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Análise do Discurso Político Subjacente e a Terceira Dimensão do Poder. A Fala e a Escrita dos Grupos de Interesses. (Lingüística e Política) Gentil Tadeu Gomes 1 & Herbert Schützer 2 2007 1 Bacharel em Letra e especialista em Lingüística. [email protected] 2 Especialista em Política e Relações Internacionais e Mestre em Geografia. [email protected]

A terceira dimensão do poder

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Page 1: A terceira dimensão do poder

Análise do Discurso Político Subjacente e a Terceira Dimensão do Poder.

A Fala e a Escrita dos Grupos de Interesses. (Lingüística e Política)

Gentil Tadeu Gomes1 & Herbert Schützer2

2007

1 Bacharel em Letra e especialista em Lingüística.

[email protected] 2 Especialista em Política e Relações Internacionais e Mestre em Geografia.

[email protected]

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Resumo As classes detentoras do poder exerceram sua dominação de variadas formas, que vão

desde a utilização da força bruta material explícita até sofisticadas e sutis modalidades

de coação.

Modernamente, apropriando-se dos avanços tecnológicos e das descobertas nos campos

da Psicologia e da Lingüística, a atividade de produção e manutenção das condições

ideais para dominação das massas, por parte das elites mandatárias, tem se tornado cada

vez mais fácil.

A idéia de Liberdade, que a priori seria inegavelmente positiva, passa a ser de cunho,

no mínimo, duvidoso. Aliado a isso, inclua-se o papel do Governo perante o eleitor.

O presente trabalho não tem por objetivo propor soluções ao problema. O que se deseja

é mostrar uma das formas atuais de manipulação do pensamento coletivo, realizada

através de um veículo midiático do âmbito da imprensa escrita. A intenção é demonstrar

como se dá essa forma de ação subliminar que diariamente invade o país.

Palavras-chaves: Elites, Massas, Poder, Manipulação.

Abstract Throughout the times, the class who had the power exerted their domination of varied

forms, since the utilization of brute strength material explicit , sophisticate and subtle

modalities of coax.

Modernly, assuming itself of discovered of the constants technological advances and

uncountable in the psychology and linguistics fields, on the part of the controller elites,

it had become easier.

The idea of freedom, that priori would be undeniably positive, starts to be matrix, in the

minimum, doubtful. It is enough that it question and maximum meaning of freedom and

which the border between freedom and prison. Ally to this, includes itself for analyses

proposal the government attitude before the voter.

The present work has not for objective to consider solutions to the problem. The desire

is to show one of the current forms of manipulation of the collective thought, carries

through a propagate by media on the scope of the written press. The intention is to

demonstrate how happen this form of action that daily invades the country, under the

false image of NEWS ARTICLE

Keywords: Power, Domination, Masses, Elite, Manipulation.

Page 3: A terceira dimensão do poder

1. Introdução.

Uma teoria moderna da Democracia não deve prescindir dos

conceitos rigorosamente elaborados pelos cientistas políticos que se

debruçaram sobre o tema. Seus postulados fundamentam e dão sustentação

teórico-material àqueles que buscam respostas e caminhos às questões de

nosso tempo. Ou mesmo àqueles que desejam aprofundar-se em algum

assunto que perpasse, em maior ou menor escala, por ela, a Democracia.

Mas, afinal, o que é a Democracia? Qualquer manual de direito

constitucional nos ensina que a Democracia é “...a afirmação de certos valores

fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e

funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores.” (Dallari,

1985, 127), ou de política, que a “...democracia se foi entendendo um método

ou um conjunto de regras de procedimento para a constituição de Governo e

para a formação das decisões políticas” (Bobbio, Matteucci e Pasquino, 1983,

326). Entretanto, aceitar definições como essa, pura e simplesmente,

corresponderia a não levar em conta a infinita graduação de Estados com suas

diferentes práticas democráticas existentes no mundo atual.

Por isso, é preciso questionar e praticar a Democracia, para

não permitir que ela seja tão corrompida pelos poderes econômico e financeiro.

Principalmente dos grupos de pressão, que se formam satelizando os

governos, os quais não são nem eleitos pelo voto popular nem controlados

pelos cidadãos.

Então, como podemos definir suas ações?

“...se a atividade dos Grupos de pressão é possível

apenas nos sistemas democráticos e, em segundo lugar,

procurando avaliar o seu papel dentro dos sistemas

democráticos para saber se eles representam uma

degeneração destes sistemas ou se não desenvolvem

funções úteis à manutenção e adaptação destes

sistemas, em que condições e com que riscos.” (Bobbio,

Matteucci e Pasquino, 1983, 569)

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Os Grupos de Interesses, como se vê, constituem-se em

organizações próprias das democracias. (Bobbio, Matteucci e Pasquino, 1983,

570) E não se pretende aqui fazer qualquer juízo de valor desses Grupos mas,

ao contrário, analisar uma de suas formas de atuação.

Para os estudiosos, o fato de que a Democracia possa ser

definida com muita precisão não significa que ela realmente funcione da

mesma forma em todos os lugares. Uma breve incursão na história das idéias

políticas leva a duas observações, muitas vezes relegadas sob o pretexto de

que o mundo muda, é dinâmico:

I) A experiência confirma que uma democracia política que não

se baseie numa democracia econômica e cultural de pouco adiantará.

Desprezada e relegada a ser o depositário de fórmulas obsoletas, a idéia de

uma democracia econômica deu lugar a um mercado triunfante que beira a

obscenidade;

II) Os estrategistas políticos, de toda e qualquer filiação

partidária, impuseram um silêncio prudente para que ninguém ousasse insinuar

que continuamos cultivando a mentira e aceitamos ser seus cúmplices de um

sistema que distancia do modelo ideal.

O chamado sistema democrático parece, cada vez mais, um

governo dos ricos e, cada vez menos, um governo do povo, como percebemos

na matéria da revista VEJA. Impossível negar o óbvio: a massa de pobres

convocada a votar jamais é chamada a governar.

Os povos não elegeram seus governos para que estes os

“ofereçam” ao mercado. Idéia desenvolvida por Bobbitt (2001) quando defendia

a evolução3 do Estado-Nação para o Estado-Mercado, em que o mercado

passa a ser o receptáculo de suas ações e o povo deve moldar-se a ele -

mercado. Assim o mercado condiciona os governos para que estes lhe

“ofereçam” seus povos.

As dificuldades de determinada sistematização teórica4 são

muitas, porém, tal fato não se deve apresentar como inibidor de investigação

sobre a ação dos grupos de interesses. Vale ressaltar, ainda, que esse estudo

3 Dinâmica pela qual o Estado vem passando desde sua criação no século XV, na qual Bobbitt

acrescentou uma nova etapa. 4 Existem várias definições sobre a Democracia, o que dá margem a inúmeras interpretações. Além disso,

as particularidades de cada sociedade dão ensejo a diferentes práticas do sistema democrático.

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investigativo não elimina nem despreza a capacidade de organização e eficácia

desses grupos para a produção de políticas públicas que atendam seus

objetivos. Quando se busca, ademais, uma análise nos padrões da escolha

racional coletiva, os problemas, sobretudo práticos, se avolumam. Anthony

Downs, Olson, Dahl, Lukes e tantos outros os enfrentaram e estabeleceram

diretrizes que possibilitam uma análise racional dos elementos constitutivos da

escolha de grupos, sob a ótica do governo democrático.

