertexto tem levantado alguns debates que questionam inclusive a sua novidade,
justificada pelo fato do índice, as notas de pé de página também não serem consideradas um
hipertexto. A linearidade da leitura também está em pauta, uma vez que os aspectos
estruturais e hierarquizadores do texto são considerados proposições necessárias à construção
do sentido pelo leitor. Mas ao mesmo tempo, leva-se em consideração que o leitor constrói
para si mesmo essa hierarquização, conforme suas competências e seus interesses. Um
exemplo seria a leitura não-linear do jornal. O leitor segue separando as informações que
servem aos seus propósitos. Trabalha-se, assim, com a hipótese que ―lê-se construindo e
relacionando tópicos e subtópicos. Isso parece revelar o caráter hipertextual do nosso
pensamento.‖(COSCARELLI, 2006, p.76). O que ainda não se sabe é a influência que esse
novo formato de leitura poderá exercer na execução de determinadas tarefas. Na visão de
Landow apud Coscarelli (2006), o hipertexto aumenta a liberdade individual, pois os usuários
são mais livres para seguir suas escolhas, seus links.A partir desta ideia, Coscarelli questiona
qual a diferença real entre o leitor de hipertexto e o leitor do texto impresso.
Em pesquisa feita por Morkes e Nielsen (1997) apud Coscarelli(2006) os leitores deste gênero
textual acabam desenvolvendo características e exigências relacionadas às suas práticas como
leitores da web: preferem uma escrita informal, para conseguirem rapidamente a informação;
querem um texto escaneável ( conciso, curto, direto) pois não lêem, escaneam; gostam mais
de resumos com a estrutura de uma pirâmide invertida, cuja conclusão é apresentada em
primeiro lugar; o conteúdo é mais importante; confiam nos links para acessar informação
confiável; esperam que gráficos e textos completem-se, detestam propagandas.
Dentre as formas de representação do conhecimento citadas, os bancos de dados distribuídos,
responsáveis pela organização, armazenagem e distribuição das informações, fazem emergir
uma nova habilidade no usuário que é saber como ter acesso a elas, uma vez que com a
grande quantidade de informações disponibilizadas é impossível o registro de onde elas estão.
Melhor seria saber a forma de acessá-las.
Os sistemas inteligentes, outra forma de representação citada por Costa e Oliveira(2004),
utilizam as simulações, os bancos de dados e hipertextos para compor uma base de dados, ou
seja, uma construção de novos saberes disponibilizados na rede e cooperando para o
49
desenvolvimento de comunidades de informação. Nestes sistemas, constituídos pelas relações
sociais entre os cibernéticos, os chats, as listas de discussões, teleconferência e os e-mails e
outros contribuem para a formação de coletividades do ciberespaço.
O chat é conhecido como um ―diálogo on-line, ou seja, uma conversa em que os participantes
digitam sua fala, traz uma linguagem muito informal e cheia de
particularidades.‖(COSCARELLI, 2006,p.69) Esta troca de mensagem é, também,
identificada como comunicação síncrona, pois se dá em tempo real, o envio e a recepção da
mensagem são simultâneos A objetividade e rapidez são suas características marcantes,
comprovadas pela permanente abreviação das palavras utilizada por seus praticantes. É um
tipo de texto que se aproxima mais da fala espontânea, de modo que inexiste a preocupação
com a norma culta da língua. Apesar de apresentar evidências de rebeldia ao convencionado,
Souza ( 2006, p. 118) menciona que a experiência, também, abre novas possibilidades: ―Nela,
grafemas são usados num jogo semiótico complexo e, por meio deles, buscam-se maneiras
inovadoras de se realizar o que é, tipicamente, realizado por fonemas, prosódia, expressão
facial, olhar e gestos‖.
Assim como os chats, os e-mails também são CMC, neste caso, referindo-se à interação
pessoa/pessoa. O e-mail é chamado de comunicação assíncrona, pois há intervalos de tempo
entre o envio e a recepção das mensagens. Estas formas textuais possibilitam novas
modalidades de comunicação e socialização. Autoras como Baym, Clark apud Souza (2006),
analisam os processos interativos desta microcultura, e sugerem que as formas de socialização
que se dão nos ambientes virtuais reproduzem as formas de socialização do mundo real. O
que é original são as características peculiares de interação no meio eletrônico.
Observa-se que as mudanças culturais, na perspectiva da comunicação humana, evidenciam
-se nas marcas históricas representadas pelo surgimento da escrita e do ciberespaço. O saber
antes representado nas pessoas passa a se fazer presente nos livros e agora, com o ciberespaço
é transmitido e produzido por coletividades humanas. Estas mudanças alteram a relação com
o saber, pois há novas formas de representação e entendimento do processo de produção do
conhecimento, uma nova ecologia cognitiva.
50
Na comunicação interativa, no uso das tecnologias digitais, vêem-se novas implicações
educativas para a compreensão dos processos de ensino-aprendizagem. Nesta nova condição,
especialmente considerando as questões envolvidas na relação com o saber, buscaram-se
referências conceituais que colaboram na compreensão do processo de cognição. Esta é, aqui
compreendida, como um fenômeno complexo, não linear, mais compatível com os processos
intelectuais que estão em jogo a partir das novas formas de representação do conhecimento no
ciberespaço.
Nesse universo da cognição, novas linguagens passam a fazer parte do cotidiano escolar. São
simulações, bancos de dados, hipertextos, constituindo-se em saberes, continuamente
atualizados, tal a velocidade de produção e disponibilização na rede. Além destas linguagens,
outros sistemas inteligentes viabilizam relações sociais, como chats, listas de discussões, e
mails, teleconferências. Cada um deles com suas características marcantes, mas todos
sugerindo novas formas de interação nos ambientes virtuais e como meios potenciais para o
uso nos processos de ensino-aprendizagem.
Portanto, compreender as mudanças culturais que interferem na comunicação mediada por
computador, o processo de cognição no contexto cibernético e a influência das novas
linguagens na aprendizagem e nas relações sociais são uma tarefa na qual os profissionais da
educação não podem se eximir, especialmente no sentido de refletir sobre seu impacto no
cotidiano da escola. Sendo assim, o próximo capítulo volta-se para as questões que desafiam a
escola e seu processo de ensino aprendizagem, num tempo onde não há como negar a
presença da tecnologia digital e sua relação com o conhecimento.
51
4. A TECNOLOGIA DIGITAL E O CONHECIMENTO NO CONTEXTO DA
ESCOLARIZAÇÃO CONTEMPORÂNEA
4.1 Desafios da escolarização atual
A escola, inserida no contexto deste momento histórico, em que a sociedade contemporânea é
reconhecida como sociedade do conhecimento, é desafiada pelo grande avanço das
tecnologias da informação e da comunicação. As transformações econômicas, culturais e
tecnológicas vividas pela sociedade afetam a escola, incitando-a a uma nova visão
paradigmática da condição social da humanidade. Fatores externos influenciam a sua estrutura
e funcionamento, o que leva à insatisfação dos próprios gestores, profissionais e comunidade
educacional. Suas condições internas são abaladas, especialmente, com a universalização do
acesso ao ensino fundamental, que leva para dentro da escola os problemas sociais, através
dos novos ingressantes, sujeitos das camadas sociais menos privilegiadas, aumentando-lhe o
desafio. Nesta realidade, a escola é identificada por Braga (2008) como a geni da sociedade.
Sobre ela se dirigem os olhares expectadores e críticos de autoridades e da mídia, imputando-
lhe responsabilidades.
Neste quadro, a prática docente em conjunto com a instituição escolar torna-
se simultaneamente o lócus da redenção social e a geni da sociedade. Aí a
esperança é depositada e também são arremessadas todas as pedras quando
da evidência de insuficiências, erros, fracassos, etc. (BRAGA, 2008, p. 2)
Dentre todas as situações enunciadas, acaba por evidenciar-se outro grave problema, a
questão da qualidade do ensino. Os resultados de avaliações nacionais põem em cheque a
qualidade dos seus processos pedagógicos. Além disso, a escola sofre pressões da sociedade
para atendimento de expectativas, geralmente conduzidas pelas mudanças no mundo do
trabalho. Estes são motivos suficientes para levá-la a confrontar-se com dilemas do seu
cotidiano pedagógico, a fim de promover inovações que respondam às demandas da
sociedade, e às necessidades da comunidade educativa.
A capacidade da escola brasileira para responder, positivamente, a todos estes fatores levanta
suspeita. Entretanto a compreensão destas ocorrências tem a validade de fazer reconhecer a
sua complexidade e procurar desvendar a gênese de alguns problemas que a cometem,
atualmente, a fim de encontrar soluções cabíveis para uma atuação eficaz. Sendo assim, pode-
se dizer que uma primeira fonte diz respeito à complexificação da escola em consequência da
52
universalização que faz desaguar no seu interior uma enormidade de problemas sociais
vivenciados pelos novos sujeitos nela incluídos. A segunda fonte de complexificação dos
problemas escolares é a mudança na esfera do conhecimento e as relações deste fato com as
disciplinas escolares e os novos processos de produção e socialização do conhecimento.
Muitas escolas, especialmente aquelas que procuram fazer uso pedagógico das novas
tecnologias, talvez comecem a sentir a dimensão deste desafio. Ambas permitem refletir sobre
a finalidade da escola.
4.1.1 A complexificação da escola a partir da mudança na esfera do conhecimento
Candau (2002) diz que a escola que se conhece, hoje, tem uma história recente. Ela
constituiu-se, praticamente, neste último século, consolidando-se como uma instituição que
tem a finalidade de promover a apropriação do conhecimento socialmente relevante e a
formação da cidadania. Para esta primeira finalidade, é preciso reconhecer que a tecnologia
digital está promovendo uma revolução na forma de produzir conhecimento. Ela
redimensiona as condições de acesso às fontes de informação, e desta forma, possibilita a
ampliação das situações de aprendizagem. Estas condições de acesso á informação são muito
diferentes da realidade antes do computador, e despontam como um desafio à relação
pedagógica que envolve o professor, o aluno e o conhecimento.
Além da perda de centralidade do professor no processo, o ensino, num contexto mais
investigativo do que transmissivo, começa a ser posto em prática em ambientes escolares,
onde a tecnologia digital está presente. Esta realidade implica uma relação com o saber
diferente da forma tradicional praticada nas escolas. (MACEDO, 2005). Para lidar com as
múltiplas fontes e suportes informáticos deve-se ―incentivar nas salas de aulas formas úteis de
avaliar a informação, de gerar e construir nova informação, de criar novas formas de pensar e
agir no mundo em que se vive‖. (SANTOMÈ, 1998, p.241)
Assim, para Candau (2002) a apropriação do conhecimento na escola contemporânea insere
-se numa perspectiva mais ampla, que inclui a condição da diversidade nas práticas
educativas, a necessidade de dinamismo, flexibilidade, diálogo, diversas formas de expressão
e de leituras de um mesmo fenômeno, articular igualdade e diferença, assumindo uma cultura
escolar plural, com diversidade de sujeitos, de estilos e com o compromisso de romper com
53
estereótipos. Enfim, avançar na perspectiva intercultural. Esta nova ambientação inclui
repensar os conteúdos escolares e a forma de produzir conhecimentos, o que significa
conceber a didática na perspectiva do:
....diálogo, e confronto intercultural, prazer, desafio, conquista do espaço,
descoberta de diferentes possibilidades de expressão e linguagens,
experiência da pluralidade, aventura, organização cidadã, ―empoderamento‖
de diferentes grupos sociais, principalmente dos marginalizados e excluídos,
e afirmação das dimensões cultural, ética e política de todo processo
educativo. (CANDAU, 2002, p.158)
Para a autora, é preciso reinventar a prática escolar, pois, até então, a monocultura escolar
preserva o estilo frontal de ensino. Assim, promover a apropriação do conhecimento
socialmente relevante significa considerar o cotidiano escolar, com todas as questões que ali
se apresentam e na diversidade dos sujeitos que ali se encontram.
O conhecimento socialmente relevante é motivo de reflexão atual. A escola tem o
compromisso com a disponibilização de conhecimentos científicos construídos pela
humanidade. Eles são constituídos nas disciplinas que surgiram para ―responder e
acompanhar a evolução do conhecimento científico e/ou para responder a alguma demanda
específica de interesses e tendências presentes na sociedade‖. (BRAGA, 2003, p.60) Mas,
considerando que estes saberes são selecionados, tendo como critério determinados sujeitos,
situados num determinado espaço e tempo, com uma história pessoal, a escola corre o risco de
apresentar conhecimentos restritos àquele contexto, circunscrevendo os saberes, naqueles
necessários apenas ao universo cultural daqueles indivíduos. De outro lado, com toda a
evolução dos meios comunicacionais, especificamente da informática, é improvável a
pretensão de ensinar tudo a todos. Entre uma situação e outra, o objetivo que se coloca é agir,
exaustivamente, na seleção de um ―conjunto de saberes considerados constitutivos do vínculo
social em um determinado momento da história de uma nação.‖ ( MEIRIEU, 2005, p. 39)
Assim, conta-se com a responsabilidade política de questionar o que é necessário para se
viver em comunidade, que linguagens e ferramentas é preciso dominar, quais seriam os
conhecimentos históricos, artísticos e científicos que devem ser compartilhados. Meirieu
(2005) sugere que é preciso equilibrar os saberes que unem com aqueles que fazem
movimento para fora, aqueles sentimentos de pertencimento e aqueles outros que promovem
solidariedades mais amplas. Estas são questões que devem ser estudadas à exaustão para se
definir o corpo de saberes que deve estar presente na escola.
54
Nesse contexto de crise da escola, ou seja, do não cumprimento de sua função, Candau (2002)
insiste que um dos desafios da escola, hoje, é reconhecer o cruzamento de saberes que se dá
no seu cotidiano: o saber docente, os saberes sociais de referência e os saberes construídos
pelos alunos. Os saberes sociais de referência não são definidos de uma hora para outra, mas é
uma construção que tem ―origem numa necessidade real do conjunto da sociedade que motiva
uma proposta de interferir na formação dos cidadãos em certa direção, em certo tempo.‖
(BRAGA, 2003, p.61) Portanto, os saberes das disciplinas escolares, podem se constituir a
partir de um jogo de forças que se estabelecem na leitura da realidade e dos interesses
políticos pedagógicos da instituição, muitas vezes, também, em função dos saberes docentes.
Conjugando todas estas interferências, ainda é preciso lembrar que estes saberes escolares não
são eternos e imutáveis, pelo contrário a sua obsolescência é muito mais dinâmica, eles se
modificam e procuram se adequar ao perfil de homem que se quer formar.
Mas é urgente discutir sobre estes saberes definidos nos programas escolares e aqueles de
interesse dos estudantes. Atualmente, a ênfase aos interesses dos estudantes se apresenta
como uma possível solução para diminuir o desconforto com o desagrado manifestado por
eles em relação à escola, e uma forma de compensação da chamada ―crise da motivação‖,
uma interpretação dos professores ao fenômeno de exclusão escolar. (DUBET, 2003). Os
primeiros, os saberes determinados pela escola, obedecem a uma lógica que escapa aos
alunos, correndo o risco de serem desvitalizados, e desta forma perder o sentido para o aluno
ou mesmo ganhar um distanciamento dos seus interesses. O segundo são aqueles que
mobilizam a vontade de aprender dos alunos e cuja apropriação é vista como indispensável.
Contudo, segundo Meirieu (2005) nenhum aluno pode decidir o que deve aprender, pois se
soubesse não seria aluno e não teria a necessidade de aprender. ―Para estatuir sobre a
pertinência e a fecundidade de uma aprendizagem, é preciso já tê-la realizado, é preciso,
inclusive tê-las colocado em perspectiva, tê-las comparado e finalmente estatuído sobre sua
possível transposição didática‖. (MEIRIEU, 2005, p. 79)
Então, a incômoda e persistente pergunta é: Como conceber o processo de aprendizagem e a
apropriação do conhecimento socialmente relevante, em meio às considerações de duas
lógicas do processo escolar? Pode parecer simples articular as duas, mas os interesses dos
estudantes nem sempre são programáveis e diferem muito entre os indivíduos, com suas
55
histórias e objetivos pessoais. Possivelmente, este é um grande impasse, pois na tentativa de
sistematizar os interesses ou escolarizá-los, corre-se o risco de matá-los. A questão essencial
que se coloca é: qual seria a maneira de compartilhar saberes que conciliem essas duas
dimensões? A resposta que Meirieu (2003) dá à questão está relacionada a trabalhar a partir
da gênese dos conhecimentos, de onde eles surgiram, situando os alunos na história que
possibilitou sua exigência. Subentende-se procurar associar os interesses dos alunos a
questões que os saberes já responderam um dia. É portanto,
aproximar os saberes por sua gênese, inscrevendo-os na dinâmica que os
trouxe à tona, remetendo-os ao lugar que ocuparam na história dos homens,
fazendo deles não ―utilidades escolares‖, mas verdadeiros ―objetos culturais‖
com seu próprio poder de atração. (MEIRIEU, 2003, p. 83)
O autor sugere buscar um interesse endógeno que emerge da capacidade de buscar
indagações, levantar inquietações, refazer o percurso das conquistas do conhecimento. O que
ocorre é que desta forma o professor estimula o interesse de ordem antropológica, um
caminho que, possivelmente, pode levar a uma identificação com a condição humana e
vincular o aluno a uma história que ele é herdeiro. Sugere, ainda, que o próprio movimento do
conhecimento possa resgatar o ―sabor‖ dos saberes escolares. Este é um resgate que a escola
deve fazer, é o seu papel recuperar esta unidade, fazer dos saberes objetos de interesse em si
mesmos.
Cordeiro (2007) defende a idéia de que o professor não deve render-se ao interesses dos
alunos, porém deve entender como se dão os processos de atribuição de sentido e procurar
operar sobre eles. Esta é uma dimensão da relação pedagógica, que deve ser tratada no
processo contínuo de formação destes professores, através de uma avaliação sobre as suas
próprias formas de relação com o saber e os sentidos que eles mesmos atribuem aos
conhecimentos que domina e ensina. Deve questionar se eles são relevantes, o que significam
ou significaram na sua formação como sujeito-professor, e o que pode significar para os
alunos.
Há que se descobrir como trabalhar esta rede de saberes- os docentes, os saberes sociais
relevantes, os saberes do aluno - do ponto de vista pedagógico e, para isto, é preciso repensar
as dimensões que estão envolvidas no processo educacional.
56
Um dos desafios do momento é ampliar, reconhecer e favorecer distintos
lócus, ecossistemas educacionais, diferentes espaços de produção da
informação e do conhecimento, de criação e reconhecimento de identidades,
práticas culturais e sociais, de caráter presencial e/ou virtual, onde diversas
linguagens são trabalhadas e pluralidade de sujeitos interagem.(CANDAU,
2002,p. 155)
A formação da cidadania, também, é uma finalidade da escola, porque a escolarização
constitui-se num instrumento de construção da sociedade democrática. (MELLO apud
LIBANEO, 1994) Esta função social da escola deveria ser a sua vocação e uma condição
existencial que garantisse a todos que ali chegam o compartilhamento dos saberes. Se
conduzida com o objetivo da universalidade, a escola pertence a todos e não é propriedade
exclusiva de ninguém, assim ela caracteriza-se como um espaço público e desta forma deve
construir suas regras de funcionamento que lhe darão identidade, representarão os valores
comuns dos indivíduos que ali se organizam. Esta condição de aprender a produzir o espaço
público na escola é que permite o aprendizado da cidadania, possibilita que se trabalhe de
forma conjunta na definição e implementação do ―bem comum‖. (MEIRIEU, 2005)
Para Libâneo (1994), a escolarização é indispensável ao exercício da cidadania e tem,
portanto, uma finalidade muito prática. Os alunos adquirem o entendimento crítico da
realidade, através das matérias e domínio dos métodos que desenvolvem suas capacidades
cognoscitivas, a fim de elaborarem conhecimentos por eles mesmos. Desta forma, estes
conhecimentos poderiam representar o interesse majoritário da sociedade, e ao mesmo tempo,
inseri-los às lutas sociais. Mas a escola pública não consegue atender a estas finalidades. Os
problemas são múltiplos, desde políticas públicas inadequadas até questões referentes a
diferenças no processo de ensino, no interior da escola, que discrimina os alunos mais fracos,
dirigindo-os para trajetórias menos qualificadas.
Se o objetivo da escola pública é a preparação dos jovens para a participação ativa na vida
social, sendo assim fundamental para o processo de democratização da sociedade, o desafio
está posto: atender à diversificação dos educandos, considerando os seus conhecimentos e
experiências de vida, como referência para os seus objetivos, conteúdos e métodos. As
condições de vida da população devem ser consideradas de modo que se impeça a exclusão e
o fracasso escolar. (LIBÂNEO, 1994)
57
Portanto essas duas funções básicas da escola, a apropriação do conhecimento socialmente
relevante e a cidadania, estão em crise. A escola não tem conseguido realizá-las. Ela perdeu a
exclusividade de acesso ao conhecimento, uma vez que se multiplicaram as formas de aceder
a ele. No emaranhado de seus múltiplos compromissos, muitas vezes não consegue identificar
o conhecimento socialmente relevante, faltam-lhe lucidez e esforço dirigido, pois a sua
energia é consumida pelos problemas cotidianos. E ainda, o exercício da cidadania implica
vivenciar processos democráticos que se expressam nos tipos de tarefas que se trabalha na
sala de aula, na sua forma de organização, na maneira como se estruturam as relações.
Portanto, as escolas que mantém uma estrutura com baixo grau de participação dos
estudantes, que não desenvolvem a compreensão sobre os processos de trabalho e modos de
convivência, não têm autonomia para tomar decisões, estão distanciadas dessa formação.
4.1.2 A complexificação da escola em consequência da universalização
Há prementes e desejadas configurações do cenário da escola pública hoje, que visam
transformá-la de uma escola seletiva em uma escola para todos, o que significa além de dar o
acesso a todos, proporcionar um aproveitamento significativo que não exclua estudantes ao
longo dos anos e nem realize um pseudo-sucesso, por promoções contínuas sem qualidade no
processo. (MACEDO, 2005) Esta não é uma tarefa opcional, pois as leis garantem à criança o
direito de aprender, mas a escola tradicional em sua estrutura, funcionamento e concepções,
não conseguem responder de forma adequada à diversidade que se faz presente no seu
interior. Esta condição atual, também, remete ao questionamento se a escola está cumprindo o
seu papel. Qual seria a sua função num tempo em que o conhecimento é muito valorizado,
mas a escola não é o lócus exclusivo do saber, e há um público novo incluído no processo de
escolarização. Isto se deve a uma expansão das vagas, a partir dos anos 70, na escola pública
brasileira, que passou a atender grandes parcelas da população, consideradas menos
favorecidas. (CORDEIRO, 2007)
Essa expansão acelerada atingiu o que se pode chamar de ―escolarização de massas e
universalização do ensino fundamental.‖ Este público ―novo‖ mudou a realidade da escola e
promoveu no seu interior um dinamismo de problemas sociais que influenciam nos processos
escolares. As pesquisas sociológicas têm revelado uma preocupação com a concentração
destes problemas na escola. Se, anteriormente, os estudos sociológicos estavam centralizados
58
na escola como reprodutora das desigualdades sociais, atualmente procuram analisar o papel
da escola nos mecanismos da exclusão escolar.
Nos estudos de François Dubet, sobre pesquisas realizadas nesta temática (2003), a escola está
sendo questionada pela diversidade de respostas oferecidas aos alunos de bairros ―difíceis‖.
Enquanto umas se deixam invadir pela violência, outras resistem eficazmente. Esta superação,
geralmente, está relacionada ao grau de mobilização e engajamento das equipes. Ao mesmo
tempo, as pesquisas indicam um aprofundamento da distância cultural e social entre os
professores e alunos. Vê-se um distanciamento entre as expectativas das famílias e os projetos
da escola, o que promove uma crise da sua legitimidade.
Esse contexto de massificação tem promovido uma experiência de exclusão que reforça a
crença de um sujeito heróico, de direito, de igualdade de oportunidades e de potencialidades,
estimulando o princípio de que todos são aspirantes iguais. Alimenta a representação de um
sujeito responsável por sua vida, por seu destino, dono de si mesmo. Este aspecto por um lado
e, a meritocracia de outro, que classifica os indivíduos em função dos seus méritos, acaba por
constituir um fenômeno que leva os alunos a se sentirem destruídos, por sua exclusão do
sistema, assumindo a sua nulidade. (DUBET, 2003)
São duas as repostas que se fazem conhecidas a essas tensões estruturais do sistema escolar. A
primeira e mais antiga é o retraimento. Aqueles alunos mal sucedidos descobrem que os
esforços para remediarem a sua ineficiência não são eficazes e, assim, escolhem não fazer
mais o jogo, não participar da competição, entregando-se ao ritualismo escolar. Deste modo
eles se desobrigam de qualquer envolvimento escolar. É uma estratégia racional, que permite
aos alunos manterem a sua dignidade. A segunda resposta é o conflito, representado pelas
violências escolares. Neste sentido, as violências ganham significações diferentes: há aquelas
que entram na escola como resultado das crises sociais representadas pelas gangues, pelos
roubos, insultos, na qual a escola é ameaçada pela exclusão social existente na sociedade; e
há, também, reações à violência da escola, que são as agressões contra professores, roubo de
materiais. É como se fosse um protesto não explícito e uma forma de construir sua dignidade
contra a escola. Portanto, estas violências procedem tanto da exclusão social quanto da
exclusão escolar.
59
Observa-se que mesmo de forma não organizada e consciente, a escola é agente de uma
exclusão específica, que tem interferido na experiência escolar dos alunos, e certamente,
influenciado na sua relação com os saberes e com a própria escola, como instituição do saber.
Deste modo, vive uma contradição, pois ao mesmo tempo em que integra mais, ela também
exclui mais.