Mais ainda quando se busca um encadeamento lógico que

justifique um controle dessa mesma ação governamental, pois as dificuldades

se multiplicam, é aí que o pesquisador tem o dever de encontrar nas

instituições os pressupostos das práticas de uma nova postura diante de novas

realidades.

Nessa perspectiva, procurou-se, neste trabalho, descrever a

ação não-aparente dos grupos de interesses, que no Brasil alcançaram um

desenvolvimento tal a ponto de não serem percebidos, pois são articulados por

outros grupos que não permite que eles se exponham diretamente ao público.

Assim, objetivou-se demonstrar como essa ação é praticada, através de um

pequeno relato das teorias de ação de grupos de interesses, para

contextualizar o tema e a análise de um artigo de revista de circulação

nacional.

2. Onde estão as origens dos grupos de interesses no Brasil?

As origens da estrutura política brasileira estão, segundo Faoro

(1975), sedimentadas na História da formação de Portugal, Estado constituído

com base em uma estrutura patrimonial, que não desenvolveu o sistema feudal

como as outras unidades políticas da Europa, portanto sem a constituição de

uma nobreza autônoma. Esse fato deu origem a um patriomonialismo

estamental, por referência às características da nobreza feudal, que passa a

constituir o quadro administrativo do Estado. Por meio desse quadro de

controle burocrático, a nobreza busca honra social, para alcançar e conservar a

independência em relação ao soberano. Nesse tipo de sistema, o soberano

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domina o território do país através desse corpo administrativo. É o tipo de

Estado que vai vigorar no Brasil-colônia e que, posteriormente, será

transformado no modelo pelo qual o país independente se constituirá.

Transplantado da metrópole, o modelo administrativo que aqui se instala tem

como característica a fusão do público ao privado, em benefício do estamento

que administra o Estado.

O modelo capitalista português, que foi transferido para o

Brasil, apresenta um padrão que é conduzido e determinado pela política, de

modo a não estimular o desenvolvimento econômico segundo os princípios

liberais que nortearam outras nações européias. Esse fator foi responsável pelo

atraso e dependência econômica que vão se verificar em Portugal, deixando o

Brasil como área de exploração mercantil, responsável pelo lucro que o Estado

lusitano retira para se manter. E se manter significa, em última análise, saldar

dívidas portuguesas através da transferência das riquezas brasileiras para as

nações que adotaram o liberalismo econômico, as quais eram credoras de

Portugal. Assim, no Brasil, o Estado português implementará a colonização,

cooptando comerciantes e agentes do capital, que irão constituir o estamento

burocrático que, por sua vez, envolverá o setor privado, submetendo-o a seu

rogo e esgotando-o em benefício de poucos.

A centralização do poder é o principal aspecto que a máquina

administrativa portuguesa vai instaurar no Brasil, na fase dos grandes

engenhos de cana-de-açúcar (Nordeste) e na fase da exploração das minas de

ouro e pedras preciosas (Minas Gerais, principalmente). Sob o pretexto do

estabelecimento de um controle para atender os interesses da coroa, o

estamento burocrático se fortalece na colônia. Na realidade, atendendo os

próprios interesses, através de um governo forte, com grande número de

funcionários para lhe dar supremacia sobre os senhores rurais. O aparato

administrativo que age em nome do rei (a favor dele [rei] e em interesse

próprio) exclui o povo de qualquer tipo de participação, servindo este apenas e

tão-somente para uso econômico e político.

A vinda da família real para a colônia transfere toda a máquina

burocrática que vai dar inicio à consolidação da estrutura estamental-

burocrática a ser implantada pelo Estado brasileiro independente. A

organização da nação vai ocorrer sob a lógica do liberalismo, o que parece,

Page 7: A terceira dimensão do poder

pretensamente, ser o elemento modernizador do país. No entanto, o liberalismo

adquire um caráter contraditório, pois se assenta na base de uma economia

escravista. Acresce-se que a instituição do poder moderador e as formas de

organização do Estado brasileiro serão as mesmas que se desenvolveram no

período colonial, com um estamento burocrático muito forte. Principalmente no

segundo reinado, que alijou a possibilidade de participação do povo. Limitado

com base na renda, ele permanece sob o controle do aparelho administrativo,

que dá as diretrizes do país imperial. Como se vê, desde os primórdios da

formação do Estado brasileiro se limitou a organização de grupos de interesses

nas esferas inferiores da sociedade.

Com a instauração da República, o modelo vai se reproduzir

sob novas formas. Primeiro, pelo poder dos militares. Depois, no período civil,

pela implantação da Política dos Governadores, momento máximo da ação do

estamento burocrático na privatização do lucro e socialização dos custos. As

características do Estado brasileiro, daí em diante, não irão se alterar. Mudará

apenas o regime do qual o estamento burocrático irá se servir, mesclando–se

momentos de maior distanciamento em relação ao povo a momentos em que

ele aparece mais próximo (como, por exemplo, o Estado Novo).

Em suma, O Estado brasileiro consolidou o patrimonialismo,

transferido pelo colonizador português, o qual, aplicando suas características

gestoras, construiu uma lacuna entre os interesses do Estado e os da nação,

atendendo, por fim, ao grupo que se apropriou do aparelho administrativo do

Estado. Geralmente esse grupo não fazia distinção entre o público e o privado,

submetendo a seu jugo, inclusive, importantes setores da economia. Com isso,

tais setores acabaram sendo incorporados ao modelo capitalista vigente,

perdendo suas características naturais, o que inviabilizou qualquer

possibilidade de crescimento em termos sócio-econômicos. Quanto à nação,

reproduz-se fora da esfera do Estado, como mostram os modelos históricos,

graças aos mecanismos de defesa produzidos pelo estamento burocrático,

para impedir o acesso dos interesses públicos na esfera da ação do Estado.

Neste caso, a formação política brasileira caminha na direção da teoria de

Andrew Mc Farland (1992), que defendeu a idéia da “muitas elites”, uma vez

que o Brasil, após o processo de industrialização, parece tê-la desenvolvido.

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3. A Lógica da Ação Coletiva

Os grupos de interesse estão presentes nas democracias e

servem para que os interesses de partes da sociedade possam conseguir os

benefícios das políticas públicas. Geralmente, os grupos de interesses podem

ser conceituados pela lógica da ação coletiva.

A teoria da ação coletiva parte de uma constatação: diversas

vezes a interação de agentes com interesses comuns não gera resultados

coletivamente eficientes. Em outras palavras, sob certas condições, indivíduos

racionais são incapazes de, espontaneamente, alcançar resultados que

estejam de acordo com seus interesses. A análise de Olson (1999) busca

identificar quais são as circunstâncias em que a afirmativa anterior se verifica,

ou seja, quando a racionalidade individual não é suficiente para a racionalidade

coletiva.

Olson (1999) mostra que o fato dos benefícios conjuntos de

uma ação superarem os custos para um grupo não implica em sua efetivação.

A ação coletiva, geralmente, está voltada para a produção de bens públicos

para seus membros, pois bens privados podem ser produzidos através do

mercado. Ora, em tal caso, como não se podem excluir os não-contribuintes, o

grupo fracassa na produção de potenciais bens coletivos, visto que a decisão

racional de cada agente será a defecção. Exemplificando: os trabalhadores

recebem aumento salarial quer tenham contribuído ou não para uma greve

bem-sucedida, ou cada empresário de um determinado setor se beneficia da

imposição de uma tarifa de importação mesmo que não tenha contribuído para

o lobby5.

De acordo com a análise de Olson (1999), o número de

participantes de um grupo é uma variável-chave para as questões da ação

coletiva. Utilizando um modelo formal, ele demonstrou que quanto menor o

grupo, maiores são as chances de um de seus membros arcar com todos os

custos do bem coletivo (Olson.1999). Já em grupos maiores, essa possibilidade 5 Grupo de pressão; grupo dos que freqüentam as antecâmaras dos parlamentos com o objetivo de

influenciar os deputados no sentido de votarem de acordo com os seus interesses.

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é mais restrita e a ação coletiva tem de ser obtida através de incentivos

seletivos (selective incentives), i.e., benefícios que se aplicam apenas aos

agentes que contribuíram para a provisão de um bem público (Olson, 1999).

Conhecidos casos de incentivos seletivos são os descontos em planos de

saúde para os membros de sindicatos e o fornecimento de informações

qualificadas para os componentes de um grupo de interesse patronal. Existem

ainda outros incentivos mais informais, mas não por isso menos eficazes, que

vão desde o ostracismo até a violência física contra, por exemplo, os que

"furam" uma greve ou rompem um cartel.

Mesmo levando-se em conta a possibilidade de recurso aos

incentivos seletivos, é fácil notar que grupos com poucos membros, cujos

benefícios prováveis estão concentrados, têm mais incentivos e facilidades de

organização e ação do que os grandes grupos pulverizados. Os resultados são

pequenos grupos ativos e uma maioria desorganizada inerte, apesar de seus

interesses comuns. Segundo Olson (1999), "pequenos grupos em uma

sociedade, geralmente, terão maior poder de lobby e de cartel per capita (ou

mesmo por dólar da renda agregada) do que grupos maiores" (Olson.1999).

Olson (1999) também argumentou que os pequenos grupos

tendem a incorrer em ações redistributivas em seu favor, em detrimento de

práticas que aumentariam a eficiência em geral. Um grupo pequeno é atingido

apenas por uma ínfima parte dos danos que porventura atinjam toda a

sociedade, uma vez que, por definição, sua participação nesta é deveras

restrita. Logo, mesmo que as ações redistributivas dos grupos com poucos

membros piorem a situação geral, seus participantes serão mais do que

compensados pelos "desvios" dos ganhos em seu favor. Sindicatos de

trabalhadores e patronais, associações profissionais, lobbies e cartéis, ou

qualquer outro grupo que vise à provisão de bens coletivos para seus

membros, foram incluídos sob a designação "coalizões distributivas"

(distributional coalitions).

4. As práticas brasileiras

Para este trabalho procurou-se adotar os princípios pluralistas

defendidos por Dahl (1961), que parte da idéia de que as democracias

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permitem, na sua dinâmica, um sistema de desigualdades não-cumulativas. E

que os recursos políticos num sistema pluralista apresentam-se vários, sendo

eles distribuídos desigualmente e por isso os atores possuem um maior

número de oportunidades para influenciar o poder público, portanto há uma

participação maior da sociedade, cada parte em um determinado segmento.

Uma extensa guerra de interesses se trava no Brasil entre o

público e o privado. Isso não quer dizer que exista um conflito sistêmico (pelo

menos não se percebe isso), o que se desenrola é um conflito temático (La

Palombara, 1982, 291). Essa guerra tem no Estado um espaço preferencial,

embora ela cruze todos os cantos da nossa sociedade. É neste sentido, que

empreendemos nosso esforço elucidativo.

Os interesses privados lutam pela mais extensa e profunda

mercantilização da sociedade, isto é, pela transformação radical de tudo em

mercadoria. Em outras palavras, a sociedade deve ser um lugar onde tudo se

vende e tudo se compra. O setor privado luta para que o Estado: a) financie

seus interesses e não coloque nenhum entrave à circulação do capital; b)

perdoe seus impostos e degrade ainda mais os salários; c) gaste cada vez

menos com a atenção à massa da população. Em suma, que o Estado seja

máximo para o capital e mínimo para os que vivem do trabalho.

E a iniciativa privada tem conseguido grandes avanços nos

últimos tempos. O Estado está profundamente penetrado por seus interesses,

em especial pelos do capital especulativo, num verdadeiro processo de

financeirização do Estado. O conjunto das atividades estatais está definido

pelos compromissos financeiros assumidos pelas autoridades econômicas -

elas mesmas originárias de grandes empresas privadas, na maioria das vezes

organizadas em grupos representativos de caráter neocorporativista6 (Werneck

Vianna, 1994). O Banco Central, os Ministérios Econômicos, o próprio

Ministério do Trabalho, da Indústria e Comércio, da Agricultura e Reforma

Agrária, por exemplo, representam os interesses do grande capital privado,

6 As associações de interesse não são necessariamente entidades autônomas que pressionam de fora do

Estado, sendo também partidos políticos, podendo, pelo menos em parte, ter caráter heterônimo face as

autoridades governamentais e agir como canais como canis seletivos na formação (e na implementação)

da política pública.

Page 11: A terceira dimensão do poder

prioritariamente os do capital especulativo, sobre cuja atração repousa a

modalidade de estabilização monetária do governo atual.

Se o Brasil é a sociedade mais injusta do mundo (segundo os

dados das Nações Unidas), é em grande parte devido a que o Capitalismo

Central influencia o Estado e a elite, fazendo com que cada vez menos sejam

universalizados os direitos da população. Ao mesmo tempo, o próprio Estado

subsidia o processo de acumulação privada de capital, favorecendo

principalmente grupos de interesses organizados, que possuem eficientes

canais de comunicação junto aos policy makers. Entre várias práticas utilizadas

para tal, uma delas é a difusão midiática da ideologia dominante, que no

presente trabalho será analisada num recorte – a mídia impressa. Não

bastasse isso, o mercado, para concentrar renda, produz exclusão social e

destrói empregos formais com seus respectivos direitos. E, fechando o

processo sócio-econômico, numa postura inegavelmente pró-iniciativa privada,

o Estado maximiza, até limites inéditos, a super-exploração econômica, a

destruição de direitos e a exclusão social.

O liberalismo busca legitimar esse processo mediante a

restrição do debate em torno do eixo estatal/privado. Desqualificando o Estado,

enfraquece a capacidade deste para regular as relações econômicas e sociais,

garantir direitos e servir de instrumento contra o processo de maximização dos

lucros das grandes empresas privadas. E não é difícil desqualificar um Estado

que arrecada apenas metade do que deveria (dos assalariados,

principalmente) e gasta mal, prestando serviços ruins à população que dele

necessita, sendo forte com os fracos e fraco com os fortes, pagando mal a

seus funcionários, gastando mais com o pagamento dos juros das dívidas do

que com educação e saúde.

Em suma, um Estado onde os grandes interesses privados se

manifestam, e que reproduz através das políticas públicas que atendem as

particularidades, independentemente do sistema de governo e do próprio

governante, através de um sistema pluralista (não no sentido apresentado por

Dahl, mas no apresentado por Lukes), que defende a idéia de uma

desigualdade de oportunidades em que o ator mais importante tem maior

proporção de sucessos.