Para Alarcão (2001), a escola está sendo reconhecida na sua ambiguidade intrínseca. Ela
mantém-se conservadora, e ao mesmo tempo, procura uma relativa autonomia, própria do
modo organizativo inovador. Resiste e se protege no modelo tradicional que lhe arma e dá
segurança e ao mesmo tempo ousa ser mais participativa e democrática, produzindo uma
cultura interna muito própria. Na medida em que ela se aceita nestas funções conservadora/
inovadora ela começa a se libertar, pensar em si própria, reorganizar-se, avaliar sua missão
social, sua estrutura e processos, ressignificar sua forma de construção do conhecimento. É
essa ambiguidade intrínseca que faz com que o cotidiano da escola esteja ―repleto de
contradições, conflitos, lutas pelo domínio do poder e do saber. Hoje, na sociedade do
conhecimento, e também na escola, vivem-se tempos de incertezas e rápidas mudanças,
notadamente, no que diz respeito às informações.‖ (ALARCÃO, 2001, p.70)
Nesse complexo contexto, inclui-se, ainda, a introdução das tecnologias digitais no sistema
educacional. Menos como catalisador e mais como alavanca deste processo de mudança, o
uso inteligente e crítico da informação pode estar apenas começando, como par de tantas
outras questões aqui desenvolvidas. Uma coisa é dotar as escolas com infraestrutura e
recursos tecnológicos, outra é a presença das tecnologias digitais, promovendo profunda
inovação e melhoria na qualidade do ensino. Este é um processo que envolve questões
políticas, econômicas, culturais, cujo desafio é avançar para que se construa um projeto
democrático da sociedade da informação. (ÁREA apud SANCHO, 2006).
4.2 A caminhada histórica do conhecimento e suas implicações para a escola
contemporânea
É relevante para este estudo, identificar a gênese e alguns momentos históricos que foram
relevantes para a constituição dos saberes escolares, visando compreender como a sua
dinâmica justificaria algumas mudanças no momento atual da escolarização. Este é o
60
momento em que a escola passa a incluir as tecnologias digitais no seu cotidiano, o que
levanta questionamentos sobre a relação dos estudantes com os saberes escolares e sobre as
novas possibilidades de produção do conhecimento, a partir do uso da internet. Vive-se, neste
contexto, a possibilidade de mudança nos modelos pedagógicos, nas rotinas e formas das
tarefas escolares que estão, historicamente, convencionados.
No século XVII, o conhecimento tinha uma geografia específica. Ele não estava distribuído de
maneira igual por toda a Europa. As cidades eram o ponto de encontro das pessoas que
cruzavam informações, pois estes encontros pessoais tinham um impacto mais profundo do
que a simples troca de cartas. (BURKE, 2003)
Burke utiliza a expressão ―geografia do conhecimento‖ para descrever a distribuição espacial
dos conhecimentos, os lugares onde ele era descoberto, guardado e, também, difundido.
Estavam presentes nas sedes tradicionais como os mosteiros, as universidades, os hospitais e
também, no laboratório, na galeria de arte, nas livrarias e bibliotecas, escritórios e cafés. Para
as trocas de notícias, as tabernas e barbearias destacavam-se. Dentre estes espaços, depois da
invenção da imprensa a biblioteca ampliou sua importância. Fora das universidades, elas se
tornaram centros de estudos e trocas de idéias e informações combinando as comunicações
orais e escritas.
Essas sedes do conhecimento multiplicaram-se pelas grandes cidades européias, onde era
facilitada a ―interação entre homens de ação e homens de conhecimento, entre nobres e
artesãos, entre o trabalho de campo e o gabinete.‖ (BURKE, 2003, p.57) Nas cidades
melhores e mais centrais das Américas, China e da Europa deveriam estar os ―agentes de
informação,‖ aqueles profissionais que enviariam as informações para Londres. Esta
comunidade internacional da época passou a constituir-se como uma ―Comunidade do Saber‖,
pois realizavam intercâmbios intelectuais.
A Europa do fim da idade média centralizou a informação, especialmente sobre a história
natural de outras partes do mundo que foram enviadas para lá, e também exportou
conhecimento. Neste contexto, os portos tiveram um papel significativo, pois neles se
reuniam diferentes tipos de pessoas com diversidade de conhecimentos, desta forma, lá se
realizava o comércio, e ao mesmo tempo, a troca de conhecimentos. Além dos portos, as
61
cidades passaram a ser as capitais do conhecimento, sendo que as principais abrigavam
bibliotecas que se tornaram o centro das atividades intelectuais. Foram, também, conhecidas
como ―centros de cálculo‖, uma vez que as informações vindas das diferentes regiões eram
transformadas em conhecimento, através da produção de mapas e estatísticas. Nela,
processava-se o conhecimento, o que incluía ―compilar, editar, traduzir, comentar, criticar,
sintetizar‖.
À medida que a informação se deslocava na rota do campo à cidade, grande
quantidade de diferentes indivíduos acrescentava sua contribuição. Por meio
disso, o conhecimento era ―produzido‖ no sentido de que as novas
informações se transformavam no que era visto – ao menos pelos letrados –
como conhecimento. (BURKE, 2003, p. 72)
Esse conhecimento era reenviado na forma impressa, pois estas cidades eram centros
impressores. A sua distribuição, inicialmente, seguiu a rota dos negócios, e mais tarde
desvencilhou-se delas, criando rotas próprias. Isto significou, também, reconhecer a variedade
de conhecimentos existentes, que passou a ser classificado de diferentes maneiras. Começou
-se a fazer distinções entre conhecimento teórico, dos filósofos e prático, dos empíricos, o
conhecimento público e o privado, introduzindo o debate sobre que tipo de conhecimento
deveria ser compartilhado e com quem. O fato histórico, que ilustra bem este aspecto,
apresenta-se no movimento da Reforma, na qual se questionou se o conhecimento religioso
deveria ser permitido aos leigos. Acrescido a este contexto, havia alguns conhecimentos que
deveriam ser mantidos em segredo, não do público em geral, mas de toda humanidade,
traçando-se uma separação entre o conhecimento legítimo e o proibido. Fato interessante é
que neste debate questionou-se até que ponto a curiosidade intelectual era legítima, ou não
passava de uma vaidade ou pecado, sendo condenada por João Calvino (reformador) e santo
Agostinho, o que, anteriormente, não acontecia, pois no século XVII ela estava relacionada,
positivamente, a grupos de homens de saber.
O conhecimento alto se referia ao conhecimento masculino, visto como superior ao feminino
(baixo) ligado à piedade e a ação doméstica. Desta forma, também, distinguia-se o
conhecimento liberal, herança dos clássicos gregos e latinos, como um tipo elevado em
relação ao conhecimento útil que se referia àqueles produzidos no comércio, detidos pelos
mercadores e artesãos. Além de todas estas diferenças, o conhecimento especializado era
confrontado com o geral ou universal, provocando debates que influenciaram a reforma
educacional de Comenius e seus seguidores. Devia - se saber tudo ou saber alguma coisa
62
sobre tudo, pois o que se defendia era possuir uma cultura geral. Este ideal da generalidade
era expresso, também, por Isaac Barrow (apud BURKE, 2003, p. 81) que reconhecia a sua
necessidade ―pela conexão entre as coisas e a interdependência das noções, de tal forma que
uma parte do saber lança luz sobre as outras‖. A fragmentação do conhecimento desde então,
já era observada e vista com tristeza:
Partimos as artes e as ciências em fragmentos, de acordo com a limitação de
nossas capacidades, e não só não somos pansóficos para ver o todo, como
somos monotemáticos.(...) O conhecimento universal não está mais ao
alcance do homem.(COMMONWEALTH, 1659, apud BURKE, 2003,p.81)
Categorizaram, ainda, o conhecimento dos livros e o das coisas, o conhecimento qualitativo e
o quantitativo, porém o mais relevante, neste estudo, é identificar o conhecimento acadêmico.
Para compreender esta antropologia do conhecimento, as pesquisas de Burke revelam que três
metáforas foram utilizadas para se visualizar a organização deste conhecimento.
Inicialmente, como “Campo”, um tratamento para designar os vários domínios ou reinos do
conhecimento acadêmico. Outra é a simbologia da “Árvore” com seus galhos, o que supõe
pensar uma hierarquização entre aqueles conhecimentos dominantes e subordinados. Esta
estrutura arbórea do conhecimento tornou-se a metáfora tradicional para representar a
concepção racionalista com base na fragmentação cartesiana do saber, na qual sintetiza o
fluxo de informação pelos caminhos internos da árvore do conhecimento. (PABLOS, 2006) E
por último, um termo mais abstrato, como “Sistema”, aplicado tanto às disciplinas
específicas como ao conhecimento como um todo.
Na prática, a classificação do conhecimento acadêmico teve como suporte um tripé
intelectual: os currículos, as bibliotecas e as enciclopédias. O currículo surge como uma
metáfora ao atletismo clássico, significando o curso onde os estudantes tinham que correr,
representando, assim, o sistema de disciplinas. A palavra disciplina, derivada de discere, ou
seja, aprender. O termo não tinha neutralidade, no mundo clássico estava associado ao
atletismo, com o exército ou filosofia dos estóicos, remetendo ao autocontrole. No período
medieval, esteve associada aos mosteiros, portanto à penitência e flagelação, e no século XVI
referia-se a disciplina na igreja, e a disciplina militar, o que reforça a ideia de que, neste
tempo, a palavra esteve associada a um movimento disciplinador nas escolas, universidades e
igrejas. As disciplinas científicas são consideradas uma invenção do final do século XVIII e
início do XIX. A novidade, nesta época, mais do que a ideia de disciplina é a
63
institucionalização de departamentos acadêmicos nas universidades, chamadas de faculdades,
termo que se referia a ramos do conhecimento.
Na pesquisa realizada por Chervel (1990), o termo, inicialmente estava relacionado ao verbo
disciplinar, no sentido de ginástica intelectual, herança do ensino clássico. Após a I Guerra
Mundial, perde esta exigência de formação do espírito para, simplesmente, referir-se às
matérias de ensino nos níveis iniciais da escolarização, o que, segundo a Lei 9304, que
regulamenta a educação brasileira, corresponde à escolarização básica (educação infantil,
ensino fundamental e médio).
No segundo tripé da classificação do conhecimento, estariam as bibliotecas, nas quais a ordem
dos livros deveria reproduzir a ordem do currículo das universidades, que na época estavam
divididas em quatro grupos principais: as artes, a teologia, o direito e a medicina. Da mesma
forma, o terceiro tripé, as enciclopédias, literalmente significando ―círculo do aprendizado‖,
também se organizava, conforme o currículo educacional. Este tripé, além de apoiar-se
mutuamente, possuía uma interdependência de modo que as mudanças em um deles
influenciavam a mudança dos demais.
Um destaque histórico refere-se aos museus, identificados, também, como ―gabinetes de
curiosidades‖, que mostraram avanço nos séculos XVI, XVII e XVIII, em cujas pesquisas,
através de imagens que os retratavam, revelam o desejo de classificar os objetos, estabelecer
coleções temáticas. Esta questão é explicada por Burke:
Não surpreende, portanto que a ascensão aparentemente irresistível dos
museus nesse período tenha sido explicada, não só como um indicador da
expansão da curiosidade, mas como uma tentativa de administrar uma ―crise
do conhecimento‖ que se seguiu à inundação da Europa pelos novos objetos
provenientes do Novo Mundo e de outros lugares – crocodilos, tatus, cocares
de penas, múmias egípcias recentemente descobertas, porcelana chinesa –
objetos que resistiam a se adaptar às categorias tradicionais. (BURKE, 2003,
p. 102)
A questão do conhecimento acadêmico foi estudada no século XVII por René Descartes,
Auguste Comte e Emmanuel Kant que se preocuparam com o grau de fragmentação do
conhecimento, buscando propostas de estabelecer maior unificação. Mesmo na criação da
Enciclopédia por D‘Alembert, considerada o ―Dicionário das ciências, das artes e dos ofícios‖
existia o interesse em estabelecer conexões entre os saberes, tentando ligar a ciência à técnica.
64
Entretanto, os modelos econômicos capitalistas, as revoluções industriais e a transformação
das sociedades agrárias cooperaram para disciplinarizar o conhecimento. A especialização,
em determinados conhecimentos, ajudou a enfrentar os problemas das indústrias exigindo
maior independência no campo profissional e de conhecimento. (SANTOMÈ, 1998)
Durante o processo histórico que constituiu a escola que se conhece, hoje, muitas mudanças
ocorreram. Uma das mais significativas é a organização dos conteúdos em disciplinas, que
acabaram por estabelecer um modo padronizado de aprender e de se relacionar com o
conhecimento. Os sujeitos em escolarização estabelecem um tipo de relação com a cultura e
com o conhecimento, fruto da aquisição de um conjunto comum de saberes. Desta maneira,
adquirem um conjunto de critérios de julgamento dos saberes. Este acesso a um currículo
padronizado e homogêneo é que permite a criação da ideia de comunidade. O que significa
que as pessoas escolarizadas adquiriram referências culturais comuns. Estas condições são
essenciais para se estabelecer um espaço comum de troca de ideias, para desenvolver a
política e a democracia. (CORDEIRO, 2007) Contudo, essa possibilidade está sendo
ameaçada, uma vez que existem cada vez mais mecanismos de acesso à informação e à
aquisição do conhecimento. Esses mecanismos, empregados com critérios de equidade podem
democratizar o acesso ao conhecimento.
As possibilidades abertas pela internet e pelas redes virtuais de comunicação
apontam no sentido de tornar disponíveis para extensas parcelas da
humanidade uma grande quantidade de saber acumulado. No entanto, há
muitos riscos envolvidos na idéia de se abolir a escola ou, pelo menos, de
abrandar demais os rigores do currículo escolar, de modo a deixar por conta
de cada indivíduo a escolha do seu próprio recorte curricular. (CORDEIRO,
2007, p. 31)
As diversas disciplinas constituem o currículo escolar e este pode ser compreendido como um
filtro da memória coletiva, que possibilita o diálogo e troca de ideias entre as pessoas. Se ele
não existir, pode-se imaginar que cada pessoa passa a se relacionar, diretamente, com o
conhecimento, sem mediação, ignorando a necessidade de uma ação gregária. (ECO,1999
apud CORDEIRO, 2007)
Estes conhecimentos que constituem o currículo escolar devem ser percebidos como uma
construção social, e desta forma podem ser mudados. É comum que as pessoas criem uma
representação dos conhecimentos escolares, imaginando-os como um conjunto de
informações que devem ser memorizadas e que podem ser recuperadas a qualquer momento.
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Esta é uma concepção que compreende um modo padronizado de aprender e se relacionar
com o conhecimento. (CORDEIRO, 2007) Porém, as mudanças ocasionadas com a revolução
tecnológica da sociedade implicam uma nova relação com o conhecimento, e a escola tem o
desafio de compreendê-lo no espaço escolar, uma vez que para repensar o conhecimento
escolar ela está colocando em jogo, também, a sua forma e os modos de apropriação.
Esta pequena retrospectiva histórica e conceitual permite considerar que, ao longo do tempo, a
necessidade de buscar informação, produzir, organizar, categorizar, controlar e difundir o
conhecimento, foi ganhando uma proporção gigantesca. O processo de globalização, que
ganha nova configuração com o avanço dos meios de comunicação no século XX, multiplicou
o acesso a informação, assim como ampliou a produção de conhecimento. Análogo a este
processo, faz-se necessário reconhecer a discussão que passa a envolver a educação,
colocando em pauta de forma intermitente, a relevância dos conhecimentos escolares. Os
avanços na concepção do conhecimento produziram efeitos nas análises sobre os processos de
escolarização, e também, sobre os conteúdos culturais que constituíam o ensino, indicando um
distanciamento entre a realidade e as instituições escolares (SANTOMÈ, 1998).
Chervel nos seus estudos sobre a história das disciplinas escolares, compreende que a gênese
das disciplinas está no ensino escolar. A disciplina possibilita que o conhecimento torne-se
ensinável porque tem a função de estabelecer o conteúdo e a sua forma. Ao mesmo tempo em
que reforça a importância da estabilidade da disciplina, que prevalece a partir dos sucessos
alcançados na formação dos alunos, ele diz que esta estabilidade está inscrita numa
transformação histórica. Desta forma, certifica que o seu processo de mudança deve-se a dois
fatores: a finalidade a ser alcançada pela escola e a população de crianças e adolescentes a ser
instruída. Estes dois pólos são as fontes de mudança pedagógica a ser considerada, pois estão
relacionados à cultura e à vida social de seu tempo. (CHERVEL, 1990) A transformação do
público escolar, leva à necessidade da disciplina se adaptar, colocando em evidência a
validade dos conteúdos e sua significância.
Neste contexto, atualmente, são confrontados os currículos disciplinarizados e aqueles mais
globalizados, reforçando, agora, de forma ainda mais evidente, a questão da
interdisciplinaridade e o que isso representa no processo de escolarização. As mudanças na
66
sociedade influenciam, também, o âmbito do ensino, de modo que através de reformulação de
propostas curriculares encontrem-se soluções válidas para as novas intenções educativas.
Na criação de seus projetos educacionais, as instituições devem aproximar-se das diferentes
dimensões da sociedade e da cultura, pois elas trazem novos desafios ao processo de
mudança. Isso exige outro tipo de preparação cognitiva, social e afetiva, e indicando que a
tarefa de ensinar na sociedade do conhecimento exige novas capacidades e habilidades, que
incluem aprender a solucionar problemas de modo autônomo, usar a criatividade, ter
iniciativa, trabalhar em equipes e em redes, saber enfrentar as mudanças. (PABLOS, 2006)
Dentre os desafios da escolarização contemporânea está a forma como a escola está
concebendo o conhecimento, considerando que ao longo de sua história evolutiva, a oralidade,
a escrita, e hoje, as tecnologias da informação e comunicação são ferramentas que impactam
sobre o próprio conhecimento, sobre as tecnologias e os saberes que produz. Enquanto a
oralidade mantinha uma comunicação do tipo narrativa, tendo como base a tradição, a escrita
privilegiou um saber abstrato, hierárquico, sustentado pela descrição e interpretação, e nas
TICs está presente um saber operacional, que se caracteriza pela velocidade do processamento
e pela associação que rompe as barreiras da hierarquização.
O trabalho escolar que inclui as TICs deve considerar o processo de disciplinaridade do saber,
assim como a relevância da multidisciplinaridade, da pluridisciplinaridade e, sobretudo da
interdisciplinaridade, ao proporcionar o ―trânsito entre os diferentes compartimentos do saber
contemporâneo, possibilitando um conhecimento mais abrangente por ser mais
interativo‖.(PABLOS, 2006, p.68) O uso das TICs permite a construção de novos formatos
educativos, pois quebram as barreiras disciplinares e abre a possibilidade de aprender de
forma interdisciplinar e aberta. Estas questões envolvem uma nova visão paradigmática que
compreende o processo ensino-aprendizagem em outros parâmetros, que fogem daquela
forma tradicional e reprodutora de tratar o conhecimento escolar. Aproveitar os recursos das
tecnologias digitais como a internet significa relativizar o tempo e o espaço, mudar as rotinas
e tarefas escolares, o que intervém nos processos escolares, que há séculos estão instaurados.
Mas é necessário considerar o seu potencial:
As potencialidades educativas das redes informáticas obrigam a repensar
muito seriamente a dimensão individual e coletiva dos processos de ensino-
67
aprendizagem, os ritmos ou tempos de aprendizagem, as novas formas de
estruturar a informação para a construção do conhecimento, as tarefas e as
capacidades de professores e alunos, etc. As possibilidades de apoiar nesses
recursos as práticas educativas integradoras, de uma perspectiva disciplinar,
são evidentes. (PABLOS, 2006, p.73)
As atuais respostas a esta questão indicam que ―se não se realiza o difícil exercício de integrar
e relacionar os saberes, será impossível que os conhecimentos possam se transformar num
instrumento para a compreensão e atuação na sociedade‖ (ZABALA, 1998, p. 159). Isto
porque os modelos globalizados favorecem a aprendizagem significativa, contexto em que os
estudantes colocam sentido na tarefa que realizam, estabelecem vínculos entre os
conhecimentos prévios e os novos, os conteúdos são sempre funcionais e significativos, pois
partem de necessidades pessoais.
...se parte de uma situação real, e portanto complexa, o número de relações
que pode se estabelecer entre as experiências anteriores e os novos
conteúdos pode ser maior, já que ao incrementar o número de vínculos, a
significância da aprendizagem aumentará e terá mais possibilidades de
aplicação em situações diferentes. (ZABALA, 1998, p. 160)
Chega-se a um tempo em que há uma inadequação cada vez mais grave e profunda entre os
saberes separados, fragmentados nas disciplinas, o que causa impedimento para se ver o
global, o essencial e atrofia as possibilidades de compreender os problemas que são
enfrentados. Assim, faz-se relevante o conhecimento pertinente, aquele capaz de situar
qualquer informação em seu contexto. Além deste desafio de lidar com o conhecimento
complexo está, também, a expansão descontrolada do saber. Afogados em informações,
perdeu-se o controle dos conhecimentos. Estes conhecimentos fragmentados servem para uso
técnico, mas não para conduzir a vida humana. (MORIN, 2006)
A questão mais premente na escolarização brasileira e que deve ser o foco de toda mudança é
a melhora significativa dos processos de aprendizagem. O uso das tecnologias não é a garantia
de qualidade, mas ela pode intervir como mediadora em processos formativos para promover
avanços significativos na relação com o saber, ou criar um esvaziamento de conhecimentos
significativos, duradouros e estruturantes que passam a ser substituídos por informações
superficiais e perecíveis.
68
5. REFERENCIAIS METODOLÓGICOS E INSTRUMENTOS DE INVESTIGAÇÃO
A abordagem desta pesquisa é qualitativa, primeiro por identificar na construção histórica
deste paradigma a efetivação de uma ciência comprometida com a transformação social e com
a realidade educacional. Depois, por se tratar de estudos interpretativos que possibilitam a
investigação de valores, atitudes, percepções, motivações e saberes do público alvo
pesquisado. Assim, possibilitou a compreensão da realidade, na perspectiva dos efeitos da
infoinclusão na escolarização de estudantes.
Para sua efetivação,
Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos
em pormenores descritivos relativamente a pessoais, locais e conversas e de
complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem
mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formulados
com o objetivo de investigar os fenômenos em toda a sua complexidade e em
contexto natural. Ainda que os indivíduos que fazem investigação qualitativa
possam vir a selecionar questões específicas à medida que recolhem os
dados, a abordagem à investigação não é feita com o objetivo de responder a
questões prévias ou de testar hipóteses (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 17)
A relação entre sujeito e objeto de estudo são indissociáveis. O pesquisador, instrumento
principal da pesquisa, assume o papel de observador e interpretador desta realidade,
atribuindo-lhe significados que são essenciais à produção de conhecimento. Pode-se
considerar a pesquisa como um percurso de construção e conjugação de suas idéias,
questionamentos e teorias. Para isso, utiliza também, a descrição de suas experiências para
explicá-las. A utilização de teorias e pesquisas anteriores, mesmo que estejam fundamentadas
em outros paradigmas são fundamentais à consistência de suas análises.
É característica desta pesquisa, a análise do contexto, assim como ele se apresenta, em toda a
sua complexidade e especificidade. Neste paradigma, parte-se do pressuposto de que as
pessoas agem seguindo suas crenças, sentimentos e percepções que não se pode conhecer de
imediato, é algo que precisa ser elucidado. Sendo assim, neste desvelamento, elegem-se três
características, consideradas essenciais a estes estudos. A primeira refere-se à visão holística,
na qual, para compreender o significado de um comportamento ou evento é preciso
compreender suas inter-relações. A segunda refere-se à abordagem indutiva, que possibilita o
aparecimento de interesses durante a coleta e análise de dados pelo pesquisador. Por último a
69
investigação naturalística, cuja intervenção do observador no contexto deve ser mínima
(ALVES-MAZZOTTI, GEWANDSZNAJDER, 1998).
Esta perspectiva pode ser ilustrada pela abordagem crítica, quando se refere à questão
relacional:
Procura-se investigar o que ocorre nos grupos e instituições relacionando as
ações humanas com a cultura e as estruturas sociais e políticas, tentando
compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e
transformadas. Parte-se do pressuposto de que nenhum processo social pode
ser compreendido de forma isolada, como uma instância neutra acima dos
conflitos ideológicos da sociedade. Ao contrário, esses processos estão
sempre profundamente vinculados às desigualdades culturais, econômicas e
políticas que dominam nossa sociedade. (ALVES-MAZZOTTI,
GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 139)
Uma vez que não há neutralidade, o jogo de interesses é colocado na pauta de análise, pois o
julgamento de valor é parte fundamental deste processo de pesquisa. Cientes disso, a relação
interativa, de empatia e confiança entre investigador-investigado, cooperam para a produção
de conhecimento em direções adequadas aos objetivos propostos. Este caráter interativo da
produção de conhecimento é uma condição para o desenvolvimento de investigação das
ciências humanas.
Como o contexto selecionado para estudo é uma escola pública da cidade de Araxá / Minas
Gerais, que adotou um Programa de inclusão digital (descritos anteriormente na introdução
desta dissertação). A investigação foi precedida pela negociação com a Secretária de
Educação, e em seguida, com a direção da escola selecionada para a pesquisa, utilizando-se os
procedimentos formais para autorização de acesso aos espaços, pessoas e documentos.
Para esta seleção, levou-se em consideração os seguintes critérios:
1º)A escola que estava a mais tempo no Programa e que teve acesso desde o início ao
computador, considerando que ela tinha um ambiente escolar mais impactado pelas novas
tecnologias, e mais estudantes que vivenciaram a evolução na implantação do programa. O
que atende melhor ao interesse específico deste estudo.
2º)Aquela unidade que apresenta maior número de alunos de 6ª à 9ª séries. Estes alunos são
sujeitos-fonte na pesquisa. Quanto maior o envolvimento e um histórico de experiência
escolar no uso da tecnologia, melhor possibilidade de seleção e de fornecimento de dados
significativos.
70
Segundo estes critérios foi selecionada uma escola urbana, criada em 1994 como um Centro
de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente – CAIC - para atender à população da
periferia, no setor norte da cidade. Seu objetivo inicial era dar atendimento em tempo integral
incluindo educação, saúde, alimentação e espaço cultural. Entretanto, houve um crescimento
rápido desta área urbana, causada pela doação de terrenos às famílias econômica e
socialmente vulneráveis, feita pelo poder público. Este fato ocasionou um aumento do número
de alunos e, consequentemente, levou à reestruturação do projeto inicial para atender à
demanda que se apresentava. A escola atende, hoje, mais de 1000 alunos, em três turnos: no
primeiro estudantes do 6º ao 9º ano, à tarde os do 1º ao 5º ano e à noite realiza a Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Participa de programas estaduais, nacionais e projetos municipais
que cooperam para o enriquecimento curricular dos estudantes. No seu histórico, dá um
destaque especial ao uso da tecnologia como importante ferramenta na construção de uma
aprendizagem significativa. Preocupa-se com a inclusão social e digital da comunidade e
estará inaugurando, em breve, um Telecentro Comunitário, com equipamentos de última
geração.
5.1 Procedimentos e instrumentos de coleta de dados
Os procedimentos e instrumentos de coleta de dados selecionados, assim como os sujeitos,
são respectivamente:
a)Entrevistas semiestruturadas com diretor(a), supervisor(a) e professores. O (A) diretor(a) e
supervisor(a) acompanham todo o processo de intervenção na prática escolar, colaborando na
gestão da escola para efetivação das decisões cotidianas, por isso são sujeitos com um outro
olhar sobre o processo. Os professores deverão ser aqueles identificados como interlocutores
do programa, uma vez que são responsáveis pelas ações de mudança. Serão entrevistadas: a
diretora, uma supervisora e três docentes de diferentes disciplinas.
b)Grupos focais com os estudantes das últimas séries porque já participam do programa e
nesta pesquisa são considerados como infoincluídos. Portanto, são eles que possibilitarão
conhecer de forma mais plena, os efeitos deste programa de inclusão digital no processo de
escolarização.
c)Análise de documentos como relatórios avaliativos realizados pelos professores sobre o
desenvolvimento das competências observadas nos estudantes, análise dos Webfólios/ Blogs
dos estudantes e da Escola.
71
Procedeu-se, inicialmente, à análise de documentos, em seguida as entrevistas e, finalmente,
os grupos focais.
5.1.1 A análise de documentos
A análise documental para Bardin ( 1977, p. 45) ―é uma operação ou um conjunto de
operações, visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma diferente da
original, a fim de facilitar num estado ulterior à sua consulta e referenciação‖. É uma forma
de tratamento da informação, representada de outro modo para facilitar o armazenamento e o
acesso do pesquisador/observador, de maneira que obtenha quando necessitar, o máximo de
informação (aspecto quantitativo) e pertinência (aspecto qualitativo).
Fez-se opção por algumas categorias temáticas para permitir o agrupamento de informações
dos documentos analisados. Nesta pesquisa, as fontes documentais selecionadas são:
Os relatórios descritivos produzidos pelos professores de uma turma tinham a finalidade de
extrair tipos ideais segundo Max Weber. O tipo ideal é uma proposição para investigação
sociológica deste autor, e diz respeito a uma construção parcial da realidade, na qual o
pesquisador seleciona certo número de características a partir da observação e as organiza em
tipos. Estes traços típicos ajudariam o pesquisador na formulação das suas questões. Portanto,
a partir dos relatórios, construiriam os tipos ideais de estudantes que seriam utilizados como
referência para seleção dos participantes do grupo focal. Nas comunicações iniciais
estabelecidas com a escola, deu-se a entender que estes relatórios registrariam o percurso de
aprendizagem dos estudantes. Neles, estaria a avaliação de competências vivenciadas ao
longo dos projetos. As mudanças na avaliação representam mudanças na concepção de ensino
aprendizagem, nos conteúdos e nas práticas escolares. Portanto, nestes relatórios poder-se-ia
ainda pesquisar algumas pistas que denotassem alterações no cotidiano escolar a partir da
proposição dos professores.
Através da indicação dos professores far-se-ia a seleção de 10 relatórios de estudantes que
demonstravam ter se apropriado da internet, no seu cotidiano escolar, e outros 10 que ainda se
apresentavam como iniciantes nesta apropriação.
Deu-se preferência, primeiro à leitura dos relatórios. O acesso aos relatórios deu-se de forma
gradativa, pois coincidiu com o momento de produção dos mesmos pelos professores. Apesar
de ser uma tarefa já incluída na rotina, parecia não haver um compromisso com uma data
72
específica de término de sua produção. Neste aspecto considerou-se que eram vários os
professores-orientadores de uma turma, condicionando o recebimento por grupos de 5 a 7
alunos. Os relatórios eram muito sintéticos, compostos entre 3 a 9 linhas, descrevendo poucos
detalhes do processo de cada aluno. De maneira geral eles tinham como base alguns
indicadores de avaliação das competências já elencadas na proposta do programa. Portanto,
em sua maioria apresentava características comuns na avaliação dos alunos como:
demonstração de autoconfiança, autocontrole, determinação, comprometimento, habilidades
na comunicação oral, leitura e escrita, capacidade de superação nos desafios apresentados.
Observou-se uma perspectiva muito positiva na avaliação dos professores. Fato notável, pois
revela mudança na concepção e prática avaliativa. Os professores demonstram crença na
capacidade dos alunos, enaltecem seus crescimentos e conquistas e fazem recomendações
para aquelas habilidades que necessitam de investimento.
Entretanto, julgou-se que estes relatórios seriam insuficientes para extrair tipos ideais, o que
acabou levando à busca de outros dados. Em acordo com a supervisora da escola, pôde-se
conhecer a autoavaliação feita pelos estudantes. Esta é descrita por perguntas que orientam a
avaliação das competências pessoais, relacionais, cognitivas e produtivas. Decidiu-se por
realizar uma combinação de dados provindos da autoavaliação, dos relatórios descritivos e da
avaliação final de uma professora-orientadora que acompanha a turma há mais tempo, junto,
também, à opinião da supervisora.
Na seleção, optou-se pelas características que foram mais bem avaliadas pelo grupo de alunos.
São elas: autonomia, compromisso com o coletivo, melhora na leitura, desenvolvimento da
produção textual e estar mais crítico quanto ao acesso à informação. Em seguida, selecionou
-se aqueles alunos que apresentavam três das cinco características, sendo possível desta forma
organizar um grupo de 16, do total de 55 estudantes de 8º e 9º anos.
Feita a seleção, esta foi confrontada com a avaliação do relatório dos professores e,
posteriormente, avaliada pela professora e supervisora. Finalizou-se com um grupo de 14
estudantes, sendo 8 do sexo feminino e 6 do sexo masculino. Observou-se junto à professora e
supervisora que mesmo selecionando aqueles que se encaixavam no perfil, havia diferenças
entre eles. Estes estudantes compuseram, assim, a seleção para participar do grupo focal.
O Webfólio da escola, alojado no site do Instituto, é um espaço de registro e
compartilhamento dos fatos cotidianos que perfazem a trajetória pedagógica da instituição.
Excelente fonte documental para investigar, historicamente, a presença dos fatores
73
tecnológicos que estão modificando a rotina escolar, podendo embasar a análise do objeto da
pesquisa.
Este webfólio da escola está alojado no site do Instituto parceiro da escola. Tão logo foram
iniciadas as buscas de dados e análise dos documentos, o site foi retirado da rede para
manutenção, permanecendo durante o período de campo, o que impediu sua realização. Este
fato não comprometeu o desenvolvimento e resultados da pesquisa, uma vez que outros
documentos como, por exemplo, o histórico da escola e a entrevista com a diretora
possibilitaram conhecer a trajetória da escola e a sua vocação para a inovação tecnológica.
- Os Webfólios dos estudantes ou Blogs dizem de suas experiências e percepções de
aprendizagem. É um diário eletrônico, para que o aluno crie o hábito de registro e divulgue
suas boas iniciativas. É uma estratégia utilizada pelo programa para dar voz aos estudantes e
desenvolver sua criatividade, inserindo textos e fotos. Também foi considerado uma fonte
documental para perseguir as práticas comuns aos jovens estudantes infoincluídos, a fim de
avaliar sua participação e relação com o cotidiano escolar. Pretendeu-se analisar dois
webfólios de cada ano do Ensino Fundamental ( 6ª à 9ª), participante do programa, mas foram
analisados quatro blogs de cada ano. Eles continham o resultado da pesquisa destes
estudantes, dando a oportunidade de conhecer os seus perfis, o tema investigado, seus mapas
conceituais e mais de uma versão, ilustrações, os sites pesquisados, a sequência histórica de
sua utilização, troca de comunicações entre alunos e professores orientadores. Estes dados
foram utilizados na análise das categorias observadas no tratamento dos dados.
5.1.2 As entrevistas
A entrevista possibilita tratar de questões mais complexas que, dificilmente, seriam colocadas
num questionário. Pela sua natureza interativa assemelha-se a uma conversa, mantendo-se é
claro, com o devido rigor os eixos para a busca adequada de informações. Nela o
―investigador está interessado em compreender o significado atribuído pelos sujeitos a
eventos, situações, processos ou personagens que fazem parte de sua vida cotidiana.‖
(ALVES-MAZZOTI; GEWADSZNAJDER, 2000, p. 168). Nas entrevistas semiestruturadas o
entrevistador pode optar por partes mais estruturadas e outras menos, permitindo respostas
espontâneas. Nestas circunstâncias, podem surgir questões inesperadas, o que não desmerece
a importância do planejamento.
Essas entrevistas foram realizadas com a diretora, a supervisoras e, ainda, com três
professores que participam do programa. O objetivo da entrevista com a diretora é construir
referenciais históricos da escola na introdução do Programa, com a supervisora e professores
74
é avaliar mudanças nas práticas escolares dos estudantes de 6ª à 9ª séries do Ensino
Fundamental, a partir da introdução da tecnologia digital na escola, na perspectiva das tarefas
executadas pelos professores. (Roteiro- APÊNDICE 1 e 2)
Na seleção dos professores, deu-se preferência àqueles que estão a mais tempo no programa e
que fossem de diferentes disciplinas.
5.1.3 Utilização de grupos focais
O grupo focal é um tipo de entrevista em grupo que possibilita reunir informações detalhadas
sobre um tema específico, com um grupo de participantes, previamente, selecionados. É
vantajoso em relação a outras entrevistas, por revelarem mais informações que as individuais,
porque os participantes sentem-se mais à vontade para manifestar suas opiniões
(PIZZOL,2004). Apresenta-se como um instrumento metodológico adequado, que favorecerá
a compreensão da percepção que os estudantes, sujeitos da investigação, têm da sua relação
com o conhecimento e com o cotidiano escolar, antes e depois da introdução do computador
nas atividades escolares, possibilitando inclusive o confronto de suas percepções no grupo.
Esta possibilidade de discussão conjunta no grupo focal abre a chance de que as opiniões
sejam revistas e refeitas afirmações ao mesmo tempo em que se reelaboram pontos de vista.
A coleta de dados através do grupo focal tem como uma de suas maiores
riquezas se basear na tendência humana de formar opiniões e atitudes na
interação com outros indivíduos [...]As pessoas em geral precisam ouvir as
opiniões dos outros antes de formar as suas próprias.E constantemente
mudam de posição (ou fundamentam melhor sua posição inicial) quando
expostas a discussões em grupo. É exatamente este processo que o grupo
focal tenta captar. ( CARLINI-COTRIM, 1996, p.287 apud DUARTE, 2007,
p.84)
Grupos focais autoreferentes servem para que o pesquisador possa ―responder a indagações de
pesquisa, investigar perguntas de natureza cultural e avaliar opiniões, atitudes, experiências
anteriores e perspectivas futuras‖ (MORGAN,1997 apud GONDIM, 2002 p.307). Assim,
esta técnica pode cooperar na produção de proposições teóricas explicativas da realidade
vivida pelos estudantes, na complexa trama de um cotidiano escolar que, inicialmente, supôs-
se em transformação.
Como o ponto essencial para se atingir o objetivo desta metodologia é a clareza de propósito,
colocou-se como objetivo deste grupo focal identificar as mudanças que os estudantes
reconheciam no seu cotidiano e na relação com o conhecimento, depois da introdução do
computador na escola.
75
Previu-se a participação de oito a dez estudantes, das últimas séries do Ensino Fundamental,
considerando que estes fazem parte do programa a mais tempo do que os iniciantes das 6ª
séries. Como dito anteriormente, foram selecionados quatorze (14) estudantes, prevendo que
uma seleção maior do que a estimada poderia compensar a falta de algum, evitando a
inviabilidade de sua realização. Este fato foi providencial, uma vez que compareceram nove
(9) estudantes convidados. Dentre os 9 estudantes, 8 eram do sexo feminino. O fato do não
comparecimento de cinco (5) deles, sendo todos do sexo masculino, levou a uma investigação
posterior para averiguar os motivos. Dentre estes, quatro foram contatados e entrevistados
pessoalmente. Dois alegaram oportunidade de trabalho, um por ter ganhado uma bolsa numa
escola de informática e outro por estar num Curso de Música e participar de uma banda. Pôde-
se observar a aproximação destes estudantes do sexo masculino, na idade de 14, 15 anos, com
o mundo do trabalho e da relação que já fazem com suas escolhas profissionais.
Para a garantia de melhores resultados, propôs-se um roteiro, com tópicos que pudessem
auxiliar no aprofundamento progressivo, e também o planejamento de uma questão
estimuladora que pudesse ser detonadora da discussão. Como estímulo inicial, foi proposta a
produção de um mapa conceitual, pelos próprios estudantes para fundamentar a discussão.
Este elemento disparador — a constituição dos mapas conceituais — foi colocado para o
grupo de forma que construíssem, ao mesmo tempo, dois mapas para dois eixos que foram
propostos da seguinte forma: i) o cotidiano da escola antes do computador; ii) o cotidiano da
escola depois do computador. Cada estudante colocou duas palavras/conceitos ou frases para
cada mapa. Após a composição visual, ou seja, todos os papéis foram afixados na parede da
sala onde se realizou o grupo focal, iniciou-se a discussão para o estabelecimento de relação
em cada um e entre os dois mapas desenhados. Eles se constituíram numa forma de
representação esquemática das ideias iniciais dos estudantes e serviram de orientadores para a
discussão, confrontos e questionamentos.
O mapa conceitual é uma estratégia familiar aos estudantes do Programa, habituados a fazê-lo
inclusive online, em vários momentos de seus projetos de pesquisa. É uma ferramenta útil aos
professores e alunos e serve a várias finalidades. A sua construção permitiu a visualização de
vários tópicos relacionados à utilização do computador na escola e as interrelações que eles
estabelecem entre estes tópicos, possibilitando encaminhar a discussão, retornar em alguns
pontos e, ainda, coordenar a participação de todos, inclusive dos mais tímidos. Segundo
Moreira (1997), o mapa conceitual é um bom instrumento para compartilhar, trocar e negociar
significados. A forma dada pelos alunos fugiu um pouco à caracterização do mapa conceitual,
mas não perdeu a sua finalidade, pelo contrário. A liberdade na formatação dada por eles foi
essencial para a expressão de suas ideias.
76
É importante lembrar o papel do moderador que, segundo Morgan (1997 apud GONDIM
2002), ―deve procurar cobrir a máxima variedade de tópicos relevantes sobre o assunto e
promover uma discussão produtiva. Para conseguir tal intento, ele precisa de limitar suas
intervenções e permitir que a discussão flua, só intervindo para produzir novas questões‖. A
pesquisadora assumiu o papel de mediadora, contando apenas com apoio técnico para
filmagem. O fato de não ter o apoio de um observador na realização do grupo focal não
prejudicou os seus resultados. Percebeu-se que a estrutura criada com a exposição das ideias
dos alunos foi favorável ao desenrolar da discussão.
O roteiro com os tópicos planejados encontra-se no apêndice.
6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
6.1 Estudantes infoincluídos e sua relação com o saber
Os estudantes pesquisados apropriaram-se da tecnologia digital, num processo interativo que
exige envolvimento intelectual, estando, portanto, bem distantes de uma aproximação
mecânica. Como participantes do programa, eles realizam Projetos de Aprendizagem (PAs)
que são fundamentalmente, pesquisas realizadas ao longo de cada semestre, nas quais utilizam
a internet, criam seus e-mails, Blogs, postam textos e imagens, utilizam o CmapTools para
elaboração de mapas conceituais, os programas do Windows, especialmente o Power Point
para apresentarem os resultados das pesquisas. Esta proposta utiliza a metodologia de Projetos
de Aprendizagem, num processo em que os estudantes são orientados na elaboração de
perguntas (principais e secundárias) que orientam a pesquisa, na busca, interpretação e
registro dos dados. Recebem um acompanhamento individualizado na produção de textos e
mapas conceituais. Estes projetos de pesquisa são um trabalho persistente de investimento de
tempo e esforço mental para superação de obstáculos e realização da tarefa. É visível o
envolvimento dos estudantes que utilizam a Internet, com acesso na sala de informática da
escola e nos classmates (notebook educacional do Programa 1:1- Um computador por aluno)
que os acompanham além dos espaços escolares, são levados para casa. Pode-se dizer que esta
experiência escolar os tem mobilizado na escola e para a escola.
77
Para melhor descrição dos dados, assim como sua análise, foram eleitas duas categorias: a
curiosidade e a pesquisa na Internet. Estas foram abordadas através de alguns subtemas,
identificados a partir das falas no Grupo Focal.
6.1.1-A curiosidade como elemento potencializador do processo de aprendizagem
Nos momentos iniciais da pesquisa escolar é proposto pelos professores aos estudantes, a
identificação e revelação de suas curiosidades. São elas, portanto, o ponto de partida, a base
de todo o processo. A partir dos diálogos estabelecidos entre os estudantes no grupo focal e
nas entrevistas, identificou-se a curiosidade como elemento potencializador do processo de
aprendizagem, pois ela possibilita: estabelecer relações do cotidiano escolar com a vida
pessoal, revelar uma perspectiva profissional e incrementar o processo com a valorização da
capacidade de indagar.
Relação com a vida pessoal: Os estudantes demonstraram nos posicionamentos e discussões
no grupo focal, que há transposições dos conhecimentos construídos às questões de vida
pessoal, e vice versa. Isto se dá primeiro por influência da motivação relacionada à pesquisa:
as ―curiosidades‖ pessoais. A busca de informação através da pesquisa escolar na internet
proporcionou à aluna Azaléia10
compreender aspectos importantes para sua saúde.
Identificada como pré-diabética e, também, desejosa de usar o piercing, usou estas duas
situações para pesquisar sobre os cuidados necessários, mitos e verdades sobre estes temas.
Revelou que, por isso, aprendeu muito com o ―PA‖ (Projeto de Aprendizagem).
Um aspecto essencial, preocupação de autores como Pais (2008), Dowbor (2004) é como a
escola estaria compatibilizando o uso da informática com o desenvolvimento de competências
associadas aos desafios do mundo globalizado e de que forma esta questão, também, estaria
associada à construção da cidadania, fundamental na sociedade contemporânea. Talvez, a
vivência destes estudantes seja um pequeno indício de que a escola pode, ao introduzir as
novas tecnologias, fazer deste contexto, fonte de oportunidades.
Perspectiva profissional: As curiosidades ganharam uma temática especial, as profissões.
Isso é revelado pela estudante Dália, ao dizer que a gente sempre costuma pesquisar....algo
10
- Para preservar a identidade de todos os sujeitos do Grupo focal, optou-se por utilizar nomes de
plantas e flores
78
que a gente quer ser quando crescer. Então eu, quando crescer, se Deus quiser, quero ser
médica. Eu procuro sempre ta pesquisando sobre a área que eu quero trabalhar um dia.
Então, o que isso quer dizer? Quer dizer que eu tenho uma curiosidade e essa curiosidade
que eu tenho, agora sim, eu consigo realizar um sonho meu que é entender, conhecer a área
que eu quero trabalhar11
. Estimulados pelos professores, outra estudante (Jade) revela que a
maioria das suas pesquisas na Internet está relacionada com o seu futuro, com o que quer ser.
Além das questões relacionadas à escolha profissional, a utilização da Internet, neste
momento da escolarização, tem proporcionado a estes estudantes vislumbrar a utilização da
tecnologia no mercado de trabalho globalizado: agora, com a Internet nas mãos assim.....
porque você tinha que correr atrás de outra cidade, mandar currículo pra tal pessoa.....
Agora não, você tem a Internet, você pode mandar o currículo pelo próprio e-mail para a
pessoa ou empresário que você quer trabalhar. (Açucena).
Valorização da capacidade de indagar: É fato que nesta fase da adolescência, com uma
vivência escolar de no mínimo 8 anos, estes estudantes já aprenderam todas as mazelas do
ofício de aluno e, também, do ofício de professor. Não apresentam mais aquela curiosidade
espontânea das crianças de 3 anos, que indagam os porquês das coisas (Perrenoud, 2000).
Especialmente os estudantes pesquisados, tiveram a oportunidade de construir bem a
representação de uma sala de aula centralizada no professor, na transmissão passiva e na
exigência da acumulação de conhecimentos. Mais ainda, a representação de uma ―escola
chata,‖ onde se faz tudo sempre igual, uma repetição diária de ações, um processo previsível.
Generalizando, estes fatos para retratar a realidade educacional, pode-se pensar que os
estudantes não são atraídos por qualquer reforma no cotidiano escolar, é preciso muito mais
para que haja alteração na sua relação com a escola, e especialmente com o saber. Pequenas
tarefas lúdicas não conseguem mais trazer a ilusão de uma escola atraente. Essas, se
convencem os estudantes, é por um espaço de tempo muito curto e tudo volta ao ―normal‖.
Diante desse quadro, a curiosidade associada à pesquisa e ao uso da internet, emerge como
elemento fulcral na proposta de mudança do cotidiano escolar. Ela apresenta-se como uma
reação a um estado de conformação adquirido ao longo dos anos escolares, que,
11
- As transcrições das falas dos estudantes serão grafadas em itálico em todo o texto, dispensando o uso das
aspas.
79
provavelmente, levou os estudantes a perderem a admiração diante das coisas, e, também, da
capacidade de indagar.
A curiosidade, qualificada por Paulo Freire (2001) como epistemológico, aquela que se
aproxima de forma cada vez mais rigorosa do objeto cognoscível, deve estar identificada com
o espanto dos cientistas e filósofos que admiram o mundo, deve superar a curiosidade
ingênua, criticizando-se.
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao
desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de
esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante
do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move
e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos,
acrescentando a ele algo que fazemos. (FREIRE, Paulo. 2001, p.35)
O resgate dessa curiosidade crítica, insatisfeita, indócil é uma tarefa da escola, que não devia
tê-la deixado se perder no curso da história. ―É essa curiosidade que instrumentaliza o ser
humano para a defesa dos excessos de racionalidade do tempo tecnologizado‖ (FREIRE,
2001, p.36). A experiência demonstrada pelos estudantes, o sentimento de que a escola está
abrindo espaço às suas curiosidades, e que, portanto, estão sendo respeitados nas suas
necessidades, pode significar a reconstrução de um processo pedagógico em novas bases. O
que não se pode permitir é a divinização da tecnologia como se ela representasse todo o
processo de mudança. Esta ideia insinua-se na fala dos estudantes, justificada pelo próprio
encantamento que as descobertas do uso da máquina proporcionam. Pelo que se pode
verificar, ela tem contribuído, significativamente, no processo, porém deve ser criticamente
utilizada.
Para os estudantes, antes do computador, existia menos curiosidade, ou pelo menos a que
existia não podia ser atendida. O livro didático e, até mesmo o professor, não conseguiam
suprir a necessidade de conhecimentos, dando a entender que muitas questões ficaram
adormecidas ou foram ignoradas ao longo do processo de aprendizagem e eles mesmos
acomodados às circunstâncias escolares. A introdução da Internet despertou para esta
realidade, ampliando possibilidades de busca e acesso rápido a pequenas e grandes
curiosidades. Pequenas dúvidas são resolvidas, imediatamente, pelos estudantes das salas de
aula que utilizam os classmates e grandes dúvidas, ou bons temas de pesquisa são
desenvolvidos no tempo disponível para os PAs, no horário escolar.
80
Uma das alunas que realizou o seu projeto de aprendizagem sobre a história do município, ao
ser indagada se ela não tinha aprendido nada sobre o assunto antes, ela respondeu: Não, eu
não tinha a curiosidade que eu tenho hoje. Agora eu entendo tudo (Gardênia, 14 anos,
9ºano).
Vê-se que a curiosidade associada ao desejo dá sentido à experiência de aprendizagem,
tornando-a muito diferenciada. Outra aluna (Dália) relatou que sempre teve a curiosidade de
saber por que se veio ao mundo. Esta indagação existencial foi levada adiante e estudada na
sua pesquisa. Alguns meses depois, ela perdeu seu pai num acidente, o que provocou um
inconformismo da mãe. Neste momento, ela reconhece que os seus estudos e o que aprendeu,
foram muito importantes para consolar a mãe: Aquela pesquisa que eu fiz me ajudou muito a
conseguir conversar com ela, poder parar um pouco de chorar, pra ela poder conformar com
aquilo que tinha acontecido. Então,o que acontece? Aquilo que estudei um dia serviu pra
mim, pra minha vida hoje. Me valeu muito.
Nesse sentido, vale lembrar a concepção de John Dewey, ao propor uma prática educativa que
leve em consideração os interesses espontâneos e verdadeiros do aprendiz, pois desta forma
estaria mais adequada ao desenvolvimento do ser humano e do cidadão. (CORDEIRO,2007)
Assim, pode-se pensar numa aprendizagem que ressignifica a experiência pessoal e social do
estudante.