Page 12: A terceira dimensão do poder

5. A ação do 3º. Poder no Brasil

Apesar de Lukes (1992), que será melhor abordado no próximo

item, achar difícil empreender uma análise das ações dos grupos que

exercitam o poder na ausência de conflito, o artigo publicado pela revista Veja,

em 01 de novembro de 2001, nos permite tangenciar a questão sem nos

aprofundarmos, uma vez que este não é o objetivo deste trabalho. Mas nos

permite antever as ações para fazer seus objetivos.

Na matéria analisada7, na verdade, há dois textos; portanto há

dois objetos: um aparente, um subjacente. Em outras palavras, existe um texto

dentro de outro texto.

O jornalista João Gabriel de Lima faz uma abordagem da

Língua Portuguesa como sendo uma das maiores dificuldades dos brasileiros,

impedindo que leiam e escrevam adequadamente. Há vários depoimentos de

pessoas com autoridade no assunto, comentando e avaliando o problema.

Destacam-se o Professor Pasquale Cipro Neto e o economista Reinaldo Polito,

dono de uma escola de expressão oral.

É o texto verdadeiro? É nele que se encontra o sentido real que

originou a matéria? É nele que se encontra a intencionalidade dos interesses

presentes?

O jornalista, associado a seus co-enunciadores, solicita à

Classe Média (os brasileiros) que vote em José Serra (o que fala a Língua

Correta), e não em Lula (o brasileiro que não sabe falar nem escrever) ou em

Enéias Carneiro (o da linguagem empolada) – conflito temático entre os

grupos. É como se houvesse uma união de personalidades da Classe Média

(os brasileiros que querem melhorar – e melhorar seria votar em José Serra)

tentando convencer uma outra parcela dessa classe de que o candidato do

PSDB é o único que deve, merece e possui condições de ocupar a cadeira

presidencial. Justifica isso apresentando a tese de que José Serra é o único

que fala a mesma língua da Classe Média. E falar a mesma língua implica

dizer, nesse contexto, ter os mesmos ideais, ter os mesmos anseios, pensar da

7 Veja a matéria completa no Anexo I

Page 13: A terceira dimensão do poder

mesma maneira compartilhar a mesma ideologia. A partir desse ponto,

estabelece-se uma igualdade entre a Classe Média e José Serra; ambos têm

as mesmas origens, ambos são iguais, ambos falam a mesma Língua. E assim

é criada a identidade entre os pares Classe Média /José Serra.

O autor criou um silogismo: deve-se votar naquele que fala a

mesma língua do eleitor; José Serra é o único candidato que fala a língua da

Classe Média; logo a classe média deve votar em José Serra.

Dessa forma, a questão Língua funciona apenas como elo

entre iguais. Ela não é, como sugere o Texto Aparente, o cerne da

matéria/reportagem. A língua (Ideologia, no Texto Subjacente) é o meio de

convencimento, é a grande força de argumentação lógica para convencer a

porção da Classe Média que decidiu votar em Lula ou em Enéias Carneiro, ou

que está indecisa, a votar no PSDB de José Serra. O texto vai, do início ao fim,

demonstrando, por meio de depoimentos de co-enunciadores-pares da Classe

Média, entre eles Fernando Henrique Cardoso, Evanildo Bechara, outros

professores, empresários, altos executivos, e não-pares diretos, como Sérgio

Buarque de Holanda, o filósofo Ludwig Wittgenstein, utilizando vivos e mortos,

para confirmar a necessidade da Classe Média votar no candidato do PSDB,

porque: o Lula fala errado, a Língua do povão, ou seja, governará para as

classes menos favorecidas; e Enéias fala a língua do passado, o que

significará um retrocesso político.

5.1. Onde está Fernando Henrique Cardoso (FHC)?

Não se encontra, diretamente, no texto em palavras. Ele está

simbolizado nas imagens estilizadas do “homem tranqüilo e calmo que escreve

e fala com grande facilidade a Língua Correta – a Língua da Classe Média”.

Aqui verificamos uma manipulação dos símbolos, já que se procura

desenvolver um sentimento de medo (avesso às mudanças) no público, para

impedi-lo de questionar as demandas das elites, legitimando-as, criando um

consenso em torno dos valores da classe dominante. (Hayes. 1981)

Na ocasião da matéria, FHC era o Presidente da República, e

pautou seus governos pelo favorecimento às classes sociais economicamente

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superiores, ou seja, os setores da sociedade mais organizados fizeram valer os

seus interesses contra os interesses não-organizados. Por ser do PSDB, sua

imagem sugere a continuidade desse favorecimento no caso da vitória de José

Serra, que também era do PSDB e, portanto, falava e continuaria falando a

mesma Língua de FHC. A Língua Correta, a Língua da Classe Média.

5.2. Contextualizando a análise

A revista Veja, dirigida à Classe Média, publicou a matéria num

ano eleitoral, quando o cenário político apontava Lula como o principal

candidato, que recebia apoio de cantores ligados à elite intelectual brasileira

(Gilberto Gil, Chico Buarque de Holanda, etc.) e de atores de prestígio, o que

provocava uma fuga de votos (da Classe Média) para o PT.

Signos icônicos são utilizados, primeiramente na capa, que

mostra um “Rapaz Bonito, Branco” (Classe Média) “sorridente” (alegria,

felicidade); de sua boca sai a expressão: “Falar bem”. Complementando, o

fundo Amarelo une-se ao Azul da camisa do rapaz, sugerindo “a bandeira do

PSDB”. Num segundo momento, signos são apresentados no decorrer da

matéria em si. Como se a Democracia, com alternância do poder, estivesse

associada aos baixos padrões culturais da população, abalando tanto o

pensamento conservador como o liberal na sociedade brasileira, principalmente

na Classe Média.

Outras pistas são dadas pelo texto, como: a diferença entre “o

brasileiro” (que não sabem falar nem escrever) e “os brasileiros” (que querem

melhorar). Existe um sentido pejorativo no termo “o brasileiro”; enquanto há um

sentido positivo no termo “os brasileiros”. Após a fala de Suplicy (a reportagem

diz que ele é um homem inteligente, mas não sabe se expressar – pejorativo)

abre o parágrafo dizendo que “A dificuldade do brasileiro em falar e

escrever...”, o que sugere que Suplicy não sabe falar, se expressar.

Isso demonstra a intenção de macular a imagem do brasileiro,

que é sempre associado a não falar e a não escrever bem. Como no texto

aponta que as escolas públicas não possuem quantidade suficiente de

professores de Língua Portuguesa capacitados adequadamente ao cargo, para

Page 15: A terceira dimensão do poder

a maioria do povo, este por conseqüência não aprende a falar nem a escrever

direito. Estabelece-se, portanto, uma identidade entre ambos: brasileiro e

“povão”. Percebe-se que os membros do PT falam a Língua do “povão”. Assim,

pelo conceito de identidade/ideologia, todos do PT falam a mesma Língua que

o povão. Como a imagem do PT sempre esteve ligada a Luiz Inácio Lula da

Silva, temos que: Lula igual a povão. Portanto, “brasileiro” significa Lula e por,

extensão, PT e “povão”. Claramente esse fato remete ao temor do “governo do

povo” em contraste com a plutocracia8, defendida pela Classe Média. Como se

fosse possível, ao povo, governar da mesma forma que os ricos

(essencialmente em benefício próprio), quando na verdade se busca um

governo que atenda os desejos comuns da sociedade (Wollheim,1999,p. 97),

uma vez que se governa para todos (ou, pelo menos, é o que teoricamente

deveria acontecer).