O regate dessa curiosidade na escola, num momento de complexificação do conhecimento no
mundo, através das novas tecnologias, assemelha-se com a ascensão dos museus, a partir do
século XVI, fruto da expansão da curiosidade e explicada como uma tentativa de administrar
a ―crise do conhecimento‖ que inundava a Europa, com a chegada de objetos do novo mundo.
(BURKE, 2003) Assim, é possível perceber nos dois momentos que a complexificação ou
crise do conhecimento e curiosidade se interrelacionam.
81
6.1.2-A pesquisa e a Internet como instrumento mediador de uma nova relação com o
saber e mediadora da construção de capital social
A pesquisa, nesta perspectiva, está relacionada à curiosidade ou interesses dos estudantes,
desenvolvida como projetos de aprendizagem. Ela é o instrumento metodológico encontrado
para o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias aos estudantes,
especialmente estes que utilizam a tecnologia digital.
O verbo pesquisar, assim como o substantivo, aparece 108 vezes na comunicação dos
estudantes durante o grupo focal. Ela ainda lidera a lista de itens levantados por eles no início
da sessão, quando, individualmente, antes de começar a discussão, foram convidados a
registrar palavras ou frases que retratassem a escola, antes e depois do computador. Passa-se,
assim, a enumerar algumas deduções a partir do diálogo e argumentações expostas pelos
adolescentes
82
A escola/ sala de aula antes do
computador
A escola/sala de aula depois do
computador Trabalhos com pouco conteúdo, por não terem
onde fazer pesquisas.
Os alunos não sabiam manusear computadores.
Na maioria das vezes, a pesquisa ficava
incompleta.
Uma escola sem entretenimento. Falta de opções
de pesquisa.
Em biblioteca, as pesquisas tinham poucas opções
ou seja, eram apenas livros e poucas pesquisas.
Os estudos eram feitos em livros. A escola não
tinha muitas opções de pesquisa.
Poucos trabalhos de pesquisa, pois os professores
sabiam que não teríamos fonte de pesquisa.
Menos material de pesquisa.
Era complicado, eu tinha uma certa curiosidade
em saber como era ter um computador.
Poucas curiosidades, poucas matérias de pesquisa.
Era muita dificuldade, pouca aprendizagem e
menos curiosidades.
Tinha menos curiosidade.
Maior interesse dos alunos e maior conhecimento.
Facilitou nosso aprendizado.
Notas mais altas, devido a maior informação.
Muito mais conhecimento e descobertas.
Trabalhos mais complexos, devido a melhores
pesquisas.
Agora temos o computador, fazemos atividades
diferentes, conhecemos um outro mundo.
Mais trabalhos de pesquisa, melhoraram as nossas
aprendizagens.
Agora com o computador nós viajamos pelo
mundo de uma forma que conhecemos pessoas
diferentes.
Interesse em outras matérias.
Melhor manipulação dos computadores.
Mais matérias de pesquisas! Mais trabalhos,
facilitaram o nosso aprendizado. E tivemos mais
curiosidades.
Ficou mais fácil porque há mais uma fonte de
pesquisa.
Uma escola mais evoluída, os alunos têm mais
curiosidades e mais opções de pesquisa.
Os alunos se interessaram mais pelas pesquisas.
Agora que chegaram os computadores temos mais
sabedoria!!!
E opções variáveis de pesquisas!
Quadro comparativo com as frases produzidas pelos estudantes e afixadas no mural da sala, no início
do grupo focal.
Uma nova concepção de pesquisa escolar. Para os estudantes, pesquisar é descobrir mais
sobre o assunto, ampliar o conhecimento, descobrir coisas novas. Foi observado por eles que
a pesquisa existia antes do computador, no entanto, não tinha as mesmas possibilidades de
hoje com o uso do computador e a diversificação das fontes. Portanto, ela parece ganhar uma
nova concepção, ela foi ressignificada.
83
As pesquisas ficavam meio incompletas. Os professores até não davam trabalho, evitavam
trabalho de pesquisa porque sabiam que os alunos não teriam onde pesquisar. (Jade)
Anteriormente, estava associada ao trabalho de grupo encomendado pelos professores, com
uma data para entrega. Hoje, tem a perspectiva de ensinar a aprender, criar possibilidades
através do uso da internet, para que os estudantes cheguem, por si mesmos, às fontes de
informação e produzam conhecimentos. Esta perspectiva é revelada pela diretora: .....porque
às vezes era muito cômodo a gente como professor, passar uma pesquisa. O aluno pesquisa
extra horário e ele só vê o resultado, mas na verdade o que interessa é o processo, como é
que este aluno tá pesquisando......será que, realmente, está encontrando aquilo que
gostaria?....Tá entrando num site que é seguro, ta fazendo a busca, utiliza alguns recursos
para facilitar esta busca, se ele copia ou se ele consegue retirar informações importantes ali,
de cada parágrafo ao invés de ficar copiando. Então, no início, nós percebemos que os
próprios alunos tinham muitas dificuldades em relação a isso...
Nota-se, que o objetivo maior desloca-se do produto para o processo, cuja preocupação é
acompanhar os procedimentos de busca, seleção da informação e produção dos alunos,
desprezando a prática de, simplesmente, copiar. Este é um processo que ganha complexidade
e necessidade de orientação dos professores.
Vale pontuar, de imediato, a importância do papel dos professores para orientar os estudantes
a compreenderem as informações que lhes são oferecidas, quem as produziu, reconhecer os
preconceitos e manipulações existentes. Identificar que a realidade pode ser distorcida
dependendo de como a informação é passada. Por se tratar de um trabalho escolar, a
identificação do conhecimento científico deve ser priorizada e, para isso, o estudante deve
saber buscar fontes adequadas na internet. A maioria dos estudantes ficou em dúvida ou não
demonstrou percepção sobre esta questão. Ah, tenho muita facilidade de mexer no
computador. Sei ta buscano o assunto, quando não dá certo num, passo pro outro. Tem que ta
buscano um site, no Google, aí digita lá o assunto, aí ele dá a resposta, vou procurar a
resposta mais correta. Há mais atenção à habilidade de seleção da informação do que com os
seus portadores virtuais. Ao insistir sobre a identificação de fontes os estudantes responderam
que, às vezes, pedem informação às professoras e salvam alguns sites de que gostam.
84
..então a ideia é ajudar nessa questão da autoria do aluno, quando ele passa a ser autor do
próprio texto e não apenas aquela pessoa que copia, que pega pronto......para mim acho que
isso é uma das coisas mais importantes, a questão da autoria do aluno, da autonomia que
esses alunos passaram a ter.. assim buscar o conhecimento...( depoimento da diretora)
A questão da autoria, se já era um desafio na tradicional concepção de pesquisa em todos os
segmentos de ensino, agora ela se potencializa em virtude das facilidades que o uso do
computador e a web oferecem.
O conceito de pesquisa educativa desenvolvido por Pedro Demo (2001) relaciona-a com o
processo de emancipação do sujeito. Para ele, despertar a curiosidade, a inquietude, o desejo
de descoberta e criação, está relacionada a uma atitude política emancipatória, a fim de que
esse sujeito construa-se como sujeito social. Ao contrário de uma prática de controle rígido e
domesticador, com ambiente meramente transmissivo, a escola poderia tornar-se num
ambiente motivador de um processo emancipatório, recuperar a atitude de pesquisa. A
aplicação deste conceito de pesquisa não deve distanciar-se da elaboração própria, do
questionamento criativo, de desdobramento do senso pela descoberta e pela criação até atingir
a finalidade política de atuação social consciente.
Nesse sentido, há que se empreender uma longa e consciente caminhada, para que todo o
processo pedagógico representado no contexto de estudo se reestruture contínua e
reflexivamente, nos seus propósitos e práticas. Deste modo, não se permite a sua redução a
atos repetitivos e automáticos, impede-se que o professor abandone o seu papel e o transfira
para o computador e a internet, que ganhariam a centralidade da ação, assim como ganharam
os livros didáticos.
Novos objetivos e procedimentos avaliativos. A pesquisa passa a fazer parte do processo,
intervindo nos procedimentos de avaliação, levando o estudante a ganhar mais segurança para
demonstrar seu conhecimento:
[..] a gente tinha que tirar mais notas de prova, prova é difícil porque não tem onde
pesquisar, é o que tá na sua cabeça, você tem que responder. Agora com a Internet ficou mais
fácil, a professora dá mais trabalho de pesquisa, dando mais oportunidade de nota, a gente
85
pesquisa, faz o resumo e responde. E uma coisa que eu acho interessante nos computadores,
porque antes a gente pesquisava apenas em livros, é que além de apenas leituras, a gente
pode pesquisar através de vídeos também (Jade).
Nos relatos da professora de História, foi possível verificar que as provas grandes que são
produzidas a fim de cobrar conhecimento armazenado pelos alunos estão sendo questionadas
pelos colegas, há uma troca de opiniões entre a validade desta prática, com tendência a
valorizar questões que façam o aluno pensar, relacionar, criticar. Além disso, a prova tem
deixado de ser o único instrumento de avaliação.
Hoje em dia eu avalio meu aluno pelo trabalho que ele desenvolve em sala de aula, por um
texto que produz. Pra mim, ele ta me devolvendo muito mais do que em uma avaliação, numa
pesquisa que ele realiza, numa apresentação do trabalho que ele faz. (Profa. História)
Mesmo mantendo a prova como um dos instrumentos avaliativos passa-se a considerar os
avanços dos alunos: Todas as atividades, se ele fez o Power Point, se ele teve boa vontade de
pesquisar, de correr atrás daquele trabalho, se ajudou o colega, acho que tem que ser
valorizado, se conseguiu uma novidade, aprendeu um pouquinho mais... se melhorou um
pouquinho na leitura.....(Profa. Língua Portuguesa)
A professora de matemática passou a realizar uma avaliação contínua, também procurando
avaliar os progressos dos alunos, dando-lhes feedback dos trabalhos a cada aula: ..se eu vejo
que ta melhorando, lógico que vou incentivá-lo, vou ta trabalhando com o aluno nesse lado
positivo, agora aquele aluno que ta quietinho, aguardando eu dar resposta pra ele, eu vou
indagar e saber por quê.
Nota-se que, em momentos especiais de socialização das pesquisas em andamento,
conhecidos como fóruns parciais, os professores observam os trabalhos, registram o
desenvolvimento dos alunos para orientações posteriores. Esta dinâmica enriquece o processo
avaliativo que culmina com a autoavaliação feita pelos estudantes.
Mesmo considerando os avanços na prática avaliativa, a diretora diz ser este ainda o grande
entrave: ....ainda consigo perceber dois momentos, duas escolas. Uma que está ali avaliando
86
no projeto (de aprendizagem) e uma que está avaliando o aluno no projeto de ensino.
Portanto, existe uma tensão entre duas lógicas avaliativas. No contexto de uma escola pública
para todos, a avaliação precisa de ser compreendida como um mecanismo essencial que
permita reorientar as ações para garantir a aprendizagem dos alunos, lutando contra o poder
das representações que vigoram há longos anos, onde a avaliação foi instrumento de
classificação e seleção, reforçando hierarquias individuais e sociais.( CORDEIRO, 2007)
As memórias dos tempos escolares, geralmente, são marcadas pelas lembranças de provas, em
ambientes que exigem uma postura corporal e mental bem rígida, impedida toda forma de
comunicação entre os alunos, sem permissão de qualquer ajuda dos professores para
compreensão dos textos e enunciados. Estas práticas avaliativas transformam os momentos de
avaliação
...numa espécie de ritual em que seriam produzidas e proclamadas
hierarquias, os vitoriosos e os derrotados. Essa carga de solenidade
permanece na memória das pessoas, marcando fortemente uma grande parte
das relações dos alunos, professores, pais e sociedade em geral com a escola,
a escolarização, o ensino, a aprendizagem, o saber. (CORDEIRO, 2007, p.
146)
A maneira como os estudantes têm vivenciado a avaliação coopera para mudar a sua relação
com o saber. É evidente que as ações empreendidas pelos professores da escola são
determinantes nesse processo, caminhando num sentido mais formativo e de individualização,
mesmo que muitos ainda sintam desconfortáveis com o aumento de suas tarefas neste novo
processo, e tenham ao mesmo tempo em que se confrontar com aqueles colegas mais acéticos.
Entretanto, é preciso cuidar para que a combinação de duas lógicas de avaliação acabe por
fazer chegar ao aluno uma posição ambígua, dificultando, também, o seu posicionamento e
compreensão dos objetivos da avaliação, acarretando retrocessos na sua relação com o saber.
Soma-se a isso, o fato que estes estudantes da escola pública, participantes do projeto,
revelam-se, também, aspirantes ao ensino superior. Com isso, a escola passa a sofrer, também,
pressão relacionada ao bom desempenho deles nas avaliações externas, já vislumbrando os
vestibulares. A própria diretora revelou uma preocupação, inclusive interna, dos professores,
inseguros com relação às mudanças operadas na avaliação: [...] graças a Deus ta mudando,
mas havia uma preocupação com esses alunos irem para o ensino médio, no ensino médio
vão cobrar da forma tradicional, eles ainda serão avaliados no vestibular e o vestibular não
vai avaliar competência e a habilidade que eles tão acostumados......
87
Nesse sentido, é preciso confiança nas mudanças que estão acontecendo, na relação dos
estudantes com o saber, no envolvimento com os estudos, na perspectiva de uma educação
escolar que possibilite a aquisição de novas estratégias de conhecimento e permita-lhes ir
além do que até agora se conquistou na escola pública.
Estudantes com mais confiança na capacidade de aprender e como atores da construção
de capital social. Insistentemente, os estudantes associam a pesquisa no computador como
algo que possibilita mais conhecimento e, com isto, demonstram mais confiança na
capacidade de aprender, na conquista de resultados e na possibilidade de construírem redes de
trocas:
A gente pesquisa.... aí a gente tem mais facilidade de aprender. (Dália).
Porque através do computador nós descobrimos mais conhecimentos, ou seja, eu não tinha
fonte de pesquisa igual eu tenho hoje. Hoje já tem e-mail, minhas amigas mandam várias
pesquisas que eu não sabia. Aí eu posso descobrir o que eu não sabia e eu posso crescer
mais, porque eu quero crescer (Açucena).
Essa fala, além de valorizar a confiança em si, algo essencial no processo de aprendizagem,
revela determinada forma de capital social. Embora ainda apresentando ambigüidades, o
conceito oferece oportunidade de análise e aplicação neste contexto. Uma das visões acerca
da temática, a compreende como uma capacidade de articulação da comunidade, portanto, é
algo pertencente à esfera coletiva. Coleman é uma referência que enfatiza no seu conceito as
relações sociais, (apud PRATES et all, 2007) compreendendo capital social como ―os
recursos sócio-estruturantes que constituem um ativo de capital para o indivíduo e facilitam
certas ações de indivíduos que estão dentro da estrutura‖. (COLEMAN apud ALBAGLI;
MACIEL, 2002, p.6)
No ambiente em estudo, a pesquisa escolar, na forma como vem ocorrendo, vista como
mediadora da relação com o saber, possibilita a abertura de canais de trocas de informações e
ideias que potencializam as relações sociais, remetendo a uma caracterização de maior
densidade social. Os laços de solidariedade que se estabelecem na interação social escolar, são
motivados pela busca da informação para a solução de problemas cotidianos dos estudantes,
88
que extrapolam o espaço físico da escola. Segundo a supervisora, o ponto forte nesse
programa é o aluno fazer as parcerias. Diz que: a escola está mais integrada, a gente
trabalha numa perspectiva coletiva. Desta forma na busca e troca de informações para
realização das pesquisas, constitui-se uma comunidade virtual solidária para atingir objetivos
comuns, denotando cada vez mais independência em relação aos professores e a própria
estrutura física da escola. No relato da professora de matemática, os estudantes estão se
relacionando com o autor do livro de matemática.
O Dante foi um dos nossos (correspondentes), respondeu todos os e-mails...ele no maior
carinho e atenção com os meninos.... de maneira simples, vocabulário bem simples dava a
resposta. O que demonstra que as parcerias estão se efetivando de várias formas, na
diversidade de parceiros possíveis que passam a integrar a rede de convivência dos estudantes
e também dos professores.
A análise feita sobre a mudança nas relações entre os alunos e destes com os professores, na
última parte deste capítulo, reforça que as relações de aceitação, respeito, sinceridade,
amizade e ainda o esforço pessoal, ampliam os laços de solidariedade. Esse fato, na
perspectiva conceitual de capital social em sua versão associacionista, pode promover
relações estáveis de confiança, reciprocidade e cooperação entre os atores, ingredientes chave
dessa relação. (ALBAGLI; MACIEL, 2002)
Nesse sentido, Putnam define o capital social como ―traços da vida social – redes, normas e
confiança – que facilitam a ação e a cooperação na busca de objetivos comuns‖ (PUTNAM
apud ALBAGLI: MACIEL, 2002, p.7). O ambiente social da escola é mais positivo no
reconhecimento da supervisora:
...tem uma maquininha lá(referindo-se ao computador) que ele ( o estudante) ta louco pra
mexer, e muitas vezes não sabe. O colega que não ia muito com a cara dele é justamente
aquele colega que sabe fazer o que ele quer. Então cria essa proximidade. Quantas vezes a
gente chega na sala e ta um ajudando o outro assim.....isso também é colocado pelos
professores, né, essa interação, esse convívio, a solidariedade, isso também foi resultado do
programa.
89
Vê-se que os estudantes estão deixando de lado as diferenças e unindo-se nos melhores
interesses, no benefício da aprendizagem comum. Entre professores e alunos conquista-se um
compromisso, uma cumplicidade defendida no depoimento da supervisora: o programa
propiciou a gente resgatar valores, na prática, porque na teoria todo mundo fala, então,
quando o professor senta cara a cara, ele tem que sentar, para fluir bem o projeto de
aprendizagem, você tem que sentar cara a cara com o aluno. Então esse contato humano,
isso aí tava um pouco esquecido, né ? A gente percebe que quando o professor tem isso há
empatia, a aprendizagem vai fluindo, acho que a coisa mais legal, fantástica, é quando você
consegue essa cumplicidade. As dificuldades? É assim que a gente vai conseguindo vencê-las.
Os trabalhos de Putnam assim como os de Coleman realçam o papel das normas e do
compromisso com os valores coletivos. Entretanto, enquanto Coleman enfatiza os efeitos
sociais, Putnam valoriza os aspectos políticos. Pode-se inferir que o que ocorre na escola é um
fenômeno induzido a partir das TICs, porém não intencional. Mas com uma ressonância
política de grande valor social, uma fonte de capitalização coletiva, um autofortalecimento do
grupo de atores que nele se inscreve, na conquista de sua autonomia e empoderamento12
.
Vale ressaltar que a escola é um ambiente social favorável ao desenvolvimento do capital
social, desde que as condições relacionais e de gestão oportunizem a construção de um
patrimônio de ativos sociais, o que significa saber integrar o conhecimento, o aprendizado e
as habilidades no processo de amadurecimento.
O capital social contribui para o aprendizado, por meio das interações
informais ou deliberadamente estruturadas. O processo de interação e
mudança em uma comunidade é também um processo de aprendizado que
simultaneamente resulta de e constrói capital social. Aprendizado e mudança
levam aos melhores resultados se são capazes de usar o conhecimento e as
habilidades dos membros da comunidade de modo integrado. (ALBAGLI:
MACIEL, 2002, 0.16)
A pesquisa na Internet amplia e liberta o acesso à informação. Os estudantes disseram que
antes do computador havia poucas opções de pesquisa, mesmo utilizando os livros da
biblioteca da escola. Justificam, ainda, que os professores evitavam este tipo de trabalho, pois
12
-Ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de
consciência social dos direitos sociais. Possibilita tanto a aquisição da emancipação individual quanto à
consciência coletiva necessária para superação da dependência social e dominação política. Conceito de
Ferdinand C. Pereira.< http://www.fapepi.pi.gov.br/novafapepi/sapiencia8/artigos1.php >
90
sabiam que eles não teriam onde pesquisar. Ela liberta o sujeito pesquisador aos poucos, na
medida em que ele vai adquirindo autonomia nos processos de busca, e toma decisões do
percurso que deseja seguir, selecionando sites que se aproximam da resposta às suas
indagações da pesquisa.
As pesquisas ficavam pobres, ficavam com pouco conteúdo, agora a gente já tem mais fontes,
a gente já pode por mais coisa. (Jade)
Entretanto, observa-se que para os estudantes, a pesquisa, até então, significa o acesso à
informação, não enfatizando em nenhum momento a produção de um conhecimento novo. É
descrita por eles como algo no qual têm curiosidade de saber, a relevância de descobrir coisas
novas, uma forma de ampliar conhecimento.
A pesquisa na Internet motiva o desenvolvimento de habilidades linguísticas. Um dos
maiores desafios da escola pública e motivo de insucesso e exclusão de alunos do sistema
escolar e social é a não apropriação necessária do código linguístico e do seu uso social. A
pesquisa escolar apresenta-se propositiva e reativamente a esta realidade.
Agora eu comecei a fazer muitas pesquisas, tem que fazer anotações, resumos, então fui
aprendendo mais a fazer resumo, fazer anotação. E também tem o auxílio audiovisual,
porque eu tiro da Internet. E com isso, eu desenvolvi a minha forma de escrever. Eu já vou
ouvindo e vou escrevendo, antes eu tinha dificuldade. Eu vivia esquecendo o que a pessoa
falava. Agora melhorou. (Jade)
Às vezes, a pessoa fala uma palavra e você não entende o que a pessoa ta falando. E se você
ler o texto e prestar atenção, no próprio texto, ta escrito o que significa aquela palavra.
Então, cê lê e compreende o que ta lendo. Antes não, cê lia aquilo ali, procê tava bom
(mexendo com as mãos como se tanto faz ou tanto fez... demonstrando conformismo) se não
tivesse também, ficava do mesmo jeito, não ficava interessante. Agora hoje não, fica
interessante.....(Dália)
..eu descobri como resumir mais como resumi para colocar certo no blog....(Hortência)
Depois que eu aprendi a mexer no computador, eu leio mais, entendeu? Como eu leio mais,
eu aprendi a escrever mais certo (Dália).
91
É reconhecido pela equipe pedagógica da escola que os alunos têm muita dificuldade para
interpretarem os textos, retirarem as idéias principais e conceitos e as registrarem. O que
exige um esforço enorme dos orientadores, por ser uma tarefa de acompanhamento individual.
Apesar de toda dificuldade, os avanços, também, são enaltecidos, especialmente pelos
estudantes, que identificaram maior habilidade para anotar, ler compreensivamente
insinuando que uma vez não compreendido o dito, lê-se novamente, encontrando o caminho
da autoregulação do processo, sem se conformar com o sabido.
Promove a realização de tarefas mais complexas. Verifica-se, também, que há mudanças
nos procedimentos de pesquisa. Ao mesmo tempo em que a pesquisa no livro é considerada
como mais difícil e, hoje, no computador, mais fácil, os estudantes argumentam que são
capazes de realizar trabalhos mais complexos, mudando, assim, a perspectiva de compreensão
e realização da tarefa.
Porque é assim, quando a gente pesquisava em livros, passava um trabalho, por exemplo, pra
gente pesquisar em livros, aí nois pegava e falava, acho que esse aqui ta bom pra resposta.
Agora na internet, não. Na internet você caça. Ah, não! Esse aqui não ta muito bom, cê vai
entra num site pra pesquisar melhor. Aí, a gente aprende mais.(Gardênia)
Os trabalhos ficaram mais complexos devido ás pesquisas. (..)...No livro você pesquisa uma
coisa, só que não tem tudo que você precisa. Agora no computador você pesquisa, se não tem
tudo,você vai lá, joga na pesquisa de novo até completar e ficar bem completa. .(Jade)
E uma coisa que eu acho interessante nos computadores, porque antes a gente pesquisava
apenas em livros, é que além de apenas leituras, a gente pode pesquisar através de vídeos
também.” (Jade).
O acesso à multiplicidade de informações, assim como a sua atualidade através da web, é um
fator relevante neste processo da escolarização, talvez, por isso, os estudantes considerem
mais fácil se comparado ao recurso, anteriormente, disponível que era o livro didático. Neste
aspecto, o grande desafio é, pois, o excesso de informações disponíveis na internet que pode
ser tão problemático quanto à ausência de dados. Por isso, quando dizem que as tarefas
ficaram mais complexas, é preciso considerar que uma das questões principais neste processo
de pesquisa refere-se ao tratamento da informação, o que demanda uma série de competências
92
e habilidades. Exige do estudante autonomia, iniciativa, interesse, disponibilidade para buscar
informações e estratégias para resolver problemas, e para isso é necessário o envolvimento do
sujeito.(PAIS, 2008, p.59)
No contexto da pesquisa escolar, trata-se de aprender a aprender e, deste modo, os professores
devem se preocupar com a capacidade dos estudantes de circular entre a variedade de
informações de modo que saibam definir bem o tema, ser capaz de interrogar-se, fazer
perguntas pertinentes, planejar a maneira de respondê-las; localizar a informação, saber
manejar as bibliotecas da rede mundial; selecionar a informação, pois saber extraí-la
pressupõe compreensão; organizar as informações, aprendendo a tomar notas, sintetizar,
classificar; avaliar a informação, julgando a sua veracidade, relevância e fonte e finalmente
comunicar os resultados.(SANTOMÈ, 1998, p.241)
Dentre todas essas capacidades, especialmente três foram verificadas no relato dos estudantes
e no portfólio de uma professora. A primeira é a elaboração de perguntas, que é um tópico
especial do planejamento, que direcionará a pesquisa. O conhecimento começa pela pergunta.
Ela representa a curiosidade que o estudante possui, e exige dele um processo de aprendizado
na sua elaboração. A segunda é a habilidade de tomar notas, que uma aluna descreveu como
algo conquistado a partir da vivência, dos desafios deste processo. A terceira refere-se à
questão da autoria na produção de conhecimento. Há uma consciência por parte dos
professores e estudantes de que as operações de copiar e colar não enfatiza a aprendizagem,
não devem fazer parte deste processo. O que permite inferir que há um envolvimento dos
estudantes no desafio de transformar as informações em conhecimento, pois este processo
cognitivo não se realiza de forma espontânea,
...requer a criação de estratégias desafiadoras compatíveis com a natureza
dos instrumentos digitais... Na prática, seleção, interpretação, análise e
comunicação de informações lançam linhas para uma síntese cognitiva,mas
exigem envolvimento diferenciado do sujeito num permanente retorno à
elaboração do saber, articulando múltiplas informações com situações
vivenciadas no cotidiano.(PAIS, 2008,p. 60)
É preciso cuidar das condições pedagógicas para que o estudante desenvolva a autonomia na
pesquisa da informação, criar desafios que possibilitem o estabelecimento de relações entre as
informações colhidas. Nesse aspecto, é preciso considerar que a elaboração de conceitos se
efetiva de forma bem diferenciada daquela sequência linear, única e rígida dos livros didáticos
93
e dos planos de aula tradicionais. A utilização da internet não possui esta estrutura
hierarquizada, não há uma ordem estabelecida a ser seguida pelos estudantes, eles navegam de
um site ao outro, ziguezagueando, o que possibilita uma nova dinâmica de elaboração do
saber. O enfoque, neste processo de aprendizagem, não é mais a sucessão de conceitos, mas a
construção de redes conceituais. Como diz Candau, (2002) neste contexto é preciso reinventar
a prática educativa, para apropriação do conhecimento socialmente relevante, e essa
apropriação não se dá de forma mecânica.
Motiva nova relação com a escola. Os estudantes ganham uma nova motivação para ir à
escola e dão uma nova identidade à instituição, considerando-a conectada ao mundo pelo uso
da tecnologia digital que dá novas possibilidades de aprendizagem.
Ah, eu não queria ir a escola, sempre uma rotina, mesma rotina, você ia sentar, sempre
anotar, escutar a professora falar sempre a mesma coisa. Hoje, não, com o computador a
gente pode sair da sala, a gente pode descobrir um outro mundo com a Internet..(..) hoje dá
mais vontade de ir na escola...(...) uma escola mais evoluída digamos é uma escola que a
gente pode entrar na Internet, olhar outros lugares, aprender mais. Agora, antes não. Antes
era uma escola muito monótona. Não era muito ruim, mas não era o bastante pra se aprender
(Violeta).
Uma escola evoluída...quer dizer que cresceu. Cresceu assim.... em termos de notas, em
termos de amizades, em termos de opiniões, em termos da escola e da nossa vida
também.(Dália)
...com essa evolução, que foi na verdade um desenvolvimento da escola, ela.... a gente pode
solucionar várias pesquisas, várias descobertas...(Jade)
Em estudo recente sobre as novas competências para ensinar, uma delas é envolver os alunos
em suas aprendizagens. Esta competência está colocada sobre o dilema que atinge os
professores e a escola, após o avanço na democratização do ensino. A escolaridade obrigatória
leva para dentro da escola um número significativo de crianças e adolescentes que não
escolheram a instrução, não têm o desejo de aprender, mas estão lá. São identificados como
alunos ‗difíceis.‘(DUBET, 2003) A escola é uma instituição planejada sob a ficção de que
todos que estão ali, possuem esta disposição. Um dos seus dilemas atuais é confrontar-se com
esta realidade, compreendê-la e decidir o que fazer. Perrenoud (2000, p. 69) sugere que:
94
Se a escola quisesse criar e manter o desejo de saber e a decisão de aprender,
deveria diminuir consideravelmente seus programas, de maneira a integrar
em um capítulo tudo o que permita aos alunos dar-lhe sentido e ter vontade
de se apropriar desse conhecimento.
Pode-se considerar que os estudantes desta pesquisa passam por um processo de
reconstrução/construção da relação com o saber, tendo como instrumento mediador a
tecnologia digital. Reconstrução ao se considerar que eles já construíram uma representação
de práticas sociais do aprender e saber, constituídas a partir do meio em que vivem e dos anos
escolares já vividos, onde por fatores socioeconômicos estiveram distantes do uso da
tecnologia digital. Talvez por este distanciamento, nem pudessem ser considerados nativos
digitais. Entretanto, a própria escola cria algumas rupturas com esta representação e introduz
um novo instrumento tecnológico que media a relação com o saber, faz novas inferências
neste processo e estimula o desejo e a decisão de aprender. Desta forma, o que está em jogo
não é simplesmente a relação epistêmica com o saber, mas também, uma relação identitária.
Qualquer relação com o saber carrega esta dimensão, uma vez que diz respeito à história do
sujeito, às suas expectativas, referências, concepções de vida, relação com os outros e consigo
mesmo.( CHARLOT, 2000, p. 72)
A escola vive um momento de transformação necessária, no contexto da sociedade da
informação, no mundo globalizado. Ela deixa de ser o lugar do saber, porque o saber e o
conhecimento estão fora dela. Mas nem por isso, ela perde o seu valor, amplia-o.
A escola precisa se transformar em algo além de fonte de saber, ela vai ter
outra tarefa. Como nem todos têm acesso às novas tecnologias, a escola
ocuparia esse espaço. O filho do pobre teria igualdade de condições de
informação e formação em relação ao filho do rico, que entra na internet em
casa. Mais do que isso: o espaço da discussão, da crítica, da sistematização
desse conjunto de informações tem de ser dentro da escola. (PRETTO, 2008,
p. 25)
Para sistematização das informações, no contexto do processo ensino-aprendizagem, não
basta ter um meio fértil de acesso, a sala de aula deve ser um espaço de discussões e confronto
de ideias para elaboração crítica do conhecimento. Como esclarecem Duarte; Neves (2008) o
uso das novas tecnologias não significam em si uma ampliação da cognição, pode envolver
apenas uma pequena dose de cognição com sínteses básicas, ou então, pode constituir uma
rede de significações, que vão exigir o pensamento crítico para análise e julgamento.
95
Essa possibilidade da escola ser mais dinâmica, onde o conhecimento está disponível para que
os estudantes, junto a seus professores possam discutir, passa a constituir-se como uma escola
mais alegre e viva. Talvez seja esta oportunidade que os estudantes estejam começando a
experienciar, e por isso, retratam-na como um lugar de aprender, de se relacionar, um lugar
mais evoluído, onde se pode fazer descobertas, um lugar que dá prazer.
Esta proposta de pesquisa pode ser considerada na perspectiva de Meirieu (2005), quando diz
que numa situação de pesquisa, comanda-se o espírito. É um estado dirigido por uma
―motivação expectativa‖ que significa uma forma de atividade mental eficaz, bem diferente da
―atenção flutuante‖ característica das salas de aula. Quando o sujeito aprendiz coloca-se em
situação de projeto, a intencionalidade não é comandada pelo professor, não vem de fora. Se o
aprendiz envolve-se, projeta-se no futuro, acaba por propor desafios para si mesmo, ele
estreita a relação do seu passado e a sua representação de futuro.
É o momento em que o ser se domina, se recompõe e se engaja em uma
conquista do mundo que, em grande medida, constituirá sua identidade. É
esse tempo essencial em que emerge uma coerência entre o que ele viveu, os
encontros que teve, os desafios em que se envolveu, os objetivos que
assumiu. Um momento que não se pode controlar, sob pena de asfixiá-lo e
cujo caráter aleatório, em cada história individual, parece pôr em questão o
próprio projeto da Escola. (MEURIEU. P. 2005,p.87)
A consideração ao valor da curiosidade e da pesquisa, que têm como mediação a tecnologia
neste processo, é inquestionável. Por todas estas repercussões, entretanto, é necessário
configurar o estado de tensão que se estabelece na escola pesquisada, entre trabalhar a partir
do interesse e curiosidades dos alunos e trabalhar com os saberes sistematizados das
disciplinas escolares. Neste aspecto, a literatura estudada em Meirieu (2005) e Cordeiro
(2007) favorece o avanço desta discussão sugerindo que se trabalhe os saberes a partir da sua
gênese, e ainda, que os professores operem na compreensão dos processos de atribuição de
sentido dos estudantes, o que pode ser feito em relação a uma temática curricular.
6.2 - Relação dos estudantes com os saberes disciplinares
Os saberes das disciplinas escolares, aqueles constituídos ao longo da história das práticas
escolares, representam o resultado de uma interação entre o saber científico, produzido pela
ciência moderna e os saberes desenvolvidos na apropriação e adequação dos mesmos aos
objetivos, função e finalidade do processo formativo desenvolvido na escola básica. Eles
96
representam uma necessidade real da sociedade e tem intencionalidades dirigidas para a
formação dos cidadãos em um determinado lugar, num determinado tempo (BRAGA, 2003).
Entretanto, é preciso considerar que, as pesquisas sobre a História das Disciplinas Escolares –
HDE – revelam algumas concepções representativas sobre este tema. As disciplinas escolares
podem ser compreendidas como aqueles saberes que vulgarizam (simplificam) a produção
científica, uma concepção que leva à ―negação da condição de sujeitos aos educandos da
escola básica.‖ (BRAGA, 2010, p.10). Este é um pensamento comum, presente em parte dos
acadêmicos, formadores dos futuros educadores, identificados com as práticas, transmissivas
e memorísticas, que priorizam a armazenagem do saber enciclopédico.
Numa abordagem oposta, a disciplina escolar é vista como parte da cultura escolar
(CHERVEL, 1990) e a escola como um local de produção de conhecimentos. Embora utilize
a disciplina científica como ―ciência de referência‖, considera- se que as disciplinas escolares
possuem certa autonomia e geram conhecimento próprio, construindo sua alteridade.
(BRAGA, 2010, p.10)
Entre as duas visões, destaca-se uma terceira, sistematizada por Yves Chevallard (1985) que
compreende a disciplina escolar como o espaço da realização da transposição didática, ou
seja, as transformações que sofre o saber científico para ser ensinado na escola. Este é
considerado como um
Posicionamento intermediário entre aquele que considera os saberes
escolares como simples vulgarização dos científicos e aqueles que percebem
certa alteridade nas disciplinas escolares, expressada em seus objetos,
objetivos, função e formas de apropriação dos saberes próprios às práticas
escolares, às vezes, sem vínculo algum com os saberes científicos. (BRAGA,
2010, p. 10)
Essas abordagens na perspectiva da cultura, originadas da Sociologia do Currículo são
significativas para o contexto desta pesquisa, que vê um novo elemento cultural, como as
TICs, se fazer presente na escola, o que possibilita refletir sobre a forma de produção e
apropriação do conhecimento socialmente relevante e ainda, da relação dos estudantes com os
saberes disciplinares. É desse ponto de vista que serão desenvolvidas as observações a partir
dos instrumentos de análise utilizados na pesquisa.
97
Na entrevista grupal, os estudantes evidenciaram uma melhora no desempenho deles em
relação aos conteúdos das diversas disciplinas, especialmente da Língua Portuguesa, uma vez
que, a partir dos projetos de aprendizagem, passaram a ler e escrever mais. Em matemática,
poucas alunas manifestaram-se e quando o fizeram foi em referência à dificuldade de entender
as explicações da professora, realçando a melhora com o uso do computador que possibilita a
pesquisa e o entendimento daquilo que, inicialmente, não foi possível através da explicação.
Para os estudantes, a História, a Geografia e as Ciências ficaram mais interessantes, pois o
recurso multimídia possibilitou o acesso a vídeos e imagens enriquecendo os estudos e a
pesquisa. Estes dados mereceram um aprofundamento feito através de pesquisas individuais,
onde os estudantes tiveram a oportunidade de representar quantitativamente - de zero a dez - a
sua relação com as disciplinas, segundo critérios como: quantidade, profundidade,
entendimento e relação com a vida. Todos eles avaliados comparativamente em dois tempos,
antes e depois do uso do computador na escola.
Os dados da tabela abaixo foram obtidos a partir da soma do valor atribuído pelos estudantes,
em cada critério por disciplina.
Tabela 1 - Relação dos estudantes com as disciplinas antes e depois do computador
L.Portuguesa Matemática História Geografia Ciências
Critérios Antes Depois Antes Depois Antes Depois Antes Depois Antes Depois
Quantidade 50 63.5 48 58 50 62 50.5 63 48.5 58
Profundidade 45 62 49 59,5 50 64.3 50 62.5 52.5 59.5
Entendimento 52.5 64.3 47,5 58,5 51 63.5 52 64.5 53 63
Relação com a vida 54 66.5 52,5 62,5 51.5 66 55 65.5 56 64
O valor total de referência para esta tabela é 70 pontos.
Numa análise horizontal, pode-se verificar que após a utilização do computador, as médias
mais altas foram atribuídas à categoria Relação com a vida. Entretanto, a valoração deste
critério já se apresentava alta antes da introdução do computador, em relação às demais,
levando-se a concluir que esta é uma questão antes trabalhada pela escola. Nos outros
critérios, ao comparar os dados nos dois tempos, antes e depois do computador, há avanços
mais significativos em relação à quantidade dos conteúdos aprendidos e ao seu entendimento.
A profundidade, apesar de certa evolução, não acompanha os mesmos índices de avanços
demonstrados pelas outras categorias. Supõe-se que este pode ser um indicador da
necessidade de melhor sistematização dos conhecimentos, de enriquecimento das relações
98
entre os conceitos que estão em jogo nas pesquisas e no trabalho cotidiano com os saberes das
disciplinas.
A sistematização supõe diálogo e compartilhamento de significados, a fim de desencadear
novas oportunidades reflexivas e reconstruções de saberes. Da mesma maneira os conceitos,
uma vez confrontados, desestabilizados de suas categorias espontânea ou de senso comum,
deveriam alcançar maior proximidade com o conhecimento científico, ganhando consistência.
Uma análise vertical permite inferir uma melhor relação com as disciplinas discursivas como
Língua Portuguesa, Geografia e História, talvez pela maior facilidade de avançar pela via das
narrativas.
Os dados coletados permitiram relacionar a evolução segundo os critérios em cada uma das
disciplinas, demonstrados na tabela e gráfico abaixo.
Tabela 2 - Percentual de evolução por disciplina e por critério
Critérios L.Port. Matem Hist Geo Ciên
Quantidade 22% 18% 20% 20% 17%
Profundidade 28% 18% 23% 20% 12%
Entendimento 19% 19% 20% 20% 16%
Relação com a vida 19% 16% 22% 16% 13%
Gráfico 1- Evolução da relação com as disciplinas escolares, segundo os critérios.
Evolução por disciplinas e critérios
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
L.Port. Matem Hist Geo Ciên
Quantidade
Profundidade
Entendimento
Relação com a vida
99
Pode-se perceber que há um ganho significativo em relação à linguagem, de modo especial,
no que diz respeito à quantidade e profundidade dos conteúdos, o que pode ser justificado
pelo investimento de tempo e trabalho intelectual realizado, não apenas nas aulas da disciplina
de Língua Portuguesa, mas especialmente nas pesquisas dos PAs.
Este dado é, reiteradamente, enfatizado pelos estudantes que participaram do Grupo Focal,
identificando-se como melhores leitores. A leitura na escola, atualmente, é muito influenciada
pelo uso do computador, uma vez que os estudantes acham mais fácil fazer pesquisa, e ler no
computador. O que eles identificam como fácil, sempre comparando ao uso do livro, refere-se
à facilidade de acesso às informações, em número muito maior do que o encontrado nos livros
da biblioteca da escola, isto quando encontravam sobre o que queriam pesquisar, pois muitos
desistiam pela inexistência de material disponível. No relato de uma estudante, antes dos
computadores, os trabalhos tinham pouco conteúdo, porque não tinha onde fazer pesquisa
[...] as pesquisas ficavam pobres [...].(Jade).
Para a supervisora, a leitura que está se fazendo é uma leitura compreensiva. Provavelmente,
fruto das mudanças na metodologia, e o abandono daquela prática de sala de aula onde o
aluno ia pra sala ouvir a explicação, copiava e respondia ali caladinho.”(Supervisora).
Um instrumento didático utilizado no processo de pesquisa que compõe os PAs é o mapa
conceitual, com a finalidade de construir relações, a partir das informações coletadas,
compondo um mapeamento do estudo. É uma ferramenta que oportuniza ao aluno a análise
das informações e relações já feitas e subsidia a avaliação e orientações feitas, pelos
professores orientadores.
O exemplo abaixo ilustra a finalização de um processo de pesquisa de uma estudante, sendo
possível observar como encaminhou sua investigação e as relações em construção do tema
escolhido.
100
Fonte: Segunda versão do Mapa conceitual sobre Engenharia de Automação Industrial. Trabalho de autoria da estudante
R.A.A. postado em 18 de junho de 2009- rayanecaic.blogspot.com ( acesso em 11 nov 2009)
Nesse sentido, há que se considerar a relevante contribuição que esta ferramenta pode
proporcionar na formação do leitor e escritor. Constitui-se numa representação que revela a
maneira como o estudante está estruturando o conhecimento e podendo desenhar complexas
relações que muitas vezes estão encobertas pela linearidade dos textos. Pela narrativa dos
entrevistados a prática mais comum para compreensão leitora, anterior à realização das
pesquisas na internet era responder perguntas sobre o texto. Sabe-se que estes procedimentos,
algumas vezes, estão centrados no que propõem os livros didáticos, e outras vezes partem da
iniciativa dos professores, que parafraseiam ou trocam opiniões com os alunos sobre o
significado do texto. Mas ainda assim, para muitos estudantes estas estratégias não são
suficientes para a leitura compreensiva. Sabe-se que ―a eficácia aumenta quando são os
próprios alunos que elaboram os instrumentos de exploração do texto em vez de limitar-se a
seguir esquemas, resumos e interpretações já fixadas.‖ (COLOMER & CAMPS, 2002, P.82)
Além do desenvolvimento da leitura, professoras e alunos reconhecem o desenvolvimento da
comunicação. As pesquisas realizadas são apresentadas nos blogs e, também, reeditadas em
Power Point para socialização na escola, o que tem cooperado para o desenvolvimento de suas
habilidades comunicativas e produtivas.
Tradicionalmente, e de modo geral, a escola não oportuniza um espaço significativo no
currículo escolar para o investimento na língua oral, pois não se tem tradição conceitual, nem
101
conhecimentos dos aspectos metodológicos deste ensino (RIO, 1996). Quando muito isso se
realiza nas rodas de conversas informais, centralizadas no professor e na apresentação de
trabalhos de grupo, porém, com considerações ao conteúdo e não às habilidades
comunicativas. O uso da comunicação como estratégia intencional e ensino é muito recente.
Os estudos têm mostrado a importância de incluir objetivos relacionados, que reorientem a
prática escolar.
A língua oral é exigente não apenas porque implanta novos conteúdos, mas
sobretudo, porque obriga a repensar a maneira de realizar o trabalho em sala
de aula.....é impossível ensinar e aprender língua oral comunicativa em uma
aula tradicionalmente estruturada, pouco participativa, na qual predominam
o monólogo da pessoa que assume o papel de ensinante. (RIO, 1996, p.11)
No relato dos estudantes, os momentos de socialização da pesquisa, conhecidos por eles
como ‗fóruns‘, são um grande desafio. Alunos que apresentavam muita timidez para falar em
público, testemunham suas dificuldades e superação ao longo dos desafios propostos. Estas
são novas práticas que passaram a existir no contexto escolar pesquisado, em comum com
novas exigências no processo de aprendizagem.
O sistema educativo deve, atualmente, considerar as relações que envolvem a expressão oral,
pela sua atuação na participação e inserção na vida social. Este aspecto reúne linguagem,
desenvolvimento social e participação na vida da comunidade. Um fato interessante é que a
aluna Gardênia, ao dialogar na entrevista, realçou as características do seu dialeto (como por
exemplo, o uso do ‗nóis‘), justificou que nos momentos de apresentação oral ela aprendeu o
uso da língua padrão. Assim, demonstrou que os estudantes estão lidando bem com as
variantes linguísticas, procurando adequar suas falas às situações comunicativas. Este fato
parece carregado de obviedade, porém é comum encontrar escolas e professores que não
sabem como fazê-lo, e por isso, nem dão a este conteúdo a devida importância.
Observou-se, entre os estudantes da pesquisa, um investimento relevante na realização de
sínteses para os momentos de socialização e postagens nos blogs. .....os textos né, que a gente
lê, faz resumo e coloca no blog. É muito interessante porque eu descobri como resumi pra
colocar certo no blog....(Tulipa). Além disso, estes momentos têm estimulado a capacidade de
fazer anotações, muitas vezes esquecida nos meios escolares e não adquirida por muitos
adultos. Este fato está evidente na fala de estudantes:
102
Agora eu comecei a fazer muitas pesquisas, tem que fazer muitas anotações, resumos, então
fui aprendendo mais a fazer resumo, fazer anotação. E também tem o auxílio audiovisual,
porque eu tiro da internet. E com isso eu desenvolvi mais a minha forma de escrever. Eu já
vou ouvindo e vou escrevendo, antes eu tinha dificuldade. Eu vivia esquecendo o que a pessoa
falava. Agora melhorou. ( Jade)
Segundo outra estudante, havia antes da leitura no computador, certo conformismo com o
resultado da leitura, mesmo não compreendendo o que havia se falado ou lido, deixava-se
como estava. Hoje, há interesse, há questionamento do texto, da informação, que servem de
estímulo a novas buscas que melhorem o entendimento. Os professores reconhecem que os
estudantes estão mais questionadores.
Há, também, indícios de que o uso do computador pode favorecer a apreciação literária e o
desenvolvimento lexical, uma vez que torna mais fácil a cópia e o envio daquilo que é
apreciado pelos alunos. Eles reconhecem a melhora do vocabulário, assim como do seu
significado, fruto da ampliação do conhecimento.
No processo de construção da pesquisa, há necessidade de revisão constante do texto, das
informações, das relações que são feitas. Este também é um hábito inexistente na escola
tradicional, na qual o aluno escreve para o professor ler e avaliar. No papel de ator e produtor
do conhecimento, estes alunos devem garantir a comunicação escrita, o que exige autoria e
persistência nas revisões constantes. Este processo acaba por evidenciar as dificuldades dos
alunos, que felizmente, no caso deste projeto, através dos professores orientadores (que têm
proximidade maior com a construção de um grupo pequeno de alunos) podem ser tratadas.
É evidente que os estudantes estão lendo e escrevendo mais, tomando como base em
observações de todos os entrevistados: direção, supervisão, professores e alunos. A análise da
escrita dos alunos nos blogs indica que há avanço significativo destas habilidades ao longo
dos anos, no desenvolvimento dos projetos. Os mapas conceituais dos estudantes de 6º e 7º
anos contem menos informações e alguns dos textos postados ainda são curtos e incoerentes.
Nos últimos anos, verifica-se uma melhora significativa nestes aspectos, cuja qualidade dos
textos é garantida com estruturas simples e uso de vocabulário científico. Há alternância de
textos curtos e mais longos. Alguns com trocas e omissões de letras, mas em geral
103
apresentam-se com boa ortografia. Os mapas conceituais muitas vezes dizem mais do que os
textos, portanto, contém mais informações do que a desenvolvida nos textos, insinuando que
talvez esta seja uma possibilidade de investimento no processo de aprendizagem que ali se
realiza. É visível o enriquecimento dos trabalhos com o uso das imagens que ilustram as
informações e dão maior clareza à comunicação produzida pelos estudantes, além de realçar o
fato de que evoluíram no uso das ferramentas oferecidas pela tecnologia.
Quanto à evolução demonstrada, na comparação entre os critérios avaliados na tabela abaixo,
pode-se inferir que esses estudantes estão avançando, significativamente, em extensão e com
mais profundidade, respaldados pelo avanço, também, na compreensão maior e na relação
destes conhecimentos com a vida.
Gráfico 2- Média de evolução por critérios estabelecidos na avaliação da relação dos estudantes com
as disciplinas escolares.
Chega-se à conclusão de que as estratégias didáticas deste processo cooperam para este
resultado, levando-se a compreendê-lo a partir de alguns elementos teóricos da aprendizagem
significativa. Esses estudantes estão aprendendo conteúdos que fazem sentido para eles. Nos
momentos iniciais do processo didático da pesquisa, em que fazem o levantamento das
questões que desejam saber, estão ativando conhecimentos anteriores que uma vez acionados
irão favorecer a produção de novos conhecimentos de forma não arbitrária, mas
compreensiva. Talvez este seja um ponto que mereça consideração e relevância para análise
dos professores, de modo que possa ser criteriosamente verificado a sua realização na prática,
de maneira que dê, cada vez mais, sustentação ao processo de produção do conhecimento. É
Média evolução por critério
19,40%
20,20%
18,80%
17,20%
15,00%
16,00%
17,00%
18,00%
19,00%
20,00%
21,00%
Quant Profund Entend Rel. vida
104
pertinente considerar que para Santomé (1998) a aprendizagem significativa supõe o
engajamento das ideias, teorias ou as experiências dos estudantes às tarefas escolares.
Provavelmente este avanço, segundo estes critérios, é alcançado pela experiência escolar
proporcionada pela pesquisa dos PAs e pelo uso da internet na escola. Notadamente, a
pesquisa na internet está desencadeando novos processos cognitivos e influenciando a
interação entre os saberes das disciplinas, oportunizando-lhes o uso de habilidades que
contribuem para o enriquecimento do processo de aprendizagem. A utilização de novas fontes
de informações, como por exemplo, as imagens, têm ajudado na construção de significado.