Existe no texto um dialogismo constitutivo9 que se dá pela

polifonia10 existente, que fica, do início ao fim, retomando falas direcionadas ao

senso comum que justificam a idéia de que “Lula é analfabeto, por isso não

pode ser presidente”. Essa polifonia dirigida é, em grande parte, explicita e

implícita ao mesmo tempo. Explícita, na medida em que o co-enunciador é

citado ou tem sua fala marcada pelas aspas. Contudo, o enunciado não revela

seu conteúdo real, verdadeiro; ele só é percebido pelo analista no conjunto da

análise, pois encontra-se submerso. Assim, o explícito verdadeiro só existe

pelo implícito, uma vez que seja percebido e compreendido. De outra forma, o

que existirá é um pseudo-explícito residente na superfície do texto, que

provocará inevitavelmente uma não-apreensão do conteúdo intencional,

projetado pela classe difusora da ideologia política. O leitor ficará apenas no

âmbito do Texto Aparente, que é apenas um “merchandising”. Mas ficará

submetido ao papel político desempenhado pela mídia.

8 Governo dos mais ricos.

9 Conceito Bakhtiniano (Mikhail Bakhtin, pelo qual se forma um diálogo “virtual! Entre aquilo que é dito

no texto e alguma idéia a ele relacionada, a qual pode ser indiretamente/subliminarmente percebida pelo

leitor) 10

Conceito Bakhtiniano, que afirma a existência de várias “vozes” (aquilo que ouvimos, vemos, lemos e

reelaboramos consciente ou inconscientemente, passando a afirmar como produto autêntico da nossa

reflexão) numa produção textual.

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“...Influencia a formação de políticas ao gerar a atenção do público e, através dela, a pressão política para que certos atores passem a atuar sobre uma questão particular. A cobertura da mídia, porém, não apenas aumenta as percepções e atenção públicas sobre várias questões, mas as constrói, definindo-as como econômicas, ou políticas, sociais ou pessoais, radicais ou conservadoras.” (Howlett, 2000, 186)

Em linhas gerais, a argumentação lógica de defesa do voto da

Classe Média em José Serra foi tecido a partir de dois patamares centrais: i)

criação da identidade ideológica entre PSDB/Classe Média, para esse objetivo,

a idéia de “falar a mesma Língua”. Com isso, valorizaram a face positiva

(Teoria das Faces de P. Brown e S Levinson. 1987) do PSDB e, por

decorrência imanente, a de seu candidato à Presidência da República, José

Serra; ii) destruição profunda da imagem de Lula/PT e Enéias/PRONA,

desabilitando-os ao exercício de Presidente da República, utilizando, para essa

finalidade, a mesma arma anterior, a Língua, só que em sentido iconoclasta. O

mesmo elemento que habilita José Serra desabilita Lula e Enéias Carneiro.

5.3. A apoteose

“A julgar pela máxima do filósofo Ludwig Wittgenstein – ‘os

limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento’ – os

brasileiros que tentam melhorar seu português estão também aprendendo a

pensar melhor.” A coação final, trazendo o peso da palavra de um filósofo

austríaco, se liga aos brasileiros da Classe Média que votará em Serra

aprendendo a votar melhor, votar no PSDB.

É importante acrescentar, a título de elucidação, que existe um

grau de interpenetração entre os grupos de interesses e os partidos políticos.

Em alguns casos, interferem no recrutamento e formulação da política a seguir

e na elaboração dos programas, inviabilizando o atendimento mais amplo dos

interesses da sociedade. (Pasquino, 1982,13)

Há ainda, no texto subjacente, outros dialogismos constitutivos,

perceptíveis apenas dentro da analise do contexto profundo. Um deles localiza-

se logo na abertura do Texto Aparente, no primeiro parágrafo: “Roberto Carlos,

Page 17: A terceira dimensão do poder

Romário, Silvio Santos, Carla Perez.” A referência a essas personalidades do

meio artístico e esportivo, não se dá casualmente, ela é planejada. Outras,

poderiam estar ali, mas não estão. Essas personalidades associam-se a Lula e

ao PT, de modo pejorativo, pois são populares (e de origem popular) e se

destacaram esportiva ou artisticamente, não intelectualmente. Isso faz parte de

um sistema lógico-coercitivo, que tem por objetivo induzir a Classe Média a

votar em José Serra. Por outro lado, em sentido oposto, aparecem, logo a

seguir, duas personalidades do mundo acadêmico e empresarial, o Professor

Pasquale Cipro Neto e o empresário e também professor Reinaldo Polito,

representantes dos brasileiros que querem melhorar (parte da Classe Média

que vota no PSDB). Opõe-se ao povo, por não falarem a mesma Língua. Em

suma, temos a disputa: Rico X Pobre. Os ricos representados pelo PSDB de

José Serra, e os pobres, representados pelo PT de Lula. Aqui, parece que

somente numa plutocracia o Brasil atingirá um estágio superior. Quando

Péricles já tinha afirmado: “que a democracia é perfeitamente compatível com

as diferenças de riqueza, o que não é compatível é que essas diferenças

acarretem influência política de grupos de interesses” (Wollheim,1999,p. 94).

Pode-se verificar a intencionalidade das escolhas. Os nomes

ali colocados foram selecionados com o objetivo de serem atados e

entrelaçados, ao longo do enunciado global, à idéia de mediocridade, uma vez

que representam o gosto popular. E a lógica dessa relação vai sendo

construída com o “martelamento” de que o pobre não sabe falar nem escrever

direito, por isso não pensa de modo racional e articulado. Como Lula vem

dessa classe e é seu ícone, criou-se a identidade Lula/Povo a partir do

elemento de igualdade entre ambos: “ignorância”, no sentido do

desconhecimento da Língua culta, que levaria a outros desconhecimentos.

Não se sabendo a Língua, não se articula o pensamento. Logo, a falta de

domínio lingüístico é uma barreira aos demais setores do saber humano. Isto

posto, não se justifica votar em alguém que não tenha capacidade de raciocinar

e de tomar decisões em nome de um país. Ainda mais por não falar a “mesma

Língua”. Eis a lógica iconoclasta que é repetida ao longo do texto. Dessa

forma, se objetiva socialmente transmitir valores dos grupos de interesses

dominantes, para posterior subjetivização desta ideologia às demais classes

sociais.

Page 18: A terceira dimensão do poder

Dentro dessa ótica, os indivíduos da Classe Média procuram

agir como racionais utilitaristas, uma vez que para atingir uma maior

compreensão da dinâmica política tem-se que investir maior quantidade de

recursos (Downs.1999) para manter-se informado. Assim, com poucos

investimentos, uma revista pode, aparentemente, lhes dar acesso à

informação. Entretanto acabam reféns desse meio de comunicação, o que os

torna elementos manipuláveis/capturáveis pelos grupos dominantes,

principalmente em períodos eleitorais. (Downs.1999).