Possivelmente, esses estudantes estão vivenciando uma transição entre uma aprendizagem
por recepção e memorização e uma mais autônoma e significativa. O que os levaria a optar
pela memorização mesmo quando estão diante de recursos didáticos motivadores é sentir que
suas respostas teriam que corresponder, literalmente, à forma validada pelo professor ou ainda
por fatores de ansiedade e fracassos crônicos que fizeram com que perdessem a confiança
para aprender significativamente (AUSUBEL apud SANTOMÈ, 1998)
Entretanto, se a escola tem procurado inovar em sua prática e a experiência com os PAs tem
levado os profissionais a repensarem, também, a sua concepção e prática pedagógica, uma
nova versão dos processos didáticos em todos os âmbitos escolares pode se apresentar como
saída, mesmo para os mais céticos professores e para aqueles alunos mais distantes do sucesso
escolar.
Contudo, a complexidade do processo de mudança exige um esforço para sistematização da
experiência. A atitude comumente realizada de planejamento, execução e avaliação da prática
a cada ciclo de realização das pesquisas não é suficiente para dar sustentabilidade à proposta
da escola. A proposição política institucional relevante seria uma interpretação crítica da
experiência vivenciada a fim de descobrir caminhos não percorridos, atingir algumas
percepções que ficam dispersas no processo e, assim, produzir novo conhecimento a partir de
suas compreensões. Uma questão de estudo que, continuamente, faz-se presente nesta
pesquisa é como equacionar um processo cuja trajetória é direcionada pelo interesse dos
alunos com o acesso aos conceitos estruturantes do conhecimento científico.
105
Outro dado relevante nesta pesquisa refere-se à comparação entre o percentual evolutivo das
disciplinas escolares.
Gráfico 3 – Evolução na relação com as disciplinas
Estes dados revelam que a média de todos os critérios avaliados, apresenta-se maior na
Língua Portuguesa que nas outras disciplinas. Para análise, é preciso considerar que a língua é
instrumento mediador de todo o processo, para compreensão e relação com o saber. A
importância da linguagem verbal no processo de desenvolvimento dos estudantes é
compreendida por Vygotsky (1991) cuja teoria trata, especialmente, da importância dos
signos para o desenvolvimento das funções mentais superiores. O domínio da linguagem
falada e escrita tem consequências na capacidade da abstração mental, possibilita analisar e
fazer generalizações a partir das características de objetos, dos eventos e situações da
realidade. Enquanto instrumento de comunicação, ela possibilita a troca de informações e o
compartilhamento de significados, a partir da interpretação da realidade. Talvez, por este
motivo, a relação dos estudantes com as disciplinas discursivas como Língua Portuguesa,
História e Geografia apresentem um avanço maior.
A evolução da disciplina de História pode ser atribuída, inicialmente, a dois fatores. O
primeiro refere-se ao envolvimento e aproveitamento da professora, às possibilidades que a
tecnologia digital trouxe para suas aulas, alterando, inclusive, suas concepções da prática
pedagógica. O segundo, por ser uma disciplina centrada na língua oral, verbal e escrita. Este
fator pode estar relacionado à quantidade de pesquisas que investigam aspectos históricos,
Evolução por disciplina
22%
17,75%
21,25%19%
14,50%
0%
5%
10%
15%
20%
25%
L.Port. Matem Hist Geo Ciên
106
como por exemplo: como surgiu o sorvete, a TV, as revistas em quadrinhos, conhecimentos
sobre a moda e transformação, a evolução do conceito de biquíni, a história da Fórmula 1, dos
Clubes de futebol, das profissões, da cidade em que moram. O conjunto destas pesquisas
permite levantar uma suspeita com relação ao processo didático deste campo de
conhecimento: Esta prática estaria possibilitando aos estudantes exercitarem a compreensão
do tempo histórico, levando-os a uma melhor significação da realidade e promovendo avanços
conceituais? Essa é uma questão para ser respondida em outra pesquisa, uma vez que foge ao
propósito deste estudo.
Algo semelhante ocorre com a disciplina de Geografia. Tanto a História como as Ciências
Sociais são uma atividade de raciocínio, o que é desconsiderado pelos profissionais da
educação e pela própria sociedade. É comumente concebido que a Matemática e as Ciências
naturais necessitam do desenvolvimento do raciocínio e para saber História e Geografia, basta
estudar, ou seja, memorizar fatos e eventos. Entretanto, o raciocínio histórico e geográfico
exige capacidade de formular, comprovar hipóteses, aplicar estratégias complexas do tipo
dedutivo e indutivo e capacidade de compreender a interação entre sistemas. Além disso, estas
habilidades, ao serem aplicadas no contexto da História e da Geografia exigem uma
flexibilidade maior de raciocínio e compreensão dos conceitos a elas relacionados.
(CARRETERO,1997, p.24).
Independente destas questões que devem ser mais bem investigadas e enfatizando o aspecto
discursivo, não se pode negar o avanço dos alunos na sua relação com as duas disciplinas num
momento importante da sua escolarização. É necessário que os professores tomem
consciência deste potencial a ser explorado, estudando com mais profundidade as
possibilidades didáticas oferecidas por esta prática a fim de promover maiores conquistas na
aprendizagem.
É possível ver este potencial de transformação na fala dos estudantes:
Antes eu pensava assim, vou estudar coisas de agora, pra que estudar coisas do passado, que
já passou, não era interessante. Agora hoje eu vejo que as coisa do passado está ligado com
as coisas de hoje em dia. Eu não pensava assim. ( Lírio)
107
O mesmo estudante ao se referir ao uso da internet no ensino da Geografia diz que: hoje tem
mais mapas, as regiões, por exemplo, vegetação, dá pra você vê a vegetação, tem mais
explicação do que é em cada local, eu acho que eu entendo mais.
O mundo era desconhecido, mas depois do computador a gente conheceu então, a geografia,
na relação com a vida, ela aumenta o pensamento sobre o mundo. (Cravo)
As outras duas disciplinas - Matemática e Ciências - que no currículo do ensino fundamental,
especialmente no 9º ano, incluem os saberes da Química, Física e Biologia, devem ser melhor
estudadas, a fim de encontrar parâmetros de avaliação, a partir da introdução das novas
tecnologias. Tem-se a suposição de que os professores destas áreas estejam ainda
despreparados para utilizar ferramentas adequadas e estimular mais os temas de pesquisa
destes campos de conhecimento.
Ao comparar a organização do tempo na grade escolar com a percepção dos estudantes do
investimento de tempo nas disciplinas e PAs, verifica-se uma proximidade nos PAs, na
História e nas Ciências. Porém, o distanciamento da Matemática para menos e da Geografia
para mais (indicado nos gráficos abaixo), na visão dos estudantes, pode indicar que o uso das
tecnologias está mais potencializado nas descobertas do campo de conhecimento da Geografia
que na Matemática. Há alunos que disseram nunca ter feito uma pesquisa relacionada aos
conhecimentos matemáticos, o que supõe pensar sobre a necessidade de adequação didática
para o uso da tecnologia neste campo. A diferença demonstrada na Língua Portuguesa não é
significativa uma vez considerando que o tempo da pesquisa nos PAs também representa
investimento nas habilidades linguísticas.
Essas conclusões devem considerar a significação que o tempo adquire, porque vivido no
prazer de conhecer e, certamente, influencia nestes resultados. E considerar ainda a
compreensão de que o tempo é decisivo na configuração da proposta metodológica. Enquanto
o tempo de 50 minutos limita-se a uma estruturação padronizada de processos na sala de aula,
onde são desenvolvidas as disciplinas regulares, os conteúdos educativos sofrem uma
ampliação ao efetivar um modelo de tempo flexível em paralelo.
108
Gráfico 4- Distribuição do tempo no horário escolar conforme grade curricular oferecida pela
supervisora escolar.
Gráfico 5- Dedicação do tempo escolar na visão dos estudantes de 8º e 9º ano.
6.3 -A mudança no interior da escola
Pode-se afirmar que a tecnologia digital promove mudanças na organização e funcionamento
do cotidiano da escola estudada, afetando os processos pedagógicos, e por sua vez, as
concepções e o jeito de fazer educação de seus profissionais. Além disso, é preciso identificar
com que propósito as TICs estão sendo utilizadas e, neste caso, se estão a serviço da melhoria
do ensino e da aprendizagem. A escola não deve perder o foco, ou melhor, deve encontrar os
pontos de estrangulamento que colocam em risco este propósito, e que podem desqualificar as
Distribuição do tempo no horário escolar
25%
20%
20%
10%
10%
15%
Pesquisa do PA
Língua Portuguesa
Matemática
História
Geografia
Ciências
Dedicação tempo escolar na visão dos
estudantes
26,42%
17,14%
12,14%
12,14%
16,07%
14,64%
Pesquisa do PA
Língua Portuguesa
Matemática
História
Geografia
Ciências
109
suas finalidades educativas que são especialmente, a apropriação do saber socialmente
relevante e a cidadania. Ou seja, operar ações e meios tecnológicos que garantam o acesso aos
saberes científicos. Estes propósitos estão muitas vezes distantes dos programas propostos
pelas políticas públicas, que introduzem o computador nas escolas públicas. O contexto de
introdução das TICs não foi resultado da iniciativa de professores, mas uma insistência
administrativa de produzir avanço educativo. Mesmo considerando que as inovações impostas
encontram resistências, correndo o risco de não ultrapassarem a superfície da prática
pedagógica, pode-se perceber que a formação dos professores e gestores, fomentou um
contágio pelas novas práticas, estimulando uma adesão gradativa dos professores e, assim,
tem permitido gerar iniciativas de sustentação do processo de mudança.
Nessa dinâmica estão aprendendo a viver a mudança, a pensar sobre ela, provocá-la e ao
mesmo tempo resistir a ela e controlá-la. Percebeu-se pelas entrevistas que os profissionais
têm relações distintas com este processo de introdução das TIC. Alguns muito encantados,
porém superficiais na sua utilização, experimentando tanto quanto os alunos descobertas na
utilização da internet em sala de aula. Neste grupo, incluem-se, também, aqueles que
aceitaram a novidade da utilização, mas não perceberam a mudança conceitual que está sendo
operada na sala de aula. Existem outros profissionais que, efetivamente, estão compreendendo
o processo e procurando tirar proveito das novas possibilidades que a ferramenta oferece ao
ensino e aprendizagem dos estudantes. E por fim, aqueles que se mantém na marginalidade do
processo, questionando-o, ainda céticos. Mesmo que as relações com a mudança sejam
diferenciadas, nestas circunstâncias é razoável lembrar que os profissionais acabam por serem
influenciados pelas novas práticas que representam a cultura emergente, podendo, assim, ser
compreendida como:
[...] um código comum, que permite ficar no mesmo cumprimento de onda
quando sobrevém uma reforma, quando um líder informal ou o diretor de
escola propõe um projeto ou quando um problema ou uma crise chamam
para a evidência das mudanças no mundo profissional. (THURLER, 2001, p.
91)
A liderança da escola é categórica ao revelar a importância do programa de inclusão digital na
escola: O programa veio na verdade para ajudar a gente entender que existia outras
possibilidades pedagógicas de serem utilizadas pelos professores, da gente pensar que o
110
papel do aluno podia ser diferenciado [...] ele tem condição de buscar o
conhecimento.......(diretora)
Por outro lado, a perspectiva de inovação pode ter revelado uma prática antes mascarada por
um cotidiano que roubava a consciência pedagógica dos profissionais, conforme insinua o
relato da supervisora: O projeto de aprendizagem colocou para fora bem estampado, as
grandes dificuldades que nós enfrentávamos e que a gente de uma certa forma parece que
não tinha consciência.
Portanto, a tradicional cultura escolar está sendo abalada por novas intervenções, que incidem
sobre as relações de poder, os modos de decisão, as maneiras de interagir, na relação com o
tempo e o espaço e ainda tem provocado alterações nas tarefas habituais dos professores,
alunos e gestores e na forma de realizá-las e de compreendê-las.Levou os educadores a
repensarem o currículo da escola e as posturas pessoais.
O espaço, o tempo, as pessoas e a concepção pedagógica são elementos interdependentes que
configuram um novo cotidiano escolar. Se a perspectiva do olhar observador se dirigisse
apenas para a estrutura física da escola pública estudada, não seria possível perceber
alterações. A arquitetura projetada para um CAIC, não comporta uma visão contemporânea da
escola. Representa a tradicional concepção de escola, porém com andares interligados por
escadarias de inseguras inclinações e degraus estreitos, exigindo atenção especial. Estas
escadas ganham centralidade no projeto arquitetônico, e constantemente o cuidado dos
profissionais da escola que procuram o tempo todo garantir a segurança dos estudantes,
através da ordem na utilização do espaço. Se a impressão inicial é demasiadamente rígida, a
utilização dos espaços pedagógicos tornou-se flexível para acolher as mudanças.
Nas turmas que tem o classmate os alunos acessam no corredor, usam no pátio, alguns vão
até pro refeitório, deixa o classmate do lado, toma o lanche, logo já acessa aquilo que ele ta
interessado, às vezes até termina um trabalho que tem que entregar para o professor, então,
essa própria dinâmica da escola foi alterada.....(supervisora)
111
Acho que a nossa rotina na escola, aquela coisa ali de sala de aula, de sentar todo mundo
assim, um atrás do outro, certinho, não! A gente reúne, forma o grupo....... um grupo
ajudando o outro, pesquisando....(Profa. História)
Acabou aquela coisa da escola da sala fechada, carteira atrás de carteira, porque
provavelmente se você for numa sala onde os alunos tão realizando projetos de
aprendizagem, você vai encontrar poucos, porque uma turminha ta na biblioteca, as vezes no
pátio, as turmas que tem o notebook estão no corredor, na outra sala, em outro espaço e o
professor ali com um grupinho menor, que é o ideal.(diretora)
O ambiente escolar rompeu com os limites do espaço das salas de aula e, também, do tempo
da grade curricular. Uma nova organização do tempo se fez condição essencial para o uso da
tecnologia, pois as aulas de 50 minutos não tornariam possível a realização das
pesquisas/projetos de aprendizagem. Estas mudanças exigiram um esforço e envolvimento
dos gestores e professores que tiveram que quebrar paradigmas, tomar decisões e buscar
soluções para novas situações que surgiam neste processo. O fato é relatado pela diretora:
A gente levou assim uns dois anos até conseguir quebrar um pouco com essa grade rígida,
abrir espaço assim, pra que os professores tenham aulas duplas, triplas, pra que durante um
horário ele trabalhe o conteúdo regular das aulas, nos outros ele tenha tempo para fazer a
mediação, este trabalho de orientação e acompanhar o aluno na sala de informática.
6.3.1-Possíveis diálogos com o processo de mudança da escola
A consideração ao valor da curiosidade e da pesquisa, com a mediação da tecnologia neste
processo, é inquestionável. Contudo, por todos estes impactos, é necessário analisar o quadro
pedagógico que se configura na escola pesquisada, pontuando as idiossincrasias evidenciadas
na sua prática pedagógica. De um lado estão os saberes de interesse dos estudantes, cujo
caráter é aleatório, como diz Meurieu (2005), de outro os saberes sistematizados no programa.
Os saberes escolares são, inquestionavelmente, estabelecidos segundo a sua pertinência e
fecundidade para a aprendizagem. É claro que não são estáticos, imutáveis e sofrem pressões
diversas ao longo do tempo. Constantemente, muitas questões estão em debate e a divergência
de opiniões faz-se presente. Uma delas e a que, especialmente, está imbricada neste estudo é
112
como colocar a informática no currículo das escolas. Este é um exemplo de outros tantos
saberes tematizados por especialistas em programas. Não é sem motivo, mas é no sentido de
considerar que estão vinculados com o tipo de homem que se pretende formar. Ainda que os
alunos possam ser consultados, é dos adultos a responsabilidade de fazê-lo, refletindo,
inclusive, sobre o futuro do país.
Estes saberes definidos nos programas das escolas têm uma lógica que escapa aos alunos,
correndo o risco de ocasionar a desvitalização dos conhecimentos, o que dá a eles a sensação
de que a sua única utilidade é obter o êxito na escola. (MEIRIEU, 2005) Esta ausência de
sentido dos saberes escolares e seu caráter arbitrário levam a uma prática onde o aluno
compreende que o:
[...] único interesse está em que isso permite passar à frente dos outros: na
falta de prazer da descoberta, conformam-se com o sentimento de sua
superioridade. Assim, basta que um aluno interiorize o fato de que fracassou
e que sempre fracassará para que rompa totalmente com a escola e com as
aprendizagens, para que o mundo dos saberes e da cultura se torne para
sempre estranho para ele. (MEIRIEU, 2005, p. 81)
De outra parte, não é uma assertiva nova a importância do interesse do aluno para a realização
da sua aprendizagem. Quando há interesse o esforço parece natural, o tempo ganha novo
significado, é vivido com prazer e, especialmente, não há necessidade de estar sempre se
comparando com os colegas para avançar. O interesse é fator de aprendizagem. O ambiente
da sala de aula onde os estudantes realizam as suas pesquisas no computador apresenta-se
com um burburinho de conversas paralelas e movimentação, que giram em torno das tarefas
que estão realizando, tal o interesse que demonstram e o compromisso que têm com seus
objetos de saber.
Considerando esta realidade é possível indagar: O que se apresenta é apenas um período de
mudanças ou a convergência de dois mundos, duas concepções que passam a coexistir e se
alimentarem mutuamente no interior da escola? É possível criar uma ponte entre a lógica dos
saberes prescritos e aqueles dos interesses dos estudantes? Pode-se, também, questionar a
suficiência e a qualidade do tempo dedicado aos saberes sistematizados em toda a sua
racionalidade, na condução dos processos de ensino-aprendizagem, e por outro lado, a
qualidade e validade do tempo dedicado aos projetos de aprendizagem, em processos mais
flexíveis. Neste contexto vale, também, refletir no que resulta o jogo de convivência entre um
113
sistema de avaliação firmado em juízos de valor da avaliação tradicional e uma avaliação por
competências?
Ao refletir sobre as tentativas contemporâneas na produção de saberes na escola, Libâneo
levanta algumas suspeitas e diz que:
Com efeito, a escolarização é uma necessidade social, há um nível de
desempenho escolar e social imposto pela sociedade presente, há exigências
de educação social, moral e estética, sanitária e ambiental. Posições
extremadas que incentivam o espontâneísmo, a omissão em relação ao
domínio de conhecimentos sistematizados, a diminuição do rigor no
atendimento das tarefas sociais da educação, a leniência das práticas
avaliativas, podem levar a prejuízos inestimáveis às crianças das camadas
populares e camadas médias empobrecidas. Essas posições não ajudam na
luta pela eliminação das desigualdades sociais, pelo reconhecimento da
diversidade cultural, pela superação da subalternidade da globalização, pela
preparação profissional geral, ou seja, não propiciam as condições para que a
parte pobre e oprimida da sociedade produza ideias, crie, se prepare para o
mundo da ciência, da cultura, da arte, da profissão e da cidadania.
(LIBÂNEO,2002,p.20-21)
A pertinente consideração do autor estimula a reflexão e análise da prática em estudo, para
posicioná-la num espaço/tempo de tensão. Tensão entre duas práticas. Uma dita tradicional,
transmissiva, onde o programa é o vetor do tempo escolar, fazendo dele um tempo mecânico,
organizado em lições do livro didático, com execução de tarefas rotineiras que seguem quase
sempre a mesma sequência didática. Outra prática, a de projetos de aprendizagem que
estimula a curiosidade, a submissão ao desejo de aprender, com estudantes que investem
energia em tarefas mais complexas, em tempos mais flexíveis. ( Meirieu, 2005).
A referida escola apresenta duas formas organizativas em sua estrutura pedagógica: os
horários de uma grade curricular de cinquenta minutos (50‘) em quatro dias da semana
divididos entre as disciplinas, e um dia em que o horário integral é disponibilizado para a
realização e orientação das pesquisas dos projetos de aprendizagem, na perspectiva de um
enfoque globalizador. Portanto, com duas práticas que refletem concepções diferenciadas,
mas com um ponto de interseção entre elas: a utilização da internet na sala de aula. Enquanto
nos projetos de pesquisa a tecnologia faz-se presente instrumentalizando o aluno no
planejamento e desenvolvimento da pesquisa, subsidiando a busca, o tratamento e a produção
final do conhecimento, nas aulas disciplinares ela aparece como instrumento para tirar
dúvidas, ampliar as relações. As professoras exemplificam o seu uso nas suas disciplinas:
114
“A necessidade que a gente sente de usar o classmate a gente usa. Um exemplo, eu tava
trabalhando com eles lá um texto do Dom Quixote, aí surgiu uma dúvida, quem foi Dom
Quixote e tal. Nós paramos a aula, pegamos o classmate e fomos pesquisar: quem foi Dom
Quixote, quem escreveu o livro, o que ele fez e tudo mais. Então, de acordo com a
necessidade a gente usa o classmate.” (Profa. Língua Portuguesa).
A professora de História relata que uma turma estava estudando a reforma e contra-reforma e
após assistirem a um filme, pediu que fizessem uma sinopse. Logo em seguida à realização da
tarefa, os alunos pesquisaram na internet e encontraram a ficha técnica do filme, outras
versões, algumas imagens. Desta forma, conceituaram o que é uma ficha técnica e
enriqueceram a tarefa com mais informações e imagens. Algo que não estava previsto pela
professora.
Esta prática dos projetos de aprendizagem tem influenciado a concepção dos professores, que
passaram a se sentir insatisfeitos com o seu modelo de aula tradicional, provocando um
movimento no sentido de planejar suas aulas das disciplinas de formas mais interessantes. É o
que diz a professora de História: ―Mudou as aulas, hoje em dia, eu vou sentar pra planejar
uma aula e falo assim: gente, mas isso aqui não vai chamar mais a atenção do aluno, né?
Vou propor uma pesquisa diferente, quero levar uma aula diferente...procuro várias
estratégias, mudar, já tenho o computador, sento, pesquiso...um texto diferente, uma
música....”
Os professores encontraram uma solução para a preocupação existente entre eles de que os
alunos iam ―perder matéria‖ ou seja, não conseguiriam cumprir todo o programa uma vez que
teriam um dia a menos no horário semanal, que é dedicado aos projetos de pesquisa.
Reuniram e começaram a planejar em conjunto, percebendo afinidades ou temas comuns às
disciplinas, reorganizando um currículo mínimo. A professora de História disse em entrevista
que: ― tem tantas matérias que é...o menino às vezes estuda aquilo ali muito tempo e depois
ele nem usa.... ele não vai usar aquilo ali.... então não tem sentido. Vamos enxugar, então.
Por que por exemplo, igual a minha matéria e na matéria de geografia, muita coisa que eu
trabalho e depois a professora de geografia também trabalha. Então, como que vamos
fazer?.....procuramos sentar a professora de Geografia, Ciências, História....começamos a
sentar, trocar idéias, planejar, né ?.....”
115
Estudar a partir de um conteúdo programático imposto pela escola supõe a realização de
tarefas que muitas vezes não mobilizam a energia e o desejo de aprender, pois nem sempre é
possível significar os conteúdos. Nesta condição, a temporalidade programática é tida como
artificial em relação à temporalidade do aluno que aprende. Os alunos que vivem nestas
circunstâncias podem experimentar uma dupla condicionante proposta pelo contexto escolar:
―Eu lhe imponho que se interesse livremente pelo que digo‖. Isto significa
que ela é ameaçada particularmente por um duplo desvio: ou mantém apenas
a condicionante e abandona qualquer esperança de um investimento pessoal,
com o risco de sacrificar toda aprendizagem verdadeira; ou preserva apenas
a liberdade e esquece as condicionantes do programa, com o risco de
dispersar-se e deixar de cumprir as missões que lhe são
confiadas.(MEIRIEU, 2005,p. 85)
Este é realmente um dilema que coloca em evidência o desafio em que a escola encontra-se
submersa. Nesta referência, o autor atribui esta artificialidade programática ao seu
descompasso com a história pessoal, preocupações e centros de interesse dos alunos e,
também, a um corpo que precisa de ser entendido com suas condicionantes. O que corrobora
para enaltecer a informação dada pelos professores do programa, em relação ao estado de
motivação destes estudantes, do envolvimento na realização dos projetos de aprendizagem e
os resultados que vêm obtendo.
A prática estudada é inovadora sim, porém não espontaneista. Quanto aos domínios de
conhecimentos sistematizados é preciso reconhecer que a pesquisa instrumentaliza os
estudantes para aprender, e este é um conteúdo essencial que a escola deve ensinar,
garantindo a aprendizagem ao longo da vida, para o acesso permanente à construção e
reconstrução de conhecimentos. O lenimento das práticas avaliativas criticado por Libâneo
(2002) pode se efetivar positivamente como contraponto a concepções tradicionais que se
preocupam com o acúmulo de saberes.
Nessa realidade, verifica-se que a utilização da internet trás a possibilidade de acesso e
produção de novos saberes no interior da escola pública, impulsionados pelos interesses dos
estudantes. Algo provocativo a um processo de mudança que a escola, de modo geral, tanto
resiste, algo que impede a transmissão de saberes fossilizados, tal a urgência das
transformações culturais e necessidades sociais em relevância na contemporaneidade. Porém,
permite analisar que a centralidade no interesse dos alunos, mesmo sendo uma saída, pode
116
também conter o risco de aprendizagens aleatórias. Por que, por definição, os interesses não
são programáveis, diferem de um indivíduo a outro em função de sua própria história pessoal.
(MEIRIEU, 2005)
Desse modo, coloca-se o impasse: qual o grau de escolarização dos interesses dos estudantes,
ou melhor, até que ponto os seus temas de pesquisas, as suas curiosidades podem estar
incluídas ou fazerem parte, terem uma inserção nos saberes escolares sistematizados? Na
tentativa de melhor conhecer essa possibilidade, fez-se um levantamento dos temas de
pesquisas dos estudantes de uma turma, categorizando-os, conforme o gráfico abaixo.
Gráfico 6- Categorização temática das pesquisas dos estudantes do 9º ano.