Como Downs (1999) afirmou, as lideranças políticas sabem

utilizar os fatores dispostos no sistema e, como pode-se observar pela análise

anterior, no Brasil a prática é colocada em uso para favorecer o grupo que tem

acesso aos meios de comunicação, no que se refere à difusão de seus valores.

Isso livra alguns atores do conflito, por terem maiores recursos políticos e

econômicos (Dahl.1961).

6. A visão de Lukes. The Power - A Radical View

O cientista político britânico Steven Lukes foi responsável pela

criação da teoria da Terceira Dimensão da Representação Política, que se

denomina Controle sobre as Preferências. Ela está intrinsecamente relacionada

à discussão sobre os impasses e alternativas para a representação política,

sobre o foco da disputa do poder.

Essa teoria, em oposição às das outras duas antecessoras,

produzidas por R. Dahl, P. Bachrach e M. Baratz, que discutiram sobre os

sistemas políticos pluralista e elitista, contraria através de novas propostas

sobre a representatividade política, pois o conflito aberto entre os atores pode

nunca ocorrer. Isso aconteceu devido à onda que arrastou a discussão nos

últimos trinta anos sobre a democracia eleitoral, principalmente procurando

ocupar o espaço dos regimes autoritário e totalitário, deslegitimados diante da

eficácia participativa da Democracia.

É sobre essas duas teorias que Lukes (1992) constrói sua

crítica de como o poder pode ser considerado a partir da visão unidimensional

Page 19: A terceira dimensão do poder

e bidimensional. A análise conceitual do poder e sua relação íntima entre os

sentidos teóricos e políticos constituem questões metodológicas e invocam ao

limite o behaviourismo. As questões teóricas procuram os limites do pluralismo,

a consciência falsa e os interesses verdadeiros. As raízes históricas do tema

remontam a Weber e influenciaram marcadamente Dahl e seus colegas

americanos da década de 1960.

Sua grande crítica a essas duas teorias, elitista e pluralista, é

de que elas são limitadas, uma vez que só se referem às formas observáveis

do poder e a isso adicionou uma terceira dimensão que remete à discussão

apresentada anteriormente.

A visão unidimensional está centrada na questão do poder

como capacidade de tomada de decisão onde um ator A pode ou consegue

fazer com que um ator B faça algo que, sem a força coercitiva de A, não faria

por si só. Outro aspecto levado em conta nesta análise diz respeito a que este

poder (força) é exercido através de instituições formais. Além disso, na medida

em que este poder só se refere a exemplos observáveis, pode ser medido por

seus resultados nas decisões. Sobre isso Lukes(1982) afirma que: “...one-

dimensional, view of power involves a focus on behaviour in the making of

decisions on issues over which there is an observable conflict of (subjective)

interests, seen as express policy preferences revealed by political

participations.”11

Na análise bidimensional, há também a questão do fato ou

conflito observável, real. Mas Bachrach e Baratz (1963) afirmam que além do

poder institucionalizado existe a influência informal. As duas dimensões são a

tomada de decisão e a não-tomada de decisão, sendo ambas as faces do

tomador de decisões.. A não-tomada de decisão é ela mesma uma decisão.

Além da força da autoridade coercitiva pode-se observar a influência, indução,

persuasão, manipulação. Neste sentido, a análise do texto da revista Veja

demonstra como esse poder pode ser utilizado sem que se percebam os

grupos interessados na sua difusão. Voltando ao texto: ao procurar construir

uma identidade, hiperboliza-se12 a necessidade da Classe Média não votar em

Lula, sob pena de se igualar ao “povo”. Em outras palavras, diz que a Classe

11

LUKES, Steven. Power: A radical view. P. 15 12

Figura de estilo que consiste em engrandecer ou diminuir exageradamente a verdade das coisas.

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Média é superior, e não ignorante como o “povo” e o PT, o que justifica votar

em José Serra, seu igual. A elaboração do enunciado traz, de forma latente,

uma ameaça à face positiva da Classe Média, caso ela vote no PT, pois estaria

registrando e autenticando que é ignorante. Por oposição lógica, a face positiva

será valorizada, caso essa classe vote no PSDB.

Também na análise de Lukes(1992), há a presunção de que os

interesses são observáveis e conscientemente articulados pelo tomador de

decisão, desde que os indivíduos ou grupos tenham o capital cultural

necessário à sua apreensão. Aqui reside a mais importante diferença do que

tentamos demonstrar neste trabalho, pois o autor acredita que esses eventos

não possam ser observáveis (ou possam, mas de forma muito difícil) e que

esses mesmos eventos possam ser articulados, ou melhor, aconteçam de

forma inconsciente e, portanto, requeiram um exercício muito grande de

abstração. E como já apresentamos anteriormente, o objeto deste trabalho

requer um maior conhecimento que supera o senso comum.

A não-tomada de decisão, não observável e inconscientemente

articulada, pode nos dar uma pista de que haja uma superestrutura

perpassando (ou encobrindo) o centro de tomadas de decisão. Neste sentido,

procura-se não questionar o status quo, mas legitimá-lo, não politizando a

demanda (ela não passa pelo Congresso). Com este proceder, as reais

demandas populares adquirem o formato de ilegítimas, criando-se assim uma

pseudo-realidade, que vai de encontro aos interesses das classes dominantes

(Hayes. 1981). De fato, analisar um determinado evento não somente no

âmbito do indivíduo, mas na estrutura em que o indivíduo, país e/ou

organização estão envolvidos, é algo bastante complexo. Mas as dificuldades

podem ser transpassadas e certamente não requeiram de nós consignar a

visão da terceira dimensão do poder numa esfera metafísica ou ideológica.

Esta superestrutura impele algumas tomadas de decisão, ou uma não tomada

de decisão, que à luz da simples análise do indivíduo ou da organização, não

fariam sentido. Pode-se dizer, assim, que uma visão ou análise tridimensional

do poder deva levar em conta idéias, valores e normas em que estejam

inseridos os tomadores de decisão. E não se deve perder a dimensão de que

esses elementos influenciam os grupos não-organizados. Além disso, as

percepções (sentidos) de tais grupos sofrem a força do poder coercitivo do

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Estado, que difere daquela exercida pelo terceiro poder, pois é aplicada de

forma inexorável quando a amplitude de suas conseqüências não atinge os

indivíduos ou grupos de interesses.

Em suma, Lukes contraria a idéia dos antecessores, propondo

que os indivíduos que não fazem parte de um determinado grupo social,

detentor de poder decisório, são deixados de lado e manipulados no que se

refere as suas propostas, não sendo considerados na agenda política. Como a

proposição apresentada neste trabalho, os grupos que dominam o poder se

utilizam dos meios disponíveis para continuar a reproduzir os seus interesses.

E isso pode ser comprovado por uma pequena parcela da sociedade, uma vez

que o conhecimento exigido é muito superior à média da população e,

consequentemente, devido a esse fato, no Brasil estas práticas podem ser

reproduzidas por longo tempo.

Page 22: A terceira dimensão do poder

Bibliografia

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ANEXO I

Falar e escrever, eis a questão

Edição 1 725 - 7 de novembro de 2001

Expressar-se em português com clareza e correção é uma das maiores dificuldades dos brasileiros. A boa notícia é que muitos estão conscientes disso e querem melhorar

João Gabriel de Lima

Ilustração Orlando

Roberto Carlos, Romário, Silvio Santos, Vera Fischer, Carla Perez. Os famosos no Brasil em geral jogam futebol, atuam na televisão ou cantam música popular. O professor paulista Pasquale Cipro Neto, de 46 anos, tornou-se um nome nacional de uma forma bem diferente: ensinando português. Há duas semanas ele estreou um quadro no Fantástico, da Rede Globo. Já na estréia, E Agora, Professor? (esse é o nome do quadro) recebeu uma enxurrada de e-mails de telespectadores – cerca de 300 –, que queriam tirar dúvidas sobre o

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uso do idioma. Pasquale é um fenômeno de mídia. Além de levantar a audiência na TV, ele ajuda a vender publicações. Quando produziu um encarte com exercícios de português para O Globo, provocou um aumento de 40% na circulação dominical do jornal carioca. Republicada mais tarde na revista Época, pertencente à mesma empresa, a série fez com que a vendagem em bancas do semanário quase dobrasse. Pasquale também é um sucesso no rádio, em livros, em palestras e em CD-ROM. Ele não é o único que ficou conhecido nacionalmente por ensinar os brasileiros a falar e escrever melhor. Dono de uma escola de expressão oral, o economista Reinaldo Polito também faz um sucesso impressionante. Tem 1.600 alunos por ano, já vendeu mais de 570.000 livros e suas palestras estão cotadas em 9.500 reais. Seria errado concluir, a partir desses dois exemplos, que a língua portuguesa é uma paixão dos brasileiros, assim como o futebol, a televisão e a música. A verdade é que as pessoas finalmente perceberam que precisam dominar a norma culta do idioma. Principalmente na vida profissional. Nunca, no mundo corporativo, houve tantas reuniões e apresentações. Quem não consegue articular pensamentos com clareza e correção tem um grande entrave à ascensão na carreira. A invenção do e-mail contribuiu para este quadro, ao incrementar também a comunicação por escrito dentro das empresas. Na Nestlé, por exemplo, o número de mensagens eletrônicas trocadas entre os funcionários dobra a cada ano. Foram 2 milhões em 1999, 4 milhões em 2000 e, até o fim de 2001, esse número deve chegar a 8 milhões. É óbvio que é péssimo para a imagem de alguém enviar a seu chefe um e-mail confuso ou com erros de português. "O domínio da língua é importantíssimo para qualquer profissional, tanto que, na hora de admitir novos funcionários, costumamos fazer um teste de expressão escrita", informa Carlos Faccina, diretor de recursos humanos da Nestlé. José Paulo Moreira de Oliveira, especialista em português ligado à empresa de consultoria MVC, estima que, em carreiras nas quais a internet é ferramenta de trabalho, os profissionais despendam 25% de seu dia atualizando a correspondência eletrônica. Fora do trabalho, o e-mail é também cada vez mais usado na vida particular. A tendência é que sua utilização fique cada vez menos restrita à parcela da população que tem computador em casa. Recentemente, os Correios criaram um programa piloto de internet. No Rio de Janeiro e em São Paulo, várias agências contam com terminais para quem quiser enviar e-mails em vez de cartas. Quem não tiver endereço eletrônico pode obter um de graça, aderindo ao programa. Os Correios prometem colocar esse equipamento em todas as agências do país até 2003.

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AS ATIVIDADES DE PASQUALE

Escreve colunas em jornais de dez capitais brasileiras Participa de programas de treinamento no jornal Folha de S. Paulo e na Rede Globo Ancora o Nossa Língua Portuguesa, na TV Cultura Acaba de estrear um quadro no Fantástico, da Rede Globo Apresenta dois programas de rádio Coordena atividades especiais numa das unidades do Curso Anglo Tem sete livros publicados, que totalizam 350 000 exemplares vendidos Seu CD-ROM Nossa Língua Portuguesa vendeu 50 000 cópias

As angústias dos brasileiros em relação ao português são de duas ordens. Para uma parte da população, a que não teve acesso a uma boa escola e, mesmo assim, conseguiu galgar posições, o problema é sobretudo com a gramática. É esse o público que consome avidamente os fascículos e livros do professor Pasquale, em que as regras básicas do idioma são apresentadas de forma clara e bem-humorada. Para o segmento que teve a oportunidade de estudar em bons colégios, a principal dificuldade é com a clareza. É para satisfazer principalmente a essa demanda que um novo tipo de profissional

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surgiu: o professor de português especializado em adestrar funcionários de empresas. Antigamente, os cursos dados no escritório eram de gramática básica e se destinavam principalmente a secretárias. De uns tempos para cá, eles passaram a atender primordialmente gente de nível superior. Em geral, os professores que atuam em firmas são acadêmicos que fazem esse tipo de trabalho esporadicamente, para ganhar um dinheiro extra. "É fascinante, porque deixamos de viver na teoria para enfrentar a língua do mundo real", diz Antônio Suárez Abreu, livre-docente pela Universidade de São Paulo que já deu cursos em empresas como a Mercedes-Benz, a Nortel e a Companhia Paulista de Força e Luz. Abreu até lançou um livro voltado para esse público, A Arte de Argumentar – Gerenciando Razão e Emoção, que está na segunda edição. Já existe no país até uma escola voltada para o ensino da língua para profissionais. É o Curso Permanente de Português, de Porto Alegre. O CPP, como é conhecido, foi fundado em 1976 por Édison de Oliveira, uma espécie de precursor gaúcho de Pasquale Cipro Neto. Ele se notabilizou com aulas de gramática no rádio e na televisão do Rio Grande do Sul. Até recentemente, o CPP funcionava como um curso especializado em redação para o vestibular. Há cinco anos, resolveu atacar o filão das empresas. "É um trabalho bastante complexo, porque nós temos de entrar no universo das profissões para saber os problemas específicos que cada uma apresenta", analisa a professora Maria Elyse Bernd, diretora do CPP. O curso mescla aulas de gramática com atividades práticas direcionadas para as diferentes carreiras. Médicos aprendem a escrever laudos; advogados, petições; economistas, relatórios e assim por diante (veja exemplos). O CPP tem como clientes bancos, tribunais e até um hospital. Algumas empresas procuram o curso incentivadas pelos próprios funcionários. "Fizemos uma pesquisa e descobrimos que conhecer melhor as regras do idioma era uma demanda de todos os níveis hierárquicos", diz Josué Vieira da Costa, da área de recursos humanos do Banrisul, banco estatal gaúcho que contratou os serviços do CPP. Costa lembra que as dificuldades com o português chegaram a entravar a burocracia do banco. "Uma vez, um funcionário quase foi promovido erroneamente por causa do parecer dúbio de um executivo. É incrível que esse tipo de coisa atrapalhe o funcionamento de uma empresa."

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AS PROEZAS DE POLITO

Tem 11 livros publicados, que venderam 570 000 exemplares O best-seller é Como Falar Corretamente e sem Inibições, que vendeu 300 000 exemplares Por seu curso passam, em média, 1 600 alunos por ano Dá em média 3 palestras por mês Seu cachê por palestra é 9 500 reais Tem vários alunos famosos, entre eles o senador Eduardo Suplicy Ouça dicas do professor Reinaldo Polito sobre como falar bem em público.