Foram incluídos na categoria Ciências, temas relacionados aos saberes históricos, geográficos
e das próprias ciências naturais. Aparecem curiosidades/pesquisas relacionadas a animais
como leões, corujas, aves de rapina, escorpiões, borboletas; aspectos biológicos como a
reprodução humana, sopro no coração; relações socioespaciais como impactos do homem na
Amazônia e conhecimentos sobre planetas, estrelas, furações, fabricação de tecidos,
automação industrial, história da cidade de Araxá.
Nota-se que os 70% dos interesses dos estudantes têm uma inserção nos saberes escolares,
podendo, certamente, estar incluídos em temáticas ou subtemas que estruturam o corpo de
Categorização temática das pesquisas dos
estudantes do 9º ano
70%
10%
6,80%
6,80%7%
Ciências
Esporte
Biografias
Moda/Maquiagem
Profissões
117
conhecimentos destas disciplinas no currículo escolar. Alguns de uma forma mais periférica
outros mais nucleares. O que não se pode garantir é que correspondam àqueles saberes
específicos do programa da série escolar cursada pelos alunos.
Entretanto, o ponto fundamental desta discussão refere-se aos construtos teóricos das
disciplinas. Eles constituem a espinha dorsal da interpretação dos seus objetos de estudo. Essa
construção teórica dá acesso à interpretação da realidade, na perspectiva de cada uma das
disciplinas. Quando isso acontece, tem-se acesso ao método daquela ciência. Será possível o
acesso á estrutura dos conhecimentos científicos das disciplinas, a partir dos interesses
particulares dos estudantes? Esta é uma lacuna que merece uma melhor e mais profunda
investigação. Autores como Cordeiro (2007) e Meirieu (2003), referenciais teóricos desta
pesquisa, entram nesta discussão sugerindo encaminhamentos que dizem respeito a uma
atuação dos professores para entenderem os processos de atribuição de sentido dos alunos e,
também, procurarem aliar os interesses dos alunos à gênese dos conhecimentos. Mas entende
-se que esta discussão deve mobilizar os atores do cenário escolar, a fim de equacionarem os
avanços dos estudantes, as conquistas da prática experienciada e a atribuição de valor a esta
necessidade identificada.
6.4 - Mudanças nas relações dos alunos entre si e com os professores a partir da
introdução do computador na rotina escolar.
A questão da interação entre os colegas, em determinado momento do grupo focal, provocou
algumas dúvidas. A aluna Gardênia ao dizer que ―quando não tinha internet nois era assim
também muito unido...e agora que tem internet a gente não conversa muito sobre o assunto,
já é diferente um pouco‖, provocou a concordância de Jade que vê este como um aspecto:
“mais negativo que positivo, porque antes da internet tinha mais interação dos alunos, a
gente era mais unido pra fazer as atividades”.
Uma terceira aluna (Dália) opina sobre a questão, levantando a existência da interação virtual
que se faz presente, entretanto, termina por dizer que: “É mais importante você conversar
com a pessoa olhando pra ela, entendendo o que ela ta falando do que às vezes....porque às
vezes se você não entende o que ta lendo, se uma pessoa chegar, explicar, aí você entende.”
Neste momento, tenta colocar como fator positivo, a interação mediada por computador como
118
um ponto valioso, mas termina por valorizar a interação face a face, não mediada pela
tecnologia.
Na medida em que a discussão avança, os estudantes colocam também que “a internet
desviou esse caminho da amizade, porque às vezes a gente fica mais ligado no computador do
que com um colega que a gente era há muito tempo unido”.(Dália)
Por outro lado, reconhecem que antes do computador demoravam mais tempo pra fazer um
trabalho em grupo e agora gastam menos e sobra tempo para o relacionamento. Concluem que
estão ganhando “pros dois lados‖, na agilidade maior da realização da tarefa e no
aproveitamento do tempo para estarem juntos.
As estudantes (maioria do grupo focal era do sexo feminino) fazem referência à qualidade das
discussões em sala de aula a partir da pesquisa. Dizem que antes era comum fazerem pesquisa
sobre o mesmo tema “ então a gente ia ouvir não prestava muita atenção porque era a
mesma coisa que você pesquisou. Aí agora pelo PA, cada aluno é um tema diferente, são
totalmente diferentes, então você presta mais atenção, fica sabendo de mais assuntos.”(Jade)
Estas observações apresentam algumas condições da tarefa que em sua interface com as
relações em sala de aula podem ser contraditórias: ao mesmo tempo que a diversidade de
temas torna a tarefa mais interessante aos estudantes, incitando-os a ouvir mais e ampliar
conhecimentos nos momentos de socialização das pesquisas, também a torna mais solitária.
Veja o que diz a estudante Gardênia:
É porque eu acho assim, com o computador nós fica muito só, com o computador nós não
fica falando com a professora. Antigamente, sem o computador a gente falava mais com o
outro.
O sentimento de isolamento revelado indica que um processo de individualização da
aprendizagem escolar possa estar ocorrendo com a introdução do computador na escola,
ocasionando uma secundarização do trabalho coletivo. Este fato implica alguns prejuízos,
uma vez que a escola é um ambiente social, extremamente, importante na formação do
espírito coletivo, no desenvolvimento da cidadania. Esta função social deve ser a vocação da
escola (MEIRIEU, 2005). Por mais que se considere que novas possibilidades de interação se
119
renovem através das redes sociais da web, é no contexto escolar que se aprende a viver o
espaço público. Ali no coletivo da sala de aula, lugar de confronto, de conflitos, de exposição
de ideias, de construção de acordos e revisão de comportamentos, de possibilidades de
regulação das relações pessoais como meio de manter a convivência, o compartilhamento de
significados e saberes é que se opera o aprendizado da dimensão social da realidade. A
percepção dessa dimensão e o desenvolvimento de competências relacionais potencializam
atitudes necessárias à formação da cidadania.
Além disso, a organização do trabalho coletivo por parte dos professores deixa de ser
prioridade neste contexto, pois estão preocupados com um atendimento individualizado ou em
pequenos grupos nas orientações da pesquisa, exigindo inclusive maior apoio do sistema
administrativo, que disponibiliza mais professores, uma vez que esta tarefa ocupa,
excessivamente, o tempo daqueles que atendem normalmente este segmento escolar. Em suas
avaliações, registram que não há tempo ainda para verificar e acompanhar todos os blogs dos
alunos.
Antes a gente tinha uma dúvida, a gente falava com o professor. Hoje não, se a gente tem
uma dúvida a gente chega no computador, a gente já tem a resposta.(Dália). Esta
argumentação revela a perda da centralidade do professor na sala de aula como único
informante, além do livro didático, o que acaba por influenciar as relações entre alunos e
professores.
Para qualificar a relação com o professor não se chegou, no grupo focal, a um acordo em
100% dos estudantes, porém eles revelaram que tinham mais entrosamento com o professor, e
a comunicação era melhor antes da chegada do computador, na escola. Há que se considerar
que antes havia uma atenção coletiva, e uma comunicação unidirecional. A interação estava
centrada nas perguntas dos professores ou mesmo dos alunos para entenderem melhor o que
dizia o professor e o livro didático. Agora, a realização individual da pesquisa, exige uma
orientação, também individual, ou em pequenos grupos. Mesmo com uma nova estrutura e
disponibilidade de mais professores orientadores para atender a cada grupo de cinco alunos,
ainda assim, em alguns momentos as dúvidas não são sanadas imediatamente. A atenção dos
professores oscila entre focalizar o interesse de um grupo ou dispersarem-se para atender os
120
outros. Enquanto isso surgem novas dúvidas e necessidades que muitas vezes não são
solucionadas.
Entretanto, nas entrevistas individuais os estudantes disseram que a relação com os
professores melhorou.
Melhorou, porque a gente conversa mais, tem mais tempo pra trocar idéias, acho que acaba
melhorando.(Prímula)
Antes a amizade era pouca, agora a amizade aumentou porque a professora sabendo da
curiosidade do aluno, ela sabe como vai falar com esse aluno... Estamos conversano mais
com os professores e os professores conversando com nóis, ne. Quando a gente tem alguma
dúvida assim eles explicam, informam mais direto do que antes. (Cravo)
Nota-se que esta maior aproximação está relacionada à personalização dos interesses dos
estudantes, fruto da curiosidade manifestada na pesquisa. Na perspectiva dos professores e
supervisora entrevistados melhorou muito o relacionamento com os estudantes e destes entre
si. A professora de História vê melhora em todos os sentidos, os alunos passaram a ajudar
mais um ao outro, ser companheiros e ainda diz perceber que os alunos começaram a se
aproximar mais dos professores.
O ponto forte nesse programa é o aluno fazer as parceiras [...] aluno-aluno. O campo afetivo
melhorou muito porque há essa proximidade, não é aquela aula fria onde o professor vai, dá
aula, o aluno responde, faz o exercício e devolve numa prova, num papel. Então há uma
troca, esse contato direto, olho no olho, então aluno com professor, aluno com aluno.
(Supervisora)
Na organização em pequenos grupos podem-se estabelecer as interrelações necessárias para
conhecer e intervir, diretamente, no processo de aprendizagem que cada aluno segue no
desenvolvimento dos projetos. Conclui-se que, como neste contexto escolar, experimentam-se
situações que diversificam as formas de se relacionar e interagir, isso tem provocado dúvidas
para compreender estas relações, especialmente ao definí-las, nos momentos de entrevistas
grupais.
121
É comum ver nos blogs dos estudantes, recadinhos de incentivo e orientações aos estudantes
feitas pelos professores e, também, cartões de agradecimento dos estudantes aos professores
orientadores da pesquisa, assim como, observar em suas falas nas entrevistas, a segurança
com que colocam seus objetivos. Percebe-se a construção de um clima escolar fértil para as
relações de aceitação, respeito e sinceridade, em que o trabalho, o esforço individual e o
feedback das constantes avaliações estão oportunizando um ambiente que facilite a autoestima
dos estudantes, o seu autoconceito positivo. É sabido o quanto este fator relacional e afetivo
influencia na maneira do estudante se ―situar frente à aprendizagem: com mais ou menos
segurança, ilusão, expectativas. (ZABALA, 1998, p. 100)
Pode-se inferir que a compreensão dos estudantes de que a relação com o professor era
melhor, significa compreender que no ambiente anterior à chegada do computador na escola,
o jogo linguístico era controlado pelo professor, as questões e indagações que se faziam
presentes tinham o domínio total dele. Não era permitido operar o diálogo no campo das
incertezas, da indeterminação, das indagações dos estudantes, que segundo Cordeiro( 2007, p.
100) é o que move a produção de conhecimento.
A relação pedagógica instaurada, neste ambiente de aprendizagem, passa a ganhar uma nova
configuração, pois há inclusão de novos dispositivos didáticos, dentre eles o computador, que,
certamente, está intervindo nos processos de caráter individual e coletivo. Uma vez que a
aprendizagem efetiva-se na relação com os outros, é papel relevante do professor não apenas
intervir nas orientações individuais dos processos de pesquisa dos alunos e preocupar-se com
a qualidade da relação nas tarefas individuais, mas dedicar-se à organização do trabalho
coletivo e da relação entre as duas condições. É preciso refletir sobre o modo como os
estudantes se relacionam com a tarefa, de que forma está se realizando a atividade cooperativa
com o uso do computador. Há realmente atividade colaborativa neste ambiente de
aprendizagem? Estudantes dizem que há mais trabalhos em grupo do que antes, mas qual o
nível de cooperação existente? Até que ponto é benéfico que aqueles alunos mais habilidosos
no uso da máquina, façam por aqueles que ainda não se apropriaram da tecnologia?
Se forem relevantes os progressos na autonomia dos estudantes que realizam individualmente
suas pesquisas, tomam decisões, elaboram conhecimentos e os socializam, também devem
122
ser, igualmente significativas, as possibilidades interativas no coletivo e em pequenos grupos.
A distância estabelecida no trabalho de produção individual, nos momentos de elaboração
pessoal, e o solitário fenômeno da aprendizagem têm o seu valor, mas não suprimem o desafio
de um trabalho intelectual solidário e de valor social.
Em termos observados, é importante que o professor não abandone a sua função de
articulador e regulador dos processos interativos, especialmente o coletivo. Mesmo que ele
não tenha a centralidade e o domínio total das ações e tenha que lidar com a
imprevisibilidade, a gestão dos acontecimentos e a estruturação didática dos processos em
beneficio da aprendizagem social e da apropriação dos saberes científicos precisam de ser
mantidas, porém, ressignificadas.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o início desta pesquisa, trabalhou-se com a hipótese de que o uso das TICs promoveria
transformações que afetariam o cotidiano escolar, isto posto, no contexto em que elas são
utilizadas como ferramentas que permitem a construção de conhecimentos, com envolvimento
ativo dos estudantes. Este seria um cenário onde, possivelmente, um fenômeno
sociolingüístico e cultural estaria ocorrendo, transversalmente, na experiência escolar e, além
de mudar as condições do ensino e da aprendizagem no processo de escolarização, poderia
refletir na vida pessoal e social dos estudantes.
O objetivo específico desta pesquisa foi verificar se estes estudantes, identificados como
infoincluídos, estão modificando suas relações com os saberes e, também, a sua relação com
as disciplinas escolares. Os resultados revelaram avanços dos estudantes na sua relação com o
conhecimento, motivados pelo uso da tecnologia, sendo, estrategicamente, desenvolvidos pela
abertura dada à curiosidade dos estudantes e à pesquisa como instrumento mediador dessa
nova relação com os saberes.
A vazão à curiosidade aproximou os estudantes dos processos escolares e deram nova
significação a eles. Fator, extremamente importante, para um tempo onde as práticas escolares
não são tão atraentes. Esta foi uma porta de entrada para a investigação, indagação e
questionamento, um exercício muitas vezes afastado, diluído ou esquecido nas práticas
escolares.
A pesquisa escolar aparece transformada, por uma concepção, até então, não praticada de
modo geral, no contexto escolar. Neste caso, ela é realizada como instrumento que possibilita
o aluno a aprender a aprender. O que se tornou possível pelo incremento da tecnologia, pois a
biblioteca escolar e os livros didáticos utilizados não atendiam às expectativas dos estudantes,
especialmente a partir do momento em que o computador e a Internet ofereceram a liberdade
e o fácil acesso ao conhecimento e/ou informação. As tarefas escolares envolvidas na
realização da pesquisa foram identificadas pelos estudantes como mais complexas,
compreendidas como atividades mais inteligentes que outras presentes no contexto escolar,
nas quais todo o direcionamento era dado pelo livro didático ou pelo professor. Esta nova
124
qualificação das tarefas escolares pode ser considerada como um avanço na dimensão
didático-pedagógica do processo de aprendizagem.
Nesse contexto de pesquisa escolar, dá-se maior atenção aos processos e à produção do
conhecimento, com destacado empenho à autoria dos estudantes, numa atitude beligerante
contra a cópia. Entretanto, falta ainda discernimento na identificação de fontes científicas,
uma vez que os alunos revelaram-se inseguros na identificação deste aspecto. Esta prática se
aproxima do conceito de pesquisa educativa de Pedro Demo (2002) no que diz respeito à
elaboração própria, ao senso de descoberta, de questionamento.
Contudo, a finalidade de atuação social consciente é algo que precisa ganhar aderência na
concepção, no discurso e na prática escolar estudada. Apesar dos estudantes fazerem relação
do que estão aprendendo nas pesquisas escolares com a sua vida pessoal e futuro profissional,
considera-se necessário refletir sobre este propósito para que os esforços utilizados no uso da
tecnologia ganhem uma finalidade real, ajustada às necessidades sociais dos estudantes e da
sua comunidade. Entre as temáticas pesquisadas não foi identificado o estudo de questões
socioambientais e de problemáticas do cotidiano destes estudantes, em suas comunidades.
Voltaram-se muito mais para o atendimento às curiosidades, respaldadas pelo desejo, sonho e
objetivos pessoais. Falta-lhes uma associação maior e uma compreensão crítica da realidade,
o que será possível, se a escola e o seu corpo docente, numa abordagem crítico social,
despertar estes adolescentes para os temas da atualidade, e aqueles presentes no seu entorno.
Destaca-se que a centralidade dos processos não deve ser o computador e a Internet, mas a
aprendizagem integral dos estudantes, a fim de que suas capacidades cognitivas, afetivas,
interrelacionais, éticas, estéticas e de inserção social sejam consideradas.
A operosidade das mudanças foi se revelando em outros aspectos, e chegou a atingir a
avaliação. Os estudantes estão mais seguros e os professores encontram validade em novos
instrumentos, como auto avaliação, feedbacks constantes aos estudantes que valorizam as suas
conquistas, os obstáculos superados e a identificação de novos desafios. Além disso, as
provas, também, sofrem renovação, assumindo, paulatinamente, a proposição de questões que
levem o aluno a raciocinar, criticar, reconstruir conhecimentos.
125
Entretanto, como é natural em uma situação de inovação educacional, as mudanças se dão
num processo tensionado entre duas lógicas. Aquela da escola que ainda é marcada pela
transmissão de conhecimentos, mas permite ações investigativas; uma avaliação tradicional,
mnemônica e outra que valoriza as competências, capacidades construídas e conhecimentos
produzidos pelos alunos, uma que valoriza o currículo disciplinarizado, com conteúdos
sistematizados e fechados e outra que atua com um currículo aberto, que atenda os interesses
dos estudantes, com possibilidades de conteúdos globalizantes.
Para compreender a dicotomia identificada na prática pedagógica da escola e a complexidade
ali configurada, poder-se-ia usar a analogia de duas aspirais que se interpenetram, mas
estendem-se em sentidos opostos, atritam-se em processo energético descendente e
ascendente. É inevitável que o fortalecimento ascendente ocorra, e provoque o desfalecimento
da outra aspiral, por várias razões desenvolvidas por autores otimistas em relação à sociedade
tecnológica e à cultura digital como Castells (1999) e Pierre Lévy (1999), mas também, por
experiências educacionais de uso da tecnologia estudadas por Sancho (2006). A partir deles,
pode-se considerar que a realidade da sociedade tecnológica e informacional ecoa na escola,
nos processos educacionais, de modo que é preciso reconhecer as novas gerações de nativos
digitais dos bancos escolares. Ficar a margem desse processo potencializa o fracasso na
escolarização dos estudantes, permitindo um distanciamento ainda maior de conquistas sociais
necessárias.
Uma vez inserida no contexto da sociedade digital, a escola não deveria se render a uma
acomodação ao já conquistado. A permanência do estado atual de sua prática, sem novas
perspectivas evolutivas, pode ocasionar um retrocesso a práticas antigas e o computador
tornar-se um recurso didático como o livro, ou retroprojetor. As conquistas devem ser
evidenciadas, e obstáculos ao crescimento identificados, assim como a proposição de soluções
estratégicas a fim de continuar numa escalada ascendente. Possivelmente, esta é uma
realidade de muitas escolas brasileiras, que ousam realizar mudanças significativas. Contudo,
elas devem estar preparadas para a sustentabilidade dos processos inovadores, através da
sistematização de suas práticas e renovação dos seus propósitos.
Entretanto, um dos riscos eminentes neste processo seria a falta de apoio político, e por
consequência, técnico, na manutenção das redes, na criação e implementação de projetos
126
pedagógicos que incluem as TICs e de formação dos profissionais. Os eventos até aqui
citados, como: a falta de uma compreensão crítica da realidade pelos estudantes e da não
inclusão das temáticas atuais, a acomodação da equipe com a prática realizada, a falta de
apoio na manutenção das redes, podem desacelerar, alterar o ritmo da aspiral de crescimento
rumo à maturidade do uso pedagógico eficiente do computador e da Internet na escola.
Além do essencial apoio político e técnico, é preciso fortalecer esta aspiral ascendente,
construindo uma rede de conhecimentos que podem cooperar na sustentação destas inovações
que estão acontecendo nas escolas que fazem uso pedagógico das tecnologias digitais. Um
ponto de sustentação é justamente que os profissionais da educação considerem as mudanças
dos estudantes na sua relação com o saber. A liberdade de acesso à informação, somada a
maior confiança na capacidade de aprender, fruto da atividade de pesquisa na Internet
despertam um envolvimento novo com as tarefas escolares. Há gosto no reconhecimento dos
estudantes de que são melhores escritores e leitores. Esta é uma conquista festejada pelos
professores da escola, e é claro, um dos maiores desafios na escolarização dos estudantes.
Os resultados indicam que os estudantes desenvolveram mais estratégias e habilidades no
processamento da leitura e da escrita, o que lhes dá maior motivação e oportunidades de
aprendizagem, passando a relacionar estas conquistas com a capacidade de solucionar
situações de vida pessoal e familiar na sua relação com o cotidiano. O próprio desafio de
acessar uma multiplicidade de informações na Web exige que saibam dar o tratamento
adequado à informação, o que demanda o desenvolvimento de novas competências. Neste
aspecto, concluiu-se que houve avanços na elaboração de perguntas que constituem a
orientação da pesquisa, ou seja, aquilo que desejam saber; na habilidade de tomar notas; na
autoria dos textos, no estabelecimento de relações entre os conceitos dos contextos
pesquisados. Estas são questões que, apesar de significarem um salto qualitativo nas
conquistas dos estudantes, merecem contínuos investimentos em situações cada vez mais
complexas.
Utilizando ainda outra analogia, a do ―efeito dominó‖, essa nova relação com o saber,
transfere-se, também, como uma nova relação com a escola, que ficou mais atraente, talvez
constituindo outra identidade. Para os estudantes, ela está mais evoluída, mas
preferencialmente, esta escola tem permitido que os alunos dêem sentido ao que conhecem e
127
produzem, alimentando a vontade de se apropriar do conhecimento. Este é um efeito de
grande valor para um tempo em que, na linguagem corrente, sobretudo na mídia, fala-se que a
escola perdeu o seu status de lugar do saber. Segundo pesquisa recente ( PESSOA, 2010) ela
ganha em convivência, como espaço de relações sociais proveitosas para o desenvolvimento
do sujeito. Significa que ela está se deslocando para um novo espaço deste novo tempo. Mas
deve fazê-lo com a responsabilidade de cumprir também novas funções que lhe competem,
que não são poucas e nem fáceis. Mas como diz Pretto (2008), ela deve ser o espaço da crítica
e sistematização da informação.
A introdução das TICs é um fenômeno propulsor desse processo de mudança, dando abertura
a novas estratégias de ensino-aprendizagem e possibilitando uma relação identitária
(CAHRLOT, 2000), aquela que une a história do sujeito, suas expectativas e concepções na
relação com os outros, consigo, com a escola, e substancialmente com o saber. Neste sentido,
pode-se afirmar a configuração de uma escola mais dinâmica, alegre, viva, onde as
experiências de aprendizagem são significativas, carregadas de sentido e prazer, mas também
de esforço, de determinação de objetivos de planejamento, de autogestão dos processos.
Na relação com as disciplinas escolares, verificou-se que houve ressonância significativa na:
a) Língua Portuguesa, justificada por melhor investimento na leitura e escrita, através das
atividades de pesquisa e instrumentos didáticos como o mapa conceitual que
possibilita destacar conceitos, relacioná-los e mapear os estudos, além dos estudantes
aprenderem a lidar com as ferramentas digitais que oportunizam esta produção;
b) Comunicação oral, pois o desafio de socialização das pesquisas demanda a preparação
da apresentação oral, utilização do vocabulário científico e boa conceituação e
argumentação. Os estudantes e professores revelaram que os obstáculos que se
interpõem a uma boa comunicação oral estão sendo vencidos. Além disso, estão mais
questionadores, não se conformando com qualquer explicação, tentando melhorar o
entendimento.
c) Revisão de texto, uma vez que a postagem dos resultados da pesquisa nos blogs
constitui um processo lento entre o seu início e final, justamente pela necessidade de
constantes revisões, prática inexistente até o momento, pelo menos nesta perspectiva
de revisão.
128
Depois da Língua Portuguesa, a segunda e terceira disciplina com maior índice evolutivo são
sequencialmente, a História e a Geografia. Verificou-se que os temas de pesquisas dos
estudantes concentraram-se mais nestas áreas, favorecendo uma melhor relação com elas do
que com a Matemática e a Ciência. Tal evidência também se justifica por serem disciplinas
discursivas, que utilizam, instrumentalmente, a língua oral e escrita.
Este fato causa certo estranhamento, uma vez que é comum observar mais avanço no uso das
novas tecnologias no campo das ciências exatas do que das ciências humanas, como a história
e geografia. Uma hipótese para esta ocorrência pode estar relacionada à forma de apropriação
da tecnologia pelos docentes e a sua tradução para o ensino, ou seja, o exercício de uma
liderança docente mais assertiva nas disciplinas destacadas. A pesquisa sobre a relação dos
estudantes com os saberes disciplinares abriu oportunidade de novas indagações, pertinentes a
praticas que utilizam a tecnologia digital e a internet. Uma delas é compreender essa
diferenciação entre as práticas trabalhadas nas diversas disciplinas, seus efeitos e
desdobramentos na escolarização. Outra é relacionar o uso das tecnologias digitais e o
desenvolvimento do raciocínio lógico, histórico e geográfico dos estudantes.
O impacto das mudanças no interior da escola revela que o espaço e o tempo na escola estão
tornando-se mais flexíveis, e as pessoas interrelacionam-se de forma cooperativa, viabilizando
as novidades do processo. Mesmo que os professores apresentem relações distintas em relação
ao uso das TICs, há aqueles envolvidos, motivados na execução e descoberta de novas
práticas e aos poucos, pelos resultados da própria experiência, vão contagiando os mais
resistentes.
Mas a fértil discussão na relação com os saberes no contexto estudado é a tensão que se
estabelece entre os saberes sistematizados e os saberes de interesse dos estudantes. O que
seria ideal? Render-se aos interesses dos estudantes e manter a motivação para aprender, ou
preservar a qualquer custo a lógica dos saberes prescritos? Esta é uma discussão, presente,
também, na reflexão de alguns teóricos que analisam as tentativas contemporâneas de
produção de saberes na escola. Libâneo (2002) chama a atenção para posições extremadas que
optam pelo espontaneísmo, diminuem o rigor para atender as tarefas sociais da educação e
tornam as práticas avaliativas mais lenientes. A este respeito, a escola deve buscar um
equacionamento, aprofundando-se na análise das práticas interdisciplinares.