A dificuldade com a clareza é um traço cultural no Brasil. "Num país com tantas carências educacionais, falar de maneira rebuscada é indicador de status, mesmo que o falante não esteja dizendo coisa com coisa", afirma o professor Francisco Platão Savioli, da Universidade de São Paulo, autor de nove livros sobre o ensino do idioma. Esse amor pelas palavras difíceis tem origem na época da transição do Império para a República, no fim do século XIX. Conforme explica Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil, com o advento da República o curso superior passou a ser o principal parâmetro de reconhecimento social. Na época, estavam em voga as escolas de direito. Assim, para ser alguém na sociedade daquele tempo, era necessário não apenas ser advogado, mas também falar como advogado. É daí que surge, segundo Sérgio Buarque, a linguagem bacharelesca. Esse estilo floresceu no começo do século XX e, a partir do modernismo, seu prestígio foi decaindo. O português empolado persiste, no entanto, até hoje, em formas degeneradas. Uma delas é o chamado "burocratês", a linguagem dos memorandos das empresas, nos quais mesmo para solicitar a compra de uma caixa de clipes são necessárias várias saudações e salamaleques. Outra é a retórica de parte dos políticos. O linguajar pomposo também sobrevive nas teses acadêmicas e, como era de esperar, no discurso dos advogados. Há vários indícios, no entanto, de que essa tradição de rebuscamento está fadada a ir para a lata de lixo da História. Na área do direito, por exemplo, existe uma corrente que defende a simplificação da língua. Há duas semanas, o desembargador João Wehbi Dib ganhou as manchetes de jornais pelo tom com que redigiu seu voto num processo contra o escritor Ruy Castro, acusado de difamar Garrincha no livro Estrela Solitária. Entre as provas arroladas pelos advogados dos herdeiros do jogador, havia uma descrição feita por Castro da anatomia íntima do craque. Para choque de muitos, o desembargador Wehbi Dib discorreu sobre o assunto sem meias palavras. "As novas gerações de advogados perceberam que o discurso empolado, muitas vezes, atrapalha a

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argumentação lógica", diz Ester Kosovski, professora da área de direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outro golpe no barroquismo vem da própria popularização do e-mail. "A linguagem da correspondência eletrônica, nas empresas, tem de ser mais concisa e mais clara que a do memorando, porque em geral tem o objetivo de provocar uma ação imediata", analisa o professor paranaense Artur Roman, autor de dissertação de mestrado sobre o assunto e funcionário do setor de treinamento do Banco do Brasil. A clareza também se tornou a prioridade dos cursos de oratória. O professor Reinaldo Polito, que há 26 anos tem em São Paulo uma escola de expressão verbal para profissionais de várias áreas, constatou, ao longo de sua carreira, uma mudança significativa. Segundo ele, até pouco tempo atrás a maior parte de sua clientela era formada por executivos na faixa dos 45 anos, que se preocupavam, antes de tudo, com a impostação de voz e a gestualidade. Recentemente, ele passou a ser procurado principalmente por jovens em início de carreira que querem aprender a se expressar de forma clara e simples. "Para atender esse pessoal, que hoje é o grosso do meu público, tive de reorientar o curso. Passei a enfatizar o encadeamento das idéias e a coerência da argumentação", conta Polito. A demanda é tanta que, em março passado, ele inaugurou outra unidade de sua escola, no bairro paulistano do Ipiranga. Nela, há auditórios de vários tamanhos para simular diferentes tipos de conferências. Polito tem entre seus alunos o senador do PT Eduardo Suplicy. "Ele é um homem inteligentíssimo, só precisa aprender a se expressar melhor. É um grande desafio para mim", avalia Polito. A dificuldade do brasileiro em falar e escrever de forma a se fazer entender não é apenas conseqüência da tradição bacharelesca. Há outros fatores. Para começar, lê-se pouco no Brasil. O parâmetro de comparação que costuma ser utilizado nessa área é a média de livros publicados per capita, que resulta da divisão do total da produção pela população do país. No Brasil se produzem 2,4 livros por habitante, contra sete na França e onze nos Estados Unidos. Esse indicador, no entanto, é imperfeito, porque ignora a taxa de analfabetismo, a proporção de livros didáticos no universo editorial e a quantidade de volumes que vai parar em bibliotecas. A Câmara Brasileira do Livro divulgou recentemente um estudo que mostra que, na verdade, os brasileiros lêem em média apenas 1,2 livro por ano. Não cultivar a leitura é um desastre para quem deseja expressar-se bem. Ela é condição essencial para melhorar a linguagem oral e escrita. Quem lê interioriza as regras gramaticais básicas e aprende a organizar o pensamento. As escolas poderiam ensinar a escrever, mas não o fazem. Não que as aulas de redação sejam em menor número do que o desejado. O problema é que essa matéria é ensinada de forma errada, por meio de assuntos distantes da vida real. "Em vez de escrever redações sobre temas vagos, como 'Minhas férias' ou 'Meu cachorro', o aluno deveria ser adestrado nos diferentes gêneros da escrita: a carta, o memorando, a ficção, a conferência e até o e-mail", opina o professor Luiz Marcuschi, da Universidade Federal de Pernambuco. Por último, há a questão do nível dos professores. "A maior parte da mão-de-obra nessa área é de baixa qualificação", diz o professor Pasquale Cipro Neto. "Como o aluno vai aprender a diferença entre sujeito e predicado se nem o professor entende direito? Infelizmente, não existem bons professores de

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português em número suficiente para atender à imensa demanda que o país tem." Pasquale conhece bem as carências nessa área. Ele percorre o Brasil para dar palestras. Transformou-se em estrela de magnitude nacional depois de atuar em comerciais da rede de lanchonetes McDonald's, em 1997. Pasquale, no entanto, não é uma unanimidade. Esteja em São Paulo, Macapá ou Passo Fundo, inevitavelmente ouve críticas. Elas ecoam o pensamento de uma certa corrente relativista, que acha que os gramáticos preocupados com as regras da norma culta prestam um desserviço à língua. De acordo com essa tendência, o certo e o errado em português não são conceitos absolutos. Quem aponta incorreções na fala popular estaria, na verdade, solapando a inventividade e a auto-estima das classes menos abastadas. Isso configuraria uma postura elitista. Trata-se de um raciocínio torto, baseado num esquerdismo de meia-pataca, que idealiza tudo o que é popular – inclusive a ignorância, como se ela fosse atributo, e não problema, do "povo". O que esses acadêmicos preconizam é que os ignorantes continuem a sê-lo. Que percam oportunidades de emprego e a conseqüente chance de subir na vida por falar errado. "Ninguém defende que o sujeito comece a usar o português castiço para discutir futebol com os amigos no bar", irrita-se Pasquale. "Falar bem significa ser poliglota dentro da própria língua. Saber utilizar o registro apropriado em qualquer situação. É preciso dar a todos a chance de conhecer a norma culta, pois é ela que vai contar nas situações decisivas, como uma entrevista para um novo trabalho." Felizmente, a maior parte das pessoas não está nem aí para a conversa mole dos relativistas. Quer saber, isso sim, de falar e escrever direito. A julgar pela máxima do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein – "os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento" –, os brasileiros que tentam melhorar seu português estão também aprendendo a pensar melhor.