129
Esta investigação indicou que 70% das pesquisas dos estudantes têm inserção de alguma
forma nos saberes escolares. Mas não há garantias destes estudantes estarem se apropriando
dos conhecimentos científicos que são socialmente relevantes, e que, através do método de
sua estruturação possam ter acesso a uma forma de raciocínio que lhes garantam autonomia
intelectual. Esses saberes, em diálogo com os saberes escolares, podem se tornar ferramentas
para ler, conhecer, interpretar e criticar a realidade.
Entretanto, não se pode garantir que o simples acesso destes estudantes ao método da pesquisa
escolar, em andamento, esteja criando autonomia intelectual. E ainda, vale considerar que
mesmo sendo desenvolvidos o pensamento lógico e o método científico, esses estejam
associados ao raciocínio crítico.
É necessário que os professores assumam com determinação a criação de desafios que levem
os estudantes a avançarem, a ponto de atingirem o raciocínio crítico. Um detalhe que se pode
evidenciar no processo da pesquisa escolar é o momento em que, a partir de suas curiosidades,
os estudantes elaboram perguntas que indicam o direcionamento da pesquisa. Dependendo da
condução dada ao processo, esta série de perguntas centrais e secundárias, conforme a
categorização deles, pode se tornar simplesmente um ―questionário sofisticado‖, sem
evidenciação de que esteja ocorrendo o acesso ao método científico.
No estudo das relações dos estudantes entre si e com os professores, a partir da introdução do
computador no cotidiano escolar, percebeu-se uma tendência à individualização do trabalho
escolar e uma mudança na relação unidirecional, que classicamente representa o ambiente
escolar. Apesar de, ao longo da história escolar, a ênfase transmissiva tenha mantido um
ambiente bem diretivo, no qual as relações centralizavam-se no professor, a escola sempre foi
um espaço de convivência muito importante na formação social dos estudantes. A tendência a
individualização pode acarretar perdas no processo de aprendizagem. BRAGA (2010) reforça
a importância da ―turma como sujeito coletivo‖ (p. 185), pois os processos de produção de
conhecimento e de socialização entre os estudantes ocasionam saberes e vivências que estão
relacionadas à formação da cidadania. Portanto, o trabalho coletivo relaciona-se à função
social da escola, da construção experiência num espaço de convivência que merece
consideração especial na formação do sujeito. Quanto à perda da centralidade do professor no
130
processo, as suas funções como articulador dos processos interativos, tanto individuais quanto
coletivos são essenciais, especialmente no contexto de uso das TICs, a fim de garantir a
apropriação dos saberes científicos, que é um grande desafio. Suas tarefas neste contexto são
ampliadas e redimensionadas, novas competências se fazem necessárias.
Desta pesquisa resultou a produção de recomendações para implementação de políticas
públicas de inclusão digital, visando ao amadurecimento das questões que, no momento
parecem mais evidentes para a sustentabilidade da inovação pedagógica que se efetiva com o
uso do computador e da internet. O documento apresentado a seguir, constitui-se em um
pequeno ―kit de Inovações Socioeducacionais‖, contendo um caderno de premissas e um
cartaz que objetivam dar sustentação e estimular a discussão dos resultados desta pesquisa
junto aos sistemas públicos de educação.
131
Premissas para evolução da maturidade na implementação de Políticas
Públicas de Inclusão Digital
Introdução
O conteúdo deste caderno é o resultado de estudos e pesquisas sobre a ressonância das
tecnologias digitais no processo de escolarização e tem a finalidade de colaborar com a
discussão de políticas públicas de inclusão digital. Percebe-se que, no sistema educacional
brasileiro, caminha-se a passos lentos no processo de uso pedagógico do computador nas salas
de aula. Esta realidade está inserida num momento em que os desafios da escola foram
ampliados e dela é insistentemente cobrado o cumprimento de sua função.
Para cumprir o seu papel, é necessário que a escola se abra às inovações socioeducacionais
que cooperem para garantir efetividade na formação dos estudantes. Isso significa, muitas
vezes, transformar práticas, incitar mudanças nas concepções, ou seja, no jeito de pensar e
realizar o processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para a construção de uma nova
cultura escolar.
Por considerar que as mudanças que ocorrem na escola, não se dão de forma abrupta, propõe-
se um olhar pelo viés do estado da maturidade em que elas se encontram. Para esta finalidade
são apresentados os níveis de maturidade, por ser uma forma simples e objetiva de começar a
tratar a questão, a fim de sensibilizar os sistemas educacionais para um percurso planejado.
Considera-se que as políticas educacionais em um país, com dimensões continentais como o
Brasil e com tantas diferenças territoriais, sociais e políticas, exige que as ações sejam
adequadas às diversas realidades. Desta forma, as características apresentadas seriam aquelas
mais comuns que configuram o cenário das escolas e têm a finalidade de demarcar uma
posição para o estabelecimento de objetivos e estratégias a fim de se atingir um nível
avançado, do contrário, o processo de escolarização continuará a reproduzir situações de
fracasso e, consequentemente, fortalecendo as desigualdades socioculturais da sociedade.
O que se recomenda para gerir a introdução dos computadores nas escolas não é,
simplesmente, submeter à formação escolar às necessidades da economia e do mercado, mas
incluir, socialmente, os estudantes no universo tecnológico sob a égide da cidadania
132
responsável, na luta por uma sociedade mais solidária e capaz de lidar, eticamente, com a
pluralidade e a diferença.
É comum encontrar escolas que, atualmente, estão recebendo computadores de programas do
governo, de doações no setor privado, mas é necessário que compreendam antes de tudo,
quais as possibilidades que o fenômeno da inovação e da integração das novas tecnologias
podem trazer para o cotidiano escolar.
Portanto, apresenta-se um quadro sintético com níveis de maturidade que caracterizam as
escolas no contexto atual, e nove premissas básicas que podem ajudar os atores do processo
educacional a enfrentarem a experiência de uso do computador, de forma mais reflexiva.
É importante ressaltar que os contextos escolares têm realidades muito próprias e as questões,
aqui propostas, não têm a intenção de caracterizar um receituário, mas, simplesmente,
introduzir algumas referências que colaborem na análise das práticas de uso das tecnologias
da informação e comunicação.
. Premissas para evolução da maturidade na implementação de Políticas
Públicas de Inclusão Digital
Premissa 1
Infraestrutura tecnológica adequada que favoreça todos os alunos.
É fundamental que a escola tenha infraestrutura bem planejada e instalações adequadas,
equipamentos de boa qualidade com recursos que permitam o máximo de ferramentas
disponíveis para uso educativo, mantendo a possibilidade de atualizações permanentes. A
conexão, em alta velocidade e suporte técnico, é essencial para efetivar o projeto. Dadas as
dificuldades inerentes ao sistema público e da necessidade de autonomia das escolas é
essencial uma política clara com previsão de recursos para sua manutenção.
133
Ao se projetar a integração de meios tecnológicos digitais deve-se considerar o acesso para a
totalidade dos alunos, a sua diversidade, incluindo soluções para pessoas com deficiência.
Existe uma variedade de ajudas técnicas que atendem diferentes necessidades e finalidades,
onde o computador assume um papel relevante para integração destes estudantes no processo
ensino-aprendizagem.
Premissa 2
A equipe pedagógica: gestor, supervisor, professores, como protagonistas
do processo de inovação educacional na introdução da tecnologia digital, e
renovação do projeto pedagógico da Instituição.
A inovação é um meio para transformar os sistemas educacionais e não um meio em si
mesmo. Por isso, exige mais que uma disposição da equipe e participação de todos os atores
deste cenário educativo, é necessário que se apropriem do conjunto de ideias e ações
inovadoras, dirigindo os esforços para o compartilhamento contínuo do processo e da busca
de seu sentido. Esta é uma questão extremamente importante, pois este espírito pode tornar os
sujeitos deste processo mais donos de si, ganhando autonomia na sua forma de ser, fazer e
pensar. Ao contrário de muitos projetos de inovação submetidos a uma lógica imposta. Neste
caso, os atores seriam criadores e não meros executores. Para que isso ocorra, é necessário
problematizar: qual o lugar da inovação, para que e para quem ela está sendo pensada?
Este pode ser um dos caminhos para a construção de um projeto pedagógico compartilhado e
se tornar de grande valor para a gestão da escola. Faz-se propício para reavaliar o contexto
social, a cultura escolar e sua disposição de mudança e a atualização do projeto educacional
existente. Considera-se que um clima de aceitação das TICs (Tecnologias da Informação e
Comunicação), uma capacidade da equipe para gerir o processo de inovação aliados a um
sistema efetivo de tratamento da informação e comunicação entre direção, professores, alunos
e famílias são elementos que beneficiam, especialmente, este investimento.
134
Premissa 3
Atualizar a concepção de conhecimento/ saberes presente na escola, como
fator essencial para repensar : o currículo, a metodologia o sistema
avaliativo.
O computador oferece um conjunto diversificado de uso, pois uma característica da tecnologia
é a sua versatilidade. Conceber o seu uso significa rever concepções e práticas educativas que
sustentaram os processos de ensino-aprendizagem até agora. Um possível começo deste
processo é refletir sobre a complexificação do conhecimento na sociedade tecnológica e suas
implicações para a educação. Quais saberes são relevantes? Como se dá o processo de
apropriação do conhecimento? Quais as concepções epistemológicas que mais favorecem o
currículo que inclui as TICs? Que sistema avaliativo é mais coerente com as novas práticas?
É imprescindível uma revisão profunda das convicções pedagógicas, a fim de identificar
visões estereotipadas sobre o aluno, a aprendizagem, o papel do professor. Estabelecer uma
nova configuração para a relação pedagógica inclui, fundamentalmente, repensar a concepção
de conhecimento escolar como saberes estáveis, com uma sequência linear, sempre do mais
simples para o mais complexo, representando-o como um conjunto de estruturas que
contenham fatos, conceitos e procedimentos que devem ser transmitidos.
As TICs introduzem novas perspectivas disciplinares, desestabilizando a visão fechada das
disciplinas. Neste contexto, o desafio seria o aprofundamento na concepção da
interdiciplinaridade, de modo coerente com a prática pedagógica. O que significa superar a
fragmentação do saber, até então, presente nas práticas, direcionando para a tomada de
consciência da complexidade das realidades que nos cercam e o que isso representa para o
ensino e a aprendizagem. Para que isso ocorra é necessário não confundir
interdisciplinaridade com esvaziamento dos saberes científicos o que debilitaria uma das
funções sociais da escola: dar acesso aos saberes científicos socialmente significativos.
135
Vale ressaltar que a prática pedagógica vai depender do contexto. Por isso, as melhores
decisões estão relacionadas ao estudo das condições do ambiente sociopolítico e educacional
da instituição.
Premissa 4
Na utilização das TICs, manter o foco na qualidade do processo ensino
aprendizagem, garantindo o acesso aos saberes socialmente relevantes.
A escola deve integrar as TICs no currículo encontrando alternativas que viabilizem avanços
constantes nas conquistas dos alunos. Isto significa melhoria nas suas aprendizagens e no
atendimento dos objetivos educacionais propostos. A inovação educacional deve considerar
os desafios da escolarização atual, assumindo uma atitude beligerante para ultrapassar os
obstáculos e deste modo utilizar as tecnologias digitais a seu favor.
A escola e os professores, constantemente, têm recebido críticas da mídia e de várias
instâncias da sociedade. O momento é de controvérsias e polêmicas. Algumas questões se
interpõem neste contexto: que saberes a escola deve dar conta de ensinar? Na perspectiva da
comunidade escolar, quais seriam os saberes socialmente relevantes?
Premissa 5
Planejar o uso das TICs, na sua relação com o cumprimento das funções
atuais da escola, refletindo sobre seu papel social, na formação da
cidadania.
A escola, como espaço público, deve assumir com o máximo de competência a sua função
social, cuja finalidade é a formação da cidadania. Esta prática se dá no cotidiano escolar, no
exercício democrático da convivência diária, na escola como um todo e na sala de aula
especificamente. Assim, inclui-se questionar o ambiente de aprendizado social da escola, no
âmbito das interações que ali se dão.
136
As TICs podem ser ferramentas de colaboração que alteram as práticas, tornando-as mais
colaborativas, porém apresentará riscos de uma individualização exagerada, desprivilegiando
os processos coletivos essenciais no cumprimento de sua função social. Qual seria a condição
ideal? Que práticas potencializam esta formação? Como realizá-la?
Premissa 6
A utilização da pesquisa como alternativa metodológica na utilização da
Internet na escola.
A pesquisa escolar pode ser um instrumento mediador de uma nova relação com o saber,
favorecendo o uso adequado da Internet. É desejável que essa ganhe nova significação no
contexto da aprendizagem. Ela potencializa o processo de aprendizagem, facilitando o acesso
a informação. Entretanto, é um processo que necessita receber o tratamento didático
adequado. Deve-se oportunizar o diálogo dos estudantes com a realidade, a fim de equacionar
problemas relevantes da comunidade. Os professores devem valorizar o ensino da observação
do cotidiano e a identificação de temas sociais significativos do seu entorno, incluindo as
questões socioambientais e de sustentabilidade presentes. São muitas e interessantes as
possibilidades de problematizar a realidade, estudá-la e propor soluções, de modo que o uso
da internet reverta em benefícios para a própria comunidade e favoreça o desenvolvimento
local.
Para isso, é preciso estudar a metodologia, aprender a relevância do tratamento da informação
e da produção de conhecimentos. Por isso, deve-se questionar: como introduzir a pesquisa?
De que modo ela pode ser eficaz na apropriação do conhecimento pelos alunos? Como
orientá-la? Qual a finalidade das bibliotecas escolares? Como tem sido o uso pedagógico
destes espaços? Como o conhecimento está presente nelas? Quais as possibilidades de
ampliação da sua função?
137
Premissa 7
Reformulação do tempo e do espaço escolar para o uso eficaz das TICs.
O projeto pedagógico certamente deve contemplar esta questão, uma vez que nas propostas
que incluem a utilização do computador em sala de aula, torna-se inviável a manutenção de
aulas de 50 minutos. A reedição do espaço e do tempo escolar é um grande desafio, pois a
escola mantém a lógica da sua organização muito vinculada à organização disciplinar e à
separação entre os campos do conhecimento. Entretanto, as relações entre as condições
pedagógicas e as oportunidades de inovação possibilitarão novas configurações do espaço e
do tempo escolar.
Premissa 8
As TICs como instrumento de relação com o mundo e aproximação com a
comunidade local.
Uma coisa é dotar as escolas com infraestrutura e recursos tecnológicos, outra é a presença
das tecnologias digitais promovendo inovação e melhoria na qualidade do ensino. Este é um
processo que envolve questões políticas, econômicas, culturais, cujo desafio é avançar para
que se construa um projeto democrático da sociedade da informação. Essa construção no
contexto do mundo globalizado pode influenciar a escola a aproximar-se mais da comunidade
local, dos seus interesses e especificidades. As novas tecnologias da informação e da
comunicação na escola podem significar vias de diálogo e o cultivo da cidadania a partir das
interações com a comunidade local. De que forma a escola pode se estruturar e viabilizar
alternativas de inclusão digital e social na comunidade?
Tão significativo quanto ter Internet nas escolas, é possibilitar que as escolas estejam na
Internet. Ela possibilita o acesso ao conhecimento em bibliotecas mundiais e museus
presentes na rede, conhecer novos espaços, culturas, história, mas também, deve estar
presente na rede com seus valores culturais e sociais, gerando conhecimentos, agregando-se a
outras produções.
138
Premissa 9
Relacionar o uso da tecnologia com a resolução de questões complexas que
oportunizem a apropriação do pensamento científico.
A escola deve incluir nos seus projetos de ensino, objetivos relacionados ao desenvolvimento
de respostas para questões mais complexas, que exijam a apropriação da informação, mediada
pela lógica e pelo pensamento científico. Uma abordagem problematizadora pode apresentar
situações que desafiem os estudantes, exigindo-lhes colocar em jogo todo o conhecimento
disponível, e ainda, analisar e definir estratégias, prever possíveis soluções, testá-las, validá-
las, interpretar os resultados e a sua formulação.
A resolução de problemas complexos associados aos recursos digitais, e a um processo que
instrumentaliza para o uso do método científico, se bem avaliado e conduzido pelos docentes,
pode contribuir para a potencialização da aprendizagem dos estudantes.
Sintetizando:
As premissas e o quadro com os níveis de maturidade do processo de inclusão digital incluem
aspectos das dimensões tecnológicas, políticas, sociais, culturais, da gestão institucional,
pedagógica e da formação dos profissionais da educação.
139
Diagrama de relações do processo de inclusão digital escolar.
A construção dessa rede de relações coopera para o amadurecimento e consolidação da
inclusão digital nos contextos escolares.
140
Níveis avaliativos da maturidade em políticas públicas de inclusão digital
Características Cenário típico Grau de
maturidade
1
. Sem iniciativas da instituição.
. Resistência a alteração das práticas pedagógicas.
. Laboratórios/máquinas sem utilização.
. Voluntarismo de alguns professores ou gestores.
. Não há uso pedagógico das TICs.
Infraestrutura material
( ganharam computadores)
Uso cotidiano na secretaria,
para os processos
administrativos.
Inexistente
2
. Computador utilizado como máquina de escrever.
. Reconhecimento do valor do uso da tecnologia.
. Iniciativas isoladas do professor de Informática.
.Tentativa de trabalhar de forma integrada com as
outras disciplinas.
Infraestrutura física e
material.
Sala de Informática na grade
curricular.
Acesso à internet é
alternativo.
Inicial
3
. Cultura de mudança, abertura a inovações, ousa
mudar práticas e concepções.
. Equipe oscilante entre práticas inovadoras e
tradicionais.
. Profissionais se dispõem a um trabalho cooperativo,
planejamento integrado.
Infraestrutura física,
material, com algum suporte
técnico, acesso à Internet.
Flexibilidade curricular, com
metodologia adequada às
ferramentas tecnológicas.
Estado de tensão.
Significativo
4
. Tecnologia institucionalizada e legitimada no
sistema escolar.
. Consolidação das competências técnico-
pedagógicas, relacionais e de gestão dos processos
educacionais.
. Projeto Educacional inclui as TICs, com objetivos
voltados para a melhoria do ensino e da
aprendizagem.
. Todos os profissionais preparados para o ciclo de
mudanças.
. Capacidade para gerir projetos sustentáveis de
inovação.
. Trabalho cooperativo da equipe (interno e externo
junto à comunidade)
. Processo de aprendizagem permanente dos atores
da instituição.
Infraestrutura física,
material, apoio técnico,
acesso e manutenção a
internet garantidos, aberto à
comunidade escolar.
Processos que incluem a
tecnologia, altamente ativos.
Currículo e metodologia que
incluem as novas relações
com os saberes.
Avançado
141
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147
APÊNDICES
APÊNDICE 1
Previsão de roteiro das Entrevistas Semiestruturadas com diretores:
1.Que mudanças aconteceram na escola a partir da adesão ao Programa e a introdução do
computador e internet ?
2.Como a escola está reagindo a estas mudanças?
3.Todas as mudanças que estão acontecendo são positivas ou percebe efeitos negativos ?
Quais?
4.Enumere as principais dificuldades na implantação do Programa?
5.Como definiria/descreveria a condição atual desta escola, como espaço de saber, e acesso ao
conhecimento?
6.Como eram essas condições antes da introdução do Programa ?
APÊNDICE 2
Previsão de roteiro das Entrevistas Semiestruturadas com professores e supervisoras:
1.Indique três das principais mudanças que ocorreram na sua prática a partir do momento que
começou a participar do Programa?
2.O que você faz hoje que não fazia antes ?
3.Que atividades de uso do computador considera mais saudáveis à aprendizagem dos
estudantes em relação à atividades que realizavam, anteriormente, sem ele?
4.Que tipo de tarefa mais ocupa a sua rotina na escola hoje ? Sempre foi assim? E na
perspectiva do aluno?
5.Quais mudanças ocorreram nos hábitos de estudo dos alunos a partir do uso da tecnologia
digital ?
6.Descreva as mudanças na relação com o saber e na construção de conhecimentos dos alunos
que participam dos projetos de aprendizagem.
7.Como percebe o processo de interação e colaboração entre os alunos ? Entre os alunos e
professores ? Entre alunos e escola ?
8.Como a escola está reagindo a estas mudanças?
9.Nas avaliações de aprendizagem, que alterações você identifica nos alunos que participam
do Programa ?
148
APÊNDICE 3
Tópicos-guia a serem utilizados no Grupo Focal
Bloco Temático Pergunta Objetivo
Questão inicial:
Para todos do grupo
Que questões/palavras são
mais significativas para
demonstrar a escola antes do
computador e depois do
computador ?
Estimular o início da
discussão, selecionando
questões-chave para delinear
a discussão sobre a escola
antes e depois do uso do
computador.
Rotina escolar Quais as diferenças no dia a
dia da escola com e sem
computador ?
Perceber os parâmetros de
comparação .
Aulas Há semelhanças e diferenças
nas aulas com e sem
computador? O que faz o
professor ? O que fazem os
alunos nos diferentes
ambientes de aprendizagem?
Que lugar(es) mais gosta de
estar na escola? Por quê ?
Identificar alterações
metodológicas.
Identificar se o(s)
ambiente(s) escolares mais
propícios aos estudantes
estão relacionados à
tecnologia ?
Atividades escolares Que atividades eram feitas e
não são mais realizadas por
causa da utilização do
computador ? Foram
substituídas ? Por quais?
Que valor atribuem a estas
trocas? Foram boas, ruins?
Por que ?
Identificar mudanças
operacionais no cotidiano
escolar.
Relação com o saber Em que momentos e espaços
vocês percebem que
aprendem mais ? Nos livros,
no computador, na sala de
aula, na biblioteca?
Qualificar a relação com o
saber escolar nos diferentes
ambientes escolares.
Experiências de
aprendizagem
Quais experiências de
aprendizagem foram mais
significativas ao crescimento
e aprendizado de vocês? Por
Identificar indicadores de
qualidade de aprendizagem e
o uso da tecnologia.
149
que ?
Como estudante, nas
atividades de avaliações
(provas, trabalhos, pesquisas)
quais foram as principais
alterações notadas por vocês
?
Relações
sociais/interpessoais
Compare o relacionamento
com os colegas e professores
antes e depois dos projetos de
aprendizagem ( que utilizam
a tecnologia) ?
Verificar alterações nas
competências relacionais no
ambiente escolar e os fatores
que, possivelmente, intervém
para melhorar ou piorar os
relacionamentos.
154
PROJETO DE APRENDIZAGEM - Primeiro Semestre/09
TURMA 1:1 9º B
Professora Orientadora: Ana Lucia de Oliveira Borges
Aluno : Vitor Lucio Fernandes
Tema : Como surgiu a fórmula1?
O aluno desenvolveu, ao longo do PA, autoconfiança, autocontrole e resiliência.
Manteve-se seguro durante a apresentação no fórum final. O processo de autoria
tem evoluído de forma satisfatória. A habilidade de comunicar, oralmente,
precisa avançar, pois, comete alguns equívocos ao falar. Porém, houve
crescimento em relação ao fórum anterior.
Aluno: Alex Marques Leandro
Tema : Como é a vida dos leões?
Trata-se de um aluno com extrema dificuldade na leitura, interpretação e escrita,
todavia, tem apresentando progressos significativos nessa área. Necessitou de
muita orientação individual na busca, seleção e registro de dados. Apresenta
dificuldade para associar e estabelecer idéias e conceitos. Quanto às
competências relacionais tem demonstrado avanços, pois, buscou interagir com
colegas e fez parcerias. Demonstrou persistência sobretudo para elaborar seu
Power point, mesmo enfrentando problemas conseguiu finalizá-lo, utilizando-o
no fórum final. Precisa desenvolver habilidades de comunicação oral.
Aluno: Alif Thiago Barbosa
Tema:Como foi a vida de Ayrton Senna?
Demonstrou autoconfiança e determinação. Conseguiu expor com clareza e
segurança suas descobertas. Soube lidar de maneira positiva com opiniões
diferentes das suas. Demonstrou boa habilidade de argumentação na defesa de
seus interesses. Avançou em seu percurso de aprendizagem em relação às
competências de análise e interpretação de dados,fatos e situações.
Aluna: Amanda Teixeira dos Santos
Tema: Como funciona a moda nas quatro estações do ano?
A aluna foi perseverante na sua pesquisa, recebendo com naturalidade as
intervenções pedagógicas, o que muito colaborou para a finalização de seu
projeto. Demonstrou compromisso com o ambiente escolar. Conseguiu
administrar bem o tempo. Expôs ,com desenvoltura, suas descobertas. Durante
a construção de mapas conceituais conseguiu estabelecer, de forma satisfatória,
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relações entre os conceitos. Apresentou progressos significativos no processo de
autoria.Tem facilidade para lidar com o classmate.
Aluna: Helen Caroline Ferreira dos Santos
Tema: Como ocorre o desenvolvimento dos casulos das borboletas?
Desenvolveu a autonomia. Demonstrou autoconfiança, determinação durante
todo o período. Avançou no processo de autoria, pois, melhorou muito na
produção textual, deixando de ser meramente ―copista‖. Soube buscar parcerias
para sanar dificuldades quanto ao uso do classmate.
Aluna: Rayany Bruny Pereira da Silva
Tema : Como surgiu Araxá?
Portou-se de maneira sempre receptiva às intervenções, demonstrando
resiliência,autodeterminação, confiança. Interagiu com colegas e professores.
Avançou em seu percurso de aprendizagem quanto a capacidade de análise e
interpretação de dados, fatos e situações. Soube estabelecer parcerias com outros
profissionais. Apresenta boa habilidade de comunicação, tem empatia com
colegas.